Você está na página 1de 88

93

Figura 34. Mapa dos bairros referentes a RPA-1, PCR, 2001.

3.3. Confecção de Pesquisa-piloto

Haja vista o caráter experimental e fenomenológico da pesquisa, uma das


formas de contribuir para uma execução eficaz dos experimentos é testá-los de
maneira previa a acertar, por exemplo, que acessórios levar para pesquisa de campo,
quais os melhores dias e horário para a execução das técnicas, entre outros aspectos
próprios de uma experiência direta da cidade. Para tanto, fica estabelecido o uso das
pesquisas-piloto como etapa metodológica de pesquisa.

A pesquisa-piloto tem, como uma das principais funções, testar o instrumento de


coleta de dados. A pesquisa-piloto evidenciará ainda: ambiguidade das questões,
existência de perguntas supérfluas, adequação ou não da ordem de apresentação das
questões, se são muito numerosas ou, ao contrário, necessitam ser complementadas etc.
Uma vez constatadas as falhas, reformula-se o instrumento, conservando, modificando,
ampliando, desdobrando ou alterando itens; explicitando melhor algumas questões ou
modificando a redação de outras (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 228).
94

As pesquisas-piloto ou pré-testes têm, portanto, uma função fundamental de


adequação dos objetivos para uma maior eficácia na aplicação dos métodos. Elas
servem como balizadores para possíveis equívocos ou parâmetros desnecessários
que tenham sido incluídos na fase teórica da metodologia, onde poucas coisas de fato
foram testadas. Demonstra-se em seguida, portanto, a descrição e análise de seis
pesquisas-piloto realizadas objetivando a pesquisa em vigor.

3.3.1 Piloto 01

A primeira pesquisa piloto constituiu-se de uma deriva realizada pelo próprio


pesquisador no mês de janeiro. A intenção principal era constatar alguns fatores como
o seu tempo médio de duração, a possibilidade de registros e as possíveis
complicações relativas ao horário, clima e movimento na cidade. O horário escolhido
foi o da tarde, por volta de uma hora. A Av. Agamenon Magalhães foi pensada como
local de início por estar situada às margens do sítio de aplicação. A lógica do trajeto
seria, portanto, sair das bordas da área de pesquisa no sentido do seu centro. Alguns
dos acessórios levados pelo pesquisador foram: um smartphone apto a fotografar e
pesquisar dados via internet; um mapa do centro do Recife para registros analógicos
sobre percurso ou fenômenos geográficos; e um caderno para anotações em escrito.
Talvez por conta da recente imersão de leitura do Esboço de Descrição
Psicogeográfica de Les Halles, o pesquisador tenha sido impelido a registrar a deriva
em forma de notas, que posteriormente se transformaram num relato psicogeográfico
ilustrado por algumas poucas fotografias, devido à dedicação às anotações. Segue,
portanto, trechos do relato38 realizado durante a deriva, seguido por algumas
fotografias e registros:

A Rua João Fernandes Vieira tem uma ambiência muito particular, apesar de ser
um ambiente de trabalho, com escritórios, repartições, entre outras coisas. A sombra das
árvores e atmosfera contribuem para uma sensação de relaxamento (MONTE, 2015).

38
Para relato completo ver Apêndice A.
95

Figura 35. Ilustração da Rua João Fernandes Vieira. Foto do autor.

O contraste da Rua José Mariano em relação ao bairro dos Coelhos em suas


costas é incrível. Pode-se perceber a vida de fato, típica das periferias da cidade em meio
a brechas que aparecem num cenário de armazéns e comércio pesado, de onde são
tiradas matérias primas para construções da sociedade atual, que nada tem de
construtivas. Um conselho aos transeuntes da José Mariano é espiar, e quem sabe
adentrar à vida real que se revela entre as brechas (MONTE, 2015).

Figura 36. Exemplo de registros da deriva. Documento do autor.


96

Figura 37. Mapa de ilustração do percurso da deriva. Documento do autor.

A duração completa dessa experiência foi de aproximadamente quatro horas,


e apesar de ter gerado alguns resultados físicos interessantes é preciso levar em
conta a dificuldade de se construir um relato em plano estado de deriva. A parada em
pontos estratégicos para tomada de notas dispende tempo que poderia ser gasto num
mergulho maior na própria experiência e levantamento de hipóteses, e menos na
descrição de ambiências.
A experiência desse piloto também foi importante para a constatação de que o
horário da tarde em certos pontos é prejudicial, por conta da incidência do sol, mas
que, mesmo assim, deve insistir na ideia de derivar durante o dia, por conta da grande
profusão de fenômenos e acontecimentos possíveis próprios de uma cidade no seu
período diurno. Além disso, os relatos e mapeamentos também se confirmaram como
elementos de estímulo à verificação das hipóteses de plaque tournantes e unidades
de ambiência.
97

3.3.2 Piloto 02

A pesquisa-piloto de número dois foi realizada em trio. Os membros desse trio


foram compostos pelo autor da pesquisa e mais dois pesquisadores-participantes:
Matheus Mota e Rodrigo Cm. O horário de início da deriva foi estabelecido pelo grupo
como sendo o das nove da manhã, escolhido principalmente pela disponibilidade de
tempo dos participantes. O local determinado para início da deriva foi o entorno da
UNICAP (Universidade Católica de Pernambuco), pelo grande movimento de pessoas
e aspecto agregador do lugar. Por conta do atraso do pesquisador Rodrigo Cm, a
deriva começou com apenas dois participantes.
O trajeto teve início na Rua Bernardo Guimarães, também conhecida como a
“Rua do Lazer” da UNICAP, e seguiu por uma rua perpendicular à Rua do Príncipe,
no sentido da Av. Conde da Boa Vista. Nesse trecho, devido ao surgimento de um
elemento inesperado, a deriva tomou um rumo baseado nos preceitos do jogo
situacionista. A dupla iniciante da deriva resolveu seguir uma pessoa na rua. Segue o
relato39 de descrição da situação:

Dobramos no sentido da Conde da Boa Vista e, no meio de explicações sobre a


Internacional Situacionista, Matheus me alerta sobre um transeunte: – Tá ligado nesse
velho? – É Daniel Santiago (falamos em uníssono). Vidrado, então, nas possibilidades de
uma deriva convenço Matheus a segui-lo (por um momento achamos que ele iria visitar
Bruscky). Mas Daniel só estava a caminho do Céu e Terra, alguma loja de homeopatia ou
coisa parecida. Resolvemos parar de segui-lo e de seguir pessoas em geral (MONTE,
2015).

O sentimento de jogo da deriva foi esquecido e desarticulado também por conta


do calor excessivo proveniente do sol. Mesmo antes de chegar a Av. Conde da Boa
Vista a dupla se abrigou num shopping no intuito de amenizar os efeitos do clima. Ao
encontrar o terceiro participante, ainda no ambiente do shopping, o grupo, em
conversa sobre os futuros passos da deriva, decide por um trajeto que se dedica a
explorar ainda mais o bairro da Boa Vista. A escolha desse trajeto acaba por
influenciar o reconhecimento de dois perfis de ambiências. Na primeira as afetividades
se relacionaram à arquitetura da Rua José de Alencar, principalmente a dos edifícios

39
Para relato completo ver Apêndice B.
98

modernistas e dos casarões presentes na rua, cujo envelhecimento foi considerado


pelo trio como esteticamente atraente.

Figura 38. Edifício na Rua José de Alencar. Foto do autor.

Figura 39. Casarão na Rua José de Alencar. Fonte: Google Maps.

No segundo perfil de ambiências, o aspecto de abandono em contraste com o


de vida oculta presente em algumas ruas foi a tônica de reconhecimento de
atmosferas. O casario para alugar na Rua Visconde de Goiana e o espaço de
assistência técnica de máquinas de costura, da Rua das Ninfas, servem para ilustrar
esse sentimento. Em ambos os casos, de acordo com os pesquisadores, as
ambiências das ruas traduzem movimentos atmosfericamente camuflados, como um
rastro de fatos e momentos vividos da cidade.
99

Figuras 40 e 41. Rodrigo e Matheus no casario; Assistência de máquinas de costura. Fotos: Luiz do Monte e Matheus Mota.

Um outro aspecto interessante da presente deriva foi o registro do percurso


realizado com auxílio de um aplicativo de GPS para smartphone. O aplicativo
chamado Map My Walk permite o registro georreferenciado de caminhadas na cidade.
Com isso foi possível elaborar um mapa que representasse o percurso afetivo de
caminho da deriva sem grandes preocupações com anotações analógicas.

Figura 42. Exemplo de registro do Map my Walk. Arquivo do autor.


100

A pesquisa-piloto de número dois durou aproximadamente três horas e se


configurou como uma deriva onde foram testadas a inclusão do jogo enquanto
possibilidades estéticas, a breve exploração de algumas ambiências e o uso do relato
escrito como um dos instrumentos de registro. E, por fim, o uso de recursos digitais
no registro dos percursos e ações do trajeto.

3.3.3 Piloto 03

Para a terceira deriva-piloto foi novamente montado um grupo de três


participantes, entretanto, novamente por conta do atraso de um deles deriva se iniciou
em dupla. A dupla de início foi formada pelo próprio autor da pesquisa e o
pesquisador-participante João Pessoa que se encontraram por volta das nove horas
da manhã. O local escolhido para o encontro foi a Praça Marco Zero do Recife, que
na avaliação dos participantes, funciona como um local que remete ao conceito de
plaque tournante, por ser um ponto de referência e ampla movimentação na cidade.
O início da deriva se deu numa área de ambiências classificadas como
confusas, no bairro do Recife Antigo. A área em questão se configura pelas Ruas do
Brum, a Rua Bernardo Vieira de Melo suas ruas perpendiculares. Nesse local, a
pluralidade de aspectos estéticos causou um tipo desordem no olhar dos
pesquisadores. As diferenças estéticas entre edifícios institucionais e áreas de
moradia e vivência natural da rua concedem à atmosfera do lugar uma ambiguidade
classificada pela dupla como interessante. Como, por exemplo, o contraste entre os
silos graneleiros e o Bar da Nalva, ponto característico da comunidade do Pilar.

Figuras 43 e 44. Silos de armazenamento e Bar da Nalva. Fotos do autor.


101

Por conta de sua imprecisão atmosférica, os contrastes dessa unidade de


ambiência foram associados com uma unidade semelhante pertencente a Rua José
Mariano (ver apêndice A), o que acabou por gerar uma relação gráfica improvisada
no mapa relativo à deriva.

Figura 45. Relação entre unidades de ambiência. Desenho do autor.

Após a chegada do terceiro membro, a pesquisadora-participante Bruna Ferrer,


a deriva acaba por tomar um rumo diferente no aspecto teórico, entretanto semelhante
no que se refere ao percurso. Ainda pelo entorno da Rua do Brum e imediações da
Praça do Arsenal o grupo tem a ideia de iniciar experiências concernentes ao conceito
de jogo situacionista. Por conta do calor e sol excessivo das horas próximas ao meio-
dia o grupo teve a ideia de empreender uma caminhada apenas na parte sombreadas
das ruas e calçadas.
Essa experiência acabou se desdobrando em outras brincadeiras, como o
percurso apenas sobre pedras de cor escura, o percurso seguindo apenas os trilhos
a antigos dos bondes, entre outros. Alguns desses jogos foram registrados não
apenas em fotografia, como também em vídeos40 via smartphones, ampliando, desta
maneira, o leque de possibilidades de registro das ações em deriva.

40
Vídeos e outros registros dos pilotos e experimentos disponíveis no blog: cargocollective.com/recifedeandada
102

Figuras 46 e 47. Frames dos vídeos do percurso das sombras e das pedras. Arquivo do autor.

Depois dessa incursão ao jogo situacionista realizada pelo grupo, houve um


retorno à deriva enquanto recurso de passagem rápida e os participantes rumaram
em direção ao lado oposto da ilha do Recife Antigo. Nesse novo sítio, cuja ambiência
é formada pela Rua da Moeda, Rua Tomazina, Rua Dona Maria César e adjacências,
foi diagnosticada uma ambiência de atmosfera amena. Esta ambiência foi classificada
pelo grupo como uma ambiência de ruínas afáveis. Nela, de fato, existem prédios
abandonados, mas que por aspectos estéticos e afetuosos transmitem um sentimento
de nostalgia e tranquilidade aos passantes, talvez por se postarem de maneira
marginal, porém admirável, frente aos edifícios e os transeuntes da área.

Figuras 48 e 49. Ruínas do Recife antigo Fotos: Luiz Monte e João Pessoa.
103

Figura 50. Registro da deriva pelo Map my Walk. Arquivo do autor.

Esta pesquisa-piloto também teve duração aproximada de três horas. Nela


foram usados os mesmos recursos da segunda pesquisa, como a compreensão do
jogo enquanto possibilidade lúdico-construtiva da deriva, o uso de fotografias e vídeos
do Map my Walk no registro dos percursos e ações. E ainda, a relação entre unidades
de ambiências afastadas pela geografia, desta vez relacionadas por meio de um
esboço psicogeográfico no mapa da cidade.

