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Medidas de segurança.

A impossibilidade de manutenção do instituto face à sua vinculação ao pressuposto da
periculosidade

Medidas de segurança. A impossibilidade de manutenção do instituto face à sua vinculação ao
pressuposto da periculosidade

Francine Machado de Paula

Publicado em 04/2010. Atualizado em 04/2010.

A periculosidade passa a legitimar o discurso jurídico no sentido de afastar da sociedade todos
aqueles que possam trazer algum risco para a harmonia social.

Resumo:  este  trabalho  busca  abordar  a  medida  de  segurança,  espécie  de  sanção  penal  aplicada  aos  doentes  mentais
infratores,  problematizando  questões  acerca  da  sua  utilização  face  à  ideologia  da  defesa  social.  Nesse  sentido,  serão
analisados os motivos que justificaram o surgimento do instituto, as regras que devem ser observadas para sua aplicação, os
argumentos usualmente utilizados pela doutrina para diferenciar as medidas de segurança das penas propriamente ditas,
questionando­se,  ao  final,  sobre  a  legitimidade  dos  tratamentos  hoje  dispensados  ao  louco  infrator  que,  com  base  no
pressuposto da periculosidade, têm servido apenas para segregá­los definitivamente do meio social.

Palavras­chave: medidas de segurança, doença mental, periculosidade, defesa social e prisão perpétua.

1 INTRODUÇÃO

As  medidas  de  segurança,  instrumento  utilizado  com  vistas  à  contenção  dos  denominados  "loucos  infratores",  não  têm
recebido  a  devida  importância  nos  manuais  de  Direito  Penal,  não  possuindo  estes  uma  análise  crítica  suficiente  para
demonstrar a real efetividade do instituto, bem como o seu real alcance, sendo, portanto, poucos os trabalhos que se dedicam
a uma análise profunda do problema, visando à modificação da estrutura que hoje se impõe.

Possuindo  aplicação  destinada  à  prevenção  e  defesa  social,  as  medidas  de  segurança  intervêm  na  esfera  de  liberdade
individual dos doentes mentais infratores gerando para estes, na maioria absoluta dos casos, um único destino, qual seja, a
segregação eterna.

O aumento da criminalidade observado em tempos passados proporcionou a implementação de novos meios sancionatórios
capazes  de  atuar  não  mais  sobre  o  ato  criminoso  praticado,  mas  sobre  o  próprio  indivíduo,  em  particular  sobre  aqueles
sujeitos considerados inadaptáveis a uma convivência pacífica no meio social. Coube ao Direito Penal, assim, providenciar a
contenção  de  todos  aqueles  que  se  apresentassem  como  descumpridores  ou  prováveis  descumpridores  das  regras  de
comportamento.

É neste contexto que passaremos a analisar, a partir de então, o tratamento despendido à loucura no decorrer dos séculos que
possibilitou  o  surgimento  do  instituto  ora  em  apreço,  e  que  vem,  desde  os  seus  primórdios,  gerando  conseqüências  no
mínimo desumanas para o portador de sofrimento mental infrator.

2 SURGIMENTO HISTÓRICO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA

O  Direito  Penal,  para  proteger  determinados  bens  jurídicos  tidos  como  fundamentais,  sempre  buscou  neutralizar  todos
aqueles indivíduos que pudessem colocar em risco a harmonia do convívio em sociedade, atribuindo como conseqüência
direta a todos os descumpridores ou prováveis descumpridores das regras de comportamento impostas determinados tipos
de sanções. É nesse contexto que surge o instituto ao qual hoje se denomina medida de segurança.
Na  Roma  antiga,  como  indivíduos  que  pudessem  colocar  em  risco  os  ideais  de  pacificação  social,  os  furiosus,  assim
denominados os doentes mentais, eram afastados do seu convívio com a coletividade tendo em vista a temibilidade de suas
condutas.  Dessa  forma,  permaneciam  sob  os  cuidados  e  tutela  de  seus  familiares,  devendo  por  estes  ser  contidos.
Diversamente,  se  suas  famílias  não  se  responsabilizassem  pelos  mesmos,  eram  submetidos  à  custódia  das  autoridades
públicas. [01]

Torna­se possível perceber, portanto, desde essa época, a segregação dos portadores de doença mental do convívio social em
razão  do  estigma  da  periculosidade.  Assim,  uma  vez  rotulados  como  entes  perigosos,  deveriam  ser  afastados  do  convívio
social. Vale ressaltar, entretanto, que estes não eram atingidos pelo Direito Penal, mas excluídos pela simples condição de
loucos. Uma das justificativas para a não punição encontrava­se no fato da loucura ser considerada por si só, nesse período,
um castigo para aqueles que por ela fossem atingidos.

Com  a  expansão  da  Revolução  Industrial,  houve  um  crescimento  desordenado  das  grandes  cidades  européias,  o  que
ocasionou  uma  elevação  das  taxas  de  desemprego  e,  como  conseqüência  de  todo  esse  processo,  um  grande  aumento  dos
crimes cometidos contra o patrimônio. Assim, "[...] um movimento global faz derivar a ilegalidade do ataque aos corpos para
o  desvio  mais  ou  menos  direto  dos  bens".  (FOUCAULT,  2001,  p.65).  Todo  esse  processo  clamava  pela  necessidade  de
segurança, o que levou à aplicação de medidas de correção a todos aqueles que apresentavam comportamentos tidos como
anti­sociais.

Como bem destaca Virgílio de Mattos:

Era  preciso  controlar  as  massas  de  vagabundos,  sem­terra,  sem­


teto,  sem  trabalho  e  sobretudo  os  sem  possibilidade  de  vir  a
conseguir  trabalho.  Para  as  grandes  cidades,  fluem  as  hordas  de
famintos,  os  doentes,  os  loucos,  as  prostitutas,  inconcebível  o  que
essa  gente  era  capaz  de  fazer  –  literalmente  –  por  um  pedaço  de
pão. (MATTOS, 2006, p. 58).

Tendo  isto  em  vista,  passa­se  a  ser  traçada  uma  trajetória  única  para  todos  aqueles  indivíduos  considerados  socialmente
perigosos para os ideais da classe dominante da época, sendo inseridos nesse quadro os criminosos, mendigos, vagabundos e
loucos.

A segregação, a partir de então, aparece como resposta eficaz à contenção desses indivíduos. Assim, à todas as condutas que
desobedecessem  regras  sociais  impostas,  ou  que  se  apresentassem  como  propulsoras  de  comportamentos  criminosos  em
razão  do  modo  de  vida  do  agente,  seriam  aplicadas  sanções,  sendo  a  mais  comum  delas  aquela  que  possui  como
característica imediata a privação da liberdade do indivíduo.

Ocorre,  contudo,  que  o  aumento  da  criminalidade,  juntamente  com  o  alto  índice  de  reincidência  observado  durante  o
decorrer do século XIX, acabou por gerar discussões acerca das possíveis insuficiências do sistema penal. [02]

A  sanção­pena,  medida  de  caráter  exclusivamente  retributivo,  já  não  era  considerada  como  meio  capaz  de  atingir  os
propósitos de intimidação e emenda a que se propunha, o que levou pensadores da época a instituir a necessidade de criação
de  medidas  que  pudessem  evitar  a  prática  de  delitos,  visando  com  isso  resguardar  a  segurança  da  própria  sociedade.
Surgem, assim, as várias reflexões "[...] sobre a necessidade quanto à enunciação de uma nova espécie de resposta jurídico­
penal". (FERRARI, 2001, p.16).

Os estudos realizados em prol da negação do caráter exclusivo de retribuição das penas disseminaram os ideais da Escola
Positiva italiana que sustentava a idéia de que a prisão, do modo como era imposta, simplesmente aumentava os impulsos
criminosos do delinqüente. Necessário seria o estabelecimento de novos métodos capazes de defender a sociedade desses
indivíduos,  e  esse  fim  só  poderia  ser  alcançado  por  meio  de  tratamentos  que  visassem  à  correção  e  recuperação  do
delinqüente. [03]

Assim  sendo,  a  nova  medida  criminal  se  orientaria  por  critérios  de  periculosidade,  o  que  passava  a  não  demandar
necessariamente o cometimento de uma conduta criminosa para que houvesse a intervenção do Direito Penal na vida de
determinados indivíduos. Uma vez considerados socialmente perigosos seriam excluídos do meio social todos aqueles que
representassem risco para a sociedade, ou pelo menos para os ideais de uma classe específica.

