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Trilogia

O gosto das coisas (II)

A Gorda Vai Cantar

LEOPOLDO PONTES

Todos os direitos reservados © 2019

Capa sobre fotografia de Fafí Pontes

À FAFÍ...

Sumá rio
À Fafí...
O BAIXO
A POETA OU A POETISA?
O MOVIMENTO PUNK
INEPTO OU INAPTO
VENDEDORES DE Ó CULOS
CINEMA MUDO
O DEUS IMPERFEITO
A É TICA
DIFUSÃ O DO LATIM
SHALOM
CAPOEIRA
SONHO
VIAGEM À LUA
MIRIAM LANE
SONS DA NATUREZA
CICATRIZES
FILTRO DE CHIMARRÃ O
O SOM DA AURA
RUBICÃ O
O INFINITO
ODE AO ATEU
RELIGIÕ ES
A TRANSCENDÊ NCIA DA LOUCURA
NÃ O DESPREZE SEU CHIMARRÃ O
LIVROS
DEMOCRACIA
PRIMEIRA BANDA
A EXPERIÊ NCIA DE SE TOMAR UM CHIMARRÃ O
CONECTADO
AINDA CONECTADO
CIÊ NCIA E RELIGIÃ O
JORNALISMO
A CURA
A GORDA VAI CANTAR
O SAGRADO E O PROFANO
DORMIR BEM
DISCUSSÕ ES
LENDA ANTIGA
OLAVO BILAC
INCOMUM
MONOTEÍSMO
O ZERO E O NADA
QUEM CRIOU DEUS?
SELEÇÃ O NATURAL
ESCRITA
A PAIXÃ O NO BANCO DOS RÉ US
A NOVA VELHA ESCRITA
O TEMPO
NOVAMENTE O TEMPO CIRCULAR
INTELECTUAIS
AINDA O CINEMA MUDO
DEUSES MENORES
AS Á GUAS
A VERDADEIRA CIÊ NCIA
Ú LTIMAS PALAVRAS
CACHORRO GRANDE, TCHÊ !
HENDRIX, AINDA O MAIOR ..................................................
SYD BARRETT, O GÊ NIO DE LONDON LONDON
LOKI
Mendigos e Cia.
OUTRO APÊ NDICE
dos princípios gerais das leis
F8-“DESTINO”
O SER E O NÃ O-SER
LER NO E-READER
CREPÚ SCULO
O UNIVERSO MALEÁ VEL
O TREMA
TEORIA UNIFICADA
TOLERÂ NCIA RELIGIOSA
EVOLUÇÃ O E A DIALÉ TICA DA NATUREZA
REALIDADE OBJETIVA
SUBJETIVIDADE DA CIÊ NCIA
ROSAS DE OURO
A LÍNGUA PORTUGUESA
CONDIÇÕ ES PARA A LIBERDADE
O IDIOMA DE DEUS
A LÍNGUA DE ADÃ O
A DITADURA DA FELICIDADE
THE RUNAWAYS
O HOMEM FORMIGA
BOM-DIA, BOA-TARDE, BOA-NOITE
LIVROS INSPIRADORES
ANSIEDADE
LIBERDADE
PARTIDOS
O FIM DO LIVRO FÍSICO
FUMAR EM PÚ BLICO
AMANHECER
BRAZIL
OS NOVOS INTELECTUAIS BRASILEIROS
TECLADO NOVO
PERGUNTAS SEM RESPOSTAS
LIVROS QUE SE VÃ O
LEITURA SILENCIOSA
PRIMEIRO B.O.
ISRAEL
ELEIÇÃ O
LETRA E MÚ SICA
VIOLÊ NCIA CONTRA O HOMEM
HOMOFOBIA
OLIMPÍADAS 1972
PEPEU
SOBRE A TRADUÇÃ O
O PODER CORROMPE?
NO PRINCÍPIO
DEIXAR-SE LEVAR
SOBRE O AUTOR
O BAIXO

Desde criança, quando vou a um concerto, procuro sentar-me perto dos contrabaixos,
porque é impossível ouvi-los se nos colocarmos no meio da plateia. Normalmente, eles
ficam do lado extremo direito da orquestra, com raríssimas exceçõ es.
Entã o, todos os outros instrumentos sã o ouvidos, porque de qualquer lugar onde você
estiver, eles serã o percebidos. Mas os contrabaixos nã o.
Quando eu tocava guitarra em bandas, gostava sempre de ouvir o baixo fazendo a cozinha
com a bateria. Podia improvisar à vontade porque, sabia que quando terminasse meu voo, o
baixo estaria lá , firme e forte.
O engraçado é que, mesmo num concerto de rock, geralmente o baixo fica à direita de quem
vê. Falo no geral porque isso nã o acontecia no Free, no Led Zeppelin e outras bandas por aí.
Mas nos anos 1970 isso acontecia com o Terço e com os Mutantes.
Baixo e contrabaixo sã o o mesmo instrumento: a diferença é que nomeamos da primeira
maneira quando tocam nos tempos fortes, a segunda quando nos contratempos.

A POETA OU A POETISA?

Há mulheres que fazem poemas e se auto intitulam poetisas; outras, preferem ser chamadas
poetas, no feminino. O melhor é perguntar a cada uma como escolhe ser nomeada, pois as
definiçõ es diferenciadoras sã o sempre incertas, claudicantes.
Tudo começou com Cecília Meirelles, que escreveu sou poeta: a partir de entã o, toda poetisa
que escrevesse de forma diferente da tradicional se auto intitulou dessa forma. Mas ainda
assim fica a dú vida. É como no caso de Presidenta: é a presidente ou a presidenta? Ambas as
formas sã o corretas, mas o melhor é perguntar a ela como prefere ser titulada.
O MOVIMENTO PUNK

O punk surgiu no final dos anos 1970 através de bandas que iam contra a vertente de entã o,
que era um rock elaborado, desde Led Zeppelin até Yes e Pink Floyd. Veio por meio de
grupos proletá rios, que faziam muito barulho ao tocar, e cantavam gritando, com cançõ es
de três ou dois acordes e minutos, nã o mais que isso.
Seus ídolos eram grupos como The Who (barulho e instinto, hoje seus discos sã o clá ssicos)
e os Rockabilli, dos anos 1950. Era o retorno ao rock bá sico, gutural, mas com mais
confusã o.
Era comum, naqueles anos, uma banda de Reggae abrir o show de uma Punk e vice-versa.
Eles se davam bem, uns com os outros, pois ambos eram revolucioná rios, além de outras
similitudes.
Nã o era um movimento, era simplesmente punk, um antimovimento. Nã o tinha ideologia
nem modismos, embora usassem cortes de cabelo diferentes para a época. Já nã o era “paz e
amor”. Foi a época dos Ramones e de Sex Pistols, além de uma banda só de mulheres, The
Runaways. A maioria gravava um disco só , quando chegava a fazê-lo antes da banda se
desmanchar. Patti Smith fazia parte disso, embora fosse um punk intelectualizado, se
podemos assim contraditoriamente dizer. Aqui no Brasil tinha os Ratos do Porã o, por
exemplo. Nos anos 1980, tinha os Garotos Podres.
Antes do Punk aparecer, as bandas de garagem eram chamadas Punch (soco), já que faziam
um rock primal.
Pessoalmente, considero o New York Dolls a primeira banda Punk, só que em tempos que
isso nem era cogitado, nos primeiros anos 1970.
Com o passar de alguns anos e a chegada do New Wave, pura modinha, e do New Age, para
meditar, o Punk mudou e se transformou no que é hoje, mais um gênero musical como os
outros. E as pessoas em geral falam agora em movimento punk. Nada mais contrassensual.

INEPTO OU INAPTO

Eis uma questã o semâ ntica: a princípio, parecem vocá bulos sinô nimos, mas nã o sã o.
Inepto é aquele que nã o sabe fazer nada, é o portador de idiotia, no sentido que a
psiquiatria dava antigamente; inapto é o que nã o tem aptidã o para alguma coisa, como por
exemplo o reprovado num concurso pú blico. A pessoa pode até ser muito inteligente para
algumas coisas, mas para aquele concurso nã o.
Inepto é geral; inapto é específico.
VENDEDORES DE Ó CULOS

Se eu fosse dono de uma ó tica, obrigaria todos os atendentes a usarem ó culos durante o
trabalho. Se nã o precisassem, usariam sem grau.
Por que isso? Ora, só quem usa ó culos pode saber como é a vida com eles. E normalmente
isso nã o acontece. Quem pode saber como é a vida de quem é usuá rio? Somente outro com
a mesma perspectiva.
Quando você nã o usa e passa a usar, ou quando você precisa trocar o grau, passa um ar de
confiança se o atendente também usá -lo. Assim como o gerente e o dono da loja também
devem fazer uso de, pelo menos, um par de ó culos. E claro, um par de lentes escuras, para
usar quando for ou vier do almoço num dia de sol.

CINEMA MUDO

Adoro cinema mudo!


Nos primó rdios do cinema, início do século vinte, a filmadora era apenas uma câ mara
escura com lentes, tendo, em vez da chapa fotográ fica, um mecanismo de dois rolos com um
filme ainda virgem e uma manivela que acionava o controle. Essa manivela, cada vez que
dava duas voltas, tinha que fazê-lo em 1 segundo, de modo a fotografar 18 quadros por
segundo. Isso quer dizer 18 quadros por segundo em dois movimentos da manivela!
Com o passar do tempo, a manivela foi substituída por um mecanismo de corda.
Outro detalhe é que quem filmava olhava a imagem de cabeça para baixo. Na projeçã o
corrigia-se isso.
A bitola mais usada era de 16 mm, perfurada dos dois lados. Era normal e humano que
essas volteadas fossem ligeiramente irregulares, o que se repetia quando se exibiam nos
cinemas. O filme era sempre mudo, e as casas que o passavam tinham sempre um ou mais
mú sicos ao vivo para ajudarem a dar um clima na histó ria.
Embora algumas salas de espetá culos nas cidades grandes tivessem mú sicos, as do interior,
principalmente as de menor porte, passavam filmes no mais completo silêncio. Era o caso
de minha avó paterna, Luzia Zambotto, que vivia em Itatiba, interior paulista. O som nos
cinemas brasileiros apareceu por volta de 1930, mas demorou um pouco para chegar à s
salas de nosso interior. Minha avó , a primeira vez que foi a um cinema falado, em Sã o Paulo,
saiu antes de terminar o filme, por nã o aguentar o barulho. Estava acostumada ao silêncio
dos cinemas antigos de sua cidade natal. Assistir a um filme era como ler um livro ou jornal.
Com o cinema falado, passou-se a filmar 24 quadros por segundo. Havia filmes de diversos
tamanhos. Havia os de 16 e os de 35mm, com perfuraçõ es de ambos os lados e uma banda
sonora ao lado de um deles. Havia os de 8 mm, para o cinema em casa, que eram filmados
com um 16mm só a metade (um lado) e depois de outro e apó s cortados. Havia os de
outras medidas, mas que nã o pegaram no mercado, como a de 9 mm. Passado um tempo,
surgiu o 8mm já cortado de fá brica e o super8, com trilha sonora num dos lados e
perfuraçã o no outro. Claro, a imagem captada era menor nesse filme.
Quando surgiu o cinema falado, a trilha sonora ficava no lugar da perfuraçã o direita. Mais
modernamente surgiu o de 70 mm, que tinha a imagem mais ampla. Era o cinemascope,
com a perfuraçã o nos dois lados e a banda sonora num deles.
Eram já 24 quadros por segundo. Hoje, as animaçõ es e os filmes, digitalizados, passam o
equivalente a 30 quadros por segundo.

O DEUS IMPERFEITO

Quando vemos uma foto de frente de um rosto, e prestamos atençã o, notamos que a linha
horizontal que une os olhos nã o é paralela à da comissura dos lá bios. Isso faz parte da
beleza humana.
É a mostra da imperfeiçã o que temos, mesmo se fô ssemos deuses. Todo o corpo de uma
Miss (vencedora de concurso de beleza) tem um lado diferente do outro. A nã o ser que ela
tenha feito plá stica.
Assim, a imperfeiçã o está como norma do Equilíbrio Divino, pois tal seria o equilíbrio
dinâ mico, dialético: a beleza é a imperfeiçã o. Isso ocorre em todo o universo, do micro ao
macro, passando pelas formas de flocos de neve, sempre imperfeitas.
O que acontece é que temos a tendência de estabilizar o que vemos em formas perfeitas.
Norteamos nossas vidas dividindo-as em instantes delimitados, quando sã o linhas sinuosas
e quebradas, por mais que pareçam retas, monó tonas, rotineiras e repetitivas.

A É TICA

Fala-se hoje muito sobre ética. Chegamos a tê-la em forma de lei para algumas profissõ es. E
por que se fala tanto em ética?
Ora, as pessoas esqueceram da Moral. Ficou fora de moda. Para nã o dizer que sã o imorais,
diz-se que está agindo amoralmente. Ou se refugia na ética.
A Moral está ligada à religiosidade e ao bom senso; a ética, à lei.
DIFUSÃ O DO LATIM

O Latim era a língua mater da Roma antiga. Ela solapou diversos idiomas, por meio dos
soldados, que mudavam as línguas dos lugares conquistados, dos quais hoje só temos
alguns resquícios e à s vezes apenas o nome. E nã o só .
Havia o latim clá ssico, falado pelos doutores. Era utilizado pelos Césares, pelos literatos,
pelos Senadores.
Havia o latim vulgar, o que se falava nas ruas pelo povo. Assim, equus no clá ssico era
cabbalus no vulgar.
Havia o latim familiar, falado em casa pelas famílias. E finalmente o latim castrense, que era
o falado pelos soldados, o mais feio, embora mais simples em suas regras.
Pois foi esse ú ltimo que se espalhou pela Europa antiga, misturando-se com os idiomas
alienígenas, formando o italiano, que é o mais parecido com sua língua mã e; o espanhol, o
francês, o catalã o etc. Por ú ltimo o português, bem diferente em sua origem do atual, a
última flor do Lácio.

SHALOM

Quando uma pessoa cumprimenta outra dessa forma, nã o é o mesmo que dizer paz, porque
se trata de uma paz diferente: nã o é contra o genocídio, mas algo muito maior.
Shalom é uma palavra poderosa, concorrente a outras nas outras línguas. Mas embora seja
um cumprimento, é um desejo. Uma traduçã o melhor diria: a Paz do Senhor esteja entre nós.
Quando é dita pelo emissor, o receptor diria: que a Paz do Senhor esteja à nossa volta, neste
encontro.
É mais que a Paz do Senhor, é Shalom para o mundo inteiro. É uma palavra que exige todo
nosso respeito ao pronunciá -la. É como Namastê.

CAPOEIRA

A verdadeira capoeira é a de Angola. Veio da Á frica para o Brasil como luta, embora aos
olhos dos nã o-iniciados fosse apenas uma dança.
Sempre gostei dela, nã o só em termos de movimento, mas de mú sica: três berimbaus e
percussã o. Normalmente, o primeiro berimbau faz o baixo, o segundo a base e o terceiro o
solo. Há vezes em que é tocado apenas um ou dois.
Tentei uma vez aprender capoeira, mas até o bá sico, que era a ginga, nã o conseguia fazer
direito.
A outra espécie de capoeira é a Regional, com outros movimentos e menos tradiçã o, nata
em solo brasileiro. Na de Angola, tudo o que acontece é mais “chã o”; na Regional, ela sobe
para o ar.

SONHO

As ruas sã o rios fundos, onde nadam peixes e seres desconhecidos. A á gua sobe pelas
calçadas por meio metro. Os moradores vivem devagar, sonambú licos. As cores que planam
pelo ar sã o mú ltiplas e tudo parece flutuar. As casas sã o meio tombadas e com portas e
janelas antigas, no estilo do Brasil Colonial. As pessoas falam frases sem sentido mas se
entendem. Todos andam lentamente, sem pressa. Nem todos têm para onde ir, mas andam
como se tivessem. Ninguém corre. Nã o há trâ nsito pois nã o existem carros, nem ô nibus,
nem trem, ou metrô , nem caminhõ es.

VIAGEM À LUA

Sonhá vamos, brincá vamos, líamos, sobre viagens a outros planetas, ouvíamos e dá vamos
crédito a futuró logos, devorá vamos histó rias em quadrinhos sobre ficçã o científica...
Em 1969 tinha eu 11 anos de idade e o homem ia pousar na Lua. Fiquei muito
entusiasmado para assistir pela televisã o. Ia acontecer por volta da meia-noite e meu pai ia
assistir; todo mundo ia assistir; menos eu, porque minha mã e me proibiu por ser muito
tarde da noite.

