Você está na página 1de 5

98

3.5 Capítulo 5 – O Ordenamento Territorial Urbano e sua

constituição: uma avaliação dos


instrumentos urbanísticos

Que novas percepções e concepções assumiriam os instrumentos


urbanísticos que auxiliam as políticas de ordenamento territorial urbano
atualmente? Diante da obrigatoriedade de determinados instrumentos no
planejamento do desenvolvimento urbano, como estaria a sistematização de
cada instrumento na política urbana? Até que ponto a compartimentação de
leis e normas urbanísticas no país contribui para as irregularidades nas
intervenções urbanas?
O processo de redemocratização do país foi acompanhado pela
descentralização da competência do ordenamento territorial ao nível local. A
Constituição Federal de 1988 reconheceu a importância da esfera política local
na elaboração dos planos urbanísticos e todo o aparato necessário ficaria a
cargo do próprio governo local. De modo a desonerar o governo federal e
descentralizar competências pelas instâncias do governo, o ordenamento
territorial urbano foi reconhecido como de principal competência do governo
local.
Embora a última constituição federal no art. 24 tenha determinado a
todas as instâncias do governo a competência de legislar sobre o urbanismo,
os municípios assumiram de vez o principal papel de planejamento local.
Percebe-se que na constituição federal, a política de desenvolvimento urbano
reduziu ao papel político do plano diretor a competência de ordenar o território
urbano; e ao Estatuto da Cidade de 2001 a competência de precisar os
instrumentos considerados adequados ao ordenamento do desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana segundo diretrizes
gerais.
No contexto de descentralização das atribuições entre os níveis do
governo, o ordenamento territorial urbano seria o reflexo do ordenamento
territorial nacional e regional refletido no local. Ao ser designada a política de
desenvolvimento urbano aos municípios o ordenamento territorial urbano teria
no plano diretor seu principal instrumento de política urbana para estabelecer a

[Digite texto]
99

função social da propriedade urbana, as diretrizes de uso, domínio,


zoneamento e ocupação do solo visando os princípios da sustentabilidade e do
bem-estar de seus habitantes.
Ordenar o território local no contexto político e cultural ocidental
constitui-se em ações que se expressam no urbanismo. No caso, trata-se do
ordenamento restrito à menor unidade territorial-político-administrativa que é o
município, e que se legitima pelos instrumentos legais e instituições locais. O
ordenamento territorial urbano implicaria numa lógica de apropriação e de
domínio do espaço a partir da relação física dos objetos naturais e/ou sociais
com a funcionalidade do território, visando o bem-estar da sociedade.
A ordem estabelecida em um território urbano seria mutável porque
simboliza a síntese dos hábitos, culturas e influências políticas da sociedade de
um determinado contexto histórico. Sendo assim, determinadas heranças de
objetos naturais e socialmente construídos poderiam se tornar obstáculos para
as novas adaptações do espaço ao processo contínuo de expansão do tecido
urbano, em vista das novas tecnologias e dos novos arranjos territoriais. O
ordenamento territorial imporia constantes adaptações do espaço urbano à
realidade das relações de uma determinada sociedade e à sua funcionalidade
integrada.
O ordenamento territorial urbano necessitaria de um acordo simultâneo
entre planejadores e juristas para que efetivamente o controle do uso do solo e
o combate à especulação fossem rigorosos e limitadores à expansão urbana
desordenada e priorizassem a socialização do solo urbano. O zoneamento
contribuiria para limitar a economia liberal e evitar um fracionamento excessivo
do espaço urbano e a implantação dos equipamentos urbanos. Por exemplo:
habitação não deveria se restringir à habitação familiar corrente (coletivo,
individual ou de função), mas à habitação de solteiros (trabalhadores, jovens,
estudantes, anciões), à habitação das comunidades (hospício, comunidades
religiosas, hospitais, etc) e à habitação de população marginal (alunos internos,
enfermos em tratamento, militares, etc) como uma visão mais rigorosa das
necessidades locais com base nas heterogeneidades dos grupos sociais a ser
consideradas pelos planejadores urbanos e apreciadas pelos juristas
especializados em leis urbanísticas (Labasse, 1960),.