Desta maneira, passam a se destacar invocações referentes à possível forma de aplicação dessas medidas, estabelecendo­se
que a alguns indivíduos, após o cumprimento de uma sanção­pena, ainda deveria ser aplicada uma medida de tratamento
como  forma  de  prevenir  o  cometimento  de  novos  crimes,  de  coibir  a  reincidência.  A  outros,  por  apresentarem
comportamentos considerados anti­sociais, se enquadrando nesse aspecto loucos, mendigos, vagabundos, prostitutas, ébrios
habituais, a mesma medida seria aplicada sem que para tanto fosse necessário anterior cometimento de um injusto penal.

Ocorre, dessa forma, uma mudança de foco: deixa­se de considerar o fato delituoso, para considerar a pessoa do delinqüente;
a exigência da pré­existência do cometimento de um ilícito, para a condição de periculosidade do agente.
Nesse contexto, o infrator portador de doença mental e todos aqueles que representam perigo para o meio social passam a ser
punidos não pelo ato que efetivamente praticaram, mas pelo risco que representariam estando em liberdade. Como bem
destaca Rui Carlos Alvim: "Percebe­se que o intento não mais concerne a uma equação de justiça – equilíbrio entre os delitos
e as penas –, pressupondo antes e tão somente um sentido utilitarista, estribado na defesa social." (ALVIM, 1997, p.22). A
exclusão daqueles considerados inadaptáveis a uma convivência pacífica se apresenta, assim, como fim último ao alcance da
defesa da sociedade.

Foi  apenas  em  1893,  contudo,  com  a  elaboração  do  anteprojeto  do  Código  Penal  Suíço,  por  Carl  Stooss,  que  houve  a
sistematização  desta  nova  espécie  de  resposta  jurídico­penal,  a  qual  se  denominou  medida  de  segurança,  sendo  esta
destinada à recuperação daqueles delinqüentes tidos como "perigosos".

Tendo em vistas as palavras de Luiz Regis Prado:

O  anteprojeto  continha  disposições  sobre  a  internação  dos  multi­


reincidentes,  aplicada  em  substituição  da  sanção  penal,  assim
como a previsão da internação facultativa em casa de trabalho e o
asilo  para  ébrios  contumazes,  dentre  outras  significativas
medidas.  Seu  artigo  40  prescrevia  que,  no  caso  de  constatar  a
possibilidade  de  reincidência,  mesmo  após  o  cumprimento  da
pena,  a  autoridade  federal  poderia  ordenar  que  tal  pena  fosse
substituída pela internação do condenado em um estabelecimento
adequado por um prazo de tempo que variava de dez a vinte anos.
(PRADO, 2005, p.740).

Surge,  assim,  a  noção  regulamentada  de  uma  dupla  via  sancionatória,  e  tal  acontecimento  acabou  por  traduzir  todos  os
estudos realizados anteriormente em relação à necessidade de criação de uma espécie de sanção, de cunho essencialmente
preventivo, que substituísse ou complementasse, quando necessário, o fim retributivo da sanção­pena.

A partir de então, o instituto das medidas de segurança passou a caminhar ao lado das penas, se diferenciando delas em
alguns  aspectos,  mas  corroborando  inevitavelmente  com  toda  estrutura  de  exclusão  apresentada  em  relação  àqueles  que
supostamente pudessem provocar algum mal para a sociedade. Dentre estes pode ser incluído aquele que seria mais tarde o
grande personagem para quem se voltaria sua aplicação, ou seja, o louco infrator.

3 SISTEMATIZAÇÃO DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

No  ordenamento  jurídico  brasileiro,  possível  se  torna  observar  o  tratamento  despendido  ao  louco  infrator  já  no  Código
Criminal do Império de 1830. Nesse diploma, medidas de tratamento de cunho meramente humanitário atingiam aqueles
que, afetados pelo estado de loucura, viessem a praticar algum crime.

Em  1890,  quando  da  sistematização  da  matéria  no  Código  Penal  da  República,  passou­se  a  estabelecer  entre  seus
dispositivos que todos aqueles indivíduos isentos de culpabilidade em virtude de doença mental seriam entregues às suas
famílias  ou  recolhidos  em  hospitais  de  alienados.  Eram  considerados,  também  nessa  época,  como  não  criminosos,
enquadrando­se nesse aspecto todos aqueles que acometidos por imbecilidade nativa ou enfraquecimento senil, viessem a
praticar algum delito [04].

Foi apenas com o Código Penal de 1940, entretanto, que ocorreu a introdução definitiva no ordenamento jurídico brasileiro
das medidas de segurança, sendo teoricamente abstraída destas a idéia essencialmente retributiva da pena.

Nesse contexto, com a promulgação do referido diploma, a inimputabilidade, ou falta de capacidade de entendimento ou
vontade em virtude de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, passou a delimitar a intervenção coercitiva do
Estado na esfera de liberdade de uma categoria diferenciada de infratores, de forma a mantê­los distantes da sociedade.

Como  forma  do  Direito  Penal  intervir  diretamente  nas  ações  daqueles  indivíduos  que  apresentavam  comportamentos
desviantes,  a  medida  de  segurança  seria  aplicada  ora  de  forma  a  substituir  a  pena  em  relação  àqueles  considerados
inimputáveis, ora como complemento às penas dos imputáveis. Instituiu­se, assim, no Brasil, o sistema do duplo binário,
que se caracteriza pela possibilidade de utilização de duas vias distintas de sanções criminais em relação a um único injusto
penal.

Por meio dessa medida visava­se, através do tratamento, além de excluir da aplicação de uma pena aqueles considerados
irresponsáveis,  conter  os  etiquetados  como  perigosos,  possuindo  como  pressupostos  para  sua  aplicação  a  prática  de  fato
previsto como crime e a periculosidade do agente, que por sua vez, era presumida pela lei em alguns casos específicos. Vale
dizer, se o indivíduo ao cometer um delito, se enquadrasse em quaisquer das hipóteses previstas na lei como presuntivas de
periculosidade,  obrigatoriamente  lhe  seria  aplicada  a  medida,  sem  que  para  tanto  qualquer  investigação  judicial  fosse
realizada no sentido de comprovar ou não a existência da periculosidade criminal do agente. [05]

Ainda nesse mesmo sentido, admitia­se a aplicação do instituto, em casos excepcionais, àqueles acontecimentos tidos como
quase­crimes, igualados a ilícitos penais na época. Para isso, levar­se­ia em conta fatos que "[...] não realizam inteiramente
um injusto penal, mas contêm em si latente a configuração de um crime e revelam no seu autor não só a inclinação, mas a
efetiva capacidade de cometer ações puníveis". (BRUNO, 1984, p. 301).

Dois  eram  os  grupos  em  que  se  poderiam  dividir  as  espécies  de  medidas  de  segurança  nesse  momento:  medidas  de
segurança  pessoais  e  patrimoniais.  As  primeiras,  por  sua  vez,  ainda  se  desdobravam  em  detentivas  e  não  detentivas.
Detentivas eram aquelas que deveriam ser cumpridas através de internação em manicômio judiciário, casa de custódia e
tratamento,  colônia  agrícola  ou  em  instituição  de  trabalho,  reeducação  ou  ensino  profissional.  As  não  detentivas,  em
contrapartida,  não  exigiam  a  completa  privação  da  liberdade  do  indivíduo.  Enquadram­se,  nesse  sentido,  a  liberdade
vigiada, o exílio local e a proibição de freqüentar determinados locais. Já as medidas patrimoniais compunham­se apenas
pela interdição de estabelecimento comercial ou de sede de sociedade ou associação e pelo confisco de objetos que poderiam
ocasionar a prática de qualquer delito. [06]

Uma vez judicialmente imposta a medida, previa o referido diploma, para os casos de internação, prazo mínimo de duração,
sendo este tempo calculado levando­se em conta a pena de reclusão que seria abstratamente cominada ao crime cometido,
ou seja, a própria gravidade do delito. Seu prazo máximo, contudo, ficou vinculado à cessação da periculosidade do agente
infrator.

3.1 As medidas de segurança no Código Penal de 1984

O Código Penal de 1984 trouxe modificações em relação a algumas regras estabelecidas no diploma anterior no que se refere
ao  instituto  ora  em  apreço.  Dentre  tais  regras,  pode­se  citar  a  extinção  do  antigo  sistema  do  duplo  binário  que,  como  já
exposto,  possibilitava  a  aplicação  sucessiva  de  pena  e  medida  de  segurança.  Adotou­se,  assim,  o  sistema  vicariante,  que
prima pela aplicação exclusiva de uma ou outra espécie de sanção penal.

Ademais, imperiosa se mostrou também a modificação realizada no que concerne à antiga possibilidade de ser utilizado,
para fins de aplicação da medida, o critério da presunção de periculosidade. O Código atual não adotou tal preceito, exigindo
para  a  aplicação  da  medida  a  comprovação,  por  perícia  médica,  da  periculosidade  criminal  do  agente,  ou  seja,  da
probabilidade de que este possa vir a reiterar em conduta criminosa após a prática de um delito, o que também se apresenta
como um grande absurdo, pois nenhum tipo de saber, seja ele o jurídico, seja ele o psiquiátrico, é capaz de prever condutas,
de predizer o futuro.

