Você está na página 1de 7

CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun.

, 2011

CONTRIBUIÇÕES
FR ANCESAS P
FRANCESAS AR
ARA
PAR A
O PENSAMENTO
EDUCACIONAL
E A FORMAÇÃO
DE PESQUISADORES
BR ASILEIROS1
BRASILEIROS

Maria Alice Nogueira*

Contribuições O título nos convida a uma reflexão acer- A contribuição francesa para a
francesas para o
pensamento ca da contribuição francesa para a pesquisa formação de pesquisadores brasileiros
educacional e a
formação de
educacional no Brasil, e também para a for- Começo, então, pelo primeiro ponto que me
pesquisadores mação do pesquisador brasileiro da área da parece menos complexo. Para isso, apoiar-me-
brasileiros
Educação. Incapaz que sou de cobrir todos -ie nos poucos dados de que dispomos sobre
os campos das Ciências da Educação, pois a questão ou, melhor dizendo, nos poucos da-
Maria A. Nogueira
há especificidades muito importantes em dos que são do meu conhecimento, para não
cada um deles, vou prudentemente, limitar- descartar imprudentemente a possibilidade da
me ao meu terreno de investigação que é o existência de dados a que não tive acesso. Pois
da Sociologia da Educação. Assim, é sobre- bem, no plano da influência francesa sobre a
tudo, dessa perspectiva, que irei abordar o formação de pesquisadores em Educação bra-
tema. Dividirei minha exposição em duas sileiros, eu começaria assinalando que, em
partes: na primeira, tratarei da contribuição 1993, um pesquisador da Universidade de Paris
da França para a formação do pesquisador X-Nanterre, chamado Jacky Beillerot, já fale-
brasileiro para, na segunda, abordar a ques- cido, publicou um relatório intitulado As teses
tão da influência daquele país no desenvol- em Ciências da Educação: balanço de vinte
vimento da pesquisa educacional no Brasil. anos de uma disciplina.2 Nesse relatório, ele

* Faculdade de Educação da Universidade Federal de


Minas Gerais.