[Digite texto]
100

O ordenamento territorial local expresso no urbanismo teria na figura dos


códigos de postura, de obras e de urbanismo 28 os primeiros instrumentos que
legitimariam intervenções do governo e da sociedade local até o plano diretor
territorial como instrumento de planejamento físico, econômico e ambiental que
dispõe de usos do solo e atividades, localização das estruturas e dos sistemas
que possibilitariam uma maior integração funcional de todo o território
planejado.
Para alcançar o bem-estar da população relacionado à funcionalidade do
território, muitos aspectos se inserem no ordenamento do território urbano,
como tempo de locomoção entre domicílio e trabalho, acessibilidade à rede de
transportes, condições de habitabilidade, opções de lazer, opções de cultura e
consumo, saúde e educação, proteção ao meio-ambiente, entre outros que se
tornam verdadeiros desafios ao governo em ofertá-los nos grandes centros
urbanos. Somam-se a esses, outros aspectos relacionados à funcionalidade do
território como o número de transportes intermunicipais e inter-regionais e o
tempo de locomoção assim como a infraestrutura em geral relevante ao
ordenamento territorial urbano.
O ordenamento territorial urbano tem por objetivo a funcionalidade do
território e o bem-estar da população. Sendo assim vários temas devem ser
incluídos no processo contínuo e dinâmico do ordenamento territorial
multidisciplinar e integrados às escalas regionais e nacionais, tais como o
adequado uso e controle do solo urbano, o controle dos recursos hídricos, a
disposição estratégica dos equipamentos, bens e serviços urbanos, política
habitacional e saneamento, entre outros. O ordenamento territorial urbano deve
contar com uma estrutura de órgãos de planejamento integrados e
competentes do governo, capazes de conciliar interesses públicos e privados
sintetizados pelas comissões locais numa abordagem global, a longo prazo.

28
O código de urbanismo seria um dos primeiros textos de ordenamento territorial urbano aos planos
nacionais e locais referindo-se a gestão e equipamentos do solo. O aporte técnico do código de
urbanismo é fundiário e os princípios jurídicos são fundamentados sobre os direitos de propriedade
imobiliária. Seu propósito é político e social desde a matriz fundiária, o planejamento de seu uso a fim
de promover condições de vida conforme algumas normas e necessidades do momento. Atualmente, o
código de urbanismo ou de obras encontra-se compartimentados em leis de regulamentação e de
direitos novos de utilização do espaço e de ocupação dos solos.

[Digite texto]
101

Teoricamente, o código de urbanismo inspiraria a política nacional de


ordenamento territorial e preveria o desenvolvimento ao plano local. O código
de urbanismo refletiria o contexto histórico e político do momento em que foi
elaborado, necessitando de constantes adaptações à própria dinâmica do
espaço em construção. O código de urbanismo deveria dar as diretrizes ao
governo e à sociedade organizada local, com uma visão nacional do
ordenamento das condições de vida, de gerir o solo de modo econômico, de
assegurar a proteção dos meios naturais e sociais e de promover o equilíbrio
entre as populações residentes das zonas urbanas e rurais, de harmonizar os
conflitos de interesses das sociedades organizadas respeitando a
reciprocidade de suas autonomias, suas previsões e suas decisões de
utilização do espaço.
No Brasil, é de desejar que se chegue a um código de urbanismo que
agregue as leis e normas urbanísticas. Código de posturas, código de obras,
leis e normas urbanísticas encontram-se divididas e até desconexas uma das
outras. Tal situação de certa forma permitiu ao longo dos anos que muitas
ações e intervenções ocorressem à margem da legalidade e contribuíssem
para um quadro complexo para as políticas de ordenamento urbano.
Os conceitos e princípios do ordenamento territorial urbano devem se
estender e se relacionar aos atos concretos da administração pública local
como uma nova forma de gestão pública do espaço urbano. As reformas na
administração pública deveriam absorver conceitos e princípios do
ordenamento territorial urbano, e pô-los em prática legitimados pelas novas
normas de utilização do território definidas pela sociedade organizada local ou
por um órgão ou entidade pública de cooperação intermunicipal, tanto nas
zonas urbanas e rurais, relacionadas à adaptação do espaço urbano às novas
tecnologias, implantação de novas redes de transportes e comunicações,
promoção de habitações, de serviços sociais, de comércios, de financiamento,
investimentos e empréstimos, de lazer e de turismo, organizações dos serviços
públicos, localização de empresas, de valorização do patrimônio construído e
não construído e dos espaços naturais, etc.
Do código de urbanismo até o plano diretor de desenvolvimento
territorial, os instrumentos urbanísticos não seriam suficientes no ordenamento
do território urbano em vista da dinâmica das relações sociais e adaptações do

[Digite texto]
102

espaço às novas tecnologias, embora assumissem papel fundamental no


controle do solo e na qualidade de vida de seus habitantes. No entanto, ao
longo dos anos, o governo local não dispõe dos mecanismos de ordenamento
territorial urbano, que busquem consenso no conflito entre os interesses de
cidadãos e empresas e baseiam-se principalmente nos fluxos de recursos
financeiros disponíveis estabelecidos entre o governo e os estabelecimentos
financeiros, que definem regras no código de urbanismo e os meios de obrigá-
las a serem cumpridas acabando por ordenar indiretamente o território local.
É necessário, no entanto, que os instrumentos urbanísticos sejam
acompanhados por avanços jurídicos, institucionais e administrativos para que
de fato, ordenar o território se torne realidade. O desafio de ordenar novos
arranjos territoriais impõe novos pactos territoriais e profundas reformas
jurídicas, institucionais e administrativas, principalmente na proposta de
desenvolvimento das metrópoles.

[Digite texto]

Você também pode gostar