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ARTIGO ARTICLE 1709

Proposição de um índice do enfrentamento


governamental à violência intrafamiliar
contra crianças e adolescentes

Proposal of an index for government measures to


deal with domestic violence against children
and adolescents

Proposición de un índice de acción de gobierno


contra la violencia doméstica en niños
y adolescentes
Suely Deslandes 1
Corina Helena Figueira Mendes 1

Liana Wernersbach Pinto 2

Abstract Resumo

1 Instituto Nacional de Saúde The article discusses the development of the In- O artigo apresenta o processo de construção do
da Mulher, da Criança e
do Adolescente Fernandes
dex for Dealing with Family Violence to assess Índice de Enfrentamento de Violência Intrafa-
Figueira, Fundação Oswaldo municipal strategies related to this violation of miliar (IEVI), cujo objetivo é avaliar estratégias
Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. children’s and adolescents’ rights. Development da gestão municipal em face dessa violação de
2 Escola Nacional de Saúde

Pública Sergio Arouca, of the index involved a preliminary analysis of direitos infantojuvenis. Sua formulação envol-
Fundação Oswaldo Cruz, Rio indicators from previous studies and a techni- veu análise preliminar de indicadores de estudos
de Janeiro, Brasil.
cal expert group. Four indicators were selected: anteriores e técnica grupo nominal com especia-
Correspondência the existence of a municipal plan for dealing listas. Foram selecionados quatro indicadores:
S. Deslandes with violence against children and adolescents; existência de Plano Municipal de Enfrentamen-
Departamento de Ensino,
the existence of an inter-sector flow for treating to das Violências contra Crianças e Adolescentes;
Instituto Nacional de Saúde
da Mulher, da Criança e and following up on children and adolescents in existência de fluxo intersetorial para atendi-
do Adolescente Fernandes situations of family violence; number of guard- mento e acompanhamento de crianças e ado-
Figueira, Fundação Oswaldo
Cruz.
ianship councils in relation to the municipality’s lescentes em situação de violência intrafamiliar
Av. Rui Barbosa 716, Rio de population; and the existence of standardized e suas famílias; taxa de Conselhos Tutelares por
Janeiro, RJ 22250-020, Brasil. instruments in municipal school, social work, habitantes do município; e existência, nas re-
desland@iff.fiocruz.br
and health systems for reporting situations of des municipais de educação, assistência social e
violence against children and adolescents. The saúde, de instrumentos padronizados para noti-
databank from a previous study was used in an ficação/comunicação das situações de violência
exercise to apply the indicator in four Brazilian contra crianças e adolescentes. Com base em
state capitals. The indicator can serve as a tool banco de dados de estudo anterior, foi realizado
for monitoring and mobilizing efforts to imple- o exercício de aplicação em quatro capitais bra-
ment measures for dealing with family violence. sileiras. O IEVI constitui uma ferramenta para
monitorar e mobilizar esforços para a implanta-
Child Advocacy; Violence; Indicators ção de ações de enfrentamento da violência.

Defesa da Criança e do Adolescente;


Violência; Indicadores

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00086714 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(8):1709-1720, ago, 2015


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Introdução O desafio posto para a criação de índices é a


