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Fortaleza, 2016
DENNIS ALONSO DE PAULA BRANDÃO
Fortaleza, 2014
AGRADECIMENTOS
TERMO DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora:
_________________________________________
Profª. Ms. Terezinha Bandeira Pimentel Drumond
(Orientadora – FTDR)
_________________________________________
Profº. Ms. Cleison Luis Rabelo
(Coordenador do Curso)
Fortaleza, 2016
DEMOCRATIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL PÓS
DITADURA MILITAR: A Promulgação da Constituição e seus desdobramentos
na educação Brasileira.
RESUMO
INTRODUÇÃO
Esse artigo busca fazer uma análise sobre o processo de transformação pelo
qual passou a educação através de seus parâmetros curriculares no momento de
transição da Ditadura Militar para a redemocratização, enfatizando a atuação dos atores
sociais – políticos, professores, sociedade civil – sobre a educação na construção da
Constituição de 1988. O período estudado proposto se inicia no final do período militar,
precisamente entre os anos de 1982 até 1988, portanto, no início da chamada
Redemocratização ou Abertura política e adentra o governo do Presidente José Sarney,
tendo seu ápice na promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988 e a
conseqüente reação da comunidade estudantil frente ao seu texto. Isso não nos impede,
para efeitos de compreensão, de alargar esse período, de forma a podermos entender o
contexto histórico dos acontecimentos, como a formação do ensino profissionalizante
1
Graduado em História pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Professor Substituto da Secretária
Municipal de Educação de Fortaleza – SME, Pós-Graduando em História do Brasil com Ênfase em
História do Ceará pela Faculdade Padre Dourado - FACPED.
durante o governo militar – portanto anterior ao período estudado. Afim de organizar a
construção desse texto, o mesmo será dividido em três partes.
Na primeira parte abordamos as questões relacionadas às mudanças
curriculares operadas pelos militares nos programas de ensino de 1º e 2º graus e
universitário, que tinham por finalidade afunilar a entrada de estudantes no ensino
superior, ao mesmo tempo em que estes se profissionalizavam buscando a inserção no
mercado de trabalho. Também buscamos mostrar a continuidade desses programas no
período militar, que teve como uma de suas características as implantações pelo regime
sem a devida discussão junto à sociedade civil, precisamente com os mais interessados
na construção de um modelo educacional para o país. Procuramos ainda analisar os
motivos que levaram ao fracasso desse modelo proposto que, segundo alguns autores, se
deram por motivos variados que iriam da falta de estrutura física, até a resistência por
parte das classes dominantes. Na segunda parte, abordamos o contexto nacional que
envolveu as discussões sobre a constituinte, que vai desde a criação da Comissão
Provisória de Estudos Constitucionais, em 1985, passando pelas eleições regionais e a
formação da bancada parlamentar que promoverá as discussões referentes às novas leis
que futuramente serão elaboradas. Mais do que isso, exemplificaremos como a situação
do país pedia medidas urgentes e como a insatisfação por parte da comunidade
educacional serviu como “combustível” no acirramento das discussões que se
desdobrarão em lutas e manifestações ocorridas. Na parte final falaremos sobre a
formação da Constituição e que benefícios ela trouxe para a educação do Brasil, seu
conteúdo e o que ela representa na vida do brasileiro; buscamos também mostrar como
se deu a participação – assim como as discussões por parte dos atores envolvidos
(principalmente estudantes, professores e intelectuais) e as instituições de ensino de 1º,
2º grau e nível universitário – mesmo depois de sua promulgação e qual a reação da
população diante da realidade vivida e a representada no texto da constituição.
• Reforma Universitária
2
FIGUEIREDO. Erika Suruagy A. de; Reforma do Ensino Superior do Brasil: um olhar a partir da História.
