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COESÃO E COERÊNCIA

COESÃO E COERÊNCIA
"Todos os estudos procuram demonstrar que a coerência é profunda, subjacente à
superfície linguística do texto, não linear, não marcada explicitamente na estrutura da
superfície", enquanto que a coesão é explicitamente revelada através de marcas
linguísticas, índices formais na estrutura da sequência linguística e superficial do texto,
sendo, portanto, de caráter linear". " Os elementos linguísticos da coesão não são nem
necessários, nem suficientes para que a coerência seja estabelecida. Haverá sempre
necessidade de recurso a conhecimento exteriores ao texto (conhecimento de mundo,
dos interlocutores, da situação, de normas sociais, etc.)"
(Koch e Travaglia, 1990, comentando Charolles, 1989).

COERÊNCIA TEXTUAL

"nenhum dos conceitos encontrados na literatura é capaz de conter em si todos os


aspectos definidores de coerência"
"a coerência teria a ver com a boa formação do texto em termos da interlocução
comunicativa."
"ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários (...) devendo ser
vista como princípio de interpretabilidade do texto"
"possibilidade de estabelecer alguma forma de unidade ou relação. Essa unidade é
sempre apresentada como referente ao texto como um todo".
KOCH E TRAVAGLIA (1989; 1990)
" A coerência tem como fundamento a continuidade de sentidos, dizendo respeito
ao modo como os componentes do mundo textual, isto é, a configuração de conceitos e
relações subjacentes à superfície do texto, são mutuamente acessíveis e relevantes".
BEAUGRAND E DRESSLER (1981)

A COESÃO NÃO É NECESSÁRIA:

(1) CORTE (Maria Amélia Mello)


(O dia segue normal. Arruma-se a casa. Limpa-se em volta. Cumprimenta-se os
vizinhos. Almoça-se ao meio-dia. Ouve-se rádio a tarde. Lá pelas 5 horas, inicia-se o
sempre).

(2) O SHOW

O cartaz
O desejo
O pai

O dinheiro
O ingresso

O dia
A preparação
A ida

O estádio
A multidão
A expectativa

A música
A vibração
A participação
O fim
A volta
O vazio

(texto de aluno de 1o. grau, calcado no modelo do poema


" A Pesca de Affonso Romano de Sant'Anna, citado por Koch e Travaglia, 1990)

(3a) A: O telefone!
B: Estou no banho!
A: Certo.

(3b)A: O telefone(está tocando. Você


pode atender, por favor?)
B: (Não, não posso atender porque)
Estou no banho.
C: Certo(eu vou atender)

A possibilidade de estabelecer uma relação (normalmente semântica e/ou pragmática)


entre os elementos da sequência, criando uma unidade, é que é fundamental para a
coerência. Às vezes, essa possibilidade fica na dependência de um único elemento do
texto.

(4) Petróleo
É utilizado no transporte, na produção de energia e nos mais diferentes tipos de
indústria, através de seus numerosos subprodutos, sendo, por isso fundamental à vida
humana.
Embora a produção brasileira seja insuficiente para o consumo interno, o país tem
envidado esforços para, dentro em breve, não depender mais de sua importação.

A COESÃO NÃO É SUFICIENTE:


(5) O gato comeu o peixe que meu pai pescou. O peixe era grande. Meu pai é alto. Eu
gosto do meu pai. Minha mãe também gosta. O gato é branco. Tenho muitas roupas
brancas.

(6) João vai à padaria. A padaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os
mísseis são caríssimos. Os mísseis são lançados no espaço. Segundo a teoria da
Relatividade o espaço é curvo. A geometria Rimaniana dá conta desse fenômeno.
(Marcushi, 1983, p.31)

Possibilidade de existência de textos incoerentes


" Texto incoerente é aquele em que o leitor ou ouvinte não consegue descobrir
qualquer continuidade de sentido, seja pela discrepância entre os conhecimentos
ativados, seja pela inadequação entre esses conhecimentos e o seu universo cognitivo."
" Uma vez que se aceita que não existe o texto incoerente em si, mas apenas que o texto
pode ser incoerente para alguém em determinada situação discursiva, o professor deve
trabalhar a produção ( e também a compreensão de textos, buscando, sempre, deixar
muito claro em que situação o texto a ser produzido deve ser encaixado.
(Koch e Travaglia, 1989, p.32)

(7) João Carlos vivia em uma pequena casa construída no alto de uma colina árida, cuja
frente dava para leste. Desde o pé da colina se espalhava em todas as direções, até o
horizonte, uma planície coberta de areia. Na noite em que completava 30 anos, João,
sentado nos degraus da escada colocada à frente de sua casa, olhava o sol poente e
observava como a sua sombra ia diminuindo no caminho coberto de grama. De repente,
viu um cavalo que descia para a sua casa. As árvores e as folhagens não permitiam ver
distintamente: entretanto observou que o cavalo era manco. Ao olhar de mais perto
verificou que o visitante era seu filho Guilherme, que há 20 anos tinha partido para
alistar-se no exército, e, em todo este tempo, não havia dado sinal de vida. Guilherme,
ao ver seu pai, desmontou imediatamente, correu até ele, lançando-se nos seus braços e
começando a chorar.
Koch e Travaglia, 1989, p. 33)