especificidade, ou seja, precisa reunir uma com-
A análise e o monitoramento de um problema posição de indicadores que, uma vez associados,
social ou das formas de intervenção a ele dirigi- sejam adequados para aferir exatamente o foco
das envolvem, usualmente, processos dinâmicos de interesse, traduzindo as variações que se dese-
e não lineares, trazendo para quem os analisa o ja analisar. As maiores críticas aos índices são sua
desafio de traduzir realidades complexas sob a pouca transparência (compreensão metodológi-
forma de definições sintéticas, claras e objetivas. ca restrita a técnicos da área e dificuldade de ma-
Tais ferramentas de análise são denominadas in- nuseio); a estrita dependência à disponibilidade
dicadores e se destinam a aferir dimensões tanto e atualização periódica dos dados que compõem
individuais, como coletivas, servindo de medida cada indicador agregado; e a possível incapaci-
ou forma de apreciação, direta ou indireta, de dade de refletir as questões mais relevantes para
um evento, situação, conceito, processo ou con- a análise do problema 2,6.
dição, e constituindo seus meios de verificação. O emprego dos indicadores, isolados ou num
Indicadores são recursos metodológicos que, sistema, ou agregados sob a forma de índice, não
ancorados em base empírica, traduzem aspecto pode e nem deve estar dissociado da análise dos
da realidade social ou as mudanças que estão se contextos sociopolíticos em que os processos
efetivando 1,2,3. sob avaliação ou monitoramento ocorreram,
Raramente um único indicador é suficien- tampouco do cotejamento das ações dos atores
temente abrangente e inclusivo para traduzir e das condições estruturais em que se deram. Os
determinado problema social ou os efeitos dos índices não são ferramentas neutras, pois repre-
projetos e ações que visam a sua mudança. Um sentam escolhas científicas e ideológicas, sendo
conjunto de indicadores, voltado para um tema influenciados por visões históricas de relevância
ou aspecto específico da realidade (também de- do que e como avaliar 7.
signado sistema de indicadores), busca minimi- Por fim, os indicadores devem ser aplicados
zar as dificuldades que são intrínsecas ao exer- segundo um plano de avaliação, que organica-
cício de redução da realidade aos seus aspectos mente os produz, seleciona e hierarquiza, atri-
mais substantivos, significativos e estratégicos. buindo-lhes valores em relação aos padrões de
A construção de um sistema de indicado- desempenho daquilo que a estratégia avaliada
res envolve pelo menos quatro etapas 2: (1) de- pretende alcançar. Eles invocam o estreito diá-
finição operacional do conceito abstrato ou da logo com os modelos teóricos das estratégias e
temática a que se refere o sistema; (2) especifi- respectivas propostas avaliativas.
cação de descrição de suas dimensões, das for- Indicadores ou índices dependem da qua-
mas de interpretar tal tema, tornando claro seu lidade de sistemas distintos de informação, de
foco, permitindo uma análise da coerência em fontes secundárias de dados, das interpretações
face dos indicadores designados; (3) busca de que fazem os aplicadores de seus propósitos e
estatísticas públicas, bancos de dados e informa- termos. Constituem ferramentas úteis, porém
ções disponíveis para a aplicação dos referidos devem ser constantemente avaliados e criticados
indicadores; (4) aplicação dos dados ao cálculo enquanto dispositivos auxiliares na importante e
dos indicadores. singular tarefa de emitir valor sobre o mérito de
Também para minimizar os limites do em- programas e estratégias.
prego isolado de um indicador, são criados ín- A violência é, há mais de duas décadas, reco-
dices, que são parâmetros capazes de revelar o nhecida pela Organização Mundial de Saúde e
estado de um sistema multidimensional ou um pelo Ministério de Saúde brasileiro como grave
fenômeno, sendo, geralmente, compostos por problema de saúde pública, bem como constitui
um grupo de indicadores 4. Um índice sintetiza uma questão da pauta dos movimentos globais
um conjunto de aspectos sob análise, permitindo por saúde e da agenda de saúde global 8,9,10. Nes-
a comparação e o escalonamento de resultados se contexto, crianças e adolescentes são o seg-
entre diversas regiões ou mesmo países. mento etário mais vulnerável a todas as formas
Alguns índices são bastante conhecidos e uti- de violência, especialmente no âmbito das rela-
lizados em larga escala, como o Índice de Gini, ções interpessoais e comunitárias, sendo a vio-
criado em 1910 para aferir o grau de desigualda- lência familiar a manifestação mais prevalente
de de renda entre os mais pobres e os mais ricos. contra este grupo 11.
Outro exemplo conhecido é o Índice de Desen- Destarte, se há exemplos de índices para o
volvimento Humano (IDH), criado em 1997 para monitoramento social da evolução e tendências
medir o progresso social e humano de um país, da violência contra a população infantojuvenil
considerando-se três dimensões básicas: renda, (Índice de Vulnerabilidade Juvenil, Índice de
educação e saúde 5. Homicídios na Adolescência e Índice de Bem-

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ÍNDICE DO ENFRENTAMENTO GOVERNAMENTAL À VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR 1711