3.3.4 Piloto 04

A quarta pesquisa foi realizada em dupla composta pelo autor da pesquisa e


pela pesquisadora-participante Bruna Ferrer. A deriva iniciou seu percurso na praça
do Marco Zero, no bairro do Recife antigo, às nove da manhã, pelas mesmas razões
da terceira pesquisa, e teve seu percurso caracterizado por aspectos interessantes.
O primeiro foi a investigação, por intermédio de contemplação e conversa com outros
transeuntes e trabalhadores da região em relação à história de alguns dos espaços e
edifícios antigos da região. Essa verificação balizou o reconhecimento de algumas
ambiências típicas do bairro como, por exemplo, a Rua da Guia e a Rua do Apolo, que
possuem edifícios que costumavam abrigar diferentes serviços dos atuais, e que
mesmo tendo mudado de função conservam a aura de suas funções passadas. Como
104

o Ed. Cristina Tavares na Rua da Guia, onde hoje funciona um edifício de escritórios
e um antigo armazém na Rua do Apolo onde atualmente existe um estacionamento.
O outro aspecto interessante do trajeto, foi a influência dos sons como
elementos de desvio do percurso. Em vários momentos da deriva a dupla foi capturada
por elementos sonoros do cotidiano da cidade. O primeiro elemento sonoro foram as
palmas em um edifício da Rua da Guia onde acontecia algum tipo de terapia corporal
coletiva. Esse desvio de rota fez, inclusive, com que a dupla entrasse no edifício e
conversasse com o recepcionista, inteirando-se dos serviços oferecidos no lugar.
Outro elemento sonoro que influenciou no andamento da dupla foi a passagem
de um protesto de funcionários do transporte público enquanto os pesquisadores
cruzavam a Av. Martins de Barros. Ao escutar as palavras de ordem dos manifestantes
com megafones a dupla refreou seu rumo e tomou o sentido da avenida,
acompanhando e filmando41 parte da realização do protesto. Uma constatação dos
pesquisadores em relação ao protesto foi a mudança efêmera na ambiência da rua. A
existência de um acontecimento de força maior numa cidade, como um protesto ou
parada, tem a capacidade de alterar de forma momentânea as relações estéticas e
sociais de uma ambiência. As mudanças das conversas entre os cidadãos, a alteração
de visão em perspectiva dos elementos do ambiente, por conta de possibilidade de se
andar pelo asfalto, entre outros aspectos, confere um caráter alterador de ambiências
a esses acontecimentos facilitando, inclusive, o surgimento de elementos lúdicos.

Figura 51. Frame de vídeo de gravação do protesto na Av. Martins de Barros. Arquivo do autor.

41
Vídeos e outros registros dos pilotos e experimentos disponíveis no blog: cargocollective.com/recifedeandada
105

Após o protesto, a deambulação empreendida pela dupla continuou no sentido


dos bairros de Santo Antônio e São José, principalmente nas ruas de movimento
comercial. A questão lúdica e sazonal do período do carnaval foi um elemento de forte
atração para essa escolha. Nesta caminhada pelo centro comercial os pesquisadores
fizeram uso do aplicativo para smartphone Instragram como recurso de registro. Além
da possibilidade de tratamento das fotografias o Instagram permite referenciá-las
geograficamente. Diferentemente do Map my Walk, o aplicativo não faz o registro do
percurso do usuário, mas possibilita a marcação exata dos pontos onde foram
realizadas, o que abre a possibilidade para a construção de um mapa afetivo baseado
em fotografias de derivas.

Figura 52. Exemplo de mapa elaborado no Instagram. Arquivo do autor.

O uso do Instagram também incentivou a ampliação do registro fotográfico da


deriva. A quantidade de fotos realizadas neste piloto foi consideravelmente maior que
nos anteriores, o que acabou gerando uma modesta historiografia de pequenos
trechos e ambiências do trajeto por intermédio de imagens.
106

Figuras 53, 54, 55 e 56. Imagens da ambiência dos arredores do Mercado de São José. Fotos do autor.

Nas ruas próximas ao Mercado de São José, a dupla diagnosticou uma


ambiência classificada como alegre. A profusão de cores, a multiplicidade de
fenômenos e o perfil dos transeuntes foi o que levou os pesquisadores a essa
conclusão. Além disso, outra influência de elemento sonoro acabou por influenciar o
trajeto no bairro de São José. Em determinado momento, os pesquisadores seguiram
um carrinho de venda acessórios culinários ao ouvirem por intermédio do sistema de
som um aviso de que nele se vendia a “famosa cuscuzeira peito-de-moça”. Esse fato
contribuiu ainda mais para a classificação dessa ambiência como descontraída.
Esta pesquisa-piloto também foi importante para o reconhecimento de que a
deriva é capaz de alterar a noção de tempo de seus participantes. A dupla participante
deste quarto piloto percebeu que, em dado momento, escapou da lógica de
107

necessidade de compartimentação do tempo para realização de tarefas cotidianas, e


concordaram em relação ao sentimento de liberdade ao experimentar o tempo da
deriva de acordo com suas vontades plenas.
Outro fato interessante deste percurso foi a passagem por um edifício em
ruínas, por conta de um incêndio, situado na Rua Direita. A experiência de sentir-se
impelido a entrar num espaço em ruínas42, mesmo sob olhares atentos dos
transeuntes, foi constatada e conceituada pela dupla como mais um elemento típico
do sentimento de jogo presente na deriva. Sentimento ao qual Guy Debord se refere
na própria Teoria da Deriva:

Assim, o modo de vida pouco coerente, e até certas brincadeiras consideradas


duvidosas, que sempre foram muito apreciadas por nosso grupo – como, por exemplo,
entrar de noite em prédios de demolição, (...) – são decorrentes de um sentimento mais
geral que corresponde ao sentimento de deriva (DEBORD, 1957).

Figura 57. Interior do edifício em ruínas da Rua Direita. Foto do autor.

A presente pesquisa-piloto, por conta da quantidade de elementos


interessantes, acabou sendo uma das experiências mais longas, tendo a duração
aproximada de seis horas. Ela se mostrou importante pela inclusão de novos aspectos

42
Vídeos da ruína e outros registros dos pilotos e experimentos disponíveis no blog: cargocollective.com/recifedeandada
108

de alteração de percurso, como os elementos sonoros da cidade; pelo uso de um novo


recurso de registro e mapeamento dos fenômenos, o Instagram; e pela constatação
de alteração da noção de tempo e do sentimento de jogo ocasionados pela deriva.
Por fim, a pesquisa também teve seu percurso georreferenciado pelo aplicativo Map
my Walk, que demonstrou o quanto o percurso se focou nas imediações dos bairros
de Santo Antônio e São José.

Figura 58. Registro da quarta pesquisa piloto em mapa. Arquivo do autor.

3.3.5 Piloto 05

Na quinta pesquisa-piloto o autor da pesquisa e os pesquisadores-participantes


Bruna Ferrer e João Pessoa se reuniram com outros participantes que se propuseram
a caminhar pela cidade por ocasião do exercício de uma disciplina da Pós-Graduação
em Design da UFPE. O local de encontro do grupo foi a padaria Duque de Caxias,
sugerido pela pesquisadora-participante Bruna Ferrer, por se tratar de um local de
memória afetiva do centro da cidade, estando a padaria situada no térreo do Arranha-
céu da Pracinha, prédio simbólico situado na Praça da Independência, no bairro de
Santo Antônio.
Os participantes iniciaram o percurso por volta das duas da tarde, por conta da
disponibilidade de horário dos membros. Os rumos da deriva também foram
109

majoritariamente guiados pela pesquisadora-participante Bruna Ferrer, muito embora


outros participantes e situações tenham interferido no caminho. Durante a pesquisa
houve novamente a tendência atrativa de caminhar pelas ruas de atmosfera
comercial, como a Rua Duque de Caxias, a Rua do Livramento e a Rua Direita.
Nesta deriva foi adotada, pelos membros, uma estratégia diferente de pesquisa:
a condição de caminhar olhando para cima. Essa condição se mostrou interessante
pela sua equivalência com o caráter da deriva de projetar olhares não habituais sobre
a cidade. O “olhar para cima” despertou conversas entre os participantes e fotografias
de edifícios considerados pelo grupo como interessantes, como dois edifícios da Rua
Duque de Caxias, um de estética art déco e outro que continha um deslocamento
diferente em sua fachada, habitada pelos característicos pombos do centro. Além
desses, também foram foco da atenção do grupo um quarto construído bem no alto
de um sobrado, similar a um campanário, e o Ed. Coelho, situado na Rua Imperatriz.

Figuras 59, 60, 61 e 62. Registro dos edifícios resultados do “olhar para cima”. Fotos do autor.
110

A condição de olhar para os fenômenos e elementos no alto da rua pode ser


vista também como recurso da deriva e mais um artifício próximo do conceito de jogo
situacionista. A espontaneidade dos acontecimentos pertinentes a esse ato auxilia
nessa suposição. A possibilidade de possíveis tropeços no trajeto, devido a
irregularidade dos pisos do centro, e ainda, a atitude dos transeuntes e trabalhadores
de acompanhar o olhar dos pesquisadores, torna o “olhar para cima” um elemento
lúdico-performático nos trajetos da cidade.
Outro elemento importante desta pesquisa-piloto foi o uso de mais um aplicativo
de registro de imagens, o Snapchat. O Snapchat permite a realização de comentários
na própria fotografia, logo após o seu registro. Com essa possibilidade, a relação entre
a impressão sobre determinada ambiência ou atmosfera da fotografia se torna ainda
mais estreita. Durante esse quinto piloto, por exemplo, foram realizadas fotografias
cuja tônica, por vezes subjetiva da imagem, pôde ser registrada em textos adjacentes
à própria imagem, como ilustram as imagens a seguir:

Figuras 63 e 64. Registros das ambiências da Rua Direita e da praça do Pirulito. Fotos do autor.
111

Na imagem referente à Rua Direita há uma tentativa de descrição da própria


rua como conformadora de uma ambiência, por sua característica funcional de compra
de materiais próprios de projetos artísticos e pela sua atmosfera de cor e movimento.
Na imagem da Praça da Restauração, comumente chamada de Praça do Pirulito, por
conta do obelisco, foram identificadas pelos participantes, e registradas via Snapchat,
três ambiências. A primeira ambiência é referente a própria Praça, pelo seu aspecto
calmo e sombreado, a segunda é conformada pela Rua do Jardim e seu movimento
típico de comércio. E, por último, uma terceira ambiência ao longe, é categorizada
pelo fluxo intenso dos automóveis subindo e descendo o viaduto das Cinco Pontas.
Além do registro via Snapchat, mais uma vez foi utilizado o rastreamento pelo
aplicativo Map my Walk, que identificou a tendência do percurso pelas ruas comerciais
dos bairros de Santo Antônio e São José, e ainda, a atração gerada também pela Rua
da Imperatriz. Por sua característica de possuir edifícios interessantes de serem
contemplados pelo recurso do “olhar para cima”, fato indicado pela pesquisadora-
participante Bruna Ferrer.

Figura 65. Registro do percurso da pesquisa-piloto 05. Arquivo do autor.


112

A pesquisa-piloto de número cinco foi encerrada por volta das seis da noite,
tendo durado aproximadamente quatro horas. Ela se consolidou como mais uma
pesquisa de tendência a uma grande quantidade registros fotográficos, não apenas
por influência dos aplicativos de smartphone, mas também pela atenção concentrada
em elementos visuais, como a visão do alto dos edifícios e o reconhecimento de
ambiências por seus elementos palpáveis. Além disso, a pesquisa foi importante pela
introdução do uso do aplicativo Snapchat, que facilita o registro afetivo por meio de
fotos, e ainda, pela recorrência do uso do Map my Walk para anotação do percurso.

3.3.6 Piloto 06

Para esta pesquisa-piloto foi composto mais uma vez um trio de participantes:
o autor da pesquisa e os pesquisadores-participantes Augusto Ferrer e Bruno Cardim.
O horário de início da deriva, previsto pelo grupo, foi o horário da manhã com saída
por volta das nove horas, em função da opinião dos mesmos de que neste horário a
cidade demonstra de forma mais intensa a sua vitalidade. A maior disponibilidade de
horário dos pesquisadores-participantes dessa pesquisa em relação aos membros
das outras contribuiu para a extensão do tempo de percurso, o que, por sua vez,
colaborou para uma deriva ainda mais completa.
A deriva teve início em frente ao Shopping Boa Vista, após os participantes
avaliarem o local como um dos principais pontos de encontro da cidade, dada sua
característica de centralidade em relação a todo território do sítio de aplicação das
pesquisas, e ainda, pela sua proximidade com o conceito de plaque tournante
psicogeográfica, igualmente avaliado pelo trio. O trajeto seguiu por entre as ruas de
trás do edifício comercial, situadas mais ao sul do bairro.
O fator que caracterizou o diagnóstico de uma unidade de ambiência nessa
área foi o lodo, a pátina, e a vegetação incrustada em paredes, elementos peculiares
do envelhecimento de alguns edifícios. A ambiência gerada por esses elementos
agregados aos edifícios antigos foi reconhecida na Rua da Soledade, na Rua Manoel
Borba e na Rua Rosário da Boa Vista, e foi classificada pelo grupo como uma
ambiência em estado de descuido, porém de atmosfera atraente ao exercício de
deriva.
113

Figuras 66, 67 e 68. Imagens do percurso da pesquisa-piloto 06. Arquivo do autor.

Ainda no bairro da Boa Vista, o grupo caminhou até um ponto mais ao sul, em
direção ao rio e identificou outra unidade de ambiência, dessa vez conformada por um
pátio sombreado e ventilado, delimitado pelos edifícios e algumas barracas de lanche
da Rua Bulhões Marquês. Mais à frente na deriva, uma terceira ambiência foi
reconhecida pelo trio. A atmosfera bucólica, própria do pátio da Faculdade de Direito
do Recife, aliada à sua fácil e instintiva ligação com o parque de Treze de Maio, de
ambiência semelhante, conformou tal classificação. Os participantes caminharam por
ambos os “parques” e classificaram-nos como espaços de unidade de atmosfera
campestre, mesmo estando inseridos numa malha urbana.
Além dessas ambiências no bairro da Boa Vista, outra região, dessa vez no
bairro de Santo Antônio, foi classificada como uma unidade relacionada com as
ambiências anteriores. A Praça Dezessete, igualmente conhecida como a “Praça dos
Pombos Rosas”, também foi qualificada pelo grupo como dona de uma ambiência
amena em relação ao seu entorno movimentado. A inter-relação entre estas e outras
ambiências foi exercitada pelo grupo em um mapa de unidades de ambiências,
baseado nos preceitos situacionistas do recorte cartográfico de lotes e ruas, do
encurtamento de suas distâncias pela indicação de setas vermelhas e da inclusão de
alguns registros fotográficos.
114

Figura 69. Mapa de unidades de ambiência. Autores: Augusto Ferrer, Bruno Cardim e Luiz Monte.

