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Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem – o Modelo


Estrutural Dialético dos Cuidados (MEDC)

Chapter · January 2016

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Jose Siles
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este capitulo, conferido por mim nesta data
Alicante, 15 de Diciembre de 2015

José Siles
Autor/colaborador
Capítulo 13

Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em


Enfermagem – o Modelo Estrutural
Dialético dos Cuidados (MEDC)
Aut.: José Siles González

Introdução
Um dos objetivos deste capítulo consiste, em primeiro lugar, em descrever as exigências pre-
cisas para a existência da história da enfermagem. Também se pretende esclarecer o processo de
interpretação conceitual desse campo de estudo como passo prévio e necessário a qualquer viés
de investigação. Nessa mesma linha, serão explicados os diferentes métodos e técnicas aplicáveis,
bem como as características do modelo estrutural dialético dos cuidados como ferramenta idônea
para a ordenação e análise dos dados na história cultural da enfermagem.

O Princípio do Itinerário Pesquisador: A Pertinência


Teórico-metodológica
A Enfermagem, como toda disciplina social, tem que garantir de antemão a adequação de suas
categorias ao objeto, porque, do contrário, os esquemas de ordenação resultantes não terão uti-
lidade alguma (HABERMAS, 1991). Um das complicações onipresentes no desenvolvimento da
enfermagem apoia-se na dissociação teórico-prática. Esse divórcio, que pode resultar abstrato em
primeira instância, tem suas repercussões específicas e imediatas em todos e cada um dos âm-
bitos da profissão. A causa dessa falta de harmonização teórico-prática é múltipla; e, portanto, o
processo neutralizador de tão inoperante e dicotômica situação deve ser produto da ocorrência de
diferentes fatores. Mas a natureza epistemológica do problema, em seu nível primário, está fora
de toda dúvida. Por isso, pode-se afirmar que:

√√ O conflito teórico-prático funde suas raízes na desorientação epistemológica e histórica


imperante na disciplina da enfermagem;

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Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

√√ Essa confusão histórico-epistemológica contribui para a adoção de erros durante o pro-


cesso de adoção de teorias e métodos válidos para as ciências da enfermagem em geral e
para sua história em particular;
√√ a falta de fundamentos específicos que se baseiem na natureza do conhecimento episte-
mológico e histórico da enfermagem dificulta a construção/adoção de modelos.

Tudo isso tem como consequência a ausência do princípio da pertinência metodológica, isto
é, a falta de coerência entre o paradigma de partida, o sistema conceitual, as teorias, os modelos,
os métodos, as técnicas e a natureza do caso investigado. A reflexão histórico-epistemológica con-
tribui para potenciar tal princípio, mediante a vinculação entre as características do problema de
estudo – incluindo seu contexto histórico-cultural – e a eleição do paradigma adequado, salva-
guardando a coerência entre as teorias, os modelos e os recursos metodológicos.

Requisitos para a Existência da História


A história da enfermagem não pode limitar-se ao estudo dos fatos implicados no intervalo
saúde-doença ou nos documentos empilhados em centros de arquivos. Os acontecimentos
constituem situações particulares, e a história baseada exclusivamente neles não seria de
grande utilidade na hora de analisarem-se os fenômenos em profundidade, dado que, para
reconhecer historicamente uma atividade, devem-se pressupor os conceitos de identidade
comunitária, identidade nacional e identidade global (na humanidade). Isto é, para que seja
possível falar de história da enfermagem e estudar e investigar essa disciplina, é preciso que
ela seja uma operação legitimada e, portanto, que seja desempenhada (a identificação é uma
consequência da práxis; nesse caso, o exercício do cuidado através do tempo nas distintas
culturas) nos três níveis seguintes: na comunidade, em nível nacional e, por último, em sua
globalidade, ou seja, na humanidade. Como desdobramento desse reconhecimento social, o
coletivo da enfermagem desenvolve uma identidade própria por meio de uma prática so-
cial, reconhecida e valorizada. Para tanto, é imprescindível que esse grupo desenvolva uma
consciên­cia histórica comum ou um autorreconhecimento comunitário, derivando daí condi-
ções ou mecanismos de controle social das atividades profissionais.
Também, para que se desenvolva a história da enfermagem, é necessário que se cumpram
três requisitos:

√√ Continuidade (conexão de acontecimentos);


√√ Coerência da conexão (relação dessa ligação com algo ou alguém que dê aos aconteci-
mentos coerência específica);
√√ Interpretação dos fatores anteriores (hermenêutica), dando lugar à compreensão e con-
ceituação do conjunto de conexões, que acabam tomando forma e significado.

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Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

Processo de Interpretação
(Conceituação, Compreensão e Significado da História da Enfermagem)
Uma vez identificadas e definidas as atividades da enfermagem através do tempo, conta-se,
portanto, com a possibilidade de armazenamento de grande número de feitos, informações e rea­
lidades úteis para o início do processo de construção histórica. É fundamental que se concentre
a busca de fontes (heurística) em relação a um problema específico (objeto). A partir do material
coletado, tem lugar a interpretação (hermenêutica) dos dados. O principal resultado dessa etapa
interpretativa se constitui, por um lado, na conceituação e, por outro, na compreensão de todos os
fenômenos implicados na prática de cuidar e seu significado como entidade histórica.
A compreensão da história da enfermagem deriva da ordem, unidade de diversos aconteci-
mentos. Os fatos não são percebidos como superiores em si mesmos, não mais que elos da grande
cadeia, e sim como uma função dentro de um todo ou como uma parte de um todo composto por
uma série de elementos e fatores constituintes de um sistema coerente.
Constatada a existência da enfermagem, o objetivo essencial da sua pesquisa histórica consiste
em oferecer explicações sobre o “porquê” de tal existência. A essa questão preliminar, que dota
de sentido/significado o fenômeno, seguem outras, exigindo a explicação de por que existe essa
profissão em determinadas condições. Pela perspectiva hermenêutica, é possível chegar-se a um
esclarecimento sobre o caso estudado.
Como um exemplo, tem-se a investigação histórica da divisão genérica da enfermagem em
dois blocos com características distintas após a Reforma Religiosa. Esse movimento reformista foi
interpretado e explicado de muitas maneiras, não exclusivamente sob a ótica religiosa, devido aos
diversos reflexos na sociedade. O entendimento de suas várias causas e consequências é pertinente
à história da enfermagem, pois tem efeito direto na profissão.

A Pesquisa na História da Enfermagem


É impossível fazer referência à pesquisa sem que se aluda ao método científico. Pode-se afirmar
que, entre a pesquisa histórica e o conhecimento resultante desse estudo, encontra-se o método
utilizado para a ação pesquisadora.

Investigação Método Conhecimento histórico


histórica histórico relativo à história da enfermagem
Quadro 1: Relação entre investigação, método e conhecimento histórico. Fonte: Adaptado de Siles (2011).

Para produzir conhecimento em uma determinada disciplina, é imprescindível o desenvolvi-


mento da atividade pesquisadora, para a qual é preciso organizar o modo de realizar tal tarefa. A
essa forma determinada de estruturar o processo de investigação dá-se o nome de método, que

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Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

significa caminho, guia para orientar a pesquisa de maneira organizada, isto é, com critérios e nor-
mas. A ordenação é imprescindível para que o método seja sistemático e constitua a base adequada
para produzir o saber histórico de uma área profissional.
Método tem sido definido de muitas maneiras:

√√ Hierarquização ou estruturação do processo de busca de conhecimento;


√√ “Conjunto de procedimentos pelos quais se apresentam problemas e se põem à prova tan-
to as hipóteses como os instrumentos de trabalho investigativo” (TAMAYO, 1981, p. 38).