Contudo, assim estabeleceu­se para os dias atuais o âmbito de aplicação das medidas de segurança, a serem agora aplicadas
apenas a inimputáveis e semi­imputáveis.

Inimputável, de acordo com a matéria disposta no artigo 26 do Código Penal, seria todo aquele que por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o
caráter  ilícito  do  fato  ou  de  determinar­se  de  acordo  com  esse  entendimento.  Assim,  ao  cometer  um  ilícito  penal,  o
inimputável terá sua culpabilidade excluída face sua incapacidade de entender seu ato, sendo, portanto, isento de pena.

Por sua vez, como ainda dispõe o parágrafo primeiro do dispositivo legal acima mencionado, semi­imputável é todo aquele
que,  em  virtude  de  perturbação  de  saúde  mental  ou  desenvolvimento  mental  incompleto  ou  retardado  não  é  capaz  de
entender inteiramente o caráter ilícito do fato emanado de sua prática delituosa ou de determinar­se de acordo com esse
entendimento. Segundo Eduardo Reale Ferrari:

Denominados  de  fronteiriços,  os  semi­imputáveis  encontram­se


numa zona intermediária da higidez mental e a plena insanidade,
ocupando  faixa  cinzenta  os  estados  atenuados,  incipientes  e
residuais  de  psicose,  certos  graus  de  oligofrenias  e,  em  grande
parte,  as  chamadas  personalidades  psicopáticas  e  os  transtornos
mentais transitórios. Embora capazes de entender o caráter ilícito
do  fato,  não  possuem  integral  aptidão  sobre  os  seus  atos,  tendo
como conseqüência a possibilidade de o juiz optar entre concretizar
a  pena  com  redução  quantitativa  ou  aplicar  a  medida  de
segurança criminal [...]. (FERRARI, 2001, p. 39).

Importante ressaltar no momento a possibilidade trazida pela norma quanto à aplicação de medida de segurança aos semi­
imputáveis.  Se  considerados  culpáveis,  como  conceber  o  afastamento  da  aplicação  de  uma  sanção­pena  a  estes  tipos  de
indivíduos?
Esta possibilidade arbitrária concedida ao juiz de reduzir consideravelmente a pena, a saber, de 1/3 a 2/3, ou de aplicar
medida de segurança, que pode significar uma restrição da liberdade do acusado por toda a sua vida, se mostra, no mínimo,
absurda.

Como já observado anteriormente, o instituto das medidas de segurança é marcado pela indeterminação de sua duração, o
que, por conseqüência, provoca uma intervenção ainda mais severa na liberdade individual daquele que a ela encontra­se
submetido. Portanto, não há razões que justifiquem, quando presente a culpabilidade, a aplicação de uma medida que pode
ser de caráter perpétuo em detrimento de uma pena, no sentido estrito, que, além de limitar o poder de punir do Estado,
ainda assegura aos indivíduos todos os direitos e garantias inerentes a este tipo de sanção.

Desse  modo,  com  a  entrada  em  vigor  do  Código  Penal  de  1984,  delimitou­se  o  âmbito  de  aplicação  das  medidas  de
segurança, se apresentando o instituto hodiernamente como conseqüência jurídica do delito praticado por aquele que não
possui  completo  discernimento  para  entender  a  ilicitude  de  sua  conduta.  Para  essa  categoria  de  indivíduos  afasta­se  a
aplicação  de  uma  pena  para  aplicar  "medida  de  tratamento"  a  ser  cumprida  em  Hospitais  de  Custódia  e  Tratamento,
tomando por base a periculosidade do agente e tendo por fim critérios meramente preventivos.

Nesse contexto, o louco, ao cometer qualquer conduta ilícita que se enquadre num tipo penal, passou a ter sua culpabilidade
excluída por ser considerado irresponsável penalmente, tendo para si afastada a aplicação de uma pena para ser submetido a
algo que se denomina de "tratamento", mas que de tratamento, como poderá ser observado adiante, quase nada tem.

A necessidade de prevenir delitos futuros se volta, assim, para o controle e exclusão daqueles etiquetados como perigosos e,
nesse  sentido,  a  única  alternativa  apresentada  ao  louco  infrator  se  resume  no  seu  afastamento  do  convívio  social  sob  o
argumento de que sua liberdade coloca em risco a tranqüilidade da sociedade. Exclusão, preconceito, e o velho e ainda atual
estigma da periculosidade.

4 ANÁLISE DO INSTITUTO MEDIDA DE SEGURANÇA

Indispensável se faz, no momento, tecer comentários acerca dos pressupostos hoje necessários à aplicação das medidas de
segurança.

Diferentemente  do  que  se  tornou  possível  no  século  XIX,  quando  do  surgimento  do  instituto  em  questão,  hoje  se  torna
imprescindível o cometimento de um injusto penal, ou seja, de um fato típico e antijurídico, para que o portador de doença
mental  seja  submetido  a  este  tipo  de  sanção  criminal.  Portanto,  excluem­se  da  incidência  da  medida  comportamentos
considerados como meros desajustamentos de conduta, tal qual a vadiagem, a prostituição, a loucura, a mendicância, que,
por si só, demandariam em tempos passados a aplicação de uma medida aflitiva como forma de defesa social.

Outro fator que se afigura como pressuposto necessário à aplicação de tais medidas curva­se à periculosidade criminal do
agente. A esse tipo de periculosidade dá­se o sentido de "probabilidade de reiteração em ilícitos penais", de retorno a uma
prática criminosa, voltando­se o seu conceito, portanto, para ações futuras daqueles indivíduos tidos como inimputáveis.

Aníbal Bruno corrobora o exposto ao aduzir que:

Essa condição de periculosidade, que se conceitua juridicamente na
fórmula  probabilidade  de  delinqüir,  é  um  estado  de
desajustamento  social  do  homem,  de  máxima  gravidade,
resultante  de  uma  maneira  de  ser  particular  do  indivíduo
congênita  ou  gerada  pela  pressão  de  condições  desfavoráveis  do
meio.  Maneira  de  ser  que  pode  exprimir­se  na  estrutura
constitucional  do  indivíduo,  anátomo­físico­psicológica,
anormalmente estruturada, ou resultar de deformação imprimida
social­cultural,  em  que  se  desenvolveu  a  vida  do  homem.  Aí  está,
nos  casos  extremos,  uma  criminosidade  latente  à  espera  da
circunstância  externa  do  momento  para  exprimir­se  no  ato  de
delinqüir. (BRUNO, Aníbal, 1984, p. 289)

A realização de perícia médica psiquiátrica será o meio utilizado para que, após o cometimento de um injusto penal pelo
doente mental, dita periculosidade seja comprovada. Para tanto, a perícia deverá levar em consideração aspectos que dizem
respeito à vida pregressa do doente mental infrator, como, por exemplo, seus antecedentes pessoais, familiares, sua história
social, os motivos e circunstâncias que o levaram a praticar a conduta delituosa, determinando, a partir desses elementos a
existência ou não dessa periculosidade. [07]
O que ocorre, contudo, é que ainda hoje continua sendo feita uma ligação extremamente forte entre loucura e perigo como se
essas  duas  condições  estivessem  absolutamente  atreladas  entre  si.  Tal  posicionamento  deve  ser  analisado  de  forma
extremamente cautelosa, pois pode afetar de forma direta o destino do louco infrator.

O  doente  mental,  simplesmente  por  ter  praticado  um  injusto  penal,  não  necessariamente  deve  ser  considerado  como
perigoso. O problema que aqui se apresenta se reduz a essa generalização que habitualmente é difundida, o que gera ainda
mais preconceito e colabora com a estigmatização criada em torno dos denominados inimputáveis. A perícia, portanto, deve
se restringir à comprovação da probabilidade de reiteração em ilícitos penais. Caso tal probabilidade não seja vislumbrada
não caberá a aplicação da medida, visto que um de seus pressupostos se volta à comprovação da periculosidade criminal, e
não periculosidade social do agente.

Contudo, interessante nos faz indagar neste instante a capacidade atribuída ao perito para analisar a probabilidade do louco
infrator, ou quem quer que seja, praticar um delito. Tal possibilidade é ilógica, sendo inconcebível sua utilização como meio
de legitimação de uma reação coercitiva de tal monta. Ninguém é capaz de antever acontecimentos futuros; nem nós mesmos
sabemos  o  que  podemos  fazer  em  tempos  que  ainda  estão  por  vir.  Assim  sendo,  não  cabe  ao  Direito  Penal  punir
determinados agentes com base apenas em um critério subjetivo, como é o da periculosidade.