Estar Juvenil), pouco se criou para a análise das dimensões de enfrentamento: (1) promoção de
formas de enfrentamento dessa situação. Os es- relações familiares e comunitárias protetoras e
cassos estudos encontrados tratam de indicado- prevenção da(s) violência(s); (2) atenção a crian-
res voltados apenas para análise dos serviços de ças e adolescentes em situação de violência intra-
atendimento 13,14. familiar e exploração sexual e aos seus familiares;
Entendemos enfrentamento como o conjun- (3) garantia de direitos de crianças e adolescentes
to de estratégias integradas, articuladas e con- nessas situações de violências; (4) qualificação
tínuas para lidar com o fenômeno da violência. do registro e notificação dos eventos; (5) respon-
São intervenções que têm como objetivo um sabilização legal dos autores dessas violências.
ciclo de trabalho que inclui: (1) a promoção de Após aplicação em seis municípios de gran-
comportamentos protetores e prevenção; (2) a de porte populacional, foi realizada uma revisão
atenção àqueles em situação de violência; (3) o do sistema de indicadores, tendo como base os
fortalecimento das instituições e dos mecanis- critérios de validade, confiabilidade, sensibilida-
mos de garantia de direitos dessas pessoas; (4) de, comunicabilidade, relevância social e facti-
a valorização da notificação e do registro desses bilidade de obtenção de dados. Chegamos a um
eventos; (5) o investimento nas instituições e nas acervo de 32 indicadores, já apresentados em pu-
formas de responsabilizar aqueles que agrediram blicação anterior 12, que constituiu a base para a
crianças e adolescentes. É diferente, portanto, da seleção do IEVI.
perspectiva de “combate”, que prioriza a respon- Nova parceria com o Unicef foi empreendida
sabilização criminal dos autores 15. em 2013, cuja demanda era a de criação de um
Neste artigo, apresentamos uma proposta índice voltado aos gestores e demais operadores
de índice que visa a analisar o enfrentamento da do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e
violência familiar contra crianças e adolescen- do Adolescente. Tal índice deveria permitir a mo-
tes por parte das gestões municipais. Apresen- bilização social em torno das responsabilidades e
tamos o índice de enfrentamento da violência potencialidades de atuação dos governos muni-
intrafamiliar (IEVI) e discutimos suas potencia- cipais para o enfrentamento da violência contra
lidades para o controle social da atuação gover- crianças e adolescentes.
namental diante do problema e para a advocacy A seleção dos indicadores para compor o IEVI
do desenvolvimento de ações. Apontamos seus se deu por meio da utilização da técnica grupo
limites a partir do exercício de aplicação em qua- nominal, envolvendo oito especialistas convida-
tro capitais brasileiras (Belém, Campo Grande, dos (conselheiros de direitos e pesquisadores do
Fortaleza e Porto Alegre) e sugerimos estratégias tema) 12. A técnica de grupo nominal é uma téc-
para utilização desse índice com vistas à mobili- nica grupal para a tomada de decisões acerca de
zação social para o enfrentamento dessa forma tema para o qual não haja consenso. Reúne um
de violência. número reduzido de especialistas em encontro
presencial mediado por um pesquisador. Geral-
mente a sessão é estruturada considerando-se
Notas metodológicas do percurso de as seguintes etapas: apresentação da questão
construção do IEVI nominal, redação individualizada das opiniões
e respostas de cada participante, exposição de
Os índices utilizados para a elaboração do IEVI cada opinião, debate, votação, discussão da clas-
fazem parte de um sistema originalmente com- sificação global e reclassificação coletiva a partir
posto por 41 indicadores, construídos em 2007, de nova rodada de debate 17. A questão dispara-
em parceria com o Fundo das Nações Unidas dora proposta foi a seguinte: Considerando sua
para a Infância (Unicef), para apoiar o monitora- relevância e facilidade de acesso aos dados, quais
mento e análise avaliativa da atuação dos gover- destes indicadores melhor sintetizam o enfren-
nos municipais de centros urbanos no enfrenta- tamento da violência intrafamiliar por parte da
mento da violência intrafamiliar e exploração se- gestão municipal? O eixo de responsabilização
xual de crianças e adolescentes. Como já descrito dos autores foi retirado por não fazer parte das
em trabalho anterior 16, esses indicadores foram responsabilidades municipais.
elaborados com base em métodos participativos Os critérios de seleção dos indicadores foram:
(técnicas Delphi e grupo nominal), envolvendo apresentar relevância para a atuação governa-
sucessivas consultas a especialistas de todo o mental municipal diante de cada eixo de enfren-
país. A base de elaboração foi um conjunto am- tamento da violência (intra)familiar (promoção
plo de normativas nacionais (políticas, planos e e prevenção, atenção, fortalecimento do sistema
normas técnicas) que tratam sobre o papel dos de garantia de direitos e registro); ser constitu-
municípios no enfrentamento da violência. Os ído por dados acessíveis e de fácil manejo, per-
indicadores foram agrupados em cinco eixos ou mitindo que agentes do sistema de garantia de

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direitos, mesmo sem formação técnica, pudes- Índice de enfrentamento da violência


sem utilizar o índice; possibilitar aplicação su- intrafamiliar (IEVI)
cessiva ao longo do tempo a baixo custo.
Após a seleção dos indicadores, foi realiza- O primeiro indicador que compõe o IEVI é exis-
da nova fase de consulta a outros especialistas, tência de plano municipal de enfrentamento das
envolvendo sete profissionais do Unicef: cinco violências contra crianças e adolescentes, o qual
técnicos da área central de avaliação e monitora- revela o engajamento da gestão em ações plane-
mento e dois responsáveis pelas plataformas de jadas, sistemáticas e intersetoriais que visem à
intervenção para a defesa de direitos de crianças prevenção, à atenção as crianças e adolescentes
e adolescentes nos centros urbanos do país. Es- em situações de violências e à restauração dos
se painel de especialistas foi realizado em três seus direitos violados. Um plano municipal com
sessões não estruturadas, a partir de debate li- essa finalidade está previsto em distintas polí-
vre, com intervalos de uma semana, por meio ticas públicas nacionais de enfrentamento das
de Skype e registrados por escrito. Considerando violências, como a Política Nacional de Promo-
os mesmos critérios de seleção dos indicadores, ção da Saúde 18, a Política Nacional de Redução
esses especialistas discutiram a proposta produ- de Morbimortalidade por Acidentes e Violências
zida pela técnica de grupo nominal, apresentan- 19 e a Portaria MS/GM no 936 20, que dispõe sobre

do sugestões para a normalização das formas de a estrutura da Rede Nacional de Prevenção da


