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ambientais globais
Nadja Janke
A
emergência da crise ambiental, desde o início, produziu uma certeza: a de que é preciso
aliar um esforço conjunto, internacional, no posicionamento frente à crise. Se os pro-
blemas ambientais se traduzem globalmente, é preciso que sejam estruturadas soluções
também globais, pensadas de forma democrática, tentando atender também às necessidades
locais.
A questão da sustentabilidade foi introduzida no plano da discussão internacional de forma
decisiva. A preocupação da comunidade internacional com os limites do desenvolvimento do pla-
neta data da década de 1960, e a discussão ganhou tanta intensidade que levou a Onu a promover
a Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, em 1972, quando foram apresentados 27
princípios relativos à ação do homem frente à natureza. Segundo Pedrozo (2003), tais princípios
denunciam o subdesenvolvimento como responsável pela degradação ambiental, e estabelecem
a base teórica para a expressão desenvolvimento sustentável. Claro que a questão do subdesen-
volvimento deve ser vista de forma mais crítica, porque não podemos aceitar que os pobres do
mundo sejam os responsáveis pela destruição ambiental. Mas esse foi um primeiro momento para
a discussão da questão da desigualdade como ponto importante a ser combatido no que se refere
à situação ambiental mundial.
A partir daí, a sustentabilidade foi tema central de diversas conferências para a elaboração
de documentos oficiais a serem pactuados pelas diversas nações, como forma de aliar a comu-
nidade internacional no debate, no combate às causas da insustentabilidade e na superação dos
problemas ambientais globais. O plano de discussão é o da ordem política e econômica, e a Onu
tem sido a grande responsável por essas iniciativas. Claro que, na maioria das vezes, os docu-
mentos assinados por diversos dirigentes de Estado não são amplamente respeitados. O problema
a ser enfrentado, nesse sentido, é a questão do poder. Muitas nações não aceitam abrir mão de
seus postos de países econômica e militarmente mais poderosos em prol de uma nova relação de
poder mais democrática, em que os interesses nacionais sejam substituídos pelas necessidades
ecológicas, econômicas e políticas mundiais. Além disso, a Onu necessita de um processo de
reformulação, com incorporação de novos países, como as nações em desenvolvimento, para
ampliar a participação democrática criando maior possibilidade de criação de projetos a favor de
outras nações que não as desenvolvidas.
Esse é o quadro atual das questões internacionais. Vejamos como a sustentabilidade tem
sido defendida em alguns desses importantes encontros e documentos, e quais os desdobramen-
tos desses “contratos” para a realidade ambiental mundial.
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Relatório Brundtland
No ano de 1987, a Comissão Mundial da Onu sobre o Meio Ambien-
te e Desenvolvimento (Cnumad), presidida por Gro Harlem Brundtland e Man-
sour Khalid, apresentou um documento chamado Nosso futuro comum, também
conhecido como Relatório Brundtland, no qual os governos signatários se com-
prometiam a promover o desenvolvimento econômico e social em conformidade
com a preservação ambiental. O relatório diz que “desenvolvimento sustentável
é desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade de as futuras gerações satisfazerem suas próprias necessidades”.
Nesse contexto, podemos perceber a inserção do conceito de necessidades,
sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo – que, segundo o rela-
tório, devem receber a máxima prioridade. Além disso, também inclui a noção de
limitação do ambiental frente às tecnologias e ao tipo de organização social, o que
determina a impossibilidade de atender às necessidades presentes e futuras.
Eco-92, Agenda 21
e a Convenção da Biodiversidade
O ano de 1992 foi farto na elaboração de documentos internacionais em
favor da questão ambiental. A busca é por um consenso sobre o caminho a ser
trilhado em busca da sustentabilidade.
A Conferência da Onu sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92,
no Rio de Janeiro, foi essencial para a promoção do debate sobre a sustentabili-
dade ambiental. Apesar dos muitos problemas para se buscar o impossível mas
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Protocolo de Kyoto
O chamado Convênio Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática,
mais conhecido como Protocolo de Kyoto, assinado no Japão em 11 de dezembro
de 1997, é um acordo internacional que estabeleceu metas de redução de gases po-
luentes para os países industrializados. O objetivo do protocolo é reduzir, entre 2008
e 2012, uma média de 5,2% nas emissões atmosféricas dos seis gases que provocam
o efeito estufa: dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluocarbono, per-
fluorocarbono e o hexafluorocarbono de enxofre (Onu, 1997).