Disponível em: Revista da UFG – Órgão de divulgação da Universidade Federal de Goiás – ano VII, Nº 2,
Dezembro de 2005. WWW.Proec.ufg.br/revista_ufg.
paralelos, semestrais, com a introdução do sistema de créditos; a introdução dos exames
vestibulares unificados e dos ciclos básicos, comuns a estudantes de diversos cursos; a
instituição regular dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), bem como de
cursos de curta duração. Como se pode ver, as medidas mais importantes nesse sentido
são: a estrutura departamental, o sistema de créditos e de matriculas por disciplinas, o
ciclo básico, a carreira universitária única, a indissociabilidade entre o ensino e a
pesquisa. Tais mudanças resultam em parte da ingerência norte-americana em assuntos
educacionais brasileiros, mediante acordos assinados entre o nosso ministério da
educação e a agência interamericana de desenvolvimento dos Estados Unidos, que se
tornaram famosos com o nome de MEC-USAID.
• As Reformas de 1º e 2º graus
[...] a educação para o trabalho não cabia na concepção de mundo das classes
média e alta da sociedade brasileira. O trabalho manual era, para essas
classes, algo que competia aos trabalhadores e filhos de trabalhadores [...]
proposta profissionalizante, por isso mesmo, também desagradou à classe
operária e rural. Ir para a escola era identificado como libertação do trabalho,
e o pai operário que fazia esforço para manter seu filho “doutor”, que
mandasse nos outros e não fosse como ele é, um trabalhador manual (Idem,
41-42).
3
É o órgão responsável pela elaboração de uma nova ordem político-social de um país.
4
NASCIMENTO, Amélia. Como escolher um bom candidato. Nova Escola, São Paulo. Ano 01, nº 06, p
12-17. Setembro/1986.
ensino integrado: o ensino fundamental ficaria a cargo das prefeituras e o médio a cargo
dos governos estaduais; já para Sólon Borges dos Reis (líder do PTB na câmara) os
pais, por lei, deveriam participar ativamente da educação dos filhos, tanto na escola
quanto em casa; para Freida Bittencourt (ex-deputada) a construção de mais escolas era
aquilo pelo que trabalhar5. Esses e outros assuntos mexiam com o imaginário do eleitor,
que buscava soluções para os problemas básicos do dia a dia, entre eles, a formação de
uma educação decente para seus filhos. Muitas dessas propostas – como veremos
adiante – acabaram por fazer parte do texto da constituição. Todos percebiam que este
era um momento importante pelo qual o país passava, todos queriam fazer parte, mesmo
que para defender interesses particulares ou de grupos específicos.
No dia 1º de fevereiro de 1987 é dado início aos trabalhos da constituinte 6.
Na formação do corpo da constituinte, temos a cisão de dois grupos que elaborarão dois
projetos diferenciados: os conservadores e os progressistas. Os primeiros, apoiados por
Sarney, pretendiam (re)formular a constituição a partir da Carta de 1969; do outro lado,
temos um grupo que visava a redação de uma nova Constituição, também atendendo
seus interesses. Seja qual fosse o lado político a obter êxito “[...] a elaboração da nova
Constituição por tal congresso garantiu maior poder de influência aos quadros políticos
tradicionais, bem como aos seus aliados no âmbito socioeconômico7”.
A constituinte descentralizou a confecção do texto constitucional, através das
comissões e subcomissões temáticas, além de permitir a intensa participação da
sociedade civil, sob diversas modalidades8. Esta se deu, principalmente, com a comissão
provisória que dava este espaço ao cidadão para opinar sobre os temas a serem
indexados na nova Carta Magna do país. Esse espaço é representado nas chamadas
“emendas populares”, as quais eram formuladas a partir das assinaturas da população.
Esta era uma forma do povo se sentir parte deste processo, mesmo que de forma
superficial9. Nas discussões sobre a educação, no que foi chamado de Fórum da
Educação na Constituinte, tivemos a participação de várias entidades como a ANDE
(Associação nacional de educação), CPB (Confederação dos professores do Brasil),
CUT (Central única dos Trabalhadores), SBPC (Sociedade brasileira para o progresso
da ciência) além da UBES (União brasileira dos estudantes secundaristas) e a UNE
5
Ibid. p. 16,17.
6
O Povo. 01 de fevereiro de 1987, p. 06.