4.1 Espécies

O  art.96  do  Código  Penal  elenca  em  seus  incisos  as  duas  espécies  hoje  existentes  de  medidas  de  segurança,  a  saber,
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou sujeição a tratamento ambulatorial.

Vale ressaltar, no entanto, que atualmente essas são as únicas espécies de medidas de segurança aplicáveis aos inimputáveis
ou semi­imputáveis. Todas as outras existentes em legislações anteriores não mais prevalecem.

Nesse  diapasão,  será  por  meio  de  uma  dessas  medidas  que  se  buscará  atingir  o  suposto  escopo  do  instituto,  qual  seja,  o
tratamento do louco infrator de modo a tornar possível sua reinserção no meio social e, por conseguinte, sua não reiteração
em práticas delituosas.

A  primeira  delas,  medida  de  internação,  possui  caráter  essencialmente  aflitivo,  tendo  em  vista  a  privação  da  liberdade
daquele  que  será  a  ela  submetido.  Por  outro  lado,  temos  a  segunda  espécie  de  medida  de  segurança,  denominada  de
tratamento  ambulatorial.  Neste  caso  em  particular,  diferentemente  do  que  se  observa  com  as  medidas  de  segurança
detentivas, não ocorre uma efetiva privação da liberdade do indivíduo. O tratamento se realiza em meio aberto, recebendo o
paciente acompanhamento psiquiátrico durante toda sua duração.

Cumpre  salientar  que,  apesar  da  internação  ser,  em  regra,  o  tipo  de  medida  mais  aplicada  atualmente,  o  tratamento
ambulatorial deveria ser privilegiado nesse sentido, pois, ao não afastar o doente mental infrator do convívio social, propicia
ao mesmo maiores possibilidades de readaptação.

Ocorre, contudo, que a modulação da medida de segurança deverá observar o disposto no artigo 97 do Código Penal, que ao
abordar o assunto assim dispõe: "Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art.26). Se, todavia, o fato
previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê­lo a tratamento ambulatorial."

Necessário se faz observar, neste instante, como o instituto em voga se distancia das finalidades de tratamento por ele ditadas.
Ao  se  restringir,  num  primeiro  momento,  à  análise  do  crime  praticado  pelo  louco  infrator,  torna­se  visível  o  caráter
meramente excludente das medidas de segurança. Se comete crime punível com reclusão, obrigatória será a internação do
doente  mental  infrator,  por  tempo  indeterminado,  independentemente  das  condições  pessoais  apresentadas  pelo  agente,
não se perquirindo, pois, acerca do tipo de tratamento mais adequado ao caso concreto quando da escolha da medida.

Ora, se a justificativa para a aplicação das medidas de segurança, em teoria, se restringe ao alcance da cura do louco infrator
de modo a possibilitar sua reinserção no meio social, não deveria o magistrado estar vinculado apenas à condição pessoal do
agente quando da modulação da medida, submetendo­o, assim, de acordo com o quadro clínico apresentado, ao tipo de
tratamento que melhor se adapte às suas reais necessidades?

Outrossim, vale aqui destacar que uma vez aplicada a medida esta ficará vinculada à cessação da periculosidade do agente.
Desse  modo,  será  realizado  exame  pericial  pela  autoridade  administrativa  responsável  pelo  tratamento  no  sentido  de
averiguar as condições pessoais do doente mental infrator, remetendo ao juiz relatório minucioso que o habilite a resolver
sobre sua possível revogação ou permanência.

Isto posto, estabelece­se então todo trajeto a ser percorrido pelo louco infrator desde o momento em que seja a ele aplicado o
instituto ora em apreço até sua revogação, podendo esta ocorrer, quem sabe, no instante em que seja comprovada a cessação
de sua dita periculosidade.

5 PENA E MEDIDA DE SEGURANÇA: A SUPRESSÃO DE DIREITOS COMO CONSEQÜÊNCIA DA
"DIFERENÇA"

A  doutrina  sempre  procurou  destacar  as  diferenças  existentes  entre  pena  e  medida  de  segurança,  seja  em  relação  à  sua
natureza,  seja  em  relação  à  sua  finalidade,  o  que  prepondera  nos  dias  de  hoje  como  pressupostos  que  irão  delimitar  a
aplicação de um ou outro instituto.
Sob esse ponto de vista, a pena se diferenciaria da medida de segurança, num primeiro momento, pelo fato de ser intrínseco
a ela o caráter aflitivo referente à conduta criminosa praticada pelo agente. Por ter praticado um fato criminoso, este deverá
ser punido. Já no que diz respeito à medida de segurança, teoricamente, foi retirado de seu conteúdo qualquer finalidade
punitiva. Sua característica maior se volta para o tratamento daquele que cometeu o crime sem ter a capacidade de entender
o caráter ilícito de sua conduta, enquadrando­se nesse plano o doente mental infrator. Destinar­se­ia, portanto, à sua cura e
readaptação social.

A medida de segurança foi supostamente formulada com fim exclusivamente preventivo, ou seja, visa não possibilitar que o
indivíduo  venha  a  reincidir  na  conduta  criminosa,  julgando  um  comportamento  futuro  e  não  o  crime  efetivamente
praticado. É tratamento fundado na periculosidade do agente e que se destina à defesa social. A pena, diferentemente, teria
por  fim  castigar  aquele  que  causou  um  mal  para  a  sociedade,  recaindo,  pois,  sobre  a  repressão  do  próprio  delito,  o  que
demonstra  seu  escopo  retributivo,  embora  possua  também  uma  finalidade  preventiva  com  vistas  à  ressocialização  do
infrator.

A pena possui limites de duração preestabelecidos de acordo com o tipo penal praticado. Assim, aquele que comete, por
exemplo,  um  homicídio,  será  privado  de  sua  liberdade  por  um  prazo  que,  de  acordo  com  o  artigo  121  do  Código  Penal,
poderá variar de 6 (seis) meses a 20 (vinte) anos. Nesse mesmo sentido, embora venha o indivíduo a cometer outros delitos,
sua  pena  não  poderá  ultrapassar  o  prazo  máximo  de  30  (trinta)  anos.  De  maneira  contrária,  e  diga­se  desde  já
inconstitucional, aquele que vier a praticar um crime sem ter a capacidade de entender sua conduta no momento dessa
prática não terá tempo predeterminado para ser submetido a uma espécie de conseqüência jurídica, também de caráter
aflitivo, por ser a este indivíduo aplicada uma medida de segurança.

A pena funda­se na culpabilidade. A medida de segurança se pauta exclusivamente na periculosidade do doente mental
infrator.

Importante  ressaltar,  neste  momento,  que  os  critérios  acima  empregados  para  a  diferenciação  entre  pena  e  medida  de
segurança  engendram  apenas  cerceamento  no  que  diz  respeito  aos  direitos  dos  portadores  de  sofrimento  mental.  Com  o
objetivo de "beneficiar" esta categoria de indivíduos, excluindo sua culpabilidade, reservou­lhes o Direito Penal espécie de
sanção  que  por  se  diferenciar,  ao  menos  teoricamente,  da  pena,  o  submete  a  uma  intervenção  estatal  ilimitada  que,
encoberta por uma falsa função terapêutica, não se coaduna com os princípios de um Estado de Direito.

É  nesse  contexto  que  a  inimputabilidade  e  o  estigma  da  periculosidade,  que  possibilita  a  aplicação  das  medidas  de
segurança, retira daqueles indivíduos considerados "irresponsáveis" direitos e garantias individuais a favor do alcance de
uma suposta defesa social. Aos mentalmente sãos, aplica­se uma pena com todas as garantias inerentes ao instituto. Ao louco­
delinqüente,  estigmatizado,  excluído,  inimigo,  cabe  apenas  a  segregação  eterna,  ou  até,  quem  sabe,  o  momento  em  que
tenha sido comprovada a cessação de sua periculosidade.

Como bem demonstra Zaffaroni, o que hoje pode ser observado é a utilização de dois tipos diferenciados de tratamento penal:

(a) um para os infratores que pertencem às camadas socialmente
aptas  para  a  convivência  e  (b)  outro  para  aqueles  que  não
pertencem  a  elas.  Os  primeiros  são  retribuídos  com  uma  pena
limitada  e  proporcional,  ao  passo  que  os  segundos  são
neutralizados  com  uma  pena  desproporcional  e  indeterminada
(medida) [...] (ZAFFARONI, 2007, p.101)

Necessário se faz questionar, porém, por que aplicar àquele que não possui sequer capacidade para entender sua conduta
uma medida que, na prática, se apresenta ainda mais gravosa do que a pena. Se ambas as espécies de sanção penal possuem
caráter  estritamente  aflitivo,  ou  seja,  privam  o  indivíduo  de  sua  liberdade,  exigem  o  cometimento  de  um  fato  típico  e
antijurídico para sua aplicação e possuem o mesmo escopo, qual seja, a defesa social, por que o louco que comete um injusto
penal, apesar de não poder se submeter a uma pena, tendo em vista a "proteção" que o Direito Penal lhe concedeu nesse
sentido,  pode  ser  submetido  a  uma  espécie  de  sanção  diferenciada  cuja  diferença  leva  apenas  à  exclusão  de  direitos  e
garantias protegidos constitucionalmente?