A investigação histórica está submetida a um processo de desenvolvimento praticamente idên-


tico ao de qualquer outro tipo de pesquisa. Portanto, a forma de estruturar esse processo será
também idêntica, salvo as variações impostas pelo contexto do problema histórico em questão. Em
última análise, utiliza-se um método suficientemente genérico e flexível, que se resulte adaptável
– e, portanto, eficaz – a situações particulares e diferentes.
Em qualquer trabalho histórico, a primeira coisa a fazer é apresentar um problema, ou seja,
perguntar-se sobre um aspecto totalmente desconhecido da história da enfermagem, cujo caso po-
deria iniciar a investigação em múltiplas direções e proporcionar algo novo à construção historio-
gráfica. Mas, assim como no resto das ciências, em história, é muito mais comum a apresentação
de problemas ou partes desconhecidas de um problema já estudados a partir de outras perspectivas
(setoriais, cronológicas, temáticas etc.). Quanto mais desenvolvida está uma disciplina, mais difícil
é lançar inovações de caráter geral.
A escassa estruturação da historiografia enfermeira espanhola – devido à recente constituição
da história da enfermagem – permite a realização desse tipo de contribuição pioneira, que orienta
e ilumina o caminho de trabalhos posteriores.
O planejamento metodológico supõe o seguinte desenho de investigação: fundamentação teó­
rica do problema; formulação das hipóteses; revisão bibliográfica necessária para elaborar-se o
estado da questão; descrição da importância do trabalho para a temática escolhida de acordo com
a constatação alcançada sobre o objeto de estudo.

Definição do problema

Desenho (planificação/projeto)

Recolhimento de dados

Análise e tratamento de dados:


– validação
– informe
Quadro 2: Fases do método histórico. Fonte: Adaptado de Topolski (1985).

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Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

Técnicas Qualitativas e Quantitativas para História da Enfermagem


A classificação das técnicas é tão diversa que seria absurdo pretender uma taxonomia total
convertida a um ponto absoluto de referência para todos os pesquisadores. Contudo, parece que
quase todos estão de acordo em dividi-las em dois grandes grupos: qualitativas e quantitativas. As
primeiras são aquelas que transformam os feitos históricos em descrições, narrativas e categorias
conceituais (análises filosóficas, análises de conteúdo etc.) e não são suscetíveis à medição numé-
rica. As da segunda categoria são aquelas que transformam os feitos em dados ponderáveis nume-
ricamente, em valores ou magnitudes que possam ser tratados como séries numéricas (dados ou
magnitudes mensuráveis numericamente).

QUALITATIVAS

Observação Documental
–– Arquivo (atas/formulários/relatórios: regulamentações normativas, legados, livros de folhas
de pagamento, inventários, livros contábeis etc.)
–– Imprensa
–– Publicações oficiais, profissionais, escolares etc.
–– Textos bibliográficos
Técnicas Arqueológicas

Técnicas Textuais – filológicas e biográficas


–– Análises de conteúdo
–– Crítica histórica e linguística
–– Biografias
–– Histórias de vida
–– Relatos de vida
Investigação Oral
–– História oral
–– Questionário
–– Entrevistas semiestruturadas, com foco ou abertas, estudo de caso etc.
–– Observação participante
–– Dinâmica de grupos (grupos de discussão)
QUANTITATIVAS
–– Tabulação e indexação
–– Estatística (descritiva e inferencial)
–– Análise textual quantificada
–– Técnicas gráficas
Quadro 3: Técnicas de investigação histórica. Fonte: Adaptado de Aróstegui (2001).

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Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

História Oral e Enfermagem


Antes de entrar em detalhes, é preciso que se delimitem dois aspectos da história oral: a oralidade
é um tipo determinado de acesso ao elemento histórico e as fontes orais compreendem um material
de trabalho inevitável para os historiadores. Essa atividade historiográfica é, portanto, um método
qualitativo que utiliza fontes orais (THOMPSON, 1988) e também uma técnica utilizada para obter
e rentabilizar relatos coletados. Pode ser considerada como uma setorização da historiografia, uma
especialidade temática e, inclusive, uma especialização cronológica. Isso vem a confirmar que a histó-
ria oral vai mais além da divisão metodológica, ultrapassa a discussão teórica sobre a disciplina para,
finalmente, chegar ao encontro de uma parte substantiva do estudo da história.
Uma de suas características mais peculiares reside no fato de que os próprios pesquisadores
elaboram suas fontes. Com isso, a história oral torna-se uma atividade muito próxima do campo
sociológico e antropológico, situando-se fora do âmbito geral da historiografia – o qual não resulta
da construção das próprias fontes. Em consequência disso, têm-se encontrado muitas concomi-
tâncias entre a história oral e a sociologia/antropologia (a pesquisa, a observação do participante
etc.); todavia, a história oral tem caráter e objetivos muito mais sintéticos e globalizantes do que
as outras ciências mencionadas.
A história oral, denominada por alguns autores como “a história feita de baixo” (FRASER, 1993)
se ocupou das esferas que a historiografia tradicional deixou sem voz: grupos marginais, analfabe-
tos, atividades cotidianas realizadas por pessoas anônimas, ofícios e profissões que formam parte da
rotina diária da sociedade etc. Com isso, contribuiu para o desenvolvimento de especialidades histo-
riográficas, como a história de gênero, a história local, a história das mentalidades etc.
O instrumento básico da história oral é a pesquisa oral, uma técnica qualitativa que tem os
problemas próprios do distanciamento, mas que permite tratamentos posteriores tão qualificados
como a análise de conteúdo. Essa vertente de abordagem histórica tem certas similitudes com
outra técnica denominada “História de Vida”, que é, basicamente, a narração da vivência de uma
pessoa realizada por ela mesma, podendo ser escrita ou oral. O material biográfico aproxima-se da
historiografia; contudo, a principal diferença entre história oral e história de vida, mesmo sendo,
hoje, um tema muito controvertido, consiste na globalidade da primeira e no maior nível de es-
pecificidade da segunda.
O avanço tecnológico exerceu grande influência na metodologia histórica, e a história oral
começou a difundir-se entre os historiadores a partir do desenvolvimento das fitas de áudio, na
Segunda Guerra Mundial. Na década de 1970, ela generalizou-se nos Estados Unidos, sendo uti-
lizada, fundamentalmente, em estudos sobre a história da família, a história das mentalidades, a
história de grupos marginalizados socialmente e, em última análise, para todos aqueles campos
suscetíveis de articulação com a História Social.
A história oral é uma ferramenta de primeira magnitude para abordar temas tais como: as
experiências pessoais, os sentimentos e os fatos mais cruciais ou mais vãos por parte da gente que,
tradicionalmente, careceu de voz histórica. Essa técnica tem sido utilizada nos Estados Unidos