Além do registro de unidades de ambiência, a cartografia também foi utilizada


pelo grupo como uma forma de registrar o percurso da deriva. O registro realizado
pelo Map my Walk serviu como base para a demarcação do passeio completo do trio,
que evidenciou uma maior concentração de percurso nos bairros da Boa Vista e de
Santo Antônio.

Figura 70. Mapa de percurso da pesquisa-piloto 06. Autores: Augusto Ferrer, Bruno Cardim e Luiz Monte.
115

A partir da experiência da confecção desses mapas, e de um nivelamento de


consciência do grupo sobre os aspectos principais de uma deriva, o trio chegou a
levantar algumas hipóteses relativas ao trajeto.
A primeira hipótese é concernente aos becos enquanto elementos de atração
e de passagem rápida entre ambiências distintas. A passagem do grupo por alguns
becos e vielas, principalmente os do bairro da Boa Vista, durante a caminhada
suscitou esta possível relação entre os becos e os elementos de desvio e atração
afetiva presentes nas derivas.
A segunda hipótese diz respeito às ruínas, e aos prédios abandonados ou
envelhecidos. A impressão do grupo sobre este tipo de edifícios foi a de que eles
funcionam como um dispositivo dúbio, gerando sentimentos que remetem ao
incômodo pela falta de cuidado na manutenção dos edifícios, mas que ao mesmo
tempo atraem o olhar por uma sensação de vivência antiga e histórias escondidas.

Figuras 71 e 72. Beco da Igreja do Divino Espírito Santo e antigo depósito da Singer. Fotos do autor.

Deste modo, a sexta e última pesquisa-piloto tornou-se uma investigação que


conseguiu identificar e relacionar ambiências por intermédio de cartografias afetivas.
Inaugurou o registro do percurso na forma de mapa elaborado pelos próprios
pesquisadores. Além de ter levantado novas hipóteses sobre elementos da cidade,
como as referentes aos becos e às ruínas.
116

3.3.7. Considerações Sobre os Pilotos

Tendo em vista que pesquisa-pilotos ou pré-testes servem para avaliar a


pertinência dos instrumentos e acessórios de pesquisa, serão descritas aqui algumas
considerações sobre os resultados das pesquisas-piloto. A manutenção de aspectos
considerados positivos e a mudança de resoluções sobre as premissas de pesquisa
têm intuito de tornar a aplicação dos próximos experimentos contundente e eficaz.

Finalmente, o pré-teste permite também a obtenção de uma estimativa sobre os


futuros resultados, podendo, inclusive, alterar hipóteses, modificar variáveis e a relação
entre elas. Dessa forma, haverá maior segurança e precisão para a execução da pesquisa
(MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 228).

Um dos pontos a serem discutidos diz respeito ao número de participantes da


deriva. Embora a deriva possa ser executada de modo individual, a experiência
adquirida com os pilotos demonstra que a técnica realizada em modo coletivo, com
participantes dispostos e abertos ao experimento torna a investigação ainda mais
produtiva. Esse fato é, inclusive, corroborado por um dos trechos da Teoria da Deriva:
“(...) tudo indica que a distribuição mais proveitosa será a que consiste em vários
grupinhos de duas ou três pessoas, com idêntico nível de consciência, cujas
observações serão confrontadas e levarão a conclusões objetivas” (DEBORD, 1957).
Outra questão abordada nas experiências-piloto e que também tem importância
para a elaboração dos experimentos é o tempo de duração e enfrentamento do clima
da deriva. Apesar das derivas estarem planejadas para o centro do Recife, cidade de
clima tropical, úmido e de forte insolação, grande parte dos eventos interessantes das
pesquisa-piloto aconteceram em horários onde o sol é presente, por exemplo, das
nove da manhã às seis da tarde.
É interessante para os experimentos que eles possam ocorrer em horários
onde os fenômenos e elementos da cidade estejam acontecendo de maneira plena.
Desse modo, as derivas no Recife podem ocorrer durante parte do dia, ou mesmo
durante todo dia até o período noturno, desde que sejam tomadas as devidas
proteções contra os raios do sol. A única observação em relação ao momento da
deriva diz respeito à madrugada, pela ausência da plenitude dos fenômenos da cidade
117

nesse período. “(...) convém lembrar que as horas da madrugada são em geral
impróprias à deriva” (DEBORD, 1957).
Pelo fato da maioria das pesquisas-piloto terem sido realizadas no período
diurno, abre-se, portanto, a possibilidade para que os experimentos possam adentrar
o início da noite, e talvez, durar por mais de um dia. “(...) certas derivas de intensidade
suficiente prolongaram-se por dois ou três dias, e até mais” (DEBORD, 1957).
Entretanto, ressalta-se o fato de que a maioria dos participantes das pesquisas-piloto
considera o período diurno como o mais propício às caminhadas.
Outro fato relevante para o planejamento de derivas é a questão do jogo
enquanto elemento de distração e contribuição para o aspecto lúdico de uma
caminhada psicogeográfica. O jogo, ilustrado em algumas situações das pesquisas-
piloto funcionou como um elemento de contraposição à vida corriqueira, ou seja, como
um artifício que auxilia o objetivo da deriva de projetar um olhar e uma condição
diferentes da vivência ordinária das cidades. Nesse sentido, o recurso do jogo foi
estabelecido como um potencial e importante instrumento para os experimentos.
Os aplicativos são mais um recurso que também se tornaram importantes a
partir das pesquisas-piloto. Contudo, além da evidente contribuição do Map my Walk,
do Instagram e do Snapchat para o registro das derivas, é interessante pensar na
utilização desviante das características desse aplicativos.
Por exemplo, o Map my Walk, aplicativo criado com o intuito de informar
trajetos, perda de calorias e distâncias para os corredores teve sua função alterada
para o mapeamento de derivas experimentais. O Instagram, cuja função prioritária é
o compartilhamento instantâneo de imagens entre usuários da plataforma, sofreu uma
perversão dessa serventia e foi utilizado nas derivas como instrumento de
mapeamento afetivo. E ainda, o Snapchat, aplicativo inventado para o envio de vídeos
e fotos que não geram registro, foi utilizado como um instrumento de realização
fotografias que traduziam sensações de ambiências. Essas pequenas corrupções dos
aplicativos podem ser relacionadas com o conceito de détournement situacionista, e
contribuem ainda mais para o entendimento da deriva enquanto um modo de
comportamento anti-espetacular.
Por fim, faz-se necessário a ponderação sobre os percursos e uma reavaliação
do campo experimental das derivas. Muito embora o Recife Antigo, o bairro de Santo
Amaro e outros bairros circunvizinhos possuam suas especificidades e ambiências,
118

pode-se notar pelos percursos das pesquisas-piloto uma maior profusão de


fenômenos nos bairros da Boa Vista e de Santo Antônio. Sendo assim, toma-se como
objetivo principal dos experimentos uma análise mais profunda desses dois bairros,
podendo-se estender o trajeto em casos de necessidades especiais guiadas pelo
contexto da deriva.
Assim sendo, considera-se que a análise dos pilotos, além de levantar novas
possibilidades de recursos e hipóteses sobre o centro do Recife, contribuiu de maneira
categórica com reflexões que auxiliarão na execução dos experimentos, no intuito de
realizá-los de uma maneira contundente e circunspecta.
119

4 EXPERIMENTAÇÃO E ANÁLISE
120

A primeira parte deste capítulo visa explicitar sobre quais condições e segundo
quais procedimentos os experimentos serão praticados e analisados. Em segundo
lugar, o capítulo visa relatar a aplicação dos experimentos, especificando suas
particularidades de prática e registro. E, por fim, traçar uma análise dessa aplicação,
organizando as reflexões e conclusões com vistas ao objetivo geral da pesquisa de
avaliar os métodos situacionistas de apreensão urbana.

4.1 Parâmetros de Aplicação

A partir das considerações realizadas acerca das pesquisas-piloto, alguns


parâmetros de pesquisa foram estabelecidos para a aplicação dos experimentos. O
primeiro diz respeito ao número de experimentos. Os experimentos se limitarão ao
número de três derivas, nas quais o tempo de execução pode variar de acordo com
suas necessidades de apreensão de elementos da cidade. Cada experimento pode
durar mais de um dia, de acordo com a resolução dos pesquisadores, e se utilizar
também de horas da noite caso esses pesquisadores avaliem a necessidade em
virtude do alcance do objetivo ou verificação das hipóteses de unidades de ambiência
e plaques tournantes. A limitação em três experimentos visa reduzir número de
amostragens para que a análise se torne mais detalhada em relação à pesquisa de
campo. O número ímpar tem o intuito de desempatar possíveis padrões que possam
vir a aparecer, auxiliando, deste modo, nas conclusões sobre as apreensões dos
fenômenos.
O segundo parâmetro se refere aos participantes do experimento. As derivas
realizadas com mais de duas pessoas foram avaliadas como as de melhor eficácia
não apenas em relação a apreensão dos elementos da cidade, como em relação ao
enriquecimento das avaliações sobre as ambiências e possíveis decisões de
percurso. Fica estabelecido, por conseguinte, que os experimentos serão realizados
com a presença de três pesquisadores-participantes, sendo eles: o autor da pesquisa
e os pesquisadores-participantes Augusto Ferrer e Bruno Cardim, membros da última
pesquisa-piloto. Essa escolha se deu em consequência das disponibilidades de
horário dos pesquisadores, além de seus apropriados níveis de conhecimento que os
pesquisadores citados demonstraram no que concerne ao objetivo geral da pesquisa.
121

O terceiro parâmetro definiu o horário de aplicação das derivas. A


preponderância do horário de início das pesquisas-piloto se deu no período diurno, e
o intervalo onde ocorreu a maior parte das pesquisas foi das nove da manhã às cinco
da tarde. Esse espaço de tempo foi avaliado pela maioria dos pesquisadores como o
de melhor e mais espontânea apreensão dos elementos e contextos da cidade, em
virtude da naturalidade dos aspectos vitais da condição de centralidade urbana, como
a plenitude do comércio, do trânsito de pessoas, entre outros fatores.
O quarto parâmetro estabelecido visa confirmar o uso dos aplicativos como
instrumentos auxiliares à técnica de pesquisa. O Map my Walk será novamente
utilizado para o mapeamento dos percursos da deriva, o Instagram também figurará
como instrumento de auxílio no registro e mapeamento fotográfico, e o Snapchat
continua com sua característica de registro fotográfico com inserções verbais.
O quinto e último parâmetro estabelecido, ou melhor, redefinido, trata do campo
experiencial da deriva. Ao avaliar a tendência dos percursos nas pesquisas-piloto
realizadas no centro expendido do Recife chega-se à conclusão de que alguns bairros
geram maior interesse e condições para realização de derivas. É provável que a
atração por essa área seja produto das escolhas dos lugares de início das derivas,
além da personalidade e estado de espírito dos pesquisadores. O que, por sua vez,
explicita o caráter de peculiaridade das derivas, posto que o direcionamento e a
percepção dos acontecimentos se dá em função do tipo de olhar dos membros dessas
derivas.

Figura 73. Ilustração do campo experimental da pesquisa. Desenho do autor.


122

A nova área de pesquisa constitui-se, desta forma, pelo bairro da Boa Vista,
limitado a leste pela Av. Agamenon Magalhães, a norte pela Av. Mario Melo e ao sul
pelas ruas Padre Venâncio e Estado de Israel, assim como todo o bairro de Santo
Antônio e parte do bairro de São José até aproximadamente o Forte das Cinco Pontas,
como ilustrado anteriormente no mapa.
Não necessariamente classificado como parâmetro para aplicação dos
experimentos, mas como recurso grande importância para a experiência de deriva
está a inserção do jogo enquanto elemento de potencialização do caráter lúdico da
deriva, como no caso do “olhar para cima” e do passeio pela sombra, apresentados
nas pesquisas-piloto.
Por fim, é de interesse da pesquisa que a reunião desses parâmetros aplicados
aos exercícios de deriva resulte em registros de caráter diagramático e cartográfico,
os quais serão avaliados, assim como os procedimentos, de forma qualitativa. Essas
especificações visam consolidar os aspectos descritos nas ponderações teóricas e
metodológicas de forma a orientar os experimentos a serem realizados.
123

4.2 Experimentos

4.2.1 Primeiro Experimento

O primeiro exercício de deriva reuniu o trio de pesquisadores e teve seu início


em frente ao Shopping Boa Vista no horário combinado das nove da manhã. A escolha
do lugar se deu pela mesma razão da pesquisa-piloto de número seis. Por conta da
pluralidade de acessos, derivações possíveis, e grande movimento de transeuntes o
grupo, mais uma vez, considerou que o local se aproxima do conceito de plaque
tournante psicogeográfica. Além disso, a centralidade estratégica em relação a área
de estudo permite que se tenha uma visão e posicionamento centrífugos do campo
de estudo, ampliando as possibilidades de caminhos a seguir.
O grupo decidiu por caminhar pela Av. Conde da Boa Vista no sentido oeste,
mesmo sentido da Av. Agamenon Magalhães. Essa decisão se deu com vista do
reconhecimento de uma área pouco explorada nas pesquisas-piloto. Esse trajeto
acabou por direcionar alguns aspectos da deriva, o primeiro aspecto se relacionou
com a existência do beco lateral à URB/Recife, que liga a Av. Conde da Boa Vista à
Av. Oliveira Lima, para onde os pesquisadores foram atraídos e realizaram novamente
a reflexão sobre o caráter dos becos enquanto elementos de atração no percurso da
deriva e possíveis túneis de aceleração de transição entre distintas ambiências.
No caso desse beco, em particular, a mudança de atmosfera se dá em relação
a mudança da ambiência comercial e movimentada das calçadas da Av. Conde da
Boa Vista para um conjunto de elementos que configuram uma ambiência amena,
conformados pela Rua do Riachuelo, parte da Rua do Príncipe e a Rua do Sossego.
A entrada, por parte do trio, nessa nova ambiência despertou o segundo aspecto
relevante do início da deriva: a da pátina sobre edifícios envelhecidos enquanto
elementos geradores de atmosferas bucólicas e remotas.
A pátina, ou qualquer dos elementos referentes a ação das intempéries em
edificações, como o lodo ou a vegetação, foram interpretados, tal qual nas pesquisas-
piloto, como elementos conformadores de um tipo particular de espaço. Nesses
espaços a interpretação afetiva se relaciona a sentimentos de tranquilidade, e
sobretudo, a emoções nostálgicas, referentes a saudade de um passado não vivido.
124

O trio, como uma maneira de caracterização formal, decidiu nomear tais espaços de
ambiências nostálgicas.
Ao tratar da dimensão imaterial da pátina, Zancheti e outros autores (2008, p.
9) se baseiam em Bourdieu (1989) e De Certau (1994) ao afirmarem que esta
percepção está vinculada as práticas sociais e aos princípios historicamente
construídos das cidades, concluindo que:

A percepção da pátina se dá, nessa dimensão, pela manutenção das práticas


sociais antigas relacionadas a um lugar, tais como: procissões, blocos de carnaval,
vendedores ambulantes, pessoas sentadas nas calçadas e disposição de vasos nas
janelas, marcantes nas cidades brasileiras (ZANCHETI, 2008, p.9).

