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CAPITULO 3 A REPRESENTAÇÃO

DO ESPAÇO

Um dia. por volta dc 1435, um certo G utenbcrg, dc M ainz,


teve a idéia de gravar em pedacinhos de m adeira as letras do
alfabeto; em seguida, as justapôs para formar palavras, linhas,
frases c páginas. Inventou a im prensa, e. ao fazê-lo. abriu o
mundo das obras poéticas e dos escritos literários, até entào pro­
priedade e instrumento de uma restrita classe de intelectuais, às
massas populares.
Em 1839, um tal Daguerrc aplicou os seus conhecim entos
fotoquímicos para reproduzir as imagens de um objeto. Inventou
a fo to g rafia e m arcou a passag em de to d as as ex p e riê n c ia s
visuais, hum anas e artísticas, do plano aristocrático, do plano
das poucas pessoas que podiam pagar a um pintor para que as
retratasse ou podiam viajar para estudar as obras pictóricas e
escultóricas, ao plano coletivo.
Edison, em 1877. inventou um aparelho cilíndrico e conse­
guiu, pela primeira vez. *.{-istrar os sons numa lâmina de esta­
nho. Q uarenta e três anos mais tarde. em 1920. realizava-se a
primeira transmissão radiofônica. A arte musical, até entào à dis­
posição exclusiva de limitados grupos de conhecedores, difun­
diu-se entre as massas com o fonógrafo e o rádio.
Assim, num contínuo progresso científico e técnico dedicado
ao enriquecimento do patrimônio espiritual de um sempre cres­
cente número de homens, a poesia e a literatura, a pintura, a es­
* ) SABER VER A ARQUITETURA

cultura c a música encontraram os m eios para um a difusào em


Crande escala. Como a reprodução so n o ra atin g e, atualm ente,
quase a perfeição, a fotografia em c o re s fa z prever, den tro de
alguns anos. uma nítida elevação da ed u cação crom ática, ainda
muito inferior à média dos conhecim entos de desenho e com po­
sição.
Mas. em todo esse processo, a arqui tetura m antém -se isolada
c só. O problema da representação d o esp aço , longe de ter sido
resolvido, ainda nem foi colocado. P o r nào term o s até agora a
definição exata da consistência c do caráter do espaço arquitetô­
nico. faltou a exigência dc rep resen tá-lo e d ifu n d i-lo . Por essa
mesma razão, a educação arquitetônica é totalm ente inadequada.
Como já vimos, o método de representação dos edifícios que
encontramos aplicado na m aioria das histórias de arte e da arqui­
tetura serve-se de: a) plantas, b) elevações e cortes ou seções, c)
fotografias. Já afirmamos que. isoladam ente e no seu conjunto,
esses instrumentos são incapazes de rep resen tar com pletam ente
o espaço arquitetônico, mas é útil aprofundar o assunto porque -
se até agora não temos à nossa disposição m elhores m eios repre­
sentativos - a nossa m issão é estudar a técnica dc que dispomos
e tomá-la mais eficiente. Se nào existe um a m aneira satisfatória
de representar as co n cep çõ es e s p a c ia is , h á. sem d ú v id a, uma
problemática dos meios que possuím os. T ratem os de discuti-la.
a) AS PLANTAS. Já d issem o s q u e são u m a c o isa abstrata
porque estào completamente fora de to d as as concretas experiên­
cias visuais de um ed ifício . N ão o b s ta n te , a p la n ta ain d a é o
único meio com que podem os ju lg a r a e s tru tu ra co m p leta de
uma obra arquitetônica: todo a rq u iteto sabe q u e a planta é um
elemento que. m esm o não sendo p o r si só su ficien te, tem uma
acentuada procm inência na d e te rm in a ç ã o d o v a lo r artístico .
Quando Le Corbusicr fala do plan génératcur . ele nào contribui
para o progresso da com preensão da arq u itetu ra, antes gera nos
seus seguidores um a m ística da “e s té tic a d a p la n ta ” que não é
muito menos formalista do que a estética m ural das beaiix-arts :
contudo, ele denuncia um a “ realid ad e". A s p lan tas ain d a hoje
são um dps meios fundamentais da representação arquitetônica.
Mas podem ser melhoradas?
A REPRESENTAÇÃO 0 0 ESPAÇO 31

f>q 1 - M<helangek> projeto da Bov < j de Sòo Pedro, em Roma (c 1520). Planta (iegufxJo
Bonanm). Ver Quadro 19