A ratificação do protocolo sofreu uma série de adiamentos, em razão da de-
sistência ou da falta de assinatura de alguns países. O fato é que para que o pacto se
tornasse juridicamente obrigatório era necessário que os países causadores de 55%
das emissões de dióxido de carbono o ratificassem. Mas em 2001 os Estados Uni-
dos, que são a maior nação poluidora do mundo e haviam assinado o documento
em 1997, não o ratificaram, o que fez com que o protocolo perdesse sua abrangên-
cia. O governo norte-americano se retirou das negociações sobre o protocolo em
2001, alegando que a sua implementação prejudicaria a economia do seu país.
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históricos, com motivações particulares, os repórteres da CNN, desde o primeiro momento, pude-
ram apresentar inúmeras explicações para os motivos subjacentes ao atentado, logo considerado
como um gesto de consequências trágicas. Repito: não me interessa discutir as análises, mas res-
salvar sua ocorrência, simultânea à transmissão do evento.
Já as catástrofes naturais apresentam um sério desafio à reflexão contemporânea, assim como
à própria cobertura jornalística. Numa cultura secularizada, como “narrativizar” a erupção vulcâ-
nica que deu origem ao tsunami? Como atribuir “sentido” aos ciclones tropicais migratórios que
se originam sobre os oceanos, provocando furacões? Se não cabe atribuir semelhantes desastres
naturais à Providência, e, ao mesmo tempo, se não faz sentido imputá-los a agentes históricos,
então, como representar “narrativamente” tais catástrofes? Contudo, numa época em que a técnica
tornou-se um fetiche em si mesmo, como aceitar a incapacidade nem tanto de previsão quanto de
controle dos efeitos das catástrofes?
Talvez essa seja uma distinção útil para começar a refletir sobre o problema. Deveríamos
evitar o termo tragédia ao descrever eventos como o tsunami ou o furacão Katrina – embora seja o
recurso favorito da cobertura da grande imprensa que, em geral, substitui o caráter propriamente ir-
representável da explosão de uma força natural pela produção em série de uma miríade de histórias
individuais de resgate, heroísmo, desespero, esperança. A dificuldade de lidar com tais catástrofes
relaciona-se precisamente à resistência que oferecem à narrativa. Diante da impossibilidade de
escolher prontamente adversários, bodes expiatórios, como contar histórias? Entretanto, sem rela-
tos, não mais podemos “humanizar” a natureza. Estamos, portanto, órfãos de modelos narrativos
satisfatórios.
O dilema não é nada novo. O terremoto de Lisboa, que literalmente lançou por terra o ideal
iluminista de um progresso constante e ininterrupto, foi encarado por Voltaire com a ironia de
Cândido – dado o ânimo secularizador das Luzes, a solução era adequada. Muito antes, porém,
na gênese de boa parte de nossos modelos narrativos, toda sorte de catástrofes naturais podia ser
imediatamente reduzida à narrativa-matriz: sinal inequívoco da ira divina, reedição do merecido
castigo que, desde o pecado original, regularmente se aplica à humanidade.
O dilema também interessou a Machado de Assis. Num conto pouco discutido, “Na arca:
três capítulos inéditos do Gênesis”, imaginou uma situação-limite, no entrelugar da tragédia e da
catástrofe que constitui o nó górdio a ser enfrentado hoje. Entre os escolhidos para recomeçar a
humanidade, após o terrível castigo do dilúvio, dois filhos de Noé, Jafé e Sem, iniciam uma dis-
puta relativa à futura divisão das terras ainda sob as águas. O calor da disputa faz com que não
cedam nem mesmo à autoridade paterna. Desiludido, Noé lança uma profecia, enigmática para
seus filhos, mas traduzível em momentos históricos os mais diversos: “Eles ainda não possuem a
terra e já estão brigando por causa dos limites. O que será quando vierem a Turquia e a Rússia?”
Destino manifesto
Enquanto existirem russos e turcos, enquanto houver promessa de inimigos, Jafé e Sem defenderão
seus pontos de vista e, assim, manterão o dilúvio longe dos olhos. Um dos problemas contemporâneos é
que a secularização da cultura obriga a enfrentar tsunamis, furacões e toda sorte de catástrofes sem recor-
rer aos tradicionais recursos de narrativização da natureza e à atribuição de culpas a bodes expiatórios – os
“inimigos”. De um lado, a catástrofe provocada pelo furacão Katrina evidencia esse problema, e, de ou-
tro, certa característica da cultura norte-americana talvez contribua para agravar sua complexidade.
A ideologia do “destino manifesto” supõe uma compreensão particular do relacionamento da
história do país com a natureza. Em 1893, Frederick Jackson Turner (1861-1932) realizou sua mais
famosa conferência, “The Significance of the Frontier in American History” (O Significado da
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Fronteira na História Americana), texto cuja influência se estendeu por décadas e que ainda hoje
sobrevive nas fantasias imperiais de George W. Bush.
