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A Dificuldade em se Produzir Softwares de Entreteni-

mento no Meio Universitário ( HYPERLINK "http://


www.ufscar.br/rua/site/?p=2275" http://www.ufscar.br/
rua/site/?p=2275)
Gustavo de Castro Linzmayer é estudante de Imagem e Som na Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), participou do desenvolvimento de três jogos na parte de concepção e progra-
mação e, também, estuda o assunto.

Há muito tempo os jogos digitais fazem parte do cotidiano da maior parte das pessoas, especial-
mente os jovens, das classes médias e ricas da maioria dos países do mundo. No começo os
games eram instalados em máquinas de Arcade(fliperama), fixadas em estabelecimentos comer-
ciais. Com o tempo surgiram os consoles caseiros de vídeo-games e os micro-computadores.
Com isso, não só o hábito de jogar, mas a compra de cartuchos, CDs e DVDs de jogos passou a
ocupar uma importante posição nos produtos da indústria cultural. Assim, os vídeo-games
tornaram-se um marcante elemento da cultura contemporânea: roupas com imagens de jogos,
filmes baseados em jogos, influências nas artes plásticas, concertos executando versões
orquestradas de músicas de vídeo-games e uma série de influências para além do próprio
hábito de jogar.

Em 1996 a DigiPen, fundada em 1988 no Canadá, inicia um curso de bacharelado em Simulação


Interativa em Tempo Real. Em 1998 a DigiPen transfere-se para os E.U.A. Portanto, os vídeo-
games passam a ser tema univesitário. Não só games são produzidos dentro das universidades
como são focos de estudos em diversas áreas. No Brasil, em 2003, a Universidade Anhembi-Mo-
rumbi passou a oferecer um curso de graduação voltado para o design de games. Podemos con-
statar, assim, que há interesse da iniciativa privada em que o Brasil não esteja atrasado na pro-
dução universitária de games. Devemos levar em conta as limitações locais: temos um grau de
exclusão social muito maior que os países de primeiro mundo e, portanto, um mercado consumi-
dor mais restrito aos jogos. Temos, também, um menor número de empresas produtoras de
games, dependendo de estímulos de empresas estrangeiras, como, por exemplo, a Ubisoft, que
teve uma representação no Brasil de 1999 a 2003 e voltou a se estabelecer em São Paulo em
2008.

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Paralelamente à tendência da produção de jogos de entretenimento nas universidades e a for-
mação de técnicos especialistas nesse ramo da indústria surge uma nova tendência: os games al-
ternativos. Já há bastante tempo em que softwares de programação são acessíveis aos computa-
dores domésticos e a possibilidade de produção caseira de vídeo-jogos está dada. Porém, há fa-
tores determinantes no aumento dessa produção. Exemplos deste quadro são a popularização da
Internet e o surgimento de ferramentas com facilidades visuais para a criação de jogos, como
oMugen, o RPG Maker e o Macromedia Shockwave Flash. Com esses recursos surgem novas
tendências no mundo dos games, algo até então pouco explorado pela indústria cultural: jogos
críticos – que questionam a sociedade e a questão da alienação no conteúdo da produção indus-
trial da maioria dos games – jogos com estilos gráficos e sonoros diferenciado – que buscam ex-
perimentar formas e traços mais característicos, agregando novas possibilidades de elementos
artísticos nos games – jogos com enigmas diferenciados e complexos – com experimentações em
novos modos de se utilizar os controles digitais e a interatividade – entre outros. Com esse fenô-
meno os games passam a atrair, dentro das universidades, não somente bacharéis especial-
istas na área mas, também, estudantes de artes plásticas, audiovisual, cientistas da com-
putação e de outras diversas áreas. Passa-se a conceber a criação de alguns jogos como arte,
frente à produção industrial de entretenimento. Os jogos das grandes empresas passam, também,
a assimilar e a sofrer influência dos jogos independentes. As diferenças nos recursos disponíveis,
no conteúdo, na forma, nos meios de reprodução e de distribuição entre os jogos das grandes em-
presas e os jogos independentes, tornam o fruir desses dois modos de produção também difer-
entes. Na produção industrial há, historicamente, um grande dispêndio de esforços em torno do
aumento do realismo físico. Há um grande interesse no mercado em simulações, no poder de se
sentir em um épico heróico, em uma grande guerra, em uma perseguição policial, em uma cor-
rida de carros e nas mais diversas situações. Já a produção independente, tanto a caseira quanto a
universitária, raramente possui recursos materiais e humanos (em termos de quantidade de pes-
soas envolvidas) para buscar esse mesmo objetivo, tendo que buscar se diferenciar de outras
maneiras, como, no exemplo já citado, pela estilização da imagem. Para analisar outra diferença,
recorramos a uma comparação com a produção de filmes: assistir a um filme na televisão é uma
experiência totalmente diferente de assistir a um filme no cinema. No cinema a imagem é exibida
em um telão que tende a ser o objeto de maior atenção no ambiente, tanto pelo espaço que ocupa
quanto por ser o objeto com maior intensidade luminosa. Ver um filme no cinema é um ritual so-