63
CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun., 2011
procedeu a um levantamento das teses em Ci- existiam, no passado, em países estran-
ências da Educação defendidas na França nas geiros. É nesse sentido que os pesquisado-
décadas de 1970 e 1980. E o dado relevante – res da equipe franco-brasileira falam de uma
para o assunto aqui em pauta – que retiramos “renovação das elites intelectuais brasileiras”.
desse relatório, é que, nessas duas décadas, E a segunda consequência é que essa
os brasileiros figuravam como o maior con- política de Estado propiciou a criação do seg-
tingente entre os doutorandos estrangeiros em mento até hoje considerado como o mais bem-
Ciências da Educação, na França. O que, por sucedido de todo o nosso sistema de ensino,
si só, sinaliza a grande atração que a França que é a pós-graduação brasileira cujos tem
exerce em nossa área, falando aqui da área indicadores nos colocam nos primeiros lu-
em seu sentido largo, isto é, no sentido amplo gares dos rankings da América Latina.
de todas as Ciências da Educação. Pois bem, para retomar então, o tema da
Alguns anos mais tarde, uma rede de pes- formação de nossos pesquisadores em Edu-
quisadores franceses e brasileiros – da qual cação, gostaria de fornecer dois dados, re-
eu mesma participei – apoiada pelo progra- sultantes dessas pesquisas realizadas sob a
ma Capes-Cofecub3 – desenvolveu dois pro- égide do Acordo Capes-Cofecub, que dizem
jetos de pesquisa interligados que visavam a diretamente respeito a esse tema.
estudar o papel e os efeitos dos estudos no O primeiro é aquele resultante do exa-
exterior, realizados por jovens brasileiros, a me de um grande banco de dados colocado
partir das últimas décadas do século XX, na à disposição dos pesquisadores pela Capes,
circulação das ideias, na modernização cul- pelo CNPq e pela Fapesp (Fundação de
tural do Brasil, enfim, na formação e renova- Amparo à Pesquisa do Estado de São Pau-
ção das elites intelectuais brasileiras.4 Esses lo), cobrindo o período de 1987-1998, que
pesquisadores partiam de um fato: a imple- compreende um total de 15.915 indivíduos
mentação, a partir dos anos 1950, de uma que estudaram no exterior, sob os auspícios
política agressiva e ininterrupta, por parte do de uma dessas três grandes agências de
Estado brasileiro, de concessão de bolsas de fomento. Esse exame constatou que a Fran-
pós-graduação no exterior com, pelo menos, ça representou o primeiro país de destino
Contribuições
duas consequências. dos bolsistas da área da Educação nesse francesas para o
Por um lado, ela possibilitou o acesso dos período, com 112 bolsistas. Em segundo lu- pensamento
educacional e a
grupos sociais menos favorecidos a um bem gar, aparece o Reino Unido, com um número formação de
pesquisadores
cultural (estudos no exterior, formação de bem menor de bolsistas (cerca de 75) e, em brasileiros
ponta) até então mantido como um privilégio terceiro lugar, os Estados Unidos (com 74).
dos “herdeiros” – para usar a expressão con- O estudo não desce às causas desse fenô- Maria A. Nogueira
sagrada por Bourdieu –, ou seja dos jovens meno ou, em outros termos, às razões dessa
oriundos de famílias providas de recursos atração exercida pela França sobre nossos
econômicos, mas também com o volume de pós-graduandos em Ciências da Educação.6
capital cultural suficiente para conhecer e Se isso é verdadeiro para o período pesqui-
valorizar uma experiência educativa desse sado, atualmente convém adotarmos uma
tipo. Nesse sentido, podemos realmente fa- certa prudência, visto que já sabemos – por
lar em democratização dessas oportuni- observação assistemática – que os países
dades educacionais, uma vez que todo um da Península Ibérica (Espanha e Portugal)
contingente de jovens brasileiros perten- têm aumentado, nos últimos anos, sua parti-
centes, sobretudo, às camadas médias da cipação na formação dos pesquisadores da
população, mas também – ainda que, em área da Educação.
bem menor escala – às classes populares,5 E o segundo dado proveniente da pes-
tinham acesso à pós-graduação que, em al- quisa Capes-Cofecub refere-se a um levan-
guns de seus níveis (principalmente o dou- tamento – levado igualmente a cabo no
torado) e campos do conhecimento, só âmbito dessa pesquisa – visando a identi-

