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Estratégias de enfrentamento dos problemas que interferem na saúde de


uma comunidade socialmente vulnerável
Izautina Vasconcelos de Sousa1, Christina Cesar Praça Brasil1, Daniele de Araújo Oliveira
Carlos1, Maxmiria Holanda Batista1, Raimunda Magalhães da Silva1, Timoty Joseph Finan2, Ilana
Nogueira Bezerra3
1Programade Pós Graduação em Saúde Coletiva Universidade de Fortaleza, Brasil.
2 Universidade do Arizona, Estados Unidos
3Universidade Estadual do Ceará, Brasil.

izasousa222@gmail.com; cpraca@unifor.br; danii_joly@yahoo.com.br;


maxmiriaholanda@yahoo.com.br; rmsilva@unifor.br; finan@email.arizona.edu;
ilana.bezerra@yahoo.com.br

Resumo. O estudo consiste em identificar as estratégias de enfrentamento dos problemas que interferem nas
condições de saúde adotadas por moradores de uma comunidade socialmente vulnerável. Estudo qualitativo,
na modalidade pesquisa participante, com fundamentação teórico-metodológica na Hermenêutica e nas
teorias sobre diagnóstico participativo. Compuseram a amostra 31 informantes-chave pertencentes à
Comunidade do Dendê. Utilizaram-se para a coleta de dados entrevista semiestruturada, caminhada de rua e
grupos focais. Por meio da Análise de Conteúdo na modalidade temática e, diante dos problemas relatados
pelos moradores, identificaram-se estratégias de enfrentamento agrupadas nas seguintes categorias: "ações
individuais ou familiares”, “ações coletivas” e “parcerias com segmentos públicos e privados”. Conclui-se que
a situação de vulnerabilidade, com importante determinação social, oferece riscos à saúde; observando-se a
necessidade de planejamento e efetivação de políticas e ações voltadas ao bem estar da população,
mostrando a importância do diagnóstico participativo para a tomada de decisões.
Palavras-chave: Participação Social; Condições de saúde; Vulnerabilidade social; Enfrentamento.

Copig Strategies of the problems that interfere in the health conditions of a socially vulnerable community
Abstract. The study consists of identifying the coping strategies of the problems that interfere in the health
conditions adopted by residents of a socially vulnerable community. A qualitative study, in the participant
research modality, was conducted based on Hermeneutics and other theories about participatory diagnosis.
The sample was composed of 31 key informants belonging to the Dendê Community. Semi-structured
interviews, street walking and focus groups were used for data collection. Through the Content Analysis in
the thematic modality and, according to the problems reported by the residents, coping strategies were
grouped into the following categories: "individual or family actions", "collective actions" and "partnerships
with public and private segments". It is concluded that the situation of vulnerability, with important social
determination, poses risks to health; observing the need for planning and implementation of policies and
actions focusing the well-being of the population and showing the importance of the participatory diagnosis
for decision-making.
Keywords: Social Participation; Health Status; Social Vulnerability; Coping.

1 Introdução

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2011), a participação social consiste em um


modelo de cogestão que incorpora a negociação como instrumento de interação entre os atores
sociais e reconhece a necessidade de construir o protagonismo das pessoas por meio da capacitação
para a tomada de decisões. No entanto, é necessário que os cidadãos conheçam os seus direitos para
que possam exercer o seu papel na participação para a transformação social (Dualibi, Massambani,
Perkins, & Zandbergen, 2008).