NUM OUTRO MUNDO


Desde o início dos anos 80, sabe-se em todo o mundo que a AIDS mata. desde o
início dos anos 80, sabe-se em todo o mundo que a única forma de prevenção
relativamente eficaz contra a transmissão da moléstia é o uso da camisa-de-vênus - a
camisinha - da qual o governo está sem estoques, como revelou ontem esta Folha. As
autoridades sanitárias brasileiras, contudo, parecem estar num outro mundo.
Além de umas poucas e tímidas campanhas mostrando a importância dos
preservativos para a prevenção da AIDS e de algumas belas, porém quase inócuas,
peças afirmando não haver razão para discriminar doentes, as autoridades nada de
significativo fizeram. É verdade que o Brasil, convive com muitas outras doenças que,
por enquanto, ainda são mais letais que a síndrome. Mas é importante observar que a
AIDS é incurável e tem potencial geométrico de propagação.
A única forma de tentar reverter a ascendente curva da morte - e isso 's possível, o
Zaire já conseguiu - é fazer com que a população use maciçamente a camisinha.
Segundo a OMS, para cada milhão de preservativos usados, evitam-se 303 casos de
infecção do HIV. No mercado internacional, com o custo unitário da camisinha a US$
0,03, impedir uma contaminação sai por US$ 99. Tratar um aidético pode custar
milhares de dólares.
Entretanto, no Brasil, o custo da camisinha chega a ser, devido à cobrança de ICMS e
IPI e de outras exigências burocráticas, 14 vezes superior ao do similar no mercado
internacional.
Enfim, passados mais de dez anos da descoberta da doença e da forma mais conhecida
de preveni-la, só agora as autoridades sanitárias estão cogitando de pedir a isenção de
impostos para o produto e a liberalização das importações. A título de exemplo da
miopia do governo, o diamante lapidado está isento de IPI; a camisinha paga 15%.
(Folha de São Paulo, 15/08/95)
FAZENDO AS CONEXÕES
Uma preocupação de quem escreve é ver se os conectores estão empregados com
precisão. A toda hora estamos fazendo uso deles. Por isso, damos a seguir uma lista
sucinta desses conectivos e suas respectivas funções:
conjunções, locuções conjuntivas, preposições e locuções prepositivas:

1. adição - e, nem, também, não só... mas também.


2. alternância - ou... ou, quer...quer, seja...seja.
3. causa - porque, já que, visto que, graças a, em virtude de, por (+ infinitivo).
4. conclusão - logo, portanto, pois.
5. condição - se, caso, desde que, a não ser que, a menos que.
6. comparação - como, assim como.
7. conformidade - conforme, segundo.
8. consequência - tão...que, tanto... que, de modo que, de sorte que, de forma que, de
maneira que.
9. explicação - pois, porque, porquanto.
10. finalidade - para que, a fim de que; para (+ infinitivo).
11. oposição - mas, porém, entretanto; embora, mesmo que; apesar de (+ infinitivo).
12. proporção - à medida que, à proporção que, quanto mais, quanto menos.
13. tempo - quando, logo que, assim que, toda vez que, enquanto.

Pronomes relativos: que - quem - cujo - onde.


Ao empregar um pronome relativo devemos ter o seguinte cuidado:
1. ver a palavra a que ele se refere para evitar erros de concordância verbal.
Ex.: Encontramos um bom número de pessoas que estavam reivindicando os mesmos
direitos que nós.
Que = as quais (pessoas)
2. Observar o fragmento de frase de que ele faz parte. Pode ser que haja um verbo ou
um substantivo que exija uma preposição. Neste caso, ela deve preceder o relativo.
Ex.: Ninguém conseguiu até hoje esquecer a cilada de que ele foi vítima.
de que = da qual (cilada)
A preposição de foi exigida pelo substantivo vítima. A pessoa foi vítima de uma cilada.
O mesmo acontece com os verbos.
Ex.: As dificuldades a que você se refere são normais dentro de sua carreira.
a que = às quais (dificuldades)
O verbo referir-se pede a preposição a, por isso ela aparece antes do que.

AS TRANSIÇÕES
Alguns dos conectores que acabamos de estudar também aparecem com freqüência
iniciando frases, como se fossem uma espécie de ponte entre um pensamento e outro.
O conhecimento desses termos de transição ajuda a dar maior organicidade ao
pensamento, fazendo o texto progredir mais fácil. Mas é preciso uma advertência: não
devemos usá-los a cada frase começada. Se fizermos assim, tornaremos o texto pesado.
Também não devemos cair no oposto: ignorá-los completamente. Nosso texto correrá o
risco de ficar cansativo, quando não incompreensível. Saber usar os termos de transição
deve ser uma preocupação constante de quem deseja escrever bem. Eles são muito úteis
ao mudarmos de parágrafo porque estabelecem pontes seguras entre dois blocos de
ideias.

