Você está na página 1de 17

AS MIGRAÇÃO DE TRABALHADORES DO PÓS-ABOLIÇÃO A ERA

VARGAS

Pedro Jardel Fonseca Pereira


Doutorando em História Social – PPGHIS - UFJF
E-mail: pedrojardelpereira@gmail.com

Resumo: A migração de trabalhadores é um assunto que sempre merece novas


reflexões. É nesse sentido que o presente artigo tem como objetivo pensar algumas
questões sobre a trajetória do migrante e outras possíveis leituras do contexto
migratório. Para isso, selecionamos determinadas produções bibliográficas que discutem
e buscam compreender os sujeitos e os motivos que os levaram a migrar. Alguns desses
autores tiveram como ponto de partida, a migração no período pós-abolição. Contudo,
procuramos ampliar essa discussão no intuito de abranger todos aqueles que
representavam a mão-de-obra, seja ela composta por negros ou brancos, sem nos
determos numa categoria de cor específica, que são os trabalhadores do Nordeste do
país que migraram para os estados do Sudeste, sobretudo São Paulo. Procuramos
discutir de maneira crítica, as perspectivas que predominaram por certo tempo em
relação as motivações que levaram esses sujeitos a se deslocarem, assim como também
os estudos mais recentes, que enfatizam novos aspectos da migração a partir do pós-
abolição. Especialmente, aqueles que buscam outros entendimentos, além da questão da
expulsão e atração, respaldadas pelos fatores econômicos. Inclusive propagadores de
uma leitura negativa da trajetória do sujeito migrante. Em consonância com alguns
autores entendemos que é preciso considerar e discutir também os fatores sociais e
culturais que permeiam o contexto de cada período e lugar que a migração é abordada.

Palavras-chave: pós-abolição, migração, trabalhadores, precariedade.

As referências aos enfrentamentos, lutas e conquistas que marcaram a trajetória


de vida dos trabalhadores negros no pós-abolição, já foram abordados em diversas
perspectivas, sejam elas, econômica, política, social e cultural. Trajetórias essas que
foram marcadas pela precarização, mas também pela superação e realizações de sujeitos
que ganharam destaque na sociedade1, sobre as quais os desafios e as lutas cotidianas
foram bem maiores. Ser livre significou também lutar pela manutenção dessa liberdade,
inclusive pelo direito de morar onde quisera e circular, como fora enfatizado por Walter
Fraga Filho (2009). Não são apenas as condições de vida em si, que nos possibilitam

1
Ver sobre o assunto em: DOMINGUES, Petrônio. “Um desejo infinito de vencer”: o protagonismo negro
no pós-abolição. Topoi, v. 12, n. 23, jul.-dez. 2011, p. 118-139. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2237-101X2011000200118&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso
em: 14 set. 2021.
fazer ponderações, o próprio processo de mobilidade também é permeado por diversos
enfrentamentos, o próprio ato de deslocamento e as condições as quais ele ocorreram
são marcadas pela precariedade, controle, exclusão e silêncios. Mas também, essa é uma
ocasião onde são acionadas, por exemplo, mecanismos de resistência, como as próprias
redes de sociabilidade, compostas por familiares, amigos e conterrâneos, assim como
também, as táticas de reinventar a vida diante das incertezas.
O fato é que o passado de escravidão teve consequência para a vida dos ex-
escravos, ou seja, negros cidadãos livres, isso se tornou ainda mais tenso, se
considerarmos, que a conjuntura que circunda a realidade do trabalhador branco e pobre
também não estava isenta de precariedade. É justamente esse o espaço, onde o negro
livre teve que disputar um lugar para garantir a sua sobrevivência e da sua família. Para
nos aproximarmos mais desse contexto, elegemos algumas produções bibliográficas de
autores que abordam sobre esse período e que nos ajudaram nessa analise. Vale ressaltar
que as atenções que dispensamos a esses recortes das pesquisas aqui enfatizadas são de
fundamental importância, devido ao diálogo que elas nos possibilitam, com o tema da
pesquisa realizada no atual momento pelo autor do presente artigo, que é a migração de
trabalhadores da região do Nordeste para o Sudeste do Brasil, contexto esse que, no
nosso entendimento, também fora marcado pela precariedade, controle, exclusão e
violência, e porque não, medo, devido as incertezas enfrentadas por esses migrantes
pelo caminho2.
A primeira referência que fazemos é do estudo de Ana Maria Rios e Hebe Maria
Mattos (2004) em: O pós-abolição como problema histórico: balanços e perspectivas.
Entre os diversos apontamentos realizados pelas autoras e que iluminaram nossas
reflexões, elas chamam à atenção para a expectativa e as atitudes dos libertos em
relação à liberdade. Elas também tangenciaram a questão da mobilidade espacial no
pós-abolição, destacando inclusive as restrições, sendo esse fator, pertinente em outros
contextos da migração que também abordaremos mais adiante. Outros aspectos
relevantes e que chamou nossa atenção é em relação ao recorte temporal do estudo