MIRIAM LANE

Aqui no Brasil, a mocinha que gostava do Super-Homem tinha o nome de Míriam Lane. E
ninguém pronunciava Leine, mas Lane, mesmo, no bom e velho português. Como a vedete
Virgínia Lane. Foi assim que a conheci nas histó rias em quadrinhos do heró i que eu tanto
amava.
Passaram-se as décadas e as novas versõ es do Super-Homem, na TV e no cinema, davam a
ela o nome de Lois Lane. Impliquei com a alteraçã o, por um certo tempo, até que descobri o
porquê da mudança: o pú blico mudara e nã o havia mais porque manter a forma antiga.
Afinal, muitos aficionados hoje entendem o inglês, e sabem que Lois pode ser um nome que
pode até criar uma ambiguidade sexual que agradaria a uma parcela de leitores das atuais
histó rias em quadrinhos.

SONS DA NATUREZA

Assisti pela internet, na Netflix, uma série da TED chamada vozes animais. Num dos
episó dios da primeira temporada, aprendi que existem na natureza três tipos de sons:
geofô nicos, biofô nicos e antropofô nicos.
Os primeiros sã o os de nosso Planeta mineral: os terremotos, os ventos, as chuvas, os
temporais, as garoas, entre outros.
Os segundos sã o os das plantas e os dos animais, desde insetos até pá ssaros e mamíferos.
Os terceiros sã o relativos aos que as pessoas fazem: ressonar, balbuciar, falar, cantar, mas
também os de automó veis, embarcaçõ es, jatos etc, que sã o de nossa responsabilidade.
Os sons antropofô nicos variam no equilíbrio com os naturais de acordo com as culturas e
naçõ es.
Quando nossa família mudou-se do centro para um bairro distante, quase nã o havia sons de
pá ssaros. Com o passar dos anos, o movimento do centro foi aumentando e o ambiente
natural diminuindo. Com isso, migraram os pá ssaros para nosso bairro e hoje estamos
cercados de sons biofô nicos.

CICATRIZES

Quando tinha meus 12 anos, tive um acidente de bicicleta que feriu-me na altura da
sobrancelha esquerda. Hoje quase nã o há mais resquícios. Mas foi minha primeira cicatriz,
que naqueles dias exibia com orgulho! Coisa de criança...
A segunda adquiri em 1984, quando quebrei meu cotovelo direito numa escada de uma
praça em Sã o Paulo. Precisei operar em dois locais, fiquei internado no hospital em Santos
vá rios dias e quem bateu à má quina meu trabalho de conclusã o de curso foi nossa amiga
Silvana, a quem fiquei muito grato. Até hoje.
A terceira vez nã o me deixou cicatriz, mas dó i até hoje: foi quando quebrei meu pé direito,
no início dos anos 2000.
Nã o tenho vergonha delas, pelo contrá rio, sã o marcas de minha vida, sã o marcos do que
vivi. Sã o parte de mim.

FILTRO DE CHIMARRÃ O

Durante muitos anos tomei chimarrã o com a bomba nua. Isso fez com que diversas vezes
tivesse que comprar uma nova, porque a antiga irremediavelmente entupia. Até que um dia
me ensinaram que existia uma coisa chamada camisinha, que se colocava na peneira da
bomba, para que justamente evitasse o entupimento.
Comecei a comprar e usar. Tive que aprender sozinho a usar, porque a explicaçã o verbal de
um amigo nã o foi suficiente. Entã o comecei a comprar na minha cidade, como camisinha,
nã o deixando porém de fazê-lo com um certo constrangimento perante as vendedoras.
Ao comprar, ouvi-as chamar de filtro. Ao chegar em casa, vi escrito na embalagem filtro, e
nã o camisinha, como é tradiçã o no Sul. E assim uso atualmente com constâ ncia.

O SOM DA AURA

Há uma teoria que diz: tudo vibra.


Isso quer dizer que cada um de nó s tem uma vibraçã o diferente. Cada parte de nó s tem uma
vibraçã o diferente.
Vibramos de maneira distinta diante de cada situaçã o, de acordo com nossas
personalidades e de nossos estados físicos, mentais, espirituais, naquele momento.
A vibraçã o causa um som e assim soaríamos uns para os outros de uma forma particular;
temos uma vibraçã o pessoal, que nos especifica, e variantes, que aparecem conforme
nossos estados.
Assim ocorre com nossas auras, que nã o só têm luminosidade e cores, mas também
vibraçõ es, o que as faz ter som.
A vibraçã o de um ente vivo dá seu som e cor fundamentais. A uniã o de vá rios num só
intento reú ne seus sons e cores numa coalisã o polifô nica e policrô mica.
RUBICÃ O

Luís de Camõ es, em sua obra Os Lusíadas, tem um trecho que gosto muito, que é quando ele
atravessa o Rubicão.
Isso tem um significado muito profundo, porque é o momento em que ele vence um
obstá culo até entã o intransponível.
Quando vencemos um desafio que propomos a nó s mesmos, quando passamos por uma
prova em nossa vida muito difícil, como terminar um luto, ou conseguir algo pelo qual
lutamos tanto tempo, nó s atravessamos o Rubicão. É uma vitó ria grandiosa!

O INFINITO

Nossa consciência nã o tem o poder de ver ou pensar no infinito. Por mais que nos
esforcemos, sempre esbarramos num ponto final, ou num horizonte. Nó s intuímos o que é o
infinito.
Primeiramente, pensamos no que nã o para, que dura pra sempre, é constante, contínuo,
perene, perpétuo, que permanece.
Depois descobrimos que tudo muda: é a impermanência da permanência, é a constâ ncia da
inconstâ ncia, porque tudo tem vida, até o que parece morto, vive.
Tudo muda porque tudo tem vida e assim o infinito sempre muda porque é um organismo
vivo. Se é um organismo, tem limites e, portanto, tem finitude, mesmo que nã o consigamos
perscrutá -la.
Se o infinito tem limites, entã o há mú ltiplos infinitos. Cada qual ocupando seu pró prio
espaço e cada espaço contendo mú ltiplos infinitos. Essa é a ideia dos mú ltiplos infinitos que
se somam a mú ltiplos infinitos, que por isso se multiplicam em infinitos sem fim.
∞ + ∞ = 2 ∞ => ∞ . ∞ = ∞²//
∞® . ∞® = ∞°, onde ® é um nú mero qualquer, e ° é um seu mú ltiplo.
Caraguatatuba, outono de 2015.
ODE AO ATEU

Oh, como gosto dos ateus, que têm a coragem de nã o acreditar em Deus ou têm medo de
acreditar. Eles nã o creem num Ser Superior. Vivem suas vidas ao léu, independentes.
Quando falo em ateus, sã o os que nã o têm Deus algum, seja a Ciência, um carro novo ou
uma filosofia. Nã o creem em coisa alguma, nã o se apegam a nada. Ora, um anarquista tem fé
no Anarquismo, um cientista tem fé na Ciência, eles acreditam realmente que aquilo é uma
verdade inabalá vel. Nã o sã o ateus de verdade.
Quando os físicos pensaram no Big Bang, muitos séculos antes os hindus já intuíam no Om,
uma criaçã o primordial com esse som, que ecoaria até os dias de hoje.
Meu pai era ateu, porém um grande benemérito. Soube de pessoas que ele ajudou por
formas indiretas, ele nunca contou. Poucas vezes as pessoas contavam, mas ele mesmo
nunca esperava recompensa ou gratidã o. Pelo contrá rio, chegou até a ser ameaçado. Com
um revó lver. Por uma dessas mesmas pessoas. Mesmo assim, nã o parou de praticar atos de
caridade até o fim de sua vida, digamos, uns dois anos antes de sua morte, quando teve Mal
de Alzheimer, Mal de Parkinson e seu câ ncer entrou em metá stase.

RELIGIÕ ES

Creio na religiã o que professo, creio que é a ú nica verdadeira, sei que estou no caminho
certo. Também sei que muitos outros acham o mesmo de suas pró prias. Há os que creem
em Algo Maior, mas nã o se submetem a nenhuma. Têm ainda aqueles que acreditam que
nã o creem em nada e há os ateus. Há também os que estã o em vias de acreditar em alguma
coisa, contudo nã o sabem ainda em que.
Considero que todas as pessoas têm seus pró prios meios de se conduzir e, ao final, as
mesmas chances. Mas nã o acho que todo os caminhos levam a Deus; acho que todas as
pessoas têm as suas escolhas e isso sim é que determinará seus destinos.
Penso ainda que as sendas divergem e que outras convergem, porém ninguém sabe quais
irã o para onde. Talvez algumas sejam mais longas, ou mais cheias de mudanças de direçõ es,
enquanto outras sejam diretas ao ponto. Que ponto? Que pontos? Todas as religiõ es do
mundo têm o Olimpo e o Hades. Todas têm alguma recompensa, seja um paraíso, um
nirvana (saída do sansara), um espírito destituído de corpo, um corpo perfeito espiritual e
carnal, ...
O espiritismo kardecista, no Brasil, virou religiã o. O Tao-Te-King, espécie de livro sá bio,
tornou-se no Taoísmo, que tem força religiosa. O mesmo ocorreu com os ensinamentos de
Buda e de Confú cio. Isso quer dizer que há uma tendência ao querer transcender-se, mais
uma vez falo isso, seja de que forma for. As religiõ es servem para nos transcender e tudo
que é pensamento, emoçã o, sensaçã o, tentativa de racionalizaçã o, tende a se transformar
em religiã o, nem que tenha apenas um adepto.
Caraguatatuba, outono de 2015.

A TRANSCENDÊ NCIA DA LOUCURA

O que é um louco? É alguém que nã o suporta a mediocridade do cotidiano e busca uma


forma de transcendentalizar.
Essa transcendência é uma superaçã o e pode ser obtida por qualquer pessoa,
voluntariamente ou nã o.
Qualquer forma de vida tem sua maneira de se subtrair ao meio cruel em que habita.
Quando a realidade nos parece como uma Medusa, nã o podemos olhar para ela ou nos
tornaremos está tuas de pedra. Ninguém quer ser uma está tua de pedra. Por isso, poucos
olham para a mulher com cabelos de serpentes. Quem o faz, nunca mais produz nada,
torna-se escravo da sociedade, nã o contesta, nã o contribui, nã o sai de seu posto de morto-
vivo...
Por isso a necessidade de sermos loucos. Um pouco, pelo menos.
Para tanto, cada qual tem sua maneira de enlouquecer: alguns escrevem, outros tocam
algum instrumento, outros imaginam propagandas incríveis ou realizam filmes
alternativos, fazem animaçõ es, outros usam drogas lícitas, como o cigarro e o á lcool, ou
ilícitas, ou assistem tv, ou vã o dormir, sonhar, sonham acordados, fazem revoluçõ es,
meditam, entre outras coisas.
Meditar, por exemplo, é bom. Você tem um pensamento, pensa, vai se destituindo de seus
pensamentos, vai deixando a cabeça vazia, até transcender.
No entanto, existem pessoas que têm, naturalmente, o que chamamos de transtorno
mental. Elas nã o podem usar drogas, pois exacerbaria seu potencial, principalmente se
forem inteligentes, podendo entrar em viagens sem retorno. E passarem o resto de suas
vidas fora do real. E há os loucos furiosos, que é uma outra histó ria.
Mas o que é real? Cada um de nó s tem uma percepçã o diferente da realidade. Ninguém sabe
de verdade o que existe mesmo ou nã o. Isso eu já discuti em meu livro Dialética sem Encher
Linguiça, nã o vou retornar.
O que quero aqui é falar sobre a transcendência. Transcendentalizar é sair da mediocridade
cotidiana e entrar numa realidade superior, onde somos mais perenes, criativos,
imaginativos, mais pró ximos de uma Energia que nos desoprime, nos liberta.
A transcendência é a liberdade. A loucura pode nos oprimir, pode nos fazer sofrer. Nos faz
sofrer. Dentro de nó s mesmos e diante da sociedade. Se as pessoas percebem que somos
loucos, nos evitam. Todavia, um louco reconhece outro louco. E aí podem se dar bem. E
ambos se entendem na transcendência da loucura.
Caraguatatuba, outono de 2015.

NÃ O DESPREZE SEU CHIMARRÃ O

Há vezes em que compramos uma desconhecida marca de chimarrã o, só para


experimentar, ou porque nã o tem da que conhecemos.
Nesses casos, podem ocorrer dois fatos: gostamos da erva nova ou nã o. No primeiro caso, a
tomamos com gosto até terminar. E no segundo? O que fazer?
Normalmente, o cliente se desfaz da erva ruim, ou a dá para alguém que possa degusta-la.
Porém, nã o é essa a maneira correta. Devemos respeitar todo o mate de chimarrã o que vier
à s nossas mã os, porque chimarrã o é alimento e nunca devemos desprezar um alimento que
pusemos em nosso prato. O alimento é sagrado e o chimarrã o portanto também o é.
Se compramos determinada erva e nã o gostamos, devemos ainda assim toma-la até o fim,
seja pura ou misturada, mas nunca desprezá -la.

LIVROS

Há dois tipos de livros.


Os primeiros sã o aqueles que vêm de cara dizendo o que querem. Logo nas primeiras
pá ginas você já sabe o que vai encontrar pelo resto. Nã o escondem um final furtivo, nã o
criam suspense nem expectativas. Você os compra já sabendo de antemã o por onde eles
vã o enveredar.
É o caso dos escritos jornalísticos, ou de teses acadêmicas, em que o título já é o tema de
uma discussã o.
Os outros sã o os que falam sobre.
Sã o livros que você se afunda com pensamento de como ele vai se desenvolver. Nã o se sabe
aonde vã o chegar. Têm surpresas, avisos, prévias, explicaçõ es, descriçõ es. Sã o os literá rios
e os descritivos. Tais sã o aqueles em que nos entretemos, sobre os quais conversamos em
mesas de bar, em termos de alívio do dia-a-dia, livros de cabeceira para antes de dormir.
Sã o utilíssimos para o raciocínio e memó ria.
Tudo se resumiria nisso. Há porém exceçõ es, que nã o se enquadram nas categorias acima
relacionadas, que vêm como ladrõ es, espreitando pela janela e sendo descobertos aos
poucos. Sã o os mais raros.

DEMOCRACIA

Não existe Democracia sem política partidária!


Luiz Felipe Pondé,
no Jornal da Cultura, em comentá rio no inverno de 2015.

Primeiro temos que ter partidos.


No Brasil, nã o existem mais partidos, apenas siglas. Embora levem consigo o nome de
partidos, sã o apenas agremiaçõ es com sentidos políticos. Até as direçõ es se confundem,
ninguém mais pode dizer que tal ou qual grêmio é mais de direita ou de esquerda.
A nova esquerda propugnada por certos políticos é uma invençã o que contém os mesmos
vícios da direita da época da Ditadura dos anos 1970 no Brasil. Haja visto aquele célebre
momento, televisionado para todo o Brasil, em que o entã o ex-Presidente do país, Lula, da
pretensa esquerda, levou o prefeito de Sã o Paulo, também da pretensa esquerda, para uma
congratulaçã o com Maluf, sempre de direita, no quintal da mansã o deste, que sempre
esteve no Poder, seja em foco ou nos bastidores.
Um partido tem direcionamento determinado; todos os seus integrantes têm de ter os
mesmos ideais de pensamento, ainda que divirjam, aqui ou ali, em assuntos que nã o façam
parte da imagem partidá ria. Nã o pode se coligar com outros partidos, pois isso seria uma
traiçã o idearia. Deve buscar o Poder, que é o objetivo, com as primícias de sua congregaçã o
e, caso o atinja, governar com as mesmas ideias propostas durante sua formaçã o. É tã o
difícil assim?

PRIMEIRA BANDA

Foi em 1974. Nã o era uma banda ainda, mas eu tinha uma ideia de como seria a minha. Na
verdade, com quase 16 anos, nã o tinha ainda amigos que tocassem comigo, era eu e uma
guitarrinha sem-vergonha.
Porém, eu tinha a ideia. Queria que fosse de rock progressivo com as letras em latim.
Eu nã o sabia nada dessa língua, a nã o ser algumas palavras e pequenas frases. Nunca a
estudara em local algum, mas tinha muito interesse. Com o que achava que sabia, compus a
primeira letra:

Carpe oa focvs vox rex.


Carpe oa vox focvs rex.
Que carpea carpea mea vox,
Que carpea carpea vox rex.