Tom emos por exem plo a planim etria feita por M ichclangclo
de S. P edro, em R om a, M uitos livros reproduzem a p la n ta de
Bonanni (Fig. 1). em parte pela moda esnobe do desenho antigo e
arc a ic o - m od a q u e. e s p e c ia lm e n te nos tem as h is tó ric o s da
urbanística, colabora grandem ente para reforçar a confusão do
público - , em parte, porque os seus autores não se preocupam
cm investigar a problem ática das representações arquitetônicas.
A pesar disso, nenhum a pessoa de bom senso poderá dizer que
essa é a m elhor represen tação da concepção espacial de B uo-
narroti para um jovem que se inicie no estudo da arquitetura, ou
para um leito r leig o q u e n atu ralm en te ex ig e que o crític o e o
historiador lhe facilitem a tarefa de aprender os valores da ar­
quitetura.
32 SABER V£R A ARQU^ETURA

Nessa planta, exislc. antes de mais nada. um a ostentação de


detalhes, uma indicação minuciosa de iodos os pilares e curvas,
que poderá scr útil numa fase posterior da ilustração crítica (ou
seja. na fase em que devemos verificar sc o tem a espacial tem
um prolongamento coerente no tratamento plástico do invólucro
mural e na decoração), mas que confunde agora, neste primeiro
momento crítico em que todo o esforço é dedicado à ilustração
da essência espacial da arquitetura.
Um professor de história da literatura não entrega aos alunos
uma edição completa e desprovida dc notas da Divina Comédia .
dizendo: “Eis a obra-prima - leiam e adm irem." Há todo um pre­
paro prévio para a leitura do poema, durante o qual aprendemos
os temas dantescos nos vários resumos que deles fazem os textos
literários, e nos habituamos à linguagem do poeta através dos
cantos e fragmentos reproduzidos nas antologias. A didática lite­
rária dedica uma considerável parte do seu trabalho à sim plifica­
ção da matéria, enquanto a didática arquitetônica, dirig id a ao
grande público, ainda ignora, em grande parte, o problema. Nào
é certamente necessário fazer resum os de um so n eto da Vita
Nu ova, de uma poesia lírica ou de um fragm ento poético; do
mesmo modo, uma vivenda ou uma pequena casa de cam po nào
requer uma simplificação da planta. Mas o S. Pedro de Miche-
langelo é uma obra complexa como a Divina Comédia , e nào sc
compreende por que m otivo é aceitável d ed icar três anos de
estudo para analisar e depois apreciar a Comédia dantesca, e se
deve liquidar S. Pedro num rápido esboço feito durante uma aula
sobre a arquitetura do Cinquecento. A desigualdade que existe
entre o tempo dedicado às artes literárias c o em pregado na ilus­
tração da arquitetura não tem qualquer ju stific a tiv a crítica (é
necessário mais tempo para com preender S a n flv o alia Sapien-
za. de Borromini, do que os Noivos de M anzoni) e tem com o
última conseqüência a nossa geral falta dc conhecim entos e s ­
paciais.
Antes dc representar um a trag éd ia, os g reg o s ou v iam seu
argumento, resumido num prólogo, c acom panhavam assim o
desenrolar da ação sem o elemento dc curiosidade pelo conteúdo
que é estranho à serenidade da contem plação c da apreciação
Quadro 3 Oi joçoi vo-w tncos na npm entaçào fotogrêtea

PQnaantenor
Uoyd Wr^ht Cdtoo da «Jrrvm v*»o da S C Johnson. em Rac*n*. Wisconsm
(1936-1939)

£mc*na
B*sÉ<a de San» Antônio, «m Pàdua (sécs. xa-JOV)

On» tfrw <fe fotografai uadas d t pontos dM cntcs, proporciona os efeitos vo/umétncos da arquitetura No entanto, o
nsnimtoio mao «feQux*> para a repo?«r>taç5o voíumétnca ó o cinema.
< * * '» to Os figos vobm éwos m n fim tn u ç io ta o g c t/ia
Pty» anttnor;
* * * * * S*> Marco «m Veoew (s«s X-XJV). Para a praça, v*r Quadro 4
frncmj
< ~ * m !«'*?<. ( M im a m C o r o ( 1936-1937)
Quadro 4 O « a k o mtenor n j representàçio foiogrêfca

