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FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

LICENCIATURA EM HISTÓRIA DA ARTE - 1 ° SEMESTRE / 3º ANO

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A Arte Contemporânea: o Caso da Rua de Miguel


Bombarda. O Colecionismo e as Galerias Privadas.
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SOB ORIENTAÇÃO DO CELSO DOS SANTOS NO ÂMBITO DE

ARTE E MERCADO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

TRABALHO REALIZADO POR INÊS DELGADO

PORTO
2022

* O presente trabalho foi redigido segundo a norma CITCEM — Centro de Investigação Transdisciplinar
«Cultura, Espaço e Memória».
RESUMO
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A cidade do Porto surge hoje como uma referência para o turismo. Tendo como
referência o conceito de cidade líquida, tem sido pretensão tornar o espaço um fator de
integração, de grande sociabilidade, onde tudo pode acontecer e onde todos têm lugar.
Focando esta iniciativa, e tendo por noção a Rua de Miguel Bombarda, procuro, neste artigo,
debruçar-me sobre a evolução e sedimentação dos atores sociais a par de um novo comércio
que se tem vindo aqui a instalar, mais especificamente ao nível do mercado da arte
contemporânea nacional, que tem sido alvo de pouca divulgação quando comparado com a
produção de trabalhos na área realizada a nível internacional. A cada dois meses, acontecem
inaugurações de exposições simultâneas nas galerias privadas que constituem a Rua de
Miguel Bombarda, transformando-a num lugar dinâmico e atrativo, onde decorrem todo o
tipo de eventos, tornando-se, assim, uma das artérias mais criativas da cidade enquanto
instrumento de construção de identidade e demarcação da diferença.

Palavras-chave: Rua de Miguel Bombarda; Galerias Privadas de Arte; Gentrificação


Comercial; Cultura do Consumo; Arte Contemporânea; Cluster Criativo; Mercado Primário.

ABSTRACT
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The city of Porto appears today as a reference for tourism. Having as a reference the
concept of liquid city, the intention has been to make space a factor of integration, of great
sociability, where anything can happen and where everyone has a place. Focusing on this
initiative, and having as a notion Rua de Miguel Bombarda, I try, in this article, to focus on
the evolution and sedimentation of social actors along with a new commerce that has been
installing here, more specifically at the level of the national contemporary art, which has been
the subject of little publicity when compared to the production of works in the area carried
out at an international level. Every two months, simultaneous exhibitions are opened in the
private galleries that make up Rua de Miguel Bombarda, transforming it into a dynamic and
attractive place, where all kinds of events take place, thus becoming one of the most creative
streets in the city. as an instrument of identity construction and demarcation of difference.

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Keywords: Miguel Bombarda Street; Private Art Galleries; Commercial
Gentrification; Consumer Culture; Contemporary art; Creative Cluster; Primary Market.

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Fig. 1 — Pormenor da Rua de Miguel Bombarda: vista a partir do cunhal (s.d.). Imagem disponível em:
<https://www.timeout.pt/porto/pt/coisas-para-fazer/tudo-o-que-pode-fazer-na-rua-de-miguel-bombarda>. .
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Numa altura em que o consumo parece funcionar como o motor das sociedades
contemporâneas e que as atividades terciárias desempenham um papel fundamental na
economia de qualquer país, pensar nas atuais tendências de recomposição do comércio
urbano revela-se da maior importância. Tendo em atenção as metamorfoses que os padrões
consumistas sofreram nas últimas décadas, com este trabalho procura-se perceber o lugar que
o comércio especializado em torno das indústrias criativas ocupa nas estratégias de
reabilitação urbana. Utilizando como pano de fundo a cidade do Porto e em particular a zona
de Miguel Bombarda, à medida que as necessidades básicas de sobrevivência foram sendo
satisfeitas, foram criadas novas necessidades, novos domínios de consumo numa sociedade
claramente desperta e disponível para essas práticas. O crescimento da procura de atividades
de lazer acompanhou e suscitou a expansão da oferta, a mercantilização do ócio com a venda
de bens e serviços cada vez mais diversificados, procurando com isso ir ao encontro dos
vários segmentos de clientela (DIAS, 2009: 6).
Com o progressivo movimento de desindustrialização que as cidades conheceram
principalmente a partir da segunda metade do século XX, os serviços e, dentro destes, a
atividade comercial, figuram-se hoje como os principais responsáveis pelo desenvolvimento e
sustentabilidade do ambiente urbano. Realmente a animação ou desertificação da cidade fica
muito a dever-se ao maior ou menor sucesso do seu tecido comercial. A partir dos anos
60/70, em diversas cidades europeias, surgem novas figuras comerciais como as galerias,
num modelo urbanístico de interesse eminentemente imobiliário que fomenta a concentração
de estabelecimentos comerciais. Estes são os primeiros modelos de comércio novo a ocupar
as zonas periféricas das cidades ou os espaços entre aglomerações, quase sempre perto duma
entrada de auto-estrada, num terreno relativamente isolado e vazio, portanto mais económico.
Começa-se nesta altura a sentir o início da perda de importância dos centros tradicionais de
comércio, e a observar-se uma aposta no comércio periférico, e uma nova centralização
comercial (DIAS, 2009: 8).
De facto, a oposição entre a «arte» e a «vida» tem vindo a esbater-se, em particular na
esfera que muitos consideram o reino de alienação por excelência: o consumo. Otimizando
essa tendência de aproximação da arte à vida quotidiana surgem novos espaços que oferecem
um conceito de comércio inovador. Afastando-se da imagem de centros comerciais
massificados, estes novos espaços ambicionam proporcionar uma verdadeira experiência aos
seus clientes, possibilitando ao consumidor aceder num mesmo espaço a uma série de
atividades e serviços. Estas lojas que emergem nos centros urbanos tradicionais permitem
uma recuperação de edifícios das urbes e desenvolvem um tipo de comércio relacionado com