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No enfrentamento das iniquidades sociais em saúde, a participação social é vista como fundamental e
apresenta maior poder nos movimentos políticos e sociais, contribuindo com a qualidade de vida da
população (Freitas & Micheleti, 2017). No entanto, essa participação com potencial de inovação
enfrenta desafios econômicos e políticos, dificultando a garantia do direito universal e efetivo à saúde
(Costa & Vieira, 2013).
A participação social constitui um elemento estruturante nas políticas sociais, visto que estas
demonstram elementos significantes acerca do debate atual sobre políticas públicas, tanto no que se
refere à sua institucionalização e execução, como na estratégia do enfrentamento das desigualdades
sociais, não se limitando ao setor saúde (Costa & Vieira, 2013). O diagnóstico participativo caracteriza-
se como um método para a aquisição e a construção coletiva de dados sobre determinadas realidades.
Constitui-se como participativo porque o processo para aquisição de informações é realizado com o
envolvimento de pessoas, as quais, em parceria com os mediadores, produzem dados para mudanças
(Freitas, Freitas, & Dias, 2012).
Esta metodologia é feita de forma coletiva pelos atores locais, mobilizando a comunidade para o seu
próprio conhecimento, para o planejamento de ações de intervenção e de uma agenda de
desenvolvimento. Assim, é compreendida como uma ferramenta que possibilita mudanças sociais e
permite a participação do cidadão na elaboração e no acompanhamento de Políticas Públicas (Lamim-
Guedes & Monteiro, 2014).
Nesse cenário que possibilita de mudanças, a identificação de problemas, valorizando os olhares das
pessoas que os vivenciam, favorece a (re)definição de políticas, estratégias e medidas de
enfrentamento, o que pode auxiliar na concepção de ações que sejam mais eficazes em busca da
resolubilidade (Nelson, Folhes, & Finan, 2009).
As estratégias de enfrentamento ou coping consistem em um conjunto de esforços (comportamentais,
cognitivos e emocionais) utilizados com o objetivo de lidar com acontecimentos específicos, que
surgem em situações de estresse e sobrecarregam os recursos pessoais e/ou coletivos. No contexto
comunitário, esse tipo de ação ou atitude pode acontecer em diversos níveis, seja no âmbito pessoal,
familiar, entre amigos ou grupos específicos e até mesmo institucionais (Lazarus & Folkman, 1984).
Nesse sentido questiona-se: Quais são as estratégias de enfrentamento adotadas pelos moradores da
Comunidade do Dendê frente aos problemas que vivenciam e impactam nas suas condições de saúde?
Assim, o objetivo do presente estudo foi identificar as estratégias de enfrentamento dos problemas
que interferem nas condições de saúde adotadas por moradores de uma comunidade socialmente
vulnerável.

2 Metodologia

Pesquisa qualitativa, na modalidade participante, realizada em Fortaleza-Ceará-Brasil, de janeiro a


julho de 2016. Participaram do estudo 31 informantes-chave (IC) residentes na comunidade do Dendê,
com idades de 18 a 80 anos, sendo 24 mulheres e 7 homens, a maioria com mais de 30 anos de moradia
na localidade, tendo sido indicados por nove Agentes Comunitários de Saúde (ACS) atuantes no bairro.
Para a coleta de dados, foram realizadas caminhadas de rua e entrevistas individuais semiestruturadas
com todos os IC, em dias e horários pré-agendados. Estes instrumentos foram aplicados pela
pesquisadora com cada um dos participantes e os dados foram registrados por escrito e gravados em
audio. Em seguida, foram realizados dois grupos focais (GF), com a prticipação total de 14 IC, para os
quais, utilizou-se um roteiro com questões norteadoras sobre as estratégias de enfrentamento dos
problemas da comunidade que interferem nas condições de saúde. Cada GF teve duração média de 2
horas, tendo ocorrido em uma sala preparada com material para gravação em audio e vídeo, em uma
Universidade próxima à Comunidade. Ambos os GF foram conduzidos pelas mesmas facilitadora e