cálculo (expressão para simplificação da fórmu- Violência e Promoção da Saúde, além da implan-
la, ajuste da taxa empregada) e para escalonar tação de Núcleos de Prevenção da Violência em
os resultados (utilização do parâmetro do IDH). Estados e Municípios.
Posteriormente, utilizaram-se informações O Plano Nacional de Promoção, Proteção e
para exemplificar a aplicação do IEVI, as quais Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
foram extraídas do banco de dados do estudo Convivência Familiar e Comunitária 21 também
Avaliação das Estratégias Governamentais Mu- prevê a elaboração de planos municipais e es-
nicipais no Enfrentamento da Violência Sexual taduais, a fim de garantir o direito de crianças e
e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes de adolescentes à convivência nessas esferas de
em Quatro Capitais Brasileiras (Belém – Pará, relações, especialmente daqueles em situação de
Campo Grande – Mato Grosso do Sul, Fortaleza vulnerabilidade.
– Ceará e Porto Alegre – Rio Grande do Sul), que No que se refere especificamente ao enfren-
foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa tamento da violência sexual, o Plano Nacional de
(CAAE: 00786612.2.0000.5269). Esse projeto não Enfrentamento da Violência Sexual Infantojuve-
foi desenhado objetivando a aplicação do IEVI, nil 22 sugere que cada município desenvolva seu
mas serviu como banco de consulta de dados. O plano e contemple seis diretrizes orientadoras:
estudo realizou análise diagnóstica situacional (1) análise da situação; (2) mobilização e articu-
da atuação de governos municipais no enfrenta- lação; (3) defesa e responsabilização; (4) aten-
mento da exploração sexual e demais violências dimento; (5) prevenção; e (6) protagonismo ju-
contra crianças e adolescentes, utilizando-se do venil. A metodologia empregada pela Secretaria
citado sistema dos 32 indicadores. As referidas Especial de Direitos Humanos da Presidência da
cidades foram escolhidas por terem apresentado República para a implantação destas diretrizes
expressivo número de notificações de violências estimula a criação de planos operativos locais
ao sistema de denúncias do Disque 100, nas suas com tal perspectiva.
respectivas regiões. As informações foram cole- Sendo assim, a existência de qualquer plano
tadas em 2012, referentes ao biênio 2010-2011, a municipal abrangendo o enfrentamento das dis-
partir de 84 depoimentos de gestores locais de to- tintas formas de violência, independentemente
das as secretarias municipais que apresentavam de sua origem, já configura resposta positiva. To-
ações diretas com o segmento infantojuvenil; de davia, a existência de mais de um plano só deve-
conselheiros de direitos e de conselheiros tute- rá ser contabilizada no cálculo do IEVI somente
lares (29 entrevistados em Porto Alegre, 19 em uma vez. Este indicador apresenta, portanto, va-
Fortaleza, 14 em Campo Grande e 22 em Belém). riáveis de resposta dicotômicas (sim ou não).
As informações colhidas de entrevistas semies- O segundo indicador selecionado para com-
truturadas foram devidamente comprovadas por por o IEVI, existência de fluxo intersetorial para
documentação. atendimento e acompanhamento de crianças e
adolescentes em situação de violência intrafami-
liar e suas famílias, trata do eixo da atenção, ten-
do como principal parâmetro avaliativo a oferta
de cuidados integrados e integrais tanto a crian-
ças e adolescentes em situação de violência in-