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as indústrias criativas e de lazer, combinando desta forma elementos do passado com a
inovação do presente. Neste sentido, é possível observar qu,e gradualmente, uma das
características valorizadas pelas lojas do centro urbano é a aposta na imagem da diferença
que transmite, que resulta dos atributos do próprio local e da distinção do seu comércio
personalizado (DIAS, 2009: 10). A mudança dos padrões de consumo dos consumidores tem
conduzido à crescente preferência de produtos que ofereçam uma aura simbólica mais densa
do que os do mercado de massas. Neste sentido, atualmente assiste-se à dinamização do
território urbano através da otimização das chamadas indústrias criativas, ou seja, tem-se
vindo a apostar na cultura e nas suas diferentes expressões criativas como negócio. Através
desta dinâmica, têm emergido também, situações territoriais onde é possível observar uma
aproximação de atividades semelhantes no domínio cultural, denominado por alguns autores
como clusters: um formato inovador de lugar institucional da arte ligado ligados ao incentivo
à propriedade intelectual e à produção e consumo da arte contemporânea, onde se unem
empresas, instituições e pessoas de diversas características que partilham o objetivo de
desenvolvimento da criatividade (VARGAS, 2011: 10).
Se assim é o caso, talvez o quarteirão de Miguel Bombarda seja o local ideal para
observar estas estratégias de revitalização comercial (DIAS, 2009: 57). O setor criativo pode
ser um investimento por parte das políticas públicas, já que as cidades buscam ser criativas
para renovar os seus espaços locais e atrair público através da geração de emprego e
movimentação da economia. Vejamos que a natureza de Miguel Bombarda como um lugar
onde as pessoas vivem, trabalham, criam e consomem, constrói um ambiente rico em
experiências com a arte, podendo facilitar, através dos seus processos comunicacionais, o
acesso do público espectador às formas de aquisição do conhecimento sobre a arte
contemporânea.
Tem-se a ideia de que “o velho sempre valeria mais, entretanto, o produto
contemporâneo parece exorbitantemente mais caro. (...) As obras de arte são cada vez mais
numerosas, os museus e galerias multiplicam-se e a arte nunca esteve tão afastada do seu
público.” (VARGAS, 2011: 9). A arte contemporânea mostra-se como um estado de produção
de sentidos permanente, que funciona no contexto de uma sociedade com olhares voltados à
comunicação, acompanhando as evoluções tecnológicas da informação e possuindo um papel
dinamizador na diversidade da produção artística apresentada em museus, galerias e demais
lugares de divulgação da arte (VARGAS, 2011: 14). Logo, a seleção do estudo da Rua de
Miguel Bombarda para a presente unidade curricular prende-se com a questão do seu
crescente dinamismo. Esta é conhecida pela concentração de inúmeras galerias de arte

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contemporânea e, inclusivamente, pelas lojas que oferecem produtos alternativos que se
distinguem pela oposição à oferta/produção massificada, pois apresentam objetos originais e,
em alguns dos casos, personalizáveis e também um atendimento baseado na proximidade
com o cliente. É importante salientar que as informações obtidas constam essencialmente em
três dissertações de mestrado que serviram de base para o estudo da mesma, duas de 2009 de
Sara Dias e Mafalda Lourenço, e outra de 2011, de Tatiana Vargas, logo as galerias
aprofundadas foram aquelas iniciais que impulsionaram este projeto criativo, e que ainda
funcionam, não havendo praticamente referência sobre galerias privadas mais tardias. Apesar
de não se ter encontrado outras investigações mais atuais acerca de Miguel Bombarda,
procurei sempre verificar se a informação estava atualizada e se ainda se enquadra no
contexto atual da rua. Os restantes dados foram complementados com a minha experiência
enquanto visitante recorrente das exposições simultâneas ocorridas neste local, tal como do
meu contacto com os galeristas.
A Rua de Miguel Bombarda localiza-se no coração da cidade do Porto, entre as duas
freguesias de Cedofeita e Massarelos, pois vai desde a Rua de Cedofeita até à Rua da Boa
Nova. A atual rua das galerias chamava-se antigamente Rua do Príncipe, em honra do futuro
rei D. João VI, príncipe regente durante a doença da sua mãe D. Maria I. Apenas em 1910,
aquando da Implementação da República, nasceu a longa Rua de Miguel Bombarda, com um
comprimento de 650 metros (MAFALDA, 2009: 8). O que antes era uma rua “sem história,
anónima, sossegada e incaracterística”, com o aparecimento das galerias de arte, despertou-se
"a atenção mediática e a curiosidade do público”, sendo que a cada dia abrem aqui mais lojas
(MAFALDA, 2009: 8). Este movimento parte de uma população heterogénea: estrangeiros,
estudantes, população jovem e, também, idosos que já aqui vivem há muitos anos. O público
mais frequente são pessoas que dão valor a coisas diferentes que eles oferecem, que
pretendem ser atendidos de outra forma e com algum poder económico. Pessoas ligadas às
artes e/ou, normalmente, com formação superior e inclusivamente turistas (MAFALDA,
2009: 28). A Rua de Miguel Bombarda é, portanto, um dos exemplos da revitalização,
reestruturação urbana e económica do centro da cidade do Porto. A rua está em constante
mudança e isso qualquer pessoa se apercebe.
A Rua de Miguel Bombarda oferece, por um lado, toda uma gama de lojas
relacionadas com trabalho criativo e, por outro, as galerias de Arte Contemporânea, espaços
de exposição e venda de obras de arte, sendo elas: Galeria Trindade, Galeria Design Carisma,
Galeria João Lago, Galeria Franchini’s, Galeria Salão Maior, Galeria Fernando Santos,
Galeria Presença, Espaço Mustang, Espaço de Exposição, Galeria Serpente, Galeria