Nã o vou traduzir, é ridículo! Mas era assim. E a banda ia se chamar PAN, um nome grego.
Nunca aconteceu além de minha imaginaçã o. Contei minha ideia a um amigo da época e ele
tirou sarro de mim perante outras pessoas. Que amigo!
Depois disso, criei outras bandas, algumas imaginá rias e outras de verdade. Todavia, isso já
sã o outras histó rias.

A EXPERIÊ NCIA DE SE TOMAR UM CHIMARRÃ O

Cada vez que tomo um chimas é uma experiência diferente. Nã o é sempre igual. Têm vezes
que é surpreendente, têm vezes que é péssimo.
Quero dizer que tem vezes que a erva é de excelente qualidade, o monte nã o cai, o aroma e
o sabor permanecem até terminar, a temperatura é ideal do início ao fim e tenho vontade
de esquentar mais á gua para continuar o prazer. Mas você sabe que nã o é assim. O que
termina perfeito é para se curtir e nã o tomar mais. A nã o ser que você nã o se incomode de
que a nova chaleira trará uma nova experiência que provavelmente nã o será tã o boa.
Há vezes, também, que, independente da erva, a experiência é ruim e nã o consigo obter
prazer com o chimarrã o, seja porque o monte caiu, seja porque a á gua esfriou muito
rá pido... o que importa é que nem sempre a viagem é boa.
No entanto, posso garantir que tomar chimarrã o é uma boa experiência, que se renova a
cada vez. Nada substitui uma fria manhã ou um entardecer de inverno acompanhado por
uma boa cuia, nã o importa a erva. Claro, se for de boa qualidade, melhor. Sempre.

CONECTADO
Essa é uma palavra muito usada hoje em dia, para se referir à conexã o entre os seres
humanos via web. Marschall McLuhan escreveu há muito tempo que um dia seríamos uma
aldeia global.
Nos anos 1960/70, havia uma corrente hippie, que se tornou uma alternativa, que
propagava a ideia do ser humano conectado à natureza e ao universo. Daí veio a
proliferaçã o de se buscar a cultura oriental, na alimentaçã o, no vestir, nos costumes, e
também à s culturas perdidas ou esquecidas, que naturalmente eram mais pró ximas a um
ser humano integrado ao seu meio.
O químico James Lovelock e a microbió loga Lynn Margulis criaram a hipótese de Gaia, de
que a Terra seria toda um organismo vivo, revivescendo assim um mito de povos muito
antigos.
Tais formas de pensar e agir, que na época eram coisa de bicho-grilo, hoje vêm sendo
recuperadas pela sociedade consumista, com um pú blico que permaneceu no estilo
alternativo somado a um relativamente recente que descobriu como novas essas formas de
cura, de alimentaçã o e enfim, de viver.
Atualmente, as pessoas estã o buscando mais os parques e jardins para se exercitar, para
ler, ou simplesmente espairecer... Criaram o turismo sustentá vel. Combina-se a tecnologia
com a natureza e com o universo. Você pode conseguir um mapa astral pela internet, por
exemplo. Na varanda de sua casa ou apartamento. Ou no meio de uma praça.

AINDA CONECTADO

Existe uma diferença entre o que cada um percebe de seu meio ambiente, rural ou urbano,
através de seus sentidos, e da interpretaçã o do que faz dessa percepçã o. O diferencial é
concernente ao que interessa à cada pessoa.
Essa distinçã o é necessá ria, pois se nã o filtrá ssemos o que nos é mais importante em cada
momento nos aperceberíamos de TUDO e isso nos deixaria loucos. Nã o teríamos
capacidade para tanto. Melhor dizer, nã o temos. A medida de nossa loucura é o quanto
conseguimos nos conectar.
Se a hipó tese de Gaia for levada em consideraçã o, podemos dizer que a Terra (e o Universo)
tem o que Fritjop Capra chamou de mentação, a mente do ser humano ligada à de Gaia.
Quanto mais envolvidos, mais conectados. Gaia é o que os chineses chamaram de Tao e o
que outros povos deram outros nomes.
A atual tentativa de se conectar as pessoas do mundo inteiro via web é, pelo inconsciente
coletivo, ligar todos como se fossem um só , mas sem pensar na natureza que nos rodeia. O
Universo tem um dono, assim como a internet, que todo mundo sabe que existe mas
ninguém vê. A ideia da nuvem, que guarda tudo que é gravado pela internet, é abissal. A
nuvem em que guardamos nossos livros, nossas fotos, nossos vídeos, sem limitaçã o de
bytes, isso é de se pensar...

CIÊ NCIA E RELIGIÃ O

Nã o se pode mais dizer que sã o matérias separadas. Na verdade, ambas se complementam.


Assim como a ciência está sempre mudando, descobrindo novidades, transformando o que
antes era certeza em ignorâ ncia e trazendo novas verdades, as religiõ es vã o descobrindo,
através de seus líderes, novas interpretaçõ es de antigos textos, novas traduçõ es, mesmo
que a Verdade fundamental seja sempre a mesma.
Nã o mais se pode dizer que ambas sã o inimigas entre si, mesmo que embora seus
partidá rios ainda o sejam. Nem todos, é verdade. Com o alvorecer do novo milênio, os
paradigmas se alteraram em todas as direçõ es e tanto as ciências como as religiõ es acabam
se ajudando mutuamente: uma descobre, por exemplo, através da arqueologia, o que outra
já dizia por meio de escritura.
Como se diz, nada de novo sobre a face da Terra.

JORNALISMO

Formei-me em jornalismo pela Facos em 1984. Na minha classe, éramos, no geral, um


bando de despudorados críticos da política e falá vamos sobre isso o tempo todo.
Claro, era jornalismo o princípio, mas vínhamos de geraçõ es permeadas pelas lutas
políticas da época da ditadura militar. Por isso, nossas conversas, em classe ou fora dela,
sempre tinham política no meio. Cada um tinha seu jeito pró prio, suas convicçõ es pró prias.
Evidentemente, nem todos participavam disso, um ou outro ficava de fora, mas eram as
exceçõ es.
O que me ressentia, quando estava no quarto ano, era ver os calouros, que nã o tinham essa
postura, fú teis, típicos anos 1980, que subiam as escadarias da faculdade sem o mesmo
empenho. E no entanto, dessas novas geraçõ es nasceram grandes jornalistas, apesar de
minhas má s expectativas naqueles dias.
A CURA

O que é mais importante, quando se está muito doente? A cura, para manter a vida ou ficar
naquilo em que se acredita e esperar pela resposta de Deus?
Vejo o exemplo de Bob Marley: ele tinha câ ncer no dedã o do pé, mas sua religiã o nã o
permitia a cirurgia. Apesar dele prezar sua vida, respeitava sua crença e nã o operou. Seu
corpo entrou em metá stase e ele morreu. Estava certo porque manteve sua fé no que
acreditava e foi com ela até o fim. Mas se fosse com o filho pequeno dele, será que teria esse
direito? Com a medicina de hoje ao dispor, proporcionando a cura para a criança?
Eis outro caso: a pessoa queria se curar a todo custo e participou de uma operaçã o
espiritual nã o permitida por sua religiã o. E se curou.
O que é mais importante? A preservaçã o da vida a qualquer custo ou a preservaçã o da
crença de que apenas Deus pode curar? Podemos orar a Ele para que cure? Devemos
desacreditar porque oramos e Ele nã o curou?
A medicina existe para manter a vida, a qualidade da vida e para curar. Quando ela nã o
consegue, devemos buscar outras formas de nos livrar da doença? Ou mesmo antes de nos
ater à medicina podemos procurar métodos espirituais? Juntá -los tem sido sempre uma
boa medida, desde que nã o atravessem o que o doente realmente quer.

A GORDA VAI CANTAR

Antigamente, a ó pera era um evento social, em que as pessoas iam para ver outras e para
serem vistas. Usavam pequenos binó culos para verem mais detalhadamente os cantores no
palco e, eventualmente, alguém interessante noutro camarote.
Na verdade, os compositores e cantores nã o eram muito respeitados pela plateia, que
sempre era silenciada pela overture, em geral bem barulhenta, tocada pela orquestra, a fim
de acalmar os â nimos.
Mesmo quando a peça estava sendo encenada, os burburinhos eram constantes. No
entanto, havia momentos em que as pessoas paravam para ouvir alguém importante, de
voz especial. Normalmente, quando era a vez de uma soprano, diziam: Silêncio, a gorda vai
cantar! ... e todos paravam de conversar para degustar aquele momento.

O SAGRADO E O PROFANO
Este é o nome de um livro de Mircea Eliade, em que ele diz que um é o oposto do outro. O
sagrado é separado e consagrado; o profano é o resto, ou seja, o que está fora do templo.
Assim, se o sagrado é uma pedra, ou determinada á rvore ou tipo de á rvore, ou um Ser, tudo
o que o externa é profano.
Assim, um escrito que fala sobre coisas sagradas eu chamaria de Escritura, e um que falasse
sobre outras coisas seria apenas um texto.
Porém, penso nas religiõ es anímicas, em que os deuses sã o partes da pró pria Natureza.
Dessa forma, o Sagrado envolve o ser humano junto com o profano, embora, para invocá -lo,
seja necessá rio algum rito especial.
Em tais formas de culto, encontramos o panteísmo, que considera tudo e todos como Deus.
Nas religiõ es politeístas ou monoteístas o sagrado fica separado do profano, embora ambos
possam se mesclar.

DORMIR BEM

Passei muitos anos sem saber o que é isso. As pessoas me perguntavam quando levantava: -
Dormiu bem? E eu nã o sabia o que responder. Até que um dia perguntei a uma enfermeira o
que significava essa pergunta. Ela me respondeu algo mais ou menos assim: - Dormir bem é
não demorar pra pegar no sono, não ficar acordando no meio da noite, levantar descansado...
Agora eu sei como responder quando me perguntam de verdade, nã o só por costume.
Aprendi durante esses anos que, muitas vezes, demorava pra dormir porque deitava de
barriga pra cima e ficava a pensar, pensar, em diversos assuntos, em vez de pegar no sono.
Um dia, minha esposa falou para eu deitar de ladinho. Fiz isso e foi muito mais fá cil para
esvaziar a mente. A partir de entã o, comecei a realmente dormir bem.

DISCUSSÕ ES

Há dois tipos de discussã o.


A primeira é aquela em que as pessoas buscam convencer as outras de que sua opiniã o é a
ú nica correta. Costuma terminar em briga, em altercaçõ es sem sentido.
Porém, existe aquela em que as pessoas buscam uma resposta. Ninguém tem uma ideia
feita, todos discutem para saber melhor a respeito do assunto.
A primeira discussã o é a política, em que há a ideia do convencimento: o autor quer provar
de qualquer jeito que ele está certo, ou que a escolha por ele é a melhor.
A segunda é a filosó fica, pois busca a verdade. É a ú nica que vale a pena.

LENDA ANTIGA

Dizem os livros que existe uma antiga lenda, sabe-se lá de que povo, de que cultura, sobre o
cã o.
É que, muito tempo atrá s, o ser humano vivia em harmonia com todos os animais. Todos.
Um dia, porém, e sempre tem um dia, houve uma ruptura no solo que começou a aumentar,
aumentar, e todos os bichos pularam a erosã o. Todos, menos o ser humano, que nã o se
sentiu capaz. Ficou ele, sozinho, do lado de lá da fenda.
O cachorro, apenas ele, viu a cena e se sentiu comovido, pois o ser humano havia ficado só ,
sem ninguém para lhe acompanhar. Imediatamente aprumou-se, tomou posiçã o e impulso
e saltou!, para junto de seu velho companheiro.
Por isso é que se diz que o Cão é o melhor amigo do Homem.

OLAVO BILAC

Certa feita, lendo um antigo compêndio psiquiá trico, falha-me aqui a memó ria sobre o
nome do autor e do livro, encontrei uma histó ria curiosa.
O autor, viajando de navio, encontrou seu conhecido, o Príncipe dos Poetas brasileiros,
Olavo Bilac, deitado numa espreguiçadeira, de olhos fechados, virando vagarosamente a
cabeça de um lado para o outro e repetindo, baixinho: ... tadinho do Bilac...
Surpreso, o médico encetou conversa com o poeta, que lhe explicou sobre suas dores de
cabeça fortíssimas. E quando as tinha, era reconfortante que alguém a constatasse e
exprimisse a afeiçã o, o pesar de si. Na falta dessa pessoa, ele mesmo fazia a voz. Isso dava-
lhe uma impressã o de que alguém falava o dito e minorava a sua agonia.
Tratava-se, naturalmente, de um processo de autossugestã o. Se ajudava ou nã o,
desconhecemos os resultados, mas devia, já que Bilac fazia uso desse artifício.
INCOMUM

Aquele homem tinha 3 mil anos. Mas sua memó ria era como a de um de trinta. Boa, sim,
porém nã o tinha muitas recordaçõ es de toda sua vida. Muita coisa ficara no inconsciente,
nã o aflorava com facilidade.
Ele se recordava de fatos de alguns mil anos ou mais, outros de séculos atrá s. E tinha sua
memó ria recente, que, entretanto, era a que mais lhe falhava.
Era distraído, também. Era comum lavar as mã os e esquecer a torneira aberta. Só se
lembrava de fechar quando já as havia secado.
Ou entã o ia ao supermercado, fazia as compras, passava no caixa, pagava e ia embora.
Entã o lhe chamavam e ele voltava para pegar as sacolas.
Sua aparência era a de um homem de quarenta anos. Casara-se uma vez só , quando jovem,
com uma moça vá rios anos mais nova que ele. Nã o houve tempo para terem filhos, ela
morreu logo em seguida ao casamento, de uma doença comum na época. Desde entã o viveu
sozinho. Aquele casamento fora arranjado, combinado pelas famílias.
Nunca amou uma mulher. Teve muitos casos, sim, mas passageiros, ao longo de seus
milênios. Passou incó lume pelas guerras, pelas lutas tribais, nunca participou de guerrilhas
ou de manifestaçõ es pú blicas ideoló gicas. Foi sempre isento. Anacrô nico. E alienado.
Seus três mil anos de idade nã o tiveram sentido, a nã o ser de ver a Histó ria passar.

MONOTEÍSMO

O princípio de tudo me parece que é o panteísmo, quando o ser humano sente Deus em
todas as coisas.
Depois ele começa a separar e cria o politeísmo: Deuses relativos a cada parte da natureza e
talvez do espaço. Conhecemos igrejas politeístas como o Candomblé, a antiga Greco-
Romana, o Hinduísmo... Porém, mesmo essas, têm um Deus principal: Olorum, Zeus-Jú piter,
Brahman... o que nos faz pensar que, no fundo, sã o monoteístas.
Pois senã o, o que pensar do Cristianismo? Há uma Trindade, com três personagens
distintos. Nã o seria uma espécie de politeísmo?
A igreja Cató lica resolveu que a Trindade é um só Deus e nã o admite discussã o, pois isso é
um Dogma. Entre os cató licos, os Dogmas sã o doutrinas indiscutíveis e inexplicá veis.
Entretanto, admite diversos Santos, para os quais os fiéis rezam e obtêm milagres. Nã o é
uma espécie de politeísmo?
Os protestantes (evangélicos) acreditam no Pai, no Filho e no Espírito Santo, como três
entidades separadas, e os três sendo deuses, assim como creem os Santos dos Ú ltimos Dias.
Isso porém nã o se aplica a algumas igrejas como os Testemunhas de Jeová , que apesar de
crerem na Tríade, só consideram Deus o Pai Celeste.
Os muçulmanos creem em Allah como ú nico Deus. Têm um profeta, têm seus heró is, mas
apenas oram para Allah.
Assim também os antigos egípcios tiveram um Deus ú nico, o Sol, no tempo de um faraó
novinho. Durou poucos anos, mas existiu. A cidade chegou a mudar de lugar. Era
monoteísmo. Depois que o faraó morreu, todos voltaram à antiga cidade. E à proliferaçã o
de imagens e deuses.
Os judeus também acreditam num Deus ú nico, cujo nome é impronunciá vel, por respeito à
Sua Santidade. Têm seus profetas, mas rezam apenas ao Deus ú nico.
Richard Dawkins, em seu livro Deus, um Delírio, diz que teó logos concordam em dizer que o
monoteísmo é sempre a evoluçã o do politeísmo e do monoteísmo ele crê que o caminho é
para o ateísmo.
Opiniõ es.

O ZERO E O NADA

Se dividirmos qualquer nú mero positivo por zero, obteremos o infinito. Entã o, se


multiplicarmos o zero por infinito obteremos um nú mero positivo qualquer.
Mas... e se dividirmos o nú mero positivo por nada? É a mesma coisa?
O nada leva ao niilismo. Nã o é uma grandeza numérica, porém filosó fica. É a inexistência.
Em matemá tica, o nada é representado pelo conjunto vazio.
O zero é uma grandeza física, pode ser medido, ao contrá rio do nada. Tanto que falamos em
nú meros negativos, mas nã o em algo aquém do nada.
Por isso o zero e o nada sã o conceitos diferentes. Nã o devem ser confundidos.