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moderadora, as quais, registraram por escrito observações que julgaram pertinentes. Concluiu-se a
coleta de dados com base no princípio da saturação, quando a pesquisadora, com a continuidade das
entrevistas e dos grupos focais, não mais identificou novos dados ou ideias (Salgado, 2012).
Para proteger a identidade dos participantes, foram usadas letras e números da seguinte forma: as
letras “IC” - informante-chave - seguidas de números de 1 a 31. Assim, os participantes dos grupos
focais foram IC1 a IC14 e os que participaram somente da entrevista e caminhada de rua foram IC15 a
IC31.
Após a realização de todas as fases da Análise de Conteúdo na modalidade temática (Minayo,
Deslandes, & Gomes, 2013), pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados
(inferência e interpretação), emergiram, dos Grupos Focais, as seguintes categorias de análise: “ações
individuais ou familiares”, “ações coletivas” e “parcerias com segmentos públicos e privados”.
A interpretação dos resultados fundamentou-se na Hermenêutica e nas abordagens teóricas do
diagnóstico participativo (Chambers, 1994; Nelson, Folhes, & Finan, 2009), estas últimas por
possibilitarem enfocar a importância do papel da comunidade na identificação de problemas e nas
estratégias de enfrentamento.
A Hermenêutica foi adotada na interpretação dos dados por facilitar a compreensão da relevância da
participação dos moradores no diagnóstico participativo de maneira subjetiva e intersubjetiva, visto
que a compreensão é um processo hermenêutico que procura o sentido dos fatos humanos (Giacoia
Júnior, 2013). Na saúde, a perspectiva hermenêutica provê uma harmonia entre saúde e doença,
apontando ao ator social a necessidade de participação no processo de levantamento dos problemas
sociais que levam a condições de saúde deficientes. Assim, a participação social possibilita, além de
novos saberes técnicos e práticos, saberes voltados à importância do engajamento do sujeito em busca
de melhores condições de saúde para si e para a comunidade (Ayres, 2007).
Ressalta-se que tdos os preceitos éticos previstos para a realização de pesquisas com seres humanos
foram criteriosamente seguidos, conforme preconiza a Resolução no. 466/2012, do Conselho Nacional
de Saúde. Este estudo constitui recorte de uma pesquisa mais ampla, tendo sido aprovada pelo Comitê
de Ética da Universidade de Fortaleza sob o parecer no. 1.146837. É válido ressaltar que os resultados
apresentados neste artigo referem-se aos que foi expresso, principalmente, nos grupos focais.

3 Resultados e discussão

A saúde é definida pelos moradores como elemento essencial à vida, porém os problemas existentes
na comunidade trazem a sensação de adoecimento pela falta de boas condições, as quais são
expressas pela insuficiência dos serviços assistenciais à saúde; insegurança; falta de atividades de lazer,
esporte e cultura para jovens e crianças; baixo efetivo policial; violência local; uso de drogas ilícitas nos
espaços públicos; ausência de saneamento básico e condições ambientais que oferecem riscos à
saúde; infraestrutura pública deficiente, entre outros. Tudo isso faz com que a comunidade tente
solucionar ou minimizar os problemas por meio de iniciativas individuais ou coletivas, buscando o
apoio de instituições públicas e privadas para a melhoria das condições de vida.
Assim, o enfrentamento dos moradores do Dendê frente aos problemas da comunidade que impactam
nas condições de saúde albergam-se nas categorias apresentadas a seguir.

3.1 Ações individuais ou familiares

As ações individuais ou familiares constituem estratégias que partem de uma pessoa ou de um


pequeno grupo, sendo capazes de envolver uma maior quantidade de moradores. Muitas dessas ações
partem da criatividade e do empreendedorismo de alguns indivíduos e são inspiradas pela cultura e

