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ISADORA KATHARINE SANTANA REIS

FICHAMENTO DE DIREITO URBANÍSTICO

PAULO AFONSO/BA
OUTUBRO/2021

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
CAMPUS VIII – PAULO AFONSO
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

O Plano Diretor Brasileiro à Luz do Direito Comparado

Inicialmente, cumpre esclarecer que o Plano Diretor despontou como grande novidade do
Capítulo da Política Urbana da Constituição de 1988. Nesta, ele constitui o “instrumento
básico” da política urbana e sua elaboração é obrigatória para as cidades com mais de
20.000 habitantes.

Contudo, apesar do seu conceito estabelecido no texto legal, ainda se busca uma
construção de uma interpretação adequada desse conceito, com a definição de seu regime
jurídico, torna-se, portanto, uma condição para a institucionalização do urbanismo
brasileiro. Nesse sentido, o direito comparado pode cumprir um importante papel
heurístico, ao revelar como os planos urbanísticos se inserem nos sistemas de
planejamento de cada país.

Outrossim, há três grandes modelos internacionais de sistema de planejamento urbano: o


norte americano, o britânico e o europeu continental, que devem vir a ser conhecidos,
uma vez que podem vir a representar um importante subsídio para a interpretação e
regulamentação do direito brasileiro.

Desta forma, o direito comparado apresenta-se como um grande manancial de


experiências e de soluções, notadamente em uma área ainda pouco consolidada como é o
direito urbanístico. Embora as sociedades e os ordenamentos jurídicos de cada país sejam
diferentes, a base tecnológica e os grupos de interesse são semelhantes, o que possibilita
uma comparação válida.

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No que concerne o Sistema Norte-Americano, cada Estado tem autonomia completa
para regular o urbanismo e para estabelecer unidades de governo local. Os Estados não
atuam diretamente na gestão do urbanismo, mas estabelecem, por meio de leis, as
condições sob as quais atuarão os governos locais. O instrumento central do urbanismo
norte-americano é o zoneamento, que consiste na divisão do território da cidade em zonas
e na especificação detalhada das atividades e das características físicas das construções
nelas permitidas, mediante índices urbanísticos.

Como manifestação do poder de polícia, as limitações ao direito de propriedade impostas


pelo zoneamento não podem ser “irrazoáveis, arbitrárias ou caprichosas”. Um tipo
particularmente condenável de zoneamento é o chamado spot zoning (zoneamento
pontual), que consiste na alteração de índices de apenas alguns poucos lotes, sem a
fundamentação em uma política pública.

Alterações pontuais do zoneamento são admitidas por meio de variances, que são
exceções concedidas administrativamente, a pedido do proprietário. As variances visam
atenuar situações de excessiva onerosidade para um determinado proprietário. Por sua
vez, a alteração do zoneamento pelo Legislativo só pode ocorrer no contexto de uma nova
política de ordenamento do território.

Já no que pese o Sistema Britânico, este é regido por uma lei nacional (Town and
Country Planning Act), que regula qualquer operação de development (urbanização),
tanto na área urbana quanto na rural. O urbanismo é gerido pelos governos locais, mas
estes são tutelados pelo governo nacional, que aprova os planos e pode revogar atos de
licenciamento.

O que singulariza modelo Britânico é o fato de não haver regras precisas sobre o que pode
ou não ser feito em cada terreno. Mesmo os local plans, que são os planos mais
detalhados, não chegam a estabelecer índices urbanísticos específicos para cada terreno.
Eles projetam o uso futuro de cada parte do território urbano, no sentido de seu
adensamento ou da realização de obras públicas, mas não fazem um detalhamento
quantitativo para cada lote.

Os projetos de construção de pequeno impacto são analisados discricionariamente por


técnicos do governo local. Os projetos maiores, pela comissão de urbanismo do

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Legislativo local. Em ambos os casos, deve-se levar em consideração os planos
urbanísticos existentes e as diretrizes do governo central. Além da simples aprovação ou
recusa de um projeto construtivo, o governo local pode aprová-lo sob condições. Nesses
casos exige-se do empreendedor que sejam feitas obras no entorno, para atenuar o
impacto da edificação sobre a infra-estrutura existente.