Pfyn» àntcoor
fftrk Uoyd Wngrtt Ediftoo ds administrado da S C Johnson, em Raone. W*cons»n
(1936-1939)

lmama
Praça de S4o Marco. em Veneza (sí< XV). Ver Quadro 3a

A/em mamo cem tocgraftas podem dar a seroaçio dos V a / o s d o espaço inicnor. protàgonrstJ da argurt*ft*a Atodi
pu* se frafe apenas de oma saia de um edfioo complexo ou de uma praça - um entre os mtwfos epoôdxn da na^raír.j
dí odtcfe 0 prtçno cmemj é meapa/ de representar perfeitamente o espaço interior
Qu»dro 4« O «***<> rffer*y n* repreínr-t^io fotOÇriÍKé

Pàpnòdoffoor
«ep o fcune#eschi igreja de Santo Sp*ito. em Fkxença (mjciad* em 1444) Aspectos do tfitefcr Vw ftq 22 e Qu*fro 11

E m am i
le Corbusuf e P Jeweret Vtfi S * o * . em Possy (1928-1930) Aspectos do «tenor
f*) 26 e Quadro 15
A REP*£S£NTA<;A0 0 0 ESPAÇO 41

f>gv 2 e 3 - A planta <Jj F qufá 1. vm píif<ada. e ie v neçat/vo 1 o io g 'if< o

estética; aliás, conhecendo o tem a. a essência do dram a, p o ­


diam apreciar melhor a realização artística, o valor de todos os
porm enores e de cada ad jetiv o . Na ed u cação arqu itetô n ica,
ainda que estejam os lim itados ao único m eio representativo
das plantas, o método do resumo gráfico é importante: a síntese
an teced e a an álise, a e stru tu ra an teced e os aca b am en to s, o
espaço antecede as decorações; para propor a um leigo a com ­
preensão de uma planta de M ichelangelo, o processo crítico
deve ser feito no mesm o sentido em que M ichelangelo desen­
volveu sua criação. A Fig. 2 propõe um resumo da planta da Fig. 1,
segundo uma interpretação que é inevitável cm todos os resu­
m os; é possível delinear cem interpretações m elhores, m as o
im portante é que todos os historiadores de arquitetura conside­
rem com o sua tarefa desenvolver este trabalho interpretativo
de simplificação.
Vamos focalizar agora um ponto muito mais substancial. As
paredes assinaladas em preto na planta separam o espaço ex te­
rior ou urbanístico do espaço interior mais propriam ente arqui­
tetônico. De fato. todos os edifícios cortam bruscamente, inter-
4 2 S A W R V ÍR A A R Q U IT E T U R A

