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Introdução
O texto que se segue versa sobre o relato de criação de dois conjuntos de entrevistas
no âmbito do Centro de Memória Domingos Félix do Nascimento, núcleo do Grêmio
Recreativo Cacique de Ramos: os acervos de história oral denominados Memória Caciqueana
e Impactos da pandemia covid-19 na diretoria do Cacique de Ramos. O primeiro, um projeto
de memória institucional, ainda em curso, voltado para o registro de histórias de vida de
colaboradores e personagens que participaram da agremiação em algum período das suas seis
décadas de existência; o segundo, um acervo de história oral temático, já encerrado, destinado
a um público-alvo restrito, o conjunto de diretores atuantes no Cacique durante o período de
isolamento social e suspensão das atividades (2020-2021). As duas iniciativas figuram como
ações de formação de fontes orais sobre a trajetória da instituição, dentro do contexto de atuação
de um centro de memória que vem sendo construído no próprio território de samba, amparado
pela agremiação. O fato de ocupar esse lugar coloca desafios acerca da manutenção do projeto
a longo prazo e a preservação do material produzido enquanto acervo identificado e disponível.
1 Historiador, Mestre em Memória e Acervos (PPGMA/Fundação Casa de Rui Barbosa). Coordenador do Centro
de Memória Domingos Félix do Nascimento do G.R.Cacique de Ramos.
2 CENTRO DE MEMÓRIA DOMINGOS FÉLIX DO NASCIMENTO. Bira Presidente. Youtube. In: MEMÓRIA
Com presença forte no carnaval de rua carioca, a partir do final dos anos 70, o Cacique
se abriu para uma nova etapa. Já ocupando sede fixa no bairro de Olaria, os diretores e seus
amigos realizavam encontros semanais animados por futebol e roda de samba. Informalmente
foi constituído um pagode, revelado para o grande público por Beth Carvalho no disco “De Pé
No Chão” (1978). No álbum, a cantora incorporou a sonoridade rítmica inventada naquele
ambiente na qual se destacavam instrumentos originais como o tantã, o repique de mão e o
banjo. Daí em diante, o encontro informal passou a reunir mais componentes e compositores,
que viram na roda uma oportunidade de mostrar suas obras musicais. O pagode do Cacique foi
vanguarda na recriação da roda de samba como um evento de intensa sociabilidade, fenômeno
que se espalhou por toda a cidade do Rio pelos anos 80 em diante. Esse período é lido pela
historiografia do samba como uma página original do samba carioca, tendo o Cacique destaque
como polo de criação musical ao reunir e projetar toda uma geração de músicos, autores e
3Essa fantasia foi sendo progressivamente adaptada, com o acréscimo de outros materiais e desenhos, do final da
década de 1980 em diante, até ser substituída, na primeira década dos anos 2000, por outros modelos.
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intérpretes, muitos com longas carreiras no mercado fonográfico, tais como Jorge Aragão,
Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho (FROTA, 2016; MOURA, 2004)
4PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. “Prefeitura entrega nova sede do Cacique de Ramos”.
Disponível em <http://www.pcrj.rj.gov.br/web/guest/exibeconteudo?id=1164391>. Acesso em 09 ago.2022.
5 G1. “Mangueira forma bloco com público e canta 50 anos do Cacique de Ramos”. Disponível em:
https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2012/noticia/2012/02/mangueira-forma-bloco-com-publico-ecanta-
50-anos-do-cacique-de-ramos.htm. Acesso em 10 ago. 2022.
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de memória apresentou-se não como a possibilidade de “resolver” essas questões ou trazer uma
palavra definitiva sobre a história do Cacique, mas sim como um modo de construir um espaço
de referências que organize informações e acervos, e crie novas fontes sobre a trajetória da
entidade. Com relevância no imaginário popular e cultural da cidade – e também do Brasil – a
entidade recebe demandas por informações da parte de públicos variados como jornalistas,
estudantes e pesquisadores acadêmicos. Desse modo, a produção de conhecimento sobre os
variados aspectos da história do Cacique é um ativo no qual o Centro de Memória Domingos
Félix do Nascimento se propôs atuar.