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relações familiares. Nesse sentido, para os participantes deste estudo, mobilizações da comunidade
para comemorar datas festivas, além do estabelecimento de cooperação e de parcerias entre as
pessoas, representam estratégias que possibilitam a realização de ações sociais de ajuda para a
comunidade, melhor integração social e melhoria da qualidade de vida, como mostra o relato a seguir:
[...] eu faço lá [na comunidade] a festa do dia das mães... elas se juntam,
mesmo havendo umas que não falam com as outras. [...] Isso para ver se
consigo juntar as pessoas. Para o dia das crianças, a gente vai arrecadando
[comida, brinquedos, roupas]... para dar os presentes. Todo ano eu faço a
festa das crianças... Aí, eu faço parte do Banco do Nordeste, do Crediamigo,
de onde consigo dinheiro para a festa. [...] a gente vai comprando os
presentes e uma pessoa doa bombom, outra doa pirulito, às vezes quando a
gente pode, a gente compra presentes, compra bonecas, bolas e essas coisas.
Fazemos isso há uns cinco anos.... (IC2)
Os esforços dos moradores da comunidade do Dendê, na fala de IC2, demonstram estratégias de
enfrentamento na busca de amenizar situações estressantes comuns a bairros de periferia que
vivenciam problemas semelhantes, a exemplo das relações sociais, muitas vezes, conflituosas. Os
moradores acreditam que a promoção de ações sociais com a participação da própria comunidade
estimula a socialização, sendo vista como uma iniciativa positiva, uma vez que traz momentos de
alegria e de bem-estar emocional, impactando na boa convivência e na saúde mental dos indivíduos.
As ações sociais configuram-se como relevantes ajudas mútuas para as famílias carentes, assim como
ampliam os sentimentos de valorização e de respeito, necessários para o enfrentamento dos
problemas cotidianos. Chaves et al., (2000) referem que a capacidade de enfrentamento ou “coping”
está associada a fatores da personalidade, sendo a cooperação uma estratégia apropriada para
responder e manejar os recursos acessíveis no ambiente social, gerando satisfação, bem-estar e
regulação dos efeitos negativos dos agentes estressores.
Outras iniciativas relatadas pelos participantes foram: o bazar realizado na comunidade, como uma
opção de acesso dos moradores a bens materiais com preços acessíveis; e o incentivo à leitura, a partir
do empréstimo de livros a todos, o que pode ser um investimento para enriquecer o conhecimento.
Na fala a seguir, ilustram-se esses tipos de atividades:
As minhas tias sempre organizam bazar, elas fazem festa junina e meu primo
faz a festa de Natal para as crianças... Inclusive, até a minha tia que agora é
agente de saúde, ela fez uma geloteca lá na rua. Uma geloteca é uma
geladeira velha cheia de livros que as pessoas podem pegar para ler e, depois,
devolver... É melhor do que o menino ficar só brincando ou correndo... (IC8)
As estratégias referidas pela moradora referem-se a dois modos criativos de reunir pessoas e favorecer
a equidade social, além de auxiliar no enfrentamento das condições precárias em que vivem. No bazar,
é possível gerar renda e ampliar as oportunidades de compra, oportunizando, ainda, o
reaproveitamento ou a reciclagem de produtos que poderiam ter sido eliminados no lixo. A geloteca,
além de reunir pessoas, incentiva a leitura e propicia o aumento do nível de conhecimento e de cultura.
Ações que possibilitem que o indivíduo melhore as suas relações próximas, no intuito de diminuir o
estresse, criar condições de acesso à leitura e ao desenvolvimento pessoal e social, que oportunizem
a obtenção de recursos, apoio social e suporte são fundamentais para superar as desigualdades
(Martins, 2006). A capacidade de organização da sociedade civil cresce à medida que se eleva o grau
de instrução, a renda per capita e a estabilidade democrática, possibilitando a existência do aumento
de associações e de grupos de caráter voluntário.
O voluntariado de mulheres da comunidade que acolhem em suas casas os filhos das mulheres
trabalhadoras mostra-se como uma alternativa na falta de creches e berçários acessíveis a essa