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Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

para resgatar e armazenar as histórias íntimas que refletem as emoções de pessoas internadas em
hospitais, com a finalidade de diminuir o distanciamento entre o sistema hospitalar (burocratiza-
do, impessoal e repleto da tecnologia mais sofisticada) e as necessidades mais particulares das pes-
soas, evitando a desorientação e a ansiedade causadas pela súbita institucionalização do indivíduo
em um “habitat” estranho.
Atualmente, a existência de diversas associações de História Oral mostra o nível de desen-
volvimento alcançado por essa área tão peculiar. Organizações de âmbito internacional, como
International Association of Oral History e Michigan Oral History Council, avalizam a progres-
siva estruturação da disciplina. Na Espanha, celebram-se, anualmente, jornadas de História Oral
patrocinadas pela Fundação Santa Teresa (Ávila). Os trabalhos apresentados contam com a enor-
me vantagem de poderem ser publicados em revistas espanholas e/ou estrangeiras especializadas
nesta temática: História e Fonte Oral.
Nesse mesmo país, dentro do contexto da enfermagem, existem iniciativas de potenciação da
história oral, como o projeto “Arquivos da Memória”, da Fundação Index de Enfermagem, cujo
objetivo é resgatar os testemunhos orais de pessoas que viveram situações de saúde-doença, a
partir de diferentes perspectivas (pacientes, cuidadores, familiares etc.). Desse modo, é possível
conhecer os significados experimentados pelos diferentes sujeitos envolvidos: a experiência de um
doente agredido no serviço de urgências (SERRANO, 2006), o relato autorreflexivo das vivências
de uma supervisora sobre seu trabalho (CIDONCHA, 2006) ou o resgate da vida profissional de
um enfermeiro em sua zona rural de trabalho (ARBOLEDAS, 2005).
Outra iniciativa similar é a patrocinada pela revista espanhola Cultura dos Cuidados em sua
seção “Fenomenologia”, em que são publicados depoimentos sobre experiências de vida e saúde,
tanto em forma de narrações literárias como pelo emprego de metodologia fenomenológica e
histórica. Assim, podem ser consultados diversos relatos, desde um paciente que explica subje-
tivamente os motivos pelos quais pede alta para abandonar o hospital após sofrer um infarto de
miocárdio (TATO, 19997) até as reflexões de uma jovem modelo que acabou de realizar mastec-
tomia (FERNÁNDEZ, 1998).

Uma Forma de Agir em História Oral


O fundamental a considerar quando se elabora um projeto de história oral é o caráter subje-
tivo, pessoal e íntimo das memórias e opiniões dos sujeitos com o objeto de estudo, o que afeta
tanto os objetivos como as limitações da pesquisa. O principal valor desse método não está em
conceder validade e crédito a um evento específico, e sim em captar o significado e a interpretação
que um indivíduo constrói em relação a um dado acontecimento, em todas as suas dimensões (as
dimensões percebidas pelo sujeito estudado).
O grande problema da história oral consiste na dificuldade de sua objetividade, na sua exaus-
tividade, na transcrição correta, na dinâmica estabelecida entre entrevistador e entrevistado e na
complementaridade com outras fontes (ARÓSTEGUI, 2001).

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Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

O Projeto de História Oral e Suas Fases


O projeto é um guia ou uma orientação sobre a forma de levar a cabo o trabalho, mediante o
estabelecimento de fases ou passos, material humano e técnico a utilizar e instrumentos de ava-
liação e validação da pesquisa.

I – Sujeitos que Devem Ser Entrevistados

a) Decidir quais indivíduos serão entrevistados tendo em conta o tema foco do projeto.
Por exemplo, entrevistar profissionais aposentados, enfermeiras de hospitais urbanos,
parteiras em centros rurais etc.
b) Priorizar as entrevistas: quais devem ser realizadas primeiro, em função da relevância
dos sujeitos com relação aos objetivos do projeto, das condições físicas dos entrevistados
(pessoas muito idosas), da disponibilidade das pessoas etc.
c) Determinar os mecanismos apropriados para contatar os entrevistados potenciais e re-
querer sua participação.

II – Preparação das Entrevistas (Linhas Principais ou Esboço)

a) Traçar as linhas principais da entrevista de acordo com o foco/tema do projeto, adaptan-


do-a ao esquema biográfico do entrevistado e procurando utilizar uma linguagem clara
e sem ambiguidades.
b) Determinar como deve utilizar o registro elaborado para facilitar a entrevista. Por exem-
plo, adiantar uma cópia das questões fundamentais ao entrevistado para que ele prepare
melhor suas respostas e, inclusive, faça anotações para facilitar a memória de certos
acontecimentos; ou, ao contrário, não adiantar nenhum tipo de questão e desenvolver a
entrevista de forma que prime a espontaneidade.

III – Programa para o Uso de Material e Pessoal

a) Selecionar uma das formas de gravação de material (fitas de áudio, fitas de vídeo ou escrita).
b) Treinar os entrevistadores sobre o uso adequado do material.
c) Facilitar e garantir a devolução do material.

IV – Documentação para Uso das Fontes

a) E
laborar um documento para capturar o consentimento ou a renúncia para o uso do
conteúdo das entrevistas e explicitar, de forma clara, sob que condições se pode utilizar
ou não o citado material.

Um exemplo de trabalho historiográfico baseado, em grande parte, em métodos e fontes


orais é a pesquisa realizada sobre o movimento corporativista da enfermagem na Comunida-
de Valenciana (Espanha).

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Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

√√ Em primeiro lugar, foram selecionados os grupos suscetíveis de estudo, em função do


potencial de informação pertinente aos objetivos da investigação: enfermeiros práticos,
parteiras e enfermeiras que, além de experimentarem a socialização de suas respectivas
carreiras, integrariam associações relacionadas direta ou indiretamente com suas vidas
profissionais. Após a seleção dos entrevistados, foram priorizadas as entrevistas, tendo-
se em conta a idade e a potencialidade informativa, de acordo com o tema ou foco do
projeto. Em seguida, foram contatadas as pessoas selecionadas, pedindo-se tanto a sua
colaboração como o seu consentimento para que se pudessem utilizar os dados de acordo
com as condições estipuladas para a pesquisa.
√√ Em segundo lugar, foi elaborada a entrevista de acordo com os objetivos do projeto
– a enfermagem e o corporativismo na Comunidade Valenciana – e as características
biográficas do entrevistado, confeccionando-se um esquema suficientemente claro e
orientador para não deixar esquecida nenhuma questão relevante. Decidiu-se adian-
tar uma cópia do questionário ao entrevistado, para que ele tivesse tempo de refletir e
aprofundar em sua memória dados significativos. Por último, a entrevista foi realizada,
utilizando-se fitas de áudio e fitas de vídeo, em uma das aulas do Departamento de
Enfermagem da Universidade de Alicante (Espanha), durante a celebração da III Sema-
na da Saúde e no âmbito das atividades que estabeleceram o Seminário de História e
Antropologia dos Cuidados de Enfermagem. No transcurso da entrevista, procurou-se,
a todo o momento, flexibilizar o processo e facilitar o maior nível de espontaneidade e
comodidade do entrevistado.