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Arthobler, Galeria Minimal, Galeria Quadrado Azul e a Galeria Miguel Bombarda, cujos
diferentes agentes cooperam de forma pacífica (MAFALDA 2009: 11). Para atrair a desejada
"classe criativa", as cidades têm que oferecer um ambiente cultural e social orgânico,
dinâmico e de abertura à diversidade, sendo a Baixa um exemplo paradigmático deste
ambiente artístico, muito graças ao seu rico património histórico, que mais de 1/3 do total dos
estabelecimentos da cidade portuense. Desta forma, assume-se que na Baixa do Porto se tem
vindo a observar uma polarização do comércio temático ou especializado, que tem vindo a
revitalizar áreas degradadas/negligenciadas da cidade (DIAS, 2009: 38). Esse comércio
apresenta um modelo organizacional característico que se regula pela originalidade e
criatividade, tendo como objetivo final a oferta de um produto/serviço diferente do
encontrado no mercado generalista, que satisfaça a necessidade do consumo simbólico do
cliente. Já não basta colocar o produto no mercado, é necessário integrá-lo social e
ambientalmente, fomentando a imagem desta integração por intermédio de ações apelativas.
Para atingir esse feito torna-se necessário investir no marketing, na inovação, mas igualmente
num contacto personalizado com o cliente, tendo sempre em atenção o mercado onde se
encontram inseridos.
Referente ao uso das novas tecnologias, apesar de os gestores de Miguel Bombarda
considerarem bom o feedback do público, principalmente pelos resultados das redes sociais, o
transcorrer da informação sobre a arte contemporânea ainda não parece ser eficaz em termos
de interesse e envolvimento do público. A atitude geral do público em pouco buscar
informação e questionar sobre os processos criativos parece-me uma justificativa para o
investimento da gestão de Miguel Bombarda em ferramentas de comunicação. Para tanto,
vejo também como importante a realização de parcerias com instituições de ensino e lugares
institucionais da arte, através de projetos educativos intermediados pelas plataformas de
informação das instituições; a presença de intervenientes com mão de obra especializada,
tanto no sentido de suporte técnico aos novos criadores, quanto no sentido de promover as
criações e projetos de todos os integrantes e, portanto, fazer a mediação entre o que é
produzido em Miguel Bombarda e o público.
Apesar desta crescente oferta, do que chamo novo comércio – mobiliário, artes
plásticas (galerias), alimentação, música, tratamento do corpo, vestuário e acessórios –
persiste ainda algum comércio de cariz tradicional como os minimercados tradicionais, os
snack-bares, os salões de jogos, floristas e oficinas de restauro e pintura (MAFALDA 2009:
9). A contemporaneidade tem muito esse aspeto amplo: une várias linguagens, abre-se para
novas sinergias, questiona a definição de arte, interfere no mercado da arte e no seu sistema

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de validação. Portanto, assiste-se em Miguel Bombarda a uma coexistência do comércio
tradicional e de um novo comércio, que se distancia do primeiro no atendimento
personalizado entre vendedor e consumidor, que ultrapassa a mera relação comercial, fazendo
jus às novas exigências da sociedade contemporânea. O novo comércio instalado permite a
vitalidade e viabilidade das áreas centrais da cidade, antes “espaços fantasma” após a fuga
para as periferias (MAFALDA 2009: 15). Apesar deste último imperar, em virtude de toda a
visível transformação que se tem vindo a processar desde o início dos anos 90, aquando da
instalação das primeiras galerias de arte, o comércio tradicional está, de facto, ainda presente
nesta rua (MAFALDA 2009: 10). Os contrastes desse cluster criativo em formação são
coerentes com o estado em transformação em que atua: a arte contemporânea, que, por sua
vez, funciona conforme as pautas atuais e líquidas da pós-modernidade, ou seja, sempre em
mudança e num ritmo acelerado. Essa multiplicidade enriquece as possibilidades de
experiências em Miguel Bombarda, no entanto, confunde o público sobre os significados
essenciais da arte contemporânea.
Os pioneiros deste enorme projeto de arte contemporânea que começou há cerca de
vinte e seis anos, numa artéria mais ou menos abandonada no centro do Porto, não
imaginavam que Miguel Bombarda deixaria de ser apenas o nome de uma rua para se
transformar num bairro das artes, com projeção internacional (DIAS, 2009: 37). As
exposições simultâneas, de dois em dois meses, transformaram-se em verdadeiros
happenings, com animação de rua e centenas de visitantes. O que antes era uma rua antiga e
quase inerte, agora, aos sábados de inaugurações as garagens enchem, as pessoas já não
conseguem andar, ficam filas paradas nas ruas e o trânsito congestiona. Todavia, segundo
Joana Gomes, os colecionadores de arte dificilmente vão às inaugurações, pois preferem a
tranquilidade dos dias comuns para pesquisarem as obras expostas (VARGAS, 2011: 71).
Por outras palavras, assiste-se a uma atração para o centro da cidade de jovens
adultos, empresários, com elevados níveis de capital cultural e simbólico, com qualificações
elevadas e na sua maioria com um percurso profissional relacionado com algum tipo de área
criativa, ou seja, indivíduos com um espírito empreendedor (DIAS, 2009: 39). Pelas
impressões dos gestores de Miguel Bombarda, há pessoas de múltiplos estilos, o público de
arte contemporânea apresenta diferentes idades, géneros e classes sociais, procurando
previamente, na sua maioria, informações sobre arte contemporânea e é acostumado a ter
contacto com obras de arte, tendências e produtos criativos até mesmo ao que se produz no
cenário internacional. O público que visita as inaugurações simultâneas de Miguel Bombarda
é relativamente mais velho, chegando até mesmo aos 80 anos, enquanto que o público que