7
PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. 7ª Ed. São Paulo: Ática, 2003. P. 295.
8
Ibid. p, 297.
9
Ibdem, 2003, p. 135.
(União nacional dos estudantes). Estes e outros grupos, representando todos os níveis da
educação, cooperando para a formulação das leis referentes à educação brasileira, afinal,
problemas não faltavam para serem resolvidos.
O Brasil, comparado a outros países do mundo, não podia se vangloriar de
ter uma educação que atendesse a todos os brasileiros. Tínhamos um número de
repetentes da 1ª série do 1º grau que chegava a 50%; 30% das crianças entre 7 e 14 anos
estavam fora da escola, além do mais 22% dos professores eram considerados leigos,
mal preparados e mal pagos refletindo toda uma estrutura educacional deficiente. Esses
números também são expressos quando comparamos o Brasil a alguns países como
Cuba e França; enquanto nestes países o número de alunos que eram aprovados do 1º
para o 2º grau chegava a ser 100%, no Brasil esse número era de apenas 12% 10. Outro
fator a ser discutido era a questão da privatização da educação a nível básico e superior.
Para CUNHA (1987) na nova constituição a educação deve ser democrática, gratuita e
laica. Ele entende educação como:
[...] aquele que permite o acesso de todos que o procuram, mas, também,
oferece a qualidade que não pode ser privilégio de minorias econômicas e
sociais. O ensino democrático é aquele que sendo estatal, não está
subordinado ao mandonismo de castas burocráticas, nem sujeito às oscilações
dos administradores do momento (CUNHA, 1987, 75).
Essa luta não seria contra algo que pudesse surgir, mas contra um sistema
que já estava sendo exercido. Nos dois extremos da educação temos a presença da
privatização. Das crianças de 0 a 6 anos em torno de 80% se encontravam no ensino
privado; entre as universidades 75% eram compostas de instituições privadas11. Goés
(1987) vai apontar para a harmonia que deve haver entre a escola pública e a privada.
Mesmo que tenhamos escolas públicas de ótima qualidade, num mundo capitalista as
escolas privadas sempre terão seu espaço, por ser um projeto econômico-financeiro que
além da busca do lucro, tem por objetivo a competitividade e a venda de um produto. É
nesse ambiente que a constituinte elaborou as leis que regeriam a constituição brasileira.
Em 2 de Abril de 1987 o Fórum divulgou o Manifesto à Nação, documento no qual
continha as posições comuns entre as entidades que o integravam (PILETTI, 2003,
135). Entre as reivindicações vemos a intensificação no direito de cada cidadão a ter
10
GOÉS, Moacyr de. A quem interessa o Brasil ignorante? In: Constituição e Constituinte. Brasilia:
UNB, 1987, p. 05.
11
GÓES, Op. Cit., p. 75.
acesso a um ensino público, gratuito e laico; as verbas do governo federal não poderiam
ser menores de 13% e os estados (e o distrito federal) deveriam aplicar o mínimo de
25% de sua receita. O peso deste manifesto é expresso pela força das entidades que a
compunham. O direcionamento para a educação estava proposto, agora caberia a
assembléia torná-las reais.
Para muitos esse processo parece ter se dado de forma pacífica, porém, se
atentarmos para como estudantes, professores e instituições de ensino se comportaram,
veremos que esse período foi marcado por conflitos nos quais todos estavam engajados.
Os anos de 1987 e 1988 foram marcados por protestos em todo o país. Os
manifestantes, em especial professores, buscavam melhorias na educação e na condição
de vida dos mesmos. Num período em que a economia brasileira passava por uma crise
sem tamanho, era comum os governadores não repassarem aos seus funcionários o
salário de forma devida. Mesmo com diferentes movimentos em diversos pontos do
país, estes trabalhadores lutavam por uma série de reivindicações em comum.