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população. Nesse contexto, as igrejas também contribuem com serviços que auxiliem as pessoas,
como mostram os relatos:
Eu gosto muito de ajudar as pessoas. A maioria das minhas vizinhas trabalha
e eu gosto de ficar com os filhos delas... [...] Esta semana, um rapaz da igreja
evangélica veio lá na baixada, aí teve corte de cabelo, teve um monte de
coisas lá. (IC14)
[...] eu tenho um trabalho de evangelização dentro de casa. No mês de maio
rezamos o terço os trinta dias e concluímos com a coroação [de Nossa
Senhora]. Então, eu tenho uma média de trinta a quarenta pessoas todo dia
na minha casa para rezar e, assim, tudo que eu quero eu conto com esse
grupo... (IC10)
Trabalhar voluntariamente nem sempre acontece porque a pessoa tem muito dinheiro, mas por
solidariedade ao próximo. O fato de as vizinhas cuidarem dos filhos daquelas que trabalham fora
assegura o acesso ao emprego e à renda para a sobrevivência de algumas famílias. Esse tipo de ação é
muito comum nos bairros menos favorecidos economicamente das cidades brasileiras, uma vez que
não há creches ou escolas acessíveis a essa população. Ademais, as trabalhadoras remuneram, mesmo
que de forma muito precária, as vizinhas cuidadoras dos seus filhos, além de deixarem nas suas casas
a alimentação das crianças, para que isso não gere despesas à amiga que lhe presta esse serviço.
A utilização de práticas religiosas é também uma forma de enfrentamento para os problemas da
comunidade, além de estarem relacionadas à socialização, ao maior apoio social e a uma melhor saúde
mental. Por meio dessas ações, há momentos de cooperação entre as pessoas da comunidade que se
traduzem na formação de grupos de apoio aos moradores, em grupos de oração, entre outras
atividades, fazendo com que os participantes apresentem maior bem-estar psicológico, menor
prevalência de depressão, redução do uso de drogas e a diminuição de comportamentos suicidas
(Alves, Tenório, Anjos, & Figueroa, 2010).
Além das atividades mencionadas, os jovens se beneficiam de ações realizadas para o estímulo à
prática de esportes, as quais são realizadas em ambientes institucionais (escolas, Universidade,
equipamentos da Prefeitura) e refletem no cotidiano da comunidade:
Não tem mais projeto de esporte... tem um acho que só de judô na escola...
aí alguns meninos se interessaram e já ganharam até campeonato... tinha
essa iniciativa nessa quadra que eu falei, onde havia professores específicos
para cada esporte, tinha um espaço que era só para luta, tinha basquete,
vôlei de praia e tudo. Isso era ótimo para os jovens. (IC12)
O incentivo à prática de esportes em uma comunidade com diversas fragilidades constitui uma
excelente estratégia de enfrentamento para lidar com problemas e promover a criação de medidas de
controle comportamental, além de tornar eficaz o combate à violência.
Silva, Cotta, & Rosa, (2013) realizaram um estudo sobre estratégias de enfrentamentos das doenças
crônicas, apontando que experiências comunitárias bem-sucedidas são importantes para estabelecer
propostas para a implementação de políticas mais efetivas, o que se relaciona muito bem com os
achados deste estudo, onde, segundo os moradores do Dendê, as experiências comunitárias que
realizam possibilitam parcerias, cooperação, felicidade, melhor qualidade de vida e de saúde, além da
obtenção de meios para o enfrentamento das dificuldades.

3.2 Ações coletivas


As associações e o apoio estabelecido entre os moradores e algumas organizações sociais em busca de
soluções para determinados assuntos da comunidade formam grupos maiores e viabilizam o

