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Proposta de dramaturgia

A montagem da peça, pretende antes de tudo respeitar a ideia original do autor,


contextualizando-a para os elementos principais do estudo do grupo, como o Rio
Piracicaba, a cidade e o caipira. O texto, permeará a pesquisa no jeito Andaime de
trabalhar, sendo todos os elementos integrantes do processo, criadores (diretor, autor,
diretor musical, cenógrafo e figurinista), todos tomam conhecimento da pesquisa sobre
o tema escolhido e desenvolvido pelos integrantes do Grupo. Da mesma forma, todos os
processos criativos são abertos aos participantes da encenação. Desse modo, pretende-
se criar um verdadeiro fórum de criação com múltiplas interferências de toda equipe
responsável pela encenação e dramaturgia do espetáculo. O desafio do Grupo Andaime
com suas encenações é buscar um resultado artístico que seja um bem espiritual,
essencialmente humano, e não um mero produto de consumo. Isso, obviamente,
pressupõe uma nova forma de produção.

Texto original de Ilo Krugli

UM RIO QUE VEM DE LONGE

ILO KRUGLI

Cena 1 - O barco que nunca navegou

Pingo Narrador – Essa é a História do Barquinho. Era uma vez um barco pequenino que se
chamava Pingo Primeiro. (Se vê o barquinho com uma corda amarrado) Pingo Primeiro
estava à beira do rio, desde que foi construído. Nunca havia navegado... e estava só e
aborrecido.

Cena 2 - O ancorado
Pingo – (Bocejando) Não sei o que estou fazendo aqui. Todos os barcos navegam e eu preso
sem poder me mexer.

Barquinho – (O outro que entra) Eh! Amigo, vamos passear um pouco?

Pingo – Não posso, essa corda que me amarraram não me deixa...

Barquinho – Ah, coitadinho! Está ancorado.

Outros barcos - Ancorado

Pingo – Ancorado? Será que eles falam desta corda?

Cena 3 - Irupê é a descoberta de um novo lugar que não é sozinho e não é parado

Irupê Narradora– Pingo estava ancorado, as ondas balançavam suavemente...quase dormia.


Nisso viu chegar uma formosa flor sobre as águas e olhou o barquinho.

Irupê – Barquinho? Barquinho? Barquinho? Como vai você?

Pingo – Oh! Que bonita! Como é que você se chama?

Irupê – Meu nome é Irupê. E o seu?

Pingo – Eu me chamo Pingo Primeiro. Irupê, fica comigo? Não tenho com quem falar.
Irupê – Não posso, não posso, as ondas me levam, me levam.

Pingo – Espera Irupê, vou com você.

Irupê Narradora – Mas por mais que o barquinho se afastasse da corda, não podia sair dali.

Cena 4 - Viajar é preciso porque a vida é curta

Borboleta Narradora - Nesse momento, pelo ar, chegou alguém muito simpática e muito bonita
também.

Borboleta – (música)

Pingo – Olha outra Irupê.

Borboleta – Não sou Irupê, sou uma bor-bo-le-ta.

Pingo – Você quer ficar comigo? Estou sozinho e não tenho com quem falar.

Borboleta – Não posso, a vida é curta!! Só se vive um dia, e tenho tanta coisa pra fazer... A vida
é curta e termina com o dia e tenho tanto, tanto o que fazer…(Sai borboleta)

Pingo (refletindo) – A vida é curta, termina com o dia... Então preciso fazer alguma coisa... Já
sei! Voltar a ver Irupê!
(música)

Cena 5 - A liberdade tem um preço / a troca do porto seguro

Aranha – Crê, crê, crê, jé, jé, jé.

Pingo – Quem é você, hum... que feia!!

Aranha – Crê, crê, jé, jé... Eu não sou feia. Eu sou uma aranha.

Pingo – Aranha, quer me fazer um favor?

Aranha – Eu não faço favores. Aranhas não fazem favores.

Pingo – Mas se eu lhe der um presente, você aceita??

Aranha – Presente! De presentes eu gosto, e eu gosto quando me dão. O que é, hein?

Pingo – Esta corda, você quer?

Aranha – Quero, quero, crê, crê, jé, jé.

Pingo – Então você pode levar, é sua.


Aranha - Eu ganhei uma corda, eu ganhei uma âncora, eu ganhei uma corda, eu ganhei uma
âncora.

Pingo – Estou livre. Mas o que vou fazer agora??? Já sei: voltar a ver Irupê

Cena 6 - Para seu objetivo, entrada no fluxo da vida

Narrador/Luiza – O barquinho navegava movendo-se entre as ondas do rio.

Narrador/Bruno - A cada momento aparecia um peixinho que lhe chamava...

Peixinhos/Bruno – Ei! Barquinho, barqui...nho! Vem brincar com a gente (interação com platéia)

Pingo – Desculpe, tenho pressa, estou procurando Irupê.

Narrador/Luiza – As árvores da margem também lhe acenavam.

Bru e Lu - Barquinho, Barquinho!! ( Murmúrio)

Pingo – Quem são vocês?

