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FACULDADE DE TECNOLOGIA PADRE DOURADO – FPD

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL COM


ÊNFASE EM HISTÓRIA DO CEARÁ

REDEMOCRATIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL


PÓS DITADURA MILITAR: A Promulgação da Constituição e
seus desdobramentos na educação Brasileira.

DENNIS ALONSO DE PAULA BRANDÃO

Fortaleza, 2016
DENNIS ALONSO DE PAULA BRANDÃO

REDEMOCRATIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL


PÓS DITADURA MILITAR: A Promulgação da Constituição e
seus desdobramentos na educação Brasileira.

Trabalho apresentado à Faculdade Padre


Dourado como requisito para obtenção do
título de Especialista em História do Brasil
com ênfase em História do Ceará, sob a
orientação da Professora Ms. Terezinha
Bandeira Pimentel Drumond.

Fortaleza, 2014
AGRADECIMENTOS

Agradecer 1. Mostrar-se grato por; Demonstrar gratidão.(Dicionário


Aurélio, Século XXI).
Agradecer. Atividade prazerosa e ao mesmo tempo inquietante, uma vez
que se corre o risco de incorrer em injustiça causada pela omissão de nomes
de pessoas que tiveram participação importante na confecção deste artigo.
Mesmo assim, gostaria de agradecer a essas pessoas:
À minha esposa Cirlene, pelo incentivo e apoio na caminhada para a conclusão desta
especialização, que culmina com a feitura deste trabalho. À você meu amor e afeto.
Aos meus colegas de curso, pela amizade e carinho que floresceu entre
nosso grupo em todo este tempo em que passamos juntos aprendendo,
relembrando, compartilhando e debatendo opiniões. Obrigado a todos vocês.
Aos professores, por compartilharem de seus conhecimentos e opiniões;
por nos fazerem acreditar que vale a pena investir na educação
transformadora, reflexiva e contestadora, que não se contenta com o status
quo, mas que pode ser usada, e bem usada, para operar as mudanças em
busca de uma sociedade mais igualitária e justa. Minha Admiração e respeito a
todos vocês.
FACULDADE PADRE DOURADO – FPD
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E EXTENSÃO – CPGE
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL COM ÊNFASE
EM HISTÓRIA DO CEARÁ

TERMO DE APROVAÇÃO

REDEMOCRATIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL PÓS


DITADURA MILITAR: A Promulgação da Constituição e seus
desdobramentos na educação Brasileira.

DENNIS ALONSO DE PAULA BRANDÃO

Artigo apresentado como requisito parcial para obtenção do título de


Especialista em História do Brasil com Ênfase em História do Ceará, tendo sido
aprovado pela Banca Examinadora composta pelos professores:

Banca Examinadora:
_________________________________________
Profª. Ms. Terezinha Bandeira Pimentel Drumond
(Orientadora – FTDR)

_________________________________________
Profº. Ms. Cleison Luis Rabelo
(Coordenador do Curso)

Fortaleza, 2016
DEMOCRATIZAÇÃO, EDUCAÇÃO E CIDADANIA NO BRASIL PÓS
DITADURA MILITAR: A Promulgação da Constituição e seus desdobramentos
na educação Brasileira.

Dennis Alonso de Paula Brandão1

RESUMO

O Trabalho em questão aborda a relação entre educação e cidadania e como ambas


estão ligadas à formação de uma consciência política do povo brasileiro a partir da
promulgação da Carta Magna de 1988 – a Constituição da República Federativa do
Brasil – através da ação de professores, alunos e intelectuais, impedidos de participar do
processo inicial de reformulação da educação a época. Necessário também se faz
entender o contexto socioeconômico da época, em particular a influência das empresas
estrangeiras nas diversas áreas da vida do brasileiro, em especial na educação. Outras
temáticas que serão abordadas são: o processo de reformas universitárias e do ensino de
1º e 2º graus e as mudanças que irão ocorrer com a constituinte na política educacional
brasileira; as ações dos estudantes, professores e instituições e as lutas e conflitos
desencadeados pela situação política vivida e as mudanças prometidas e a existência de
conflitos posteriores à carta magna.

PALAVRAS-CHAVES: Cidadania, Educação, Reformas, Constituição e Constituinte.

INTRODUÇÃO

Esse artigo busca fazer uma análise sobre o processo de transformação pelo
qual passou a educação através de seus parâmetros curriculares no momento de
transição da Ditadura Militar para a redemocratização, enfatizando a atuação dos atores
sociais – políticos, professores, sociedade civil – sobre a educação na construção da
Constituição de 1988. O período estudado proposto se inicia no final do período militar,
precisamente entre os anos de 1982 até 1988, portanto, no início da chamada
Redemocratização ou Abertura política e adentra o governo do Presidente José Sarney,
tendo seu ápice na promulgação da Constituição, em 05 de outubro de 1988 e a
conseqüente reação da comunidade estudantil frente ao seu texto. Isso não nos impede,
para efeitos de compreensão, de alargar esse período, de forma a podermos entender o
contexto histórico dos acontecimentos, como a formação do ensino profissionalizante

1
Graduado em História pela Universidade Federal do Ceará – UFC, Professor Substituto da Secretária
Municipal de Educação de Fortaleza – SME, Pós-Graduando em História do Brasil com Ênfase em
História do Ceará pela Faculdade Padre Dourado - FACPED.
durante o governo militar – portanto anterior ao período estudado. Afim de organizar a
construção desse texto, o mesmo será dividido em três partes.
Na primeira parte abordamos as questões relacionadas às mudanças
curriculares operadas pelos militares nos programas de ensino de 1º e 2º graus e
universitário, que tinham por finalidade afunilar a entrada de estudantes no ensino
superior, ao mesmo tempo em que estes se profissionalizavam buscando a inserção no
mercado de trabalho. Também buscamos mostrar a continuidade desses programas no
período militar, que teve como uma de suas características as implantações pelo regime
sem a devida discussão junto à sociedade civil, precisamente com os mais interessados
na construção de um modelo educacional para o país. Procuramos ainda analisar os
motivos que levaram ao fracasso desse modelo proposto que, segundo alguns autores, se
deram por motivos variados que iriam da falta de estrutura física, até a resistência por
parte das classes dominantes. Na segunda parte, abordamos o contexto nacional que
envolveu as discussões sobre a constituinte, que vai desde a criação da Comissão
Provisória de Estudos Constitucionais, em 1985, passando pelas eleições regionais e a
formação da bancada parlamentar que promoverá as discussões referentes às novas leis
que futuramente serão elaboradas. Mais do que isso, exemplificaremos como a situação
do país pedia medidas urgentes e como a insatisfação por parte da comunidade
educacional serviu como “combustível” no acirramento das discussões que se
desdobrarão em lutas e manifestações ocorridas. Na parte final falaremos sobre a
formação da Constituição e que benefícios ela trouxe para a educação do Brasil, seu
conteúdo e o que ela representa na vida do brasileiro; buscamos também mostrar como
se deu a participação – assim como as discussões por parte dos atores envolvidos
(principalmente estudantes, professores e intelectuais) e as instituições de ensino de 1º,
2º grau e nível universitário – mesmo depois de sua promulgação e qual a reação da
população diante da realidade vivida e a representada no texto da constituição.