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passa diariamente por esta rua é composto basicamente pela faixa etária dos 18 aos 40 anos,
segundo dados estatísticos. Dentro desse conjunto, há um público urbano mais novo que vem
aos cafés e que não compram nas lojas e, obviamente, não têm dinheiro para gastar nas
galerias, embora apreciem visitá-las; o público das lojas que eventualmente poderá consumir
obras de arte nas galerias é um público muito interessado e informado sobre arte. Esse
público específico soma-se aos visitantes estrangeiros, que na maioria das vezes, já estão
habituados à cultura urbana e à arte contemporânea, pois também se interessam pelas
tendências do cenário internacional da arte a que têm contacto (VARGAS, 2011: 82). Esse
ponto demonstra que a internacionalização da arte, de forma geral, aumenta o acesso do
público à arte, podendo contribuir com a assimilação de informação pelo mesmo e
aumentando as hipóteses de contato empírico com a arte contemporânea. Apesar da produção
criativa das empresas da Miguel Bombarda representar gostos bem específicos, o que
pressupõe o desenvolvimento de uma relação comunicacional dirigida a esse público-alvo,
vejo a rua como um fenómeno de comunicação de massas no Porto. Os gestores dizem que a
popularização do cluster não trouxe retornos financeiros diretos, no entanto, reconhecem a
importância dessa movimentação de pessoas para a formação de novos públicos e para a
visibilidade da mesma (VARGAS, 2011: 46).
Entende-se que no quarteirão de Miguel Bombarda se tem vindo a processar este
fenómeno de especialização comercial, neste caso concreto assente numa dinâmica cultural, o
que tem conferido a esta área uma imagem de vitalidade, criatividade e diversidade, ajudando
a recriar e reforçar a identidade do lugar e contribuído para a renovação da economia da
cidade. É relevante destacar que numa primeira fase de implementação no espaço urbano, os
agentes que dinamizaram este fenómeno não eram totalmente conscientes da capacidade de
reinventar a identidade de uma área urbana, atualmente o que atrai os novos empresários para
esta área é precisamente a dinâmica que se encontra subjacente à área de Miguel Bombarda e
a sua associação com as indústrias culturais (DIAS, 2009: 40).
Miguel Bombarda já se relaciona com a arte desde 1993, quando a Galeria Fernando
Santos mudou-se para a rua e incentivou a movimentação de um bairro das artes. Fernando
Santos, um dos pioneiros da dinâmica organizada neste espaço, abriu por casualidade a sua
galeria em Miguel Bombarda que ainda hoje se mantém ativa. Tinha já uma galeria perto do
Palácio de Cristal, na Rua D. Manuel II, e numa passagem pela Rua de Miguel Bombarda
deparou-se com um espaço disponível que o agradou. Posteriormente convidou outros
colegas galeristas para esta zona, que acabaram por aceitar o desafio, pois compreenderam
que a centralização da oferta cultural poderia ser vantajosa. Fernando Santos relata a

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aglomeração das galerias nesta zona de Miguel Bombarda como uma necessidade, indica que
a disponibilidade dos espaços foi possibilitando a gradual reunião deste comércio nesta área
(DIAS, 2009: 58). Comenta ainda que quando algum espaço novo é aberto nesta zona atrai
naturalmente mais público e disponibiliza uma maior diversidade de oferta, o que é benéfico
para todos. Salienta que nos dias atuais é esta multiplicidade de oferta que torna a rua
interessante, pois no fundo não possui nada de especial, não sendo particularmente bonita,
nem tendo facilidades de estacionamento (DIAS, 2009: 59).
Joana Ferreira Gomes é assistente de direção da Galeria Fernando Santos e é
responsável pela organização e controlo de todas as atividades desenvolvidas pela galeria. A
galeria FS, levou consigo durante muitos anos a imagem de Miguel Bombarda através de
projetos, participação em feiras de arte, conferências e debates sobre a dinâmica das galerias
no Porto, sendo que aproveitou a transição da arte moderna para a contemporânea e
estimulou a origem de um ambiente específico de desenvolvimento da arte contemporânea.
Esta galeria foi um dos vértices do triângulo junto com os produtores diretos (artistas) e o
público, acreditando em ações educativas em relação à arte, uma vez que já realizou alguns
projetos nesse sentido, mas não sentiu uma resposta positiva das escolas e professores, por
exemplo, em buscar conhecimento sobre a arte contemporânea (VARGAS, 2011: 57).
Embora a FS tenha sentido dificuldade em atrair o público a um espaço, aparentemente,
pouco atrativo, promoveu a valorização do mercado da arte e tentou, em certa medida, criar
projetos educativos, como o “Look Up”, que atuou para o maior acesso do público à arte
contemporânea, o qual explicarei mais à frente. Neste sentido, a FS trabalhou com uma ótica
de projetos que foi além da apresentação de obras num espaço neutro como o da galeria.
Dentro da sede principal da galeria, havia um “Project Room”, que é um espaço dedicado à
expressão de obras mais conceituais, que possivelmente, não poderão ser vendidas.
Tratavam-se de instalações, vídeos, fotografias e outras obras com formatos mais arrojados.
Tudo devidamente apoiado em informações sobre autor e obra através de textos disponíveis,
tanto na galeria quanto no endereço eletrónico (VARGAS, 2011: 79).
Em 1997, Fernando Santos realizou a primeira das muitas inaugurações simultâneas
das galerias de arte contemporânea, processo que gradativamente aumentou o nível de
participação das galerias, das lojas e em presença de público. Em 1998, Marina Costa
procurava um lugar para a sua loja de mobiliário vintage e acabou por arrendar um edifício
inteiro e por subalugar as salas, o que deu origem ao projeto “Artes em Partes'', que afirma ter
sido um dos elementos chave para a atração do comércio especializado para Miguel
Bombarda, inicialmente como uma forma de reunir várias lojas num mesmo espaço, depois