As estruturas físicas das escolas brasileiras eram precárias. Escolas do Ceará
tinham aulas em salas sem carteira, em prédios a ponto de desmoronarem e sem
alimentação para as crianças12 já que não conseguiam atender a demanda de alunos. A
educação brasileira necessitava de uma urgente reforma estrutural. O grande foco de
protestos começa a tomar forma a partir da insatisfação dos professores com seus
salários. Uma série de greves e paralisações acontece em todo o país e, em busca de um
piso salarial que atendesse aos seus interesses – muitos tiveram seus salários cortados
pela metade – professores cearenses paralisam suas atividades por tempo
indeterminado. Atrelado ao corte salarial promovido pelo governo estadual havia o corte
de pessoal, que chegava a 65% em algumas escolas, impulsionando as manifestações. O
caso do Ceará é particularmente importante para podermos entender as condições
históricas específicas daquele momento. O governador Gonzaga mota, à frente do
estado no período não conseguia encontrar, no campo regional, saídas para vencer a
inflação que assolava o país. Isso desencadeou uma série de greves de servidores
12
O Povo, 03 de março de 1988, p.07.
públicos em todo o estado, provocando manifestações não apenas na educação, como
também no judiciário, na saúde, entre outros servidores da capital e do interior. É neste
clima de insatisfação e greves encaminhadas que o governo é passado ao novo
governador Tasso Ribeiro Jereissati, em 15 de março de 1987. Este, desde fim dos anos
70, integrava um grupo de jovens empresários preocupados com a crise institucional
que ameaçava alongar o período autoritário.
Presidiu o Centro Industrial do Ceará – CIC, transformado-o na época em fórum
de debates das questões econômicas, sociais e políticas da região e do país, notadamente
no que concernia as tensões políticas que estavam acontecendo em âmbito local e
nacional. Candidato do PMDB, Jereissati se uniu com partidos como PCB, PC do B, e
PDC para formular a chamada coligação pró-mudanças. Sua campanha foi construída
na idéia de mudança do sistema de governo atual. A figura de um jovem empresário
proposto a promover as mudanças esperadas mexia com o imaginário da população que
via neste a possibilidade de conquista de uma vida melhor13. As queixas por parte dos
professores conforme citado, provinha das primeiras medidas do governo estadual no
sentido de cortar de gastos. Uma delas foi a retirada de 40.000 funcionários do quadro
público; esta seria uma primeira medida de “enxugamento de gastos” da folha de
pagamento. A reação dos servidores foi imediata e se estendeu numa constante onda de
protestos durante os primeiros anos desse governo.
Uma forma de apaziguar os ânimos desses professores foi a utilização de
jornais da Capital como propagandistas do governo. A estratégia era traçar um paralelo
– ou melhor, comparativo – entre os salários pagos nos anos anteriores (governo
anterior) e os dois primeiros anos de governo14. Procura-se apresentar o aumento
substancial do salário dos professores, chegando a passar de Cz$ 3.600 em 1986 para
Cz$ 25.200 em março de 1988; o corte de pessoal é apresentado como um fator que
contribui para o melhoramento dos salários dos demais. Em termos de estratégia
política, esse tipo de propaganda poderia ser entendida como um ato “comum” nas
mídias de todo o país, tanto naquele período como nos dias atuais. Mas no contexto da
época essas ações visavam conter os ânimos dos protestantes mais eufóricos.
Entendemos essa ação como uma forma de “recrutar” para o lado do governo, não
aqueles professores que estão mais engajados nas manifestações, mas sim àqueles que
continuavam indecisos ou permaneciam ministrando suas aulas, sem uma atuação maior
13
VIEIRA, 2002, p. 322-323.
14
O Povo, 01 de março de 1988, p. 05.
nos protestos. Em março de 1988 as aulas não tinham começado por conta da
paralisação dos professores, como forma de pressionar o governo para que o piso fosse
negociado; como resposta o governo do estado, por intermédio do secretário de
educação Paulo Elpídio visita as escolas estaduais para tomar nota da real situação da
educação do estado15.
Temos dessa forma uma tentativa de construir um diálogo entre o governo do
estado e os professores, onde o secretário da educação passa a servir como canal de
mediação entre os dois lados até o momento em que, não suportando as pressões sobre
ele impostas, decide renunciar ao seu cargo. Manifestações realizadas pelos professores
com o apoio da APEOC16 - que acreditava haver um boicote contra o ex-secretário
promovido por pessoas que queriam ver o caos na educação do Ceará17 - e por
funcionários da própria secretária de educação18 foram de total apoio ao ex-secretário.