Árvores/Bruno – Nós somos árvores. Árvores!


Pingo – Ué, as árvores falam???

Árvores/Luiza – Sim, quando o vento nos balança (ritimado) Quando o vento nos move...

Pingo – Não viram passar Irupê?

Árvores – Irupê, Irupê, Irupê?

Pingo Narrador – Mal as árvores puderam responder e eu já havia continuado minha viagem.

Cena 7 - Se você não vai a lugar algum, por que se mexe tanto?

Pingo Narrador - Mais adiante, vi ao longe algo estranho que se movia e girava. Adivinhem o
que era??? ... Um moinho.

Moinho/Bruno – (Girando) Onde você vai? Onde você vai??

Pingo – Vou em busca de Irupê. E você, onde vai?

Moinho/Bruno – Eu não vou a lugar algum. Eu não vou a lugar algum...

Pingo – Se você não vai a lugar algum, porque você se mexe tanto??
Moinho/Bruno – É vento que me faz girar... É o vento que me empurra. É o vento que me faz
girar e me empurra

Pingo – Moinho, pede para o vento que ele me empurre também.

Narrador/Bruno – E o vento começou a empurrá-lo tão depressa, tão depressa, que apenas
pôde responder a saudação da borboleta que passou voando, e o peixinho que passou
nadando.

Cena 8 - O fluxo acelerado da vida te afasta do seu objetivo

Narrador/Bruno - De repente viu Irupê rodando em torno de uns juncos. (Bruno pega viola. Pingo
gira. Irupê) (Suspensão)

Pingo – Irupê!!!

Irupê – Pingo!!!! Como você está? Fica aqui. Vamos conversar. Para aqui.

Pingo – Irupê, agora sou eu que não posso parar, não posso parar, o vento me leva!!! Não posso,
Irupê, as ondas me levam.

Irupê – Pingo! Pingo, pare, pare...


Pingo – E eu não podia parar. Navegava cada vez mais rápido, tão depressa, tão depressa, tão
depressa que logo me vi num rio grande, imenso, sem margens, com ondas tão altas como
montanhas.

Cena 9 - A solidão da liberdade

Pingo – Que lugar é este??

Narrador/Luiza – Barquinho, é o mar.

Pingo – E o rio??

Narrador/Luiza – O rio acaba onde o mar começa

Pingo – Como é salgado o mar.

Luiza – E o rio não é salgado?

Pingo – Não, o rio é doce, doce, muito doce.

Cena 10 - O mar é para os grandes

Barco – Buh, buh. (barco aparecendo)


Pingo- Onde você vai?

Barco – Eu vou a China, e você?

Pingo – Eu só estou procurando uma amiga. Chama-se Irupê.

Barco – Não conheço nenhum barco com esse nome. (Vai se distanciando)

Pingo – Não é barco. É uma flor. Irupê não é um barco, Irupê é uma flor.

Cena 11 - O opressor e o oprimido

Narrador/Bruno – Pingo continuava navegando só, entre as ondas do mar. Tinha uma
única companhia, um sol grande de fogo. O barquinho quis falar com ele, mas o sol
estava tão longe que não podia escutá-lo... Até que uma nuvem passou e o escondeu.
Pingo estava realmente muito triste.:

Pingo – Nunca mais verei a Irupê... Nem as árvores e nem o Moinho, nem a Borboleta, nem a
Aranha.

Narrador/Bruno – Ele lembrava de tudo que quase chorava. Vamos pedir-lhe que não chore.
Não chore Pingo Primeiro, não chore!!! (interação com a plateia).

Pingo – É que me lembro dos meus amigos.


Narrador/Lu – Você se lembra dos amigos de Pingo Primeiro? As árvores, o Moinho, os
peixinhos, a aranha, e a Borboleta? (Interação com a plateia).

(Buzinão do navio grandão interrompe a interação e assusta Pingo)

Pingo - Ai!!! Quase que o barco grande passa por cima da gente!

Barco Grande – Buh, buh! Cuidado que eu te afundo.

Pingo – Ei! Não vê por onde anda?

Barco Grande – (quase rindo) Eu vejo, você é muito pequeno e tem que se cuidar. Não vou
me preocupar com barquinhos tão pequenos, pobres e insignificantes como vocês. O
mar é para navios importantes. Eu sou um navio importante. Eu sou um transatlântico.
Eu atravesso o oceano, eu vou para a Europa, meu nome…(ri) meu nome é famoso no
mundo inteiro, me chamo Frederico T. de Genova. Eu...Eu...Eu...Eu...

Pingo – Europa?? Do outro lado do mundo??? Frederico T. de Gênova. eu posso ir com você?

Barco Grande – Hal, hal!! Você se perderia em alto mar pequenino! Alto-mar, pequenino.
Quantos marinheiros tem na tripulação? Ele não tem marinheiro! Ele não tem tripulação!
Buhh!Buhh!! Eu tenho… Eu...Eu...Eu...

Pingo – Eu não tenho nenhum. O que é Marinheiro? O que é tripulação?