csn acial. de m an eira que o hom em ,


rompem a con^of ^ ^ vef |udo „ lluc csUÍ for;l do invó.
estando no i Assim. cada edifício co lo ca um limite
IUC^ T n; l vI uai e esp acial do o b se rv a d o r. M u ito b em . o
•' llb " ? nJtc\ essência da arquitetura c. portanto, o que se deve
imw?nhTr na w a representação em planta não é o lim ite posto à
Ubcrdade espacial^m as es,a liberdade d e lim ita d a , d e fin id a e
poienciada entre as paredes. Tal com o a Ftg I . a Fig 2 coloca
ern evidência a massa construtiva. isto é. os im ites d o espaço,
os obstáculos que determ inam o perím etro d as p o ssib ilid ad es
visuais, mas não re p re se n ta o " v a z io " p o r o n d e a v is ã o se
oraia c na qual se exprime o valor da criaçao de M ichelangc-
lo Se o preto tem maior atração ó p tica d o que o b ran co , estas
duas representações planim étricas parecem , ã p rim eira vista, o
contrário, os negativos fotográficos de um a rep resen tação es-
pacial adequada.
Na verdade, nào se trata de p o sitiv o s ou n eg ativ o s, m as de
um cno. Sc. de fato. observarm os a Fig. 3. que é o negativo da
Fig. 2. verificam os que nos en co n tram o s na m esm a situ ação
anterior, cm destaque estão ainda as paredes, os lim ites, a m ol­
dura do quadro c não o próprio quadro. E por quê? Pela sim ples
razão de se dar uma equivalência de rep resen tação ao esp aço
exterior c ao interior, quando, na realidade, entre esses dois espa­
ços existe uma contradição perem ptória e absoluta, de tal forma
que ver um deles significa excluir o outro.
A essa altura, o leitor já com preendeu aonde se quer chegar, e
nas Figs. 4 e 5 encontrará as rep resen taçõ es p la n im ctricas da
concepção de Michelangelo. A Fig. 4 dá a cspacialidade interior
da igreja no nível do espectador, isto é. apresenta todo o espaço
do ambiente em que o homem cam inha. A Fig. 5 dá. ao contrário,
o espaço exterior tal com o está definido pelos m uros d a basílica
e. naturalmente, possui um valor bastante inferior, porque a rea­
lidade do espaço urbanístico não se co n cretiza em torno de um
único edifício, mas nos vazios lim itados p o r todos o s elem entos
murais e naturais que o definem.
É evidente que m esm o aqui nos e n c o n tra m o s num cam po
interpretativo que permite, com m aior reflexão, notáveis melho-
A R ÍP R ÍStN T A Ç A O D O f SPAÇO 43

F.çi 4 c 5- o e sp ^ o intenor e o «íc s k o <uter«f da Fiçur* 1

rias. A Fig. 4. sobretudo no que diz respeito ao anonimato da Fig.


1. pode nos surpreender, mas não nos satisfaz. Uniformizando na
mancha negra todo o “vazio", não exprime a hierarquia altimétri-
ca dos diversos vazios. A rigor. erra. ao representar, m esm o em
tracejado, o espaço do pórtico que não p ode ex istir ao m esm o
tem po que o espaço da igreja; logo d ep o is identifica o espaço
determ inado pela altíssima cúpula central com os definidos pelas
quatro pequenas cúpulas dos ângulos c pelos corredores e nichos.
A Fig. 4 seria aceitável se a altura da basílica fosse toda igual; mas.
uma vez que os desníveis são acentuados c de importância decisi­
va no valor espacial do edifício, é necessário tentar, m esm o na
planta, projetar suas formas. Em alguns livros encontra-se a Fig. 6
com a projeção das estruturas fundam entais em que se articula o
conjunto da igreja; é. certam ente, um passo à frente em relação à
Fig. 1, ainda que conserve todos os defeitos notados a respeito das
Figs. 2 e 3 .0 juízo interpretativo tom a-se por isso mais complexo.
Pensando bem . a m esm a afirm ação de antítese entre espaço
exterior e interior ilustrada nas Figs. 4 e 5 parece um pouco axio-
4 4 $ A B £ * V lR A A f iO U < T n u a A

Figi 6 e 7 - A pl»nu da F ^ a 1 com a p ro ^ io d « «truturas e uma interpretação « p a c *1

mática e polemica. Michclangelo nào concebeu, separadam ente,


primeiro o interior da basílica e depois o exterior: cie criou todo o
conjunto de S. Pedro ao mesmo tempo, c se 6 verdade que a visão
do espaço interior exclui a do espaço exterior, também é verdade
que existe a “quarta dim ensão", o tem p o d o s p o n to s de vista
sucessivos, e que o caminhar do homem nào se dá apenas no inte­
rior ou no exterior, mas consecutivam ente num e noutro. Nas
obras edificadas por camadas sucessivas, cm épocas diferentes, e
por vários arquitetos, onde um tenha criado o interior, outro as
fachadas, poderá ser legítima a diferença e a antítese estabeleci­
das nas Figs. 4 e 5. Mas nas concepções unitárias existe um a coe­
rência. uma interdependência e diria m esm o quase uma identida­
de entre espaço interior c volumetria - por sua vez, fator do espa­
ço urbanístico - criados e definidos sim ultaneam ente por uma
mesma inspiração, um mesmo tema. um m esm o artista.
Entramos então a fundo na pro b lem ática da representação
planim étrica do espaço. Um au to r p o d e rá a c h a r q u e o m ais
importante a realçar é a forma cm cruz d a igreja, e desenhará a
planta da Fig. 7; outro julgará oportuno sublinhar a predominân-
A REPRESENTAÇÃO D O ESPAÇO 45