64
CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun., 2011
ficar os professores franceses que se encar- ainda que o fato de ser professora da “Sor-
regaram da orientação dos bolsistas brasi- bonne” – instituição de alto prestígio e longa
leiros, em seu período de estudos, na tradição – também exercia um papel de gran-
França, tentando responder a questões de atratividade aos olhos dos brasileiros.8
como: quem são eles? A que instituições per- De toda maneira, ouso afirmar que a im-
tencem? Em que disciplinas trabalham? portância dessa socióloga para a pesquisa
Quais as teses que orientaram? etc. Pois educacional brasileira ultrapassa, em muito,
bem, numa lista com 78 nomes de orienta- sua atividade de orientação de trabalhos
dores, compreendendo todos os campos do acadêmicos, de vez que vários de seus ex-
saber, o sexto lugar, em número de orien- orientandos, na volta ao Brasil, passaram a
tações, é ocupado pela socióloga da edu- desempenhar cargos ou funções de grande
cação Viviane Isambert-Jamati, professora relevância no meio educacional. Sobre isso,
aposentada da Faculdade de Ciências da assim escrevem Ludke e Abreu:
Educação da Universidade de Paris V e de- É sobretudo nos anos 1980 que voltam
signada por Jacky Beillerot, no relatório aci- ao Brasil, os estudantes formados por
ma mencionado, como “figura emblemática” Viviane Isambert-Jamati e que ocupam
porque “uma das fundadoras das Ciências postos no ensino, na pesquisa universi-
da Educação”, na França. Das 120 teses de tária ou que exercem funções em órgãos
doutorado que ela orientou, no decorrer de de política educacional (LUDKE e
sua vida ativa, 15 foram de estudantes brasi- ABREU, 1992, p. 94).
leiros, entre os quais me incluo, e com muita Porém, sobre este último aspecto, não
honra. Mas esse dado é controverso pois, dispomos de nenhum tipo de levantamento,
em um texto publicado, na França em 1992 mas apenas de algumas observações assis-
e intitulado La Sociologie de l’Éducation au temáticas como, por exemplo, o fato de que
Brésil, as pesquisadoras brasileiras, Menga o GT Sociologia da Educação da ANPEd
Ludke (Puc-Rio) e Estela Abreu,7 falam de (Associação Nacional de Pós-Graduação e
cerca de 30 pesquisadores brasileiros que Pesquisa em Educação) foi criado, no início
trabalharam – direta ou indiretamente – sob da década de 1990, por iniciativa de seus
Contribuições
francesas para o a batuta de Viviane Isambert-Jamati. A dis- ex-orientandos, os quais têm desempe-
pensamento crepância entre esses números se explica, nhado, também, papel de destaque na con-
educacional e a
formação de a meu ver, pelo fato de que as duas últimas dução do GT Educação e Sociedade da SBS
pesquisadores
brasileiros
pesquisadoras contabilizaram também teses (Sociedade Brasileira de Sociologia) e no GT
não defendidas e/ou pessoas que traba- Educação e Sociedade da Anpocs (Asso-
Maria A. Nogueira lharam sob a direção de Viviane, mas não ciação Nacional de Pós-Graduação e Pes-
tiveram como produto uma tese. quisa em Ciências Sociais).9
Em junho de 2006, e ainda no quadro da Para finalizar este ponto sobre a orien-
pesquisa Capes-Cofecub, entrevistei – junta- tação de estudantes brasileiros, assinalo –
mente com Jean-Pierre Faguer (EHESS) – com base ainda no levantamento feito pela
Viviane Isambert-Jamati, com a finalidade, pesquisa Capes-Cofecub – que, dentre os no-
entre outras coisas, de ouvir seu relato como mes de orientadores franceses da área da
alguém que acolheu e orientou um tão expres- Educação, depois de Isambert-Jamati, figu-
sivo número de brasileiros, como também de ram: Le Thanh Khoi (Universidade de Paris
jovens estrangeiros de muitas outras nacio- V), com 8 teses; Eric Plaisance (Universidade
nalidades. E confesso que fiquei desconcer- de Paris V), com 6 teses; Gerard Vergnaud
tada com a honesta simplicidade com que ela (CNRS), com 5 teses; e Gabriel Langouet
declarou, em resposta à minha pergunta so- (Universidade de Paris V), com 4 teses. É de
bre a razão do número de orientandos bra- se notar que três destes quatro últimos no-
sileiros, je ne refusais personne (“eu não mes, são ou foram – a exemplo de Isambert-
recusava ninguém”). Ao que ela acrescentou Jamati – professores da Universidade de Paris