Cena 12 - O fundo do mar no peito do barco / Finitude

Narrador/Lu – Mas o barco grande já estava longe para responder. Começou a escurecer. O dia
estava terminado. Pingo teve medo da escuridão. Vocês não tem medo não? Rodeado
por um mar imenso onde se refletiam o infinito, o céu com uma lua e milhares de estrelas,
o barquinho se sentia triste, sozinho e preocupado, porque se lembrava das palavras da
borboleta.

Pingo – Será que os barquinhos vivem só um dia?

Cena 13 - Liberdade ou morte

(Tempestade - núcleo da cena)

Narrador/Luiza – Nisso começou a ventar muito forte, cada vez mais forte. Até que chegou uma
tempestade, pobrezinho! Pingo Primeiro não podia nem manter o equilíbrio, descia e subia.
Já começava a naufragar

Pingo – Vou me afogar! O que fazer?A onde vou??

Narrador/Luiza – Nesse momento viu uma luz e depois outra que acendia e apagava. Era um
farol. O vento empurrava o barquinho até onde estava o farol. E Pingo Primeiro batia contra
as pedras da costa.

Pingo – Ai! Socorro. Estou afundando.


Narrador – Então, apareceu um homem muito simpático que correu até o barquinho.

Pingo – Quem é você?

Marinheiro/Bruno – Eu sou um marinheiro. (Joga uma corda no Pingo)

Pingo – Ei! Ei! O que está fazendo??

Marinheiro/Bruno – Estou colocando uma âncora.

Pingo – Não quero, não quero!!! Vou ficar preso, não vou poder navegar, não vou ver mais a
minha amiga Irupê. Prefiro me afogar no mar! (Pingo se agita e acaba virando)

Marinheiro - Pingo, vou te salvar! (puxa a corda e o coloca ancorado novamente. Pingo se dá
conta que está ancorado)

Narrador/Luiza – Pingo, nós queremos te ajudar. Deixa eu te explicar.

Pingo – Sim, já sei como vocês vão me ajudar.

Narrador/Luiza – Agora vai ser diferente.

Pingo – Vai ser diferente, mas vou ficar amarrado e preso. Isto eu já experimentei uma vez, e se
é para continuar assim prefiro nem continuar nessa história. Eu vou embora. Acabou a
história.
Todos – (reagindo) Não faça isto. Como é que vai continuar o espetáculo??

Pingo – Façam vocês! Ela que não está fazendo nada.

Narrador/Luiza – Mas como, se começamos com o barquinho e vamos continuar com uma
barquinha?

Todos – Não faça isto, o público espera. (ele consulta o público e volta)

Cena 14 - Aprender é estar ao lado de gente que confia, cede e acompanha

Marinheiro/Bruno – Pingo, veja como é fácil: se eu levantar a âncora, você pode ir para onde
quiser. Deixa eu levantar a âncora?

Pingo - Deixo!

Marinheiro/Bruno - Está vendo, já estamos navegando… Quando quisermos parar, é só deixar


cair a âncora.

Pingo - Marinheiro! Baixe a âncora.

Marinheiro/Bruno - Pronto, baixei e paramos novamente


Pingo - Marinheiro! Levante a âncora!

Marinheiro/Bruno - Pronto, levantei. Nós marinheiros sabemos dessas coisas, parar e partir.
Quer parar de novo? Paramos.

Pingo – Marinheiro, você sabe onde fica o rio?

Marinheiro/Bruno – O rio fica no mapa do mundo. No mapa do Brasil.

Pingo – Marinheiro, você conhece uma flor que se chama Irupê?

Marinheiro/Bruno – Conheço todas as flores do rio

Pingo – Sabe onde ela está?

Marinheiro/Bruno – Sei.

Pingo – Pode me leva até lá?

Marinheiro/Bruno – Pois não, levo. Vamos levantar a âncora e viajamos.

Pingo – Viva! Eu já tenho um marinheiro, eu já tenho uma tripulação!!! (música do marinheiro)

Narrador/Luiza – E lá se foi Pingo Primeiro com o Marinheiro. Todo barquinho para chegar muito
longe precisa de um marinheiro que o guie.
Cena 15 - Objetivo alcançado, e agora começa a história

Música (marinheiro canta)

Vou já vou

Já vou te buscar...

Seguindo os caminhos

Das ondas do mar

Narradores (Lu e Bruno) - ... “Pingo está voltando!”, “ Pra onde você vai??? Pra onde você
vai?” “Está procurando Irupê, está procurando Irupê!

Narrador/Bruno - E quando o sol apareceu lá no alto, ele viu ao longe, Irupê.

Marinheiro - Ali!! Ali está Irupê... Irupê!!!!

Pingo - Irupê! Que saudade!

Irupê – Pingo, eu te procurei tanto! Por onde andava?

Pingo - Irupê, eu estava no mar, na tempestade do mar.

Narrador/Bruno – O Marinheiro baixou a âncora. E Pingo pode conversar muito, muito com
Irupê, tanto que o tempo de hoje não dá pra contar a vocês.
FIM

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