F'<jv 8 c 9 - Dudi outra* mtCfprettçOts eipaoas da planta da Bav’<a dc Sao Pedro, de


MKheiançeto

cia arquitetônica da cúpula central e o percurso m arcado pelo


quadrado dos corredores, produzindo a interpretação da Fig. 8;
um terceiro dará maior valor às quatro cúpulas e às abóbadas, c
apresentará a Fig. 9. Cada uma dessas interpretações exprim e
um elem ento real do espaço desejado por M ichelangelo; cada
uma delas é em si insuficiente. Mas se a investigação nos proble­
m as da rep resen tação do esp aço se ap ro fu n d a neste sen tid o ,
podemos ter certeza de que. mesmo que ninguém consiga encon­
trar um m étodo para ex p rim ir adequadam ente em planta uma
concepção espacial, com essas tentativas parciais c com a d is­
cussão sobre elas. poder-se-á ensinar a com preender o espaço, a
saber ver a arquitetura m elhor do que descuidando do problema
e limitando-se a reproduzir a Fig. 1.
b) AS FACHADAS. O raciocínio que se desenvolveu em rela­
ção às plantas repete-se. simplificado, para a representação das ele­
vações. No fundo, trata-se aqui de reproduzir um objeto que tem
duas ou. no máximo, três dimensões. Todavia, se percorrermos os
livros de arquitetura, encontrarem os, grandem ente difundido, o
« S M t R V j íA A R O U f T ÍT U H A

linear como. p or exemplo, na fachada do Palazzo


método gráfico■ . )()) qu nQ
Famcsc. h L»■ de p U . w rig h t (Fig. 11). Pode-se imaginar
(Casa atlo e m ais contraproduccnie?
um métooo i do palazzo Fam ese nos encontram os diante
C° n\h rP. meramente mural. Duas dim ensões apenas. O único
T W oortanto é exprim ir a diferente co nsistência e o dife-
pr°í> tra u de permeabilidade à lu /.d o s m ateriais: reboco, pedra.
*!! ^vi/ios A Fic 10 ignora por com pleto o problem a, identifi­
c a d o s os materiais, equipara até m esm o u m a parede lisa com o
« naco que delimita o edifício c com os vaos das janelas. Fala-se
S o de cheios c vazios, não obstante esse tipo de desenho ser
S a apontado com o exem plo de clareza. R ecusam os o esboço
n locentista a representação pictórica e cen o g ráfica dos edifícios.
cm favor de uma maior exatidão de relevo: m as vam os caindo na
moda de uma grafia abstrata, d ecid id am en te antiarquitetônica.
Aliás visto tratar-se de um problem a essen cialm en te escultóreo.
lal representação eqüivaleria à que. para reproduzir um a estátua,
colocasse em destaque linear apenas os seus contornos.
Quando depois passamos à Fig. 11. isto é. a um edifício, cuja
estrutura não está encerrada dentro de um ;i form a estereom étrica

UrW c 0 W <hcUnge!o t « K *)a do P a t o o Farne», cm Roma (IS IS -


1S30) Dewnho de letarou>9y Ver Quadro 2
A REPRESEí í TAÇAO 0 0 ESPAÇO 47

Fig 11 - Frank lloyd Wnght fachada de Fa l ng Water. em Bear Run. Peny>vân«a (1936) W
Quadro 2

sim ples, m as se ex p an d e com form idável riqueza de conjunto


em relevos e reentrâncias, em planos que se libertam no vazio e
se cruzam no espaço, esse m étodo de representação é sim ples­
m ente ridículo: nem um leigo, c nem m esm o o arq u iteto m ais

- - ------------------------------------------------------------------- --- ------------------------------- — ..............................


t u iA à A ^ iit x it it L n u u n iii. - iu a a a u u i t n ^ u u i i i m u f l i i j a :i i i ;i n j ,i i i .u a .n i » ,i