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pela motivação de criar um espaço diferente e que expressasse a produção de jovens criadores
locais, o que impulsionou um núcleo específico de comércio, atraindo público que
considerava apelativo a diferença e originalidade oferecida (VARGAS, 2011: 58). Marina
esclarece que inicialmente o comércio especializado aqui existente cingia-se às galerias e ao
Artes em Partes, e que, aos poucos, foram-se instalando nesta área novos projetos,
assistindo-se hoje a uma crescente procura por parte dos investidores (DIAS, 2009: 59). Por
outro lado, Luís (responsável pelo estabelecimento Mundano Objectos) comenta que existe
um certo equívoco de sucesso garantido nesta área, o que pode dar azo a algumas
expectativas frustradas por parte dos empresários. Explica que é tão difícil manter um
negócio aberto nesta zona como em qualquer outro lugar do Porto, uma vez que tudo depende
do orçamento e do estado de espírito do público. Descreve também o fenómeno inicial
ocorrido nesta rua como um acontecimento espontâneo, fomentado pela iniciativa privada,
mas não de uma forma concertada. Julga que de outro modo poderia não ter funcionado, uma
vez que estes projetos necessitam de ter o que chama de “alma” (DIAS, 2009: 61). Fernando
Santos considera que o comércio especializado e os nichos de mercado são extremamente
importantes para a cidade do Porto e para o país, observando que a centralização de comércio
especializado também é adotada noutros países, mas que no nosso surgiu de uma
consciencialização do interesse que isso poderá ter para uma área comercial. A verdade é que
estas dinâmicas se estenderam a outras áreas do quarteirão, causando o que podemos
denominar de “efeito Miguel Bombarda” (DIAS, 2009: 62).
De 1999 a 2001, o Artes em Partes acolheu o projeto “W.C. Container”, idealizado
por Paulo Mendes através dos apoios do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra e da galeria
lisboeta João Graça. O projeto tinha o objetivo de reunir artistas de atividades artísticas
diversas para compor um espaço comum no cotidiano humano: a casa de banho.
Aproximadamente a cada mês, novas exposições eram inauguradas e as obras tinham uma
grande liberdade de imaginação e técnica, mas deviam se adequar às particularidades do
espaço para que, assim, não lembrassem o formato tradicional de uma galeria, ou seja, um
espaço neutro que acolhe as obras. O projeto W.C. Container, através das sinergias
construídas com a galeria de Lisboa e os acontecimentos do Porto 2001 – Capital Europeia da
Cultura, e também pela notoriedade trazida pela participação de artistas internacionais,
colocou a arte a circular na rede de comunicação. Uma relação que contribui para a
visibilidade positiva de Miguel Bombarda no circuito mediático nacional é a sinergia com o
museu de arte contemporânea de Serralves, o que já aconteceu, pontualmente, através de
inaugurações de exposições em conjunto, ou pela relação entre o que é exposto nos dois

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lugares (VARGAS, 2011: 66). Esse aspeto aumenta o potencial do Porto como grande pólo
cultural a integrar o Projeto de Desenvolvimento de um cluster de Indústrias Criativas na
Região Norte de Portugal. O W.C. Container, além de ter figurado no hall dos acontecimentos
culturais importantes, promoveu a transformação da noção de lugar baseada numa ação
cultural a longo prazo e, portanto, de grande valor educativo em termos de tempo de
experiência com a arte.
O projeto W.C. Container, apesar de ter trabalhado com obras mais conceituais que
exigem mais disposição e conhecimento do espectador, recriou espaços para instalações de
arte através de um longo tempo para a assimilação. Os três anos em que o projeto esteve
presente no Artes em Partes representaram um ensaio sobre um formato de obra de arte
considerado complexo pelo senso comum e que, através do W.C. Container, recebeu especial
atenção, aumentando as possibilidades de conhecimento sobre esse formato artístico. Ao
contrário do projeto W.C. Container, o CCB trouxe a arte e a criatividade pela ótica da
simplicidade e espontaneidade, representando uma rede de empresas criativas que consegue
atrair o público pela inovação. Sem realizar ações culturais mais intensas e duradouras, o
CCB conseguiu criar no público a predisposição do hábito de conviver com os processos
criativos e perceber a importância da valorização do talento local, inclusive para que o
próprio público se sentisse mais incluído no mundo cultural em que habita (VARGAS, 2011:
91). Concluímos que o projeto W.C. Container que habitou o espaço Artes em Partes foi um
exemplo da possibilidade adquirida por jovens criadores em expor as suas obras. Esse senso
democrático ampliou as alternativas de experiências entre artistas e público, incentivando um
movimento de inclusão do espectador como possível criador (VARGAS, 2011: 74).
A partir de 2007 com a parceria elaborada com a Câmara do Porto — sob a alçada da
empresa “Porto Lazer” —, Miguel Bombarda adquiriu uma nova estrutura e uma nova
projeção. A aposta na divulgação e na publicitação do evento atraiu um novo público e uma
nova dinâmica para este espaço, e as parcerias possibilitadas — em particular com a marca de
“Whisky Famous Grouse” — permitiram uma animação diferente da rua (DIAS, 2009: 62).
Tanto Marina Costa quanto o galerista pioneiro Fernando Santos estiveram fortemente
ligados à criação do Circuito Cultural Miguel Bombarda, organização informal criada para
gerir as atividades da rua como um único tecido. As dramatizações, os concertos, as
intervenções e as exposições patentes nas diversas galerias permitiram dinamizar e divulgar
os projetos existentes na área e principalmente animar a cidade. Assim, o associativismo
local, enquanto quadro institucional de interação poderia funcionar, simultaneamente, como
interlocutor e intermediário privilegiado entre a oferta e a procura cultural (DIAS, 2009: 62).