Nesse contexto, pode-se afirmar que a classificação da pátina como elemento


influenciador de ambiências nostálgicas tem seu sentido baseado na dimensão
imaterial à qual ela remete. Segundo considerações dos pesquisadores, a existência
da pátina parece denunciar a existência de acontecimentos. Movimentos de uma
cidade previamente viva, camuflada pelo tempo.

Figuras 74 e 75. O beco lateral à URB/Recife e um edifício envelhecido na Rua do Príncipe. Fotos do autor.
125

Além da pátina das edificações antigas, outro fator que ampliou a


caracterização do caráter bucólico da ambiência nas ruas citadas, principalmente na
Rua do Sossego, foi a presença da sombra das árvores. A adição das árvores nas
ruas de edifícios envelhecidos reforça a sensação de ambiente bucólico, pela
característica campestre das vegetações e pela sua capacidade de sombrear e
amenizar a temperatura dos ambientes.

Figura 76. Pátina em casa abandonada na Rua do Sossego. Foto do autor.

Figura 77. Ambiência da Rua Frei Miguelinho, perpendicular à Rua do Sossego. Foto do autor.
126

A deriva teve sua continuidade ainda pela região norte do bairro da Boa Vista.
Os elementos de atração e os comentários deixaram de contemplar a pátina e as
ambiências amenas e passaram a avaliar alguns edifícios e casas modernistas. As
casas conjugadas da Rua Bispo Cardoso Ayres, de aparências pré-modernas e o Ed.
Apollo XXI, cuja imponência remete, verdadeiramente, a um foguete espacial, se
configuram como elementos de destaque na ambiência limítrofe do bairro.

Figuras 78 e 79. Casas proto-modernas e Ed. Apollo XXI. Fotos do autor.

Após essa incursão pela parte norte do bairro, o trio desviou a trajetória no
sentido de retorno à Av. Conde da Boa Vista. Entretanto, antes de chegar na avenida
de fato, os pesquisadores descobriram, num dos boxes do térreo do Ed. Walfrido
Antunes, antigas máquinas de fliperama ainda em funcionamento. A parada para uma
rápida jogada, relembrando memórias afetivas de infância serviu como elemento
amplificador do conteúdo lúdico da deriva.

Figura 80. Uso dos fliperamas na galeria do Ed. Walfrido Antunes. Foto do autor.
127

Ao chegar à Av. Conde da Boa Vista os pesquisadores se depararam


novamente com a presença da pátina em edifícios antigos. Devido a escala dos
edifícios na cidade e sua inserção em uma ambiência de agitação, comércio e
serviços, os pesquisadores se inclinaram a classificar a presença da pátina da Av.
Conde da Boa Vista como diferente das anteriores. Ao analisar a carga imagética
apresentada pela perspectiva dos edifícios, o trio concluiu que apesar da diferente
apresentação visual, os prédios da avenida também comunicam de forma subjetiva
as antigas práticas e movimentos sociais da cidade.

Figuras 81 e 82. E. Fotos do autor.

Depois de atravessar a avenida, o trajeto seguiu em direção à parte sul do


bairro da Boa Vista. O caráter de diagnóstico de unidades de ambiências nostálgicas
continuou presente no trio, pincipalmente ao adentrarem nas ruas entre a Praça
Maciel Pinheiro o pátio de Santa Cruz, como a Rua da Matriz, a Rua Velha e a Rua
da Santa Cruz, dentre outras também situadas ao sul do bairro.
Nessa ambiência, a pátina não apenas evidencia o grau de envelhecimento dos
edifícios e dos espaços, como também seu abandono e em muitos casos, sua ruína.
128

Essa atmosfera também se apresenta como uma versão diferente de ambiência


nostálgica, apresentando forte elementos de degradação, que quando confrontados
com a memória de momentos vividos no passado acabam por gerar um sentimento
de consternação, dadas as atuais condições dos espaços. Um exemplo disso é o
edifício abandonado onde funcionou, nos anos 1950, o atelier coletivo de Abelardo da
Hora e ainda um casario em ruínas, situado na rua de nome devidamente apropriado
à ambiência, a Rua Velha.

Figuras 83 e 84. Edifício abandonado - antigo atelier de Abelardo da Hora e ruína na rua Velha. Fotos do autor.

A continuidade da deriva se deu ainda mais ao sul do bairro da Boa Vista. O


trio seguiu caminhando pela Rua São Gonçalo e pela Rua dos Coelhos quando
novamente o elemento do jogo situacionista desviou o trajeto. A simples, porém
incomum indicação da rua dos Prazeres numa placa enferrujada foi a responsável por
esse desvio e fez com que o trio adentrasse imediatamente à rua ao interpretarem o
conteúdo da placa como uma metáfora para os divertimentos da deriva.
Esse desvio acabou por transportar o grupo para um conjunto de ruas onde
existiam outros elementos de ambiências nostálgicas. Uma antiga casa na rua
Jornalista Edmundo Bitencourt e um casarão abandonado na Rua Barão de São Borja
remeteram ao grupo a mesma sensação experienciada nas ambiências adjuntas ao
Pátio de Santa Cruz. A reincidência dessa caracterização, por parte do trio de
pesquisa, foi responsável por confirmar a categorização da pátina e do
envelhecimento do edifícios como a tendência principal do experimento.
129

Figura 85. Placa de indicação da Rua dos Prazeres. Foto do autor.

Figuras 86 e 87. Casas na Rua Edmundo Bitencourt e na Rua Barão de São Borja. Fotos do autor.

Pela proximidade das cinco horas da tarde, após longo percurso pela parte sul
do bairro da Boa Vista, o trio decide por uma caminhada até o bairro de Santo Antônio,
com o propósito de se transferir de uma área de pouca movimentação de pessoas
para uma área de grande animação. Além isso, o trio também visava a passagem pela
ponte da Boa Vista para a contemplação do rio Capibaribe e da própria beleza da
ponte.
130

Por conta do cansaço inerente à já extensa jornada o trajeto se deu de forma


lenta e com paradas demoradas para conversas e descansos à sombra. E, apesar do
reconhecimento da pátina e da vegetação incrustada num edifício, cuja visada se deu
a partir da Rua Frei Caneca, o trio estendeu ainda mais o percurso até um bar no Pátio
de São Pedro, onde iniciaram uma reflexão sobre as ambiências nostálgicas e
assistiram ao início da noite no bairro.
As considerações sobre as ambiências nostálgicas no Pátio de São Pedro,
foram discutidas levando em conta os aspectos cartográficos da cidade. Debruçados
sobre o mapa do Recife, os pesquisadores se deram conta de que essas ambiências
tomam grande parte do campo experimental das derivas, e que existe uma grande
possibilidade de elaboração de mapas de inter-relações entre esses espaços. A
confecção de um mapa43 de relações de ambiência foi iniciada durante essa conversa
e posteriormente reorganizada em conjunto com os outros dois experimentos.

Figuras 88 e 89. Edifício visto da Rua Frei Caneca e Pátio de São Pedro. Fotos do autor.

A deriva continuou pela parte norte do bairro de Santo Antônio durante o início
da noite. A chegada da noite no centro do Recife coincide exatamente com o término
do horário comercial de trabalho, o que acaba por gerar uma mudança brusca no ritmo
das ambiências da cidade. O esvaziamento rápido de alguns espaços acaba por
ampliar a atmosfera bucólica desses lugares, como no caso da Av. Guararapes, que
durante todo período diurno abriga um enorme movimento de pedestres, e que a noite

43
Para apreciação do mapa de inter-relações de ambiências nostálgicas ver apêndice G.
131

se torna gradativamente mais vazia. Nesses espaços vazios a marca da pátina dos
edifícios modernos e calçadas se confunde com a sombra gerada pelas luzes
trazendo à tona novamente o sentimento de nostalgia atrelado ao de degradação e
angústia pelo abandono noturno desses espaços.

Figura 90. Galerias da Av. Guararapes no início da noite. Foto do autor.

Outro elemento diagnosticado pelo trio com capacidade de alterar a percepção


dos espaços à noite foi a iluminação pública. A falta de iluminação pública em certos
locais combinada com a existência em outros, como nas luzes dos postes, dos prédios
públicos e das igrejas, gera um contraste de luz e sombra próprios do período noturno
daquele espaço. Além disso, também é possível perceber o surgimento de novos
elementos, como os letreiros iluminados, em placas, ou mesmo em neon, que
adicionados ao jogo de sombras remetem a uma atmosfera própria dos filmes noir44.
Essas características podem ser percebidas, por exemplo, no espaço da Av. Dantas
Barreto.

44
Film noir - expressão francesa referente ao subgênero de filme policial popular nos Estados Unidos, entre 1939 e 1950.
132

Figuras 91 e 92. Ed. Igarassu e Igreja Matriz de Santo Antônio, Av. Dantas Barreto. Fotos do autor.

Apesar das considerações sobre os aspectos noturnos da deriva, este primeiro


experimento não se estendeu por muito tempo durante a noite. O cansaço corporal e
intelectual dos pesquisadores influenciou o grupo a encerrar o trajeto ainda nas
primeiras horas do anoitecer. Entretanto, o grupo classificou o período e o tempo do
experimento como positivos, dadas as avaliações e resultados obtidos com os trajetos
percorridos durante o dia e a tarde.
Para efeito de registro da deriva os pesquisadores fizeram uso, novamente, do
aplicativo Map my Walk. Todavia, apesar da eficácia de georreferenciamento do Map
my Walk, algumas informações sobre nome de ruas ou locais visitados são omitidas
pela representação do mapa realizada pelo aplicativo. Como um aprimoramento de
registro do trajeto da deriva, os pesquisadores confeccionaram um mapa de
percurso45, com a inserção da nomenclatura dos espaços, edificações e outros
elementos importantes citados nesta análise.
Desta forma, o primeiro experimento acabou despontando, majoritariamente,
como um processo investigação de ambiências classificadas como nostálgicas. As
grandes marcas dessas ambiências foram a pátina e outros elementos que denunciam
o envelhecimento de edifícios, além de outros elementos relativos a uma memória
afetiva e coletiva da cidade, capazes de comunicar sentimentos saudosos e de pesar
por esses ambientes.

45
Para apreciação do mapa de percurso do experimento 01 ver Apêndice C.
133

4.2.2 Segundo Experimento

Assim como o primeiro, o segundo experimento teve início na Av. Conde da


Boa Vista na altura do Shopping Boa Vista, por volta das dez da manhã. Por conta da
experiência obtida no beco da URB durante o primeiro experimento, o trio se viu
inclinado, logo no início do trajeto, a transpor um dos becos do bairro da Boa Vista,
nesse caso, o beco da Fome. Os pesquisadores analisaram a passagem pelo beco
como uma experiência diferenciada no processo de deriva, e partir disso, levantaram
a hipótese de que os becos se configuram como túneis de potencialização da
experiência corporal de deriva, funcionando como um elemento de aceleração, ou
seja, de rápida transição entre ambiências.

Figuras 93 e 94. Imagens do beco da fome. Fotos do autor.

A troca de ambiências catalisada pelo beco da Fome se dá entre a ambiência


da Rua do Hospício, cujos aspectos principais são o comércio ambulante e as
calçadas malcuidadas, e a Rua Sete de Setembro, onde o posicionamento da sombra
dos prédios, e do desenho da rua em cul-de-sac configuram um pequeno espaço
semelhante a um largo.
134

Após a experiência do beco e de um desvio pela parte norte do bairro, o trio


rumou em direção ao outro lado da Av. Conde da Boa Vista, passando a explorar as
ruas laterais e traseiras do Cinema São Luiz. Essa área acabou se despontando, sob
a ótica dos pesquisadores, um espaço de ambiências de variações significantes e
atraentes. A primeira ambiência pode ser delimitada pelas Ruas Sebastião Lins e
Clube Náutico Capibaribe. Em ambas, a presença da pátina nos edifícios antigos
remete a sensação bucólica das ambiências nostálgicas, e além disso, existe por entre
dois prédios, uma ligação entre as duas ruas, que acaba por ampliar a unidade
atmosférica entre elas.

Figuras 95 e 96. Ligação entre as Ruas Sebastião Lins e Clube Náutico Capibaribe. Fotos do autor.

Muito próximo a esta ambiência, no fim da Rua Clube Náutico Capibaribe e por
trás do Ed. Novo Recife, está situada a Praça Machado de Assis. Apesar de não
funcionar propriamente como uma praça, e ter grande parte de seu terreno ocupado
por carros estacionado, a configuração espacial e atmosférica da Praça Machado de
Pela sua conformação reclusa, sombreada e arborizada a praça foi classificada pelo
trio como um elemento atrativo e possibilitador de um estado de interrupção da
realidade, ou seja, de suspensão momentânea do movimento urbano.
135

Figura 97. Imagem da praça Machado de Assis. Foto do autor.