EDUCAÇÃO E CIDADANIA NA ABERTURA POLÍTICA: RUPTURAS E


PERMANÊNCIAS

A partir da implantação do regime militar de 1964, pode-se constatar que os


avanços e conquistas sociais obtidos durante o governo João Goulart vão sofrer um forte
retrocesso, no que concerne a educação brasileira, assim como nos demais setores que
compunham a vida nacional. O autoritarismo se fará presente através de reformas que
serão feitas em praticamente todos os níveis de ensino, em um claro posicionamento
elitista e dominante que será imposto de cima para baixo sem contar com a participação
daqueles que seriam os maiores interessados, no caso alunos, professores, educadores,
intelectuais, e setores outros da sociedade. A respeito da insípida participação popular
na construção da política do país nesse momento, ARROYO (1991) destaca que:

A tese da imaturidade e do desespero das camadas populares para a


participação popular e para a cidadania é uma constante na história do
pensamento e da política. Os longos períodos de negação da participação são
justificados porque o povo brasileiro não está, ainda, educado para a
cidadania responsável. Nos curtos momentos da abertura, o ideal republicano
volta, e o tema educar para a cidadania passa a ser repetido por políticos,
intelectuais e educadores. Tanto nos longos períodos de exclusão do povo da
participação, como nos curtos de abertura, o exercício da cidadania não é
permitido porque o povo não está preparado. O que diferencia neste
particular, as elites autoritárias das liberais é que estas se declaram a favor de
educar as camadas populares para, um dia, participarem: o dia em que essas
elites as julguem capacitadas (ARROYO, 1991, 33).

Ao final da Ditadura militar as transformações acontecem não somente no


âmbito político, mas também econômico e social. O que temos em quase todas as
escolas, notadamente as que estão sob o controle do poder público, em uma espécie de
continuidade que tende a transcender os modelos governamentais existentes no Brasil e
suplanta a boa vontade política de alguns poucos que se esforçam para mudar essa
realidade são: os elevados índices de repetência e evasão escolar, escolas com
deficiência de recursos, tanto de ordem material quanto humanos, estrutura colegial de
péssima qualidade, professores pessimamente remunerados e desmotivados para
trabalhar e elevadas taxas de analfabetismo. Assim, além de ser impedida de escolher
seus representantes a nível nacional e regional (Presidente, Deputados, Senadores,
Governadores, Prefeitos) o que se entende como exercício da cidadania, a sociedade
brasileira será portadora de uma educação que se concentrará pela exclusão e não
permanência dos alunos em sala de aula. É preciso deixar registrado que, desde a sua
implantação, o governo militar se voltará com especial atenção para o quesito educação
no sentido de mantê-la debaixo de sua autoridade.
Como já mencionado, os avanços populares serão contidos. No que diz respeito
à educação teremos numerosas escolas sendo invadidas pela polícia, muitos estudantes e
professores que acabaram presos ou exilados e todas as escolas passaram a ser
fiscalizadas – o termo adequado seria vigiadas – por agentes dos órgãos de informação
do governo então à época, sob o controle do Serviço Nacional de Informações (SNI).
No contexto econômico e social, acelerou-se a concentração da riqueza em poucas
mãos:

A propriedade da terra foi negada àqueles que nela trabalhavam; a renda,


tanto a urbana quanto a rural, distribuída desigualmente, acabou por acentuar
as desigualdades, tornando os ricos ainda mais ricos e os pobres, sempre mais
pobres; os salários foram arrochados, ao mesmo tempo em que os preços
disparavam (PILETTE, 1991, 114).

As condições de vida da população tornaram-se mais precárias: no campo,


sem a propriedade da terra, assistência técnica ou condições de sobreviver, milhões de
pessoas acabaram por migrar da zona rural para as cidades o que, conseqüentemente,
acabou por acarretar problemas como o repentino inchaço devido ao desordenado
crescimento de habitações em pouquíssimo tempo; especulação imobiliária, falta de
trabalho; ausência de saneamento básico e higienização para maior parte da população
que também, afetada por uma precária e ineficiente assistência médica que não
alcançava grande parte desta além de outros fatores, obrigou milhares de brasileiros a se
organizarem em favelas, cortiços, viadutos e mesmo nas ruas, sem a menor
possibilidade de vida digna. Como resultado, os índices de mortalidade infantil crescem,
as doenças contagiosas aumentam fazendo, segundo PILETTI (1991), dos brasileiros
um povo doente e faminto.
Todo esse processo de empobrecimento e de marginalização ocorre ao mesmo
tempo em que as multinacionais se apoderam de quase todos os setores da economia do
país. Apesar de não fazer parte do recorte histórico e da gama de assuntos aos quais foi
proposto que estudássemos, acreditamos que seja importante ter conhecimento do
contexto que permeava a sociedade brasileira à época da Ditadura, até mesmo por que
esse momento influência e, de certa forma, se interliga com as transformações sofridas
pelo cotidiano escolar do período; a exemplo temos a forte influência estrangeira no
país que, alinhado ao governo autoritário implementará uma educação utilitarista de
modelo liberal-profissionalizante. Exemplo claro dessa junção será o acordo MEC-
USAID (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for Internacional
Development) que realizará as reformas do ensino superior e de 1º e 2º graus, onde o
Brasil receberia apoio técnico e financeiro para implementar as reformas, sendo que as
mesmas visavam atrelar o sistema educacional brasileiro dependente do interesse norte-
americano; para que acontecesse tal empreitada, seriam necessárias mudanças na LDB. 2