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atendimento de necessidades diversas e mais amplas, com especial atenção às carências de saúde
associadas às de origem socioeconômica:
[...] de terça-feira em diante as ONGs ajudam as crianças. Se você tiver
precisando de um remédio, e se for muito caro, eles vão lá e olham. [...] Aí, é
só levar a receita... dependendo do dinheiro que o membro da ONG tiver,
quando é de tarde ele já traz [o remédio] ou então no outro dia. (IC2)
O relato acima mostra que os moradores têm consciência sobre a importância do envolvimento social,
das redes sociais e de apoio nos locais onde vivem, sendo esta uma possibilidade de enfrentamento
dos problemas locais. O envolvimento em encontros sociais articula moradores na construção e no
empoderamento individual e coletivo, fortalecendo suas lutas por melhores condições de vida e de
saúde.
Ademais, a participação dos moradores em eventos sociais comunitários oportuniza conhecer o seu
território de forma ampla, trazendo suas falas mais importantes, priorizando os seus problemas e
trabalhando melhores maneiras de mudança do cenário. A falta de redes de apoio social e de
estratégias de enfrentamento pode refletir negativamente nos aspectos social, econômico e na própria
saúde da comunidade.
Nesse contexto, o trabalho comunitário, para alguns moradores, é um ingresso para tornar-se membro
ativo da comunidade:
[...] eu fiz parte de uma equipe que construiu uma igreja católica, [...], e aí
com a construção da igreja foi que eu passei a ser um membro ativo da
comunidade, porque eu visitei toda a comunidade, todos os apartamentos,
todas as casas e conseguimos que essa igreja fosse erguida... (IC10)
O trabalho voluntário nas comunidades brasileiras vem crescendo ao longo do tempo como uma forma
de cooperação e de participação social. Esse tipo de ação amplia o empoderamento dos participantes,
além de gerar um sentimento de pertencimento e de corresponsabilização com relação à resolução
dos problemas da localidade em que vivem. Salazar, Silva, & Fantinel, (2015) ressaltam a importância
do trabalho voluntário por este ajudar na construção do bem comum, assim como na motivação ética
para direcionar as pessoas no trabalho voluntário e na participação ativa e, criticamente, na
democratização efetiva do Estado nos aspectos sociais, políticos e econômicos.
Nesse contexto, os espaços das igrejas tornam-se oportunos para os jovens e adultos que podem se
envolver em ações que lhes mantenham ocupados de forma prazerosa, desviando-os de ingressarem
em situações de risco das mais diversas naturezas:
A igreja agora está abrangendo muitas coisas boas e arrecadando muitos
jovens também. Eu tinha um sobrinho que era rebelde e agora ele está na
igreja. Ele toca bateria. Os meninos ficam chamando ele para fazer outras
coisas, mas ele diz que não vai, pois prefere ir à igreja. (IC14)
A busca do bem-estar físico, psicológico e emocional no espaço da igreja está relacionada, na maioria
das vezes, ao enfrentamento de problemas. A religião disponibiliza várias estratégias de “coping”
(Mota, Trad, & Villas Boas, 2012), uma vez que a igreja é uma instituição confiável da sociedade e, por
isso, exerce um poder resultante de todo um processo ideológico e histórico (Azevedo, 2004).
Entretanto, os moradores precisam se apropriar mais desse aspecto, visto que a falta de consciência
dessas pessoas sobre as contribuições da religiosidade na pacificação comunitária faz com que algumas
práticas implementadas por autoridades religiosas locais para a redução da violência e dos conflitos
não contem com ampla participação da comunidade:
Antes de ter esse negócio de participação no bairro, chegou um pastor lá no
bairro... Aí, ele juntou todas as pessoas que eram de gangues e fez uma
caminhada para eles ficarem em paz, acho que durou um mês, dois mês. Aí,