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Mas este projeto acabou por não prosperar pela dificuldade de conciliar opiniões, bem como
pela falta de união e estímulo da maioria dos integrantes (DIAS, 2009: 65).
Continuando neste seguimento, o projeto “Look UP! Natural Porto Art Show”
aconteceu em 2010 e foi promovido pela Galeria Fernando Santos em conjunto com a Anje
(Associação Nacional de Jovens Empresários), Porto Show Time (programa da Anje
dedicado a reunir agentes das indústrias criativas), Programa Operacional Nacional do Norte,
Quadro de Referência Estratégico Nacional e União Europeia. Tratou-se de uma iniciativa do
pioneiro Fernando Santos e do crítico de arte espanhol David Barro, que tiveram como
objetivo levar a arte para lugares no Porto onde as pessoas não estavam habituadas a vê-la
(VARGAS, 2011: 79). Resumidamente, a mensagem transmitida pelo Look Up foi de pensar
na valorização do ambiente que se tem e em como se pode intervir positivamente nos lugares
cotidianos. Também constituiu uma forma de transmitir sentidos ao público sobre a essência
significativa da arte contemporânea. O alcance do projeto Look Up chegou a diversos pontos
da cidade do Porto, envolvendo muitas galerias e espaços da Miguel Bombarda, como o
Centro Comercial Bombarda e lugares da cidade explorados diariamente como instituições e
espaços públicos como a Casa da Música, o Palácio das Artes, Aeroporto Sá Carneiro, Atelier
Paulo Lobo, Palácio de Cristal, Edifício da Alfândega, Palacete Pinto Leite, entre outros
(VARGAS, 2011: 80). Foi uma mobilização geral para realizar um projeto ambicioso que
agregou alto valor comunicativo, já que representou um grande alcance de público, de espaço
e de diversidade artística. Um projeto minucioso como o Look Up, ao optar por construir uma
consciência sobre a sustentabilidade através da promoção do acesso à arte a todos os níveis
de público, teve grande potencial de comunicabilidade, inclusive de formar novos públicos
para a apreciação da arte contemporânea.
Frequentemente, a Rua de Miguel Bombarda é caracterizada como o “SoHo do
Porto”, o “Quarteirão das Artes” ou a “Rua das Galerias”, representação divulgada
principalmente pelos meios de comunicação social. Porém, esta imagem não é consensual na
amostra de entrevistados. Quando inquirido acerca da analogia de Miguel Bombarda como
“SoHo do Porto”, Fernando Santos começa por explicar a origem desta comparação,
contando um pouco da história do SoHo de Nova York, lugar que conhece bem. Explica que
inicialmente se assistiu a uma concentração de galerias nesta zona e que a par desse núcleo
foi criada, à semelhança de Miguel Bombarda, uma atração de comércio especializado, de
lojas alternativas. Comenta que atualmente o SoHo se transformou numa grande zona
comercial de luxo e que as galerias acabaram por se deslocar para outras áreas, ocupando
armazéns degradados da cidade. Ainda assim, admite que poderá considerar-se que foi criado

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um “SoHozinho”, mas com mentalidades bastante diferentes, ou seja, mesmo tendo em
consideração as diferenças visíveis entre os dois espaços, acredita que em Miguel Bombarda
se tem otimizado uma dinâmica interessante que beneficia o bairro e a cidade (DIAS, 2009:
65). Expõe que esta zona começa a ganhar alguma visibilidade, algo que se tem processado
de forma natural. Se inicialmente havia muitos espaços e habitações livres, hoje escasseiam
face à grande procura e ao aumento vertiginoso dos preços. Acredita que esta dinamização
beneficiou todos e enuncia algumas mais-valias, como o incremento na limpeza e segurança
da rua, mas também a própria criação de um pequeno núcleo cultural na cidade, atraindo
pessoas que visitam as galerias disponíveis, apreciando as exposições gratuitamente (DIAS,
2009: 66).
Ana Rita (responsável pelo antigo estabelecimento Muuda) acredita que esta
representação tem sido muito divulgada através dos meios de comunicação social, o que, por
consequência, tem moldado a forma de visualizar este local pela população geral, concluindo
que essa forma de descrever a rua gera o interesse por parte do público. Por sua vez, Marina
Costa e Artur Mendanha (responsável pelo CCB — Centro Comercial Miguel Bombarda) não
concordam com a imagem que se pretende transmitir acerca de Miguel Bombarda. Já João
(responsável pela loja de música Matéria Prima, um dos primeiros estabelecimentos que se
tomava contacto quando se entrava no edifício Artes em Partes) considera exagerado fazer tal
analogia, isto porque, na sua perspectiva, não existem muitos espaços de criação artística, se
tanto, existem espaços de divulgação. Acredita que essa imagem que tem sido divulgada
acaba por ter um efeito perverso nos visitantes, uma vez que acabam por sentir uma desilusão
quando visitam Miguel Bombarda, em particular os indivíduos mais habituados a frequentar
esse tipo de circuitos (DIAS, 2009: 66). Refere que por vezes existe uma rotulagem excessiva
por parte dos meios de comunicação social, isto porque avaliam os espaços através da análise
da quantidade e não da qualidade. Apesar de considerar esta rua como caso único tanto no
Porto como no resto do país, apresenta um pouco de reticência a compará-la ao SoHo de
Londres ou a denominá-la como o “SoHo do Porto”. Pelo contrário, Paulo Herbert
(responsável pelo centro de jardinagem Arbole Bonsai) apesar de não apreciar esse tipo de
grupos mais ou menos restritos, acha interessante a dinâmica criada na cidade do Porto com
esse tipo de iniciativas, permitindo que a imagem de Miguel Bombarda como o “SoHo do
Porto” seja reconhecida fora da cidade do Porto. A propósito desse reconhecimento, refere
que recebe muitos visitantes galegos e espanhóis, que provavelmente se deslocam a esta zona
da cidade porque já sabem da dinâmica que se encontra subjacente (DIAS, 2009: 67).