A estruturação do núcleo perseguiu os seguintes passos: escrita de projeto de
identificação com objetivos a serem desdobrados; a conquista de uma sala na sede da
agremiação, utilizada como local de guarda de acervos, gravações e atendimento; formação,
gradativa, de uma equipe multidisciplinar 6. Podemos citar como ações que vêm sendo colocadas
em prática para alcançar os propósitos do espaço de referências: uso de redes sociais (Facebook
e Instagram) por meio das quais são noticiadas ações do Centro e divulgados textos, com base
em pesquisas, sobre a trajetória do Cacique, bem como extrovertidos itens do acervo
documental; Cacique Acadêmico, bibliografia organizada com trabalhos acadêmicos que
analisam, seja de maneira direta ou transversal, temas que envolvem o Cacique de Ramos; e
Cacique Audiovisual, listagem de registros audiovisuais externos (filmes, clipes, reportagens,
etc.) que promoveram gravações sobre a agremiação. O núcleo também vem consolidando sua
atuação através da formulação de produtos culturais como a exposição virtual Cacique de
Ramos: seis décadas de carnaval, fomentada pelo edital Cultura do Carnaval Carioca, da
Secretaria Municipal De Cultura do Rio de Janeiro, em 2022.
A iniciativa investe esforços na conformação de um acervo documental próprio. Essa
decisão está amparada no seguinte diagnóstico da realidade institucional do Cacique de Ramos:
a dispersão de registros documentais das atividades da entidade e escassez de material escrito
sobre sua trajetória. A presença desses vestígios documentais é vista como um capital a ser
explorado pela agremiação na escrita da sua história, na relação com a sociedade e poder
público, e na formulação de novos projetos. Desse modo, vem sendo estimulada a incorporação
de documentação variada - fotografias, textuais, troféus, fantasias, discos - que está sendo
organizada de acordo com quadro de arranjo próprio 7.
6 Entre 2018 e 2022 a equipe vem sendo composta por: Walter Pereira (coordenador e historiador), Marcio Lopes
(designer, webdesigner e cinegrafista), Kissila Rangel (arquivista), Luiza Helena Ermel (projetos).
7 Para um relato dessa experiência, consultar RANGEL e PEREIRA JUNIOR (2022).
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Memória Caciqueana
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de censura, mas como bem sabem aqueles que articulam projetos em instituições e
comunidades, certa flexibilidade é fundamental para atingir determinados objetivos 8.
O acervo ganhou o nome de Memória Caciqueana, adjetivo habitualmente utilizado
para designar aqueles que se identificam com o Cacique. Logo tornou-se necessário determinar
o público-alvo das entrevistas. Para definir esse ponto, foi preciso perguntar: do que se constitui
o Cacique de Ramos? A resposta aponta para alguns caminhos. Internamente, ao longo das seis
décadas de existência, ele tem sido composto por uma, ou mais, dezenas de diretores,
responsáveis pela execução das diferentes atividades que mantém o grêmio recreativo ativo.
Esse grupo está secundado por outros de familiares e amigos, frequentadores dos espaços do
Cacique nas horas de lazer. Há também a bateria, com os seus diretores e ritmistas, e ainda a
corte de carnaval, grupo de mulheres escolhidas pela agremiação para figurarem como rainha,
rainha de bateria, princesas e musas. Outro círculo social é aquele do Cacique-pagode,
movimento que vem abrigando, ao longo de quatro décadas, conjuntos de músicos e
compositores protagonistas das rodas de samba que a agremiação sediou.