O transeunte que adentra a Praça Machado de Assis tem acesso, por duas
entradas, ao beco do Fotógrafo que perpassa o térreo de dois edifícios, o Ed. Novo
Recife e o Ed. Tabira. Dada a hipótese levantada em relação aos becos, o grupo
classificou o lugar como mais um espaço de potencial aceleração do processo de
deriva, tornando a passagem por esses becos um ato de rápida transição entre
diferentes atmosferas.
Além da hipótese dos becos, por sua configuração labiríntica e de corredor de
edifício, o ambiente do beco do Fotógrafo se mostrou um elemento de outras
possibilidades para a deriva. Na exploração do beco, o trio se deparou com a escada
principal do Ed. Novo Recife, que dá acesso ao terraço do edifício. Esse terraço foi
classificado pelo grupo como mais uma das ambiências nostálgicas, não apenas por
se tratar de um lugar envelhecido, como também pela possibilidade de vislumbre de
uma paisagem da cidade formada por edifícios marcados pelo tempo, que acabaram
por contribuir para a conformação da ambiência.
136

Figuras 98, 99, 100 e 101. Imagem do terraço do Ed. Novo Recife; vista da paisagem e dos prédios do entorno. Fotos do autor.

Após a investigação do beco do Fotógrafo, os pesquisadores seguiram em


direção ao bairro de Santo Antônio, utilizando um elemento de atração, de ambiência
específica e classificada pelo grupo como uma possível plaque tournante
psicogeográfica, a ponte da Boa Vista. A ponte, onde há grande movimento de
pedestres e ambulantes característicos da vida no centro da cidade, foi considerada,
pelos pesquisadores, um artefato de ligação, ponto de encontro e elemento lúdico
entre as ambiências da Rua da Imperatriz e da Rua Nova. Esses fatos, além de
aproximarem a ponte ao conceito de plaque tournante, evidenciam que ela se constitui
como uma ambiência particular na malha urbana no Recife.
137

Atravessada a ponte da Boa Vista o trio adentra o bairro de Santo Antônio pela
Rua Frei Caneca e segue caminho pela Rua da Palma. Quase ao fim da extensão da
rua o grupo descobre a existência de um beco que tem início na própria Rua da Palma,
atravessa a Rua Vinte e Quatro de Maio e termina na Av. Dantas Barreto. Segundo
avaliação do trio, os aspectos desse beco condizem exatamente com os elementos
levantados durante a passagem pelo beco da Fome e do Fotógrafo. Intitulado pelos
pesquisadores como beco do Ferro-Velho, pela quantidade de objetos descartados, o
recinto funciona como um atalho que parte de um setor desocupado e pouco comercial
da Rua da Palma e desemboca na amplitude comercial e espacial da Av. Dantas
Barreto, permitindo ao passante uma conexão quase direta ao setor central do
camelódromo que percorre a avenida.

Figura 102. Passagem pelo beco do Ferro-Velho. Foto do autor.

Depois da experiência desse beco, o trio se deteve durante algum tempo a


explorar a ambiência do camelódromo, passeando por suas lojas comerciais e de
serviço. Por ser um espaço sombreado e pelo fato da grande quantidade de lojas e
elementos expostos conformarem um ambiente de ampla variedade imagética o trio
avaliou o ambiente do camelódromo como mais um ponto atrativo dentro da cidade.
Entretanto, o elemento que mais atraiu os pesquisadores durante a passagem pelo
138

camelódromo foi a existência de um segundo beco, vislumbrando entre dois pontos


comerciais na calçada da Av. Dantas Barreto.
A Travessa dos Martírios é outro grande exemplo de um elemento de rápida
ligação entre duas ambiências conveniente ao processo de deriva. A passagem pela
travessa parte da ambiência agitada das margens do camelódromo e transporta o
transeunte até a lateral da Igreja do Terço, na Rua das Águas Verdes. A partir desse
ponto, um breve desvio à direita revela a entrada da igreja de frente ao pátio do Terço,
onde a atmosfera apesar de comercial, possui uma amplitude espacial e remete a
sentimentos bucólicos associados a perspectiva da igreja secular.

Figuras 103 e 104. Imagens do início e do fim da travessa do Martírios. Fotos do autor.

Posteriormente a passagem pelo pátio do Terço, os pesquisadores rumaram


em direção ao setor leste do bairro, por entre as ruas próximas ao Mercado de São
José. As ambiências descritas nas pesquisas-piloto sobre a praça e o entorno do
mercado foram novamente constatadas pelo grupo. Enquanto a praça se apresenta
como um local calmo e sombreado, de fuga momentânea do movimento do comércio,
as cores referentes ao comercio da Rua das Calçadas, as diversas tonalidades das
frutas expostas na Praça Dom Vital, os múltiplos sons e elementos do espaço do
mercado caracterizam seu entorno como um local de atmosfera avivada e efusiva.
139

Ainda próximo ao entorno do mercado, seguindo pela Rua da Praia, o trio é


novamente atraído pela travessia de mais uma viela. O beco do Marroquim, que liga
o Cais de Santa Rita a Rua da Palma é, talvez, o beco mais lúdico da cidade do Recife.
O posicionamento das lanchonetes, as barracas de serviços, e principalmente, a
exposição da grande variedade de tecidos à venda nas laterais do beco conformam
uma perspectiva que se descortina aos poucos durante o trajeto de quem passa. PO
Beco do Marroquim foi classificado pelo trio como um elemento cujo caráter de
ampliação da experiência de deriva é ainda maior que o dos outros becos, pois além
de funcionar como um portal de passagem rápida entre ambiências diferentes, ele
agrega, durante a passagem, uma experiência estética relativa a beleza dos tecidos
expostos.

Figuras 105 e 106. Imagens do beco do Marroquim. Fotos do autor.

A exploração do beco do Marroquim levou os pesquisadores de volta à Rua da


Praia, de onde seguiram no sentido norte do bairro de Santo Antônio, passando pela
Praça Dezessete e pela Praça da Independência até chegarem à Rua da Roda, um
dos acessos à Praça do Sebo. Os pesquisadores chegaram à Praça do Sebo já pelo
fim da tarde e optaram por descansar sentados à uma mesa e avaliar alguns pontos
da deriva. O aspecto principal levantado nesse momento foi referente à própria
140

ambiência da Praça do Sebo. O trio classificou o espaço da praça como semelhante


às ambiências da Praça Machado de Assis, da Praça da Restauração, e ainda a outros
espaços cujo desenho urbano é conformado pelos limites dos edifícios em volta,
configurando espaços semelhantes a pátios, ou mesmo claustros, geralmente
sombreados e propícios a uma parada duradoura. Segundo os pesquisadores, esse
tipo de ambiente tem a capacidade de dilatar o tempo da deriva, causando um efeito
momentâneo de cessação das ambiências ao redor.

Figuras 107 e 108. Ambiência da praça do Sebo ao anoitecer e à noite. Fotos do autor.

O segundo experimento foi, portanto, encerrado na praça do Sebo, por volta


das cinco e meia da tarde, onde foram ponderados os aspetos apreendidos no trajeto.
Trajeto este que também contou com o mapeamento feito pelo aplicativo Map my
Walk, que, assim como no primeiro experimento, foi utilizado para a elaboração de um
mapa46 do itinerário percorrido.
A deriva teve duração aproximada de sete horas e se configurou pelo
descobrimento de algumas ambiências, semelhantes a pátios ou áditos, cuja a
impressão afetiva é de quietude e separação do ritmo agitado da cidade, mas se
consolidou, sobretudo, como uma investigação da hipótese dos becos enquanto
túneis de aceleração do processo de passagem por ambiências.

46
Para apreciação do mapa de percurso do experimento 02 ver Apêndice D.
141

4.2.3 Terceiro Experimento

A terceira deriva partiu de um encontro dos pesquisadores na Av. Conde da


Boa Vista, especificamente na esquina com a Rua Gervársio Pires, próximo ao ponto
de encontro dos outros experimentos. Entretanto, diferentemente das anteriores, o
experimento teve início por volta das duas da tarde, por conta da intenção dos
participantes de estendê-lo ainda mais à noite. O trio de pesquisadores seguiu pela
rua no sentido norte do bairro, rumando à esquerda na Rua do Riachuelo. Na
passagem pela rua do Riachuelo os pesquisadores constataram novamente a
ocorrência da ambiência nostálgica, principalmente na altura em que a Rua do
Riachuelo se encontra com a rua o Sossego. Exatamente nessa esquina existe um
casarão onde hoje funcionam cursos profissionalizantes, mas que já abrigou a antiga
Escola Normal Pinto Junior, fundada em 1882.
Os aspectos visuais do casarão, como a presença da pátina, o desgaste da
pintura da fachada, o envelhecimento das esquadrias e a queda de parte do reboco
dialogam com os elementos de envelhecimento dos casarios, sobrados e árvores
antigas do entorno, potencializando ainda mais o ambiente bucólico. A junção desses
elementos configura, portanto, a característica prenunciada das ambiências
nostálgicas: a sensação de movimentos antigos da cidade que pairam disfarçados na
atmosfera de suas ruas.

Figura 110. Antiga Escola Normal Pinto Junior. Foto do autor.


142

Ainda durante o percurso pela Rua do Riachuelo, o trio se viu atraído pela
indumentária lúdica de uma carroça de material reciclável decorada com bandeiras e
outros artefatos coloridos, como uma sombrinha de frevo e uma bandeira do Brasil. A
obra espontânea do carroceiro foi associada pelos pesquisadores como semelhante
a organicidade dos parangolés e estudos visuais de Hélio Oiticica47. O
reconhecimento e registro visual da carroça também foi considerado pelo grupo como
um processo inerente as derivas, pela capacidade que a técnica tem de transformar o
olhar objetificados e usual do transeunte, permitindo-lhe a percepção de informações
estéticas abstrusos no próprio dia-a-dia das cidades.

Figura 110. Carroça de materiais recicláveis na Rua do Riachuelo. Foto do autor.

Depois da caminhada pela Rua do Riachuelo o trio desviou o trajeto para o


setor norte do bairro da Boa Vista, seguindo pela Rua Bispo Cardoso Ayres e
dobrando à esquerda na Rua Bernardo Guimarães. A Rua Bernardo Guimaraes, além
de sombreada pela presença das árvores, possui uma particularidade em relação ao
trecho situado entre os diferentes blocos da Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP). Nesse trecho a rua recebe a alcunha de “Rua do Lazer”, por conta da
significativa quantidade pessoas, na maioria universitários, que circulam ou reúnem-

47
Hélio Oiticica (1937 – 1980), pintor, escultor, artista plástico e performer carioca.
143

se em conversas nas mesas pertencentes às barracas laterais da rua, onde funciona


a venda de lanches, revistas e apetrechos diversos.
Nessa rua os pesquisadores reconheceram, mais uma vez, a já relatada
atmosfera de suspensão urbana, um tipo ambiente diferenciado que promove uma
sensação de separação dos processos cotidianos e, por conseguinte, um tipo de
reclusão num recinto, cujo ritmo difere do compasso habitual do resto da cidade. Como
uma maneira de formalizar o registro, o trio decidiu por nomear esse tipo de local como
ambiências suspensas. Assim como as ambiências nostálgicas, as ambiências
suspensas também foram representadas em um mapa 48 com referências a elementos
dos três experimentos.

Figuras 111 e 112. Ambiência da Rua Bernardo Guimarães e pátio interno da UNICAP. Fotos do autor.

Decorrido o percurso pela “Rua do Lazer”, o trio decidiu regressar no sentido


da Av. Conde da Boa Vista. A escolha por esse percurso levou os pesquisadores a
passar pela Rua Nunes Machado. Nessa rua, os membros da deriva observaram uma
dicotomia de ambiências significante. A única parede restante da antiga fábrica da
Fratelli Vita representava a resistência de uma ambiência nostálgica em forma de
ruína, coberta não apenas pela pátina, como também por uma extensiva vegetação
incrustada.

48
Para apreciação do mapa de inter-relação de ambiências suspensas ver apêndice H.
144

Entretanto, exatamente durante a passagem pelo local, os pesquisadores


constataram a inevitável efemeridade dessa ambiência. Logo atrás da parede
envelhecida, ouvia-se o bate estaca do novo empreendimento, que em pouco tempo
deverá repaginar toda a atmosfera local. Além do registro fotográfico, o trio também
realizou um registro em vídeo49 do contraste dessas ambiências.

Figuras 113 e 114. Imagem da parede da antiga Fratelli Vita; Frame do vídeo do bate-estaca. Foto e arquivo do autor.

Saindo da Rua Nunes Machado os pesquisadores continuaram o trajeto em


direção a Av. Conde da Boa Vista. Depois de uma parada por conta da chuva em
frente ao edifício Módulo, o trio continuou o percurso ao longo da avenida no sentido
leste, em direção do bairro de Santo Antônio. Nesse percurso os pesquisadores
investigaram o último trecho da Av. Conde da Boa Vista, a partir dos edifícios
Pirapama e Suape até as esquinas do Recife Plaza e do Cinema São Luiz.
Pela perspectiva e aparência envelhecida dos edifícios, esse intervalo foi
classificado pelo trio como mais um espaço de ambiência nostálgica, tendo esse efeito
ampliado pelo cair da tarde e o consequente realce da pátina e dos elementos de
sombra do local.

49
Vídeos e outros registros dos pilotos e experimentos disponíveis no blog: cargocollective.com/recifedeandada
145

Figuras 115 e 116. Edifícios do último trecho da Av. Conde da Boa Vista. Fotos do autor.

Mesmo com a chegada da noite os pesquisadores continuaram o percurso e


adentraram no lado sul do bairro da Boa Vista, pela Rua da Aurora, continuando até
a Rua da Imperatriz. Da Rua da Imperatriz o trio seguiu em direção à Rua Bulhões de
Marquês com a intenção de investigar novamente sua ambiência. A Rua Bulhões de
Marquês tem uma configuração semelhante a uma travessa em sua parte mais
próxima da rua do Imperador, setor exclusivo para o trânsito de pedestres.
Aproximadamente em seu ponto médio a rua se descortina num pequeno largo
conformado pelas esquinas curvadas de dois edifícios que a margeiam.
Tanto ao dia como à noite o espaço do largo é tomado por carros estacionados,
enquanto a esquina da parte reservada aos pedestres é ocupada por barracas com
comércio de bebida, refeições e cadeiras de plástico. Apesar dos carros criarem um
obstáculo visual sobre o largo, o espaço das barracas e a árvore presente no centro
da rua conformam uma atmosfera classificada pelos pesquisadores como mais um
exemplo de ambiência suspensa.
146

Figuras 117 e 118. Registro da ambiência da Rua Bulhões Marquês. Fotos do autor.