• Reforma Universitária

Uma das lutas históricas dos estudantes brasileiros está relacionada ao


aumento do número de vagas nas escolas superiores públicas. As vagas eram limitadas
no ensino superior. Haviam casos de alunos que passavam no vestibular, ou seja,
obtinham a nota mínima exigida, mas não podiam ingressar na faculdade devido à falta
de vagas. Em vez de atender aos clamores dos estudantes pelo aumento de vagas, o
governo introduzia a reforma universitária, através da lei nº 5540, de 28 de novembro de
1968, que trata da fixação de normas de organização e funcionamento do Ensino
superior e sua articulação com a escola média, além de outras providências. Esse
projeto de reforma precisa ser compreendido à luz de diversos elementos. Do ponto de
vista político, constitui uma resposta à pressão por acesso ao ensino superior, demanda
esta justamente alimentada no seio da sociedade civil, de modo específico entre as
camadas médias. Do ponto de vista técnico, procura atender a uma exigência de
racionalização – tanto no sentido de conter a expansão desordenada deste nível de
ensino, quanto prover os meios para que as instituições pudessem vir a oferecer mais e
melhor ensino, num ambiente onde a participação estudantil ficasse sob controle
(VIEIRA, 2002, 272).
As principais inovações introduzidas pela reforma universitária de 1968 foram: a
extensão da cátedra e sua substituição pelo departamento e a concomitante instituição da
carreira universitária aberta; o abandono do modelo da faculdade de filosofia e a
organização da universidade em institutos (dedicados à pesquisa e ao ensino básico) e
faculdades e escolas (destinadas à formação profissional); currículos flexíveis, cursos

2
FIGUEIREDO. Erika Suruagy A. de; Reforma do Ensino Superior do Brasil: um olhar a partir da História.
Disponível em: Revista da UFG – Órgão de divulgação da Universidade Federal de Goiás – ano VII, Nº 2,
Dezembro de 2005. WWW.Proec.ufg.br/revista_ufg.
paralelos, semestrais, com a introdução do sistema de créditos; a introdução dos exames
vestibulares unificados e dos ciclos básicos, comuns a estudantes de diversos cursos; a
instituição regular dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), bem como de
cursos de curta duração. Como se pode ver, as medidas mais importantes nesse sentido
são: a estrutura departamental, o sistema de créditos e de matriculas por disciplinas, o
ciclo básico, a carreira universitária única, a indissociabilidade entre o ensino e a
pesquisa. Tais mudanças resultam em parte da ingerência norte-americana em assuntos
educacionais brasileiros, mediante acordos assinados entre o nosso ministério da
educação e a agência interamericana de desenvolvimento dos Estados Unidos, que se
tornaram famosos com o nome de MEC-USAID.

• As Reformas de 1º e 2º graus

Uma das críticas enfrentadas por qualquer governo referente ao ensino no


Brasil se dá com relação à falta de continuidade por parte de uma parcela de estudantes
que não têm condições de se manter na escola. Segundo PILETTI (2003) o exame
admissional ao ginásio representava um difícil obstáculo a muitos alunos que
pretendiam continuar seus estudos, em um claro exemplo de autoritarismo e
desconsideração pelo exercício de participação popular, legitimado pela lei nº 5692 de
11 de agosto de 1971, que reformou o ensino de 1º e 2º graus, imposta pelo governo
quase sem discussão e sem contar com a participação dos demais interessados, ou seja,
professores, estudantes e setores sociais que se viram obrigados a ficar alheios a
medida. Não por acaso a reforma dos antigos ensinos primário e secundário é aprovada
quase três anos depois da reforma do ensino superior. Segundo VIEIRA (2002) o
principal foco da política educacional desenvolvida pelo regime militar é o ensino
superior, para onde convergem atenções e recursos. Se com a reforma universitária
objetiva-se racionalizar o modus operandis do ensino superior, de maneira a atender um
maior número de alunos, com relação à reforma do ensino de 1º e 2º graus (ginasial e
colegial) por outro lado procura-se conter esta demanda através da formação de quadros
técnicos de nível médio, razão pela qual se acena com a idéia de profissionalização
subjacente ao projeto de lei nº 5.692, de 11 de Agosto de 1971. Idéia de
profissionalização porque, pela primeira reforma proposta na lei, o ensino de 2º grau
torna-se de todo profissionalizante.
O aluno só poderia concluí-lo mediante a obtenção de um diploma de auxiliar
técnico (três anos) ou de técnico (quatro anos). Segundo o entendimento dos
legisladores do período, tal alternativa permitiria que muitos jovens em busca de
qualificação profissional se contentassem com a formação do nível médio, por
conseguinte diminuindo a pressão pelo aumento de vagas no ensino superior. Com
relação ao ginasial, este junto com o curso primário acaba sendo substituído pelo ensino
de 1º grau, não profissionalizante, destinado a formação da criança e do pré-adolescente,
com 8 anos de duração e obrigatório dos 7 aos 14 anos (ART. 17, 18 e 20).
Na perspectiva da reforma de 1971, é concedido um currículo pleno de
ensino de 1º e 2º grau, o qual compreende uma parte da educação geral e outra especial.
No 2º grau a formação especial tem o caráter de “habilitação profissional” (ART. 4 e 5).
A intenção do legislador é que a qualificação para o trabalho viesse permear todo o 2º
grau dando-lhe um sentimento de “terminalidade”, ou seja, qualquer jovem “habilitado”
de nível médio estaria apto a ingressar no mundo do trabalho. O número de matérias
obrigatórias também aumentou em todo o território nacional: comunicação expressiva
(Língua Portuguesa), três de Estudos Sociais (Geografia, História, e Política do Brasil),
duas de Ciências (Matemática e Ciências físicas e biológicas) e quatro práticas
educativas (Educação física, Educação artística, Educação moral e cívica e Programas
de saúde). A respeito dos esforços de profissionalização, pode-se dizer que foi uma
promessa que ficou só no papel. O Fato é que poucas unidades escolares se mobilizaram
para adaptar-se a essa perspectiva, preferindo optar pelas habilitações de “faz de conta”.
A lei de 1971 estabeleceu um verdadeiro caos no antigo colegial e atual ensino
médio: todos os estabelecimentos foram obrigados a implantar habilitações
profissionais, mesmo sem as mínimas condições para tanto. O que se verificou, então,
foi que a maior parte dos estabelecimentos procurou burlar a lei ou cumpri-la da forma
mais fácil possível – alguns elaboraram um currículo oficial para a fiscalização ver e
outro, com matérias diferentes, para os estudantes prepararam-se para o vestibular –
outros estabelecimentos implantaram as habilitações mais baratas, que exigissem menos
recursos, ainda que não houvesse mercado de trabalho. Como conseqüência, após
concluir o 2º grau, a maioria dos alunos não se sentiam aptos a candidatar-se a
ocupações no mercado de trabalho para os quais teriam sido formalmente “habilitados”.
Depois de dez anos, a reforma é alterada pela lei nº 7.044/1982, que praticamente
elimina a obrigatoriedade da oferta de “habilitações profissionais” pelas escolas.
BÁRBARA FREITAG, em seu livro Escola, Estado e Sociedade, observam
que vários fatores contribuíram para o fracasso da reforma do ensino de 1º e 2º graus:

Um deles, certamente, foi o total despreparo físico, humano e ideológico


das escolas para assumir a tarefa que a lei autoritariamente impusera
(nenhuma das categorias envolvidas nesse processo de reforma educacional
tinha sido consultada). Faltam instalações de oficinas, professores
(profissionais) preparados para ‘profissionalizarem’ as crianças e
adolescentes, assim como não havia os recursos financeiros nem fossem
feitos os espaços devidos para canalizar recursos e tornar funcional tal
proposta (FREITAG, 1987, 41).

Outro aspecto sobre o qual a autora se detém é a rejeição ao trabalho manual


por parte das camadas médias e altas da sociedade brasileira, como também das próprias
camadas trabalhadoras:

[...] a educação para o trabalho não cabia na concepção de mundo das classes
média e alta da sociedade brasileira. O trabalho manual era, para essas
classes, algo que competia aos trabalhadores e filhos de trabalhadores [...]
proposta profissionalizante, por isso mesmo, também desagradou à classe
operária e rural. Ir para a escola era identificado como libertação do trabalho,
e o pai operário que fazia esforço para manter seu filho “doutor”, que
mandasse nos outros e não fosse como ele é, um trabalhador manual (Idem,
41-42).

Aqui vemos a distinção existente entre a educação para o trabalho e a


educação como via para se melhorar de vida. Se por um lado, foi sendo construída no
imaginário coletivo do brasileiro a idéia de que o trabalho manual deve visto como algo
degradante, ligada às classes de baixo nível social e que não proporciona melhoria de
vida ou situação financeira, por outro lado a única via para ser alguém na vida e fugir de
tal destino era adquirindo conhecimento, disponível somente na Universidade. Assim,
enquanto o ensino médio-técnico possibilitava o aprendizado de um conjunto de
técnicas que capacitaria o estudante a entrar no mercado de trabalho atuando em
determinada função, o conhecimento adquirido na academia possibilitava que o
estudante se tornasse um profissional atuando dentro de uma área ou ramo de
trabalho/profissão. Interessante perceber que tal idéia continua a ser propagada nos
estudantes brasileiros, e na sociedade em geral, através da propaganda privada e
governamental, na escola e pelos pais em casa, onde o aluno deve, para ser alguém bem-
sucedido, adentrar em alguma universidade e concluir um curso superior, que possa lhe
trazer, ao seu final, uma boa colocação profissional que lhe renda bons dividendos.

EDUCAÇÃO EM PAUTA: PROCESSO DE CONSTRUÇÃO EDUCACIONAL


NA CONSTITUIÇÃO NACIONAL

O processo de redemocratização brasileira se deu em um período político,


social, cultural e econômico muito complicado. O país enfrentava uma crise econômica
que afetava todas as áreas da sociedade. A inflação chegou a 223, 8% em 1984 e 235,
5% em 1985 (FAUSTO, 2001, 286). Apesar de chegarmos a ser a 8ª economia do
mundo, tínhamos a 77ª posição no que se refere à educação. Ainda assim, este é
considerado um momento de transição política e construção de uma democracia capaz
de incorporar todos os brasileiros no acesso aos direitos mais básicos (VIEIRA, 2002,
307).
No campo da educação ocorrerão transformações que irão acompanhar o ritmo
das mudanças enfrentadas por todos, além de uma série de manifestações em todas as
regiões brasileiras. È nesse momento que surge no Brasil o movimento para a
formulação da nova Carta Magna do país. Esta, mesmo sendo ainda a da proclamação
da república e sendo reformulada no período da ditadura, ainda não atendia todas as
questões sociais que o tempo vivido exigia. Em setembro de 1985, o então presidente
José Sarney cria uma comissão provisória de estudos constitucionais, presidida pelo
jurista Afonso Arinos de Mello. Esta teria o sentido de debater, juntamente com a
população, os problemas sociais, na intenção inicial de se criar uma consciência política
numa população às vésperas das eleições regionais. Essa importância era dada tendo em
vista que esse evento seria para a escolha dos políticos que formariam a Assembléia
Constituinte3 e a elaboração da nova Constituição4.
O país ensaiava seus primeiros passos em prol da democracia tão sonhada e
desejada depois de um tempo repleto de incertezas e medos. E essa engatinhada – as
eleições – tinha a educação como uma meta de campanha. Para Hermes Zanetti
(PMDB-RS), professor, advogado e deputado federal, é necessário criar um sistema de

3
É o órgão responsável pela elaboração de uma nova ordem político-social de um país.
4
NASCIMENTO, Amélia. Como escolher um bom candidato. Nova Escola, São Paulo. Ano 01, nº 06, p
12-17. Setembro/1986.
ensino integrado: o ensino fundamental ficaria a cargo das prefeituras e o médio a cargo
dos governos estaduais; já para Sólon Borges dos Reis (líder do PTB na câmara) os
pais, por lei, deveriam participar ativamente da educação dos filhos, tanto na escola
quanto em casa; para Freida Bittencourt (ex-deputada) a construção de mais escolas era
aquilo pelo que trabalhar5. Esses e outros assuntos mexiam com o imaginário do eleitor,
que buscava soluções para os problemas básicos do dia a dia, entre eles, a formação de
uma educação decente para seus filhos. Muitas dessas propostas – como veremos
adiante – acabaram por fazer parte do texto da constituição. Todos percebiam que este
era um momento importante pelo qual o país passava, todos queriam fazer parte, mesmo
que para defender interesses particulares ou de grupos específicos.
No dia 1º de fevereiro de 1987 é dado início aos trabalhos da constituinte 6.
Na formação do corpo da constituinte, temos a cisão de dois grupos que elaborarão dois
projetos diferenciados: os conservadores e os progressistas. Os primeiros, apoiados por
Sarney, pretendiam (re)formular a constituição a partir da Carta de 1969; do outro lado,
temos um grupo que visava a redação de uma nova Constituição, também atendendo
seus interesses. Seja qual fosse o lado político a obter êxito “[...] a elaboração da nova
Constituição por tal congresso garantiu maior poder de influência aos quadros políticos
tradicionais, bem como aos seus aliados no âmbito socioeconômico7”.
A constituinte descentralizou a confecção do texto constitucional, através das
comissões e subcomissões temáticas, além de permitir a intensa participação da
sociedade civil, sob diversas modalidades8. Esta se deu, principalmente, com a comissão
provisória que dava este espaço ao cidadão para opinar sobre os temas a serem
indexados na nova Carta Magna do país. Esse espaço é representado nas chamadas
“emendas populares”, as quais eram formuladas a partir das assinaturas da população.
Esta era uma forma do povo se sentir parte deste processo, mesmo que de forma
superficial9. Nas discussões sobre a educação, no que foi chamado de Fórum da
Educação na Constituinte, tivemos a participação de várias entidades como a ANDE
(Associação nacional de educação), CPB (Confederação dos professores do Brasil),
CUT (Central única dos Trabalhadores), SBPC (Sociedade brasileira para o progresso
da ciência) além da UBES (União brasileira dos estudantes secundaristas) e a UNE

