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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA BAIANO

CAMPUS CATU

PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E


TECNOLÓGICA

CARLITO JOSÉ DE BARROS FILHO

Período: 2022.2
Disciplina: Políticas Públicas em Educação Profissional e Tecnológica
Professor: Dr. Octavio Cavalari Junior
Unidade: 3 – História e trajetória da Educação Profissional no Brasil e os desafios da
política pública
Atividade: Resenha Crítica – capítulos 1 e 2 da obra "História e política da educação
profissional" de Marise Ramos

Catu-BA
Novembro de 2022
RAMOS, Marise Nogueira. História e política da educação profissional. Curitiba:
Instituto Federal do Paraná, 2014. 121 p. Capítulos I e II (pp. 13-65) ISBN 978-85-
8299-031-5. Dados eletrônicos (1 arquivo: 585 kilobytes).

Resenha Crítica
Carlito José de Barros Filho1

Marise Ramos pode ser considerada uma das expoentes no estudo da


educação profissional no Brasil. Dona de uma vasta obra no campo das pesquisas e
produções acerca da educação brasileira, em especial da Educação Profissional e
Tecnológica e o ensino integrado, o lado de nomes como Maria Ciavatta e Gaudêncio
Frigotto, faz parte de um grupo de pesquisadores brasileiro de vertente marxista, dos
quais podemos destacar, por exemplo, a crítica do trabalho enquanto princípio
filosófico.
Doutora e mestra em Educação pela Universidade Federal Fluminense, com
Pós-doutorado em Etnossociologia do Conhecimento Profissional na Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro, em Portugal, atualmente, além de coordenar diversos
grupos de estudos, trabalhos e eventos, Ramos é professora associada da Faculdade
de Educação da UERJ e dos Programas de Pós-Graduação em Políticas Públicas e
Formação Humana (PPFH/UERJ) e de Educação Profissional em Saúde
(EPSJV/Fiocruz).
Sua obra toma a problemática da educação profissional enquanto política que
articula trabalho e educação como orientador do aprofundamento de suas análises.
Sendo os textos em análise parte de uma obra que, por sua vez, compõe uma
coleção destinada a atender a um curso de formação pedagógica de docentes para a
Educação Profissional, oferecido em modalidade EaD do Instituto Federal do Paraná
(IFPR), é esperado que encontremos nas páginas analisadas um resumo dos seus
principais fundamentos e achados nos muitos anos de pesquisa, apresentado de
forma que tenderia a atender mais a critérios didáticos do que a técnicos de
aprofundamento teórico. Esta impressão se consolida ao constar que o público-alvo

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica – ProfEPT. Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – Campus Catu.
do texto se trata de professores do Ensino Profissional de Nível Médio, sem formação
pedagógica específica de cursos de licenciatura.
A obra em si é quinto volume da Coleção de Formação Pedagógica do IFPR,
que conta com dez volumes, e foca na história e política da educação profissional no
Brasil. A obra completa, assim como os demais volumes, pode ser encontrada no site
do IFPR Campus Curitiba (url: https://curitiba.ifpr.edu.br/servicos/biblioteca/colecao-
formacao-pedagogica/).
Dedicarei minha análise aos dois primeiros capítulos que se estendem até a
página 65 deste livro, apresentado em formato eletrônico, que conta com 121 páginas.
Portanto, ocupa mais de 50% do espaço dedicado aos cinco capítulos que o
compõem. Consagrarei a eles o proporcional cuidado que a autora cultivou na
estruturação do todo da obra.
Tais capítulos, já adianto, são fundamentais para compreensão da educação
profissional no contexto brasileiro e sua atual configuração.
A compreensão desses fatos, com suas determinações e mediações, irão nos
permitir a compreender o conteúdo do que veio a ser a política de educação
profissional no Brasil no período de hegemonia neoliberal.