Essa troca de farpas tinha um endereço certo: o governo do estado, que insistia em não
atender as exigências dos professores. A tensão maior decorreu da declaração do
governador Tasso Jereissati na cidade de Horizonte em 25 de Março de 1988, num
evento que marcou a libertação dos escravos. Em seu discurso, declara que:
[...] o povo tem que receber para prestar serviços [...] aquele que trabalha
merece o nosso apoio. Àquele que não trabalha, que suga o dinheiro de vocês
tem que ir para o olho da rua [...] nós não temos sido entendidos. São ex-
padrinhos ou padrinhos de afilhados que não trabalham19.
15
O Povo, 07 de março de 1988, p. 03.
16
O Povo, 11 de março de 1988, p. 10.
17
Associação de Professores de Estabelecimentos Oficiais do Estado do Ceará.
18
O Povo, 12 de março de 1988, p. 09.
19
O Povo, 12 de março de 1988, p. 02.
20
O Povo, 27 de março de 1988, p. 02
moral e de soldados da cavalaria para conter a multidão. Em Belém a manifestação dos
professores na secretária de Educação, foi recepcionada pela polícia militar. Estes,
usando de violência tentavam coagir os manifestantes.
O uso da força foi tamanha que o professor Neyvaldo Luz teve os testículos
estourados por um chute desferido por um dos soldados 21. Percebemos nesses casos a
utilização da repressão policial por parte do estado, que se utiliza da violência ora como
meio de “manter a ordem”, ora como punição aos que não estão satisfeitos – e por isso
mesmo, questionam – a forma como o poder público conduz sua administração. Não só
os professores de 1º e 2º graus, mas também a atuação dos estudantes da academia foi
intensa nesse momento. O maior ímpeto é dado pelos universitários que lutam em
conjunto com as universidades pela melhoria no ensino superior brasileiro. A condição
das universidades é delicada nesse momento.
Conforme mencionado, a educação superior pública estava em iminente
processo de privatização; tanto os docentes quanto os alunos temiam por isto e lutavam
para que o governo federal garantisse que esta permanecesse pública, gratuita e de
qualidade. A Universidade Federal do Ceará lança nota alertando a sociedade sobre a
importância das instituições superiores públicas no país22 e salientando a importância
destas para a pesquisa e extensão e, ao mesmo tempo, do perigo de sua extinção diante
do crescente mercado capitalista que explora o ensino superior. As manifestações não se
detinham apenas nessa questão; haveria de se mudar a estrutura das universidades
brasileiras. Assim como no ensino de 1º e 2º graus, as universidades careciam de
estruturas adequadas e de uma educação que realmente promovesse o ensino, a pesquisa
e a extensão. Essa luta tinha como seus protagonistas os estudantes. Em Abril de 1987 o
então ministro das minas e energia do governo José Sarney, Aureliano Chaves é vaiado
e impedido de falar por parte dos estudantes na faculdade de direito da Universidade do
Rio de Janeiro, atual Universidade federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como membro do
governo e por isso convidado a falar sobre democracia, protagonizou um dos maiores
vexames que um ministro desse governo tinha passado. Este acontecimento é registrado
pela mídia à época e visto com repúdio devido ao fato de os alunos da universidade
rechaçarem alguém convidado da própria instituição. Vemos este fato como uma forma
de os estudantes manifestarem sua insatisfação com o que está sendo feito com as
universidades brasileiras.
21
Reportagens publicadas na Folha de São Paulo do dia 31 de março de 1988.
22
O Povo, 23 de março de 1988, p. 03.