Por outro lado, existem as alas. Inicialmente, a característica do Cacique-bloco era a
massa compacta de foliões, sem distinção de divisões ou indumentárias. Desde os anos 70, vêm
surgindo diversos núcleos batizados com nomes que remetem ao imaginário indígena brasileiro
e estadunidense. Eles recebem autorização para confeccionar, e comercializar, suas próprias
fantasias e adereços, e desfilam no bloco. São todos unidos por laços familiares e fraternos que
os mantém próximos para além dos dias de carnaval através de toda uma vida recreativa, tais
quais festas e encontros. Atualmente sobrevivem cinco dessas alas, que variam anualmente em
adesão de pessoas: Apache, Cheyenne, Família Carajás, Guerreiros e Tamoio. Os segmentos
contam com um presidente e alguns diretores, que estão em permanente contato com a diretoria
do Cacique. Dentro desses integrantes podemos identificar algumas classificações: os apenas
foliões, ou seja, que só se ligam aos grupos nos dias de desfile do bloco; os componentes
eventuais tanto de carnaval quando de “meio de ano”; e outros com permanente vinculação às
turmas e frequentadores da quadra da agremiação. Como se vê, as alas são uma espécie de
microcosmo, com suas próprias histórias e identidades.
Diante de gama tão grande, o Centro de Memória teve de operar uma seleção. Entendeu-
se que os caciqueanos alvo do projeto de entrevistas seriam os personagens que se encaixassem
nas seguintes definições: atuação em prol da agremiação em alguma atividade na esfera
administrativa (diretor/colaborador), em qualquer período da trajetória da instituição; ter se
8Importante registrar que a médio prazo Bira Presidente conferiu total autonomia à consecução do projeto e deixou
de tomar conhecimento prévio do nome do entrevistado, fato que creditamos à confiança adquirida nas intenções
do trabalho realizado.
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notabilizado, no seio do Cacique, em virtude de atuação artística (artes plásticas, música, canto,
dança); ser reconhecido internamente, entre pares, no Cacique como sujeito relevante na
construção da agremiação. Diante desse recorte, optou-se em não entrevistar componentes das
alas por se tratar de um oceano de personagens e histórias de vida, de difícil abordagem em
projeto de memória institucional. Como o Cacique de Ramos projetou diversos sambistas que
se tornaram artistas de renome, há sempre a expectativa de que os “famosos” serão alvos
prioritários das investidas. No entanto, esse não é um fator levado em consideração na escolha
dos entrevistados: personagens anônimos para o público externo ou com notoriedade no meio
artístico ganham o mesmo peso na lista. Na seleção dos nomes, foram priorizados aquele de
idade mais avançada. Essas decisões ficaram assim sintetizadas nos objetivos descritos no
documento que caracterizou o Memória Caciqueana:
Geral:
Registrar, por meio de entrevistas de história oral, as memórias individuais, vivências e
experiências de fundadores, diretores e colaboradores próximos (músicos, passistas, cantores,
carnavalescos e outros) que participaram da história do Grêmio Recreativo Cacique de Ramos,
sem distinção de visibilidade midiática.
Específicos:
Coletar, tratar, guardar e difundir o acervo de entrevistas que estará abrigado - fisicamente e
virtualmente - na estrutura do Centro de Memória Domingos Félix do Nascimento do G.R.
Cacique de Ramos;
Colaborar na construção de fontes de pesquisa sobre a história institucional da agremiação, bem
como de temas conexos tais como: formação dos bairros dos, assim nomeados, subúrbios
cariocas e suas vidas recreativa, comunitária, social e cultural; as matrizes do samba do Rio de
Janeiro; e o carnaval de rua carioca.
Essa foi uma definição estratégica necessária para que o projeto ganhasse identidade e
deslanchasse. No entanto, futuramente as alas poderão ser objeto de iniciativa específica
destinada a registrar as falas dos seus componentes a partir de algum direcionamento, ou até
mesmo por curadoria realizada por cada um dos segmentos. Desse modo, o projeto Memória
Caciqueana guardaria alguma analogia com a história oral institucional, uma vez que valoriza
a participação dos depoentes em processos de estruturação da entidade Cacique de Ramos: “A
preocupação maior [da história oral institucional] se dá frente aos registros documentais que
permitem pensar o papel da instituição por meio de casos, trajetórias, caracterização de
personalidades profissionais ou projetos (MEIHY; RIBEIRO, 2011: 51).