65
CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun., 2011
V, o que ressalta a grande importância da- Como sabem os historiadores da Socio-
quela instituição e, em seu interior, a impor- logia da Educação, após a morte de Durkheim,
tância do – à época denominado – Laboratório em 1917, um grande vazio se abriu na Socio-
de Sociologia da Educação, criado por Viviane logia da Educação francesa. Alguns falam em
Isambert, e do qual fizeram parte Eric Plaisance “letargia”, outros falam em “eclipse”, mas o
e Gabriel Langouet. fato é que, durante longos anos, os sociólogos
A contribuição francesa para a pesquisa abandonaram o tema da educação.
educacional brasileira Esse tema só voltará a aparecer, forta-
lecido no cenário da pesquisa francesa, nas
Passo, então, ao meu segundo ponto: a
décadas de 1960/1970 e, a partir daí, já po-
influência da França, se não na pesquisa
demos vislumbrar o impacto do pensamento
educacional brasileira, ao menos no que diz
sociológico francês sobre as primeiras ge-
respeito à Sociologia da Educação no Brasil.
rações de pesquisadores brasileiros que cir-
E vou tomar como parâmetro a publicação e
cularam por esse país, principalmente graças
repercussão, entre nós, de livros franceses
à política nacional de formação de pesqui-
que se tornaram referência para o pesqui-
sadores de ponta, à qual já me referi. E aqui
sador brasileiro, embora esteja ciente de que,
não se deve esquecer sua preferência por es-
hoje em dia, são os artigos e papers que
tudar em Paris, certamente na Universidade
circulam mais fácil e agilmente nos meios
de Paris V (a ainda chamada de Sorbonne),
científicos.
mas também na Universidade de Paris X
No que tange aos primórdios da Socio-
(Nanterre) ou na Universidade de Paris VIII
logia da Educação no Brasil, a primeira e
(à época denominada Vincennes).
grande referência foi certamente a de Émile
Do regime de leituras a que estiveram
Durkheim, reconhecido mundialmente como submetidos, eles trouxeram para cá os au-
o próprio “pai fundador” da Sociologia da tores que ali provocavam uma forte ressonân-
Educação.10 Sua obra Educação e Socio- cia na década de 1970, como Georges
logia, foi publicada, postumamente, na Fran- Snyders, Louis Althusser, Roger Establet,
ça, em 1922 e, em 1929 é traduzida para o Christian Baudelot e, certamente, Pierre Contribuições
Português por Lourenço Filho e publicada, Bourdieu.11 Em que pese a enorme reper- francesas para o
no Brasil, pela Editora Melhoramentos. cussão, nos anos que se seguiram (e que per-
pensamento
educacional e a
Sua receptividade aqui foi enorme: en- dura até hoje), das teses de Bourdieu, ouso formação de
quanto que, na França, ela só terá uma se- afirmar – com base em minhas lembranças
pesquisadores
brasileiros
gunda edição mais de quarenta anos depois pessoais de então graduanda na Universidade
(em 1966), No Brasil ela foi sucessivamente de Paris V – que, à época, o livro que mais Maria A. Nogueira
reeditada, por muitos e muitos anos. Seus lei- impacto causou, entre estudantes, não foi La
tores estavam concentrados principalmente reproduction, mas sim L’école capitaliste en
nas Escolas Normais, de tal modo que é pos- France, obra de filiação marxista, matizada
sível afirmar que esse livro significou a mais pelas ideias da revolução cultural maoísta,
forte, estável e regular influência na formação então em curso na China. No Brasil, esse úl-
das nossas primeiras gerações de professoras timo livro chegou a constituir um objeto par-
primárias, i.e., das “normalistas”. Além disso, ticular de análise do sociólogo Luiz Antônio
essa obra representou ainda uma grande Cunha, em seu livro Uma leitura da teoria da
fonte de inspiração para o primeiro livro de So- escola capitalista, na qual ele afirmava que
ciologia da Educação publicado no Brasil inti- a construção de uma sociologia da edu-
tulado Sociologia Educacional, de Fernando de cação orientada pelos marcos do pensa-
Azevedo, publicado originalmente em 1940 mento dialético e da prática revolucionária
pela Companhia Editora Nacional, e reconhe- teve nos trabalhos de Christian Baudelot
cido como a primeira obra de Sociologia da e Roger Establet importante avanço
Educação publicada na América Latina. (CUNHA 1980, p. 7).