■ li.™ ja .~ o. — ■

T M S aC T A V

1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 ( 1 1 1 I I I I I i 1111

F*g. 12 - Negativo fotogrâf<o da Figura 10


Fig. 13 - Uma interpretação da Figura 10

habiluado a ler num desenho a imagem de uma Concepção arqui­


tetônica, poderia compreender, por esse prospecto, com o é feita
a Falling Water.
Como vimos ao tratar de plantas, tampouco serv e para as facha­
das fazer o negativo do desenho. A Fig. 12. negativo da Fig. 10.
apresenta os mesmos defeitos desta. É preciso chegar a algo seme­
lhante à Fig. 13, que destaca a materialidade do edifício do céu que
o circunscreve, diferencia das paredes os vazios mais transparentes
das janelas, marca uma diferença entre os diversos materiais.
E quanto à Falling Water? No desenho da Fig. 11, nada há a
fazer. Pôr claro-escuro nos vazios e cheios seria absurdo neste
jogo volumétrico: a Fig. 14 nào é menos im potente do que origi­
nal. É evidente que essa técnica de d esen h o é ab solutam ente
incapaz de representar o s conjuntos arquitetônicos com plexos,
quer sejam a Catedral de Durham ou um a igreja de Neumann ou
um edifício de Wright. Onde o invólucro mural não se divide em
planos, em paredes simples e autônomas entre si, mas é projeção
do espaço interior, ou seja, cada vez que este invólucro sugere
temas predominantemente volum étricos, a técnica representati­
va deve ser substancialmente diferente. Encontram o-nos diante
de um fato meramente volum étrico-plástico que apenas com a
tecnica dos esboços pode ser representado. A evolução da eseul-
A REWESENTAÇÀO D O ESPAÇO 49

ftg 14 - Uma <nt<ypfetdç3o da F:gura 11

lura moderna, as experiências construiivistas. neoplásticas e cm


parte futuristas, as pesquisas sobre o acoplamento, a ju stap o si­
ção e a interpenetração dos volumes nos fornecem os instrum en­
tos necessários para essa representação.
Ela <5 com pletam ente satisfatória? Não diríam os tal coisa: a
modelagem revela-se muito útil. deveria ser amplamente aplica­
da no ensino da arquitetura, mas não pode satisfazer plenamente
porque om ite um fator-chave de toda co n cep ção e sp acial: o
parâm etro humano. Para que a representação plástica fosse per­
feita. seria necessário supor que uma com posição arquitetônica
tivesse valor apenas pelas relações existentes entre as diversas
partes que a com põem , independentemente do espectador; que.
por exem plo, se um palácio é belo. se possam reproduzir seus
elem en to s na su a ex ata p ro p o rção , red u zin d o -o s, p o rém , às
dim ensões de uiií móvel e obter um belo móvel. O que é obvia­
mente absurdo: o caráter de toda obra arquitetônica é determ ina­
do. quer no espaço interior, quer na volum etria das paredes, por
um elem ento fundam ental, a escala . isto é, a relação en tre as
dimensões do edifício e as dim ensões do homem. Todos os pro­
dutos de arquitetura são qualificados por sua escala, e p o r isso
não só as m aquetes plásticas não são suficientes para representá-
los. com o tam bém q u alq u er im itação, q u alq u er trad u ção dos
50 SABER VER A ARQUITETURA