A  resposta  a  ser  dada  se  resume  no  preconceito  hoje  existente  que  vê  no  "diferente"  a  figura  de  um  "inimigo"  e,  por
conseguinte, no louco a noção de perigo. Portanto, este deve ser neutralizado, mesmo que esta segregação se vislumbre numa
privação  eterna  de  sua  liberdade.  Como  a  pena  não  possibilitaria  uma  exclusão  com  tal  extensão,  nada  melhor  do  que  a
criação de um "novo" instituto que o permita. Assim, muda­se o nome de "pena" para "medida de segurança" retirando do
indivíduo todas as limitações impostas à primeira.

O que importa aqui ressaltar é o absurdo hoje existente em relação à possibilidade de utilização de um Direito Penal de autor,
quando em questão injusto penal praticado pelo doente mental infrator. É inadmissível, num Estado Democrático de Direito,
a aplicação de sanção que vise apenas conter o caráter considerado "perigoso" de uma determinada categoria de indivíduos.
Nosso Direito Penal é de ato, de culpabilidade, devendo, pois, se restringir a esta última quando da aplicação de medida
aflitiva a qualquer cidadão.
Ao  empregar  o  discurso  da  periculosidade  e  do  tratamento,  afastando  a  culpabilidade  para  aplicação  da  medida  de
segurança  ao  doente  mental  infrator,  o  Direito  Penal  alija  estes  indivíduos  de  todos  os  direitos  que  lhes  deveriam  ser
garantidos quando da prática pelos mesmos de um injusto penal. Rotula­o como perigoso, e através da estigmatização o afasta
definitivamente do meio social. Assim, deixamos de analisar o passado, ou seja, o crime propriamente praticado, para nos
restringirmos numa probabilidade, em condutas que podem vir a ocorrer.

Nesse  contexto,  a  sociedade,  arraigada  por  preconceitos  tais,  se  fecha  para  o  diferente  de  forma  a  excluí­lo  de  sua
convivência  passando  a  ter  como  meio  de  proteção  a  neutralização  daqueles  que  não  se  adaptam  às  normas  de
comportamento por ela ditadas. Os "diferentes", supostamente, se apresentarão como um risco para sua tranqüilidade e,
portanto, devem ser excluídos, não importando a forma como esta exclusão venha a ocorrer. Dessa maneira, o louco infrator
não tem respeitados direitos mínimos como o direito à dignidade humana, à igualdade, o direito de ser diferente. O estigma
da  periculosidade,  que  passa  a  prover  toda  essa  estrutura  de  medo,  se  apresenta  agora  como  o  fator  que  irá  legitimar  o
confinamento muitas vezes eterno do louco infrator.

Percebe­se,  portanto,  que  direitos  para  esta  categoria  de  indivíduos  parecem  não  existir.  Estes,  quando  existem,  são
utilizados  para  serem  de  pronto  excluídos  em  favor  dos  direitos  daqueles  que  não  têm  que  se  submeter  à  "perigosa"
convivência  com  os  mesmos.  O  estereótipo  criado  para  o  doente  mental  infrator  legitima  apenas  a  violação  de  direitos  e
garantias mínimas, sob o disfarce de tratamento que o ajuste à vida social até que seja eliminada sua periculosidade, o que
somente  exprime  um  poder  de  punir  arbitrário  e  ilimitado,  cujo  fim  último  se  respalda  apenas  no  alcance  do  controle
daqueles tidos com indesejáveis.

6 CONTROLE SOCIAL: A PERICULOSIDADE COMO JUSTIFICATIVA PARA A EXCLUSÃO

O Direito Penal, tido como instrumento de controle social, possui como um de seus objetivos a manutenção da ordem e da
segurança  daqueles  que  vivem  em  sociedade.  Assim,  busca­se  proteger  determinados  bens  tidos  como  essenciais,
sancionando condutas de todos aqueles que, lesando interesses ensejadores de tutela, descumpram as ordens impostas pelo
sistema.

No entanto, o "castigo" despendido àqueles que cometem crime sem ter discernimento para entender o caráter ilícito de sua
conduta,  não  se  restringirá,  quando  em  questão  a  aplicação  das  medidas  de  segurança,  à  culpa  ou  ao  injusto  típico
efetivamente praticado pelo agente. Ao ser afetado pelo Direito Penal, o doente mental infrator será julgado por sua suposta
periculosidade.

Ocorre, contudo, que além de não podermos aceitar a análise da periculosidade para fixarmos uma pena, como já delineado
anteriormente,  tal  análise  ainda  é  baseada  em  pressupostos  subjetivos,  em  meras  presunções.  Abandonam­se,  assim,
critérios objetivos de julgamento para justificar, no risco, a reação penal.

O certo é que, por não se ajustar às regras sociais de comportamento, o louco infrator se apresenta como um indivíduo que
carece de controle, sendo este realizado, de maneira ampla, através da aplicação de uma medida de segregação.

Por  meio  desses  discursos  estigmatizantes,  o  portador  de  sofrimento  mental,  pela  condição  de  diferença  que  apresenta,
passou a ser classificado como um indivíduo que não está apto a conviver com o restante da sociedade, não devendo esta,
portanto, ter que se sujeitar a viver em constante medo em virtude dos "perigosos" que a aterrorizam e se apresentam como
futuros descumpridores das normas de convivência.

Desse modo, o escopo para a aplicação da medida de segurança passa a ser o domínio daquele que pode colocar em risco a
tranqüilidade  social  e  servir,  teoricamente,  à  prevenção  especial  de  modo  a  buscar  com  sua  aplicação  atingir  a
ressocialização, a cura do doente mental infrator.

Ao se utilizar de um discurso jurídico baseado em presunções, em uma estigmatização que exclui, que segrega, que ostenta
todo o preconceito existente, o Direito Penal passa a julgar o doente mental infrator com base apenas em sua enfermidade,
segregando­o em instituições que, incumbidas de corrigir seus desvios, possibilitariam, em tese, o seu retorno ao meio social.

A ele, louco, inimigo, diferente, não é dada outra saída. Uma vez instaurado o incidente de insanidade mental e confirmada
sua  inimputabilidade,  já  possui  destino  certo.  Será  absolvido,  por  não  ser  considerado  responsável  por  seu  ato,  mas,  em
contrapartida, por mais paradoxal que isso possa parecer, aplicar­se­lhe­á uma medida de segurança que, legitimada pelo
parecer  psiquiátrico  em  perícia  previamente  realizada,  o  submete  a  tratamento  por  prazo  indeterminado,  até  que  seja
comprovada a cessação de sua periculosidade.

O discurso psiquiátrico, nesse sentido, irá se refletir diretamente no destino reservado ao louco infrator. Por meio dos exames
realizados para a comprovação ou cessação de sua periculosidade, o saber psiquiátrico passa a conhecer o "paciente" e a
exercer, em virtude disso, domínio sobre o caminho que deverá ser percorrido por ele durante o decorrer da duração de sua
medida. Assim, quando da realização do exame, o inimputável é tomado como um estudo de caso e, portanto, passa a ser
individualizado. A partir dessa individualização torna­se possível o conhecimento de sua anormalidade, de sua diferença, e
em virtude dela o controle passa a ser exercido. [08] Isso porque:
O  exame  combina  as  técnicas  da  hierarquia  que  vigia  e  as  da
sanção  que  normaliza.  É  um  controle  normalizante,  uma
vigilância  que  permite  qualificar,  classificar  e  punir.  Estabelece
sobre  os  indivíduos  uma  visibilidade  através  da  qual  eles  são
diferenciados  e  sancionados.  [...]  Nele  vêm­se  reunir  a  cerimônia
do  poder  e  a  forma  da  experiência,  a  demonstração  da  força  e  o
estabelecimento da verdade. (FOUCAULT, 2001, p.154)
Vale aqui ressaltar que embora toda a sociedade já esteja predisposta a excluir o louco infrator por preconceitos arraigados
em  seu  cerne,  contribuindo  o  próprio  ordenamento  jurídico  para  essa  exclusão,  a  periculosidade,  além  de  não  ser  uma
conseqüência ínsita ao transtorno mental, não é algo passível de definição e comprovação científica. Seu conceito é sempre
subjetivo, se baseando, na maior parte dos casos, apenas num preconceito criado em torno do doente mental infrator, que faz
presumir um determinado comportamento futuro. Nesse diapasão, Isaías Paim enfatiza que:

Ao perito compete esclarecer se o indivíduo inimputável é portador
de  periculosidade,  mas  este  esclarecimento  está  à  mercê  de
impressões  subjetivas.  Grande  parte  da  tradição  psiquiátrico­
forense  imperante  em  nosso  meio  fundamenta­se  no  pressuposto
de  que  o  doente  mental  é  um  indivíduo  perigoso.  A  alegação  de
periculosidade  de  um  doente  mental  que  tenha  praticado  um  ato
delituoso  é  uma  conjectura,  mas  não  uma  afirmação  científica.
Não  existem  meios  objetivos,  critérios  científicos  para  avaliar  a
periculosidade de alguém. (PAIM, 1997, p. 518)
Ocorre, contudo, que em razão do comportamento diferenciado trazido pelo transtorno mental, a idéia de loucura não tem
sido dissociada da de periculosidade. Em virtude disso, o louco infrator, pelo estado que o acomete, é tido como perigoso e,
portanto, deve ser afastado, tratado, mesmo que esse tratamento seja vislumbrado apenas como forma de segregação.