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quando que eles passavam nas ruas, o pastor pedia ajuda para fazer alguma
coisa para ocupá-los na igreja. O pessoal do bairro não entendia bem essa
atitude do pastor... (IC14)
É importante ter membros na comunidade que estimulem o interesse dos moradores na realização de
trabalhos comunitários para o desenvolvimento local. São esses tipos de atitudes positivas que criam
ambientes de apoio necessários para o aparecimento de políticas que contribuam para melhores
condições de saúde e qualidade de vida. A fala de IC14 traduz a iniciativa de um membro religioso em
reunir moradores para mudar a vida de pessoas vítimas de exclusão social; porém também mostra que
outros membros da comunidade não empreendem esforços para retirar pessoas de situações de risco.
Selli, Garrafa, & Jungles, (2008) consideram a ação social voluntária como elemento agregador no
desenvolvimento da justiça social, o que, a partir deste estudo, será reforçado junto à Comunidade do
Dendê, no sentido de buscar a promoção de mudanças e melhorias.
3.3 Parcerias com segmentos públicos e privados
Na proximidade da Comunidade há muitas instituições que são órgãos públicos ou privados,
viabilizando o estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento da região e o enfrentamento dos
problemas. Esta comunidade conta com um serviço de saúde gratuito, conveniado ao Sistema Único
de Saúde (SUS), que constitui um espaço de ensino e atenção à saúde mantido por uma Universidade
Privada localizada nas proximidades do Dendê, o que favorece o acesso dos moradores a consultas
especializadas:
Eu gosto muito desse serviço e agradeço, porque há treze anos que meu
marido teve um AVC [Acidente Vascular Cerebral] e fez todo o tratamento lá.
Está com cinco anos que ele parou de fazer fisioterapia, fono e terapia
ocupacional porque ele não quer mais. Mas, ele continua sendo
acompanhado por um professor na piscina [da unidade de saúde]... Graças a
Deus, ele tem cardiologista, tem neurologista. (IC6)
A fala de IC6 demonstra o reconhecimento da moradora a um segmento privado que oferece
atendimento gratuito e apoio à comunidade, disponibilizando serviços especializados próximos ao
domicílio. A utilização do modo de “coping” vai depender dos recursos disponíveis e das forças que
coíbem a utilização destes recursos (Chaves et al., 2000). Neste caso, conta-se com uma Instituição
privada que, por meio de recursos próprios e associações com as Secretarias Municipal e Estadual de
Saúde, oportuniza a minimização das dificuldades de acesso da população aos serviços de saúde,
assunto tão recorrente nas falas dos moradores.
Na percepcao da comunidade o lazer reproduzido na prática de esportes voltado para crianças e jovens
contribui para a saúde, além de propiciar a algumas pessoas uma carreira exitosa:
A Universidade faz de tudo, pois ajuda desde as crianças menores até as
maiores [incentiva a prática de esportes]... Acho que essa contribuição é
muito grande para todo o bairro, porque tirou muita gente da rua, da prática
criminosa, das drogas. Um amigo meu hoje em dia é atleta brasileiro e já
competiu em outro país... se destacou e ganhou bolsa de estudo por causa
disso [do esporte]. Acho que o esporte contribui muito para a saúde. (IC12)
A instituição citada por IC12 oferece acesso ao lazer e a oportunidades para a melhoria da condição de
vida da população, tudo isso por meio da prática de esportes, de ações educativas e culturais que
englobam crianças, jovens e adultos. Para Santos, Pais-Ribeiro, & Guimarães, (2003), o lazer é capaz
de gerar mecanismos de “coping” que facilitam lidar com os problemas desencadeadores de estresse.
Estes autores ainda defendem que as concepções de “coping” decorrentes do lazer têm um significado
positivo para a saúde, seja na sua componente física ou mental, o que também repercute na redução
dos níveis de depressão, estresse e ansiedade.

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Em síntese, verificou-se que a parceria estabelecida entre a Comunidade do Dendê e a Universidade