No Ceará universidades públicas e privadas também lutavam por melhorias na
educação superior. Uma série de greves são estabelecidas nas universidades públicas do
estado, como a paralisação da UECE contra a exoneração de docentes a partir de um
decreto do governador23. No caso da UFC os conflitos se dão a partir da falta de verbas
que estavam levando a universidade a um colapso24. Esse é um pouco do contexto em
que se encontra a educação brasileira na beirada de uma nova constituição. Seria
inviável tratar de todos os conflitos que aconteceram, mas cremos que estes aqui
apresentados servem para elucidar um pouco o que foi este processo no Brasil. O clima
de insatisfação cercava todas as áreas da educação brasileira e é a partir daí que vai se
formar uma pressão para a implantação de uma legislação eficiente que atenda a todas
as demandas da educação.
Com todas as ressalvas, a Constituição pode ser vista como o marco que pôs
fim aos últimos vestígios formais do regime autoritário. A abertura, iniciada
pelo general Geisel em 1974, levaria mais treze anos para desembocar em um
regime democrático (FAUSTO, 2001, 289).
23
O Povo, 12 de março de 1988, p. 08.
24
O Povo, 08 de outubro de 1988.
25
Conferir VIEIRA, 2002, p. 333.
uma lei que especificasse detalhadamente como a educação deveria ser processada, a
Constituição Federal veio a ser o gestor e peça base para que esta fosse formulada.
Mesmo tratando a educação por linhas mais gerais, a nova carta apresenta os
elementos discutidos no período então abordado. Mesmo não tendo total aprovação
dos educadores por, segundo alguns autores, permanecer com as mesmas estruturas
clientelistas de períodos anteriores, a nova constituição traz conquistas significativas
nessa área: Total autonomia didático-científica e administrativa para as universidades,
sendo exigida destas sempre a existência de pesquisa e extensão (Art. 207).
O ensino fundamental, médio26 e universitário é garantido pelo estado e a sua
oferta feita de forma gratuita; prover o pré-escolar para crianças de 0 a 6 anos, o total
atendimento educacional para portadores de deficiências são elementos do Art. 208; o
ensino livre de iniciativa privada, conforme artigo 209; o ensino laico, garantido no
Art. 210; o ensino religioso passa a ser optativo, além da fixação da língua portuguesa
como a língua em que as aulas devem ser ministradas, dando autonomia aos indígenas;
a aplicação de no mínimo 18% da receita federal e o mínimo de 25% para os estados e
o Distrito Federal (Art. 212) dando assim uma possibilidade de maior investimento na
estrutura e no melhoramento do ensino público.
Apesar das alterações e ampliações propostas no corpo da nova constituição,
segundo Vieira (2002) o governo Sarney acabou se caracterizando por uma “indefinição
de rumos” 27 resplandecida na educação. Isso fica mais claro na fala de Kuenzer:
26
O Ensino de 1º e 2º graus passam a ser chamados de Ensino Fundamental e Médio.
27
VIEIRA, 2002, p. 334.
governo da constituição” (*). Desde o começo ele se voltou totalmente para a fabricação
da Carta Magna, das leis que regeriam o país, sem dar a devida atenção aos fatores
econômicos e à situação social do país. Pesquisando em jornais e revistas, percebemos a
insatisfação popular com os rumos que a nação estava tomando e a forma como ela
estava sendo governada, mesmo com o implemento de novas leis federais. A
Constituição vem tentar apaziguar a opinião pública diante de um governo que se
mostra frágil e sem intensidade política.
A Constituição nasce, mas a insatisfação continua. Sua aceitação não é
imediata e os protestos que duraram por todo o processo da constituinte continuam. Em
menos de vinte dias após a promulgação da lei teremos conflitos em São Paulo entre
universitários e a polícia. Em uma manifestação das universidades paulistas – na USP –
reivindicando melhorias no ensino superior, os manifestantes foram recebidos por uma
das intervenções policiais mais violentas em conflitos com estudantes. O aluno Celso
Ricardo Miranda, de 21 anos, além de ser pisoteado pelos cavalos da tropa de choque da
PM, foi espancado por policiais armados de cassetetes até ficar inconsciente e ser
socorrido para o Hospital Universitário. Casos de queimaduras e explosão de bombas de
gás lacrimogêneo também foram contabilizados. Manifestantes da UNICAMP saindo
do ônibus foram agredidos fisicamente28.