I – APRESENTAÇÃO
Corresponde à introdução do registro e consiste em duas fases. Na primeira, deve-se escolher o
título do projeto de investigação de forma clara e precisa, o nome da pessoa estudada, a relação
dela com o capítulo ou a temática de estudo e, por último, a data e a hora de quando se iniciou
o registro oral – é recomendável explicitar, também, o lugar onde ele foi realizado. Na segunda
fase do trabalho, o objetivo é resumir, brevemente, algumas das características mais relevantes
da pessoa estudada.
II – DADOS BIOGRÁFICOS PRELIMINARES E CONCOMITANTES HISTÓRICOS
–– Naturalidade e data de nascimento. Lugares de residência (cidades, bairros);
–– Características familiares (irmãos, pais etc.);
–– Concomitantes históricos: feitos históricos que aconteceram à época do nascimento e nos
primeiros anos de vida;
–– Colégios em que estudou durante a infância e adolescência;
–– Jogos da infância, lugares, costumes das crianças da época;
–– Trabalhos anteriores (se houve algum);
–– Condições de vida da época.
Ä

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Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

Å
III – O PRIMEIRO CONTATO COM A PROFISSÃO
–– Recordações sobre os primeiros contatos com os praticantes, enfermeiras ou parteiras da época
(impressões que lhe causaram, se lhe atraíram as atividades desses profissionais desde o princípio);
–– Precedentes familiares (profissionalmente);
–– Existência de influências projetadas por algum profissional seu amigo ou da família;
–– Lembra se pensou em dedicar-se a outra coisa?
–– Lembra quando decidiu dedicar-se à prática?
–– Concomitantes históricos. Nesses momentos em que foi preciso decidir o seu futuro, que
perspectivas socioprofissionais existiam para os jovens (a partir de sua própria interpretação/
memória histórica)? Era possível seguir outras carreiras na cidade onde vivia? Que
acontecimentos remetem àquela época tão decisiva para seu futuro?
–– Lembra-se de quando e do porquê decidiu matricular-se em enfermagem?
IV – DADOS SOCIOFAMILIARES
–– Estado civil;
–– Época em que conheceu seu cônjuge;
–– Como sua futura profissão era vista por ele, caso tenham se conhecido antes de exercê-la;
–– Número de filhos e se algum seguiu sua vocação;
–– Relatos sobre a época.
V – PERÍODO DE ESTUDO DA CARREIRA
–– Onde estudou?
–– Lembra-se de como estava a estrutura da carreira em seguida?
–– Poderia referenciar algumas anedotas sobre alguns de seus professores ou sobre o seu trabalho
clínico e prático?
–– Poderia, igualmente, contar alguns relatos sobre seus companheiros de carreira?
–– Manteve contato com algum deles?
–– Teve algum contato com parteiras ou enfermeiras durante essa fase?
–– Lembra-se de sua primeira injeção, seu primeiro paciente etc.?
–– Concomitantes históricos.
VI – PERÍODO PROFISSIONAL
–– Hospitais e centros de saúde onde trabalhou. Atividades que desenvolveu habitualmente em seu
trabalho. Relações com médicos, pessoal da área da saúde, salários etc.
–– Outras atividades, não estritamente assistenciais, que realizou durante sua trajetória profissional:
docentes, gestoras, culturais, científicas etc;
–– Relação com o colégio dos praticantes;
–– Relação com a Escola de Assistente Técnico Sanitário/Diplomado em Enfermagem (ATS/DE).
VII – PERÍODO ATUAL
–– Contato com antigos companheiros;
–– Atividades que realiza relacionadas com a enfermagem;
–– Atividades de ócio, de recreação, culturais, artísticas;
–– Opinião sobre o futuro da profissão.
Quadro 4: Processo de entrevista oral. Fonte: Adaptado de Siles (2011).

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Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

Métodos e Técnicas Biográficas: Histórias de Vida


História de vida é um conceito que foi empregado com significados e usos muito distintos, por
conta da variedade de disciplinas que o utilizaram obedecendo a perspectivas particulares. Devido
a seu caráter polissêmico, é aconselhável o esclarecimento desse método-técnica segundo o con-
texto e os fins com que esteja sendo relacionado. Sendo assim, exige-se uma apresentação previa
de tal modalidade historiográfica pela ótica da história da enfermagem:

o termo história de vida foi tomado em um sentido amplo que englobou as autobio-
grafias definidas como vidas narradas por quem as viveu, ou informações produzidas pelos
sujeitos sobre suas próprias vidas e as biografias entendidas como narrações nas que o su-
jeito da narração não é o autor final da mesma [...]. Também, foram utilizadas histórias de
vida para designar tanto relatos de toda uma vida como narrações parciais de certas etapas
ou momentos biográficos. Mais convém notar que o termo se refere não só ao relato em
si, senão a toda a informação acumulada sobre a vida objeto do estudo: informação proce-
dente de etapas escolares, informações sanitárias etc., e obviamente, ao trabalho de análises
realizadas por ele ou os pesquisadores [...] (SARABIA, 1989, p. 210).

A biografia, na qualidade de método ou técnica, parte de uma dimensão histórico-cultural que


excede o âmbito de uma disciplina concreta – talvez, por isso, tem sido implementada em tantas e
diferentes áreas de estudo – e abrange uma amplíssima gama de possibilidades, que vão desde os
registros orais, escritos e audiovisuais acumulados ao longo da história nas diferentes culturas e
épocas até os documentos autobiográficos e/ou biográficos passíveis de ser registrados a partir da
elaboração de um projeto de pesquisa. Como consequência, o método biográfico foi interpretado
de formas diversas:

Defino o método biográfico como o uso e coleção de documentos estudados e que des-
crevem os momentos decisivos nas vidas dos indivíduos. Esses documentos incluiriam au-
tobiografias, biografias, diários, cartas, necrológicas, histórias de vida, relatos de vida, histó-
rias de experiências pessoais, histórias orais e histórias pessoais (PLUMER, 1989 p. 84).

O gênero autobiográfico foi uma constante ao longo da história, sendo utilizado por filósofos,
clérigos, cruzados, políticos, historiadores, romancistas e pela gente comum – o grupo mais impor-
tante para a história da enfermagem. Todos eles praticaram, de uma forma ou de outra, o relato
biográfico ou autobiográfico.
O relato, isto é, a forma de descrever a vida em totalidade ou em episódios significativos,
chegou a alcançar a categoria de gênero devido ao desenvolvimento estilístico experimentado,
mostrando diversas formas de expressão técnica e literária até chegar às autênticas especializa-
ções: autobiografias, confissões, diários, epistolários ou cartas, memórias, biografias, apologias,
hagiografias etc. Logicamente, cada um desses subgêneros se desenvolveu ao amparo de con-
dições adequadas para sua difusão: confissões e hagiografias emergiram com o cristianismo; as

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Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

autobiografias surgiram com o Renascimento e se desenvolveram especialmente no século XIX,


sendo destacável o auge das memórias na França.
Ultimamente, o apogeu da cinematografia e do teatro fez com que se levassem a tais moda-
lidades artísticas versões autobiográficas ou biográficas dedicadas a personagens relevantes e a
descrição de suas vidas – por exemplo: O paciente inglês (1992), Florencia Nightingale (2008) e
Diário de Ana Frank (1947). Por outro lado, no plano do relato dedicado à vida cotidiana, já são
inumeráveis as produções cinematográficas cuja finalidade baseia-se em pessoas anônimas, que
padeceram ou padecem de enfermidades; filmes que descrevem as situações laborais de grupos
tão especiais como a enfermagem em diferentes momentos históricos (guerras, tempos de paz,
recessão, epidemias etc.).

A Análise de Conteúdo
A análise de conteúdo se baseia na leitura como um instrumento de recolhimento de infor-
mação; e essa leitura deve ser realizada de forma sistemática, replicável e válida. Consequen-
temente, sua metodologia é parecida a de qualquer outro método de coleta de dados, ainda que
especialmente relacionada com as técnicas próprias da história oral (SANTAMARINA; MARI-
NAS, 1994), com as técnicas iconográficas (em que prevalece a imagem sobre a palavra) e, em
última instância, com as técnicas que costumam ser utilizadas em trabalhos antropológicos e
etnográficos (ALTHEIDE, 1987).
Mas, concentrando-nos na análise de conteúdo aplicada a textos, é preciso destacar, em pri-
meiro lugar, que o processo de leitura, o posterior tratamento e a etapa analítica podem ser leva-
dos a cabo combinando-se estratégias metodológicas características, tanto do quadro qualitativo
como do quantitativo. Para que a leitura seja científica, ela deve ser oral e completa; portanto,
é preciso considerar o texto como um material histórico composto por cinco grandes blocos
informativos (RUIZ; ISPIZUA, 1989):

a) Informação sobre o conteúdo em si mesmo;


b) Informação sobre o emissor/autor;
c) Informação sobre o destinatário (o objetivo);
d) Informação sobre a codificação (códigos utilizados);
e) Informação sobre os canais transmissores (suporte do texto).