5
Ibid. p. 16,17.
6
O Povo. 01 de fevereiro de 1987, p. 06.
7
PILETTI, Nelson. História da educação no Brasil. 7ª Ed. São Paulo: Ática, 2003. P. 295.
8
Ibid. p, 297.
9
Ibdem, 2003, p. 135.
(União nacional dos estudantes). Estes e outros grupos, representando todos os níveis da
educação, cooperando para a formulação das leis referentes à educação brasileira, afinal,
problemas não faltavam para serem resolvidos.
O Brasil, comparado a outros países do mundo, não podia se vangloriar de
ter uma educação que atendesse a todos os brasileiros. Tínhamos um número de
repetentes da 1ª série do 1º grau que chegava a 50%; 30% das crianças entre 7 e 14 anos
estavam fora da escola, além do mais 22% dos professores eram considerados leigos,
mal preparados e mal pagos refletindo toda uma estrutura educacional deficiente. Esses
números também são expressos quando comparamos o Brasil a alguns países como
Cuba e França; enquanto nestes países o número de alunos que eram aprovados do 1º
para o 2º grau chegava a ser 100%, no Brasil esse número era de apenas 12% 10. Outro
fator a ser discutido era a questão da privatização da educação a nível básico e superior.
Para CUNHA (1987) na nova constituição a educação deve ser democrática, gratuita e
laica. Ele entende educação como:

[...] aquele que permite o acesso de todos que o procuram, mas, também,
oferece a qualidade que não pode ser privilégio de minorias econômicas e
sociais. O ensino democrático é aquele que sendo estatal, não está
subordinado ao mandonismo de castas burocráticas, nem sujeito às oscilações
dos administradores do momento (CUNHA, 1987, 75).

Essa luta não seria contra algo que pudesse surgir, mas contra um sistema
que já estava sendo exercido. Nos dois extremos da educação temos a presença da
privatização. Das crianças de 0 a 6 anos em torno de 80% se encontravam no ensino
privado; entre as universidades 75% eram compostas de instituições privadas11. Goés
(1987) vai apontar para a harmonia que deve haver entre a escola pública e a privada.
Mesmo que tenhamos escolas públicas de ótima qualidade, num mundo capitalista as
escolas privadas sempre terão seu espaço, por ser um projeto econômico-financeiro que
além da busca do lucro, tem por objetivo a competitividade e a venda de um produto. É
nesse ambiente que a constituinte elaborou as leis que regeriam a constituição brasileira.
Em 2 de Abril de 1987 o Fórum divulgou o Manifesto à Nação, documento no qual
continha as posições comuns entre as entidades que o integravam (PILETTI, 2003,
135). Entre as reivindicações vemos a intensificação no direito de cada cidadão a ter

10
GOÉS, Moacyr de. A quem interessa o Brasil ignorante? In: Constituição e Constituinte. Brasilia:
UNB, 1987, p. 05.
11
GÓES, Op. Cit., p. 75.
acesso a um ensino público, gratuito e laico; as verbas do governo federal não poderiam
ser menores de 13% e os estados (e o distrito federal) deveriam aplicar o mínimo de
25% de sua receita. O peso deste manifesto é expresso pela força das entidades que a
compunham. O direcionamento para a educação estava proposto, agora caberia a
assembléia torná-las reais.

A COSNTRUÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA E A LUTA PELOS


DIREITOS

Para muitos esse processo parece ter se dado de forma pacífica, porém, se
atentarmos para como estudantes, professores e instituições de ensino se comportaram,
veremos que esse período foi marcado por conflitos nos quais todos estavam engajados.
Os anos de 1987 e 1988 foram marcados por protestos em todo o país. Os
manifestantes, em especial professores, buscavam melhorias na educação e na condição
de vida dos mesmos. Num período em que a economia brasileira passava por uma crise
sem tamanho, era comum os governadores não repassarem aos seus funcionários o
salário de forma devida. Mesmo com diferentes movimentos em diversos pontos do
país, estes trabalhadores lutavam por uma série de reivindicações em comum.
As estruturas físicas das escolas brasileiras eram precárias. Escolas do Ceará
tinham aulas em salas sem carteira, em prédios a ponto de desmoronarem e sem
alimentação para as crianças12 já que não conseguiam atender a demanda de alunos. A
educação brasileira necessitava de uma urgente reforma estrutural. O grande foco de
protestos começa a tomar forma a partir da insatisfação dos professores com seus
salários. Uma série de greves e paralisações acontece em todo o país e, em busca de um
piso salarial que atendesse aos seus interesses – muitos tiveram seus salários cortados
pela metade – professores cearenses paralisam suas atividades por tempo
indeterminado. Atrelado ao corte salarial promovido pelo governo estadual havia o corte
de pessoal, que chegava a 65% em algumas escolas, impulsionando as manifestações. O
caso do Ceará é particularmente importante para podermos entender as condições
históricas específicas daquele momento. O governador Gonzaga mota, à frente do
estado no período não conseguia encontrar, no campo regional, saídas para vencer a
inflação que assolava o país. Isso desencadeou uma série de greves de servidores