Eis os mais importantes e suas respectivas funções:


1. afetividade: felizmente, queira Deus, pudera, oxalá, ainda bem (que).
2. afirmação: com certeza, indubitavelmente, por certo, certamente, de fato.
3. conclusão: em suma, em síntese, em resumo.
4. consequência: assim, consequentemente, com efeito.
5. continuidade: além de, ainda por cima, bem como, também.
6. dúvida: talvez, provavelmente, quiçá.
7. ênfase: até, até mesmo, no mínimo, no máximo, só.
8. exclusão: apenas, exceto, menos, salvo, só, somente, senão.
9. explicação: a saber, isto é, por exemplo.
10. inclusão: inclusive, também, mesmo, até.
11. oposição: pelo contrário, ao contrário de.
12. prioridade: em primeiro lugar, primeiramente, antes de tudo, inicialmente.
13. restrição: apenas, só, somente, unicamente.
14. retificação: aliás, isto é, ou seja.
15. tempo: antes, depois, então, já, posteriormente.

COESÃO TEXTUAL
Ulysses era impressionante sob vários aspectos, o primeiro e mais óbvio dos quais
era a própria figura. Contemplado de perto, cara a cara, ele tinha a oferecer o contraste
entre as longas pálpebras, que subiam e desciam pesadas como cortinas de ferro, e
os olhos claríssimos, de um azul leve como o ar. As pálpebras anunciavam profundezas
insondáveis. Quando ele as abria parecia estar chegando de regiões inacessíveis, a
região dentro de si onde guardava sua força.
Roberto Pompeu de Toledo, Veja, 21-10-92.

Em nenhum momento, o autor da reportagem se desvia do assunto (Ulysses


Guimarães) porque se manteve atento à coesão. Para escrever de forma coesa, há uma
série de recursos, como:
1. O uso de epítetos: palavra ou frase que qualifica pessoa ou coisa.
Glauber Rocha fez filmes memoráveis. Pena que o cineasta mais famoso do cinema
brasileiro tenha morrido tão cedo.
Glauber Rocha foi substituído pelo qualificativo cineasta mais famoso do cinema
brasileiro.
2. Nominalizações: o emprego de um substantivo que remete a um verbo enunciado
anteriormente.
Eles foram testemunhar sobre o caso. O juiz disse, porém, que tal testemunho não era
válido por serem parentes do assassino.
Pode também ocorrer o contrário: um verbo retomar um substantivo já enunciado
Ele não suportou a desfeita diante de seu próprio filho. Desfeitear um homem de bem
não era coisa para se deixar passar em branco.
3. Palavras ou expressões sinônimas ou quase-sinônimas
Os quadros de Van Gogh não tinham nenhum valor em sua época. Houve telas que
serviram até de porta de galinheiro.
4. Repetição de uma palavra (com ou sem determinante) quando não for possível
substituí-la por uma outra.
Cultura é a forma como a gente se veste. Cultura engloba também as manifestações
artísticas. Cultura é a soma de todos os hábitos de um povo. Qualquer cultura, portanto,
tem elementos de interesse para um antropólogo.
5. Um termo síntese
O país é cheio de entraves burocráticos. É preciso preencher um sem-número de
papéis. Depois, pagar uma infinidade de taxas. Todas essas limitações acabam
prejudicando o importador.
A palavra limitações sintetiza o que foi dito antes.
6. Pronomes
Vitaminas fazem bem à saúde. Mas não devemos tomá-las ao acaso.
O Colégio é um dos melhores da cidade. Seus dirigentes se preocupam muito com a
educação integral.
Aquele político deve ter um discurso muito convincente. Ele já foi eleito seis vezes.
Há uma grande diferença entre Paulo e Maurício. Este guarda rancor de todos,
enquanto aquele tende a perdoar.
7. Numerais
Não se pode dizer que toda a turma esteja mal preparada. Um terço pelo menos parece
estar dominando o assunto.
Recebemos dois telegramas. O primeiro confirmava a sua chegada; o segundo dizia
justamente o contrário.
8. Advérbios pronominais (aqui, ali, lá, aí)
Não podíamos deixar de ir ao Louvre. Lá está a obra-prima de Leonardo da Vinci: A
"Mona Lisa".
9. Elipse
O ministro foi o primeiro a chegar.(Ele) Abriu a sessão às oito em ponto e (ele) fez
então seu discurso emocionado.
10. Repetição do nome próprio (ou parte dele)
Manuel da Silva Peixoto foi um dos ganhadores do maior prêmio da loto. Peixoto
disse que ia gastar todo o dinheiro na compra de uma fazenda e em viagens ao exterior.
Lygia Fagundes Telles é uma das maiores escritoras brasileiras da atualidade. Lygia é
autora de "Antes do baile verde", um dos melhores livros de contos de nossa literatura.
11. O uso da metonímia: processo de substituição de uma palavra por outra,
fundamentado numa relação de contiguidade semântica.
O governo tem-se preocupado com os índices de inflação. O Planalto diz que não
aceita qualquer remarcação de preço.
Santos Dummont chamou a atenção de toda Paris. O Sena curvou-se diante de sua
invenção.

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