Torna­se significativo observar, porém, que nem sempre uma doença mental poderá levar aquele que dela se acomete a
praticar um mal ou gerar uma predisposição para a reiteração em práticas criminosas, pois "[...] nem sempre é possível
estabelecer um nexo sintomático entre crime e perturbação mental". (PAIM, 1997, p.518). Tal generalização causa para o
louco infrator uma redução nítida de direitos e garantias, tendo em vista que uma vez considerado "perigoso", necessita ser
controlado,  e  essa  necessidade  de  controle,  ao  invés  de  proporcionar  um  tratamento  efetivo,  vem  sendo  utilizada  apenas
como forma de punição ou exclusão daqueles indivíduos tidos como indesejáveis.

Ressalta­se ainda que, ao vincular a idéia de transtorno mental à idéia de periculosidade, aberta estará a possibilidade de
jamais ver­se desprendido deste tipo de sanção aquele indivíduo portador de determinado tipo de doença mental incurável.
Tal vinculação, portanto, contribui apenas para reforçar o estigma já criado em torno do louco infrator, fazendo com que
sejam desrespeitados todos os direitos inerentes à sua qualidade de cidadão, de pessoa humana. A aversão ao diferente faz
com  que  o  rótulo  da  periculosidade  justifique  a  segregação,  o  preconceito,  o  medo,  e  o  afastamento  definitivo  do  doente
mental infrator do meio social.

7 A FALÊNCIA E A INCONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO

Como já posto, a medida de segurança justifica sua aplicação no tratamento terapêutico direcionado ao louco infrator com
vistas  a  possibilitar  sua  reinserção  no  meio  social.  Ocorre,  contudo,  que  as  instituições  hoje  existentes  como  locais
teoricamente propícios à realização desse fim não são capazes de alcançá­lo, seja por seu caráter estritamente fechado, seja
pelo tratamento muitas vezes cruel despendido aos seus internos.

Os Manicômios Judiciários ou, após a reforma penal ocorrida em 1984, Hospitais de Custódia e Tratamento, vêm apenas
denunciar a realidade desumana e excludente a qual se encontra exposto o doente mental infrator. Este, por sua condição de
diferença,  não  pode  ser  submetido  ao  regime  prisional  comum,  mas,  em  contrapartida,  lhe  é  reservado  o  destino  de  ser
inserido em instituição que, encoberta por funções hospitalares e terapêuticas, guarda em sua essência apenas a necessidade
de segregar aqueles que supostamente representariam perigo para a sociedade.
Assim, não raro pode ser observado nesses estabelecimentos a utilização de choques elétricos, torturas e espancamentos para
conter comportamentos agressivos do doente mental infrator, bem como a falta de profissionais especializados para o seu
atendimento,  o  que  desvirtua  por  completo  a  finalidade  terapêutica  e  de  reintegração  social  atribuída  às  medidas  de
segurança.

Outrossim, em razão do baixo preço de determinados tipos de medicamentos, ainda pode ser constatado nestas instituições a
falta de medicação adequada para cada tipo específico de sofrimento mental, fazendo com que muitas vezes tratamentos
padronizados, sejam aplicados a indivíduos que apresentam transtornos e necessidades diversas em relação a seus quadros
clínicos.  [09] Tais situações, juntamente com o caráter estritamente fechado dessas instituições, contribuem apenas para o
agravamento  do  transtorno  daqueles  que  nelas  encontram­se  inseridos,  podendo  ocasionar  até  mesmo  a  cronificação  do
quadro clínico do paciente judiciário. A mera institucionalização, portanto, não pode ser capaz de propiciar a ressocialização
e cura do doente mental infrator.

De  acordo  com  Erving  Goffman,  os  hospitais  psiquiátricos,  por  se  apresentarem  como  espécie  de  instituições  totais  [10],
tendem a gerar um processo de mortificação em relação a seus pacientes, que, sendo totalmente afastados do mundo externo
e submetidos às regras internas da instituição, perdem sua própria identidade. Assim, esclarece Goffman que:

No  mundo  externo,  o  indivíduo  pode  manter  objetos  que  se  ligam
aos  seus  sentimentos  do  eu  –  por  exemplo,  seu  corpo,  suas  ações
imediatas,  seus  pensamentos  e  alguns  de  seus  bens  –  fora  de
contato  com  coisas  estranhas  e  contaminadoras.  No  entanto,  nas
instituições totais esses  territórios  do  eu  são  violados;  a  fronteira
que o indivíduo estabelece entre seu ser e o ambiente é invadida e
as encarnações do eu são profanadas. (GOFFMAN, 2001, p. 31).

Sucede, desse modo, o que o autor denomina de "mutilação do eu", o que tornaria impraticável a possibilidade de reinserção
desses indivíduos no meio social.

Ocorre,  contudo,  que  apesar  das  autoridades  públicas  assistirem  a  todo  esse  processo  excludente  e  desumano  ao  qual
encontra­se exposto o doente mental infrator nenhuma atitude, ou quase nenhuma, tem sido tomada para que mudanças na
forma do tratamento destinado a tal indivíduo sejam realizadas.

Isto posto, necessário se faz acenar para a visível contradição existente entre a justificativa apresentada pelo Direito Penal ao
intervir na esfera de liberdade do doente mental infrator e a realidade apresentada pelos estabelecimentos destinados a seu
tratamento. A mera institucionalização destes indivíduos, via medida de segurança, não pode jamais ser capaz de alcançar o
fim proposto pelo instituto. Assim, evidenciado está o caráter aflitivo ocultado por todo esse discurso terapêutico que, com
vistas a uma suposta defesa social, serve apenas como subterfúgio para legitimar o poder punitivo estatal.

7.2 Falta de limites máximos para a aplicação da medida: prisão perpétua?

Neste contexto de vinculação da medida de segurança à periculosidade do doente mental infrator, imprescindível se torna
trazer à baila acontecimento que não raro pôde ser observado no decorrer dos tempos: a utilização do instituto como meio de
possibilitar a prisão perpétua.

O Código Penal brasileiro, em seu artigo 97, determina que a medida de segurança será aplicada por tempo indeterminado,
devendo,  após  a  fixação  do  seu  prazo  mínimo  de  duração  estabelecido  pelo  juiz,  ser  realizada  perícia  médica  para
comprovação  ou  não  da  cessação  da  periculosidade  do  agente.  Assim,  uma  vez  internado,  o  louco  infrator  poderá  nessa
condição permanecer pelo resto de sua vida se não for comprovada a cessação do seu "estado perigoso".

Ocorre, contudo, que a Constituição Federal proíbe expressamente, em seu artigo 5º, XLVII, "b", a prisão perpétua. Por que
justificar, então, sua utilização quando em questão o instituto em voga?

Há os que defendem que, pelo fato da medida de segurança possuir caráter estritamente preventivo, sendo dela afastada a
idéia de castigo atribuída às penas para a realização de tratamento terapêutico, não caberia estabelecer prazo máximo para
sua duração. Sua indeterminação se justificaria por seu próprio fim, ou seja, promover a defesa social em face daqueles que
trazem em si uma perigosidade latente.

Com isso, fica elucidado que o estigma da periculosidade cria para o louco infrator uma condição de absoluta desvantagem
em  relação  àqueles  considerados  imputáveis,  na  medida  em  que,  para  a  proteção  da  sociedade  permite­se  até  mesmo  a
desconsideração de direitos e garantias mínimas concedidas a todo e qualquer indivíduo em âmbito constitucional.