Por fim, no que diz respeito ao Sistema Continental Europeu, os países do continente
europeu apresentam um direito urbanístico codificado. Embora possa haver variações em
um ou outro aspecto, a semelhança entre todas as legislações é notável.

A característica básica do sistema continental é a estruturação de um sistema de


ordenamento territorial, em que os planos de menor abrangência territorial são mais
detalhados que os de maior abrangência, mas devem respeitar as diretrizes por estes
estabelecidas. O principal plano é o urbano, que abrange todo o território da cidade e é
detalhado por planos de bairro.

O plano urbano estabelece os índices urbanísticos, enquanto o plano de bairro apresenta


o desenho urbano a ser seguido, com o traçado do sistema viário e a localização precisa
dos equipamentos públicos e dos lotes.

Dito isto, a aprovação dos planos é feita por etapas. O processo tem início com a
elaboração de uma versão inicial do plano, elaborada por técnicos de diversos órgãos.
Essa versão recebe então a “aprovação inicial” do governo local e é submetida a um
período de consulta pública, durante o qual pode receber comentários e questionamentos
de qualquer cidadão. Em seguida, o governo local deve decidir se mantém o projeto ou
se promove alguma alteração.

A urbanização só pode ocorrer em áreas previamente definidas pelo plano urbano e


dotadas de plano de bairro. A aprovação do plano de bairro depende da existência prévia
de plano urbano. As edificações só podem ser construídas sobre áreas previamente
urbanizadas. Entretanto, na ausência de planos urbanísticos, a propriedade é regulada por
normas subsidiárias de planejamento, que fixam índices urbanísticos gerais e abstratos
para cada situação.

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Fazendo uma breve comparação entre os Sistemas supramencionados, infere-se que,
com relação aos instrumentos de ordenação territorial, o sistema norte-americano
apresenta-se como o mais fragmentado. As normas urbanísticas provêm de documentos
legais cuja aprovação se dá em separado. No sistema continental, os planos tratam de
todos os aspectos do ordenamento territorial, o que muda é a abrangência territorial e o
detalhismo de cada plano. Já o sistema britânico também se estrutura em planos
hierarquizados, mas estes são muito mais genéricos que os continentais.

Por fim, sobre o Plano Diretor Brasileiro em Perspectiva Comparada, depreende-se


inicialmente, que a prática institucional do urbanismo brasileiro não encontra paralelo em
nenhum dos países estudados. Até recentemente, a inexistência de leis federais ou
estaduais criou no Brasil uma situação sui generis, em que os Municípios operavam o
urbanismo sem qualquer institucionalização.

O modelo norte-americano influenciou fortemente a cidade de São Paulo, que por sua vez
serviu de modelo para muitos outros Municípios. Na maior parte dos Estados brasileiros,
a expressão “plano diretor” designa tradicionalmente um plano abrangente e sem
vinculação jurídica.

De outro lado, o Rio Grande do Sul e o Distrito Federal adotaram um modelo semelhante
ao continental. Seus planos equivalem à soma do mapa oficial e do zoneamento, ou seja,
tanto contém as obras projetadas quanto as normas de uso e ocupação do solo. Não há
uma separação entre plano diretor e lei de zoneamento, uma vez que as normas de
zoneamento são parte do plano, que assume um caráter auto-aplicável e diretamente
vinculante para o Poder Público e os particulares.

Ainda há, no entanto, uma grave omissão na legislação brasileira, que é a definição do
sistema viário. Em muitos Estados, ele não consta de nenhum documento formal, sendo
alterado sem qualquer transparência para a sociedade ou articulação com o planejamento
urbano. A inclusão do sistema viário no plano diretor é uma decorrência lógica do modelo
adotado no Brasil a partir da Constituição de 1988, que tem clara inspiração no sistema
continental europeu. Tal entendimento deve ser claramente consagrado na legislação
federal, mas pode ser desde já adotado, mediante uma interpretação sistemática do direito
brasileiro.

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