QUEM CRIOU DEUS?

Ele mesmo Se criou? Era um ser humano, que vivia num universo e se desenvolveu de tal
forma que se tornou um Deus. Nã o sei se foi antes ou depois do Big Bang, neste ou num
anterior universo.
Se o universo está se expandindo, ele nã o é infinito. E o que está além dele? Sã o outros
universos ou o nada, o vá cuo?
Todavia, aprendemos que universos paralelos se encontram no mesmo espaço-tempo que
o nosso: é a teoria dos multiversos. Entã o, além de nosso universo, se existirem outros
universos, há outros multiversos, que também estã o se expandindo ou se retraindo.
É infinito o nú mero de multiversos além do nosso multiverso? Há um Deus ou mais para
cada universo ou é um só para Tudo (para todos os multiversos)? Entã o, o primeiro, o Deus
que era um ser humano e Se desenvolveu, seria Esse. Ou cada qual teve uma histó ria
parecida... Entã o, cada um de nó s tem a possibilidade de se desenvolver a tal ponto que nos
tornemos Deuses!
...?!?...
SELEÇÃ O NATURAL

Para alguém que acredita em Deus, a seleçã o natural das espécies é algo que está dentro de
Seu plano. Nã o há porque o criacionismo deter as modificaçõ es naturais.
Ora, se Deus criou os primeiros seres vivos, os fez em eras diferentes, deixando que se
adaptassem ao meio-ambiente que se ia alterando. Da mesma forma, o ser humano agora
degrada seu pró prio entorno e procura se adaptar a tanto, o que parece que nã o vem dando
muito certo...
Tudo é uma questã o de crer. Se você acredita que um pedaço de cristal vai te curar, mas
nã o só acreditar, porém tiver fé, ele pode te curar. Se você tiver fé que o ser humano
descende do macaco e este dos seres aquá ticos unicelulares, poderá morrer pensando
assim.
É impossível provar cientificamente que Deus existe, ou que deuses anímicos existam. Mas
é possível ter fé num fato científico, a tal ponto de considera-lo incontestá vel, mesmo sendo
característica da ciência mudar suas conclusõ es o tempo todo. Por isso, a seleçã o natural
nã o pode ser a ú nica alternativa ao criacionismo, assim como este tem diversas formas de
ser explicado.

ESCRITA

Nã o há uma só forma de se escrever um texto, porém mú ltiplas. Nã o sabia disso, achava


que sempre havia uma forma final, perfeita, até que fiz a Faculdade de Comunicaçã o de
Santos.
Aprendi com meus professores de jornalismo que qualquer texto sempre pode ser alterado.
Lembro-me de que eles nos davam notícias de jornais para que as reescrevêssemos.
Estavam prontas, mas tínhamos que modificar, colocar em nova forma. Nã o eram
imutá veis, todavia tínhamos que repensá -las, coloca-las em novas disposiçõ es, dar-lhes
novas importâ ncias, buscar novos motivos, sem retirar ou inventar informaçõ es.
Na época, jovem como eu era, nã o entendia porque isso tinha tanta importâ ncia, mas hoje
vejo o porquê. Um texto nã o é ú nico, mas instá vel. Ele pode ser reescrito vá rias vezes, cada
qual dando importâ ncia maior a um detalhe.
A PAIXÃ O NO BANCO DOS RÉ US

No livro que leva esse nome, sua autora, Luiza Nagib Eluf, entre outros fatos, conta um em
especial que trata do que se segue.
Um casal com dois filhos pequenos. Toda noite, o marido chegava e, bêbado, espancava a
esposa. Com o tempo, a coisa foi piorando: toda noite, ele chegava em casa, completamente
bêbado, desligava a chave de luz e aterrorizava a família, com uma vela na mã o e uma faca
na outra.
Uma noite, a esposa mandou as crianças ficarem na rua e se escondeu debaixo da pia da
cozinha. Quando o marido chegou, totalmente embriagado, com uma vela numa das mã os e
uma faca na outra, e a encontrou debaixo da pia, tentou ataca-la. Imediatamente, ela pegou
o que havia mais perto e jogou sobre ele. Era á lcool. Ele se desequilibrou e a vela caiu sobre
seu corpo. Em chamas, correu para o quarto e caiu sobre a cama, onde morreu carbonizado.
Nos autos do processo, constou que ela o queimou quando o marido estava dormindo.
A viú va foi condenada à prisão perpétua com trabalho. Os filhos passaram a viver na rua.
Isso ocorreu no Brasil, antes da vigência de nosso Có digo Penal de 1940.
O jú ri popular a condenou naquela época, considerando-a criminosa, e a ele, um pobre
inocente. Nã o sei se o faria atualmente. Mas a ré teria hoje mais condiçõ es de se defender.
Os vizinhos ajudariam a mulher, o que nã o deve ter ocorrido naqueles dias. Ela seria
inocentada e os filhos seriam por ela criados.
Queremos acreditar.

A NOVA VELHA ESCRITA

Os primeiros alfabetos nã o tinham vogais, apenas consoantes. E como as pessoas poderiam


ler, saber de que palavras se tratavam? Pelo costume.
Assim, para se escrever eu me levanto pela manhã eles escreviam m lvnt pl mnh, por
exemplo.
Judeus e á rabes ainda escrevem assim hoje em dia, mas usam pontuaçõ es para vocalizar as
palavras.
Entretanto, com o advento da internet, passou-se a escrever td bm tb, para nã o escrever
tudo bem, também. Ou kkkkkkkkkkkkkk no lugar de uma risada. Ou rsrsrsrsrsrsrs (riso, riso,
riso,...). E assim por diante.
Dessa forma, estamos voltando à escrita primacial, sem pontuaçõ es, sem vírgulas, sem
ponto-e-vírgula (como?), sem vogais, entendendo-se apenas com o palavreado bá sico e
rasteiro.
Nó s, que estudamos tanto gramá tica, aná lise sintá tica, ficamos perdidos em meio ao novo
modo de se grafar vocá bulos. E talvez seja esse o futuro.

O TEMPO

Mais uma vez venho falar sobre o Tempo. Nã o o vejo como algo regular, mas descontínuo,
com momentos mais vagarosos e outros mais rá pidos. E isso varia de pessoa para pessoa.
Para alguns, a vida passa mais rá pido; para outros, mais devagar. Mesmo que vivam menos,
podem ter suas vidas mais vagarosas. O Tempo pode correr mais rá pido em algumas vidas
que em outras. E de acordo com o momento, o Tempo pode se descontinuar.
Fica a pergunta no ar: o Tempo pode parar? Disse Cazuza que o tempo nã o para. Foi o
sentimento que ele teve, de que nã o lhe restava Tempo e que precisava aproveitar seus
ú ltimos dias, escrevendo e gravando suas letras.

NOVAMENTE O TEMPO CIRCULAR

Mircea Eliade, sem seu livro O Sagrado e o Profano, fala sobre o tempo circular.
Segundo ele, há e houve povos que tinham o ano como um ciclo, um círculo, onde as festas
sagradas eram a interrupçã o desses. Cada novo ano era o início de uma nova era pura,
imaculada, onde tudo recomeçava.
Portanto, a existência das coisas e dos seres começava com o Tempo. Antes de ocorrer a
existência, nã o havia o Tempo, ambos eram concomitantes.
Nas grandes religiõ es atuais, o festejo do Natal, por exemplo, ou da Pá scoa, é um momento
de renovaçã o do círculo, onde o religioso se reencontra com Deus, se aproxima d’Ele.

INTELECTUAIS

Nã o é de hoje que os intelectuais proclamam sua descrença em Deus ou deuses.


Só crates já o fazia, Kant discretamente, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, Leandro
Karnal, entre diversos outros.
O que os leva a tanto? Afinal, há intelectuais teístas, nã o necessariamente teó logos. Porém,
esses dificilmente se auto proclamam tementes a alguma Entidade Superior. Quando o
fazem, é, no mais das vezes, um convertido.
Parece que há uma contrariedade: nã o é publicamente de bom-tom um intelectual, nos
tempos atuais, dizer-se, por exemplo, cristã o. Mas ele pode ser budista, ou tauista. Aí, nã o o
crucificarã o.
AINDA O CINEMA MUDO

Minha avó contava que, quando criança, na entã o pequenina cidade de Itatiba, ela
conseguia assistir cinema de graça.
Isso porque a projeçã o se fazia por trá s de uma tela de pano, um lençol, e o pú blico ficava
do outro lado. Entã o, o projetor emitia a imagem ao contrá rio e os assistentes viam tudo do
lado certo. Assim, nã o só o filme em si mas também os letreiros.
Minha avó , criança, junto com outras crianças, via os filmes ao contrá rio, ao lado do
projetor, nã o se importando com os letreiros, e se divertia.

DEUSES MENORES

Falo aqui sobre os deuses das mitologias e do Hinduísmo, os santos da Igreja Cató lica
Apostó lica Romana, os santos da Umbanda, os orixá s do Candomblé, entre muitos outros.
Ocorre que, para muitas pessoas, é difícil recorrer ao Deus Supremo para resolver seus
assuntos cotidianos. Assim ocorria com os judeus da Torá , que se serviam dos Baals e das
Astartes quando pediam realizaçõ es de seus desejos mundanos. Mas quando acontecia uma
catá strofe, entã o se lembravam do Senhor dos Céus e pediam perdã o.
Na Igreja Cató lica, as pessoas sã o devotas ou batizadas por um Santo em particular, e rezam
para que este lhes satisfaça suas pequenas necessidades. As pró prias autoridades dessa
igreja incentivam seus fiéis a tanto. Sã o os milagres. As oraçõ es a Deus nã o sã o tã o
frequentes, embora prédios sagrados sejam dedicados a Ele, mas vá rias vezes levem o
nome de Santos.
No Candomblé, Olorum é o Deus criador, mas nã o há oferendas ou cantos para ele. Nenhum
membro faz sua cabeça com ele, mas com um Orixá , masculino ou feminino, respectivo a
determinada parte e funçã o da Natureza, como algo sagrado. Há até Logunedé, metade do
ano homem e metade mulher.
Também era assim entre os antigos gregos e romanos: nã o se erguia tanto está tuas ou
templos para Zeus ou Jú piter, mas para os outros deuses, masculinos ou femininos, que
recebiam suas oferendas para realizar os desejos das pessoas.
Na Roma antiga, além daqueles, existiam os deuses lares, que eram pessoais de cada
moradia, com sua família. O fogo em frente a esses deuses nunca podia se apagar. Quando
uma moça se casava, ela passava a venerar o deus lar de sua nova casa. Isso pode ser lido
no primeiro volume de A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges.

AS Á GUAS

Tales de Mileto, o mais antigo filó sofo conhecido da Grécia, depois de muito meditar,
chegou à conclusã o que o Princípio geral de tudo era a á gua. Dela evoluíra tudo o que se
conhecia na Terra.
Assim também, a Bíblia, em seu primeiro livro, o Genesis, diz que o Espírito pairava sobre
as á guas, no princípio (I; 2). Era a representaçã o do masculino sobre o feminino.
As á guas e a terra sã o o perfil do feminino. Pois é a gestaçã o de tudo. O ar e o fogo
inseminam a terra e as á guas. É o chamado o casamento do céu com a terra: Uranio com
Gaia, gerando Cronos, o Tempo, que dará início à era do Ser Humano.
A VERDADEIRA CIÊ NCIA

A verdade desconfia da certeza.


O verdadeiro cientista sabe que a ciência de seu tempo apresenta resultados infantis sobre
a realidade, como disse Einstein, citado por Carl Seagan em seu livro O Mundo Assombrado
Pelos Demônios.
A pesquisa científica nunca para e os resultados sã o sempre provisó rios.
Uma teoria científica como o buraco negro ou a viagem ao futuro nunca é decisiva, mas
latente, servil até que se a prove com demonstraçõ es palpá veis. E o que é palpá vel, nos dias
de hoje? Com a realidade virtual pelos computadores, acabamos nos enfronhando numa
terceira via, que nã o é científica nem pseudocientífica, mas quase real. Quase.
Ú LTIMAS PALAVRAS

Sabe, todos somos introspectivos, olhamos sempre para dentro de nó s mesmos, embora
tenhamos medo do que vamos encontrar, e aí saímos e temos medo do que está além de
nossos sentidos.
Na verdade, a condiçã o humana é isso, nã o importa o quanto sejamos sociá veis ou nã o,
sempre temos o temor do que nos é desconhecido. E para tanto procuramos sempre
respostas.
Acho que o melhor é nã o saber. Basta o que sentimos como conhecimento. O que sentimos
com nossas consciências, com nossos inconscientes, com nossos sentidos.
Por outro lado, nunca devemos incentivar a ignorâ ncia. A Verdade nos move para a frente e
sempre nos mantém despertos.
Cientistas dizem que vivemos num mundo de onze dimensõ es, embora percebamos apenas
quatro. Sentir mais que quatro é tido como loucura, pois é bater em outra onda.
A busca eterna pelas respostas é pró pria do ser humano. É a espiral ascendente, buscando
velhos conhecimentos e os juntando a novos. O maior lance que podemos fazer é viver as
nossas vidas no aqui e agora, com um olho no passado, para nã o cometer os mesmos erros,
e outro no futuro, para nã o se desesperar com as novidades, que poderã o ser sensacionais,
se assim as deixarmos.
APÊ NDICE

A seguir, matérias que saíram publicadas num sítio da internet, de meu amigo Alex
Sakai, em final de 2010 e início de 2011.

CACHORRO GRANDE, TCHÊ !

O Rio Grande do Sul vem nos dando boas bandas de rock desde os tempos do Bixo da Seda,
que lançou um ú nico LP. Dessa vez é o Cachorro Grande, que já lançou mais de um cd (e LP,
também). Adquirir Cachorro Grande em vinil custa por volta de 36 reais e é para sempre,
diferentemente do descartá vel cd.
Essa banda se apoia nas melhores influências setentistas do rock: tem solos de guitarra,
tem vocais roucos, tem uma cozinha alucinante e letras para serem ouvidas pela pele...
Minha cançã o preferida é você não sabe o que perdeu. Ela tem duas guitarras, uma gravada
com mais volume e outra com menos. Eu só tinha visto isso numa cançã o do segundo disco
do Aerosmith (get up your wings). Esse detalhe está no disco Pista Livre e abre o á lbum. Nã o
existe na versã o do YouTube, onde as duas guitarras têm o mesmo volume.
O ú ltimo disco do Cachorro Grande foi gravado originalmente em fita de rolo, para obter o
som analó gico dos anos setenta e existe em versã o vinil, como já escrevi.
Quando eles cantam uma balada, como Sinceramente, eles lembram O Peso, outra banda
setentista de um LP só . É porque naquele tempo rock brasileiro nã o tinha vez, os concertos
eram para pú blicos mínimos e os discos tinham pouca vendagem. Por isso, se você tem
algum vinil de rock brasileiro dos anos setenta, guarde-o com amor.
Enfim, Cachorro Grande resgata um som que nã o pode se perder.
HENDRIX, AINDA O MAIOR

De todos os guitarristas que já apareceram, nenhum foi maior que Jimi Hendrix. Ele era o
maior, nã o porque tocasse também com os dentes, nã o por causa de sua habilidade nos
pedais, nã o porque tivesse uma pegada ú nica, nã o porque sozinho valia por uma banda,
mas por tudo isso e muito mais.

Se você nã o o conhece, procure ouvi-lo em vinil. O som digital nã o possibilita uma boa
audiçã o desse guitarrista. Na verdade, ele enche as caixas de som com a sua guitarra,
principalmente em mú sicas como purple haze e crosstown traffic. É claro, você pode ouvi-
lo nas caixinhas de seu computador ou nos fones de ouvido de seu MP algum nú mero, mas
nunca será como sentar em meio a duas caixas de som de um á udio estéreo iniciado por
uma vitrola.

Quando ouvir wild thing, lembre-se que foi com essa cançã o que ele colocou fogo na
guitarra no festival de Monterey em 1967. Ele havia sido precedido pelo The Who, cujo
guitarrista quebrara seu instrumento e o baterista idem. Mas quando Hendrix botou sua
guitarra no chã o, jogou gasolina sobre ela e tirou o acendedor de fogo, algo ocorreu: wild
thing! E o batera do The Who falou algo como “olha só o que aquele zulu está fazendo, está
melhor que nó s!”