Por outro lado, conforme descrevemos, o pertencimento dos sujeitos ao Cacique não é
construído por vínculos utilitários e profissionais, o que aproximaria a abordagem da história
oral comunitária:
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Aceita-se o suposto de que história oral comunitária é parte da história oral
institucional. Por seu caráter associativo de adesão, tem-se que não se enquadram
empresas de projeção econômica onde prevalecem relações mediadas pelo mundo do
capital. As relações de afeto determinam também de alguma naturalidade nos
envolvimentos. Além de grupos familiares, ligações socioculturais matizam as
relações. Há instituições comunitárias de escolhas expressas em times de futebol,
escolas de samba, irmandades religiosas, mas todas elas são independentes de
vínculos trabalhistas. Nesses casos, o que se privilegia é a familiaridade da vida
comunitária, seu papel e função social (...) No caso da história oral comunitária, é
cabível supor outros compromissos que não os ligados a salários, lucros e demais
proventos (MEIHY; RIBEIRO, 2011: 53).
(...) desde a infância até o momento em que fala, passando pelos diversos
acontecimentos e conjunturas que presenciou, vivenciou ou de que se inteirou. Pode-
se dizer que a entrevista de história de vida contém, em seu interior, diversas
entrevistas temáticas, já que, ao longo da narrativa da trajetória de vida, os temas
relevantes para a pesquisa são aprofundados (ALBERTI, 2005: 37-38).
8
III - Outras atuações profissionais e sociais: atividades profissionais e/ou recreativas;
contraste entre a vivência laboral e a ambiência foliã/boêmia;
IV - Família, vida atual e cotidiano: casamentos, filhos, se a família o acompanhou no
gosto pelo samba e o carnaval; atividades que realiza no momento.
V - Mensagem final: opinião sobre o trabalho do Centro de Memória do Caciqu; o que
o samba e carnaval proporcionaram em sua vida; importância do Cacique em sua vida; o que é
ser caciqueano; mensagem a jovem sambista/caciqueano.
9 Como exemplo, o cantor e compositor Noca da Portela, dono de trajetória pessoal, profissional e artística que
extrapola seu período de atuação junto ao bloco, foi objeto de entrevista temática.
10 O acervo pode ser consultado no seguinte endereço do Youtube:
https://www.youtube.com/playlist?list=PLV5QzQnhAUUk1kefDCjDaVMXPeUt2q8zg.
9
Centro. Dessa forma, dentro das limitações técnicas e orçamentárias do núcleo de memória do
Cacique de Ramos, procura-se garantir a preservação digital das gravações, conforme
preconizado pela literatura do meio (ALBERTI, 2004). Como ações de difusão do material
gravado, indicamos a inserção da exibição de uma das entrevistas na Semana Nacional de
Arquivos de 2020 – a primeira realizada integralmente de modo virtual em virtude da pandemia
– e o uso de trechos selecionados dos depoimentos como parte da exposição virtual Cacique de
Ramos: seis décadas de carnaval, onde dialoga com outros suportes.
Entre maio de 2019 e janeiro de 2020, o acervo Memória Caciqueana foi ganhando
corpo de maneira progressiva. Ainda que sem a regularidade e estrutura de um centro de
documentação ligado à instituição universitária ou empresarial – o Centro de Memória só conta
com um pesquisador/entrevistador e um cinegrafista/editor - nesse período foram realizadas
seis entrevistas. A expectativa era de que no ano de 2020 o projeto alcançasse uma
periodicidade mais intensa. No entanto, em março daquele ano, o Cacique de Ramos foi
surpreendido com a expansão da contaminação pelo coronavírus na cidade do Rio de Janeiro.
Caracterizado como pandemia, o fenômeno obrigou as autoridades municipais a decretarem a
suspensão dos eventos e restringirem a circulação de pessoas.
A agremiação organiza, há quatro décadas, pagode semanal que ocorre aos domingos.
No terceiro domingo do mês, a roda de samba começa mais cedo, sendo servida uma feijoada.
A que seria realizada no dia 15 de março de 2020 foi o primeiro evento do Cacique a ser
cancelado. A partir daí até outubro de 2021, todas as rodas de samba e feijoadas foram
suspensas, o que significou uma perda material e tanto, pois foi impossível continuar gerando
renda para a manutenção da entidade. A própria circulação na quadra do Cacique foi suspensa,
conforme as recomendações das autoridade sanitárias, o que implicou também o cancelamento
das reuniões semanais da diretoria da entidade. A agremiação é administrada pelo seu
presidente e um conjunto de diretores, pessoas que se aglutinaram ao redor do Cacique
fundamentalmente pelo afeto. Esses diretores construíram, ao longo do tempo, laços de
pertencimento à agremiação e de amizade entre si, e repentinamente viram-se privados dessa
convivência.