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cial: as pessoas vão a um lugar específico para usufruírem da experiência cinematográfica,
pagam para isso e, juntas, compartilham da experiência em uma mesma sala. Ver um filme na
televisão é outra experiência: a televisão é um eletrodoméstico, está, geralmente, rodeada por
outros objetos domésticos e, assisti-la faz parte dos hábitos cotidianos de grande parte da popu-
lação global, comumente dividindo a atenção com outras atividades cotidianas. Um  filme na
televisão penetra no cotidiano das pessoas e perde o caráter ritual que o cinema possui. Essas
diferenças fazem com que filmes produzidos para a televisão sejam diferentes de filmes produzi-
dos para o cinema. De maneira análoga, podemos detectar essa qualidade de ritual social nos jo-
gos comerciais: além da maioria dos consoles serem fabricados com capacidade para ser contro-
lado por várias pessoas simultaneamente, para que os jogos se tornem vendáveis é necessário que
sua qualidade faça jus ao interesse do comprador: não pode ser um jogo que se termine em
poucos minutos. Deve haver uma riqueza nas possibilidades de experiência, cada vez que se
joga é outro jogo, deve haver grandes desafios, histórias envolventes, que façam com que o con-
sumidor tenha vontade de dar continuidade a trama depois de jogar e, em outro momento, volte a
jogar. Já os jogos independentes são usufruídos em um contexto completamente diferente: o
custo para lança-los em CD no mercado dificilmente é viável e, mesmo sendo, não há grandes
expectativas de retorno, pois há outras limitações como a divulgação. Esses jogos estão, em
geral, disponíveis para serem baixados na Internet gratuitamente. Muito deles, especialmente os
desenvolvidos em Java em Flash são exibidos no próprio navegador. Deve-se lembrar que os
computadores são fabricados como ferramentas de trabalho, de comunicação e, só secundaria-
mente, são ferramenta de entretenimento. Desse modo, por poder contar menos com um ambi-
ente de entretenimento, os produtores de games independentes devem se lembrar que os usuários
desses games estarão menos dispostos aos grandes épicos e aos grandes games de duração. De
fato, a maior parte dos jogos caseiros e universitários têm sua duração bastante reduzida se com-
parados aos jogos comerciais. Além das limitações técnicas, podemos sim, levantar a questão da
fruição como uma causa para isso. De modo grosseiro podemos traçar outra analogia: os jogos
comerciais estão para o romance assim como os jogos independentes estão para a crôni-
ca.Dessa forma, os jogos independentes se tornam muito mais propensos a trabalhar as temáticas
cotidianas, os momentos, situações específicas.