66
CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun., 2011
Mas, dentre toda essa literatura que, à Unesp, PUC/SP, Iuperj. Pois bem, ele consta-
época, ficou conhecida como “sociologia crí- tou que Bourdieu é o autor mais frequente nas
tica da educação”, a obra de Bourdieu foi a listas bibliográficas, vindo antes mesmo Max
que mais cedo foi traduzido no Brasil, e aque- Weber, (segundo colocado), e de Karl Marx (em
le que exerceu (e ainda exerce) a influência terceira posição). Ele constatou ainda, que 37%
mais duradoura e mais profunda. Seu livro, dos trabalhos acadêmicos citam Bourdieu, o
A reprodução, foi publicado, pela Editora que dá uma ideia do alcance de sua influência
Francisco Alves, já em 1975, ou seja, ape- sobre os cientistas sociais brasileiros.
nas cinco anos após sua primeira edição na Voltando agora à pesquisa em Educação,
França.12 a partir da década de 1980, um movimento
A partir daí, a influência desse autor ja- de renovação atinge a Sociologia da Edu-
mais declinou, no Brasil. Pouco a pouco, ele cação, como bem sabem seus historiadores.
foi se tornando o mais lido dentre os soció- Nossa disciplina passará então por um pro-
logos da educação francófonos. Como pro- cesso de reorientação teórico-metodológica,
va, cito o caso de duas coletâneas de textos em que novas problemáticas são formuladas
do autor que, desde sua publicação, têm tido e novas abordagens são introduzidas. De um
sucessivas reimpressões, ao longo dos anos. modo geral, essa reorientação consistiu, em
A primeira, organizada por Sérgio Miceli e primeiro lugar, numa tentativa de questionar
intitulada A economia das trocas simbólicas, o determinismo sociológico característico do
foi publicada, pela primeira vez, em 1974, período anterior, que via na origem social do
pela Editora Perspectiva, e já se encontra educando, o fator determinante de seu de-
em sua sexta edição, datada de 2009. A ou- sempenho escolar e destino educacional.
tra, organizada por mim mesma e por Afrânio Esse modelo interpretativo, hegemônico por
Catani e intitulada Escritos de Educação, tantos anos, parecia dar mostras de uma
teve sua primeira edição em 1998, pela Edi- certa saturação, conduzindo a disciplina a
tora Vozes e, atualmente, encontra-se sua uma situação de impasse, do tipo: “não há
décima edição, datada de 2008.13 mais nada de novo sob o sol sociológico”.
Esse sucesso estável e prolongado deve- Em resposta a tal situação, o sociólogo
Contribuições
francesas para o -se certamente ao fato de que o chamado por adota novas escalas de trabalho, estenden-
pensamento muitos de “paradigma da reprodução” signifi- do seu campo de observação a microuni-
educacional e a
formação de cou uma revolução paradigmática na pesqui- dades de análise, tais como a sala de aula,
pesquisadores
brasileiros
sa educacional, à medida que se contrapunha o currículo, o estabelecimento de ensino, a
à visão funcionalista, até então predominan- família do aluno. Seu pressuposto atual é
Maria A. Nogueira te, que via na escola um fator de mobilidade o de que certas características do funcio-
social e que fazia do mérito individual, o fun- namento intra-escolar podem, ainda que até
damento do sucesso escolar. 14 certo ponto e dentro de determinados limites,
Mas não se deve pensar que a influência alterar essa relação determinística entre per-
do pensamento de Bourdieu, no Brasil, está tencimento social (mas também étnico, de
restrita ao campo da Educação. O sociólogo gênero etc.) e rendimento escolar. A pressu-
Manuel Palácios da Cunha Melo, em sua tese posição é, portanto, a de que o funcionamen-
de doutorado, defendida em 1997, no Iuperj, to escolar não é inócuo, e que por isso ele
e transformada no livro intitulado Quem expli- pode reduzir (ou mesmo aumentar) o peso
ca o Brasil (1999), procedeu ao levantamento da origem social nos destinos escolares.
das referências bibliográficas de 302 teses e Novas tendências sociológicas surgirão,
dissertações defendidas na área das Ciências então, sob a égide dessas ideias. Então, eu
Sociais, entre 1989 e 1993, em onze das mais citaria dois livros que – mesmo não dispondo
importantes instituições brasileiras de ensino de uma observação sistemática como aquela
universitário. São elas: UFRJ, UFRuRJ, levada a cabo por Manuel Palácios – me pa-
UFMG, UnB, UFRGS, UFPe, USP, Unicamp, rece que vêm adquirindo grande importância