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Laís Costa (responsável pelo restaurante Pimenta Rosa) acha que apenas reconhecem
esta rua como “Bairro Cultural” ou a “Rua das Galerias” quem de facto já frequenta o meio,
ou seja, quem já se encontra inserido neste contexto. Na sua opinião, quem não frequenta
estes espaços por vezes não se encontra a par do dinamismo criado nesta rua, por isso
acredita ser muito importante apostar na divulgação desta zona. Refere como exemplo a
necessidade de apostar em infra-estruturas, nomeadamente parques de estacionamento
(DIAS, 2009: 67).
A par da concentração de galerias, encontramos em Miguel Bombarda cerca de
quarenta lojas direcionadas para um comércio especializado em torno da temática cultural,
surgidas, em particular, após a implantação do emblemático edifício Artes em Partes,
chegando a processar-se um “boom” de atração após a instalação do Centro Comercial
Miguel Bombarda (DIAS, 2009: 77-78). Se como vimos, com a implementação da Galeria
Fernando Santos, numa primeira fase a atração para esta zona terá sido quase que acidental
ou incentivada pela presença de uma quantidade abundante de espaços livres ou abandonados
que permitiram a subsequente instalação de galerias, posteriormente a localização das lojas
foi incentivada pela dinâmica cultural que este local vinha a desenhar (DIAS, 2009: 78).
Esta zona tradicionalmente habitada por uma população envelhecida, encontra-se aos
poucos a ser reabitada por elementos da classe média, com elevado capital cultural, mas neste
caso bastante mais jovem. Assiste-se também à concentração temporária de jovens estudantes
face à proximidade desta área dos pólos académicos, mas também pela característica cultural
que esta zona tem vindo a desenvolver. Num Porto envelhecido, onde o comércio “foge” para
a periferia ou se otimizam simulacros dos modelos de grandes superfícies comerciais das
periferias no centro da cidade, importa analisar situações que se apresentam como
contra-tendências. A recente reconfiguração do espaço urbano, dinamizada pela concentração
de nichos de comércio especializado na zona de Miguel Bombarda apresenta-se como um
modelo especialmente interessante neste domínio. Contudo, a territorialização do comércio
em torno da cultura e das indústrias criativas não se apresenta como um episódio novo, basta
pensar no caso apresentado: o SoHo de Nova York. À semelhança deste modelo, surge no
nosso país, e em particular no Porto, como um processo aparentemente espontâneo, fruto da
concentração de um conjunto de galeristas de arte num ponto incaracterístico da cidade: a
Rua de Miguel Bombarda. Esta concentração fomentou a atração de outras iniciativas
empresariais e potencializou dinâmicas associativas, na esfera da criação cultural. Nestes
processos observa-se uma espécie de gentrificação do urbanismo comercial, os comerciantes
já não são os tradicionais, mas adultos jovens, com um percurso invariavelmente relacionado

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com as indústrias criativas e espírito empresarial e dinamizador, que trabalham não apenas
com artigos, mas com formas de pensar de sentir, os chamados “novos intermediários
culturais” (DIAS, 2009: 99).
Diferentemente dos museus, que assumem a tarefa expor obras e artistas dentro da
difícil função de encarregar-se da mudança da arte e conciliar a atividade contemporânea com
a visão histórica, o cluster criativo produz a espontaneidade de ser um lugar público onde as
pessoas vivem e trabalham, criam e consomem bens culturais (VARGAS, 2011: 9). O formato
espontâneo de um cluster criativo pode produzir um efeito de realidade sobre o público, pois
apresenta a arte contemporânea como um espaço do cotidiano, passível de se tornar hábito
pelo facto de promover o acesso livre e gratuito. Especialmente no caso das lojas e ateliês e
durante os dias de inaugurações simultâneas, quando alguns dos artistas em exposição estão
presentes, os processos criativos de Miguel Bombarda são colocados à mostra. Isso acontece
devido ao facto de alguns criadores, como as lojas de artesanato e o ateliê de ilustração, por
exemplo, produzirem na frente do público ou, simplesmente, porque os criadores de Miguel
Bombarda demonstram estar disponíveis à troca de informações com o público, conferindo
uma expectativa de proximidade com as obras e proporcionando um ambiente propício de
interação do público com a arte (VARGAS, 2011: 62).
Em síntese, a Rua de Miguel Bombarda apresenta sete produtos de comunicação que a
ajudaram a construir a sua imagem enquanto cluster criativo e demonstram ser o resultado
das relações de troca realizadas naquele ambiente ou em nome dele, ou seja, constituem
forças de gestão deste espaço em constante desenvolvimento. São eles: as inaugurações
simultâneas; o espaço Artes em Partes; o Centro Comercial Bombarda; a Galeria Fernando
Santos; o projeto Look Up – Natural Porto Art Show; o projeto W.C. Container; e o projeto
Absolut Creative House. No entanto, interagem pouco entre si, acabando por não elaborarem
estratégias para o fortalecimento da imagem como um cluster. O único produto a ter uma
simbologia coletiva são as inaugurações simultâneas que ocorrem muito mais no sentido de
ações efémeras de animação cultural do que propriamente de ações com resultados efetivos
na educação do público que tem contacto com Miguel Bombarda. Embora a descentralização
da gestão de Miguel Bombarda seja um aspeto que diminui o controlo sobre ações de
educação e formação de novos públicos, alguns projetos pontuais, como o Look Up! Natural
Porto Art Show, constituem iniciativas com alto poder de comunicabilidade e de estímulo ao
contacto empírico da arte contemporânea com o público espectador (VARGAS, 2011: 91).
Relativamente a este último tópico abordado, a descentralização da gestão de Miguel
Bombarda impede a formação de um cluster criativo coeso (VARGAS, 2011: 70). Ao ter uma