Hendrix nã o poupava seus pedais, subia em dois ao mesmo tempo, era um mestre no uá -uá .
Em seus ú ltimos anos de vida, as fá bricas mandavam pra ele os protó tipos para que fossem
testados. E o resultado disso está nas inú meras gravaçõ es que ele deixou. Muitas inéditas.

Little Wing é um exemplo de seu lirismo, assim como Angel. Ele era hard, heavy, metal,
blues, rock, mas também sabia fazer cançõ es de levar à s lá grimas.

Ele é referência até hoje para os maiores guitarristas, porque foi o primeiro a fazer o que
fez. Foi o criador da guitarra elétrica como instrumento de poder. Foi o primeiro
verdadeiro guitar hero!!!

Depois, vieram os outros.

09/09/2010
SYD BARRETT, O GÊ NIO DE LONDON LONDON

Em 1967, os Beatles estavam gravando seu disco que seria a pedra de esquina da
psicodelia, o Sgt.Peppers. No estú dio ao lado, uma banda gravava seu primeiro disco, muito
psicodélico também, mas com um som mais “espacial”... Era o Pink Floyd, com The Piper at
the Gates of Dawn.
Também eram quatro rapazes, mas nã o de Liverpool, e sim da faculdade de arquitetura,
que se conheceram tocando jazz. Menos Syd Barrett, guitarrista, vocalista e compositor, um
gênio à parte, mergulhado até a tona no psicodelismo, que vinha duma faculdade de arte.
O que salta aos olhos nesse disco é que, exceptuando-se uma faixa, todas têm autoria de
Barrett, sendo que duas sã o da banda toda.
O á lbum abre com Astronomy Dominé, dele, um som psico-espacial. Depois vem mais três
faixas do mesmo autor e uma da banda toda, terminando o lado A com uma de Roger
Waters, o baixista, que faria uma cisã o com a banda aproximadamente duas décadas
depois.
O lado B inicia com Interstellar Overdrive, da banda toda, o som espacial que seria a futura
tô nica do Pink Floyd. Depois, mais quatro faixas de Barrett, sendo a ú ltima Bike, que apesar
de parecer que estavam todos cantando sobre leves bicicletas, era o apelido para o
alucinó geno LSD, que todos consumiam, mas que levou Syd Barrett à loucura. Ele à s vezes,
em pleno palco, ficava tocando uma nota só , olhando pro nada...
Entã o, a banda chamou David Gilmour, que naqueles dias estava tomando um sol no sul da
França, para tocar junto. Passaram a ser cinco, durante um período de adaptaçã o, até a
saída inevitá vel de Barrett.
Anos depois, foi homenageado pela banda no disco Dark Side of the Moon (“Todos
conhecem o lado claro da lua, mas só o louco conhece o lado escuro da lua e de todas as
coisas.”).
Nesse meio tempo, ele ainda gravou dois discos, na base do “o que você tem para nó s?” Ele
tocava sozinho e o Pink Floyd cobria depois. No Brasil, saiu como á lbum duplo, mas nã o é
uma obra-prima, como The Piper, o verdadeiro disco de Syd Barrett.
LOKI

Agora vou falar de um DVD que foi lançado há pouco tempo, mas que já ganhou vá rios
prêmios de voto popular como melhor documentá rio e melhor filme. É o LOKI, que traça a
vida de Arnaldo Dias Baptista, criador e líder dos Mutantes. Tem muita mú sica, muitos
depoimentos nacionais e estrangeiros, incluindo Liminha, Tom Zé, Sean Lennon, Kurt
Kobain, Gilberto Gil, Lobã o, sua atual esposa Lucinha, entre outros.
O documentá rio mostra cenas dos Mutantes no auge da carreira, até a saída de Rita Lee.
Tem o momento em que os irmã os Baptista recebem o título de cidadã o emérito da cidade
de Sã o Paulo. Tem o Arnaldo com a Patrulha do Espaço, uma época em que ele andava
esquecido pela mídia. Nesses dias, ele teve o seu ú nico filho, o Daniel, com a segunda
esposa, a Martha.
O retorno de Arnaldo aos palcos foi um milagre. Anos antes, ele teve um acidente num
hospital, em que caiu do quarto andar. Dizem que foi uma tentativa de suicídio, mas acho
que foi apenas uma forma de sair das paredes em que estava confinado. A pressã o da vida
era muita e nã o havia mais maneira de escapar. Foi quando ele conheceu Lucinha, que até
entã o era apenas fã e fazia serviços de bastidores.
O filme mostra ainda cenas do Arnaldo retornado em Londres e o sucesso que fizeram por
lá como banda psicodélica brasileira. Fizeram o pú blico de um teatro sisudo dançar por
todo o final da noite.
LOKI pode ser comprado pela internete, segundo eu saiba, que foi como adquirimos. Talvez
tenha outra maneira de ser comprado, também, nã o sei, mas vale a pena ter na sua coleçã o
um registro daquele que já foi considerado o Syd Barrett brasileiro.
Eu sou velho, mas gosto ainda de viajar.
Mendigos e Cia.

Era 1975. Com 17 anos, já era guitarrista líder do Mendigos e Companhia. Mas, como
escreveu Rimbaud, ninguém é sério aos dezessete anos. É ramos Paulo na bateria, Tadeu no
baixolã o e eu na guitarra. O Tadeu e eu fincá vamos nossos plugues num amplificador de
som de toca-discos estereofô nico. Dava certo, e fazíamos um barulho com vontade de sair
mú sica, no enorme saguã o do depó sito de meu pai.
Nem sempre os ensaios davam certo. Nem sempre todos compareciam. O Paulo, no meio de
uma peça qualquer, parava de tocar e saía para fumar. Eu ficava muito tenso com isso. O
Tadeu só sabia falar de mulher. Ele era o meu baixista. Eu gostava dele. O Tadeu foi muito
companheiro por aqueles dias, saíamos juntos para comprar uma calça, ouvir mú sica, pegar
um concerto, andar pelo centro da cidade, tomar caldo de cana, comer pastéis, churrasco
grego e falar de guitarras, baixos e baterias.
Eu gritava feito um louco, principalmente quando dava defeito na fiaçã o, no captador, nos
trastes, no absurdo da existência daquele trio. Um dia, fomos à casa do Eduardo Araú jo, e a
Silvinha foi contar pra ele a novidade: um trio! Três meninos estavam formados num
clá ssico guitarra-baixo-bateria! Ninguém mais fazia isso, eram os tempos do sintetizador e
da pedaleira. Chegamos a ir nalguns ensaios, um dia nã o fomos mais. Tínhamos que nos
concentrar mais em nossos pró prios tocares.
O Mendigos durou um período de ensaios e um concerto num festival roqueiro, no Coe,
uma escola da Lapa, bairro da cidade de Sã o Paulo. As ruas do bairro desertas, sá bado à
tarde, a maioria das lojas fechadas. O quieto, o moroso, o limbo no ar. Descendo a Doze de
Outubro, apenas alguns malucos. Aumentava o nú mero conforme chegá vamos ao local
marcado. Cheio de cabeludos, semi-hippies, entrosados, marginalia, espécies em ascensã o e
outras em recaída. Presenciei um cara com tique nervoso, era reputado excelente
guitarrista. Uns cabeludos altos, também, uns com cara de índio, e a gente ali no meio, três
garotos com os olhos arregalados. Um loiro magro, com ar de galã pop, ele ia tocar junto
com um guitarrista negro, forte, que batia a mã o direita em concha sobre as cordas.
Pareciam muito viajados. Diferentes de nó s três. Eu já tinha o meu cabelinho mais
comprido, totalmente desgrenhado e enrolado. O Paulo, na ú ltima hora, foi viajar, e tivemos
que chamar um amigo para o substituir. E veio o Luiz, com toda sua boa vontade. Ele era do
tipo arrumadinho, mas eu gostava dele, tinha sentimento. E lá , nervosos, querendo desfilar
com nossos instrumentos, éramos verdadeiras crianças em meio ao geral. Um pessoal
tranquilo, com a sabedoria das longas mechas.
Fomos para um canto, rapidamente ensaiamos o tema, repassando pro Luiz. É ramos os
três, ali, sozinhos, sem conhecer ninguém. Era tudo cara maduro, mas e daí? Pareciam
muito sapientes, mas éramos três bobõ es tentando passar por figuras de larga data. Nó s
íamos arrebentar! Claro que nos sentíamos os pivetes intrometidos, mas podíamos dizer
que está vamos lá ! E fazíamos pose de quem já viajou muito...
Nossa, vieram pedir pra gente abrir o festival, e mandaram improvisar bastante! Foi o
mesmo que implorar pro rato comer queijo. O Luiz sentou na banqueta da bateria como se
fosse um profissional. Levantou as baquetas e me pareceu que deu umas velozes dançadas
com elas no ar. Nã o era cabeludo, e como eu já falei, tinha um jeito arrumadinho, mas eu
gostava muito dele, era persistente, gentil, atencioso. Na verdade, só tínhamos guardado
uma ú nica peça no repertó rio, a que ensaiá ramos exaustivamente. Tanto que o baterista
conhecia tudo de fio a pavio, já que éramos tudo da mesma turma...
Na hora do vamos ver, o baixista nã o estava com seu baixolã o, mas com um instrumento
emprestado, enorme, e grudara com fita adesiva duas palhetas duras juntas. Começou
fazendo teque, teque, teque, até que entrou e o baterista tocou feito um Rollando Castelo
Jú nior! E aí? Fiquei na agrura! Meti meus pés no pedalzinho de uá -uá , e fiz a guitarra mais
aguda de todo o festival! E solei, solei, solei... até que percebi que um solzinho batia no
braço de minha guitarra, era um meio para final de tarde, e nossa energia de adolescentes,
misturada com sons que vinham da cabeça para os dedos, fraquinhos, eu mesmo tinha
dificuldade para apertar as cordas e fazer puxadas, enquanto meu baixista olhava para o
fantá stico vermelho que adquirira nas mã os, ao tempo de nossa paciência moná stica e
vontade de ficar ali por horas. Está vamos nervosos, trêmulos, mas bastante felizes.
Olhei pra frente e nã o vi ninguém, só vultos e cabeleiras difusas. Já era muito míope, e
decidira tocar sem os ó culos. Apesar de sentir melhor o que tocava, diversas vezes tropecei
nos fios. Naquele tempo, tudo usava fio: os instrumentos, os microfones, os amplis, tudo! A
gente nã o se mexia muito no palco, mas eu vivia andando de um lado para o outro, ou ficava
parado em frente ao pú blico, que eu sabia, estava lá , mas nem via se olhavam ou nã o para
nó s.
De repente, olhei pro céu e vi que era o momento de terminar. O Tadeu parecia exausto. Ele
me disse que havíamos ficado lá por mais de uma hora. O Luiz falou em cinco minutos, e eu
achei que havia sido uns 15. Nenhum de nó s usava reló gio, éramos bastante intuitivos.
Pulsá vamos cada um o seu pró prio tempo. Para que marcaçã o cartesiana? Nã o sei como foi,
mas depois que olhei para o céu, me pareceu que o baterista deu ares de que ia parar de
tocar: ele olhou pro Tadeu e paramos. Terminamos, assim, como quem lambe os lá bios
depois de comer pizza.
Anos depois, descobri que Hendrix jamais soubera uma nota de teoria musical. Parei de
estudar mú sica e comecei tudo de novo. Mas a banda... Nunca mais uma banda como
Mendigos e Companhia. Foi a primeira e ú ltima apresentaçã o, depois de muitos e muitos
ensaios. E seguimos depois cada qual para nossos caminhos.
OUTRO APÊ NDICE

DOS PRINCÍPIOS GERAIS DAS LEIS

Eis que sã o, os seguintes, nã o os clá ssicos princípios gerais do direito, mas das leis:
1. Se há uma lei de cá e outra de lá , vigora a de cá .
2. Se há uma lei melhor e outra pior, vige a melhor.
3. Na falta da lei de cá , e conhecendo-se a de lá , vige a de lá , até que se tenha a de cá .
4. Na falta de lei melhor, vige a pior, para que nã o se fique sem lei.
Campos do Jordã o, 2 de agosto de l995.

COMENTÁRIOS
1. Se há uma lei de cá e outra de lá, vigora a de cá.
A questã o aqui tratada é a da soberania. Inexiste razã o para se adotar lei
alienígena quando se tem uma local.

2. Se há uma lei melhor e uma pior, vige a melhor.


Descabe a valoraçã o moral. Inclui-se neste princípio a questã o da lei ser mais apropriada à
política local. Infelizmente, nem sempre o melhor para o homem é o considerado melhor
para o poder que o representa dentro de um Estado. Entã o, ao falar-se em lei melhor,
tratamos de lei mais apropriada à política que se queira manter ou implantar. Se os
governantes forem bons, naturalmente a lei será boa, e o melhor politicamente falando será
o moralmente melhor. E para que se tenham bons governantes, há que se ter um bom povo,
pois aqueles representam este.

3. Na falta da lei de cá, e conhecendo-se a de lá, vige a de lá, até que se tenha a de cá.
Se nã o existe norma local para regular situaçã o determinada, mas
a

alienígena, sem perturbaçã o da soberania poder-se-á fazer uso da


regra externa, seja ela incorporada à nossa, como se localmente nascida, ou nã o.
Isso durará até que se possa ter uma lei para situaçã o similar que substitua a
anterior, de origem á dvena.
Mister se faz saber se nã o há possibilidade de analogia, exempli gratia, a fim de evitar a
adoçã o do parâ metro acima. Mesmo assim, devemos considerá -la como lei, para os fins que
se destina o princípio estudado.
4. Na falta de lei melhor, vige a pior, para que não se fique sem lei.
Evidentemente, a sociedade nã o subsiste sem normas, ainda que
somente verbais, ainda que apenas pela consciência individual, ainda que pela
sobrevivência do grupo, ainda que pela força pura e simples de um chefe tirano, ou pela
inteligência grupal. Se nã o existem normas, nã o há sociedade. Ubi jus, ibi societas ; ubi
societas, ibi jus.
Na falta, pois, de uma lei que se coadune com a política a se manter ou a ser implantada,
utiliza-se da lei que se tiver, a fim de se manter a sociedade ou a comunidade unida,
preservada. Algum grupo será o dominante, e a lei desse grupo será a que dominará . Se
falamos em lei das ruas, nã o como có digo do trâ nsito, mas como o conjunto de normas
adotadas por um grupo ou comunidade marginal de uma sociedade, e se tal insurge como
dominante em determinado tempo e espaço, essa entã o será a lei, até que u’a melhor
apareça para solapá -la. A lei aqui considerada nã o é a dos có digos e consolidaçõ es, mas a
que tenha eficá cia.
Caraguatatuba, 7 de abril de 1999.

F8-“DESTINO”

Meu-teclado-está -defeituoso.A-tecla-de-espaco-nã o-está -funcionando,nem-a-de-c-


cedilha,assim-como-a-delete-e-a-esc.
Terei-de-consertá -lo-ou-comprar-um-novo.
Tudo-sã o-escolhas.Quando-comprei-este-teclado,quando-comecou-a-dar-defeito-e-nã o-
levei-para-a-assistência-técnica...
Nã o-acredito-em-destino.Nã o-acredito-que-tá -tudo-escrito-no-Universo-como-tem-que-
ser.Nã o-acredito-na-fatalidade.
É -certo-que-tem-acontecimentos-inevitá veis,mas-sã o-efeitos,causados-por-uma-
escolha,sua-ou-nã o.
O SER E O NÃ O-SER

Para a filosofia, o ser é o que é; portanto, o nã o-ser nã o é. Em outras palavras, o ser existe e
o nã o-ser nã o existe.
Para os judeus, apenas o Eterno é; nó s existimos, mas nã o somos. Quando nos
apresentamos, dizemos: Ani Leopoldo (Eu Leopoldo), pois, o ú nico que é, é o Senhor. Nã o
podem dizer eu sou Leopoldo.
Assim, para continuar nossa exposiçã o, proponho a ideia de escrever Ser para o Criador e
ser para o existente filosó fico.
Se dissermos que o nã o-ser complementa o ser, formando um todo, temos que aceitar que o
nã o-ser existe, ou seja, o nã o-ser é, o que produzirá um contrassenso.
Da mesma forma, se o ser é material, o nã o-ser é incorpó reo. Definir-se-ia entã o sua
existência?
Um ser humano vivo existe, mas morto nã o. Para viver, terá de ser, terá de ter um corpo,
terá de ser material e ter vida. Para ter vida tem de ter matéria.
Da mesma forma podemos dizer que a injustiça nã o existe, mas a falta de justiça; como
dizem os físicos, nã o existe o frio, mas a falta de calor, até o zero absoluto (0 Kelvin, -
375°C). Como nã o existem as trevas, mas a falta de luz, a nã o-luz!
Se a existência do Universo começou com o Big-Bang, nã o havia a existência antes disso.
Nã o havia o espaço, o tempo, a matéria e a energia. A existência começou com o nascimento
do universo, que está em constante expansã o, com as galá xias se afastando da nossa, cada
vez mais rá pido, as maiores mais se distanciam que as menores. Antes do Big-Bang, nã o
era, nã o havia, nã o existia.