Desse modo, sob o pretexto do tratamento, legitima­se a aplicação de uma medida que por se diferenciar, em teoria, da pena
provoca  a  exclusão  eterna  do  doente  mental  infrator.  Diz­se  eterna  porque  até  mesmo  naqueles  casos  em  que  há  a
comprovação da cessação da periculosidade do paciente judiciário, fato que por si só deveria automaticamente impedir a
continuação do suposto "tratamento", o indivíduo pode continuar tendo sua liberdade restringida.
Tal fato pode ser corroborado por Virgílio de Mattos (2006) que, ao abordar o assunto, demonstra não serem raros os casos
em que a medida de segurança é mantida, apesar de comprovada por laudo psiquiátrico a cessação da periculosidade do
doente mental infrator, simplesmente pelo fato do magistrado não estar convencido quanto a esta cessação. [11] Ora, se o saber
psiquiátrico se manifesta no sentido de que o indivíduo está apto para o retorno ao convívio social, não há razões para que seja
mantida a sua internação.

Neste  instante,  necessário  se  faz  destacar  que  apesar  da  periculosidade  ter  se  tornado  o  rótulo  justificador  de  todo  este
processo  de  neutralização  dos  doentes  mentais  infratores,  devemos  considerar  que  a  medida  de  segurança,  por  privar  o
indivíduo  de  sua  liberdade,  se  apresenta  como  medida  de  caráter  essencialmente  aflitivo  o  que,  portanto,  não  dá
legitimidade ao Direito Penal para autorizar a custódia eterna daqueles que a este instituto encontram­se submetidos. Como
acertadamente leciona Zaffaroni:

Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se
estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua,
como  coerção  penal.  Se  a  lei  não  estabelece  o  limite  máximo,  é  o
intérprete quem tem a obrigação de fazê­lo.

Pelo menos, é mister reconhecer­se para as medidas de segurança
o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido, ou a
que  foi  substituída,  em  razão  da  culpabilidade  diminuída.
(ZAFFARONI, 2008, p.733)
Ademais,  a  própria  ausência  de  critérios  objetivos  para  a  aplicação  das  medidas  de  segurança,  se  baseando  esta  na
periculosidade  do  agente,  ou  seja,  na  probabilidade  de  delinqüir,  deveria  ser  utilizada  como  pressuposto  limitador  da
intervenção do Estado na esfera de liberdade individual de qualquer cidadão, e não como justificativa para a imposição de
uma medida que atualmente, apesar de todos os argumentos contrários, nada mais consegue ser do que uma pena com nome
diferenciado. Ninguém pode ser punido simplesmente em razão de uma presunção, em razão daquilo que é ou representa.

8 PAI – PJ: A EFICÁCIA DO TRATAMENTO QUE INCLUI

A par de todo esse processo de segregação e crueldade ao qual encontra­se submetido o louco infrator, foi criado no ano de
2000 e implementado em 2001, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em parceira com o Centro Universitário Newton
Paiva, o Programa Pólos Produtores de Cidadania da UFMG e a Escola Brasileira de Psicanálise, o "Programa de Atenção
Interdisciplinar  ao  Paciente  Judiciário  Portador  de  Sofrimento  Mental  Infrator",  que,  por  servir  de  exemplo  às  diversas
práticas segregacionais existentes quando da aplicação das medidas de segurança, merece aqui ser exposto.

Como forma de prestar assistência ao portador de doença mental infrator, o PAI­PJ se orienta por práticas de inserção social,
diferenciando  seu  trabalho  das  medidas  seculares  de  contenção  utilizadas  comumente  como  forma  de  "tratar"  o  louco
infrator, o que possibilita o resgate da sua cidadania e o seu reconhecimento como sujeito de direitos.

Por meio de uma equipe interdisciplinar, composta por psicólogos, assistentes sociais, jurídicos e estagiários, o Programa
chama  para  si  a  responsabilidade  de  oferecer  os  subsídios  necessários  à  autoridade  judicial  quando  da  aplicação  das
medidas  de  segurança.  Desse  modo,  naqueles  processos  em  que  sejam  instaurados  incidentes  de  insanidade  mental  e
determinado, pelo juiz criminal, a intervenção do PAI­PJ, este apresentará projeto clínico capaz de propiciar a modulação
individual da medida, estabelecendo assim a forma de tratamento mais adequada de acordo com as peculiaridades de cada
caso. [12]

Desfaz­se, desta forma, a lógica "pena de reclusão­internação". Cada caso será averiguado conforme as particularidades do
indivíduo,  com  o  escopo  de  conjugar  tratamento,  responsabilidade  e  inserção  social.  A  internação  somente  ocorrerá
naqueles casos que demandem intervenção de crise, sendo esta realizada não em Hospitais de Custódia e Tratamento ou em
Manicômios  Judiciários,  mas  na  própria  Rede  Pública  de  Saúde.  Evita­se,  com  isso,  a  mera  institucionalização  do  louco
infrator, possibilitando a este indivíduo um tratamento eficaz e efetivo.

Nesse sentido, interessante observar que o PAI­PJ, ao utilizar este método de tratamento, acaba proporcionando ao louco
infrator  uma  intervenção  clínica  equivalente  àquela  realizada  quando  em  questão  o  doente  mental  que  não  comente
nenhum tipo de injusto, já que o "paciente infrator" terá o seu quadro clínico acompanhado pela própria Rede Pública de
Saúde.

Como  forma  de  evitar  a  reincidência  em  condutas  criminosas,  o  doente  mental  infrator  será  convocado  a  responder
psicologicamente por seu ato, a construir uma reflexão sobre sua prática "irresponsável". Como bem dispõe Fernanda Otoni
de Barros:
Mesmo que no momento do ato não sabia o que fazia, construir um
saber  sobre  as  condições  de  seu  ato,  mesmo  que  depois  do  crime,
constitui uma forma de responder por sua ação no espaço público e
mais  do  que  isso,  promove­se  por  esse  ato  a  construção  de  um
saber  que  serve  de  orientação,  o  orienta  sobre  o  fora  de  sentido,
fora da lei. [13]
O  que  se  observa  através  do  trabalho  realizado  pelo  Programa,  é  que  no  momento  em  que  o  Direito  Penal  retira  a
responsabilidade  do  doente  mental  infrator  pelo  ato  cometido,  simplesmente  segregando­o  em  estabelecimentos  que  se
dizem propícios à realização de um tratamento, não dá ao mesmo a possibilidade de vir trazer suas razões, de entender o
sentido do seu ato, o que afasta sua implicação com o mesmo e torna mais dificultosa sua inserção no meio social.

Nicole Fumian Signorelli, ao abordar o assunto atesta que:

Torna­se  importante  garantir  ao  "louco  infrator"  a  possibilidade


de responder por seus atos, sendo esta uma forma de viabilizar a
sua reinserção social. Mas para que isso se faça possível, é preciso
escutá­lo,  apreender  sua  posição  frente  ao  ato,  ao  tratamento  e à
medida.  Deve  ser  permitido  que  responda  de  seu  lugar,  que
apresente  suas  razões  e  construa  suas  medidas.  (SIGNORELLI,
2001, p.123).
Durante esse processo de tratamento e responsabilização o paciente recebe do PAI­PJ todo o acompanhamento terapêutico
necessário durante o decorrer do processo criminal, sendo primordial o envolvimento de sua família neste instante. Para tal,
o Programa presta o auxílio necessário aos familiares do doente mental infrator, seja por meio de atendimentos individuais ou
através do encontro de grupos de familiares, orientando­os sobre a necessidade de sua participação nas diversas etapas do
tratamento, tanto no sentido de observação da evolução ou estabilização do quadro clínico do paciente, quanto no sentido de
apresentar­lhes as saídas existentes na hipótese de ocorrência de crises que demandem uma maior intervenção.

O  processo  de  inserção  será  assim  desenvolvido,  sendo  sempre  privilegiado  o  tratamento  realizado  em  meio  aberto.  Para
aqueles pacientes submetidos à internação, e que ainda não se sentem seguros o suficiente para encarar sozinhos, quando do
recebimento de alta, a realidade da saída, ainda utiliza o Programa um método denominado de "liberdade vigiada". Dessa
forma, segundo Barros:

Um  estagiário  de  Psicologia,  determinado  pelo  juiz,  passa  a


acompanhar o cidadão pela cidade. Realizam a transição, fazem a
ponte. A saída do regime de internação se faz acompanhar de uma
certa contenção simbólica [...], substituindo a contenção dos muros
pela  contenção  da  lei  que  o  AT  encarca.  Em  um  dado  momento,
este cidadão acompanhado atravessa a ponte e ganha a cidade, o
paciente  ascende  à  posição  de  cidadão,  conta  com  seu  próprio
saber  na  sua  circulação  pelo  mundo  da  vida,  responde  de  forma
razoável  ordem  estabelecida,  partilhando  regras,  definindo  seu
itinerário. [14]
Inseri­los no convívio social, esta tem sido a tarefa desempenhada pelo PAI­PJ. Aqui, o risco é assumido, a segregação cede
lugar  para  o  tratamento,  o  estigma  da  periculosidade  é  desmascarado  e  ao  louco  infrator  é  dada  a  possibilidade  de  ter
respeitado direito que o Direito Penal parece lhe ter retirado: de ser tratado como sujeito de direitos, como cidadão, e não
apenas como mero objeto de intervenção.