2
O artigo foi elaborado como parte das exigências das atividades avaliativas da disciplina: Tópico da
Linha de Pesquisa Poder, Mercado e Trabalho, no primeiro semestre de 2021, ministrada pelos
Professores: Dra. Hevelly Ferreira Acruche e Dr. Mateus Rezende de Andrade no Programa de Pós-
graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora. O curso teve como enfoque as discussões
em torno da escravidão indígena e africana no Brasil as implicações políticas, sociais, econômicas e
culturais na longa duração. E ainda foi discutida a historiografia a respeito da escravidão indígena e
africana e das concepções a respeito do trabalho no Brasil colonial e independente. A escolha de um tema
que dialogasse com a pesquisa a qual estamos desenvolvendo na pós-graduação foi uma “orientação” dos
professores.
realizado por Rios e Mattos (2004) que perpassa o período imediato do pós-abolição, as
últimas décadas do século XX, subsidiadas por fontes que foram produzidas, com certa
sistematicidade, a partir do centenário da abolição em 1988 e de maneira sistemática a
partir de 1994, com a contribuição de diversos pesquisadores do projeto Memórias do
Cativeiro do Laboratório de História Oral e Imagem - Universidade Federal Fluminense
- LABHOI – UFF. O que resolveu, em partes, o problema da ausência de fontes sobre a
trajetória dos negros no pós-abolição. Isso possibilitou conhecer, através da História
Oral, as trajetórias daqueles que migraram no pós-abolição, como em alguns exemplos
mencionados, nas décadas de 1930 e 1940.
Outro estudo que também chamou nossa atenção, nesse sentido, foi realizado
por Carlos Eduardo Coutinho da Costa (2015), intitulado: Migrações negras no pós-
abolição do sudeste cafeeiro (1888-1940). O recorte apresentado, também abrange o
século XX, especificamente até 1940. No mencionado estudo, Costa (2015) começa
chamando atenção para a importância de outra perspectiva, que busque um
entendimento diferente daqueles empregados nos primeiros estudos sobre a migração no
pós-abolição, propagadora de uma compreensão negativa da trajetória do povo negro.
Para o autor, esses estudos teriam difundido uma ideia de que os ex-cativos sofreram
um processo de perda e que a migração dos libertados pela Lei Áurea, sobretudo do
Vale do Paraíba explicava o surgimento na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, da
formação de Favelas, guetos e periferias. Diversos outros autores contribuíram para o
desenvolvimento dessa discussão. Contudo, entendemos que como ponto de partida, as
afirmações e refutações realizadas por Rios e Mattos (2004) e Costa (2015) foram
fundamentais.
Com base nas mazelas da herança deixada pela escravidão e na “anomia social”
dos negros livres e seus descendentes, uma parte dessa historiografia produzida na
metade do século XX, sustentou uma representação negativa da trajetória desse grupo
social, e que inclusive é perpetuado até a atualidade. Contudo, Costa (2015, p. 102)
assevera uma ideia contrária a essas afirmações e destaca a importância que deve ser
dada, “à agência de ex-cativos e de seus descendentes nesse processo”. A migração
nesse caso, segundo o mesmo, pode ser caracterizada, não apenas como uma ação
consciente, que tem seu próprio significado e não teria ocorrido devido apenas as perdas
matérias sofridas por esse grupo social. Ao tomar o migrante como agente desse
processo, o pesquisador enfatiza, a partir de dados qualitativos, quantitativos e
demográficos, outros aspectos inerentes desse processo que, inclusive, esboça um novo
contexto, como: “medo, a violência, as esperanças e objetivos” (COSTA, 2015, p.102).
Para trabalhar, os negros deveriam disputar com os trabalhadores imigrantes e os
nacionais, e nesse embate não é difícil presumir quem perdeu, ou melhor dizendo, quem
não obteve espaço. Foi o que ocorreu, de acordo com alguns autores aos quais Costa
(2015) faz referência, nas fazendas do interior paulista, depois de não obter sucesso
nessa inserção social, forçosamente os ex-escravos teriam sido obrigados a migrar para
as cidades que estavam em desenvolvimento, nesse caso Santos, que era zona portuária.
Essa expulsão dos trabalhadores do campo teria contribuído para criar um exército de
mão-de-obra na cidade, que fora interessante para a industrialização, responsável pelo
amplo contingente de subempregados e desempregados, no caso do Rio de Janeiro. A
segregação social, racial e espacial decorrera justamente desses fatores mencionados, o
que teria levado a uma calamitosa questão social. O autor enfatiza que essa foi uma
visão bastante generalizada sobre a trajetória dos ex-escravos, responsável por aquela, já
menciona, experiência negativa e de “vitimização” dos negros no pós-abolição.
Ainda, segundo Ana Maria Rios e Hebe Maria Mattos (2004) esses estudos são
respaldados apenas pelos condicionantes econômicos, e não levam em conta outras
questões ligadas aos aspectos culturais, violência e outros, ideias essas das quais
comunga também Costa (2015). As pesquisas realizadas por esses autores enveredam
numa vertente, que destaca outros elementos fundamentais nessa conjuntura, como é
enfatizado, “a migração não deve ser vista como resultado do período da escravidão e
seu subsequente desmantelamento, mas sim através da ótica da agência do negro no
pós-abolição” (COSTA, 2015, p. 106). Ou seja, fatores como a agência dos ex-escravos,
assim como também suas próprias vontades e os seus projetos de vida precisam ser
considerados.
Algumas questões sobre a mobilidade dos recém-cidadãos negros precisam ser
consideradas, como é realçado por Rios e Mattos (2004) que chama atenção para o fato
de que mesmo com as passagens no trem sendo subsidiadas pelo governo imperial, parte
desses libertos preferiram permanecer na região onde morava devido à rede de parentes
existente na própria localidade em que residiam. Sendo essa, segundo as autoras, uma
decisão estratégica, devido à maior possibilidade de sobrevivência nos locais onde
conheceram a cativeiro, até mesmo devido às dificuldades de acesso à terra em outros
lugares.
No que diz respeito aos motivos que contribuíram para a migração desse grupo
social, Rios e Mattos (2004) destaca que a própria legislação, como a Lei de Terras do
período não foram favoráveis aos ex-escravos. A mobilidade que antes fora tida com
exercício da liberdade, para alguns se tornou uma maldição. A crise da cafeicultura
também levou parte dos fazendeiros a optarem pela criação de gado extensiva, que
utiliza um quantitativo de mão de mão-de-obra muito menor. Consta ainda a migração
de trabalhadores sazonais, esses habitavam os barracões das fazendas ou casas
emprestadas, ou construídas por eles mesmos, a maioria eram instalações extremamente
precárias. Alguns depoimentos de descentes apontam uma tendência a partir da década
de 1930 da migração para as cidades como, Rio de Janeiro, Juiz de Fora, mas também
para pequenas cidades, como Nova Iguaçu para trabalhar na lavoura. Nesse caso, foi
identificada a existência de uma rede de parentes, pois muitos migraram a convite de
familiares. Leonardo Marques (2009) também contribui nesse sentido, ao realçar que
outra região, também atraiu trabalhadores negros no pós-abolição que foi o Estado do
Paraná. Nesse sentido, o pesquisador destaca que a explicação para esse fluxo
migratório foi devido a possibilidade de acesso a terra. Como podemos perceber,
mesmo que de forma breve é aludida outras rotas de migração, que não seja estritamente
aquelas na direção das grandes cidades da época.
Em diversas outras regiões do Brasil também é possível perceber a afluência de
negros no pós-abolição, a exemplo disso podemos citar o “belíssimo” artigo dos
pesquisadores, Ketno Lucas Santiago e Francisco Pereira Smith Júnior (2019), onde eles
fazem um Estado da Arte sobre a migração negra. E enfatizam, desde a chegada dos
primeiros cativos aos libertos no pós-abolição na região amazônica.
A essa altura podemos fazer o seguinte questionamento, o que essa perspectiva,
dos mencionados autores sobre a mobilidade dos cidadãos negros no pós-abolição tem a
nos iluminar sobre a migração de trabalhadores num contexto mais geral? Essa não é
uma pergunta que costumeiramente fazemos, sobretudo, aqueles que lidam com os
estudos da migração em massa de trabalhadores em outros períodos ou recortes. A
compreensão desse tema torna-se muito mais profícuo quando consideramos um recorte
mais amplo, como ponto de partida. Não permanecemos focado apenas nos fatores
econômicos que ocorreram concomitantes ao fenômeno da mobilidade em estudo. E
assim, a perspectiva expulsão e atração acabam sendo praticamente indispensáveis.
Nesse sentido, quando partimos de um recorte mais amplo, procurando compreender
como se operacionalizava a migração em períodos anteriores é nítido como alguns
comportamentos se repetem no contexto posterior, já outros não, como também surgem
novos. Assim é possível dar muito mais atenção aos sujeitos e suas ações. Como, por
exemplo, o próprio exercício da liberdade e a busca por uma vida melhor.
Alguns paradigmas metodológicos como a expulsão e a atração, defendidos pelo
pesquisador Paul Singer, por exemplo, são respaldados nos condicionantes econômicos.
Essa é uma perspectiva, que por mais que os estudiosos tentem fugir delas, de alguma
maneira, hora ou outra, elas reaparecem. Talvez, outros aspectos da dimensão
econômica da migração não tenham sido tanto explorados e também merece reflexão.
No entanto, os defendemos desde que sejam atrelados a outras possibilidades de
entendimentos.
Ao nos debruçarmos sobre as pesquisas relacionadas a migração de ex-escravos
nessa perspectiva enfatizada percebemos um universo muito amplo e porque não
complexo em relação a mobilidade. Nesse sentido é atribuído o protagonismo à
trajetória pessoal desses sujeitos. No caso da migração de trabalhadores provenientes da
região do nordeste, a leitura mais comum sempre foi: a seca expulsa e São Paulo devido
a ampla demanda por mão-de-obra os atraem. Contudo, devemos refletir que de maneira
pessoal, esses sujeitos são imbuídos de uma vontade própria, a decisão de migrar ocorre
mediante vários fatores, que incluem melhores condições de vida, inclusive acesso a
educação para os seus filhos, por exemplo, (COSTA, 2015). Mas entendemos que não é
apenas isso, outros fatores locais, muito além das dificuldades de convivência no
semiárido e que merecem nossa atenção. Mas também podemos questionar a quem
interessa essa percepção do Nordeste como lugar da seca, da fome e a miséria?3
A convivência no semiárido passou a ser inviabilizada, não devido aos fatores
estritamente climáticos, mas sim, relacionado àqueles, que diz respeito a exploração
econômica fomentada pela concentração de riquezas e poder político. As condições as
quais os sertanejos foram submetidos remetem à exploração, ao desgaste do solo e à
expulsão dos povos indígenas da região, desde a sua primeira forma de ocupação, ainda
no período colonial, com a pecuária extensiva. Nesse processo foram intensamente
praticadas as queimadas, desmatamentos, degradação dos rios e mananciais, além da
ampla concentração fundiária. O resultado dessa conjuntura foi a crescente pobreza e
miséria, mortalidade infantil a qual o sertanejo era submetido. É evidente que tudo isso,
ocorreu e ainda ocorre numa região onde os fatores climáticos são desfavoráveis, mas