12
O Povo, 03 de março de 1988, p.07.
públicos em todo o estado, provocando manifestações não apenas na educação, como
também no judiciário, na saúde, entre outros servidores da capital e do interior. É neste
clima de insatisfação e greves encaminhadas que o governo é passado ao novo
governador Tasso Ribeiro Jereissati, em 15 de março de 1987. Este, desde fim dos anos
70, integrava um grupo de jovens empresários preocupados com a crise institucional
que ameaçava alongar o período autoritário.
Presidiu o Centro Industrial do Ceará – CIC, transformado-o na época em fórum
de debates das questões econômicas, sociais e políticas da região e do país, notadamente
no que concernia as tensões políticas que estavam acontecendo em âmbito local e
nacional. Candidato do PMDB, Jereissati se uniu com partidos como PCB, PC do B, e
PDC para formular a chamada coligação pró-mudanças. Sua campanha foi construída
na idéia de mudança do sistema de governo atual. A figura de um jovem empresário
proposto a promover as mudanças esperadas mexia com o imaginário da população que
via neste a possibilidade de conquista de uma vida melhor13. As queixas por parte dos
professores conforme citado, provinha das primeiras medidas do governo estadual no
sentido de cortar de gastos. Uma delas foi a retirada de 40.000 funcionários do quadro
público; esta seria uma primeira medida de “enxugamento de gastos” da folha de
pagamento. A reação dos servidores foi imediata e se estendeu numa constante onda de
protestos durante os primeiros anos desse governo.
Uma forma de apaziguar os ânimos desses professores foi a utilização de
jornais da Capital como propagandistas do governo. A estratégia era traçar um paralelo
– ou melhor, comparativo – entre os salários pagos nos anos anteriores (governo
anterior) e os dois primeiros anos de governo14. Procura-se apresentar o aumento
substancial do salário dos professores, chegando a passar de Cz$ 3.600 em 1986 para
Cz$ 25.200 em março de 1988; o corte de pessoal é apresentado como um fator que
contribui para o melhoramento dos salários dos demais. Em termos de estratégia
política, esse tipo de propaganda poderia ser entendida como um ato “comum” nas
mídias de todo o país, tanto naquele período como nos dias atuais. Mas no contexto da
época essas ações visavam conter os ânimos dos protestantes mais eufóricos.
Entendemos essa ação como uma forma de “recrutar” para o lado do governo, não
aqueles professores que estão mais engajados nas manifestações, mas sim àqueles que
continuavam indecisos ou permaneciam ministrando suas aulas, sem uma atuação maior

13
VIEIRA, 2002, p. 322-323.
14
O Povo, 01 de março de 1988, p. 05.
nos protestos. Em março de 1988 as aulas não tinham começado por conta da
paralisação dos professores, como forma de pressionar o governo para que o piso fosse
negociado; como resposta o governo do estado, por intermédio do secretário de
educação Paulo Elpídio visita as escolas estaduais para tomar nota da real situação da
educação do estado15.
Temos dessa forma uma tentativa de construir um diálogo entre o governo do
estado e os professores, onde o secretário da educação passa a servir como canal de
mediação entre os dois lados até o momento em que, não suportando as pressões sobre
ele impostas, decide renunciar ao seu cargo. Manifestações realizadas pelos professores
com o apoio da APEOC16 - que acreditava haver um boicote contra o ex-secretário
promovido por pessoas que queriam ver o caos na educação do Ceará17 - e por
funcionários da própria secretária de educação18 foram de total apoio ao ex-secretário.
Essa troca de farpas tinha um endereço certo: o governo do estado, que insistia em não
atender as exigências dos professores. A tensão maior decorreu da declaração do
governador Tasso Jereissati na cidade de Horizonte em 25 de Março de 1988, num
evento que marcou a libertação dos escravos. Em seu discurso, declara que:

[...] o povo tem que receber para prestar serviços [...] aquele que trabalha
merece o nosso apoio. Àquele que não trabalha, que suga o dinheiro de vocês
tem que ir para o olho da rua [...] nós não temos sido entendidos. São ex-
padrinhos ou padrinhos de afilhados que não trabalham19.

Esta declaração foi uma resposta às greves em todos os setores funcionais do


Estado. A acusação foi acompanhada de poucos aplausos e a resposta foi imediata: a
popularidade do governador caiu substancialmente; após um ano de governo, de 66,6%,
caiu para 41,8%20. Isto se deu por conta não somente das greves, mas pela situação
estrutural de todo o estado.
Não só no Ceará, mas em todo o Brasil vemos uma série de greves. Em
Curitiba professores que estavam em greve há quase um mês participavam de uma
passeata quando foram recebidos por 260 policiais que utilizaram de bombas de efeito

15
O Povo, 07 de março de 1988, p. 03.
16
O Povo, 11 de março de 1988, p. 10.
17
Associação de Professores de Estabelecimentos Oficiais do Estado do Ceará.
18
O Povo, 12 de março de 1988, p. 09.
19
O Povo, 12 de março de 1988, p. 02.
20
O Povo, 27 de março de 1988, p. 02
moral e de soldados da cavalaria para conter a multidão. Em Belém a manifestação dos
professores na secretária de Educação, foi recepcionada pela polícia militar. Estes,
usando de violência tentavam coagir os manifestantes.
O uso da força foi tamanha que o professor Neyvaldo Luz teve os testículos
estourados por um chute desferido por um dos soldados 21. Percebemos nesses casos a
utilização da repressão policial por parte do estado, que se utiliza da violência ora como
meio de “manter a ordem”, ora como punição aos que não estão satisfeitos – e por isso
mesmo, questionam – a forma como o poder público conduz sua administração. Não só
os professores de 1º e 2º graus, mas também a atuação dos estudantes da academia foi
intensa nesse momento. O maior ímpeto é dado pelos universitários que lutam em
conjunto com as universidades pela melhoria no ensino superior brasileiro. A condição
das universidades é delicada nesse momento.
Conforme mencionado, a educação superior pública estava em iminente
processo de privatização; tanto os docentes quanto os alunos temiam por isto e lutavam
para que o governo federal garantisse que esta permanecesse pública, gratuita e de
qualidade. A Universidade Federal do Ceará lança nota alertando a sociedade sobre a
importância das instituições superiores públicas no país22 e salientando a importância
destas para a pesquisa e extensão e, ao mesmo tempo, do perigo de sua extinção diante
do crescente mercado capitalista que explora o ensino superior. As manifestações não se
detinham apenas nessa questão; haveria de se mudar a estrutura das universidades
brasileiras. Assim como no ensino de 1º e 2º graus, as universidades careciam de
estruturas adequadas e de uma educação que realmente promovesse o ensino, a pesquisa
e a extensão. Essa luta tinha como seus protagonistas os estudantes. Em Abril de 1987 o
então ministro das minas e energia do governo José Sarney, Aureliano Chaves é vaiado
e impedido de falar por parte dos estudantes na faculdade de direito da Universidade do
Rio de Janeiro, atual Universidade federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Como membro do
governo e por isso convidado a falar sobre democracia, protagonizou um dos maiores
vexames que um ministro desse governo tinha passado. Este acontecimento é registrado
pela mídia à época e visto com repúdio devido ao fato de os alunos da universidade
rechaçarem alguém convidado da própria instituição. Vemos este fato como uma forma
de os estudantes manifestarem sua insatisfação com o que está sendo feito com as
universidades brasileiras.