9 CONCLUSÃO
O  que  temos  percebido  ao  longo  dos  tempos,  é  que  o  Direito  Penal,  ao  se  utilizar  do  discurso  do  tratamento  quando  da
aplicação de uma medida de segurança ao portador de doença mental infrator, tem por fim apenas afastar da sociedade
aquela categoria de indivíduos que sempre se mostrou indesejável em razão do seu comportamento desviante e "perigoso".

O portador de sofrimento mental, ao ter para si prolatada sentença absolutória, porém, com vistas à aplicação de uma medida
de  segurança,  tem  tido  seu  destino  assim  traçado:  é  segregado  em  Hospitais  de  Custódia  e  Tratamento  podendo  por  lá
permanecer  por  toda  a  eternidade,  não  sendo  raras  as  ocasiões  em  que  tal  acontecimento  pode  ser  observado.  Como  já
abordado anteriormente, a realidade das instituições hoje destinadas a receber estes indivíduos nos anuncia a constante falta
de  medicamentos  adequados  para  cada  tipo  de  enfermidade  apresentada,  de  profissionais  especializados,  o  que  acaba
provocando a cronificação do quadro clínico do paciente não sendo alcançada, assim, sua cura, motivo que acaba dando
ensejo a uma custódia eterna.

Assim sendo, percebe­se que embora os anseios teoricamente anunciados pelo instituto sejam os de tratamento, a medida de
segurança, do modo como vem sendo aplicada, não passa de uma pena, sem limites, que tem por objetivo único a exclusão
do louco infrator do meio social, o que se torna inadmissível face à adoção de um Direito Penal de ato e não de autor.

Para  que  a  manutenção  do  instituto,  portanto,  se  torne  legítima  e  compatível  com  as  garantias  e  direitos  fundamentais
constitucionalmente  enunciados,  necessário  que  se  adote  novas  formas  de  tratamentos  psicoterapêuticos  e  sociais  que
possibilitem  ao  doente  mental  infrator  sua  efetiva  reinserção  na  sociedade.  Dessa  forma,  deve­se  desconstruir  a  idéia  da
utilização de internações em meio fechado como regra, pois esta nada mais pode oferecer além de uma resposta à incessante
busca pela defesa social.

Para que haja um efetivo tratamento, e não apenas uma pena disfarçada de tratamento, que hoje é o que temos na maioria
absoluta  dos  casos,  necessário  se  faz  a  utilização  de  um  método  multidisciplinar,  tal  qual  o  utilizado  pelo  PAI­PJ,  que
conjugue, na apreciação dos casos, o saber jurídico, psiquiátrico e psicológico, analisando­se em cada um deles, de acordo
com cada anomalia apresentada, qual a melhor medida a ser aplicada. A lógica "pena de reclusão­internação", portanto, não
pode, de maneira alguma, se adequar a estas necessidades.

Além disso, deve também ser afastada a possibilidade de decisão do juiz acerca da manutenção de uma medida de tal monta
quando demonstrado através de laudo psiquiátrico a cessação da periculosidade do agente. Perigo aqui não deve jamais ser
confundido com doença. O que deve ser buscado, através do tratamento, é a estabilização do quadro clínico do paciente, pois
embora em alguns casos a cura seja algo possível de se alcançar, em outros essa possibilidade não existe.

Portanto, se não possui a capacidade de entender o caráter ilícito de sua conduta, sendo, assim, inculpável, não deve o louco
infrator ser submetido a uma espécie de punição penal simplesmente pela enfermidade mental que apresenta. Apesar de
toda estigmatização criada em torno do doente mental infrator, doença mental não é sinônimo de perigo, embora seja esta a
lógica usualmente utilizada quando em questão a aplicação do instituto. Não é por ser diferente que o portador de doença
mental é perigoso. Portanto, o fato deste vir a cometer um injusto penal, não pode gerar uma previsão absoluta de que este,
por  ter  cometido  ato  tipificado  como  crime,  voltará  a  delinqüir,  ou  será  capaz  de  provocar  um  mal  para  si  ou  para  a
sociedade. O risco de ataque a bem jurídico, assim como é assumido em relação aos indivíduos considerados imputáveis,
deverá sê­lo também em relação àqueles considerados inimputáveis, pois este faz parte da própria natureza humana, não
tendo  o  Direito  Penal  legitimidade  para  utilizar  o  seu  poder  punitivo  de  forma  essencialmente  retributiva  em  relação  a
condutas futuras que, sem nenhum argumento científico, não passam de julgamentos preconceituosos e estigmatizantes que
visam apenas a exclusão do "diferente".

Ao louco deve ser garantida, portanto, a possibilidade de retorno à sociedade, através da utilização de um tratamento efetivo e
eficaz  em  termos  práticos,  realizado  em  meio  aberto,  quando  excluída  sua  culpabilidade  em  razão  de  doença  mental.  A
internação,  desse  modo,  deverá  se  restringir  aos  casos  de  crise,  que  demandem  necessariamente  uma  intervenção  mais
drástica. Dessa forma, excluída estará a possibilidade do Direito Penal se utilizar de critérios meramente subjetivos, como é o
da periculosidade, para intervir eternamente na esfera de liberdade do louco infrator.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://carceraria.tempsite.ws/fotos/fotos/admin/formacoes/4e8330439b0d639375735e5aef6  45e6c.doc  >.  Acesso  em:
26/03/2010.

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mini­códigos).

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ZAFFARONI, Eugenio Raul. O inimigo no direito penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

NOTAS
1. BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo 3:pena e medida de segurança. 4.ed. Rio de Janeiro, Forense,
1984, p .256.
2. ALVIM, Rui Carlos Machado. Uma pequena história das medidas de segurança. São Paulo: IBCCRIM, 1997, p.17.
3. FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p.19.
4. PERES, M.F.T. e NERY FILHO, A. A doença mental no direito penal brasileiro: inimputabilidade,
irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
Janeiro, vol.9(2): 335­55 maio­ago, 2002, p. 338.
5. FERRARI, Eduardo Reale. Medidas de segurança e direito penal no estado democrático de direito. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 35.
6. BRUNO, Aníbal. Direito penal, parte geral, tomo 3: pena e medida de segurança. 4.ed. Rio de Janeiro, Forense,
1984, p.315­336.
7. WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. O discurso psiquiátrico na imposição e execução das medidas de segurança.
Revista de estudos criminais. Porto Alegre: Notadez v .6, n. 21 (jan./mar.2006), p.141.
8. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão.24.ed. Petrópolis, Vozes, 2001, p.157.
9. MATTOS, Virgílio de. Trem de doido: o direito penal e a psiquiatria de mãos dadas. Belo Horizonte: Una Editora,
1999, p. 92.
10. Ao conceituar as instituições totais Erving Goffman as apresenta como aqueles locais de "[...] residência e trabalho
onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por
considerável período de tempo, levam uma vida fechada e administrada".
11. MATTOS, Virgílio. Crime e psiquiatria: uma saída: preliminares para a desconstrução das medidas de segurança.
Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.120­123.
12. Nesse sentido, interessante a leitura da cartilha do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator, disponível em <
http://www.tjmg.jus.br/corregedoria/pai_pj/cartilha_final.pdf>, que esclarece de forma pormenorizada a forma
como este trabalho vem sendo atualmente desenvolvido pelo PAI­PJ em Minas Gerais.
13. BARROS, Fernanda Otoni de. Um programa de atenção ao louco infrator. Disponível em
<http://carceraria.tempsite.ws/fotos/fotos/admin/formacoes/4e8330439b0d639375735e5aef645e6c.doc >.
Acesso em: 26/03/2010.
14. BARROS, Fernanda Otoni de. Um programa de atenção ao louco infrator. Disponível em
<http://carceraria.tempsite.ws/fotos/fotos/admin/formacoes/4e8330439b0d639375735e5aef645e6c.doc >.
Acesso em: 26/03/2010.

Autor
Francine Machado de Paula

Pós­graduanda  em  Ciências  Penais  pelo  Instituto  de  Educação  Continuada  da  Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. Advogada.

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)

PAULA, Francine Machado de. Medidas de segurança.. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2471, 7 abr. 2010.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/14617>. Acesso em: 6 maio 2016.

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