3
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 4ª ed. Recife: FJN; Ed.
Massangana; São Paulo: Cortez, 2009.
como vimos, outros agravantes são perceptíveis. Contudo, ainda não parar por ai, a elite
local, tornou a seca o seu grande “negócio”, ao colocá-la ao seu serviço, a chamada
“indústria da seca”, ao apropriarem-se dos recursos governamentais, que deveriam ter
destino, os “flagelados”. Até mesmo as medida adotadas pelo governo, de convivência
com a seca foram falhas, como o armazenamento de água por meio da construção dos
açudes desde 1909. Tecnicamente os mesmos foram construídos de forma inadequada, a
água evaporava, além da localização dos mesmos que viabilizava o atendimento de
muitas famílias (ROBERTO MARINHO ALVES DA SILVA, 2003)4.
O financiamento do deslocamento de trabalhadores de diversas regiões,
sobretudo do Norte de Minas Gerais e Nordeste do Brasil, demonstra que os
investimentos em relação a região Sudeste são proporcionalmente muito maiores.
Inclusive, essa era uma constante cobrança da elite agrária, principalmente de São
Paulo, para que o governo fornecesse trabalhadores para agricultura do Estado. Foi
então que a partir de 1930, o governo de Getúlio Vargas, desempenhou ações concretas
no intuito de resolver esse problema, ao desenvolver políticas voltadas para o
fornecimento de mão-de-obra nessa região (PAIVA, 2004). Pouco se discute sobre os
investimentos financeiros na casa dos milhões dispendidos nesses deslocamentos de
trabalhadores.
Num primeiro momento eram contratadas empresas privadas, assunto esse
estudado por Tessari e Costa (2019), para realizar esses agenciamentos. Os responsáveis
pelas mesmas eram recompensados por “cabeças” isso é por cada trabalhador, que eram
avaliados por idade, cada um tinha um preço inclusive as crianças. Sueli de Castro
Gomes (2006) menciona que aqueles que tinham acima de 12 anos, rendiam 60 mil reis
por migrante avulso, e pelos de 3 a 12 anos eram pagos 30 mil reis. Segundo Odair da
Cruz Paiva (2004), entre os anos de 1927 a 1951 foram introduzidos 1.300.000
trabalhadores, oriundos do Nordeste e Minas Gerais, somente na agricultura paulista.
Devemos considerar que esses dados são relativos a documentação oficial do governo, a
maior parte foram agenciados com subsídios da política migratória. Muitos
trabalhadores também chegaram a São Paulo sem necessariamente passar pela
Hospedaria do Migrante, além daqueles que foram para outros Estados do Sul e
Sudeste.