67
CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun., 2011
na pesquisa educacional brasileira, extrapo- radas nessa nova abordagem do tema das
lando até mesmo o âmbito da Sociologia da desigualdades sociais de escolarização.
Educação. Seria possível ainda falar de outros auto-
O primeiro é o livro de Jean-Claude res que também têm sido muito lidos e explo-
Forquin, intitulado Escola e cultura – as ba- rados pela pesquisa educacional brasileira.
ses sociais e epistemológicas do conhe- Penso, por exemplo:
cimento escolar – que foi traduzido e a) nos trabalhos de Bernard Charlot e na
publicado, no Brasil, em 1993. Sua primeira noção de “relação com o saber”, formu-
edição, na França, data de 1989. Trata-se lada por ele e por sua equipe da Univer-
da tese de doutorado do autor que se nota- sidade de Paris VIII – Saint-Denis.15 O
bilizou por divulgar, entre os franceses, os mérito dessa noção está na mediação
célebres estudos anglo-saxônicos sobre o que ela introduz entre as duas variáveis
currículo. Pois bem, esse livro de Forquin clássicas (origem social e desempenho
tem sido alvo de uma recepção muito ampla escolar), de modo a considerar que o
entre nós. Além de fornecer uma ampla vi- sentido atribuído pelos alunos ao saber
são do que está em jogo nos debates socio- escolar (e suas disposições de valori-
lógicos sobre os conteúdos transmitidos pela zação/desvalorização, interesse/desin-
instituição escolar, o autor leva à discussão teresse pelos estudos) é relativamente
aquilo que parece estar no centro dos es- independente da posição social ocupada,
tudos do currículo, a saber, as teses sobre o e constituem fatores nada desprezíveis
relativismo cultural. de sucesso escolar. Daí o fato de que
O segundo livro é o de Bernard Lahire, nem todos os alunos dos meios populares
denominado Sucesso escolar em meios po- fracassam na escola, assim como nem
pulares – as razões do improvável. Trata-se todos os alunos favorecidos obtêm êxito
igualmente da tese de doutorado do autor, nos estudos;
defendida e publicada na França, em formato b) nas obras de Philippe Perrenoud com
de livro (1995). Dois anos depois, em 1997, sua noção de “ofício de aluno” que cons-
o livro já estava publicado no Brasil, pela titui um outro conceito que, ao meu ver, Contribuições
francesas para o
Editora Ática. Esse livro vem introduzir, en- cumpre o mesmo papel de interpor me- pensamento
tre nós, uma problemática nova que passa- diações na relação determinística entre a educacional e a
formação de
mos a designar como sucessos escolares origem social e os resultados escolares. pesquisadores
estatisticamente improváveis, isto é, o es- E isso à medida que Perrenoud demons- brasileiros

tudo dos casos atípicos e inesperados de êxi- tra, com suas pesquisas empíricas, que
to escolar em meios sociais desfavorecidos, Maria A. Nogueira
os alunos que desempenham bem seu
embora já comecem também, a aparecer ofício de aluno, ou seja, aqueles que
pesquisas sobre o outro lado da mesma aprenderam a jogar bem o jogo escolar,
moeda, ou seja, o do fracasso escolar entre tendem a apresentar vantagens escolares
os grupos favorecidos. O fato é que se trata que são relativamente autônomas face à
de casos que contrariam as regularidades origem social ou às vantagens proveni-
estatísticas e que, por isso, não despertavam entes do capital cultural de sua família.
a atenção dos sociólogos das gerações an- Finalmente, eu acrescentaria que, em
teriores. Pois bem, o livro de Lahire vem inau- 2002, o GT Sociologia da Educação da
gurar todo um novo campo de estudos, no ANPEd que comemorava, então, seus doze
Brasil que prospera rapidamente. Recente- anos de funcionamento, encomendou a um
mente contabilizamos, num recenseamento de seus membros, o sociólogo Marcio Costa,
feito na UFMG (Souza, 2009), quase duas da UFRJ, um levantamento dos trabalhos
dezenas de teses e dissertações concluídas apresentados no GT, ao longo de sua exis-
ou em andamento, em todo o país, inspi- tência, apontando as tendências teóricas,

68
CADERNOS DE ESTUDOS SOCIAIS - Recife, v. 25, no. 1, p. 063-070, jan./jun., 2011
metodológicas e bibliográficas que mar- A razão de encerrar meu texto com esse
caram esse período. Pois bem, o estudo con- último dado é de ressaltar que considero que o
cluiu por uma “fortíssima influência francesa impacto do pensamento francês sobre a pro-
na produção do GT”, a qual supera, de lon- dução científica brasileira no campo da Edu-
ge, a influência da produção anglo-saxônica cação permanece forte e fecundo, mantendo
que, no entanto, como se sabe, é quantita- uma tradição que se abriu com Durkheim e que
tivamente bem mais abundante.16 remonta aos inícios do século passado.