Privada volta a atenção aos serviços de saúde e às atividades de lazer como os principais benefícios
para usufruto pela comunidade: “Sem a Universidade, não teria saúde, não teria atendimento
odontológico, não teria lazer.” (IC12)
A escola de educação básica mantida por esta Universidade privada oferece educação gratuita aos
moradores da comunidade e aos filhos de funcionários, constituindo outro equipamento de apoio e
responsabilidade social. Neste estudo, mesmo diante da importância dessa iniciativa, o
reconhecimento dos moradores recaiu principalmente sobre os benefícios voltados à saúde e ao lazer.
Isso mostra a necessidade de uma maior apropriação dos moradores sobre todas as oportunidades
que são ofertadas pela Universidade e por outros serviços no entorno da comunidade, uma vez que a
saúde, a educação e o lazer são fundamentais para uma melhor qualidade de vida.
Além de ser reconhecida pelos serviços que presta à comunidade, a Universidade privada é vista como
geradora de empregos diretos e indiretos, sendo considerada como uma instituição que oferece amplo
amparo aos moradores: “A Universidade é o pai e a mãe da gente, tudo o que a gente procura
tem...esporte, lazer, saúde. A maioria do pessoal aqui [da Comunidade] é empregado lá...” (IC14)
A importância da relação da comunidade com instituições públicas e privadas locais proporcionam
maior conforto aos moradores por estas contribuírem com a prestação de serviços de maior qualidade.
Isto reflete na melhoria das condições de saúde e na geração de empregos, os quais funcionam como
ativadores da atividade econômica. Porém, as ações oferecidas por entidades privadas destacam-se
na ótica dos moradores do Dendê, uma vez que elas muito contribuem com a dinâmica social da
comunidade, além de gerar benefícios na área de responsabilidade fiscal para as instituições. Os
informantes-chave não mencionaram nenhum tipo de parceria com as instituições públicas próximas
à comunidade.
Para a população de uma determinada localidade, poder contar com o apoio de uma instituição de
forma perene tem um significado que remete à maior tranquilidade no provimento de benefícios,
quando se compara a outros locais que não dispõem dessa alternativa. Costa & Vieira, (2013)
definem o apoio social como gerador de informações, em que a ajuda material oferecida por grupos e
ou pessoas que mantêm contato sistemático com um indivíduo repercute no aspecto emocional e
comportamental, sendo beneficiados ambos os lados.

4 Conclusões

O diagnóstico realizado nesta pesquisa propiciou conhecer as estratégias de enfrentamento dos problemas
que interferem nas condições de saúde adotadas pelos moradores da Comunidade do Dendê, o que possibilita
intervir de forma personalizada sobre o que é importante para o território em suas especificidades. As
pessoas tomadas pelas diversas situações de risco foram capazes de identificar os pontos críticos da
localidade em que vivem, associaram-nas às suas prioridades em saúde e mostraram como enfrentá-
las. A participação social permitiu a discussão dos desejos e expectativas dos informantes-chave em
relação às melhorias das condições de saúde, as quais se relacionam a outras necessidades de
melhoria: do poder aquisitivo, da qualidade de alimentação, da educação, do ambiente (tornando-o
saudável e sustentável), da justiça social, da cultura de paz e da redução da diferença de
oportunidades; uma vez que todos esses aspectos propiciam um estado de saúde diferente entre os
cidadãos, em termos negativos, se comparado a quem tem estes requisitos que favorecem a qualidade
de vida.
O conhecimento dos problemas apontados nesta pesquisa e dos seus impactos sobre as condições de
saúde dos moradores do Dendê, associados aos sentidos atribuídos à saúde por essa população, aos
sentimentos diante desses problemas e do conhecimento das estratégias de enfrentamento adotadas,

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mostram a necessidade de elaboração de políticas públicas e de efetivação das já existentes, em que


a prioridade da agenda seja modificar a condição de vida dessa população. Nesse sentido, o olhar dos
moradores trouxe maior propriedade e aprofundamento para o diagnóstico e auxiliará na propositura
de estratégias mais diretivas e resolutivas para a melhoria das condições de saúde dessa comunidade.
Ressalta-se que a estratégia adotada neste estudo é replicável para muitas outras realidades, uma vez
que favorece a busca de alternativas de resolubilidade mais eficazes, a partir da valorização do olhar
dos indivíduos que vivenciam determinadas situações.

Referências

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