4
Sobre ver também: CASTRO. Geografia da fome: o dilema brasileiro – pão ou aço. 14. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
Talvez nós pesquisadores da migração, devamos dar mais atenção aos aspectos
econômicos, contudo de maneira crítica e questionar as relações econômicas
relacionadas ao comércio de mão-de-obra nesse período. À mercê dos agenciadores,
parte desses trabalhadores teve que sobreviver em condições extremamente precárias.
Sem falar aqueles que ficaram a deriva da política migratória do governo Vargas, ao
serem retidos, por exemplo, em Montes Claros-MG, sem terem para onde ir. Isso
ocorria quando os migrantes não eram aprovados na triagem realizada nessa cidade do
Norte de Minas. Os considerados imprestáveis, como são referidos pela imprensa local
da época, permaneciam retidos em Montes Claros, sem possibilidade de retornar a terra
natal e nem de seguir em frente. Isso porque os poucos recursos reunidos antes da
viagem foram despendidos nas despesas com o aluguel do caminhão que os
transportariam até essa cidade do Norte de Minas. Uma vez que grande parte desses
trabalhadores almejava ter suas despesas de viagem custeada pela política migratória da
época, que além de hospedagem nessa cidade, concedia também o direito de
gratuitamente embarcar na estação ferroviária para São Paulo, onde eram novamente
avaliados na Hospedaria do Migrante, quando tinha o direito de ir e vir tolhido. Com a
liberdade condicionada, era preciso aguardar dentro dos próprios muros da Instituição o
seu destino. Esse foi o tema de um estudo recentemente publicado pelo autor desse
artigo, intitulado: “A legião dos rejeitados”: trabalhadores retidos pela política de
controle da migração em Montes Claros /MG, na década de 1930. Pedro J. F. Pereira
(2021a) chama a atenção para o controle, a exclusão e a precarização da política
migratória do governo Vargas, a partir justamente da triagem que era realizada na
cidade, no que era chamado escritório das agências de recrutamento de mão-de-obra e
depois, já no Estado Novo, posto avançado da Hospedaria do Migrante.
Aqui tangenciaremos as condições dos migrantes retidos em Montes Claros,
apenas a título de contextualização. O que contribui para atrair esses sujeitos para essa
cidade, segundo Pereira (2021a) foi justamente a chegada da Ferrovia em 1926. Devido
as questões políticas e econômicas, como a crise de 1929, os efeitos da Primeira Guerra
Mundial e o desencadeamento da Segunda Grande Guerra, dentre outros (BASSANEZI,
2012) e (BAENINGER, 2012). Esses eventos contribuíram para que as obras da
Ferrovia Central do Brasil, que estava sendo construída com objetivo de interligar o
Sudeste com o Nordeste e Norte do país foi paralisado até a década de 1940. E Montes
Claros permaneceu como ponta de trilho. Segundo Simone Narciso Lessa (1993), a
região provavelmente era o corredor de migração mais intenso do país nesse período.
A migração de trabalhadores para o Sudeste não era algo recente nesse período,
já ocorria, mas ganhou uma nova dinâmica. As políticas econômicas adotadas pelo
governo Vargas passaram a enfatizar a integração nacional e a valorização da mão-de
obra interna. Nesse período a imigração de estrangeiros, já não tinha a mesma dinâmica
do período anterior, nem era incentivada, como antes, ao contrário, passou se adotar
uma série de medidas restritivas, com base em critérios eugênicos (KOIFMAN, 2012).
Inclusive se pensou também na desarticulação do movimento operário conduzido pelos
Europeus no Brasil (NEGRO; GOMES, 2006, p. 05).
Em relação a migração interna, antes era mais comum os agenciadores se
deslocaram para as regiões do Norte de Minas e Nordeste e fazer o recrutamento desses
trabalhadores. A partir da chegada da ferrovia, no Norte de Minas Gerais, primeiro na
cidade de Pirapora e depois em Montes Claros, os trabalhadores se direcionavam para
essas cidades, nessa primeira pelo curso do Rio São Francisco e para a segunda, por
estradas de terra na esperança de embarcar na Estação Ferroviária, sobretudo, com
destino a São Paulo (PEREIRA, 2021a).
Ao se depararem com a afluência desses sujeitos para Montes Claros, os
agenciadores perceberam a possiblidade de fazer o recrutamento de trabalhadores nessa
cidade. E depois, no Estado Novo, especificamente em 1939, o governo passou a
controlar todo esse processo e dispensou os recrutadores privados, devido os altos
custos desse serviço para o Estado Brasileiro, pois era o governo federal, o responsável
pelo seu gerenciamento e financiamento. O autor a seguir esclarece que:

Até 1939 a arregimentação dos trabalhadores, triagem, inspeção


médica no ponto de embarque e autorização das autoridades locais
para a liberação dos migrantes foram de competência exclusiva dos
agentes contratantes. À Secretaria da Agricultura cabia o registro e
controle dos pedidos de trabalhadores migrantes e destino dos mesmos
(PAIVA, 2004, p. 123).