Essa ação mostra o quanto a polícia ainda continuava repressora e o direito de
greve e manifestação – defendido na constituinte – não era respeitado29. Esse é apenas a
ponta do iceberg no contexto social. A nova lei é muito recente e não temos, nesse
momento, um processo de aculturamento por nenhum setor da sociedade. A falta de
investimentos nas academias logo é percebida e desencadeia uma série de greves e
manifestações por todo o Brasil. De imediato as aulas da Universidade federal do Ceará
são paralisadas por falta de estrutura e pelo não pagamento de professores e
funcionários. A universidade teria que dispor de 797 milhões de cruzados (Cz$) para
não parar suas atividades. Na data de nascimento da nova constituição cursos como o de
geologia estavam com suas atividades suspensas há pelo menos duas semanas. O
Hospital das Clinicas, pertencente à universidade, teve que fechar suas portas por falta
(*) Ironicamente, o governo Sarney (1985 – 1990) ficará marcado na história como o governo da “Década
perdida” em decorrência do inexpressivo crescimento econômico do período.
28
Folha de São Paulo, 28 de novembro de 1988.
29
Um dos temas trabalhados na Constituinte trata do direito de greve dos trabalhadores. Numa tentativa
de ruptura coma Ditadura Militar, que condenava e caçava esse tipo de ação, no dia 01 de março de 1988
o fórum da Constituinte garantiu esse direito, que como pode ser observado, não foi respeitado.
de verbas do governo federal, assim como as universidades rurais de Pernambuco e do
Rio de Janeiro, as universidades federais de Mato Grosso e Ouro Preto. Para o jornalista
Heliomar Maia:
[...] somos uma categoria que começa a tomar consciência de sua força e,
pela luta que vem desenvolvendo, passa a ser reconhecida e respeitada por
toda a sociedade cearense. Saibamos administrar as nossas conquistas [...]
hoje somos um exemplo de luta e de coragem para os nossos alunos e para os
nossos filhos. Além do pão estamos conquistando também a nossa dignidade
31
Mesmo sendo de um período posterior ao tratado nessa seção, essa fala ilustra
bem o sentimento do professor brasileiro. Ele não é apenas um fantoche nas mãos do
governo; antes de sentir-se um profissional, quer ser tratado como um cidadão. Ele luta
para que os seus direitos, que agora são amparados e garantidos, sejam realizados e
cumpridos por parte dos governantes.
30
O Povo, 09 de outubro de 1988, p. 10.
31
O Povo, 01 de maio de 1987, p. 06.
O período estudado é muito próximo da promulgação da Constituição. Sendo
assim, não percebemos grandes diferenças dos anos de luta e greves que os
antecederam. Pelo pouco tempo, é evidente que as mudanças reais vão ocorrer nos
governos posteriores, tendo uma maior estabilidade no governo FHC onde será definida
as Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Mesmo assim, fica claro que
estudantes, professores, intelectuais e os demais trabalhadores lutaram e sempre vão
lutar pelo que eles defendem e acreditam. Esse sentimento é percebido em cada pagina
de jornal, em cada notícia que revela diariamente novos atores que atuam e constroem a
história de suas vidas e do meio em que vivem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CUNHA, Luiz Antônio & GÓES, Moacyr de. O Golpe na Educação. 6ª Edição, Rio de
Janeiro. Jorge Zahar editor LTDA, 1985.
NASCIMENTO, Amélia. Como escolher um bom candidato. Nova Escola, São Paulo.
Ano 01 nº 06, p 12-17. Setembro/1986.
PILETTI, Nelson. História da Educação no Brasil. 7ª Edição. São Paulo: Ática, 2003.
VIEIRA, Sofia Lerche (Org). História da Educação no Ceará: sobre promessas, fatos e
feitos. 1ª Edição; Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.
FONTES IMPRESSAS:
REVISTAS: Nova Escola. São Paulo: Abril editora, nº 06. Setembro, 1986.
Revista Veja. Abril editora, nº 973. Abril, 1987.