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Para produzir esses jogos não é necessário possuir uma equipe muito grande. Na minha própria
experiência foi possível desenvolver um jogo sem uma equipe, apenas utilizando os recursos do
Macromedia Shockwave Flash, alguns arquivos de bitmap e jpeg e sons de bancos de domínio
público disponíveis na Internet. Há experiências diversas pelo mundo de equipes bastante reduzi-
das. Há, com a solidificação da criação independente de vídeo-jogos, tendências de se formarem
células de produção com funções razoavelmente definidas: um programador, um designer de im-
agem e um designer de som, podendo a equipe contar ou não com um coordenador além dessas
funções. Geralmente a direção e a roteirização são feitas por membros da própria equipe que ex-
ercem uma das funções citadas. Para a produção universitária considero altamente desejável que
essas funções, de roteirista e diretor, sejam destrinchadas para pessoas voltadas somente a isso.
Em primeiro lugar porque isso possibilitaria a introdução de bons roteiristas e diretores na área
de games sem a necessidade de serem especialistas em design gráfico, sonoro ou programação.
Em segundo porque essa é uma boa oportunidade para o desenvolvimento de formas próprias de
roteiros de games, pois, quando o roteiro é escrito pela própria equipe há uma necessidade muito
menor de se traduzir uma concepção para um plano de game inteligível para um grupo qualquer
de desenvolvedores, já que a idéia e o plano são diretamente feitos pelas equipes.

Há interesse, dentro das universidades, tanto de estudantes das diversas áreas da computação,
como de estudantes de diversas manifestações de arte, de usarem seu conhecimento para a cri-
ação de jogos, bem como a necessidade recíproca dos diversos setores: um artista provavelmente
precisará de um bom programador para conseguir materializar sua idéia em game, bem como é
bastante desejável que haja uma boa qualidade visual, sonora e, sobretudo, uma boa colocação
dos recursos de linguagem, o que torna interessante aos programadores a participação de espe-
cialistas nessa área no desenvolvimento dos seus games. Em minha própria experiência, na tenta-
tiva de desenvolver um jogo como trabalho curricular durante a graduação de Imagem e Som na
UFSCar, não obtive sucesso na procura da participação de alunos de ciências e engenharia da
computação. Uma causa importante que posso apontar é a ausência de um interesse real dos
alunos da computação, visto que se tratava de um projeto para a grade apenas de um curso: Im-
agem e Som. Portanto, é importante que as faculdades possibilitem a estruturação de proje-
tos interdisciplinares. Os games são bons exemplo de produtos em potencial de desenvolvi-

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mento universitário que somente são viáveis rompendo-se as barreiras entre os especialis-
tas de áreas diversas.

Outro problema importante para a reflexão prévia a produção dos games é o público alvo. Jogos
artísticos podem se tornar herméticos e só se tornarem inteligíveis ao público universitário, como
acontece com muitos filmes e obras de artes plásticas desenvolvidos nas universidades. Também
é importante ressaltar que os jogos não tem a mesma generalidade de um filme: para reproduzir
um DVD basta ter um aparelho com capacidade de leitura do disco de determinada região. Um
jogo pode ser desenvolvido para consoles específicos ou para computadores domésticos. Jogos
para computadores domésticos, dependendo dos recursos de imagem, som, memória e processa-
mento que utilizam tornam-se restritos a computadores com tecnologia suficiente para executá-
los. Nesse sentido, surge a necessidade da reflexão dos jogos como elementos de exclusão social.
Além disso, os comandos no jogo, o modo como se utiliza a linguagem audiovisual, pode ser
voltado a jogadores mais habituados ou a jogadores menos habituados, o que remete, de certo
modo, ao problema do analfabetismo digital no Brasil. Por fim, acredito que é de suma importân-
cia, também, a reflexão sobre o conteúdo do jogo e suas relações com a sociedade e com a
cultura. De que forma devemos assimilar ou rejeitar os conteúdos impostos pela indústria cul-
tural?

No meu blog podem ser encontrados materiais (jogos, textos, roteiros) que procuram trabalhar
essa questão: HYPERLINK "http://breezegames.blogspot.com/" http://breezegames.blogspot.-
com/

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