Você está na página 1de 4

Roda de Diálogo: experiência baseada nos 7 princípios do Open Dialogue

Marcelo José Fontes Dias 1

RESUMO

Há pelo menos duas décadas profissionais finlandeses vêm atuando sobre a crise psicótica
através da abordagem Open Dialogue (OD), a qual baseia-se em 7 princípios e na ação
territorial. Há 2 anos iniciamos em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, Brasil, um projeto
chamado Roda de Diálogo (RD), baseado nos 7 princípios do OD, porém com algumas
diferenças visando adaptar o OD para nossa realidade. Nesta roda de conversa apresentarei
essas adaptações, assim como alguns resultados, já muito animadores. Por último um relato de
uma dessas experiências.

Palavras-chave: Roda de diálogo; Open Dialogue.

1
Médico psiquiatra e psicanalista. Prefeitura Municipal de Jaraguá do Sul, SC. Apoiador
matricial e vice-coordenador da residência médica em medicina geral de família e
comunidade. E-mail: fontesdias67@gmail.com.

Há pelo menos duas décadas profissionais finlandeses vêm atuando sobre a crise
psicótica através da abordagem Open Dialogue (OD), a qual baseia-se na ação territorial e em
7 princípios, a saber (SEIKKULA; ALAKARE, 2007):
1- Resposta imediata. O primeiro encontro deve ocorrer dentro de 24 horas após o primeiro
contato com a equipe profissional.
2- Inclusão da rede social. O paciente, sua família e outros membros da rede social são
sempre convidados para o primeiro encontro.
3- Flexibilidade e mobilidade. Estas são garantidas adaptando-se a resposta terapêutica às
necessidades variadas e específicas de cada caso. A assistência tem que ser móbil: ir às casas,
onde os próprios recursos das pessoas são mais acessíveis (FREITAS; AMARANTE, 2015).
4- Responsabilização. O primeiro profissional contactado deve se responsabilizar por
organizar o primeiro encontro e convidar a equipe que fará a intervenção.
5- Garantia de continuidade. A equipe se responsabiliza pelo tratamento pelo tempo
necessário.
6- Tolerância à incerteza. O relacionamento entre os participantes dos encontros deve ser
construído de modo que todos sintam-se seguros. Isso acontece através de encontros
frequentes e através da escuta e resposta a todas as falas e pontos de vista (SEIKKULA;
OLSON, 2003).
7- Dialogismo. Nos encontros, o foco é primeiramente promover o diálogo e secundariamente
promover mudanças no paciente e/ou família (SEIKKULA; ALAKARE, 2007). O diálogo
promove um novo entendimento sobre a situação, proporcionando sentido àquilo que está sem
sentido. O objetivo da equipe na construção do diálogo é seguir os temas e o modo de falar
que os membros da família utilizam (SEIKKULA et al. 2003).
Em 2015, iniciamos as primeiras ações baseadas no OD em duas unidades básicas
de saúde, com acompanhamento de 3 pacientes (2 em crise paranoica e um em crise maníaca),
os quais saíram das crises em no máximo 15 dias e somente o paciente em crise maníaca fez
uso de medicamentos. Todos retornaram para o trabalho.
Em 2016 decidimos ampliar as ações para todas as unidades e envolvendo mais
profissionais da saúde mental e atenção básica. O nome escolhido para a abordagem foi Roda
de Diálogo (RD), sugerindo uma fusão entre nossas rodas de conversa e o dialogismo do
modelo finlandês e apresentando algumas diferenças:
1- Participação de profissionais de nível médio e superior.
2- Capacitação através de educação permanente.
3- Pacientes com diagnóstico de psicose, porém não somente esquizofrenia.
4- Os encontros ocorreram até 3 vezes na semana.
5- Pelo menos um profissional esteve em todos os encontros.
6- Influência psicanalítica no embasamento teórico.
APRESENTAÇÃO DE CASO

A primeira roda de diálogo com Waldir, 26 anos, aconteceu em julho de 2016. A


equipe inicial que ficou responsável pela roda de diálogo era composta por uma assistente
social (apoio matricial), uma agente comunitária de saúde da ESF (a que recebeu a
informação inicial), uma técnica de enfermagem (CAPSad), uma psicóloga (CAPS2) e uma
enfermeira (ESF). Além de Waldir, moravam na casa o pai, mãe e irmão de 19 anos, os quais
relataram no primeiro encontro que Waldir ouvia vozes e barulhos e que se incomodava com
o rádio e a TV, chegando mesmo a virá-la para não ter contato visual. Neste primeiro
encontro, Waldir permaneceu no banheiro e a RD foi realizada na porta deste.
Até dezembro/2016 foram realizados 30 encontros na residência do paciente. A
frequência foi de 1 a 3 encontros por semana. Nos primeiros 3 meses conseguimos manter
uma profissional “fixa” que participou de todos os encontros. Após esse período houve
alternância dos profissionais envolvidos, com a participação em alguns momentos do
psiquiatra do apoio matricial e da médica da ESF.
Somente em 09/11/16, 4 meses após o início dos encontros, houve prescrição de
risperidona na dose de 1 mg/dia após decisão tomada pela equipe, paciente e seus pais no
encontro realizado na data acima. No encontro seguinte, a mãe disse que Waldir melhorara no
mesmo dia em que começara a usar o medicamento. Em nenhum momento foi cogitado uma
internação para Waldir.
Atualmente Waldir não está mais relatando alucinações e nem apresenta ideias
delirantes. Além disso, percebemos uma maior fluidez nos diálogos, com maior participação
dos pais, os quais nos primeiros encontros mostravam-se pouco comunicativos e passivos.
Além disso, os pais já conseguem entender muitas das atitudes e pensamentos de Waldir.

RESULTADOS

Em dois anos acompanhamos 10 pacientes. Quatros eram esquizofrênicos, 1 estava


em crise maníaca, 1 em crise inicialmente diagnosticada como psicose puerperal (depois
vimos tratar-se de uma crise histérica) e o restante em crise psicótica paranoica. Somente 3
pacientes encontravam-se em sua primeira crise e do restante alguns já faziam uso de
antipsicóticos e/ou estabilizadores do humor. Somente um desses pacientes precisou ser
internado. Dois pacientes saíram das crises sem medicamentos e todos os outros receberam
baixas doses de medicamentos.

REFERÊNCIAS

FREITAS, Fernando; AMARANTE, Paulo. Medicalização em psiquiatria. Rio de Janeiro:


Editora Fiocruz, 2015.

SEIKKULA, Jaakko; ALAKARE, Birgitta. Open Dialogues. In: STASTNY, Peter;


LEHMANN, Peter (Eds.). Alternatives beyond psychiatry. Berlim: Peter Lehmann Pub.,
2007, p. 223-239.

SEIKKULA, Jaakko; OLSON, Mary E. The open dialogue approach to acute psychosis:
Its poetics and micropolitics. Family process, v. 42, n. 3, p. 403-418, 2003.

SEIKKULA, Jaakko et al. Open dialogue approach: treatment principles and preliminary
results of a two-year follow-up on first episode schizophrenia. Ethical Human Sciences
and Services, v. 5, n. 3, p. 163-182, 2003.

Você também pode gostar