Após a investigação desse espaço no bairro da Boa Vista o grupo seguiu em


direção ao bairro de Santo Antônio. Por conta disso os participantes se viram
novamente impelidos a passar pela Ponte da Boa Vista. A iluminação da ponte à noite
e a grande movimentação de entrada e saída dos transeuntes ao finalizarem seus
expedientes ampliavam, na opinião dos pesquisadores, de maneira respectiva, o
caráter lúdico da estrutura e a afinidade do espaço com o conceito de plaque tournante
psicogeográfica.

Figura 119. Ponte da Boa Vista. Foto do autor.


147

Ao desembarcar da experiência da ponte no bairro de Santo Antônio, o trio


decidiu seguir primeiramente pela Rua Nova, depois pela Rua das Flores até a
chegada na avenida Dantas Barreto. Desse ponto os pesquisadores resolveram traçar
um percurso pelas ruas comerciais até o núcleo do bairro de São José, como uma
forma de reavaliar as ambiências próximas ao mercado no período da noite. A partir
daí o trio seguiu pela Rua do Fogo, por parte da Av. Nossa Sra. do Carmo, pelo Pátio
do Livramento e pela Rua da Penha até finalmente alcançar a praça em frente ao
mercado.
Depois de percorrerem esse longo percurso os pesquisadores constataram que
o exercício da deriva durante o período noturno no bairro de São José, mesmo que
nas primeiras horas da noite, torna-se pouco proveitoso por conta da brusca mudança
dos elementos conformadores das ambiências.
Por volta das seis e trinta da noite praticamente todos os locais comerciais são
fechados, encerrando assim o movimento de pessoas, a exposição das mercadorias,
as particularidades sonoras, entre outros aspectos importantes para a caracterização
de ambiências. Durante essa caminhada pelas ruas comerciais, à noite, os
pesquisadores efetuaram registros em foto e vídeo50, buscando capturar essa
atmosfera de encerramento das atividades.

Figuras 120 e 121. Ruas do entorno do Mercado de São José à noite. Fotos do autor.

50
Vídeos e outros registros dos pilotos e experimentos disponíveis no blog: cargocollective.com/recifedeandada
148

Figuras 122 e 123. Pátio do Livramento e Beco do Marroquim à noite. Fotos do autor.

A partir dessa constatação sobre o bairro de São José, os pesquisadores


rumaram pelo Cais de Santa Rita e pela Av. Martins de Barros no intuito de alcançar
a parte norte do bairro de Santo Antônio. Durante o trajeto, o trio se deparou com a
praça Dezessete, objeto de avaliações do grupo durante as pesquisas-piloto. Por seu
caráter semelhante aos espaços amenos de ambientes como a praça Machado de
Assim e a praça do Sebo, pela sua iluminação noturna e atmosfera tranquila, os
pesquisadores decidiram classificar a Praça Dezessete como mais uma ambiência
suspensa na cidade, muito embora, uma das particularidades desse tipo de ambiência
não esteja representada nela: a conformação espacial de reclusão, típica dos pátios.

Figura 124. Registro da Praça Dezessete. Foto do autor.


149

Prosseguindo com a deriva, o trio retomou o rumo em direção ao setor norte do


bairro de Santo Antônio, passando pela Rua do Imperador, pela praça do Sebo, pelo
entorno do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), e ainda por parte
da Av. Conde da Boa Vista, encerrando a deriva, por volta das oito e meia da noite,
com uma reunião numa das lanchonetes da avenida. Nessa reunião de encerramento,
o grupo ponderou aspectos referentes à experiência noturna do experimento. O trio
constatou que, embora as derivas à noite tornem-se pouco proveitosas no bairro de
São José, na parte norte do bairro de Santo Antônio e no bairro da Boa Vista é possível
encontrar pontos de readequação e reanimação das ambiências à vida noturna.
Torna-se oportuno, portanto, citar alguns exemplos dessa readequação de
espaços da cidade: o significante registro do trio em relação a um grupo de senhores
que jogavam dominó na Rua do Imperador, por volta das oito horas, mesmo com o
encerramento de expediente dos comércios e serviços; a transformação da praça do
Sebo, de um local de comércio literário e restaurantes para um ambiente de boemia e
encontros casuais; e ainda, a adaptação da Rua da União num ponto de comércio
ambulante para a venda de lanches e bebidas para os trabalhadores que encerram o
expediente apenas às dez horas.

Figura 125. Registro de movimentação noturna na Rua do Imperador. Foto do autor.


150

O último experimento teve uma duração aproximada de seis horas e


manifestou-se como uma deriva cujo carácter principal foi o de reconhecimento das
ambiências nostálgicas e das ambiências suspensas, conceituadas durante os dois
primeiros experimentos. Algumas dessas ambiências foram citadas, inclusive, nas
pesquisas-piloto e exigiram essa nova investigação para a constatação de elementos
importantes. A classificação dessas ambiências não pretende defini-las como
idênticas, mas criar uma aproximação atmosférica entre elas, facilitando assim as
suas inter-relações afetivas e cartográficas, sem deixar de levar em conta as devidas
particularidades dos espaços. Além dessa categorização de ambiências, o
experimento também se ateve à possível descoberta ou invenção de elementos
lúdicos durante o percurso, como a carroça da Rua do Riachuelo, e à uma rápida e
parcial investigação dos aspetos relativos ao exercício noturno da deriva.
Assim como nas outras derivas, o terceiro experimento contou com o
mapeamento via Map my Walk. E, com o intuito de preservar o padrão de registro dos
experimentos, também foi confeccionado pelos pesquisadores um mapa51 de
percurso do trajeto baseado no registro efetuado pelo Map my Walk e com a
introdução de legendas indicativas dos locais e conjunturas visitadas.

4.2.4 Conclusões e Mapas Resultantes

A realização dos três experimentos, como havia sido previsto na etapa


metodológica, configura, assim, o objetivo principal do trabalho de avaliação das
técnicas situacionistas da deriva e da psicogeografia. Durante os três experimentos
os pesquisadores puderam exercitar o reconhecimento de duas hipóteses
situacionistas atreladas ao exercício das técnicas: o reconhecimento das unidades de
ambiência, e a observação de espaços semelhantes ao conceito de plaque tournante
psicogeográfica.
O conceito de plaque tournante foi reconhecido de maneira aproximada,
durante a execução dos experimentos, nos espaços do Shopping Boa Vista e da ponte
da Boa Vista. Enquanto que, durante as pesquisas-piloto, as referências relativas ao
conceito foram a praça da Igreja da Soledade e a Praça do Marco Zero. Entretanto,
as conclusões sobre a constatação da hipótese das plaques tournantes não obtiveram

51
Para apreciação do mapa de percurso do experimento 03 ver Apêndice E.
151

resultados expressivos por conta, majoritariamente, da incerteza dos pesquisadores


na classificação desses lugares. Essa incerteza decorre de falta de solidificação
conceitual em relação a hipótese. O que se justifica, em parte, pela falta de precisão
na descrição do conceito nos textos situacionistas, em específico a Teoria da Deriva
e o Esboço de Descrição Psicogeográfica do Les Halles de Paris. Deste modo, para
fins de conclusão dos experimentos, considera-se que a hipótese continua como uma
formulação insuficientemente testada, que necessita ser investigada de forma mais
profunda em prováveis novas pesquisas, com vistas a obtenção de melhores
resultados.
Com relação ao reconhecimento de unidades de ambiências, pode-se
considerar justamente o oposto. O processo de caracterização dessas unidades foi
basicamente a tônica principal dos experimentos e resultou na demarcação de dois
tipos de ambiências: as ambiências nostálgicas e as ambiências suspensas. As
ambiências nostálgicas foram definidas por espaços em que a presença de edifícios
antigos ou mesmo modernos, cobertos pela pátina ou outros elementos que
caracterizam envelhecimento, é percebida como uma atmosfera em que ainda podem
ser intuídos movimentos e práticas sociais próprios das épocas passadas.
No caso das ambiências suspensas as áreas foram delimitadas de acordo com
sua atmosfera de acomodação urbana. Elas se distinguem por espaços onde o tempo
da deriva é compreendido de maneira mais lenta, cuja ação principal se torna o estar
e não o percorrer, e onde os edifícios ao redor potencializam a sensação de reclusão
e separação do movimento urbano.
É perceptível que a caracterização das ambiências foi influenciada, em grande
parte, por uma predileção dos elementos arquitetônicos e pela ênfase em aspectos
físicos da cidade. O fato dos pesquisadores-participantes serem dois arquitetos e um
cineasta também pode ser considerado como aspecto importante de uma leitura com
tendência visual. Entretanto, é possível notar que apesar do destaque para aspectos
físicos, existiu por parte destes mesmos pesquisadores, uma tentativa de apreensão
das subjetividades, não só em relação as unidades de ambiência, como na percepção
de possíveis elementos de passatempo e divertimento, incorporando conceito de jogo
situacionista aos trajetos de deriva.
A inclusão do jogo como elemento natural nas deambulações vai além do
aspecto lúdico e configura-se como uma ação de contestação. Estar sempre aberto a
152

mudanças inesperadas de trajeto ou de olhar, muitas vezes pelo simples fato de


obedecer a um sinal, uma placa, ou alguma conjuntura repentina da cidade, foi uma
estratégia de perpetuação do jogo utilizada pelos participantes como um instrumento
de quebra da monotonia do andar objetivo. Um enfrentamento às condições habituais
de caminhar pela cidade com fins demasiadamente traçados, sem a possibilidade da
abertura aos movimentos naturais e desejantes do trajeto. Nesse sentido, os
pesquisadores também chegaram a conclusão da alteração de tempo e de percepção
relativa ao processo de deriva.
Durante a experiência da deriva as percepções em relação à cidade ganham
um ritmo mais lento, e principalmente, se distanciam da lógica habitual da circulação
relativa apenas à realização de objetivos previamente estabelecidos. Essa alteração
do olhar no participante da deriva torna-se essencial para o reconhecimento dos
elementos lúdicos, ambiências e outros elementos difíceis de perceber no dia-a-dia.
No que concerne ao exercício da deriva durante à noite, os pesquisadores
chegaram à conclusão de que as adaptações noturnas podem ser capazes de gerar
novos tipos de ambiências, de experiência lúdica e ainda, novas hipóteses sobre a
cidade. Esse novo perfil da cidade durante a noite e a madrugada é, em grande parte,
diferente do período diurno, o que necessitaria, portanto, um tipo de estudo mais
aprimorado para a obtenção de conclusões mais efetivas. Tendo em vista que os três
experimentos foram executados entre às nove da manhã e às cinco da tarde, uma
análise realizada ainda nesta pesquisa sobre o período noturno torna-se insuficiente.
Um outro elemento importante do processo de deriva foi o levantamento, por
parte dos pesquisadores, da hipótese dos becos enquanto túneis de potencialização
da experiência de deriva. Essa hipótese emana principalmente da experiência direta
da passagem em alguns dos principais becos dos bairros da Boa Vista e de Santo
Antônio. Para uma melhor compressão dessa formulação, faz-se necessário a análise
de um dos fragmentos do documento Teoria da Deriva, de Guy Debord, onde o autor
trata das margens fronteiriças das ambiências:

As diferentes unidades de atmosfera e de moradia não são hoje muito nítidas, e


sim cercadas de margens fronteiriças mais ou menos extensas. A mudança mais geral,
que a deriva leva a propor, é a diminuição constante dessas margens fronteiriças, até sua
completa supressão (DEBORD, 1957).
153

O trânsito através dos becos do centro Recife foi analisado pelos


pesquisadores como uma experiência que consegue exercer um radical estreitamento
dessas margens fronteiriças conceituadas por Debord. Pode-se afirmar, por
conseguinte, que a travessia pelos becos é uma maneira de esborrar de forma brusca
as bordas de ambiência da cidade, abreviando, de tal modo, a circulação pelas
distintas percepções e impactos da paisagem, dos sons e de outros elementos
próprios da metrópole.
Para um melhor esclarecimento e aprofundamento dos ajuizamentos sobre as
questões relatadas, os pesquisadores confeccionaram sete mapas, utilizando como
base a cartografia da cidade e interferindo graficamente de modo a ilustrar de maneira
física essas ponderações.
Os três primeiros mapas representam os mapas de percursos equivalentes
respectivamente aos trajetos dos experimentos. Esses mapas tiveram como base
para elaboração as representações georreferenciadas registradas pelo aplicativo Map
my Walk, e podem ser consultados nos apêndices C, D e E desta dissertação.
O quarto mapa corresponde ao mapa de ilustração da hipótese dos becos. Nele
estão marcadas as localizações dos becos, com suas correspondentes entradas e
saídas, além de uma inserção visual da experiência de ultrapassem dessas
extensões. O mapa de ilustração da hipótese dos becos pode ser consultado em sua
totalidade no apêndice F deste documento.
O quinto e o sexto mapa procuram traduzir a inter-relação entre as unidades de
ambiências descritas nos experimentos. O trio procurou conectar os lugares relatados
nas derivas, aproximando suas extensões com componentes gráficos e fotográficos,
tomando partido dos recursos visuais utilizados nos mapas situacionistas (como as
setas de ligação e recortes do mapa da cidade), adicionando a eles registros
imagéticos das ambiências.
As setas procuram representar a proximidade das ambiências com relação as
suas atmosferas, independentemente de sua localização geográfica. Além disso,
também almejam traduzir a tendência de percurso entre uma ambiência e outra,
baseando-se nas sequências dos trajetos realizados pelos pesquisadores. O recorte
dado às fotografias busca potencializar a tradução imagética do ambiente retratado,
enquanto que o posicionamento delas no mapa tem a intenção de representar a
154

atmosfera das ambiências que estão imediatamente próximas a elas. Esses dois
mapas correspondem aos apêndices G e H no final do documento.
O sétimo e último mapa tem a responsabilidade de transmitir graficamente a
variedade de elementos lúdicos que rementem às situações associadas ao jogo
situacionista. Nele foram representados sons, objetos e situações num mescla de
fotografias e pequenas inserções textuais. Ele procura se distanciar do olhar com
ênfase nos dados físicos e representar os momentos e componentes mais subjetivos
dos experimentos. Intitulado de mapa de ilustração de elementos de jogo, ele
corresponde ao apêndice I desta dissertação.