-us ^cursos decorativos c dos seus temas compositivos cm con­


juntos diferentes - existe todo o ecletism o oitocentista para
d -monstrar i s s o - resulta pobre e vazia, triste paródia do original.
c) AS FO T O G R A FIA S. Resolvendo em grande parte os pro­
blemas da representação de três dimensões, e por isso os proble­
mas da pintura e da escultura, a fotografia cumpre a importante
missão de reproduzir fielmente tudo o que existe de bidimensio­
nal e tridimensional na arquitetura, ou seja. todo o edifício menos
a sua essência espacial. As vistas fotográficas dos Quadros 2 e 2a
exprimem bem o efeito do invólucro moral de Palazzo Famesc e
de Falling Water. quer sejam os elementos de superfície do pri­
meiro edifício ou os valores volumétricos do segundo.
Mas. se, como já esclarecemos, o caráter primordial da arqui­
tetura é o espaço interior, e se o seu valor deriva do viver sucessi­
vamente todas as suas etapas espaciais. é evidente que nem uma
nem cem fotografias poderão esgotar a representação de um edi­
fício. e isso pelas mesmas razões pelas quais nem uma nem cem
perspectivas desenhadas poderiam fazê-lo. C ada fotografia
engloba o edifício de um único ponto de vista, estaticamentc, de
uma maneira que exclui esse processo, que poderíamos chamar
musical, de contínuas sucessões de pontos de vista que o obser­
vador vive no seu movimento dentro e ao redor do edifício. Cada
fotografia é uma frase separada de um poema sinfônico ou de um
discurso poético, cujo valor essencial é o valor sintético do con­
junto (v. Quadros 3 .3a; 4 .4a).
A fotografia tem muitas vantagens cm relação às maquetes
porque (sobretudo se compreende uma figura humana) dá o sen­
tido da escala do edifício; por outro lado, tem a desvantagem de
nunca apresentar, nem mesmo com as vistas aéreas, o conjunto
completo de um edifício.
No último decênio do século passado, as pesquisas de Edison
e depois as dos irmãos Lum ière levaram à invenção de uma
máquina fotográfica munida de um engenho capaz de fazer cor­
rer a película após cada impressão e dc estabelecer assim uma
continuidade visual nas sucessivas tom adas. A descoberta da
cinematografia é altamente importante para a representação dos
espaços arquitetônicos porque, se bem aplicada, resolve pratica­
A representação d o espaço 51

mente todos os problemas colocados pela quarta dimensão. Sc


percorrerm os um edifício com uma filmadora c. cm seguida,
projetarmos o filme, reviveremos os nossos passos c uma grande
parte da experiência espacial que os acompanhou. A cinemato­
grafia está entrando na didática, c é preciso ter em mente que,
quando a história da arquitetura for ensinada mais com o cinema
do que com os livros, a tareia da educação espacial das massas
será amplamente facilitada.
Plantas, fachadas e seções, maquctcs e fotografias, cinemato­
grafia: eis os nossos meios para representar os espaços, cada um
dos quais, uma vez compreendido o sentido da arquitetura, pode
ser investigado, aprofundado e melhorado; cada um dos quais
traz uma contribuição original c deixa aos outros preencher as
eventuais lacunas. Sc. como os cubistas pensavam, a arquitetura
pudesse definir-sc nas quatro dimensões, teríamos os meios ade­
quados para uma perfeita representação dos espaços.
No entanto, a arquitetura, como já concluímos anteriormente,
tem dim ensões que ultrapassam as quatro. A cinem atografia
representará um, dois, três caminhos possíveis do observador no
espaço, mas este apreende-se através de caminhos infinitos'*'.
Além disso, uma coisa é estar sentado na poltrona de um teatro c
ver os atores sc movendo, e outra é viver e atuar na cena da vida.
Existe um elemento físico c dinâmico na criação e apreensão da
quarta dimensão com o próprio caminho; é a diferença que exis­
te entre praticar esporte e olhar os outros enquanto o praticam,
entre dançar c ver dançar, entre amar c ler romances de amor.
Falta, talvez, na representação cinematográfica, esse impulso de
participação completa, esse motivo de vontade e essa consciên­
cia de liberdade que sentimos na experiência direta do espaço.
No interior de uma basílica paleocristâ, ou no Santo Spirito, de
Brunellcschi. envolvidos pelas colunatas de Bemini ou percor­
rendo o itinerário narrativo de uma rua medieval, pairando no
vazio sobre um terraço de Wright ou atraídos pelos mil motivos
espaciais de uma igreja de Borromini. sob os pilotis de uma casa
de Lc Corbusier ou entre as dez indicações dimensionais de Piazza
dcl Quirinalc - onde quer que exista uma perfeita experiência
espacial a v iv e r-, nenhuma representaçãoé suficiente, precisa-
5 2 SA 8C R V E R A A R Q U IT E T U R A

mo, nós mesmos ir. scr incluídos, tom armo-nos e sentim o-nos
£ r te c medida do conjunlo arquilclômco. devem os nós mesmos
m,s mover Todo o resto ( d idalicam entc u til. p raticam ente
necessário, intelectualmente fecundo; mas e mera alusão e fu n -
c3o preparatória dessa hora em que. Iodos nós. seres fís.cos.
espirituais e sobretudo humanos, vivemos o s espaços com uma
adesão integral e orgânica. Será esta a hora da arquitetura.

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