Segundo Turner, até o final do século XIX, cada nova geração de norte-americanos defron-
tou-se com uma fronteira potencialmente móvel, pois o solo ainda não havia sido totalmente ocu-
pado. Desse modo, a civilização norte-americana plasmou-se no embate constante com vastas ex-
tensões de terra, incluindo-se nesse embate o genocídio das populações nativas, condição sine qua
non para a anexação crescente de territórios a um país em expansão aparentemente interminável.
Contudo, em 1893, as fronteiras já estavam definidas. Por isso mesmo, Turner decidiu estudar sua
importância na formação do homem norte-americano, uma vez que daí em diante uma nova forma
de convívio deveria impor-se (observe-se, de passagem, a semelhança com o método posterior de
Gilberto Freyre, que estudou a relevância da família patriarcal na gênese da civilização brasileira no
momento em que seu declínio era fato consumado). Na visão otimista de Turner, a fronteira instável
teria propiciado o surgimento do “individualismo democrático norte-americano”, com base na livre
iniciativa e na capacidade de adaptar as circunstâncias exteriores ao próprio interesse. A teoria da
fronteira implicava o domínio das forças da natureza, vistas como argila para a construção do país.
Nas artes plásticas, desde o final da década de 1840, esse sentimento já tinha dado frutos nas telas da
New Hudson River School, isto é, na pintura das paisagens naturais norte-americanas. Ao contrário
do dilema brasileiro oitocentista, em que a exuberância da natureza tropical ameaçava o projeto
civilizatório, nos Estados Unidos, a natureza, em princípio inesgotável, representava a promessa do
progresso infinito.
No momento em que as fronteiras nacionais se estabilizaram, um novo “limite” foi criado,
na imagem nada sutil da política do Big Stick, de Theodor Roosevelt (1858-1919), presidente dos
Estados Unidos de 1901 a 1909. No fundo, trata-se da política revivida pelos atuais falcões da “di-
plomacia” norte-americana. Roosevelt inaugurou sua política de intervenção na América Latina em
1905, invadindo a República Dominicana. A atual política externa do governo Bush, com base no
que denomina “ataque preventivo”, tem sua origem ideológica tanto na tese da fronteira de Turner
quanto na violência imperial de Roosevelt. Nessa tradição, não há lugar para refletir sobre a natureza
em si mesma; ela é um mero meio para o progresso, deve ser moldável aos propósitos imediatos,
numa espécie de atualização perversa e, sobretudo, anti-intelectual da “dialética da ilustração”, tal
como definida por Adorno e Horkheimer. Assim, o tsunami pôde render narrativas porque se trata
de um fenômeno ocorrido a grande distância, logo, “admirado” com toda segurança numa surpreen-
dente vulgarização da experiência do “sublime”, como imaginada pelos filósofos do século XVIII.
Já o furacão Katrina ocasionou uma paralisia temporária: como entender tal catástrofe no interior
das fronteiras norte-americanas? Paralisia semelhante tomou conta do governo norte-americano na
época dos ataques às Torres Gêmeas; entretanto a reação foi muito mais rápida, afinal, havia ad-
versários autodeclarados: a narrativização do episódio se fez praticamente por si mesma. A inércia
inicial do governo norte-americano talvez expresse mais que o óbvio: há uma questão étnica e eco-
nômica na negligência observada; ora, se a catástrofe ocorresse na Nova Inglaterra, o atendimento
às vítimas seria imediato. Há uma questão política: a dispersão de forças, decorrente da invasão
do Iraque. Contudo, por que não pensar em outra dimensão? A civilização norte-americana parece
despreparada para enfrentar catástrofes no interior de suas fronteiras. É como se não pudesse aceitar
a incapacidade da ação humana diante de um fenômeno natural de tais proporções. O descaso do
governo Bush com o Protocolo de Kyoto traduzia essa arrogância, típica do homem de fronteira e
definidora de sua política “externa”. Os tempos mudaram. Não se dispõe de turcos, tampouco de
russos que acusar. Eis como Machado de Assis concluiu o conto: “A arca, porém, continuava a boiar
sobre as águas do abismo.” A agudeza do relato finalmente se tornou clara no atual naufrágio da
compreensão norte-americana da natureza.
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Quais são as dificuldades para implantação de projetos internacionais nas realidades nacionais
e regionais?
<www.pnud.org.br/>.
<www.onu-brasil.org.br/>.
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