LER NO E-READER
Sempre li muito. Sempre gostei de ler. Entretanto, com o passar dos anos, minha vista foi
ficando mais fraca e comecei a ter problemas para ler em horá rios mais escuros e letras
pequenininhas.
Um dia, minha filha falou do e-Book – livro eletrô nico (e do e-Reader, leitor eletrô nico).
Comecei a ver as vantagens, conheci um tipo por um amigo e comprei um. Minha qualidade
de leitura aumentou bastante, porque posso ler a qualquer hora, posso deixar as letras do
tamanho que quiser, nã o há brilho na tela como no computador convencional, nã o sã o
arquivos fotografados em PDF e tudo isso facilita. Posso baixar nã o só livros em arquivo
MOBI, mas também DOCX, o que quer dizer que posso escrever em Word no computador e
baixar o texto no e-Reader, convertendo-o, para o ler com maior facilidade. Dá pra fazer
pesquisas na internet e juntar tudo num só documento Word, no formato DOCX, converter
para MOBI e enviar para o Kindle. Ou, como em documentos digitados no formato PDF,
posso enviá -los ao e-mail do aparelho de e-Books, como anexos por um outro e-mail,
colocando no assunto a palavra convert, e automaticamente serã o recebidos pelo Kindle, ou
Lev, ou Kobo, como documentos legíveis por completo.
Documentos escaneados em PDF sã o difíceis de se ler no leitor eletrô nico, pois para
caberem na tela as letras ficam muito pequenas.
Inclusive, é mais fá cil ler no e-book em dias de vento, que nã o precisa segurar as folhas com
as mã os. Para as geraçõ es mais novas, recomendo o e-book como complemento aos livros
convencionais.
Eu sei: tem gente que diz que nã o troca o prazer de ler um livro físico, de pegar no objeto,
de folhear. Na verdade, ainda os leio e concordo. Há vezes, inclusive, que apó s ler algum no
e-Reader, eu o procure na livraria, principalmente se for atual e as letras grandes, pois o
prazer da releitura é sempre existente e o livro físico nã o tem substituto. E por enquanto
existem muitos títulos que nã o encontramos virtualmente, sejam clá ssicos, simplesmente
antigos ou muito atuais.
Mas de qualquer forma continuo lendo bastante no e-Reader, que me trouxe uma nova
qualidade de vida.

CREPÚ SCULO

Nasci no outono. Talvez por isso goste tanto de entardeceres. Quando era criança, adorava
aquele momento em que as brincadeiras já se tinham terminado e vinham as conversas
entre amigos.
Na adolescência, o final da tarde era o melhor momento para se ouvir mú sica. Foi quando
aprendi que o Pink Floyd tocava no ritmo das nuvens...
Ver o crepú sculo na praia é uma experiência que deve sempre ser renovada. Cada praia tem
seu jeito.
Nas montanhas, o entardecer é jubiloso! Cai o sol e as longas sombras se dobram, como se
fossem gigantes maguérrimos entortados pelos ventos.
Na cidade de Sã o Paulo, à s seis horinhas da tarde, no outono, pode fazer aquele friozinho
gostoso que bate no rosto e entra pelos furos do casaco.
Já tentei o amanhecer na praia ou nas montanhas, porém, para mim, é muito desgastante.
Tem que se levantar muito cedo.
Atualmente, o meu entardecer é o momento do ú ltimo chimarrã o do dia, que precede os
noticiá rios da tevê.
O UNIVERSO MALEÁ VEL

Vejo o universo como uma moeda de borracha maleá vel, mal comparando. Você o vai
esticando até nã o mais poder (expansã o) e depois o deixa ir retraindo como é de sua
natureza.
Entã o você volta a realizar o mesmo processo, vá rias vezes, até que ele se deforma e vai
perdendo sua elasticidade.
Entã o, do big-bang ao big-crunch haveria depois um retorno mas nunca seria igual, como
num processo dialético.
Acredito nisso, por enquanto.

O TREMA

Quando da reforma da língua portuguesa, nos 1990, fiquei louco com a retirada dos tremas
nas palavras e continuei utilizando-o até recentemente. Sempre pensei nas novas geraçõ es:
quando lerem equino, como saberã o a pronú ncia correta? Porque é diferente de esquente?
O dicioná rio terá de indicar a pronú ncia certa para cada palavra ou se irá no vai-da-valsa?
Nã o sei.
O que sei é que haverá um trabalho a mais para os educadores na alfabetizaçã o.
A ú nica vantagem é na digitaçã o: você tem um tempo a mais para a velocidade de sua
escrita, pois nã o precisa pensar no trema. Só .
Por isso tudo, sempre fui e ainda sou contra a retirada desse acento, tã o ú til para os leitores
de primeira viagem desses vocá bulos dú bios.

TEORIA UNIFICADA

Trata-se isso de uma tentativa de reunir todas as teorias físicas numa só . Uma teoria de
tudo, unindo-se a mecâ nica quâ ntica com a física clá ssica, entre outras coisas.
Nem todos cientistas concordam com isso. Marcelo Gleiser, por exemplo, disse que nã o
existe uma teoria de tudo, onde concordariam teses contraditó rias.
Isso faz me lembrar do holismo, que propugna por um conhecimento total do pensamento
humano. Era a ideia dos enciclopedistas, do Renascimento, dos antigos filó sofos gregos.
Pessoalmente, gosto disso, embora considere impossível a teoria unificada, mas possível a
busca por um conhecimento total das coisas. Mesmo sabendo que elas discordem entre si.

TOLERÂ NCIA RELIGIOSA

Tal conceito é primordial na convivência entre pessoas de religiõ es diferentes. Quem


pertence a uma, nã o pode querer obrigar outra a aceitar sua pró pria crença, pois isso é uma
questã o de fé, mais do que, muito mais do que, opiniã o.
Falar em tolerâ ncia nã o é apenas aceitar que o outro tenha uma crença diferente, mas
respeitar isso e nã o deixar que tal fato evite amizades.
O pior é um crente querer converter, a todo custo, um ateu ou um niilista, ou um agnó stico.
Ou mesmo vice-versa, como tem ocorrido com certos intelectuais, como um, que em certa
palestra gravada pelo YouTube, desfez das pessoas que acreditam que o que ocorreu foi o
que tinha que ser porque Deus assim quis... Nã o foram exatamente essas palavras usadas,
mas teve esse sentido. Gosto dele, apesar desse deslize, compará vel a qualquer intolerâ ncia,
mas que inconscientemente está em todo mundo, pois no fundo todos gostariam que o
outro concordasse consigo.

EVOLUÇÃ O E A DIALÉ TICA DA NATUREZA

A teoria da evoluçã o nã o pode ser vista como algo linear. Isso vai contra a dialética da
natureza, que contrapõ e sempre um evento díspar ao anterior resultando numa soluçã o
anteriormente inimaginá vel.
Isso pode nos dar esperança quanto ao aquecimento global. Cientistas há que dizem sobre a
inevitabilidade das mudanças. Porém, existe a possibilidade de revoluçã o humana, com
respeito à s alteraçõ es climá ticas.
Quero dizer, mutaçõ es nos seres humanos, e até no pró prio entorno, a possibilidade de
plantas e animais se modificarem, se adaptarem a um novo ecossistema, ou até mesmo
este, por motivos ainda desconhecidos, reverter os acontecimentos do ú ltimo século.
Dessa forma, poderíamos pensar que o macaco nã o é o antepassado do ser humano, mas
este deste mesmo, tendo porém evoluído em suas características, através das alimentaçõ es,
miscigenaçõ es devidas a migraçõ es de povos pelo planeta, adaptaçõ es a doenças e
imunizaçõ es naturais adquiridas, entre outras coisas.
Assim, a dialética é nossa esperança e nosso medo. Incerteza boa ou má quanto ao futuro.
REALIDADE OBJETIVA

Podemos dizer que existe uma realidade objetiva, ú nica, e que a percepçã o do ser humano é
subjetiva?
A subjetividade da percepçã o é notó ria, pois sabemos que cada ser obtém sua noçã o de
realidade de acordo com sua percepçã o, instinto e experiência. No caso do humano, existe
ainda o discernimento, o raciocínio e a intuiçã o.
O discernimento é a questã o axioló gica, quero dizer, dos valores: da moral e da ética. Isso
ele obtém de seu pró prio estado de ser e na relaçã o com a sociedade que o circunda. É onde
ele distingue o bem do mal, de sua ó tica perante o dilema, e do que a sociedade que o
envolve considera.
O raciocínio é o concatenamento das ideias, sua ló gica.
A intuiçã o nasce com o indivíduo, mas ele pode desenvolvê-la com o passar dos anos ou
abandoná -la, ficando só com o raciocínio e o discernimento.
A percepçã o é bá sica para a sobrevivência de todos os seres e varia de acordo com cada
qual: há insetos que percebem a cor ultravioleta, que nã o vemos; há animais que ouvem o
ultrassom e nó s nã o. Há uma frequência super aguda apenas perceptível aos adolescentes,
perdida para os adultos.
O instinto é pró prio de todo ser, também: por exemplo, quando pressente um perigo,
imediatamente procura se afastar ou se defender.
A experiência advém da vida e se acrescenta com o seu passar.
Portanto, nã o se pode falar de uma realidade objetiva, ú nica, todavia relativa.

SUBJETIVIDADE DA CIÊ NCIA

As pessoas creem no pensamento científico como o ló gico, o racional, o incisivo, o


definitivo. Mas nã o é assim.
A ciência é, per si, ló gica, sim, porém nã o fatalista. Ela é sempre verdadeira por enquanto,
até que se depare com uma contradiçã o e se renove. Essa é a sua graça, o que define sua
evoluçã o.
A trajetó ria científica nunca é previsível, embora sempre hajam futuró logos.
A ciência deriva do pensamento humano e de seus instrumentos, como telescó pios e
microscó pios, por exemplo, que sã o como o horizonte, sempre visto mas nunca alcançado.
Mesmo se dependente de computadores que sejam pensados por outros computadores,
sempre terá limites, a ó tica das má quinas interpretada por ideologias, cada qual resultando
numa teoria diferente, ao mesmo tempo.
Nã o há ser humano sem ideologia. A objetividade é um processo interminá vel. Nã o existe
em si. O cientista, por isso, é subjetivo.
O objeto pode apenas ser encontrado no inconsciente humano, que poderá absorver a
verdade sem ter como exprimi-la, a nã o ser pela arte.

ROSAS DE OURO

Meu pai era comerciante de artigos de época: natal, carnaval e festa junina. Quando eu era
criança, ele ainda vendia artigos de carnaval, como confete e serpentina, espirradores de
á gua, lança-perfume – que naquela época era permitido -, entre outras variedades.
O carnaval começou para mim com as festas de salã o do Clube Jaraguá , acho.
Na adolescência, fui conhecer o carnaval de rua, das escolas de samba. Nã o dançava nem
pulava, só assistia. Morava na capital paulista e ia à avenida Sã o Joã o para ver as escolas de
Sã o Paulo. Nã o havia arquibancadas, o pú blico sentava-se na beira da calçada ou ia
acompanhando as escolas, andando. Era nosso caso, pois eu ia sempre com pelo menos um
amigo.
A escola Rosas de Ouro tinha sua sede na Vila Brasilâ ndia e todo ano desfilava também na
rua Doze de Outubro, a principal do bairro onde eu nasci e morava, a Lapa. Passou
rapidamente a ser a minha favorita.
Hoje em dia assisto-a pela internete e torço por ela. Nã o tenho paciência para ver todas,
mas ela eu procuro. É o carnaval de Sã o Paulo, que infelizmente hoje tem Sambó dromo e
entradas pagas.

A LÍNGUA PORTUGUESA

Digam o que quiserem, mas a considero a mais bela do mundo.


É minha primeira, é a que mais estudei e estudo, em suas vá rias formas e sotaques.
Veja só : no Rio de Janeiro dizemos de cabeça para baixo e em Sã o Paulo, de ponta-cabeça.
Sã o estados vizinhos.
Na cidade de Sã o Paulo dizemos ôrra, mêo, e só lá , nã o no resto do Brasil e em todos os
países lusó fonos.
Uma vez ouvi dizer que o mais perfeito falar no Brasil estava com os maranhenses. Talvez
seja mesmo, por razõ es histó ricas e vivenciais.
Apesar de todos os países lusó fonos falarem o mesmo idioma, cada qual tem seu jeito
pró prio. Mas todos acabam se entendendo, de uma maneira ou outra.
Amo a língua portuguesa!

CONDIÇÕ ES PARA A LIBERDADE

Nã o podemos falar em liberdade incondicional.


Para obtê-la, sempre dependemos de algo, de alguém, ou de uma situaçã o. Em meados do
século XX, a motocicleta foi admirada pelos jovens como símbolo de liberdade: era muito
mais barata que um automó vel, tanto na compra como na manutençã o, corria mais e levava
longe o motociclista e seu possível acompanhante. Havia a sensaçã o do vento no rosto, no
corpo, nos cabelos, enquanto se movia a alta velocidade. Era uma oposiçã o ao Sistema.
Entretanto, para se obter uma moto era preciso dinheiro, ou um escambo, ou um furto. Nã o
se escapava do capitalismo para obtê-la nem para a manutençã o. Dependia-se de estradas,
construídas pelo Estado, se quisesse bem conservá -la. Precisava constantemente abastecer
seu veículo com combustível, fornecido pela indú stria burguesa, para que ele funcionasse. E
de ó leos, fabricados por indú strias mantidas pela sociedade, na qual ele estava ativamente
inserido, mesmo que negasse isso. Além de saber conduzi-la, através de seus instrumentos
para a movimentar.
Esse é apenas um exemplo de como a liberdade nunca anda sozinha, mas dependente de
alguma coisa.
Zigmunt Bauman, em seu livro Modernidade Líquida, no primeiro capítulo, contrapõ e a
liberdade à segurança, concluindo necessitarmos de ambas. Ora, a primeira sem a segunda
faz com que o indivíduo nã o consiga viver livremente, pois sempre está assolado por
ladrõ es, assassinos, bandidos. E a segurança sem liberdade leva ao totalitarismo, que
também nã o é o ideal. Há uma necessidade de se balançar as propostas, obter-se um
mediador, uma posiçã o em que elas possam se equilibrar.
A liberdade precisa de regras para se estabelecer.
O IDIOMA DE DEUS

Quando Moisés escreveu o Pentateuco, o fez em hebraico. Quando Sã o Lucas escreveu o


Evangelho, o fez em grego. Quando Mohamed escreveu o Corã o, o fez em á rabe. Quando
Joseph Smith traduziu o Livro de Mó rmon, foi do egípcio reformado para o inglês. Abrã o
ouviu o Eterno em hebraico. Jesus Cristo falava em aramaico. Krishna falava em sâ nscrito, a
língua original do Baghavat Gita.
Deus fala em nossas mentes. O idioma que entendemos melhor é o que o ouvimos falar. Se
assim nã o fosse, como o poderíamos entender?
É o mesmo assunto da língua dos anjos. Eles falam qualquer uma, a que entendermos. Dizer
que eles falam a língua do amor é uma tergiversaçã o.

A LÍNGUA DE ADÃ O

Dizem os teó logos que as palavras inventadas por Adã o para designar as coisas formavam
um linguajar puro.
Esse idioma teria sido levado por ele e Eva para fora do É den, ensinado a seus
descendentes e corrido mundo afora. Entretanto, é de se supor que novas necessidades
tivessem-no alterado.
Depois, viria o episó dio do dilú vio. Que língua Noé e seus familiares utilizariam? Seria a
mesma dos primeiros descendentes de Adã o?
Apó s o dilú vio, a Terra foi repovoada e ocorreu o episó dio da Torre de Babel. A língua mã e
era ainda a mesma de Noé? Mas dessa histó ria podemos defluir a similaridade dos falares,
que, embora diferentes, sejam parecidos aqui e ali, alguns mais que outros, formando
famílias idiomá ticas.