Em meio a esse cenário adverso, as entrevistas do Memória Caciqueana foram
interrompidas. O fato assumiu contornos dramáticos: um dos previamente contactados, o
sambista Ubirany, fundador e ex-vice-presidente da agremiação, faleceu em dezembro de 2020
em decorrência de complicações da covid-19, sem que sua história de vida fosse registrada. Tal
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fato colaborava para criar um ambiente de extremo desânimo e sensação de perda de laços entre
a comunidade caciqueana. À medida que os meses avançavam, criava-se expectativa com
relação à realização do carnaval de 2021. Nessa ocasião, o Cacique de Ramos comemoraria
seus 60 anos de fundação, e uma série de planejamentos, festas e celebrações haviam sido
previamente especulados ao redor da efeméride. No entanto, em janeiro de 2021, a Prefeitura o
Rio de Janeiro, determinou a suspensão de todo o carnaval de rua da cidade, tendo em vista que
a contaminação pelo coronavírus prosseguia e a vacinação estava ainda em fase inicial e nada
foi realizado11.
Diante desse cenário, a própria Prefeitura, por meio da sua Secretaria Municipal de
Cultura, lançou o edital Cultura do Carnaval Carioca, estímulo à criação de conteúdos inéditos
e destinado a blocos, bandas, bailes, turmas, fanfarras, cordões, cortejos e assemelhados, uma
forma de reparo pelo impacto da pandemia. A linha do edital Origens propunha a criação de
videodocumentários ou projetos de registro e preservação da memória dos grupos em formato
a ser escolhido pelo proponente. No entanto, o edital exigia que todos os produtos deveriam ser
feitos em formato digital, tendo em vista a não recomendação de aglomeração naquele contexto.
A oportunidade se converteu como a chance ideal de produzir conteúdo sobre o carnaval do
Cacique de Ramos, e de alguma maneira ocupar a lacuna deixada pela suspensão do desfile
daquele ano. Dessa forma, o Centro de Memória inscreveu a proposta da exposição virtual
Cacique de Ramos: seis décadas de carnaval, selecionado em primeiro lugar na mencionada
linha do edital. O fomento do edital viabilizou pesquisa, seleção do material e criação da
plataforma virtual onde está abrigada a exposição, trabalho realizado pelos próprios integrantes
do Centro. A narrativa foi composta por meio de textos, fotografias e vídeos, está dividida em
blocos que organizam a trajetória da identidade visual e musical do Cacique e contam a história
dos indivíduos ao longo do tempo: Origens, Avenidas, Visuais, Sonoridades e Alas.
O Centro de Memória compreendeu que o período da suspensão das atividades é parte
marcante e constitutiva da identidade contemporânea do Cacique. Um espaço antes dedicado à
festa, ao lazer e à celebração da vida foi atravessado intensamente por sentimentos como
tristeza, angústia, solidão, medo e frustração. Diante disso, a equipe do núcleo, atento ao fato
de que passamos por um momento inédito que deixou marcas institucionais e pessoais, achou
por bem realizar um registro do nosso tempo presente. Foi criado o acervo Impactos da
pandemia na diretoria do Cacique de Ramos, cujo público-alvo é o conjunto de diretores
atuantes durante os anos de 2020 e 2021, período de suspensão das atividades. As gravações
11 CNN BRASIL. "Prefeitura do Rio de Janeiro cancela o Carnaval em julho de 2021”. Disponível em
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/prefeitura-do-rio-de-janeiro-cancela-o-carnaval-em-julho-de-2021/.
Acesso em 09 ago. 2022.