O Capítulo I, intitulado “A educação profissional no brasil: da fundação do


Estado capitalista dependente à crise dos anos 80”, trazendo em sua grafia um “brasil”
com “b” minúsculo que facilmente, para além de um erro de gráfico, tendo a entender
como um conteúdo simbólico que referenciaria a dependência de nosso projeto
capitalista que submete nossas políticas educacionais a interesses internacionais
hegemônicos.
O capítulo apresenta uma fundamentação teórica sobre a constituição do
Estado Brasileiro sob uma ótica materialista histórico-dialético que é o referencial
metodológico da autora.
Para a autora, o Brasil capitalista moderno se constitui a partir da década de
1930 e a dinâmica histórica “da política de educação profissional no Brasil expressa a
própria constituição do Estado brasileiro e suas transformações ao longo do século
XX e da primeira década do século XXI”.
Para embasamento desta análise, Ramos se apoia no pensamento de
intelectuais como “Ruy Mauro Marini, Florestan Fernandes, Otávio Ianni e Carlos
Nelson Coutinho”.

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A partir destas referências, considera que a modernização tecnológica nacional
tem origem internacional e se define como uma modernização do arcaico e se deu
alternadamente por estratégias de desenvolvimento nacional (1930-45, 1951-54,
1961-64) e de desenvolvimento dependente (1946-50, 1955-60 e desde 1964).
Esse tenso equilíbrio foi rompido e deslocado em favor do capital estrangeiro
no governo de JK. Apesar de contratendências no curto período do governo
João Goulart, a associação ao capital estrangeiro se consolidou a partir da
ditadura civil-militar.

A hegemonia neoliberal instaurada a partir dos anos 1990 se consolida,


resistindo à superação mesmo nos governos Lula da primeira década do século XXI,
ainda que neste período a educação tenha experimentado novas e promissoras
expectativas.
Portanto, Ramos reconstrói historicamente a educação profissional no Brasil
em paralelo as transformações sofridas pela educação de nível médio nacional a partir
da década de 30.
Nesse período se realiza de forma incompleta, explica Florestan Fernandes
a revolução burguesa, no Brasil, instaurando-se, assim, o modo de produção
propriamente capitalista e, com ele, o processo de industrialização.

Desta forma, foi a necessidade da formação de mão-de-obra demandada pela


economia e não uma questão social que impulsionou a educação profissional.
Retrocedendo um pouco o próprio marco estabelecido da modernização
capitalista, a autora afirma que, ao contrário do foco social do Decreto de Nilo
Peçanha, em 1909, que buscava respostas sociológicas que passava por gerar
ocupações, portanto controle, aos ocupação aos desvalidos da sorte e da fortuna
A história da educação no Brasil e a respectiva legislação são expostas e
discutidas sempre à luz da dinâmica do desenvolvimento econômico
brasileiro e frente às disputas travadas em torno do projeto societário e,
assim, da própria política educacional.

Em seguida, traça uma trajetória que passa pelas Reforma Francisco Campos
e Reforma Capanema para em seguida discorrer sobre a primeira Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira, cujo debate, apesar de iniciado em 1946 só se conclui
no Governo JK, 1961.
Os anos que se seguem do início da era JK até o golpe militar de 1964 é
caracterizado por uma diversidade de concepções societárias, sendo substituído pelo
tecnicismo autoritário dos anos de ditadura militar. Neste novo período a formação da
classe trabalhadora era vista como aspecto meramente estratégica para o país.
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Nesse contexto, o ponto de maior impacto no ensino secundário foi a reforma
de 1971, quando se instituiu a Lei n 5.692, que, de certa forma, orientou a
concepção de educação básica e profissional por mais de duas décadas.

O processo de redemocratização trouxe novos elementos políticos imposto por


uma grave crise mundial na década de 1980 e disseminação de experiências
descentralizadas impulsionando uma expansão da rede federal de ensino profissional.
Nos anos que se seguiram, experimentou-se um fortalecimento da educação
profissional sob fortes bases neoliberais.
Neste cenário é que, nos anos de 1990, já no governo FHC, é que se institui a
Nova Lei de Diretrizes Bases da Educação Brasileira, a Lei 9.694, de 1996. Já neste
processo
A tentativa de redirecionar a educação brasileira em benefício da classe
trabalhadora, visando superar a histórica dualidade estrutural que marca sua
história, esteve na defesa da concepção de educação politécnica, pela qual
se buscava romper com a dicotomia entre educação básica e técnica,
resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade.