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trafamiliar, quanto a seus familiares. Esse indica- Adolescente têm repercussão direta na capaci-
dor avalia a organização da rede de atendimento, dade de restituir direitos violados 27. A defini-
assim como a efetiva pactuação dos diferentes ção de um fluxo sistematizado de atendimento a
setores na construção de um fluxo que otimize criança e adolescente em situação de violência e
o atendimento, garanta a proteção, acolha as di- a suas famílias mostra-se bastante sensível para
ferentes demandas e evite a revitimização. Sua aferir a maturidade da cooperação intersetorial
resposta, também dicotômica, se positiva, deve de um município. Reflete a capacidade de diá-
aferir um ponto no cálculo do IEVI. logo e de cooperação de um conjunto de ato-
A formulação desse indicador se baseou na res e agências públicas em torno de objetivos
diretriz da atenção interdisciplinar às pessoas comuns de promoção de cuidados e restituição
em situações de violências, que consta em qua- de direitos de crianças e adolescentes. Sabe-se,
se todas as políticas públicas sobre o tema. Essa ainda, que não basta existir um fluxo meramen-
orientação está postulada textualmente na Polí- te burocrático ou idealizado; mais que isso, um
tica Nacional de Redução de Morbimortalidade fluxo deve orientar a ação concreta e cotidiana
por Acidentes e Violências 19, que preconiza a dos atores da rede, de acordo com seus papéis
estruturação e a organização da rede de serviços e atribuições, bem como permitir visualizar
do Sistema Único de Saúde (SUS) para que se deficiências e demandas não atendidas. Exige,
identifiquem as vítimas de violências e aciden- também, atualizações periódicas, dado que a
tes e se acolham suas demandas, prestando-lhes rede é sempre dinâmica, possui considerável
atendimento digno, de qualidade e resolutivo, rotatividade de profissionais e que a complexi-
desde o primeiro nível de atenção. dade das situações das famílias institui sempre
O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) novas necessidades.
também estabelece como princípio organizativo O terceiro indicador a compor o IEVI, taxa de
a intersetorialidade, bem como atribui aos entes Conselho Tutelar por habitantes do município,
federados a responsabilidade de “definir os fluxos vincula-se ao eixo que trata do apoio da gestão
de referência e contra-referência do atendimento municipal para o fortalecimento do Sistema de
nos seus serviços socioassistenciais” (Art. 12, Inc. Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente
XX) e ainda de “promover a articulação interse- diante de situações de violência intrafamiliar e
torial do SUAS com as demais políticas do Siste- exploração sexual de crianças e adolescentes.
ma de Garantia de Direitos” (Idem, Inc. XXV) 23 O Conselho Tutelar é importante prota-
(p. 17-18). gonista dentre as instituições que compõem o
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
diz no Art. 86 que “a política de atendimento dos Adolescente, sendo obrigação do governo muni-
direitos da criança e do adolescente far-se-á atra- cipal garantir número adequado de Conselhos
vés de um conjunto articulado de ações governa- Tutelares e meios para seu pleno funcionamen-
mentais e não-governamentais da União, dos es- to. Ao Conselho Tutelar é outorgado um lugar
tados, distrito federal e municípios” 24, que se tra- estratégico no fluxo de atendimento à criança e
duz no Sistema de Garantia de Direitos da Crian- ao adolescente em situação de violência. Todas
ça e do Adolescente. Por sua vez, o Plano Decenal as denúncias e notificações de fatos de violência
de Diretos Humanos da Criança e do Adolescente infantojuvenil devem convergir para o Conselho
preconiza que cada município formule diretrizes Tutelar; este, por sua vez, tem a atribuição de ava-
e parâmetros para estruturação de redes inte- liar a demanda de violação do direito e aplicar
gradas de atenção a crianças e adolescentes em as medidas de proteção à criança e ao adoles-
situação de violências, com base nos princípios cente (Art. 101, ECA), bem como aos seus pais
de celeridade, humanização e continuidade no e responsáveis (Art. 129, ECA), com a finalidade
atendimento 25. de restituição do direito violado ou preservação
Algumas iniciativas para a definição de flu- do direito ameaçado. Cabe ainda ao Conselho
xos do atendimento em rede já foram realiza- Tutelar encaminhar ao judiciário, quando for o
das, dentre as quais se destaca a da Associação caso de responsabilização da família, do Estado
Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça ou da sociedade 24.
e Defensores Públicos, em parceria com a Chil- Encontramos, em planos e resoluções do
dhood Brasil e diversos atores, para a constru- Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
ção dos fluxos operacionais de atendimento de do Adolescente (CONANDA), várias orientações
crianças e adolescentes nas situações de abu- que visam ao fortalecimento do Conselho Tutelar
so, exploração sexual, HIV/AIDS e gravidez na para o efetivo cumprimento de suas atribuições.
adolescência 26. Reconhecendo a dificuldade de cobertura e aten-
Sabe-se que a desarticulação e as lacunas do dimento das demandas, o CONANDA recomen-
Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do da como parâmetro que 28:

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“Art. 3o Em cada Município e no Distrito Fe- A legislação brasileira prevê, como dever de
deral haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar todos os cidadãos e prática obrigatória para mé-
como órgão da administração pública local. dicos e professores, a obrigatoriedade da comu-
§ 1o Para assegurar a equidade de acesso, ca- nicação ao Conselho Tutelar de casos suspeitos
berá aos Municípios e ao Distrito Federal criar e ou confirmados de maus-tratos contra crianças
manter Conselhos Tutelares, observada, preferen- e adolescentes. Entende-se que essa prática de-
cialmente, a proporção mínima de um Conselho va estender-se também aos demais profissionais
para cada 100 mil habitantes (grifo nosso)”. das áreas de saúde, educação e assistência so-
Nesse sentido, observar a proporcionalida- cial 24. A notificação é essencial no enfrentamen-
de do número de Conselhos Tutelares em rela- to das violências contra crianças e adolescentes
ção ao número de habitantes no seu território e no processo de restauração de seus direitos.
de abrangência é uma das condições para maior Além de possibilitar a interrupção das violências
efetividade da intervenção desse órgão em casos e desencadear medidas de proteção e assistência
de violação dos direitos infantojuvenis. a crianças e adolescentes, assim como a seus fa-
Ao argumento de que este seria um indicador miliares, oferece, ainda, informações para avaliar
elementar, contrapunha-se o fato de que a co- a situação local e dimensionar a necessidade de
bertura adequada nos Conselhos Tutelares, nos intervenções em determinado território 30.
centros urbanos, ainda se revela muito aquém Nas políticas nacionais, encontramos diretri-
da demanda. Certamente, as condições de traba- zes, objetivos e propostas que justificam a esco-
lho, de suporte e de qualificação dos conselhei- lha deste indicador para compor o IEVI. O Plano
ros tutelares são elementos estratégicos e estão Decenal corrobora tal orientação quando, no
longe de apresentar bons padrões, repercutindo Objetivo Estratégico 5.1, dispõe: “Articular e apri-
na qualidade do atendimento prestado 29. Con- morar os mecanismos de denúncia, notificação e
siderando-se o território nacional, a existência investigação de violações dos direitos de crianças
dos Conselhos Tutelares na proporcionalidade e adolescentes” 25 (p. 38). Encontramos, também,
adequada é um desafio a ser superado. no Programa Nacional de Direitos Humanos, o
Segundo sugestão dos especialistas, levando- objetivo estratégico de “implantar sistema nacio-
se em conta que poucos municípios de grande nal de registro de ocorrência de violência esco-
porte populacional apresentam a proporção lar, incluindo as práticas de violência gratuita e
adequada de Conselhos Tutelares, foi feito um reiterada entre estudantes (bullying), adotando
levantamento das taxas de todas as capitais bra- formulário unificado de registro a ser utilizado
sileiras a fim de se chegar ao cálculo de uma taxa por todas as escolas” 31 (p. 94-95). Igualmente,
ajustada à realidade nacional. Na obtenção da na Política Nacional de Redução de Morbimor-
taxa ajustada, inicialmente calculou-se a taxa talidade por Acidentes e Violências, a diretriz da
para cada um dos municípios dividindo-se o qualificação do registro consta como base da
número de Conselhos Tutelares pelo tamanho atuação do setor Saúde 19.
populacional. De posse das taxas, foram calcu- O setor Saúde tem desempenhado papel fun-
lados os percentis 75, 80, 85 e 90 da distribuição. damental na construção de informações sobre
Escolheu-se como ponto de corte o percentil 90, os acidentes e violências. Em 2001, o Ministério
o qual equivaleu a uma taxa de 0,65. Este valor da Saúde dispôs sobre a obrigatoriedade da no-
foi, então, usado como ponderação no cálculo tificação de casos de maus-tratos contra crianças
das taxas ajustadas. e adolescentes atendidos no SUS 32. Ao final da
A formulação do indicador se apresenta da década, foi instituída a notificação compulsória
seguinte forma: de todas as formas de violências interpessoais.
O Sistema de Informação de Agravos de Noti-
Taxa = no de Conselhos Tutelares X 100.000/0,65 ficação (SINAN) 33 consolida a notificação dos
População total de habitantes casos de violências pelas unidades de saúde e se
destaca como um sistema estruturado. O Minis-
Para o cálculo, se o valor encontrado for supe- tério da Saúde desenvolve ações desde a capaci-
rior a 1, será contabilizada a nota máxima neste tação para o preenchimento das fichas, proces-
quesito (1). samento dos dados, análise, até a disseminação
Finalmente, o quarto indicador do IEVI é a da informação. Todavia, sabe-se que o SINAN
existência, nas redes municipais de educação, encontra-se em fase de implantação desigual nos
assistência social e saúde, de instrumentos pa- estados, e muitos municípios ainda não alimen-
dronizados para notificação/comunicação das tam o sistema 30. Por outro lado, as estratégias
situações de violências contra crianças e adoles- de implementação de um sistema de informa-
centes. Esse indicador corresponde ao eixo refe- ção e de qualificação dos registros das violências
rente a notificação e valorização do registro. contra crianças e adolescentes nos âmbitos da