Notas

1
Exposição realizada em 4 de agosto de 2009, no “Colóquio 8
Minha reação de desconcerto se deveu, também, ao fato
Internacional Diálogos Culturais e Cooperação Científica de que eu não desconhecia seus atos de acolhimento a
França-Brasil”, promovido pela Fundação Joaquim Nabuco alguns jovens que, naquele momento, viviam na França,
– Recife/PE. A autora agradece o convite e os comentários na condição de exilados políticos.
sobre sua exposição. 9
Viviane Isambert-Jamati esteve uma só vez no Brasil, por
2
No original: Les thèses em Sciences del’Éducation. Bilan ocasião do Seminário Internacional de Sociologia da Educa-
Contribuições de vingt années d’une discipline. ção, realizado na PUC-Rio, em setembro de 1984, quando
francesas para o
pensamento
3
O Programa Capes-Cofecubconsiste em um acordo de coo- ministrou a conferência “Para onde vai a Sociologia da Edu-
educacional e a peração científica entre a França e o Brasil, assinado em cação na França?”.
formação de 1978, cujo objetivo é estimular e apoiar projetos conjuntos 10
Cf. notadamente CARDI, F. e PLANTIER, J. e GAUDEMAR,
pesquisadores de investigação e a formação de docentes e pesquisadores. P. Durkheim – sociologue de l’éducation. Paris, INRP/
brasileiros
4
Trata-se dos seguintes projetos: Internacionalização das L’Harmattan, 1993.
trocas científicas e recomposição das elites nacionais – 1970/ 11
Refiro-me principalmente às seguintes obras: SNYDERS,
Maria A. Nogueira 2000, desenvolvido entre 2001 e 2004, sob a coordenação G. École, classe et lutte de classe (Paris, PUF, 1976);
de Afrânio Garcia (EHESS) e de Letícia C. Bicalho (Unicamp), ALTHUSSER, L. “Idéologieet appareils idéologiques d’état”
e do projeto Circulação internacional dos universitários e (La pensée, n. 151, junho/1970, p. 3-38); BAUDELOT, C. &
transformação do espaço cultural no Brasil, desenvolvido ESTABLET, R. L’école capitaliste en France (Paris, Mas-
entre 2004 e 2006, sob a coordenação de Monique de Saint- pero, 1971); BOURDIEU, P. La reproduction (Paris, Minuit,
Martin (EHESS) e de Roberto Grun (Ufscar). 1970).
5
Ver a esse respeito os artigos de Marie-Claude Muñoz e 12
Assinalo que o livro A reprodução foi recentemente reedi-
Afrânio Garcia “Les étudiants brésiliens en France (2000- tado (em 2008), pela Editora Vozes.
2001): parcours intellectuel et inscription académique” e de 13
A Editora Vozes já informou os organizadores, sobre essa
Ângela Xavier de Brito “Transformations inttutionelles e ca-
coletânea, de que sua 11ª edição encontra-se no prelo, com
ractéristiques sociales des étudiants brésiliens en France”,
ambos publicados em Cahiers du Brésil Contemporain, n. previsão de saída para janeiro de 2010.
14
57/58-59/60, 2004-2005. A esse respeito, ver NOGUEIRA, M. A. & NOGUEIRA, C.
6
É sabido que, no campo das Ciências Humanas, de uma M. M. Bourdieu e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica,
maneira geral, sempre houve um amplo predomínio da 2004 (3ª edição, 2009).
15
França, como país de destino. A equipe de pesquisa ESCOL (Éducation, Socialisation e
7
Cf. LUDKE, M. e ABREU, E. “La sociologie de l’Éducation Collectivités Locales) é formada, além de Charlot, por Jean-
au Brésil”. In: PLAISANCE, E., Permanence et renouvel- Yves Rochex e Elisabeth Bautier.
lement en Sociologie de l’Éducation. Paris: INRLP/ 16
Esse estudo foin posteriormente publicado na Revista
L’Harmattan, 1992. Brasileira de Educação, em seu número 22, datado de 2003.

69

Você também pode gostar