No entanto, essa concepção não foi a que orientou o projeto vencedor,


materializado na aprovação da proposta do então senador Darcy Ribeiro.
Ramos argumenta com Ruy Mauro Marini que a burguesia brasileira, apesar
de protagonizar a superação econômica do período colonial, renunciou sua vanguarda
revolucionária para aliar-se às velhas práticas da antiga elite dominante.
Florestan Fernandes (2006), por sua vez, identifica a universalização do
trabalho assalariado e a expansão da ordem social competitiva no Brasil,
como expressão de uma revolução burguesa, ainda que não no modelo
“clássico” o qual poderia ter conduzido ao capitalismo independente e à
democracia política.

O impediu nossa verdadeira revolução burguesa seria, portanto, a dependência


e subjugação diante do poder hegemônico das nações hegemônicas capitalistas.
Por sua vez,
Valendo-se de categorias gramscianas, algumas das quais discutidas neste
texto, Coutinho (2006) reitera que o movimento liderado por Getúlio Vargas
na transição do Brasil para o capitalismo, especialmente pela expansão da
indústria [...], teria sido a forma mais emblemática de manifestação de
revolução passiva, de modernização conservadora em nossa história.

Segundo Ramos Estado, “na fase do capitalismo monopolista”, “subordina suas


funções coercitivas e ideológicas”, tornando a política subordinada à burocracia
estatal. No capitalismo dependente, a política é planejada numa relação de

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subordinação ao capital internacional, “em um processo em que seus representantes
figuram como apoio, mas se constituem, mediante uma aliança com a burguesia local”.
Nos anos de 1990, o neoliberalismo torna-se hegemônico também no Brasil.
Como demonstra Paulani (2006, p. 76), este constitui o discurso mais
congruente com a etapa capitalista que se inicia a partir dos anos de 1970,
de financeirização do capital.

Na fase neoliberal, idealizada pela redução “estado ao mínimo”, na verdade “as


funções econômicas do Estado não desaparecem, mas se exacerbam em relação aos
interesses do mercado e à sua plena liberdade” (RAMOS, 2014, p. 24). O que ocorre
é a redução da proteção estatal do bem-estar social e proteção ao trabalho, assim
como o se papel nas políticas públicas da educação que passa a se conformar,
inclusive, como mercadoria privada.
Neste texto, Ramos expõe o papel da ideologia do desenvolvimento e a
Educação Profissional na consolidação do capitalismo no Brasil.
Para a autora o desenvolvimento da educação profissional nas fases e períodos
do capitalismo moderno brasileiro sempre esteve subordinado aos interesses
econômico e mesmo com o processo de redemocratização que fez reavivar nos anos
de 1980 a luta progressista por reformas educacionais consistentes, alinhadas aos
interesses da classe trabalhadora, esta foi vencida, nos anos de 1990 com a proposta
aprovada na nova LDB.
A derrota do Projeto de LDB na Câmara representou, na verdade, a derrota
de uma concepção avançada de educação básica e tecnológica, dando
espaço a um processo de regulamentação fragmentada e focalizada, o que
permitiu ao executivo realizar a reforma educacional por meio do Decreto n.
2.208/97.

No Capítulo II, intitulado “A educação profissional no Brasil neoliberal”, a autora


continua a discorrer sobre a trajetória da educação profissional no Brasil pós
redemocratização e sua vinculação aos interesses econômicos hegemônicos.
A reforma administrativa foi um princípio da gestão moderna, assim como o
era o alinhamento das instituições à lógica mercantil da economia
globalizada. Esse foi o movimento instituído pelo governo Collor, arrefecido,
em certa medida, no período Itamar Franco, dada a sua fraca legitimidade; e
retomada com fôlego no período FHC.