21
Reportagens publicadas na Folha de São Paulo do dia 31 de março de 1988.
22
O Povo, 23 de março de 1988, p. 03.
No Ceará universidades públicas e privadas também lutavam por melhorias na
educação superior. Uma série de greves são estabelecidas nas universidades públicas do
estado, como a paralisação da UECE contra a exoneração de docentes a partir de um
decreto do governador23. No caso da UFC os conflitos se dão a partir da falta de verbas
que estavam levando a universidade a um colapso24. Esse é um pouco do contexto em
que se encontra a educação brasileira na beirada de uma nova constituição. Seria
inviável tratar de todos os conflitos que aconteceram, mas cremos que estes aqui
apresentados servem para elucidar um pouco o que foi este processo no Brasil. O clima
de insatisfação cercava todas as áreas da educação brasileira e é a partir daí que vai se
formar uma pressão para a implantação de uma legislação eficiente que atenda a todas
as demandas da educação.

• A Constituição: Leis e mudanças constitucionais

Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a nova constituição. Ela possuía,


em seu escopo, um texto com 245 artigos e 70 disposições transitórias. Definia
elementos importantes para o país como a duração do mandato presidencial, a divisão
dos três poderes (executivo, legislativo e judiciário), a restrição do poder das forças
armadas, o voto facultativo para jovens. Ninguém melhor para apresentá-la do que o
deputado Ulysses Guimarães: “A Constituição é, caracteristicamente, o estatuto do
homem, da Liberdade, da democracia (...) tem substância popular e cristã os títulos que
a consagra: a Constituição Cidadã!” (TÁCITO apud VIEIRA, 2002: 310). Ainda assim
podemos destacar que:

Com todas as ressalvas, a Constituição pode ser vista como o marco que pôs
fim aos últimos vestígios formais do regime autoritário. A abertura, iniciada
pelo general Geisel em 1974, levaria mais treze anos para desembocar em um
regime democrático (FAUSTO, 2001, 289).

Esta tinha o mais longo capítulo sobre educação de todas as constituições já


elaboradas no país (Art. 205 a 214)25 e concluía os trabalhos do Fórum da Educação na
Constituinte. Quando se pensa em leis que regem a educação logo vem à mente a LDB
– Leis de Diretrizes e Bases da Educação – mas antes mesmo de ser elaborada como

23
O Povo, 12 de março de 1988, p. 08.
24
O Povo, 08 de outubro de 1988.
25
Conferir VIEIRA, 2002, p. 333.
uma lei que especificasse detalhadamente como a educação deveria ser processada, a
Constituição Federal veio a ser o gestor e peça base para que esta fosse formulada.
Mesmo tratando a educação por linhas mais gerais, a nova carta apresenta os
elementos discutidos no período então abordado. Mesmo não tendo total aprovação
dos educadores por, segundo alguns autores, permanecer com as mesmas estruturas
clientelistas de períodos anteriores, a nova constituição traz conquistas significativas
nessa área: Total autonomia didático-científica e administrativa para as universidades,
sendo exigida destas sempre a existência de pesquisa e extensão (Art. 207).
O ensino fundamental, médio26 e universitário é garantido pelo estado e a sua
oferta feita de forma gratuita; prover o pré-escolar para crianças de 0 a 6 anos, o total
atendimento educacional para portadores de deficiências são elementos do Art. 208; o
ensino livre de iniciativa privada, conforme artigo 209; o ensino laico, garantido no
Art. 210; o ensino religioso passa a ser optativo, além da fixação da língua portuguesa
como a língua em que as aulas devem ser ministradas, dando autonomia aos indígenas;
a aplicação de no mínimo 18% da receita federal e o mínimo de 25% para os estados e
o Distrito Federal (Art. 212) dando assim uma possibilidade de maior investimento na
estrutura e no melhoramento do ensino público.
Apesar das alterações e ampliações propostas no corpo da nova constituição,
segundo Vieira (2002) o governo Sarney acabou se caracterizando por uma “indefinição
de rumos” 27 resplandecida na educação. Isso fica mais claro na fala de Kuenzer:

Com certeza, na área de formação de políticas educacionais nada se inovou


no período de transição em relação aos processos que caracterizaram tanto o
período populista quanto o autoritário. Conseguiu-se pelo contrário e não por
acaso, uma interessante mescla de populismo e autoritarismo, através de um
processo que, ao pretender ser democrático contrapondo-se à centralização,
terminou por caracterizar-se pela ausência de direção e pela fragmentação
(...) desta forma, de uma fase tecnocrática de formulação de planos, passou-se
à pulverização de recursos travestida de descentralização. (KUENZER apud
VIEIRA, 2002, 34).

A Constituição transpassa em sua estrutura a fragilidade do governo. Um


texto curto que, de forma resumida, tenta abordar todas as questões sociais de um
imenso país que é o Brasil. Este fica representado com a figura do governo Sarney que
dentro do contexto de redemocratização e abertura política teria que apresentar algo à
sociedade. Se pudéssemos resumir este governo com uma frase, com certeza seria: “o