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educação e da assistência social ainda são escas- igual. Quanto à forma de agregar os indicadores,
sas e configuram-se como mais um desafio a ser a literatura mostra que a utilização de agregação
superado 34. linear pode ser empregada sempre que os indica-
Entretanto, reconhecemos iniciativas que dores forem comparáveis, ou seja, estejam todos
apontam a viabilidade da adoção de instru- em uma escala intervalar 35.
mentos de notificação, unificados ou não, como Uma vez concluído o cálculo do IEVI, os mu-
um dos passos iniciais e essenciais para a ins- nicípios deverão ser classificados da seguinte
titucionalização de um sistema de informações forma: 0,0 a 0,49 (baixo enfrentamento à violên-
sobre violência. A adoção e a utilização de fi- cia familiar); 0,50 a 0,69 (médio enfrentamento);
cha padronizada pelas unidades da rede públi- 0,70 a 0,79 (alto enfrentamento); 0,80 a 1,0 (mui-
ca constituem ações de grande relevância para to alto enfrentamento). A categorização utilizada
que as situações de violências saiam da invisi- adotou os mesmos critérios de faixas de valores
bilidade, para que possam ser mensuradas em do IDH desenvolvido pelo Programa das Nações
sua magnitude e caracterizadas em sua dinâmica Unidas para o Desenvolvimento.
e distribuição.
A atribuição de valor do quarto indicador é Exemplos de aplicação do IEVI
feita mediante o total da soma de secretarias com
instrumento padronizado (um ponto para cada Com base em consulta aos bancos de dados de
resposta positiva) dividido por 3. Foram consi- pesquisa realizada recentemente nas quatro ca-
deradas as secretarias cujas unidades têm maior pitais brasileiras já referidas 36, trazemos exem-
contato com a população infantojuvenil: Educa- plos da aplicação da Tabela 1.
ção, Saúde e Assistência Social. Campo Grande e Fortaleza estariam, no perí-
Finalmente, os enunciados dos indicadores odo retratado, na posição de nível muito alto de
do IEVI se apresentam da seguinte forma: enfrentamento à violência intrafamiliar contra
I1 = existência de Plano Municipal de Enfren- crianças e adolescentes. Porto Alegre e Belém,
tamento das Violências contra Crianças e Ado- em situação de médio enfrentamento.
lescentes.
I2 = existência de fluxo intersetorial para
atendimento e acompanhamento de crianças e Discussão
adolescentes em situação de violência intrafami-
liar e suas famílias. Como qualquer índice, o IEVI constitui uma re-
I3 = taxa de Conselhos Tutelares por habitan- dução de realidades complexas a um conjunto
tes do município. restrito de indicadores 37. Mesmo que se parta do
I4 = existência, nas redes municipais de edu- pressuposto de que as estratégias retratadas no
cação, assistência social e saúde, de instrumen- IEVI refletem um nível de amadurecimento do
tos padronizados para notificação/comunica- trabalho da gestão municipal e a ação coletiva de
ção das situações de violências contra crianças vários atores do Sistema de Garantia de Direitos
e adolescentes. da Criança e do Adolescente, ainda assim o índi-
Os quatro indicadores terão seus resultados ce não permite aferir a qualidade e a efetividade
dentro do intervalo 0-1. O resultado final do IEVI das ações realizadas.
será dado pela média aritmética dos valores obti- Igualmente a qualquer instrumento de co-
dos para os indicadores que compõem o índice: tejamento, o IEVI é delimitado temporalmente.
O IEVI será dado por: Os dados apresentados na aplicação do índice
I1 + I 2 + I 3 + I 4 referem-se aos anos de 2010-2011, sendo, por is-
IEVI = so, datados em sua capacidade de aferição. Porto
ou
4 Alegre, por exemplo, em 2013, homologou um
4

∑I k
fluxo de atendimento intersetorial, incluindo
IEVI = k =1 parcerias com Ministério Público, secretarias
4 municipais e Delegacia da Criança e Adolescente
Após consulta à literatura e debate entre os Vítima. Com essa resposta positiva, o mesmo ín-
especialistas, houve consenso de que não havia dice aumentaria para 0,92. Dessa forma, o índice
evidências de que um indicador fosse mais es- proposto não pode ser visto como um dispositivo
tratégico ou produzisse resultados mais eficazes classificatório dos municípios, mas um dispara-
no enfrentamento da violência (intra)familiar dor para o debate e a realização de ações públicas
do que outro. Logo, a elaboração da fórmula do de enfrentamento da violência.
IEVI considerou a hipótese de que todos os in- Como pontos fortes da proposta, considera-
dicadores selecionados tivessem a mesma im- mos que, por suas características, o IEVI possui
portância. Assim, todos os indicadores têm peso boa comunicabilidade (grau de entendimento

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1716 Deslandes S et al.

Tabela 1

Exercício de aplicação do IEVI nas cidades de Belém (Pará), Fortaleza (Ceará), Porto Alegre (Rio Grande do Sul) e Campo Grande (Mato Grosso do Sul), Brasil,
2010-2011.

Município Indicador Dado Valor Valor IEVI


atribuído

Belém I SIM 1
1
I NÃO 0
2
Conselhos Tutelares = 7
População = 1.410.430 habitantes
I 0,76
3

Educação – SIM
I Assistência Social – NÃO 0,67
4
Saúde – SIM
Fortaleza I SIM 1
1
I SIM 1
2
Conselhos Tutelares = 6
População = 2.500.194 habitantes
I 0,37
3

Assistência Social – SIM


Saúde – SIM
Porto Alegre I SIM 1
1
I NÃO 0
2
Conselhos Tutelares = 10
População = 1.416.714 habitantes
I 1,0
3

Educação – SIM
I Assistência Social – NÃO 0,67
4
Saúde – SIM
Campo I SIM 1
1
Grande I SIM 1
2
Conselhos Tutelares = 3
População = 805.397 habitantes
I 0,57
3

Educação – SIM
I Assistência Social – SIM 1
4
Saúde – SIM

IEVI: Índice de Enfrentamento de Violência Intrafamiliar.


I1: Existência de Plano Municipal de Enfrentamento das Violências contra Crianças e Adolescentes; I2: Existência de fluxo intersetorial para atendimento e
acompanhamento de crianças e adolescentes em situação de violência intrafamiliar e suas famílias; I3: Taxa de Conselhos Tutelares por habitantes do
município; I4: Existência, nas redes municipais de educação, assistência social e saúde, de instrumentos padronizados para notificação/comunicação
das situações de violência contra crianças e adolescentes.

Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 31(8):1709-1720, ago, 2015


ÍNDICE DO ENFRENTAMENTO GOVERNAMENTAL À VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR 1717

acessível), viabilidade de periodicidade (capaci- como um teste das expressões de cálculo. En-
dade de ser atualizado periodicamente a custos tendemos que algumas etapas e ações na fase
baixos), excelente visibilidade (possibilidade de de aplicação são recomendáveis para que o IEVI
acesso disseminado aos dados, permitindo o cumpra o papel de mobilização pretendido 39:
controle social das instituições e das políticas (1) envolvimento de grupos sociais, de opera-
públicas) e permite a construção de séries histó- dores de direitos e de mídias apropriadas para a
ricas, normalizadas sob a mesma forma de medi- divulgação da iniciativa; (2) desenvolvimento de
da, para possibilitar comparações no tempo 1,2,3, parcerias com os governos municipais, Conselho
ou mesmo entre municípios. Municipal de Direitos de Crianças e Adolescentes
O IEVI apresenta, ainda, boa factibilidade de (CMDCA) e Conselho Tutelar para o planejamen-
obtenção, isto é, boa possibilidade de execução, to das formas de levantamento e divulgação dos
relativa facilidade de disponibilidade de dados dados; (3) criação de um grupo de trabalho para
e baixos custos para obtê-los. Além disso, seus a aplicação do índice, envolvendo representan-
indicadores podem refletir os avanços obtidos ao tes do governo municipal, das organizações não
longo de um mandato de gestão governamental, governamentais atuantes na defesa de direitos de
o que o torna atraente por medir efeitos a médio crianças e adolescentes, além do CMDCA; e (4)
e curto prazos 38. divulgação pública dos resultados e pactuação
Defendemos que o IEVI, como expressão de ações visando às mudanças necessárias.
sintética, pode ser entendido como uma “men- Certamente, o acúmulo de experiências de
sagem forte” 38 (p. 82) aos gestores, para adoção aplicação do IEVI permitirá um refinamento de
de uma cultura de compromisso com os direitos sua expressão, possibilitando flexibilidade maior
de crianças e adolescentes e de enfrentamento de sua pontuação. A atribuição de fracionamento
das violências; constitui, também, ferramenta de pontos para processos em fase de implanta-
importante de controle social sobre a atuação ção poderá ser uma via alternativa para os limites
dos governos municipais. Ademais, pode ser uti- impostos pelas variáveis dicótomas.
lizado para fortalecer o advocacy 39 em torno do A proposição do IEVI levou em conta a im-
princípio de que crianças e adolescentes têm o portância de fortalecer a parceria entre a aca-
direito de viver em famílias sem violência e que demia e o Sistema de Garantia de Diretos da
os governos municipais têm responsabilidades Criança e do Adolescente, favorecendo a formu-
na garantia de tais condições. Portanto, o IEVI lação de instrumentos que avaliem e permitam
tem o potencial de comunicar ideias e agregar o monitoramento de forma simples, capazes de
forças sociais para essa pauta de mobilização, serem incorporados aos processos de trabalho
ajudando a pressionar a favor da implantação de e gestão de municípios, em diferentes momen-
políticas já existentes sobre o tema, da formula- tos de amadurecimento, na implementação de
ção de ações e da alocação de recursos. políticas voltadas para os direitos humanos de
O texto apresenta um exercício a partir de crianças e adolescentes.
banco de dados existentes, funcionando apenas

Resumen

Se presenta la construcción del Índice de Lucha con- de consejos de protección por habitantes del municipio
tra de Violencia Intrafamiliar (IEVI) por sus siglas en y, la existencia en redes municipales de educación, asis-
portugués) para evaluar las estrategias de gestión de tencia social y salud de instrumentos estandarizados
los municipios, frente a la violación de los derechos para la comunicación de la violencia. A partir de la ba-
de niños y adolescentes. Su formulación involucró el se de datos del estudio anterior, se realizaron ejercicios
análisis de indicadores utilizados en investigaciones de aplicación en cuatro capitales brasileñas. El IEVI es
previas y la técnica de un grupo nominal con expertos una herramienta para monitorear y movilizar esfuer-
que seleccionaron cuatro: existencia de un plan mu- zos para la implementación de acciones en contra de la
nicipal de lucha contra la violencia ejercida en niños violencia.
y adolescentes; existencia de flujo intersectorial para el
tratamiento y el seguimiento de niños y adolescentes en Defensa del Niño; Violencia; Indicadores
situación de violencia intrafamiliar y sus familias; tasa

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1718 Deslandes S et al.

Colaboradores Agradecimentos

S. Deslandes coordenou a pesquisa, produziu e anali- Agradecemos os apoios do Unicef e do CNPq.


sou os dados, além de colaborar na redação do artigo.
C. H. F. Mendes e L. W. Pinto colaboraram na produção
e análise dos dados e na redação do artigo.

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