A partir do conteúdo textual, podem-se realizar conclusões relativas a situações pessoais, so-
ciais, culturais, ideológicas, profissionais, sanitárias etc. a respeito do autor, da audiência (objeto
alvo do texto), da estrutura social e econômica, da política etc. A capacitação da globalidade do
material é possível na análise de conteúdo, mediante a realização de inferências do texto em seu
contexto. A ação de inferir é a característica diferencial desse método frente à análise documental
(técnica que se limita, estritamente, ao conteúdo do texto) (BARDIN, 1977).

302
Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

Também, o texto tem uma dupla natureza: a manifestada ou explícita, que constitui a sua parte
epidêmica e direta, e a oculta ou latente.

Leitura direta do sentido manifesto. “Ao pé da letra.”


Leitura direta do sentido latente soterrado/pinçado (HIPERTEXTO). “Lexía por lexía.”

Quadro 5: As duas formas de leitura em análise de conteúdo. Fonte: Adaptado de Barthes (1986).

Técnicas Quantitativas – A História Serial: Seus Objetivos,


Utilidades e Limitações
As técnicas quantitativas se difundiram na historiografia em meados do século XX, em grande
medida como consequência do auge da história econômica, que se iniciou no começo desse mesmo
século, na França (com os estudos de Simiand, Labrouse etc.). Na Espanha, a organização regular
e permanente do aparelho estatístico nacional se iniciou em 1856 (Real Decreto de 3 de dezembro
de 1856), ficando a cargo de diferentes ministérios até 1936 (Fomento, Instrução Pública e Belas
Artes e Trabalho). A transferência de funções e responsabilidades explica, em parte, a irregulari-
dade dos dados conservados em arquivos e bibliotecas.
O emprego do método quantitativo vinculado aos dados expressados em séries contínuas deu lu-
gar à História Serial (CHAUNU, 1987), que se debruça sobre conjuntos de fatos, não sobre aconteci-
mentos isolados. Isso representou um avanço face à tradicional história episódica. Em última análise,
essa nova vertente pretende apresentar uma “história problema”, em oposição à “história relato”.
A desvantagem para os seguidores da história serial – que, no fundo, é uma interpretação
conservadora, assim como a fornecida pela história episódica – é a apreciação do fato somente
quando é produzido de forma repetitiva. Confunde-se a formação de ciclos largos de eventos
com a estabilidade histórica, com uma imagem permanente da sociedade, sem se dar conta que
as descrições fruto da análise das séries constituem quantificações de diversos níveis da realidade.
Não se produz uma síntese que articule esses níveis entre si. Desse modo, avança-se em erudição
e retrocede-se em compreensão histórica (LARA, 1977).
Contudo, a história serial considerada como parte do método quantitativo (e como chave expli-
cativa da dinâmica histórica) se resulta interessante, especialmente para comparar níveis (número
de titulados durante uma série de anos comparado com o número de centros hospitalares ou esco-
las de enfermagem) e, particularmente, para marcar rupturas das séries (cujas causas precisam ser
estudadas utilizando-se outros critérios à parte dos estritamente quantitativos).
Toma-se aqui como exemplo a conjuntura espanhola dos anos 1935-1936. Como poderia ex-
plicar a história serial, a penetração da extrema direita nos altos cargos do Estado republicano? E
como os direitistas influenciaram a inversão da tendência progressista da enfermagem durante e,
sobretudo, depois do conflito civil? Como explicar, pela perspectiva da história serial, as diferenças de
formação ideológica e de expectativa entre as enfermeiras formadas durante a época republicana e
as enfermeiras da Seção Feminina depois da Guerra Civil? Em outra ordem de coisas, como poderia

303
Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

compreender-se, recorrendo-se aos esquemas da história serial – cujos dados denotam uma esmaga-
dora continuidade –, a mudança nas relações de produção que se produziu na Espanha do século XIX,
vinculada à transformação dos senhorios territoriais em propriedade burguesa da terra?
Portanto, deve-se evitar cair na interpretação simplista e linear de causas e efeitos, dado que
qualquer interpretação histórica, por mais simples que pretenda ser, requer a consideração da
interação mútua de todos os aspectos que constituem a realidade analisada (incluindo os fatores
conjunturais e estruturais). Como reforça Tuñon de Lara (1977), não vale para nada uma série de
preços sem a consideração da série de salários, e esses salários devem ser contemplados à luz dos
pressupostos familiares. Por exemplo, não se pode explicar o valor do salário recebido pelos Aju-
dantes Técnicos Sanitários espanhóis durante o biênio 1975-1977 ou pelas enfermeiras brasileiras
do mesmo período sem se ter em conta os elementos assinalados.
Uma das características que define a história serial é que, com sua objetividade pretendida,
tranquiliza ao dar prioridade ao “estável”, porém, mostra, ensina, mas não explica. Sendo assim,
os dados devem fazer parte do estudo, mas devem ser mantidos em quarentena.
Com os avanços da informática, cada vez é menos complicado analisar quantidades enormes
de dados. Contudo, paralelamente ao processo de simplificação das análises estatísticas pelo uso de
computadores, foi-se perdendo a confiança cega que antes se tinha nas explicações sobre os fatos
históricos sustentados exclusivamente em interpretações de dados quantitativos, os quais alcan-
çavam um nível de complexidade que lhes conferia uma aura quase mística. A reflexão sobre o
produto desse tipo de abordagem numérica, longe de manter vigente o caráter místico dos dados,
provocou uma reação curiosa: quanto mais ao alcance da mão eles e seus conseguintes tratamen-
tos analíticos estão, menos confiança se tem na validade das informações para oferecer explicações
históricas sobre acontecimentos de qualquer natureza, inclusive os econômicos.
No entanto, as técnicas quantitativas têm grande utilidade para a história. E, como ocorre
com o resto das ciências socais, é preciso utilizá-las de forma equilibrada e contextualizada, isto
é, conforme as características do estudo requeiram, e não como um mero artifício ou exercício de
ostentação matemático-estatístico. De qualquer forma, os métodos quantitativos seguem relacio-
nados direta ou indiretamente com a história da enfermagem: estudos históricos epidemiológicos,
história da formação do enfermeiro, aspectos determinados da história profissional etc.
Em última instância, pode-se extrair a seguinte conclusão quanto o papel da história serial: “o
quantitativo tem um ótimo valor instrumental; serve para basear, para poiar uma explicação, mas
não substitui a própria explicação” (LARA, 1977, p. 34).

Modelo Estrutural Dialético dos Cuidados


Neste estudo, será contestada uma série de questões com a finalidade de esclarecer o MEDC.

√√ Quais são as suas características?


√√ Em que se fundamenta?

304
Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

√√ A que classe de pesquisa pertence?


√√ Que utilidades tem no contexto da enfermagem?
√√ Quais são as suas vantagens e inconveniências?