A triagem realizada por ambos em Montes Claros constavam de inspeção médica e


aqueles que eram aprovados, eram vacinados e tinham que fazer uma quarenta de pelos
menos oito dias, antes de receber a autorização de embarque custeada pelo governo.
Existia uma hospedaria mantida para esse fim. Os que não eram aprovados, que
possuíam qualquer tipo de doença, deficiência física, assim como também as mulheres
que não estivessem acompanhadas de uma presença masculina eram retidas. Pereira
(2021a, p.10) cita os dados obtidos pelo Jornal Gazeta do Norte no ano de 1939, que nos
possibilita conhecer algumas das doenças que acometiam os migrantes na época, entre
elas um surto de “dysenteria” que não foi mencionado a seguir:

Os imprestáveis, os loucos, os portadores de moléstias contagiosas, os


cegos, os aleijados, os papudos, aqui ficam abandonados [...]. É uma
desigualdade revoltante auxiliar as pessoas fortes, e negar auxílio
àquelas que são necessitadas. É uma desumanidade abandonar nas
ruas de uma cidade, cegos, aleijados, tracomatôso, [tracôma], beócios,
papudos e outros doentes sem casa, sem abrigo, sem pão, quando
podia perfeitamente socorrê-los (Grifo nosso).

O serviço de recrutamento, também não conseguia atender o fluxo constante de pessoas


que chegavam diariamente. Em alguns períodos foram contabilizados a entrada diária de
cinco mil migrantes, isso numa cidade que na década de 1930 que possuía cerca de oito
mil munícipes urbanos. O número dos retidos em alguns momentos superava o dos
habitantes locais. Foram registrados, num período, cerca de doze mil trabalhadores que
não receberam autorização para seguir, em condições extremamente precárias.
Novamente citando dados do Jornal local, o autor destaca que:

Quatro a cinco mil, no entanto, estão ahi escorados nas pontas dos
trilhos, aumentados dia a dia por novas levas que batem as estradas a
pé a maioria, de caminhão outros, todos em fim, com um pé fora e
outro dentro da cova. E é aqui, que eles são capazes de terminar sua “v
a crucis”, botando, de vez os dois pés dentro do buraco para descanso
eterno (PEREIRA, 2021a, p.13).

Sem contarem com nenhum auxílio dos agenciadores, dependo da mendicância,


permaneciam desabrigados em baixos das arvores, nos beirais das casas, junto ao curral
de bovinos da estação ferroviária. Alguns que tinha condições financeiras podiam alugar
uma pousada, mas esses eram poucos5.
Ao lançar mão dos dados da imprensa para falar da trajetória dos migrantes,
sendo essa inclusive, uma das poucas fontes localizadas sobre o tema, não podemos
deixar de considerar todos os cuidados metodológicos que precisamos ter ao