A DITADURA DA FELICIDADE

O pior de tudo sã o aquelas pessoas que estã o sempre felizes e esperando que você
compartilhe a felicidade com elas.
É proibido ficar triste. Vamos festejar que a vida é bela. Cantar e cantar e cantar a beleza de
ser um eterno aprendiz... Essa cançã o me deprime, porque quando você a ouve é obrigado a
cantar junto, dançar e sorrir. Sei que muitos discordarã o de mim, falarã o que essa é uma
joia da mú sica popular brasileira... Mas eu detesto!
Nã o tem coisa pior que festa de fim-de-ano. Tem que pular sete ondas, tem que guardar a
folha de oliveira na carteira, tem que usar roupa de baixo na cor tal...
Nã o vale ficar em casa. Nã o vale ver um filme em vez do desfile de carnaval. Posso até ver o
desfile, mas nã o quero ser obrigado a isso. Gosto de ir à Festa Literá ria de Paraty, é uma
atividade que me deixa radiante. Amo ler. Sentado, no meu cantinho. Mais do que ir à uma
festa badalada, cheia de gente superexcitada, tocando mú sica que eu nã o gosto. Porque amo
demais a mú sica, amo rock, erudito contemporâ neo, barroco, tocada bem alto nas caixas de
som! Odeio fones de ouvido.
Fico feliz dentro de um museu, mas nã o necessariamente contente. Talvez circunspecto até.
Ou talvez sorrindo. Mas é a minha forma de felicidade. Nã o acredito em fó rmulas para ser
feliz: se você nã o souber o seu pró prio caminho, cabe a você mesmo descobrir. Nã o espere
que algum tipo de guru tente fazê-lo em seu lugar.

THE RUNAWAYS

Essa foi a primeira banda conhecida de rock totalmente feminina. Elas foram lançadas
como punk, mas seu som era um verdadeiro hard-rock anos 1970. Tocavam muito bem e
seu ú nico disco, até onde eu saiba, é de 1976, e nã o desaponta: nã o tem uma mú sica lenta, é
só pauleira!
Antes delas houve outras roqueiras, mas geralmente eram vocalistas. Guitarristas, baixistas
ou bateristas se imiscuíam no universo masculino. No Brasil, a primeira guitarrista foi
Lucinha Turnbull. Ela tocou no Tutti-Frutti com a Rita Lee, com Gilberto Gil e tentou uma
carreira solo. Fez também uma apariçã o como atriz na versã o tupiniquim de Rock Horror
Show.
Mas as Runaways foram um ponto forte no rock estrangeiro. Fizeram sua marca. Sua
mú sica principal era Cherry Bomb, mas o elepê mostra que elas tinham muito mais a
mostrar. Se nã o der para encontra-las no vinil, tem no YouTube. Pelo menos, enquanto
escrevo aqui.

O HOMEM FORMIGA

Trata-se de um conto de Philip K. Dick. Se você nã o gosta de spoiler, pule este texto. Agora!
Decidiu continuar? Bom, o conto é sobre um homem que descobre ser um androide. Mas o
interessante nã o é isso. É que, com a descoberta, ele decide abrir o peito e encontra uma
fita perfurada sobre um carretel dentado.
É aí que começa a verdadeira histó ria. Ele descobre que a fita é da realidade, ou seja, de sua
percepçã o da realidade.
Entã o ele fecha alguns buracos e vê desaparecerem à sua volta objetos do cotidiano. Depois
perfura na fita e tem visõ es realistas de fantasias, como se tomasse um alucinó geno.
O final é surpreendente. Ele pensa no que seria sua percepçã o se tirasse a fita. Veria tudo
como realmente é, como escreveu Blake.
Tira a fita. E morre. E sua esposa, que se imaginava real, desaparece.

BOM-DIA, BOA-TARDE, BOA-NOITE

Quando criança, aprendi que pela manhã até a hora do almoço se dizia bom-dia. Depois de
se almoçar, boa-tarde. E continuava sendo boa-tarde até que anoitecesse. Aí, sim, falava-se
boa-noite. De madrugada, enquanto nã o clareasse, era boa-noite.
Aprendi isso na escola, num tempo em que as crianças raramente usavam reló gios em seus
pulsos.
Apó s crescido, aprendi as regras dos horá rios para cada forma de se cumprimentar. Aí,
ficou tudo sem-graça...

LIVROS INSPIRADORES

Sem sentimentalismos. Um livro inspirador é o que você nã o consegue parar enquanto nã o


chega no final. À s vezes, volta algumas pá ginas para rever uma cena, um dito. Quando
termina, vem aquela respiraçã o do tipo “terminei, e agora?”.
Nã o há livro mais para ler, tem que dar um tempo para si mesmo, deixar vagar umas horas,
sonhar com o livro.
No dia seguinte você está pronto para outro, mas tem que ser de outro gênero. Se aquele
era um romance, este tem de ser de ensaios, por exemplo, pra nã o misturar as ideias.
Isso pode acontecer também com um conto, um poema, uma crô nica, um filme, uma
pintura.
É algo que nos eleva, uma experiência que nunca se repete.
ANSIEDADE

Você coloca seu reló gio adiantado ou chega uma hora antes no compromisso para nã o se
atrasar. Você vê vá rios noticiá rios na tevê, aberta ou fechada, para se manter atualizado, e
ainda assim nã o acha que está informado o suficiente. Entã o lê as notícias dos jornais
impressos e digitais pela internet, e continua achando-se desinformado.
Informaçõ es culturais, notícias, clá ssicos e contemporâ neos, antigos e modernos, tudo nos
vêm de forma intensa e desmesurada. Nã o sabemos o que selecionar, isso nos causa
ansiedade na vida de hoje, o que Zigmunt Bauman designa de vida líquida, em que nunca
estamos em dia, que precisamos correr para nã o sair do lugar. Ou nos resignar a ficar para
trá s, desinformados, longe de nossa sociedade, nã o despertos em nossa comunidade.
Precisamos aprender a viver neste mundo que existe em rá pida transformaçã o sem
precisarmos nos esfalfar. Contemplar e meditar sobre o que recebemos e buscamos ainda é
um objetivo plausível. Sem ansiedade.

LIBERDADE

Que palavra! Sempre foi utilizada para os mais distintos propó sitos. Os nazistas a
utilizaram, os anarquistas, os liberais, os democratas, os que combatem alguma ditadura...
seja de esquerda ou de direita.
Palavras sã o assim: nunca dizem ao que vêm, a nã o ser pelo contexto em que estã o
inscritas.
Nunca me esqueço de ter estado em Buenos Aires, no tempo da ditadura militar argentina,
e visto no chã o de uma calçada alguns pô steres à venda. O que chamou-me à atençã o foi um
que mostrava uma cadeia de montanhas e um pá ssaro ao longe, com a inscriçã o: La libertad
es um don, pero um don que se conquista. Assinado por B.Max.
Havia um contexto no ar. A palavra liberdade tinha um peso importante. Na mesma época,
no Brasil, essa palavra era quase dita em sussurro, junto com abaixo a ditadura. O
interessante é que heró is daquele tempo, quando foi restabelecida a democracia no Brasil,
tornaram-se os novos corruptores e pretensos ditadores, mas nã o havia mais o clima para a
falta de liberdade, e o Judiciá rio nacional começou a agir diligentemente. E a palavra
adquiriu um novo sentido para o povo brasileiro.
A geraçã o que nasceu sob a ordem da Constituiçã o Cidadã nã o sabe o valor que existe na
liberdade de expressã o, de se poder fazer caricaturas do Presidente da Repú blica sem ser
chamado à s vias de fato, de se manifestar a favor ou contra um impeachment com
carrinhos de bebê e crianças na mã o, levando bandeirinhas.
Estamos assistindo e vivendo uma liberdade que nunca houve no Brasil. É uma forma de
liberdade, nã o à dos nazifascistas, ou dos anarquistas, mas dos democratas de uma certa
forma, que nã o é a mais perfeita, mas a melhor até o momento.

PARTIDOS

Nã o precisamos de tantos partidos como temos no Brasil.


Bastariam cinco: um que representasse a extrema esquerda, um para a centro-esquerda,
um para o centrã o, um para a centro-direita e, por fim, um para a extrema direita.
Todos deveriam ser democrá ticos, com ideais para a sustentabilidade, para uma boa
educaçã o, saú de, com geraçõ es de empregos, eliminaçã o da pobreza, defesa das clá usulas
pétreas da Constituiçã o, ataque à s ideias racistas, sexistas e fó bicas, contra o preconceito
aos portadores de transtornos mentais, assim como tantos outros fatores.
Temos uma multiplicidade partidá ria inú til, que acaba nã o sendo cada qual uma ideia
verificá vel. Seus representantes nã o respeitam o partido que representam, a nã o ser
quando se envolvem em politicagens.
Isso vale para a maioria de nossos políticos em cena. Alguns sã o diferentes. Conseguem sê-
lo. Apesar da pressã o.

O FIM DO LIVRO FÍSICO

Com a presença dos livros digitais no mercado, muitas pessoas consideram que o livro de
papel está com seus dias contados.
Nã o creio seja bem assim. O livro físico tem seus atrativos. A questã o do volume nas mã os,
seu cheiro, a presença dele numa estante, podendo ser consultado à hora que quiser...
Eu mesmo sou grande leitor de livros digitais: posso deixar as letras no tamanho que minha
miopia consiga ler, a tela nã o é reflexiva no e-reader, entre outras vantagens.
Porém, isso nã o impede minhas visitas à livraria ou ao sebo, pois sempre existem títulos
que você nã o acha on-line, ou que valem a pena tê-los em papel, com a possibilidade de se
conseguir o autó grafo do autor, se estiver vivo ainda.
Penso que o fim do livro físico é uma distopia inviá vel. Entrar numa livraria ou sebo sã o
experiências ú nicas; ter um novo livro nas mã os é um fato gratificante.
FUMAR EM PÚ BLICO

Já houve tempo em que nã o era permitido à s mulheres tomar cafezinho no balcã o de bar e
fumar em pú blico. Hoje isso é comum.
Foi um avanço?
Digo que nã o. Elas apenas imitaram vícios masculinos, que deveriam ser rejeitados.
Fumei cachimbo, muito, em qualquer lugar, na presença de qualquer pessoa, fosse na sala
de aula da faculdade, fosse no restaurante apó s o jantar, enquanto me deliciava com uma
dose de conhaque, e ai de quem reclamasse. Era um jovem imaturo, intolerante, arrogante e
turrã o!
Agora, e só agora, vejo como estava desrespeitando as pessoas ao meu redor. Nã o gostaria
que outras fizessem o mesmo. Sei que nã o há cara mais chato que ex-fumante para
contrariar o costume. Porém, nã o quero ver mulheres se sujeitando aos vícios dos homens
como forma de se nã o subjugarem. Que tragam novas culturas, para moralizar os corruptos
e feminizar a sociedade.

AMANHECER

Acordar cedinho é muito bom quando acontece naturalmente. Aquele friozinho, o chimas
quentinho, tudo muito bom...
Mas acordar com despertador, levantar mareado, com hora marcada para sair, ainda com
sono... aí nã o dá !
É a diferença entre levantar cedo e levantar cedo. O primeiro tem a ver com nascer-do-sol,
ou mesmo uma chuvinha agradá vel, você olhando pela janela, a cuia do chimarrã o
esquentando a mã o...
O segundo é aquela desgraça! Nem vale a pena descrever...
Você pensa que trabalhar em casa é sempre acordar cedo numa boa? Que digam as donas-
de-casa, gente que trabalha pelo computador... tem hora, tem prazo!
Por isso existem os dias sabá ticos, as férias. E a aposentadoria.
BRAZIL

Certa vez, nos anos 1980, participei de um ciclo de palestras com Roberto DaMatta sobre
nó s, como brasileiros, aprendermos a observar nosso pró prio país, nosso povo, nossos
costumes, como se fô ssemos estrangeiros, olhando-nos de fora, de forma a nos
autoconhecer.
Achei a abordagem fantá stica, de tal forma que a comentei com um taxista. E lá veio o
banho de á gua fria: nó s já vivemos no Brasil, já o conhecemos, pra que fazer um curso sobre
nó s mesmos?
Foi quando percebi a distâ ncia existente entre o soció logo e seu objeto de estudo! Eu estava
do lado do ministrante, mas era povo também. Porém, como estudioso, tinha que saber
engendrar os fatos de maneira a compreendê-los como DaMatta expunha.
Enfim, foi um ó timo ciclo, mas tive que me curvar diante do taxista.

OS NOVOS INTELECTUAIS BRASILEIROS

Eles nã o sã o de esquerda, de direita, centristas ou apolíticos. Os novos intelectuais


brasileiros expõ em suas ideias de forma menos engajada, pois os novos tempos sã o de
Democracia.
Nunca tivemos tanta democracia no país. Nunca o Poder Judiciá rio foi tã o atuante quanto
hoje. Nunca vimos tanto a corrupçã o ser punida.
A nova intelectualidade pode se exprimir livremente com apoio da Constituiçã o Brasileira
de 1988. Sem medo de ser feliz.

TECLADO NOVO

Comprei um novo teclado e nem dei satisfaçã o a você. Na verdade, comprei um novo kit
teclado-mouse sem fio, que o antigo já estava dando problemas.
Comprar um teclado-mouse novo é como comprar um novo carro: tudo é novidade e você
quer usar tudo!
Na verdade eu queria voltar a falar da fatalidade. Sei que existem fatos que ocorrem em
nossa vida que interferem no resultado que esperá vamos. Sã o coercitivos. Isso nã o é o
destino imutá vel, nó s sempre podemos escolher entre aceitar, nos sujeitar, nos adaptar ou
lutar contra. É a vida.
No caso do teclado, eu tinha o dinheiro naquele momento para comprar um novo e segui o
conselho de um amigo para me desfazer do antigo. Fiz o que decidi. Aceitei um conselho.
Poderia nã o tê-lo aceito. O antigo vou trocar por outra coisa, qualquer coisa. Vou escolher o
que farei.

PERGUNTAS SEM RESPOSTAS

Toda pergunta tem uma resposta. Todas!


A resposta nem sempre é ú nica, podem ser vá rias para uma só pergunta. Por exemplo, qual
a cor do céu?
Respostas possíveis: azul (a mais ó bvia!); o céu de que planeta?; plú mbeo (se estiver
armando chuva) etc.
Há perguntas das quais se pode obter uma resposta nã o-imediata, mas apó s intensa
meditaçã o (e aqui entenda-se meditação como quiser). Essa resposta pode ser definitiva até
que se prove o contrá rio, ou outra, depois de nova intensa meditaçã o. Sã o perguntas de
ordem filosó fica ou religiosa ou metafísica ou...
Nã o há pergunta sem resposta. Você pode nã o saber, o que é diferente, mas vale a pena dar
uma pesquisadinha nos livros, na internete, nos seus cadernos, nas suas revistas,
conversando com os outros (como Só crates, o filó sofo ateniense). Nã o desista.

LIVROS QUE SE VÃ O

O que fazer com os livros que se lê? Passe-os adiante, dirá um mais afetado. Nã o é tã o
simples assim.
Lemos, sublinhamos trechos que mais nos tocam, ou que consideraremos posteriormente,
anotamos nas bordas, nos interstícios, tornamos cada qual com nossa personalidade.
Como nos desfazer de nó s mesmos?
Simplesmente dizendo: - Não te quero mais, vá embora! E depois vem a nostalgia daquele
tomo anotado, escrevinhado, sebento. Compramos um novo exemplar, nã o é o mesmo. Cadê
os pensamentos que gravei?
Dependendo da ediçã o, temos dó de escrever nas pá ginas. E tem ainda os e-Books, que nã o
sã o para se guardar, essencialmente, mas para se ler e descartar. Descartar?
Para tanto, adquiri o costume do caderno. Copio o nome do livro, do autor, do tradutor – se
for de origem estrangeira –, do nome original, e depois os trechos que me tocaram, cada
qual com sua pá gina. Os livros eletrô nicos jogo fora, ficando só com as anotaçõ es, embora
fiquem guardados na nuvem, que tem espaço infinito, acho. Os físicos ainda guardo, pelo
menos por um tempo, pois posso querer relê-los, o que nã o é difícil de acontecer.
Nã o é uma soluçã o perfeita, mas é como a Democracia: imperfeita; mas a melhor que se
apresentou até hoje. Falível, porém suportá vel e factível.