Características do Modelo Estrutural Dialético dos Cuidados


Para a descrição e explicação do modelo estrutural dialético dos cuidados, foram consideradas
as contribuições de diversos autores e, especialmente, foram estimados os aportes do estrutura-
lismo e funcionalismo.
O MEDC tem sua origem na tese doutoral intitulada Estrutura familiar e função social da
mulher em Alicante 1868-1993, defendida em 1993 (SILES, 1995). Nesse trabalho, foram descri-
tas as estruturas que servem como suporte ao processo de ordenação e análise dos dados, a saber:
unidade funcional (UF), marco funcional (MF) e elemento funcional (EF). Mediante esses eixos,
identificam-se os dados pertinentes. Esse modelo foi aplicado em teses de doutorado e em pesqui-
sas que foram publicadas em diferentes revistas e monografias.

*Unidade Funcional
Figura 1: Modelo estrutural dialético dos cuidados. Fonte: Elaborada pelo autor.

A unidade funcional é a estrutura social básica de convivência e socialização, que transmite


valores, crenças, conhecimentos e sentimentos. A UF é empregada para analisar, separadamente,
esses elementos que constituem a urdidura socializadora, pela qual se engendram os sistemas so-
ciais, políticos e até científicos (SILES, 1999). Cada um deles incide em uma forma determinada de
organizar e fundamentar a enfermagem: doméstica, religiosa, técnica, profissional humanista; isto
é, cada tipo de enfermagem corresponde a um ideal alicerçado no potencial socializador da UF.

305
Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

No MF, agrupam-se os dados relacionados ao espaço, cenário ou lugar em que se desenvolvem


atividades de enfermagem, como: covas, templos, hospitais religiosos, hospitais laicos, ambulató-
rios, domicílios etc. Esses ambientes são tão variados como as formas de pensamento ou ideal que
motivam e fundamentam a realização dos cuidados.
No EF, agrupam-se todos os dados relacionados com os atores sociais responsáveis pelos cuida-
dos. A tipologia dessas pessoas é tão diversa como seu ideal UF e os lugares onde tem MF.

Padrão estético de cuidados


Unidade Elemento
Marco funcional e sentimentos em que se Evolução histórica
funcional funcional
fundamenta
Tribo Acampamento/ Mulher Tribal (maternidade/magia) Pré-História
Caverna Feiticeiro
Bruxo Antiguidade
Família Lar Mulher Familiar (maternidade) Idade Média
Templo
Animismo Renascimento

Mitos Religioso (caridade, altruísmo)

Religião Hospital religioso Sacerdote(isa) Século XVIII


Deus(es)
Religiosos(as) Revolução Industrial
Corporação/ Ambulatorial Profissão Profissional (tecnicismo, Contemporaneidade
Família Hospital técnico- cientificismo, profissionalismo)
Profissional profissional
Hospital humanista
profissional
Centro de saúde
Quadro 6: Esquema do modelo estrutural dialético dos cuidados. Fonte: Adaptado de Siles (2011).

A Conexão Lógica como Ferramenta Relacional e Fonte de


Significados Históricos
Considerando-se o ideal resultante da socialização proveniente da UF na relação com o cenário
onde se desenvolveram os cuidados e quem são os responsáveis por realizá-los, observam-se a
conexão lógica que confere sentido às três estruturas e a integração dos dados em cada uma delas.
É mediante o estabelecimento de vínculos entre esta trilogia estrutural (UF-MF-EF) que se obtém
a visão global do fenômeno histórico:

√√ UF: raízes culturais sedimentadas em valores, crenças, sentimentos e conhecimentos


que, em seu conjunto, constituem os pilares motivacionais da ação enfermeira domésti-
ca, religiosa, profissional técnica e profissional humanista.

306
Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

√√ MF: cenários ou lugares onde se desenvolve a enfermagem, cuja estética responde às


características da UF – templos, lugares, hospitais religiosos, hospitais tecnológicos e
hospitais científico-humanistas.
√√ EF: os responsáveis (pessoas) pela implementação de cuidados de saúde a partir de quais-
quer das perspectivas referidas.

Fundamentação do Modelo Estrutural Dialético: Estruturalismo,


Funcionalismo e Dialética
O MEDC foi empregado em pesquisas de história cultural e também na cultura dos cuida-
dos. É adequado para a investigação dos fenômenos tal como se destaca na história cultural da
enfermagem: estudo dos comportamentos, das ideias, das crenças, dos valores e dos sentimentos
implicados no processo de satisfação do ser humano pela perspectiva dos cuidados através do tem-
po (SILES, 2011). É o resultado da transdisciplinaridade e se inspira, entre outros, nos princípios
procedentes do estruturalismo e do funcionalismo.
O pensamento estruturalista de Lévi-Strauss (1995), a partir do contexto das ciências sociais e lin-
guísticas, teve grande contribuição para a fundamentação do modelo estrutural dialético dos cuidados.

A ciência tem apenas duas maneiras de proceder: é reducionista ou é estruturalista. É


reducionista quando descobre que é possível reduzir fenômenos que em um determinado
nível são muito complexos a fenômenos mais simples em outros níveis. Por exemplo, há
muitas coisas na vida que podem ser reduzidas a processos físico-químicos que as explicam
parcialmente, ainda que não em forma total. E quando nos deparamos com fenômenos tão
complexos que não permitem sua redução a fenômenos de ordem inferior, só podemos
abordá-los estudando suas relações internas, isto é, tentando compreender que tipo de sis-
tema original formam em conjunto (LÉVI-STRAUSS, 1995, p. 27-28).

Conforme essa perspectiva, o conjunto de estrutura implica um caráter sistêmico, dado que
seus elementos se inter-relacionam de forma que qualquer alteração em um deles provoca uma
modificação do resto: UF-MF-EF. Essa ordenação tem traço exemplar, posto que as mudanças
produzidas afetam as partes que constituem a família, podendo-se observar e, até certo ponto,
predizer o funcionamento do todo. Nesse sentido, a estrutura não é uma realidade empírica
observável, e sim um modelo explicativo teórico. É interpretada por Lévi-Strauss (1995) como
uma espinha dorsal mental (não empírica), que tem um perfil dinâmico e, portanto, está su-
jeita a variações históricas – entretanto, trata-se de uma dinâmica lenta, em consequência da
resistência à passagem do tempo e às alterações desse sistema. Em suma, além de seu caráter
vertebrador e arquitetônico e de seu dinamismo, essas estruturas têm uma terceira caracterís-
tica: sua predisposição a assumir diferentes significados segundo a pressão cultural ou o fator
histórico (LECHTE, 2008). O MEDC compartilha dessa natureza ternária, que lhe confere seu
foco dialético sobre os fenômenos da história dos cuidados.