5
Citando os dados da revista Observatório Econômico o autor enfatiza que: “Si tem algum recurso, o
emigrante procura uma pensão, das muitas – como a “Pensão Pinduca”, a “Pensão Juvenil” e outras,
escuras casas de beira-rio, – onde lhes são cobradas diárias de 6$ a 7$ por pessoa. Outros allugam
quartos, onde se alojam dezenas de pessoas à razão de 500 réis por dia e por cabeça. Outros, ainda
procuram a sombra das árvores para se abrigar, e ás vezes lhes são cobrados alguns tostões pelas sombras.
Outros ainda, mercê de alguma influência, conseguem, por $300, descansar á sombra de casas, sob algum
telheiro avulso” (PEREIRA, 2021, p. 276).
transformar essas informações em subsídios para a pesquisa 6. Inclusive a representação
do migrante no Gazeta do Norte é extremamente negativa. Contudo, essa fonte também
nos possibilita fazer diversas outras leituras, desse contexto. Uma delas é que os
migrantes não eram bem vindos a Montes Claros, muito pelo contrário, com a chegada
da ferrovia, a elite local passou aspirar ideais de desenvolvimento urbano e econômico.
A chegada desse grupo demonstra a manifestação de certo temor daqueles, algo que não
é estranho em relação as multidões, que foi detectado também por Kênia Sousa Rios
(2014) em relação ao temor da elite da cidade Fortaleza num período muito próximo a
esse abordado por Pereira (2021a). Outra questão pertinente que já abordamos no início
de texto, mencionada por autores como Costa (2015) e a visão negativa e “vitimista”,
que também se repetem no contexto desses migrantes. Ou seja, são expulsos do campo e
atraídos para o meio urbano. A sua presença na cidade causam diversos transtornos
sociais, dai surgem os “guetos”, as “favelas”, assim como o subemprego e o
desemprego, além de contribuírem com o aumento da violência.
No caso de Montes Claros, as chegada dos migrantes não só causou rejeição,
uma vez que a elite local os considerava um entrave para o “progresso” da cidade,
também desencadeou uma série de mobilizações no intuito de livrarem-se dos chamados
retirantes da seca. Nesse intuito recorriam ao governo federal, uma vez que era esse o
responsável pela política migratória, como foi retratado por Pereira (2021a). Também
foram criadas diversas ações locais, nesse sentido, entre elas fundação de uma
instituição, denominada, Damas da Caridade, com o objetivo de reunir recursos
financeiros que eram direcionados para o custeio do embarque de migrantes no trem
para outras localidades. E esse foi um serviço expressivo na ocasião. Num curto
período, segundo informações do Gazeta do Norte, cerca de doze mil migrantes foram
enviados para Estados, como São Paulo, Baixada fluminense e Paraná.
Ainda constam nesse pacote de medidas, ações como, aquelas adotadas pelo
delegado de polícia local, que tentou impor a exigência dos migrantes terem que se
apresentarem a polícia ao chegar à cidade. Àqueles que fossem constatadas a
impossibilidade de trabalhar, receberia uma espécie de “crachá” que os autorizavam
mendigar na cidade. Contudo, isso não durou muito, logo foi proibido que a população
concedesse esmolas aos migrantes, as mesmas deveriam ser doadas a um dispensário
coordenado pela Igreja Católica.
6
Ver sobre o assunto: CRUZ, Heloisa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na Oficina do
Historiador: conversas sobre história e imprensa. Projeto História, São Paulo, n. 35, p. 253-270, dez.
2007.
Algo que era muito conhecido na região, chamado o trem de doido 7, também
teve um importante papel da tarefa de livrar a cidade da presença dos migrantes. Pois,
muitos dos que eram categorizados, pela autoridade policial como loucos ou doentes
eram embarcados no vagão de doidos para sanatórios de outras regiões como em
Barbacena8. A estratégia de emprega-los em obras públicas só ocorreu depois de
perceberem que era impossível “livrarem-se” da presença dos migrantes, mediante aos
novos grupos que chegavam dia a pós dia.
Atribuir ao aumento da violência devido a chegada dos “retirantes” também foi
algo constante nas páginas do Gazeta de Norte, como demonstra o autor a seguir, a
partir de informações do Jornal: “Montes Claros, cidade que, como se sabe, é ponto de
convergência de todos os que residem no Norte do Estado, e no Sul da Bahia”
(PEREIRA, 2021a, p.16). Inclusive é perceptível certo incentivo a população de que se
defendesses das “quadrilhas de gatunos” que agiam no período noturno. A propagação
de violência urbana na ocasião foi fortemente divulgada pelo então Jornal, a ponto de
criar um imaginário de cidade violenta, algo que acabou se tornando negativo, a própria
imprensa, chegou a se retratar dizendo que houve certo exagero ao abordar o assunto.
Contudo, a migração permaneceu como fomentadora desse temor urbano.
Como percebemos anteriormente, os maiores interessados na migração,
sobretudo foram aqueles que se beneficiaram da mão-de-obra e os que lucraram com o
agenciamento. Se por um lado, os valores eram exorbitantes montantes em recursos
financeiros, para financiá-la, o mesmo não consta, em relação aos investimentos nas
condições as quais esses trabalhadores eram submetidos durante a mobilidade. O
próprio local que abrigavam esses migrantes considerados “ideais” para trabalhar em
São Paulo, segundo Pereira (2021a) era tido como “imundos e fétidos”. O que para nós
pode ser caracterizada como prática de violência. Inclusive, alguns registros, sendo
esses poucos, mas é algo que foi mencionado, faz referência a violência sexual sofrida
pelas mulheres nesse contexto, assunto esse que merece uma abordagem especifica.
Outro evento muito comum nas fontes analisadas por Pereira (2021a) são os inúmeros
acidentes com vítimas feridas e fatais com os caminhões que transportavam os
migrantes até Montes Claros. Os conhecidos como “Pau de arara” abarrotados de
migrantes percorriam estradas precárias, até mesmo registros de acidentes devido a

7
Sobre o assunto ver: MATTOS, Virgílio Antônio Cunha de. Trem de doido: o direito penal & a
psiquiatria de mãos dadas. Belo Horizonte: Editora Uma, 1999.
8
Sobre o assunto ver: ARBEX, Daniela. Holocausto Brasileiro. 1ª ed. São Paulo: Geração Editorial,
2013.
ingestão de bebidas alcoólicas, como cachaça, pelo motorista foram localizadas. O que
reforça a constatação da violência e a precariedade das condições da mobilidade desses
trabalhadores.
A violência no contexto da migração no pós-abolição mencionada por estudiosos
como Costa (2015) é um fator inerentes a ser considerado como uma das causas que
levam os ex-escravos a migrar. Contudo, percebemos que outras formas de violência
também permeiam a contexto de vida de outros grupos de migrante. Acreditamos que ao
considerar as condições as quais se encontravam os trabalhadores rurais, por exemplo,
não é difícil de conjecturar o ambiente permeado também pela violência, a insegurança
já no século XX. A própria ausência de amparo legal mediante a legislação já nos dá
indícios nesse sentido. A partir da Era Vargas, o trabalhador urbano passou a ser
amparado pelas leis trabalhistas, mas aqueles outros só passariam a contar com o
Estatuto do Trabalhador Rural a partir de 1963. O que os deixaram a mercê de todas as
consequências da ausência de leis que os amparassem.
A violência que permeou a vida dos trabalhadores do campo segundo Juliana
Maria Magalhães Lopes Cerqueira e Denes Dantas Vieira (2018) é algo que vem desde
a colonização, perpassando a escravidão, repúblicas, ditadura militar até chegar ao
momento atual. Os contornos que essa violência assume são distintos, isso vai depender
do período e da localidade, como exemplo, a autora relembra o povoado de Belo Monte,
onde metade do exército brasileiro dizimou os liderados por Antônio Conselheiro no
sertão baiano. No Sul do país, não foi diferente, com a população de Contestado. Na Era
Vargas, já em 1930, na comunidade de Pau de Colher 9 cerca de mil pessoas foram
massacradas pela força militar de Pernambuco. Num país basicamente rural, todos esses
episódios aconteceram no campo e permeado pela violência. É evidente que esses são
eventos de magnitude maior, não podemos esquecer-nos das ações violentas os quais
foram alvos os pequenos proprietários de terras que foram e ainda são ameaçados e
expulsos das suas propriedades pelos grandes latifundiários10.