LEITURA SILENCIOSA

Até o século X, no Ocidente, nã o se lia silenciosamente, apenas em voz alta. Imagine o que
seria o ambiente das bibliotecas pú blicas? Isso é uma observaçã o que obtive no livro Uma
História da Leitura, de Alberto Manguei. Ele tem uma biblioteca particular de vá rios
milhares de livros e é leitor contumaz.
Ler em silêncio traz-nos mais atençã o, aprofunda-nos no que estamos percebendo. É um
ato solitá rio. Há pessoas que conseguem se concentrar apenas quando há o absoluto – ou
quase – silêncio. Outras nã o precisam de nada disso. Há quem só leia em casa, há quem leia
em filas, no metrô , no ô nibus, sob o alarido.
Ler jornal é diferente de se ler um livro. Ler uma notícia tem um sabor diferente de se ler
uma bula de remédio. A leitura de uma revista intelectual é diferente de uma de fofocas.
Mas a concentraçã o de quem as lê pode ser a mesma.
No livro citado acima, é notá vel a distinçã o da experiência de se consultar um compêndio
na Biblioteca de Londres ou de Paris com uma de Roma: naquelas, o silêncio é apenas
cortado pelo tiquetaquear de teclados de notebooks; nesta, o carrinho de livros passa
ruidosamente, as pessoas conversam, ou eventualmente gritam por outra que esteja
distante. Ele cita também a Regra de Sã o Bento, que manda um monge ler enquanto todos
os outros permanecem em perfeito silêncio, nas horas da refeiçã o, prestando atençã o à voz
solitá ria.
Mas há textos que nã o podem ser lidos senã o a alta voz: Castro Alves, o poeta condoreiro, é
nosso maior exemplo. Antigamente, era comum na Bahia, iletrados ou nã o, saberem de cor
pelo menos um poema desse autor. Antigamente...
Poetas româ nticos nã o podem ser lidos em silêncio, tal como diversos contemporâ neos,
que fazem o retorno dos ditirambos em forma hipermoderna.

PRIMEIRO B.O.

O primeiro Boletim de Ocorrência de Trâ nsito no Brasil foi registrado pelo príncipe dos
poetas, Olavo Bilac.
Ele conduzia seu automó vel pela rua quando, sem querer, bateu em uma á rvore.
Nã o sei que carro ele dirigia, mas devia ser um prosaico Ford Bigode, que era o usual da
época. Ou talvez um modelo mais antigo, mais caro, já que pouquíssimas pessoas tinham
automó veis naqueles dias.

ISRAEL

Em 1948, foi fincada a primeira bandeira do Estado de Israel, com a coordenaçã o de David
Ben Gurion.
Apesar dos kibutzim terem um forte apelo socialista, os Estados Unidos se tornaram
grandes aliados, assim como o Brasil, que nã o deixou de apoiar os países á rabes por isso.
Mas os kibutzim foram a soluçã o achada por Ben Gurion para transformar um deserto em
terras férteis. Os pró prios judeus doaram de suas vidas para a construçã o do Estado.
A isso damos o nome de política, que nos é incompreensível por vezes, já que sempre fomos
capitalistas e avessos à entã o Uniã o Soviética, socialista.

ELEIÇÃ O

Quando você vota em alguém numa eleiçã o, a intençã o é que aquele candidato ou candidata
se eleja.
Eleger-se é se elevar aos píncaros da gló ria.
Vem de elegia. Os eleitores elevaram aos píncaros da gló ria aquele candidato. Fizeram uma
elegia a ele. Ou ela.
Eleiçã o é uma atividade muito importante. Estamos levando ao Poder determinadas
pessoas, que deverã o nos representar. Se se corromperem, estarã o nos traindo do alto da
gló ria onde as elevamos.

LETRA E MÚ SICA

Adoro mú sica! E isso se torna um problema quando as pessoas dizem que eu preciso
prestar atençã o naquela letra... porque eu nã o consigo!
Preciso ler a letra, ou ouvir a cançã o centenas de vezes, para entã o prestar atençã o no que
ela diz. Fico mais atento à melodia, à harmonia, aos arranjos, aos instrumentos, à s vozes
principais, aos backing vocals, à s mudanças de ritmo, para depois ouvir a letra.
Adoro ler! Mas acho difícil fazer isso com mú sica ao fundo, seja instrumental ou nã o, o que
para mim é tudo a mesma coisa. Para bem ler, preciso de silêncio.
Mas a mú sica vive na minha cabeça, sempre tenho mú sica na cabeça, já existente ou de
improviso. Isso é bom, mas à s vezes atrapalha, entã o para fazer alguma coisa manual
preciso de uma mú sica de fundo; pode ser para pintar, desenhar, fazer algum trabalho
manual, entã o aquela sonzera ajuda. Nã o pode ser um sonzinho imperceptível, porque aí
atrapalha, se mistura com a mú sica na minha cabeça.
Bom, mas isso é comigo, nã o espero que ninguém compartilhe. É pessoal.

VIOLÊ NCIA CONTRA O HOMEM

Fala-se muito sobre a violência sexual contra a mulher. Muito justo. Ninguém deve aceitar a
ideia de que o estupro é por sua pró pria causa.
Mas há também mulheres que fazem violência sexual contra outras mulheres.
Há muitos homens, principalmente garotos e rapazinhos, que sofrem traumas sexuais que
os acompanharã o o resto de suas vidas. Os abusos sexuais nã o sã o só contra mulheres.
A violência sexual nã o depende do gênero, ela existe de vá rias formas. A lei penal brasileira
só trata do estupro do homem contra a mulher, o que é pouco, pois está desatualizada.
Há muitos casos de homens que sã o bolinados, machucados em relaçõ es nã o consensuais, e
que nã o chegam à s delegacias, assim como de mulheres. Há que se abrir um canal para esse
tipo de debate, o quanto antes.

HOMOFOBIA

O preconceito contra homossexuais é mais do que o desacerto com o diferente, é o


preconceito contra a mulher.
O machismo pode partir de qualquer um dos sexos, pois é a nã o-afinidade com o que há de
feminino na pessoa. Vivemos ainda numa civilizaçã o onde os valores sã o masculinos, onde
o poder da força prevalece sobre o da intuiçã o, e assim todo homossexual é desrespeitado
pelo que há de feminino nele. Mesmo no caso das lésbicas, é preconceito contra mulheres
que nã o seguem o padrã o.
Isso prevalece nas mulheres que nã o se casam: ser um solteirã o é ser um partidã o; ser uma
solteirona é ser uma abandonada que ninguém quis.

OLIMPÍADAS 1972

Eu era um menino, ainda, e aprendia naqueles dias, que, como havia dito o Barã o de
Coupertin, o importante nã o é vencer, mas competir. Aprendíamos isso na escola, com o
professor de educaçã o física.
Passadas as décadas, parece que todos se esqueceram dessa má xima. O Brasil enaltece os
vencedores, esquecendo dos competidores. O que mudou? Mudaram os tempos, os
conceitos, a má xima, o idealismo de Coupertin?
O que importa agora é quantas medalhas de ouro, prata e bronze conseguimos, nã o
importando mais aqueles que tentaram, todos aqueles que participaram. Sã o entrevistados
apenas os vencedores, esquecendo-nos dos ideais que iniciaram as Olimpíadas modernas.

PEPEU

Eles fizeram uma pá gina virar na MPB, e principalmente, no rock brasileiro. Sã o os Novos
Baianos, que lançaram vá rios á lbuns nos anos 1970. Era uma banda totalmente
heterogênea, uma comunidade, viviam todos juntos e mantinham uma ú nica tv na casa –
que nã o tinha som.
Sua mú sica ia do rock mais pesado ao chorinho. Se acabasse a eletricidade no meio do
show, eles iam pra plateia e organizavam uma roda de samba.
Vá rias cabeças saíram desse grupo em carreiras individuais. Ou quase.
Quero falar de Pepeu Gomes e Baby Consuelo, que durante algumas décadas foram
parceiros na mú sica e no amor. A voz de Baby, seu controle rítmico, sua gradaçã o do mais
suave ao gutural, era o que havia de melhor. E a guitarra de Pepeu.
Pepeu Gomes sempre foi e ainda é o melhor guitarrista de rock do Brasil. Infelizmente os
produtores fazem-no cantar. Por isso a dupla era boa, o melhor de cada um juntos. Mas hoje
seguem carreiras separadas e Pepeu continua dedilhando o sol brasileiro.

SOBRE A TRADUÇÃ O
Imagine um espaço determinado. Uma grande esfera permeá vel e transparente. Essa esfera
é a nossa mente.
Agora imagine uma série de pontos dentro dessa esfera. Sã o as ideias-emoçõ es.
De cada uma dessas ideias-emoçõ es você extrai uma palavra. Quando você a aprende, na
verdade está apreendendo uma ideia-emoçã o que nã o é sua, mas de quem a exprimiu a
você; ou, se você a criou, exprime uma ideia-emoçã o daquele instante e lugar – espaço-
tempo – que você pensou-sentiu.
Cada ponto é uma palavra, num determinado idioma, numa determinada época, falada por
determinada pessoa.
Assim, a palavra cadeira expressa por Joã o da Silva, em 14/04/1865, em Salvador, na
Bahia, nã o é a mesma ideia-emoçã o da mesma palavra dita por Carmélia Alves, em
16/12/2016, em Passo Fundo, Rio Grande do Sul.
A ideia-emoçã o de cada uma dessas pessoas acima é diferente para a mesma palavra
porque suas vivências sã o diferentes. E diversa será ao correr da vida de cada uma.
Agora, vamos a uma palavra abstrata: amor. Será muito mais diferente em cada idioma,
além das vivências de cada pessoa em relaçã o a essa palavra.
Cada palavra, dita por cada pessoa, em dado espaço-tempo, é um ponto diverso dentro da
grande esfera.
Uma frase é uma uniã o de pontos. Vai diferir conforme falada por cada um, em cada língua,
em cada local, em cada época, para cada pú blico.
Imagine um discurso de Getú lio Vargas proferido em inglês logo apó s a tragédia das torres
gêmeas nos Estados Unidos. Teria o mesmo efeito que no Brasil em 1945?
Os contextos mudam. Os textos mudam. As ideias-emoçõ es mudam.
Quando traduzo Navio Negreiro, de Castro Alves, do século XIX, para os franceses do século
XXI, eles terã o que, no mínimo, conhecer aquele contexto político-social do Brasil com a
escravatura de pessoas afro-descendentes. Depois, o momento da vida do poeta condoreiro
para aquela poesia. No mínimo.
A traduçã o de um texto é a mudança dos pontos na grande esfera. Traduzir uma fala, um
texto, uma cançã o, é escolher entre passar o sentido, o espírito, a musicalidade, mais que
apenas substituir pontos na grande esfera.
Nas ciências exatas isso nã o muda. Cada civilizaçã o tem seus pró prios signos e sua pró pria
forma de trabalhar com eles.
Aliá s, quanto mais abstrato mais universal.

O PODER CORROMPE?
O que é o Poder, a princípio? É um estado de espírito, mais que uma posiçã o social, política,
religiosa etc. Um modo de se sentir acima de seus semelhantes, de seus pró ximos, de
determinadas convençõ es, leis, costumes.
O ser humano pode ter um grande poder e ser incorruptível!
Claro, desde que nã o tenham achado ainda seu preço.
Quando vemos altas autoridades, pessoas de grande riqueza, serem condenados por
corrupçã o, pensamos: ora, afinal a tentaçã o foi tã o grande que ela nã o pô de resistir... Se
fosse eu no mesmo lugar, resistiria?
Nã o há grandes ou pequenas corrupçõ es. Elas existem em todas as classes sociais, em todos
os níveis, da simples vontade de poder como substituta do ímpeto sexual até o poder
famélico, da pobre pessoa que se ascende sobre outras porque é ela que divide os pedaços
de pã o. Um pedreiro pode sentir que tem o poder na mã o e assim se sente no direito de
explorar e enganar seu cliente, seus empregados, da mesma forma que um advogado ou um
médico.
Quando uma empreiteira dá propina a um personagem do alto escalã o do Poder Executivo
do Estado, este se sente com poder para receber e aquela para dar. Ambos sã o tã o
corruptos como os exemplos do pará grafo anterior.
Todos somos corruptíveis; basta achar o preço de cada um.

NO PRINCÍPIO

No início, era o nada. Uma partícula indivisível em meio ao vá cuo. De uma explosã o do
infinitesimal nada criou-se o caos, que se expandiu em bolas de fogo. As maiores
transformaram-se em só is e estrelas, e as menores começaram a gravitar em volta delas.
Com o tempo, algumas se resfriaram e se tornaram planetas. Outas se mantiveram quentes
e gravitando, tornando-se cometas. Das que se resfriaram, as menores se tornaram
meteoros. As colisõ es se dã o quando as gravitaçõ es interferem umas nas outras.
Assim foi criado cada um dos universos.

DEIXAR-SE LEVAR

Quantas e quantas vezes deixei de comprar um livro ou um disco por causa de uma crítica
negativa...
Quantos livros comprei anos depois e me arrependi de nã o tê-los conhecido antes, por ter-
me deixado levar na juventude por uma crítica negativa em jornal ou revista...
Quantos discos desconheci, pela mesma razã o, e acabei descobrindo com prazer no
YouTube hoje em dia...
Ler críticas é bom para se estabelecer parâ metros, mas elas nã o sã o definitivas. Hoje vejo
youtubers comentando livros, discos, CDs, filmes, aparelhos eletrô nicos etc, mas nã o mais
me deixo levar pelas negatividades. Pelo contrá rio, acabo comprando o que nã o gosto, mas
isso é remediá vel, você pode sempre revender ou trocar. Ou doar, se nã o fizer muita
diferença.

APÊ NDICE: THE RUNAWAYS

Ainda neste, livro disse que essa banda, a primeira só de mulheres no rock, lançou apenas
um elepê.
Consultando esses dias o YouTube, percebi que estava muito errado. Há mais discos delas,
além daquele de 1976. Tive a oportunidade de ouvi-los.
Nã o sei porque, mas nenhum me pareceu tã o impactante quanto o primeiro. Sã o bons, é
verdade, mas têm mú sicas lentas, o que nã o existia no de estreia.
Vi um vídeo delas ao vivo no Japã o e descobri um quinto elemento, uma segunda
guitarrista. Parece que ela participou nas gravaçõ es de discos posteriores, nã o sei, mas nã o
precisava. No entanto, é muito comum vermos bandas de rock se apresentarem com
participaçã o de mú sicos contratados para dar mais preenchimento a seu som.
5fev2019.
SOBRE O AUTOR

Leopoldo Pontes nasceu às quatro e meia da manhã do dia quatro de abril de 1958, na cidade
de São Paulo.
No final dos anos 1970 e início dos 80, publicou por conta própria vários livretos de poesia, na
base do mimeógrafo e off-set.
Tem algumas premiações por contos, estadual e nacional.
Sua formação acadêmica inclui Jornalismo e Direito, além de uma pós-graduação em Língua
Portuguesa e Literatura.
É autor de mais livros publicados pela Amazon, incluindo os volumes um e três desta trilogia.

Contato com o autor: leopoldopontes@gmail.com

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AINDA CONECTADO
CIÊ NCIA E RELIGIÃ O
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OUTRO APÊ NDICE
dos princípios gerais das leis
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CREPÚ SCULO
O UNIVERSO MALEÁ VEL
O TREMA
TEORIA UNIFICADA
TOLERÂ NCIA RELIGIOSA
EVOLUÇÃ O E A DIALÉ TICA DA NATUREZA
REALIDADE OBJETIVA
SUBJETIVIDADE DA CIÊ NCIA
ROSAS DE OURO
A LÍNGUA PORTUGUESA
CONDIÇÕ ES PARA A LIBERDADE
O IDIOMA DE DEUS
A LÍNGUA DE ADÃ O
A DITADURA DA FELICIDADE
THE RUNAWAYS
O HOMEM FORMIGA
BOM-DIA, BOA-TARDE, BOA-NOITE
LIVROS INSPIRADORES
ANSIEDADE
LIBERDADE
PARTIDOS
O FIM DO LIVRO FÍSICO
FUMAR EM PÚ BLICO
AMANHECER
BRAZIL
OS NOVOS INTELECTUAIS BRASILEIROS
TECLADO NOVO
PERGUNTAS SEM RESPOSTAS
LIVROS QUE SE VÃ O
LEITURA SILENCIOSA
PRIMEIRO B.O.
ISRAEL
ELEIÇÃ O
LETRA E MÚ SICA
VIOLÊ NCIA CONTRA O HOMEM
HOMOFOBIA
OLIMPÍADAS 1972
PEPEU
SOBRE A TRADUÇÃ O
O PODER CORROMPE?
NO PRINCÍPIO
DEIXAR-SE LEVAR
SOBRE O AUTOR

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