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visão panorâmica de Miguel Bombarda, observa-se a noção de sobreposição de vários
clusters, de vários posicionamentos de galerias de arte contemporânea, de lojas de moda
alternativa, artesanato urbano, design, espaços como o Artes em Partes e o CCB. Dentro de
cada uma dessas frações encontra-se um universo múltiplo, um cluster produtor de sentidos
que circulam liquidamente (VARGAS, 2011: 73). Por isso, a necessidade de criar sinergias
mostra-se muito maior aqui, visto que a gestão do cluster ainda é descentralizada, o que gera
projetos esporádicos, organizados pelos poucos que assumem um senso empreendedor e que
possivelmente têm dificuldade em concretizar um projeto de maior alcance. A respeito disto,
Tatiana Lopes de Vargas indica que as sinergias em Miguel Bombarda poderiam ocorrer
através “de uma ação conjunta com políticas públicas, a exemplo do Projeto de
Desenvolvimento de um cluster de Indústrias Criativas na Região Norte de Portugal e todas
as consequências socioculturais e económicas que ele representaria na prática; da integração
em projetos escolares de educação pela arte, instituições de ensino de modalidades artísticas,
universidades e museus; de parcerias com agências de viagens, sistema de transportes,
companhias aéreas, principalmente low cost e ferroviárias com o intuito de incentivar o
acesso à rua; parcerias com empresas fornecedoras de matérias-primas que apoiem ou
financiem as produções criativas, a exemplo de multinacionais ou empresas de hardware e
software” (VARGAS, 2011: 73).
Como vimos, a fixação desse comércio criativo partiu assim de iniciativas
particulares, incentivadas por empresários que souberam tirar partido, para lá dos aspectos
comerciais inerentes, dos efeitos multiplicadores que a economia da experiência cultural pode
trazer a uma cidade. Fomentou-se não só as qualidades únicas de um comércio especializado
que se concentra na criação de uma experiência única ao seu consumidor, apostando na
criatividade, num conceito original do espaço, na sua multidisciplinaridade e
multidimensionalidade, numa informação criteriosa dos produtos que vendem, num
atendimento personalizado, na dinamização de atividades paralelas como workshops, festas,
saraus, exposições, instalações, etc. Mas também as qualidades festivas que este tipo de
comércio pode organizar, como são as atividades concertadas de animação que se tornaram
imagem de marca deste local, em particular as inaugurações simultâneas de exposições nas
várias galerias. A aposta na criação de uma verdadeira “experiência” acabaria por beneficiar a
divulgação e a intensificação deste espaço pela visibilidade pública que estimulou. Citando as
palavras de Sara Marques Dias, “A disseminação de espaços de comércio especializado um
pouco por todo o quarteirão, o aqui designado ‘efeito Miguel Bombarda’, vem sustentando
uma agregação que se processa de modo informal e independente dos poderes públicos, esse

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processo vem tornando este tecido criativo mais consciente do seu papel crítico e da sua
capacidade de intervenção nas questões urbanas” (DIAS, 2009: 100).
Em suma, parece ser possível afirmar com propriedade que a criação deste nicho de
comércio centrado nas indústrias criativas permitiu o desenvolvimento de uma
reconfiguração física da cidade, através de procedimentos como a reconvertabilidade de
espaços habitacionais em espaços comerciais. Simultaneamente, todo este processo permitiu
uma revitalização económica deste local, que aparentemente não tinha grandes tradições
comerciais e se encontrava abandonado. Paralelamente, e intrínseco a estas dinâmicas,
começa a esboçar-se um novo processo de (re)construção identitária da Rua de Miguel
Bombarda, multiplicando-se denominações características como o “Bairro das Artes”, ou o
“SoHo do Porto”, correspondentes ou não com a realidade vivida, mas que reconstroem a
imagem desta zona urbana. Visto isto, é possível sugerir que esta concentração comercial
potencializou processos de reabilitação do espaço urbano.

RECURSOS BIBLIOGRÁFICOS
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DIAS, Sara Joana Marques (2009). Uma Viagem ao “SoHo do Porto” - Processos de
Criação Identitária e Gentrificação do Comércio Urbano em Miguel Bombarda. Porto:
Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Departamento de Sociologia. Dissertação de
Mestrado orientada pela Profª Drª Natália Azevedo.

LOURENÇO, Mafalda (2009). Da gentrificação à centralidade do corpo no novo


comércio: o caso da rua Miguel Bombarda. Minho: Universidade do Minho. Departamento
de Sociologia. Dissertação de Mestrado orientada por Teresa Mora.

VARGAS, Tatiana Lopes de (2011). A Rua de Miguel Bombarda como cluster


criativo e lugar de experiência com a arte contemporânea. Porto: Faculdade de Letras da
Universidade do Porto. Departamento de Ciências da Comunicação. Dissertação de Mestrado
orientada pelo Prof. Dr. João Paulo de Jesus Faustino.

ANEXOS
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Tabela 1: Resultados referentes aos sete produtos de comunicação de Miguel Bombarda. Disponível na
Dissertação de Mestrado de Tatiana Lopes de Vargas: “A Rua de Miguel Bombarda como cluster criativo e
lugar de experiência com a arte contemporânea”. Porto, 2011.

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