9
Ver sobre: "Raiz e semente da História": 80 anos do Massacre de Pau Colher. Disponível em:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/585315-raiz-e-semente-da-historia-80-anos-do-massacre-de-pau-
colher. Acesso em: 01 out./ 2021.
10
BARREIRA, César. "Pistolagem política: a morte por encomenda". In: Reforma Agrária. Campinas,
ABRA, v. 22, n. 1, jan/abr 1992;
MARTINS, José de Souza - Expropriação e Violência. São Paulo, HUCITEC, 1980, 2.ed. 1991;
BRUMER, Anita & TAVARES DOS SANTOS, José Vicente. “Estudos agrários no Brasil:
Modernização, violência e lutas sociais(desenvolvimento e limites da Sociologia Rural no final do Século
XX). In: PIÑEIRO, Diego (org.). 30 Años (anos) de Sociología Rural en (na) América Latina.
Montevideo, Uruguay, ALASRU – Asociación Latinoamericana de Sociología Rural / SBS – Sociedade
Brasileira de Sociologia, 2.000.
Não é nossa intenção negar as reações, avanços e lutas desses trabalhadores com
uma série de derrotas para o Estado como afirma Gilberto Bercovici (2020). Podemos
lembrar a criação das Ligas Camponesas, que possibilitou a afirmação da identidade
política da classe como realçou Vieira (2018). Mas Bercovici (2020) também não deixa
de lembrar o foco do governo Vargas que foi a regulamentação do trabalho urbano, o
mundo rural sofreu certo abandono e marginalização, a conjuntura era de
conservadorismo, enquanto que o contexto urbano era de modernidade.
Outro momento que também marcou de maneira violenta a trajetória do
trabalhador do campo, foram diversos mecanismos que surgiram com o golpe militar,
entre eles podemos citar o Estatuto da Terra, que causou impactos prejudiciais ao
camponês. Esse grupo ainda enfrentaria a chamada “Revolução verde” responsável pela
introdução da indústria agrícola, nesse contexto também surgiram vários conflitos no
campo. No pós-ditadura militar a reforma agrária ganhou visibilidade, a partir da
reivindicação da função social da terra. Quando se trata de violência no campo, Vieira
(2018) enfatiza que esses três períodos é fundamental para compreender, inclusive a
violência no campo, hoje no Brasil.
O que percebemos é que são múltiplos os fatores que levam um sujeito a migrar.
Atribuir exclusivamente a um ou outro fator a justificativa que leva a mobilidade
humana, pode nos induzir a fechar os olhos para outras questões, sejam elas, políticas, e
econômicas, sociais ou culturais. Um dos elementos que entendemos como pertinente e
que perpassa diversas períodos e lugares os quais a migração é retratada são as
representações negativas relacionadas a trajetória do sujeito migrante, que inclusive
perdura até dias de hoje. Concordando com Negro e Gomes (2006) quando eles
argumentam que é necessário considerar as relações complexas, teias de cultura e poder
que permeiam as ações cotidianas desses sujeitos. É possível detectar outras relações de
trabalho, como aquelas por conta própria, concordando também com Fortes (2006)
realçamos as estratégias que os migrantes são forçados a desenvolver para lidar com as
incertezas da vida diária.
No caso dos migrantes retidos em Montes Claros, Pereira (2021a) destaca que
grande parte deles permaneceram na cidade e foram extremante importante no
desenvolvimento urbano, demográfico e econômico da mesma. Prova disso são os
próprios dados do censo de 1950 que foi citado pelo autor, em apenas duas décadas
Montes Claros já contabilizava Cinquenta Mil habitantes e a população total do
município já alcançara os dígitos dos Oitenta Mil. Logo viria a classificação de cidade
como porte médio, uma referência para a prestação de serviços públicos e privados a
todo o Norte de Minas e ainda possui um polo universitário de destaque em Minas
Gerais. E que na década de 1960 foi comtemplada com os recursos da Superintendência
do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. O que possibilitou a criação de um
amplo polo industrial, chegada de novos migrantes, o desenvolvimento econômico,
demográfico e urbano novamente foi elevado a números considerados, atualmente a
cidade já se aproxima dos Quinhentos Mil habitantes.
Pouco se fala, contudo, da contribuição dos migrantes nos primórdios, ainda são
escassos as pesquisas sobre o primeiro salto demográfico ocorrido a partir da década de
1930, com a chegada da ferrovia. O primeiro bairro que surgiu ao lado da Estação
Ferroviária, o Morrinhos habitado em sua maioria por migrantes é categorizado por
Marcos Esdras Leite(2011) como a primeira favela de Montes Claros. Mas que na
pesquisa realizada por Pereira (2021b) no artigo intitulado: “É no subúrbio que a vida
desmente a história oficial”: a trajetória e as memórias dos migrantes apagados da
história urbana de Montes Claros/MG, 1930 – 1950trata-sede uma área que deve
classificada como subúrbio que na leitura de Jose Martins de Souza (1992) é muito
diferente de um aglomerado de favela, não que vejamos como negativo essa última, mas
o que percebemos é justamente aquela tendência citada no início desse artigo, a
tentativa de criar uma percepção negativa da trajetória dos migrantes e o pouco crédito
que é atribuído ao papel que eles desempenharam no desenvolvimento da cidade.

Referências bibliográficas

BAENINGER, Rosana. Fases e faces da migração em São Paulo. Campinas: Núcleo de


Estudos de População-Nepo/Unicamp, 2012. Disponível em:
https://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/faces_migracao/Fases_e_faces_da_mi
gracao_em_Sao_Paulo.pdf. Acesso em: 12 Jul./ 2021.