26
O Ensino de 1º e 2º graus passam a ser chamados de Ensino Fundamental e Médio.
27
VIEIRA, 2002, p. 334.
governo da constituição” (*). Desde o começo ele se voltou totalmente para a fabricação
da Carta Magna, das leis que regeriam o país, sem dar a devida atenção aos fatores
econômicos e à situação social do país. Pesquisando em jornais e revistas, percebemos a
insatisfação popular com os rumos que a nação estava tomando e a forma como ela
estava sendo governada, mesmo com o implemento de novas leis federais. A
Constituição vem tentar apaziguar a opinião pública diante de um governo que se
mostra frágil e sem intensidade política.
A Constituição nasce, mas a insatisfação continua. Sua aceitação não é
imediata e os protestos que duraram por todo o processo da constituinte continuam. Em
menos de vinte dias após a promulgação da lei teremos conflitos em São Paulo entre
universitários e a polícia. Em uma manifestação das universidades paulistas – na USP –
reivindicando melhorias no ensino superior, os manifestantes foram recebidos por uma
das intervenções policiais mais violentas em conflitos com estudantes. O aluno Celso
Ricardo Miranda, de 21 anos, além de ser pisoteado pelos cavalos da tropa de choque da
PM, foi espancado por policiais armados de cassetetes até ficar inconsciente e ser
socorrido para o Hospital Universitário. Casos de queimaduras e explosão de bombas de
gás lacrimogêneo também foram contabilizados. Manifestantes da UNICAMP saindo
do ônibus foram agredidos fisicamente28.
Essa ação mostra o quanto a polícia ainda continuava repressora e o direito de
greve e manifestação – defendido na constituinte – não era respeitado29. Esse é apenas a
ponta do iceberg no contexto social. A nova lei é muito recente e não temos, nesse
momento, um processo de aculturamento por nenhum setor da sociedade. A falta de
investimentos nas academias logo é percebida e desencadeia uma série de greves e
manifestações por todo o Brasil. De imediato as aulas da Universidade federal do Ceará
são paralisadas por falta de estrutura e pelo não pagamento de professores e
funcionários. A universidade teria que dispor de 797 milhões de cruzados (Cz$) para
não parar suas atividades. Na data de nascimento da nova constituição cursos como o de
geologia estavam com suas atividades suspensas há pelo menos duas semanas. O
Hospital das Clinicas, pertencente à universidade, teve que fechar suas portas por falta

(*) Ironicamente, o governo Sarney (1985 – 1990) ficará marcado na história como o governo da “Década
perdida” em decorrência do inexpressivo crescimento econômico do período.
28
Folha de São Paulo, 28 de novembro de 1988.
29
Um dos temas trabalhados na Constituinte trata do direito de greve dos trabalhadores. Numa tentativa
de ruptura coma Ditadura Militar, que condenava e caçava esse tipo de ação, no dia 01 de março de 1988
o fórum da Constituinte garantiu esse direito, que como pode ser observado, não foi respeitado.
de verbas do governo federal, assim como as universidades rurais de Pernambuco e do
Rio de Janeiro, as universidades federais de Mato Grosso e Ouro Preto. Para o jornalista
Heliomar Maia:

[...] os professores só param por terem consciência do objetivo político que


está por trás da crise nas Universidades Públicas. Seria mais um pretexto a
ser usado para tentar mostrar que as instituições federais de nível superior são
incompetentes. Sem o apoio da população – que é o que a comunidade
universitária cearense procurará obter [...] o caminho estará aberto para a
privatização do ensino superior, que é o que o governo quer30.

Vemos aqui um discurso totalmente favorável ao texto constitucional, no que se


refere às garantias do ensino superior gratuito. A luta aqui mencionada (a paralisação
dos professores) não é contra a constituição e sua implantação pelo governo mas pelo
cumprimento do que nela está escrito.
A crítica feita ao governo passa pela acusação de má administração que as
universidades brasileiras estariam passando. Eles entendem o ocorrido como uma forma
do governo federal desmoralizar as instituições federais em prol da privatização das
mesmas. Esta seria uma maneira achada pelo governo para o não cumprimento das
obrigações assumidas com essas instituições. Embora estas lutas estejam mais voltadas
para a questão universitária, o que se percebe também é que os professores do ensino
fundamental e médio estão mais cientes dos seus deveres como classe. Numa nota do
jornal O Povo de Fortaleza, em uma coluna onde a população poderia dar sua opinião,
um professor escreveu o seguinte:

[...] somos uma categoria que começa a tomar consciência de sua força e,
pela luta que vem desenvolvendo, passa a ser reconhecida e respeitada por
toda a sociedade cearense. Saibamos administrar as nossas conquistas [...]
hoje somos um exemplo de luta e de coragem para os nossos alunos e para os
nossos filhos. Além do pão estamos conquistando também a nossa dignidade
31

Mesmo sendo de um período posterior ao tratado nessa seção, essa fala ilustra
bem o sentimento do professor brasileiro. Ele não é apenas um fantoche nas mãos do
governo; antes de sentir-se um profissional, quer ser tratado como um cidadão. Ele luta
para que os seus direitos, que agora são amparados e garantidos, sejam realizados e
cumpridos por parte dos governantes.

30
O Povo, 09 de outubro de 1988, p. 10.
31
O Povo, 01 de maio de 1987, p. 06.
O período estudado é muito próximo da promulgação da Constituição. Sendo
assim, não percebemos grandes diferenças dos anos de luta e greves que os
antecederam. Pelo pouco tempo, é evidente que as mudanças reais vão ocorrer nos
governos posteriores, tendo uma maior estabilidade no governo FHC onde será definida
as Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Mesmo assim, fica claro que
estudantes, professores, intelectuais e os demais trabalhadores lutaram e sempre vão
lutar pelo que eles defendem e acreditam. Esse sentimento é percebido em cada pagina
de jornal, em cada notícia que revela diariamente novos atores que atuam e constroem a
história de suas vidas e do meio em que vivem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da leitura feita pelos autores que trabalharam com educação no


período mencionado, percebemos que as reformas educacionais propostas adquiriram
um caráter primeiramente autoritário, no sentido de que foram impostas de cima para
baixo sem prévia discussão ou conhecimento da população. Adquiriram também um
caráter excludente ao criar o ensino profissionalizante no 2º grau profissionalizante de
forma a impedir que o aluno, ao aprender um ofício automaticamente se desinteressasse
de continuar os estudos e tentasse alcançar o nível superior. Foi alienante no sentido de
que ao profissionalizar todo o 2º grau, retirou disciplinas que envolviam pensamento
crítico e análise da realidade social como filosofia, sociologia, história e geografia.
A estruturação da educação no período da redemocratização é produzida não
apenas de cima para baixo (governo – povo), mas também de baixo para cima, a partir
das manifestações e greves produzidas pelos educadores e por toda a sociedade que se
mobilizou no intuito de pressionar o governo para que suas leis sejam de fato
executadas. A Constituição formulada e promulgada durante o governo Sarney servirá
como forma de mascarar os problemas maiores do país como a inflação e a má estrutura
do ensino. O fato de haver uma lei não quer dizer que a mesma seja cumprida pelo
próprio governo; esse embate fica claro quando percebemos os conflitos entre os setores
educacionais como as escolas e universidades e os aparelhos repressores do estado. O
fato é que tanto estudantes como professores e instituições irão lutar pelos seus direitos
a partir do momento em que se sentirem ameaçados; nesse momento, a mobilização
acontecerá.
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