Figuras 126 e 127. Exemplos dos mapas disponíveis nos apêndices F e G. Arquivo do autor.

Figuras 128 e 129. Exemplos dos mapas disponíveis nos apêndices H e I. Arquivo do autor.
155

Além dos sete mapas elaborados, os pesquisadores criaram uma conta no


aplicativo Instagram, destinada exclusivamente ao registro das fotos das derivas e
intitulada de Deriva Recife. A criação desse perfil foi pensada como uma forma de
organizar as imagens dos três experimentos em suas respectivas localizações
geográfica, além de torna-las disponíveis para acesso on-line. O resultado da
submissão das fotos durante os dias de experimento encontra-se disponível no
endereço eletrônico: https://instagram.com/derivarecife.

Figura 130. Captura de tela do site do derivarecife. Arquivo do autor.

As considerações sobre o método fenomenológico, a elaboração de diagramas


e o conceito de cartográfica afetiva serviram como base para o balizamento tanto da
pesquisa efetuada em campo, como elaboração dos mapas de hipótese dos becos e
de inter-relação de ambiências. Deste modo, a prática dos experimentos foi
importante, não apenas pela sua investigação empírica da cidade, como também para
o exercício de confecção e diagramação estética das cartografias.
156

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
157

Os capítulos apresentados nessa dissertação correspondem, como já


demonstrado, a um planejamento que teve como objetivo traçar um panorama
histórico sobre o desenvolvimento da Internacional Situacionista, discutir de modo
detalhado as técnicas escolhidas para a pesquisa: deriva e psicogeografia, construir
um planejamento metodológico de experimentação e executar a aplicação dos
métodos procurando extrair as possíveis contribuições para o estudo das cidades
contemporâneas. Sobre esse planejamento serão tecidos, de maneira gradativa,
alguns comentários que possuem o intuito de encerrar possíveis lacunas de
compreensão, aprimorar a discussão da pesquisa e expor de forma geral as
contribuições do trabalho.
Com relação ao primeiro capítulo, onde são expostas as críticas situacionistas
ao funcionalismo do urbanismo modernista, uma questão pode ser destacada. Muito
embora as censuras situacionistas residam sobre o excesso de planejamento e
racionalização dos urbanistas modernos, as próprias teorias situacionistas também
exigiam, em parte, uma racionalização em suas aplicações. A deriva, a
psicogeografia, a situação construída, e outras tantas proposições possuíam
definições estritamente objetivas e grande parte dos textos do movimento apresentam
argumentos bastante radicais, o que acaba por prejudicar, em alguns momentos,
diálogos com teorias e conjecturas afins.
A excessiva objetividade em relação aos métodos pode ser observada no
episódio, já citado, do afastamento de Constant por conta do projeto Nova Babilônia.
Enquanto o artista argumentava que Nova Babilônia representava a realização
arquitetônica do urbanismo unitário (CONSTANT, 1959), o restante dos situacionistas,
principalmente Debord, afirmavam que representar o urbanismo unitário de forma
edificada seria uma atitude cerceadora (SADLER, 1999). Essa afirmação, por parte
de Debord, pode ser considerada contraditória tendo em vista que o mesmo, por
exemplo, no último trecho da Teoria da Deriva, abre a possibilidade de maneira
entusiasmada para a realização de derivas dentro de construções de apartamentos.
“Até na arquitetura, o gosto pela deriva leva a preconizar todo tipo de novas formas
do labirinto, que as modernas possibilidades de construção favorecem” (DEBORD,
1956). É possível afirmar, deste modo, que o posicionamento teórico e prático do
movimento situacionista tem, em certa medida, aspectos que podem ser considerados
equivocados.
158

O segundo capítulo têm início com uma análise histórica relativa aos primeiros
indícios de exercício da psicogeografia. Esse resgate se mostra importante, pois
demonstra que o conceito de psicogeografia, mesmo tendo sido elaborado pelos
situacionistas, remonta a experimentações realizadas desde o século XVIII. Nessa
parte do capítulo também são relatadas as primeiras tentativas de levar a arte para o
campo das cidades, principalmente por parte dos movimentos dadá e surrealista.
Toda essa análise histórica se faz relevante, pois insere as técnicas da psicogeografia
e da deriva num contexto histórico de experimentações urbanas e demonstra que,
apesar da originalidade dos conceitos situacionistas, ambas as técnicas são produtos
de um desenvolvimento e amadurecimento do processo histórico da arte na
sociedade.
A partir daí são expostos de modo detalhado os conceitos da deriva e da
psicogeografia. Além de uma descrição sobre o caráter situacionista, das hipóteses e
dos possíveis resultados da aplicação das técnicas, o texto procura definir o grau de
relação entre elas, esclarecendo a função principal de cada uma. Sobre essa questão
conclui-se que a deriva se apresenta como um desdobramento prático da
psicogeografia. A deriva seria uma apropriação do espaço urbano através do
caminhar, enquanto a psicogeografia estudava o ambiente urbano utilizando-se da
deriva como instrumento prático (JACQUES, 2003, p. 22).
Ainda no segundo capítulo é exposta uma reflexão sobre a afinidade
situacionista com o conceito de jogo. Esse conceito, ligado à condição do homo
ludens, é analisado como um dos elementos principais que levaram à concepção
situacionista da cidade enquanto labirinto, uma construção ideológica que encarava a
cidade como um elemento de possibilidades lúdicas. A discussão é desdobrada com
a exposição de ações situacionistas de relevância em relação ao conceito de labirinto
e a aplicação da deriva e da psicogeografia. O capítulo conta ainda com uma análise
da literatura e de ações contemporâneas influenciadas pela teoria situacionista,
salientando o impacto positivo dessa revisitação de conceitos para o campo da arte
contemporânea e para a pesquisa vigente.
Os aspectos teóricos e metodológicos em relação ao modo de aplicação das
técnicas situacionistas no Recife foram abordados ao longo no terceiro capítulo. Nele
é realizada uma análise dos pormenores relativos às duas hipóteses levantadas pelos
situacionistas advindas da aplicação da deriva: as unidades de ambiência e as
159

plaques tournantes. Aliado a essa análise são introduzidos aspectos do campo da


filosofia, com foco nos estudos de fenomenologia; da psicologia, com relação ao
conceito de cartografia; e ainda, uma avaliação sobre a relevância do estudo de
diagramas. Algumas conclusões foram obtidas a partir dessa associação de
disciplinas, como, por exemplo, o uso dos diagramas enquanto um importante
instrumento de apreensão do corpo na cidade, e a relação de aproximação entre os
conceitos de cartógrafo e psicogeógrafo, sendo o primeiro produto do campo da
psicologia, e o segundo referente a alcunha do sujeito que se propõe à psicogeografia.
Após essas considerações, o capítulo se dedica a apresentação dos aspectos
práticos da dissertação. São apresentadas reflexões que delimitam o trabalho, a partir
de seus principais objetivos, a uma pesquisa de campo de caráter experimental. Além
disso, a demarcação do sítio de aplicação torna-se importante, dada a condição da
escolha de um centro metropolitano para aplicação das técnicas. Por fim, o exercício
dos pilotos se revela como uma parte essencial da pesquisa, pela sua propriedade de
ajustar os aspectos relativos à aplicação dos métodos para que as experimentações
se tornassem mais proveitosas.
A aplicação e análise de três experimentos, realizada no último capítulo, teve
como resultado algumas reflexões relativas às hipóteses situacionistas, ao caráter
contemporâneo do experimento, e foi responsável pela geração de documentos
fotográficos e cartográficos, frutos diretos do exercício da deriva e da psicogeografia.
Apesar da proposta inicial de análise de todo o centro expandido, as três derivas
detiveram-se, prioritariamente, nos bairros da Boa Vista, de Santo Antônio e em parte
do bairro de São José. Essa delimitação se deu de forma espontânea, e elucida a
grande probabilidade dessa área ser a mais interessante, dentro do contexto do centro
do Recife, para o exercício da deriva.
A utilização de elementos tecnológicos, mais precisamente o uso de aplicativos
de smartphone, como instrumentos de auxílio na apreensão dos efeitos
psicogeográficos foi de grande importância para os experimentos. O uso dos
aplicativos Map my Walk, Snapchat e Instagram contribuiu para uma ampliação das
possibilidades de registro e interação virtual das derivas, e ainda, como relatado na
conclusão sobre os pilotos, pode ser encarado como um artificio de revisitação do
conceito de jogo situacionista, haja vista que os mesmos tiveram suas funções
principais desviadas em virtude do objetivo das derivas.
160

Outro fator importante sobre a aplicação das derivas foi a averiguação das
hipóteses situacionistas. As suposições referentes ao reconhecimento de unidades de
ambiências foram corroboradas pelo trio de pesquisadores. Os participantes
exercitaram o reconhecimento dessas unidades em vários setores da área explorada
e detectaram a presença recorrente de dois tipos de ambiências: as denominadas
ambiências suspensas e ambiências nostálgicas. Esses dois tipos de ambiência foram
analisados durante os três experimentos de forma gradual e espontânea, e acabaram
por se manifestar como elementos que funcionavam ao mesmo tempo como espaços
reconhecidos e espaços norteadores de trajetórias.
Em relação a hipótese das plaques tournantes os pesquisadores obtiveram
diferentes conclusões. Apesar de reconhecerem espaços com potencialidades
similares ao conceito, os três experimentos realizados não foram suficientes para que
os participantes qualificassem com propriedade essas áreas de acordo com o
conceito. Uma afirmação veemente e uma reflexão detalhada sobre a existência de
plaques tournantes psicogeográficas necessitaria, portanto, de um exercício ainda
mais continuo e aprofundado das técnicas situacionistas.
Para além da averiguação das hipóteses, a experiência das três derivas acabou
por suscitar o levantamento de uma proposição por parte dos próprios pesquisadores.
Levantada e analisada durante os experimentos no quarto capítulo, não apenas em
modo textual, como em formato de mapa, a hipótese dos becos enquanto túneis de
potencialização da experiência de deriva se apresenta como uma importante
contribuição contemporânea, de caráter especulativo, e com grandes possibilidades
de desdobramento para pesquisas futuras.
Aliado a essa conceituação dos becos como elementos de ampliação da deriva,
os pesquisadores, ainda no quarto capítulo, reconheceram que a própria experiência
da deriva possui um tempo particular, como um momento de contrariedade à
circulação habitual e objetiva da cidade. De acordo com esse preceito, as derivas
teriam a capacidade de apresentar uma nova relação de espaço-tempo ao transeunte,
desvinculando-o momentaneamente de processos corriqueiros e, por vezes,
alienantes da sua própria vida, como o trabalho, o trânsito de automóveis, entre outros.
Essa particularidade da deriva também chegou a ser especulada pelos situacionistas,
o que torna, portanto, essa apreciação dos pesquisadores mais uma conclusão de
conteúdo alinhado aos preceitos do movimento.
161

Com relação ao contexto geral da pesquisa, pode-se acrescentar algumas


outras ponderações. Devido ao desenvolvimento das tecnologias, a aplicação das
derivas no contexto contemporâneo sofre um tipo de alteração, não apenas de
recursos (tal qual os aplicativos utilizados nos experimentos), como em relação ao seu
caráter cognitivo. As derivas tornam-se diferentes nos dias atuais por estarem imersas
e serem praticadas num espaço onde as relações sociais, culturais e temporais já
foram submetidas e se relacionam de forma intima com os aspectos atuais das redes
de comunicação, velocidade de informação, e outros elementos implementados pela
rápida evolução tecnológica das últimas décadas. A atenção e o reconhecimento
dessa nova atmosfera contemporânea devem, portanto, fazer parte das premissas de
derivas contemporâneas, assim como a procura, dentro destas novas condições
atmosféricas, pelo desvio e contestação de elementos de cunho espetacular.
Desde o fim da IS aos dias atuais, a submissão às questões ditas espetaculares
pelos situacionistas e ao sistema capitalista teve o seu caráter apenas reorganizado.
As relações sociais mediadas por imagens (DEBORD, 1997) deixaram de se
apresentar majoritariamente através do veículo televisivo e ganharam status de rede
com o advento da internet. O dever político e desviante da deriva contemporânea é,
portanto, o de combater a lógica de massificação e alienação que continuam
predominantes, mesmo com as transformações da lógica acelerada da
contemporaneidade.
Nesse sentido, um grande viés de contraposição das derivas em relação a esse
contexto espetacular contemporâneo se revela na sua capacidade de criação de um
tempo particular, pensado pelos situacionistas e reconhecido pelos pesquisadores dos
experimentos aqui apresentados. Esse tempo particular funciona, portanto, como uma
oposição lenta aos velozes processos contemporâneos, e é igualmente comentado
por Paola Jacques como uma herança da figura do flâneur para o desenvolvimento
do errante urbano:

O errante urbano seria como um homem lento voluntário, intencional, consciente


de sua lentidão, [...]. Essa lentidão também pode ser vista como uma crítica ou denúncia
da aceleração contemporânea, da pressa que impossibilita a apreensão e reflexão mais
vagarosa (JACQUES, 2014, p. 294-295).
162

Assim sendo, podem ser expostas mais algumas conclusões sobre a pesquisa
vigente. A de que as técnicas situacionistas da deriva e da psicogeografia são
efetivamente capazes, através do seu exercício, de promover um olhar sobre as
cidades separado das premissas do espetáculo. E ainda, que a força desse
desvinculamento se encontra no exercício de imersão no tempo particular das
técnicas situacionistas, e em seus objetivos primordiais de apreensão dos aspectos
conscientemente planejados ou não.
Por fim, deve-se argumentar que a aplicação da deriva e da psicogeografia em
uma cidade contemporânea é um exercício de extrema complexidade. As
contribuições expostas nesse trabalho demonstram a enorme possibilidade de
desdobramentos teóricos referentes a essa revisitação. Além disso, apesar de ter
tentado ampliar ao máximo as suas análises a respeito do objetivo traçado, essa
pesquisa se propõe a ser compreendia como uma pequena parte de um conjunto, e
um instrumento facilitador de outras muitas e possíveis novas investigações.
163

REFERÊNCIAS
164

- LIVROS

ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.