307
Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

Tal modelo se orienta, também, pelo funcionalismo. Malinowski (1984) interpreta o funcio-
nalismo como um processo de busca e compreensão das instituições da vida, entendendo como
instituição um conjunto de ideias, crenças, valores e regras que condicionam as formas de inter-
câmbio social. Trata-se de uma visão orgânica que relaciona o sistema cultural com o biológico das
pessoas que o integram. Isto é, os sujeitos estão sob uma pressão cultural que modela as formas de
comportamento no processo de satisfação das necessidades, a partir de raízes em se que aninham
os valores, as crenças e os sentimentos. Esse foco permite a inter-relação entre cultura e satisfa-
ção de necessidades, ou seja, relacionam-se as sete necessidades básicas dos indivíduos (nutrição,
reprodução, cuidados corporais, segurança, movimento, crescimento e saúde), segundo o referido
antropólogo, e uma função articulada culturalmente mediante uma resposta. Por exemplo, uma
necessidade cultural seria a saúde, e a resposta cultural seria a higiene.
Por meio dessa concepção, observa-se tanto o caráter estrutural como o funcional da família:
estrutura social básica de socialização e convivência que transmitiu à mulher a função do cuidado
durante séculos (SILES, 2011). Essa base familiar foi construída mediante uma rede conceitual
que constitui categorias mentais suficientemente sólidas para ser resistente à mudança durante
muito tempo, até que um desvio histórico-cultural acaba provocando uma alteração substancial de
seu significado, que produz modificações no resto das estruturas sociais. A função de sobrevivência
é mais essencial e existe desde que o homem apareceu na face da terra, mas, para entender como
ele se organiza e evolui, há de considerar-se a cultura em seu conjunto, bem como o mecanismo
geral de satisfação de necessidades em particular. Em última análise, o funcionalismo sustenta que
é primordial analisar a função específica de cada norma de comportamento ou cada instituição,
com a finalidade de estabelecer relações de funcionamento entre as diferentes fundamentações da
sociedade. Para a semiótica, a função é o conjunto de elementos sociais e das relações entre eles,
que são necessárias para definir uma estrutura.
A dialética como forma de valorização da realidade histórica e social mutante constitui outro
dos pilares que sustentam o MEDC, partindo de uma consideração elementar: a saúde e a doença
como um processo dialético cultural. Na ciência, sucederam diferentes modelos para a interpreta-
ção do princípio de pertinência metodológica e instrumental das características do objeto-sujeito
investigado no marco epistemológico de uma disciplina. Os primeiros métodos que levaram em
conta o caráter dinâmico da realidade, integrando as diferentes partes de uma dada conjuntura em
uma síntese processual, foram o dialético hegeliano reinterpretado por Kojeve (1994) e o mate-
rialismo dialético e histórico, desenvolvido por Marx (1993) e Engels (1979; 1997). Seguindo esse
último autor: “A dialética não é mais que a ciência das leis gerais do movimento e a evolução da
natureza, da sociedade humana e do pensamento” (ENGELS, 1979, p. 45).
Nesse contexto iluminado pelo viés dialético, os conceitos de saúde e doença deveriam compar-
tilhar o caráter dinâmico ou processual: “saúde é o ajuste perfeito e contínuo do homem ao seu
ambiente; pelo contrário a doença é um ajuste imperfeito e descontínuo” (DOMINGUEZ, 1988, p.
23). Por outro lado, a dimensão situacional e dinâmica de tudo que tem a ver com a saúde e a doen­
ça se expressa na seguinte sentença: “Não existe a saúde e a doença (como expressões universais

308
Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

ou absolutas), senão, simplesmente, a ¬soma de interpretações derivadas do conjunto de situações


implicadas em um processo” (SILES; SOLANO; CIBANAL, 2005, p. 72).
A dialética como instrumento de indagação, raciocínio e interpretação da realidade foi explica-
da de formas diferentes em épocas distintas. Heráclito (500 a.C.), por exemplo, afirmou que:

todas as coisas são e não são, porque tudo flui, está mudando constantemente, constan-
temente nascendo e morrendo. É impossível submergir duas vezes em um e idêntico rio
[...] A mesma coisa em nós vive e morre, dorme e está desperto, é jovem e velha; cada uma
muda seu lugar e torna-se outra. Nós entramos e não entramos no mesmo rio: estamos e
não estamos (HEIDEGGER; FINK, 1986, p. 37).

Essa é a essência do método dialético, a mudança contínua através do tempo e por meio da
sucessão de contradições que se resolvem continuadamente. Engels (1997), em sua obra dedicada
a Feuerbach e ao fim da filosofia clássica alemã, enfatizou o caráter processual e o princípio de
homeostases que mantém um certo equilíbrio nas mudanças que se produzem.

A idéia principal de que o mundo não pode ser concebido como um conjunto de objetos
prontos e acabados, pois o mesmo pode ser compreendido como um conjunto de processos,
em que as coisas que parecem estáveis, iguais a seus reflexos mentais em nossas mentes,
aos conceitos, passam por uma série ininterrupta de mudanças [...]. Para a filosofia dialética
não existe nada definitivo, absoluto, consagrado; em tudo põe-se em relevo o que é pere-
cível, e não deixa em pé mais que o processo ininterrupto do vir e perecer, uma promoção
sem fim do inferior ao superior, cujo mero reflexo no cérebro pensando é esta mesma
filosofia (ENGELS, 1997, p. 83).

O erro de interpretar qualquer um dos momentos em que se encontra o processo saúde-vida-


doença de maneira estática (foto fixa) deriva-se de abordagens ancoradas em uma interpretação
metafísica do fenômeno. Para o metafísico, só existe doença como realidade isolada e em confron-
tação com outra realidade igualmente confinada: a saúde.

Para o metafísico as coisas e suas imagens no pensamento, os conceitos, são objetos da-
dos de uma vez para sempre, isolados, um após do outro e sem necessidade de contemplar
o outro, firmes, fixos e rígidos [...]. Para ele, toda coisa existe ou não existe: uma coisa só
pode ser, ao mesmo tempo, ela mesma e algo diferente. O positivo e o negativo se excluem
um ao outro de um modo absoluto; a causa e o efeito encontram-se do mesmo modo em
rígida contraposição (ENGELS, 1979, p. 92).

No marco do modelo estrutural dialético dos cuidados, uma teoria nunca sai ilesa, íntegra e sem
mudanças após sua utilização na prática. O resultado consiste na síntese entre o momento prévio à
aplicação teórica e a resistência que gera o entorno à dita implementação. A síntese contém elemen-
tos novos que constituem a realidade prática após o emprego da teoria, mas essa realidade está inte-
grada, por sua vez, por componentes que existiam antes dessa ação. Isto é, a prática substancialmente

309
Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

mudada pelas aplicações teóricas transforma as teorias em um processo contínuo de retroalimenta-


ção. A teoria muda a prática, e a prática retroalimenta as novas teorias (SILES, 2005).

Figura 2: Modelo estrutural dialético para o estudo histórico-antropológico dos cuidados. Fonte: Adaptada de Siles
e Solano (2009).

Algumas Aplicações do Modelo Estrutural Dialético dos


Cuidados em História e Cultura dos Cuidados
Trabalhos em que o MEDC foi aplicado
O MEDC, que permite a busca de uma metodologia de pesquisa adequada mediante o aprofun-
damento nas raízes culturais e sociais das estruturas e no funcionamento entre as partes desse sis-
tema, está presente em diversas pesquisas (SILES, 2004; SILES; SOLANO, 2009). Além disso, foi
aplicado para o estudo cultural da gestão em enfermagem, tanto pela perspectiva do gênero como
pela abordagem intersetorial, analisando as diferenças culturais dos setores público e privado ou
da sanidade (MALPICA; SILES, 2008). Mostrou-se especialmente útil em estudos etnográficos
das práticas clínicas (SILES; SOLANO, 2009). Foi aplicado para facilitar a análise funcional nos
estudos históricos em diferentes contextos: sobre a cólera (GONZÁLEZ et al., 2012); a respeito do
rol social da mulher nos cuidados de sobrevivência durante a pré-história, por meio da análise de
fontes narrativas (PIPIO, 2013).
Na Universidade de Alicante, no grupo de investigação de Enfermagem e Cultura dos Cuidados,
foram realizadas várias teses em que se aplicou o modelo estrutural dialético em diferentes temáticas
e contextos: uma abordagem da perspectiva intersetorial e antropológica do sistema hospitalar con-
siderando-se a cultura e o gênero na gestão da enfermagem (MALPICA, 2010); a evolução histórica
do movimento colegial de enfermagem (OLIVARES, 2011); o significado da experiência do cuidado
em pacientes indígenas (ROJAS, 2011); a enfermagem no Chile colonial (SILVA, 2012); as experiên-
cias e cenários de luto em pessoas idosas (SOLA, 2012); os cuidados na pré-história mediante análise
narrativa de fontes literárias (PIPIO, 2013); a história das nutrizes (SABATER, 2014); a história das
parteiras (ROJO, 2014); a etnografia sobre o parto em casa (MARTÍNEZ-MOYÁ, 2014).