BASSANEZI, Maria Silvia C. B. Imigração Internacional e Dinâmica Demográfica no


Tempo do Café. In: TEIXEIRA, Paulo E.; BRAGA, Antônio M. C.; BAENINGER,
Rosana (Orgs.). Migrações: implicações passadas, presentes e futuras. Marília: Oficina
Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. Disponível em:
https://www.yumpu.com/pt/document/view/33792392/migracoes-implicacoes-passadas-
presentes-e-unesp. Acesso em: 15 ago./ 2021.

COSTA. Carlos Eduardo Coutinho da. Migrações negras no pós-abolição do sudeste


cafeeiro (1888-1940). Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 16, n. 30, p. 101-126, jan./jun.
2015. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/topoi/a/jkQ7K3v9WhjBKKdMmvs4kkz/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em 01 set./ 2021.

FILHO, Walter Fraga. Repensando a Abolição. Revista de História, 1, 1 (2009), pp.


119-124. Disponível em: http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_1/e01.pdf. Acesso
em: 22 ago./ 2021.

FORTES, Alexandre. O processo histórico de formação da classe trabalhadora:


algumas considerações. Revista Estudos Históricos Rio de Janeiro, vol. 29, n. 59, p.
587-606,
setembro-dezembro 2016. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/eh/a/TV7Xv3xPMBGNr5FjDcbZQJD/?lang=pt&format=pdf.
Acesso em: 12 ago./2021.

LEITE, Marcos Esdras. Geotecnologias aplicadas ao mapeamento de uso do solo


urbano e da dinâmica de favelas em cidades médias: o caso de Montes Claros/MG.
Tese de doutorado. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2011. Disponível
em: https://goo.gl/kFxQjB. Acesso em: 12 dez. 2017.

LESSA, Simone Narciso. Trem de Ferro: do cosmopolitismo ao sertão. Dissertação


(Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993.

MARTINS, José de Souza. Subúrbio: vida cotidiana e história no subúrbio da cidade de


São Paulo: São Caetano, do fim do império ao fim da República velha. São Paulo:
Hucitec, 1992.

MATTOS, Hebe. “Nós tudo hoje é cidadão”. In: Das cores do silêncio. Os significados
da liberdade no Sudeste escravista, século XIX. Campinas, Editora da Unicamp, 2013.

CERQUEIRA, Juliana Maria Magalhães Lopes; VIEIRA, Denes Dantas. Aspectos


estruturais da violência no campo: uma revisão bibliográfica a partir do caso brasileiro.
Inter-Ação, Goiânia, v. 43, n. 2, p. 378-392, maio/ago. 2018. Disponível em: Disponível
em: http://dx.doi.org/10.5216/ia.v43i2.52517. Acesso em: 12 set. / 2021.
.

BERCOVICI, Gilberto. A Questão Agrária na Era Vargas (1930-1964).História do


Direito: RHD. Curitiba, v.1, n.1, p. 183-226, jul-dez de 2020. Disponível em:
https://revistas.ufpr.br/historiadodireito/article/download/78725/42933. Acesso em 13
ago./2021.

MARQUES, Leonardo. Por aí e por muito longe: dívidas, migrações e os libertos de


1888 / Leonardo Marques. - Rio de Janeiro: Apicuri, 2009.
SANTIAGO, Ketno Lucas; SMITH JÚNIOR, Francisco Pereira. Migração Negra: Um
Estado da arte sobre a presença da população negra na Amazônia. Cadernos de História,
Belo Horizonte, v. 20, n. 32, 2019. Disponível
em:http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/19771.
Acesso em: 16 set./2021.

SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre dois paradigmas: combate à seca e
convivência com o semi-árido. Revista: Sociedade e Estado, Brasília, v. 18, n. 1/2, p.
361-385, jan./dez. 2003. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/se/a/P7t9S99gxSqYsNbSDVHLc9k/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 03 out./ 2021.

SINGER, Paul. Migrações internas: considerações teóricas sobre o seu estudo. In:
SINGER, Paul. Economia política da urbanização. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1976.

NEGRO, Antônio Luigi; GOMES, Flavio. Além de senzalas e fábricas: uma história
social do trabalho. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 18, n. 1, p. 217-240,
2006.

PAIVA, Oldair da Cruz. Caminhos cruzados: migração e construção do Brasil


moderno. Bauru,SP: EDSC, 2004.

PEREIRA, Pedro Jardel Fonseca. “É no subúrbio que a vida desmente a história


oficial”: a trajetória e as memórias dos migrantes apagados da história urbana de
Montes Claros/MG, 1930 – 1950. In: Anais do XXII Encontro Regional de História da
ANPUH-MG. 2021b. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1SdJnlMuSfGNe78pTZmjVJubro7ntLOIg/view?
usp=sharing. Acesso em: 14 set./ 2021.

PEREIRA, Pedro Jardel Fonseca. “A legião dos rejeitados”: trabalhadores retidos


pela política de controle da migração em Montes Claros /MG, na década de 1930.
Revista Cantareira, 34ª ed. Jan-Jun, 2021a. Disponível em:
https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/44211. Acesso em: 14 set./ 2021.

RIOS, Ana Maria; MATTOS, Hebe Maria. O pós-abolição como problema histórico:
balanços e perspectivas. TOPOI, v. 5, n. 8, jan.-jun. 2004, pp. 170-198. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/topoi/a/FRCsRSBMxZHwc7mD63wSQcM/?
lang=pt&format=pdf. Acesso em: 28 ago./ 2021.

TESSARI, Cláudia Alessandra; COSTA, Julio Cesar Zorzenon. Ação estatal, negócios
emigração inter-regional no Brasil (1935-1951). Economia e Sociedade, Campinas, v.
28, n. 2(66), p. 513-540, maio-agosto 2019. Disponível em:
http://www.scielo.br/j/ecos/a/CspCh3MTnk3TdT7ttwybVhw/?format=pdf&lang=pt.
Acesso em: 14 set./ 2021.

Você também pode gostar