BARROS, César. Recife Enxerido [livro eletrônico]. Recife: Ed. do Autor, 300 mb,
ePUB, 2013.

BONAT, Debora. Metodologia da Pesquisa. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2009.

BOURDIEU, Pierre 1989. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Difel.

BOURRIAUD, Nicolas. Formas de Vida: A Arte Moderna e a Invenção de Si. São


Paulo: Martins Fontes, 2011.

BRUNET, Karla Schuch (Org.) Apropriações Tecnológicas. Emergência de textos,


idéias e imagens do Submidialogia#3. Salvador: EDUFBA, 2008.

CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo:


G. Gili, 2013.

CHOAY, Françoise. O Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 2003.

COVERLEY, Merlin. Psychogeography. Harpenden: Pocket Essentials, 2010.

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.

DE CERTEAU, Michel 1994. A invenção do cotidiano. Livro 1: Artes do fazer. Rio


de Janeiro: Vozes.

FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. São Paulo: Martins


Fontes, 1997.
165

GROSSMAN, Vanessa. A arquitetura e o urbanismo revisitados pela


Internacional Situacionista. São Paulo: Annablume, 2006.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.

HOME, Stewart. Assalto à cultura. Utopia, subversão, guerrilha na (anti) arte do


século XX. São Paulo: Conrad, 1999.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: O Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo:
Perspectiva, 2000.

JACQUES, Paola Beresntein (org.). Apologia da Deriva: escritos situacionistas


sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.

JAPPE, Anselm. Guy Debord. Lisboa: Antígona, 2008.

KLEMEK, Christopher. Urbanism as Reform: Modernist Planning and the Crisis of


Urban Liberalism in Europe and North America, 1945-1975. Filadélfia: University
of Pennsylvania, 2004.

LAMAS, José M. R. G. Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian, 2004.

LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1994.

MARCONI, Maria de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia


científica. São Paulo: Atlas, 2003.

MCDONOUGH, Tom. The Situationists and the City. Nova Iorque: Verso Books,
2009.
166

PERNIOLA, Mario. Os Situacionistas: o movimento que profetizou a Sociedade


do Espetáculo. São Paulo: Annablume, 2009.

PRESCOTT-STEED, David. The Psychogeography of Urban Architecture. Brown


Walker Press, 2013.

ROLNIK, Suely. Cartografia Sentimental: Transformações contemporâneas do


desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2014.

SADLER, Simon. The Situationist City. Cambridge e Londres: The MIT Press, 1999.

SHELF, Will; STEADMAN, Ralph. Psychogeography: Disentangling the Modern


Conundrum of Psyche and Place. Nova Iorque: Bloomsbury Publishing PLC, 2007.

SINCLAIR, Iain. London Orbital. Londres: Penguin, 2003.

VANEIGEM, Raoul. A arte de viver para as novas gerações. São Paulo: Baderna.
2002.

WARK, Mckenzie. The Beach Beneath the Street: The Everyday Life and Glorious
Times of the Situationist International. Nova Iorque: Verso Books, 2011.

WIGLEY, Mark; CONSTANT. Constant's New Babylon: The Hyper-architecture of


Desire. Roterdã: 010 Publishers, 1998.

- ARTIGOS DE PERIÓDICOS

ARAÚJO, Maria do Socorro. O Comércio Informal no Centro Expandido do Recife.


Cadernos de Estudos Sociais, Recife, 2012.

ASSIS, Diego; CASSIANO, Machado. Três décadas depois, situacionismo vive seu
apogeu editorial no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 abr 2003. Disponível
em: www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2604200309.htm#. Acesso em 30 mai 2015.
167

CONSTANT. Description of the Yellow Zone. Internationale Situationniste, Vol. 4,


1960. Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/yellowzone.html. Acesso em
12 ago 2014.

CONSTANT. The Great Game to Come. Potlatch, Vol. 30, 1959. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/greatgame.html. Acesso em 12 ago 2014.

DEBORD, Guy. Discussion on an Appeal to Revolutionary Artists and Intellectuals.


Internationale Situationniste, Vol. 3, 1959. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/appeal.html. Acesso em: 12 ago 2014.

DEBORD, Guy. Introduction to a Critique of Urban Geography. Les Lèvres Nues, Vol.
6, 1955. Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/presitu/geography.html.
Acesso em: 16 mai 2015.

DEBORD, Guy. Perspectives For Conscious Changes in Everyday Life.


Internationale Situationniste, Vol. 6, 1962. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/everyday.html. Acesso em 12 ago 2014.

DEBORD, Guy. Situationist Theses on Traffic. Internationale Situationniste, Vol. 3,


1959. Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/traffic.html. Acesso em 12 ago
2014.

DEBORD, Guy. Theory of the Dérive. Internationale Situationniste, Vol. 2, 1958.


Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/theory.html. Acesso em 13 jun 2015.

DEBORD, Guy; WOLMAN, Gil. A User's Guide to Détournement. Les Lèvres Nues,
Vol. 8, 1956. Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/presitu/usersguide.html.
Acesso em 12 ago 2014.

INTERNACIONAL SITUACIONISTA. Contribution to a Situationist Definition of Play.


Internationale Situationniste #1, 1958. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/play.html. Acesso em 12 ago 2014.
168

INTERNACIONAL SITUACIONISTA. Unitary Urbanism at the End of the 1950s.


Internationale Situationniste #3, 1959. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/unitary.html. Acesso em 12 ago 2014.

INTERNACIONAL SITUACIONISTA. The Meaning of Decay em Arte. Internationale


Situationniste #3, 1959. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/decay.html. Acesso em 12 ago 2014.

JAPPE, Anselm. Os situacionistas e a superação da arte: o que resta disso após


cinquenta anos? Baleia na Rede, UNESP, 2011. Disponível em:
www.marilia.unesp.br/revistas/index.php/baleianarede/article/viewFile/1767/15.
Acesso em 12 ago 2014.

KHATIB, Abdelhafid. Attempt at a Psychogeographical Description of Les Halles.


Internationale Situationniste #2, 1958. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/leshalles.html. Acesso em 12 ago 2014.

KNOESPEL, Kenneth. Diagrammatic Transformation of Architectural Space.


Philosophica, Georgia Tech University, Atlanta, Vol. 70, 11-36, 2002. Disponível em:
www.lmc.gatech.edu/~knoespel/Publications/DiagTransofArchSpace.pdf. Acesso em:
17 mai 2015.

PINOT-GALLIZIO, Giuseppe. Discourse on Industrial Painting and a Unitary


Applicable Art. Internationale Situationniste, Vol. 3, 1959. Disponível em:
http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/industrial.html. Acesso em 12 ago 2014.

SHAYA, Gregory. The Flâneur, the Badaud, and the Making of a Mass Public in
France, circa 1860–1910. The American Historical Review, Washington, 41-77.
2004.

ZANCHETI, Silvio. et al. A pátina na cidade. Textos para Discussão n. 31 – Série


Gestão da Conservação Urbana, Centro de Estudos Avançados da Conservação
Integrada, Olinda, 2008.
169

- APRESENTAÇÕES OU PUBLICAÇÕES INDEPENDENTES

CONSTANT. New Babylon: A nomadic town. 1972. Disponível em:


http://www.notbored.org/new-babylon.html. Acesso em: 13 mai 2015.

DEBORD, Guy. Report on the Construction of Situations and on the International


Situationist Tendency's Conditions of Organization and Action. Cosio d’Arroscia,
1957. Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/report.html. Acesso em: 12
ago 2014.

DEBORD, Guy. The Situationists and the New Forms of Action in Art and Politics.
1963. Disponível em: http://www.cddc.vt.edu/sionline/si/newforms.html. Acesso em:
12 ago 2014.

ISOU, Isidore. Manifesto of Lettrist Poetry. 1942. Disponível em:


http://www.391.org/manifestos/1942-manifesto-of-letterist-poetry-isidore-isou.html.
Acesso em 12 ago 2014.

JORN, Asger. Opening Speech at the First World Congress of Free Artists. Alba,
1956. Disponível em: http://www.notbored.org/speech.html. Acesso em 12 ago 2014.

SANBORN, Keith. Duas abordagens do desvio: Guy Debord e René Viénet. Recife:
Bê Cúbico, 2014.

- ENDEREÇOS ELETRÔNICOS

BRUNET, Karla. Mapeando Lençóis. Karla Brunet, 2008. Disponível em:


http://lencois.art.br/blog. Acesso em 12 ago 2014.

CARANGI, Marie. Peluqueria Carangi: Recortes e situações além-ambiente.


Peluqueria Carangi, 2013. Disponível em:
http://cargocollective.com/peluqueriacarangi. Acesso em: 14 mai 2015.
170

RAFFA, Ryan. Urban Drifts 2009 – 2014. Ryan Raffa. 2009. Disponível em:
http://www.ryanraffa.com/portfolio/urban-drifts-2. Acesso em: 14 mai 2015.

WAAG SOCIETY. Amsterdam RealTime. Waag Society, 2002. Disponível em:


http://realtime.waag.org. Acesso em: 14 mai 2015.

- VERBETES

L'INTERNAUTE. Dictionnaire. Linternaute.com. Disponível em:


http://www.linternaute.com/dictionnaire/fr/definition/plaque-tournante/. Acesso em 21
mai 2015.

WIKTIONNAIRE. Wiktionnaire: le dictionnaire libre. Wikimedia Foundation.


Disponível em: https://fr.wiktionary.org. Acesso em 21 mai 2015.

- RELATOS

MONTE, Luiz. Relato de descrição psicogeográfica – Pesquisa-piloto 01. [S.l:


s.n.], 2015.

MONTE, Luiz. Breve relato psicogeográfico – Pesquisa-piloto 02. [S.l: s.n.], 2015.

- MAPAS

PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE. Região Centro - RPA 1. Secretaria de


Planejamento, Urbanismo e Meio Ambiente. Recife, 2001.
171

APÊNDICES
172

APÊNDICE A – Relato de descrição psicogeográfica – Pesquisa-piloto 01

A Rua João Fernandes Vieira tem uma ambiência muito particular, apesar de
ser um ambiente de trabalho, com escritórios, repartições, entre outras coisas. A
sombra das árvores e atmosfera contribuem para uma sensação de relaxamento.
A palavra da Rua da Soledade é fluxo, gente indo e vindo a todo tempo: sente-
se aqui a vivência de fato da cidade, e há de se considerar a praça de frente da Igreja
uma possível plaque tournante.
As ruas Barão de São Borja e Manoel Borba apesar de paralelas têm
ambiências completamente distintas. Enquanto na primeira sente-se a calma que me
lembra a rua da minha vó. Na segunda a automatização dos carros e os pedestres
preocupados configuram um aspecto de – deixe-nos trabalhar!
O contraste da Rua José Mariano em relação ao bairro dos Coelhos em suas
costas é incrível. Pode-se perceber a vida de fato, típica das periferias da cidade em
meio a brechas que aparecem num cenário de armazéns e comércio pesado, de onde
são tiradas matérias primas para construções da sociedade atual, que nada tem de
construtivas. Um conselho aos transeuntes da José Mariano é espiar, e quem sabe
adentrar à vida real que se revela entre as brechas.
A Rua Tobias Barreto é o comércio em pelo do Recife. Talvez eu não tivesse
me agradado tanto dela, não fosse a barraquinha de drops com o símbolo do Santa
Cruz.
Por fim, o cansaço bate na praça do Diário. Outro ponto de várias
possibilidades. Uma plaque tournante que acredito alterar percursos até de quem não
se propõem à deriva. Apesar do sol já ter baixado, o cansaço da andada e o fato de
estar próximo à Av. Guararapes me corrompe a ir embora.

Autor: Luiz do Monte


173

APÊNDICE B – Breve relato psicogeográfico – Pesquisa-piloto 02

A deriva começou só comigo e com Matheus, tendo em vista que Rodrigo se


atrasou. Eu e Matheus começamos por um caminho que nos apetece, a Rua do Lazer.
Açaí e suco de tangerina foram os combustíveis da primeira arrancada.
Passamos pela Rua do Sossego, ou não passamos, a atmosfera parecia a
mesma. Dobramos no sentido da Conde da Boa Vista e, no meio de explicações sobre
a Internacional Situacionista, Matheus me alerta sobre um transeunte: – Tá ligado
nesse velho? – É Daniel Santiago (falamos em uníssono). Vidrado, então, nas
possibilidades de uma deriva convenço Matheus a segui-lo (por um momento
achamos que ele iria visitar Bruscky). Mas Daniel só estava a caminho do Céu e Terra,
alguma loja de homeopatia ou coisa parecida. Resolvemos parar de segui-lo e de
seguir pessoas em geral.
Rumamos no sentido do Shopping Boa Vista sem conseguir evitar alguns sacos
de lixo na calçada onde estávamos. Nos abrigamos na marquise da entrada do
shopping, por conta do calor, fomos até o outro lado dele e finalmente encontramos
Rodrigo.

Autor: Luiz do Monte


174

APÊNDICE C – Mapa de percurso de deriva – Experimento 01


175

APÊNDICE D – Mapa de percurso de deriva – Experimento 02


176

APÊNDICE E – Mapa de percurso de deriva – Experimento 03


177

APÊNDICE F – Mapa de ilustração da hipótese dos becos


178

APÊNDICE G – Mapa de inter-relação de ambiências nostálgicas


179

APÊNDICE H – Mapa de inter-relação de ambiências suspensas


180

APÊNDICE I – Mapa de ilustração de elementos de jogo

Você também pode gostar