310
Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

Por outro lado, diversos artigos e monografias descreveram ou aplicaram o MEDC. A primeira
vez foi em uma monografia derivada de uma tese de doutorado (SILES, 1995). Ele foi utilizado
para descrever, de forma dinâmica, a evolução do papel social das nutrizes e sua vinculação com a
enfermagem (SILES et al., 1998), assim como para oferecer uma visão “total” da evolução histó-
rica da enfermagem comunitária (SILES, 1999). Especialmente relevante, colaborou para a inves-
tigação histórica e cultural da enfermagem (SILES, 1999; 2010; 2011).

Análise de Dados com o MEDC


A análise dos dados com o MEDC pode ser realizada de forma tradicional ou, para tirar-se um
maior proveito do método, seguindo-se a perspectiva dos sistemas hipertextuais, que permitem
criar, agregar, juntar e compartilhar informações de fontes primárias diversas, facilitando a leitura
não linear – no sentido que destaca Barthes (1986): leitura por unidade de significado “lexía por
lexía” – dos documentos, utilizados em um software de análises qualitativo, como Atlas-TI.
Assim, por exemplo, para a história dos hospitais religiosos do século XVII, podem-se fazer
unidades de significado extraindo-se os fragmentos de texto ou fitas que tenham a ver com a
nutrição, a higiene ou as curas nas diferentes seções de todos os documentos primários que con-
tenham informação dos hospitais do século XVIII. O processo seria muito semelhante ao que se
segue em alguns programas de análise qualitativa.

1- Organizar todos os documentos primários (textuais, gráficos ou sonoros). Alguns pro-


gramas, como o Atlas-TI, os armazenam e guardam todo o trabalho realizado em uma
Unidade Hermenêutica;
2- Realizar a leitura analítica “lexía por lexía” ou o processo de análise e codificação, isto
é, fragmentar o texto do documento por unidade de significados, recompilando o que
no programa Atlas-TI se denomina “Fitas textuais por unidade de significado”. Cada
uma dessas fitas ou cada um desses fragmentos são codificados com uma palavra-chave,
com a que se constroem as categorias. Com a palavra-chave “unidade funcional”, co-
dificam-se todos os pedaços de texto relacionados com crenças, valores, sentimentos e
conhecimentos. Com a palavra-chave “marco funcional”, fragmentam-se as passagens
de textos cujo significado tem a ver com os cenários, lugares, mobiliário e instrumental
implicados nos cuidados de enfermagem. Por último, com a palavra-chave “elemento
funcional”, codificam-se todos os fragmentos de texto onde se descrevem detalhes sobre
os atores sociais encarregados de realizar os cuidados. Em seguida, podem-se estabelecer
conexões entre as diferentes reuniões e pode-se estabelecer uma malha de subcatego-
rias, mediante as novas palavras-chaves relacionadas com os objetos do estudo histórico,
por exemplo: com a palavra-chave “cura”, selecionar as reuniões da unidade funcional,
do marco funcional e do elemento funcional. O resultado será um conjunto de passa-
gens de texto que informam sobre as curas da época considerando as crenças, os valores,

311
Enfermagem: História, Cultura dos Cuidados e Métodos

os sentimentos e os conhecimentos (UF); outro grupo textual revelará dados sobre os


lugares, mobiliários e instrumental das curas (MF); e um grupo de fragmentos de tex-
to descreverá as características das pessoas encarregadas de realizar os cuidados (EF).
Outras estratégias, mais indutivas, podem consistir em empregar uma palavra-chave
para reordenar as reuniões integradas na UF, no MF e no EF. Por exemplo, pela palavra
“nutrição”, rearranjam-se as reuniões destas três plataformas de significado: crenças,
valores, conhecimentos e sentimentos vinculados à nutrição; espaço, mobiliários e ins-
trumental vinculados à nutrição; e, finalmente, pessoas relacionadas com a preparação
de comidas, sua distribuição, ingestão etc;
3- Agrupar em famílias os diferentes grupos de reuniões, códigos e subcódigos quando se
observa que compartilham uma qualidade. Por exemplo: família de códigos relacionados
com as crenças, família de reuniões relacionadas com a nutrição, a higiene etc. Estabele-
cer relações entre as diferentes famílias, os códigos, as reuniões etc. As redes integram a
totalidade da malha inter-relacional da pesquisa.

Vantagens e Limitações do MEDC


Em última análise, o MEDC demonstrou sua utilidade no estudo de realidades históricas,
antropológicas e sociais tão variadas como as expostas. Sua sensibilidade ao dinamismo sócio-
histórico e, ao mesmo tempo, sua capacidade de valorizar os aspectos menos evidentes do fenô-
meno (por sua permanência nas raízes profundas do objeto da investigação: mentalidade, crenças,
valores, sentimentos) constituem sua principal virtude. Por outro lado, sua maior limitação está
em abordar o fato em toda sua complexidade, requerendo uma maior preparação, mais tempo e,
portanto, paciência durante todo o processo de pesquisa.

Considerações Finais
Toda pesquisa deve considerar, diante de uma reflexão prévia, os princípios de pertinência meto-
dológica, com intuito de manter a coerência entre os objetivos, os métodos, a teoria e as técnicas. Essa
pertinência metodológica é a que contempla aspectos que vão desde a coerência até a investigação;
trabalhando como as rimas, que se mantêm perfeitamente fiadas nos diferentes versos do poema.
Para a existência da história da enfermagem – de seu conhecimento por meio da produção do
saber científico através da pesquisa –, é preciso que sejam apresentados três fatores: o encadea-
mento dos acontecimentos; a coerência específica dessa continuidade, por conta da conexão lógica
dos fatos; e, por último, a ajustada interpretação dos fatores mencionados mediante o processo
hermenêutico devidamente contextualizado. Portanto, a representação conceitual da história da
enfermagem, isto é, sua construção teórica e epistemológica, constitui um passo prévio e im-
prescindível em qualquer trabalho investigativo. Os diferentes métodos e técnicas de observação
documental e recolhimento de dados em história oral (história de vida, documentos biográficos,

312
Teoria e Metódo nos Estudos Históricos em Enfermagem

relatos de vida, estudos de caso, entrevistas de diferentes tipologias etc.) conformam o arsenal
instrumental do historiador de enfermagem.
O modelo estrutural dialético dos cuidados se constitui de uma ferramenta adequada, tanto
para a ordenação como para a análise dos dados, quando se pretende obter visões globais do fenô-
meno histórico a partir da perspectiva da história cultural ou da antropologia da enfermagem. São
especialmente pertinentes no tema histórico e antropológico dos cuidados, dada a transversalidade
de fatores que incidem na evolução histórica da enfermagem, os seguintes aspectos: construção
social do gênero, condições biológicos, papel da mulher na sociedade, religião, tecnologia, relações
de poder, saúde-doença, sistema econômico e político etc.

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