Depois da LDB, a desculpa de alto custo da educação profissional serviu de


argumento para obter o consenso em torno de uma suposta necessidade de se
reformar a educação profissional brasileira, que foi realizada por meio do Decreto nº

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2.208/97, no qual prevaleceu a visão do Banco Mundial sobre como deveria ser
encarada a educação dos países em desenvolvimento.
Em meio a esses desdobramentos desfavoráveis, também houve avanços e
conquistas. A educação profissional foi incorporada “como processo educacional
específico” pela Nova LDB, O Programa de Expansão da Educação Profissional
PROEP foi implementado como importante estratégia da reforma, conferindo, dentre
outros avanços, autonomia de gestão financeira aos centros de formação profissional
e muitas mudanças curriculares promovidas favoreceram o estabelecimento de
competências específicas para o trabalho.
Este capítulo segue discorrendo sobre as bases das reformas educacionais
realizadas no Brasil nos anos de 1990, desde o governo Collor até Fernando Henrique
Cardoso.
Governo Collor procurou atribuir novos contornos ao Estado, de modo que
este fosse promotor, articulador e mobilizador nacional do suposto processo
de modernização do país no que se refere à construção de infraestrutura
básica para tal.

Nesta perspectiva, o Estado seria o responsável também por assegurar as


condições para as empresas se capacitarem tecnologicamente.
O governo Itamar, marcado pela ilegitimidade derivada de uma subida ao poder
por intermédio de um processo de impeachment, foi relegado ao papel de transição.
Dessa forma, foi marcado pela busca da estabilização econômica, preparação de
FHC, ao tempo que se tentava implantar o ideário de Collor e uma revisão
Constitucional.
A sucessão presidencial por Fernando Henrique Cardoso (FHC) trouxe
tendências para a política de educação profissional no país. Ainda no
processo eleitoral, pode-se conhecer a Proposta de Governo de FHC30.
Cunha (1995)(,) demonstrou a estranheza de não se encontrar, em um
documento com certo grau de sofisticação qualquer referência ao problema
central das escolas técnicas federais, naquele momento já estendendo suas
atividades para os cursos superiores de graduação e de pós-graduação lato
e strictu sensu.

Coerente a proposta apresentada, o governo FHC foi marcado, no que


concerne à educação profissional, pelo descolamento desta em relação ao sistema
educacional, passando “as políticas de formação para o trabalho passaram a ser
orientadas para os programas de capacitação de massa”. Dessa forma, “as escolas
técnicas deixaram de oferecer ensino médio profissionalizante para oferecer cursos

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técnicos concomitantes ou sequenciais a esses”. Grande quantidade de recursos são
investidos no Sistema “S”.
Ao sintetizar a reforma do ensino médio no Brasil, promovida em decorrência
da implementação da Nova LDB, a autora conclui que houve mudanças de ordem
estrutural e conceitual. Essas alterações atenderam aos interesses e às diretrizes dos
organismos internacionais de orientação dos países hegemônicos como o BID, “tendo
como espinha dorsal a separação entre ensino médio e educação profissional”, desde
como eram efetivadas as matrículas até a forma como eram organizadas as
instituições educacionais, “configurando-se escolas próprias para cada uma das
modalidades”.

A leitura do texto, corrobora com a expectativa pelo seu caráter didático e pela
abordagem competente e sintética da autora. Fornece elementos necessários à
compreensão, tanto da formação do nosso pensamento sobre e para a educação
profissional, quanto da estruturação institucional da rede federal de educação
profissional, relacionando todo este processo aos interesses envolvidos.
No entanto, não é o suficiente nesta obra, mais ainda em dois capítulos
introdutórios, produzidos para fins didáticos, se dá conta da riqueza e relevância do
trabalho, pensamento e estilo de Marise Ramos.
Mesmo assim, cabe uma reflexão, ainda que pouco explorada no texto, de que
não basta, para compreensão da formação capitalista brasileira, a ideia de Trabalho
“livre”, (remunerado) e desenvolvimento industrial, seja estes elementos tratados da
ótica da estratégia nacionalista ou dependente. Não é suficiente para entender o
nosso ocaso socioeconômico reduzindo-o a uma renúncia de protagonismo
revolucionário burguês em prol de velhas práticas.
O capitalismo moderno brasileiro pode ter se desenvolvido com a nossa
revolução industrial tardia dos anos de 1930, mas a seiva que o alimentou – e o
alimenta em sua forma financeira – sempre foi processada em profundas raízes
escravocratas. Para compreender a sociedade brasileira é preciso saber que a árvore
é uma só.

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