11
foram realizadas em duas levas, nos meses de novembro de 2021 e janeiro de 2022. Nessa fase,
a retomada das atividades presenciais foi autorizada pela Prefeitura carioca, desde outubro de
2021 o Cacique tornou a realizar seus eventos, e a circulação de diretores e colaboradores na
quadra normalizou-se. No período das entrevistas, a totalidade dos entrevistados já havia sido
vacinada com duas ou três doses. Dos 17 integrantes elencados como diretores no período, três
não puderam ser gravados: um por problemas de saúde (agravados pela pandemia), outro porque
encerrou sua colaboração com a entidade durante a pandemia e optou por não dar entrevista, e
uma terceira por incompatibilidade de agenda. Os 14 personagens enfocados atuam nas
seguintes áreas: presidência; administração e finanças; patrimônio; gestão de eventos; direção
de harmonia; direção de bateria; departamento feminino; carnavalesco; comunicação social;
mestre de cerimônias/locução; projetos sociais; centro de memória.
O convite direto foi feito a cada um dos membros, acompanhado de texto de
esclarecimento dos objetivos do projeto, já contendo as perguntas que seriam apresentadas:
Ainda que a divulgação prévia do conteúdo das perguntas não seja exatamente um
hábito de um projeto de história oral, considerou-se que o fato causaria mais tranquilidade para
o público-alvo, tendo em vista da abordagem de um período delicado da vida dos indivíduos.
Dos 14 entrevistados, sete estão enquadrados na categoria idosos (mais de 60 anos), grupo
considerado de risco durante a fase de maior contaminação da pandemia. O período de
isolamento social foi um severo momento no qual a circulação dessas pessoas no espaço foi
interrompida, bem o desempenho de atividades que lhes conferiam um círculo de
reconhecimento social e profissional. Especificamente sobre os idosos, muitas perguntas
colocavam-se: perderemos esses diretores para a doença? Com o retorno das atividades, eles
terão saúde mental e física para retornarem suas funções? Como se dará o processo de
substituição de dirigentes no Cacique? Que Cacique sairá desse período?
Todas essas são questões próprias à escrita da história do período, esforço que está no
horizonte do próprio Centro de Memória do Cacique de Ramos. Por ora, o núcleo compreendeu
que era importante registrar as falas, visões e emoções dos atores do período, com a memória
dos acontecimentos ainda “frescas”, passados apenas dois meses do fim do isolamento. A
condução das entrevistas respeitou a individualidade de cada um, ainda que o mesmo conjunto
de perguntas tenha sido feito para todos os entrevistados. Há depoentes mais sucintos, que
responderam de maneira mais direta, outros que se alongaram um pouco mais em suas
explanações. Dessa forma, há entrevistas curtas e outras maiores. Logo, estamos diante da
história oral temática, assim definida por especialista do meio:
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realizado12, também como forma de evitar a disseminação da contaminação do coronavírus. A
colocação: “As atividades presenciais estão sendo retomadas gradativamente, e haverá carnaval
em 2022: qual a sua expectativa para esse carnaval?” portanto registra explicitamente o tempo
em que o roteiro e as entrevistas foram realizados (dezembro/2021; janeiro/2022) . O estímulo
não discorre sobre um fato já ocorrido, mas sim expressa projeções sobre um futuro próximo e
todo o significado que isso alcança na identidade da comunidade de destino abordada.
Da mesma forma que o Memória Caciqueana, os entrevistados assinaram termo de
autorização de uso de voz e imagem e o material está arquivado físicamente no Centro e em
outras armazenagens. O conjunto de entrevistas, disponível na íntegra, figura como parte de
seção Pandemia dentro da exposição virtual Cacique de Ramos: seis décadas de carnaval 13.
Referências
Sites consultados:
CNN BRASIL. "Prefeitura do Rio de Janeiro cancela o Carnaval em julho de 2021”. Disponível
em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/prefeitura-do-rio-de-janeiro-cancela-o-carnaval-
em-julho-de-2021/. Acesso em 09 ago. 2022
G1. “Mangueira forma bloco com público e canta 50 anos do Cacique de Ramos”. Disponível
em: https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2012/noticia/2012/02/mangueira-forma-
bloco-com-publico-ecanta-50-anos-do-cacique-de-ramos.htm. Acesso em 10 ago. 2022.
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