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Resumo
r sco 6 2[2007 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do departamento de arquitetura e urbanismo eesc-usp 22
Arquitetura moderna em Bauru: a obra do arquiteto Fernando Ferreira de Pinho
revelou a paixão do arquiteto pelo ofício, o qual se Martha & Pinho Ltda, que tem notável papel no
fazia pela prática da prancheta e do canteiro de setor imobiliário da cidade, através de iniciativas
obras, sem registro de alguma produção textual próprias de produção de imóveis para venda, do
que expressasse os valores aplicados por este ator, acompanhamento e direção técnica de obras
o que, por um lado, dificulta a pesquisa de refe- institucionais (bancos e edifícios públicos), e, so-
rências e ideologias, mas, por outro, revela a carac- bretudo, de parcerias com instituições ligadas ao
terística de seu modo de fazer arquitetura: o exer- setor, como é o caso do Banco Hipotecário Lar Bra-
cício da técnica através da prática projetual. sileiro, com o qual a construtora Martha e Pinho
Ltda. realizou os seus mais arrojados empreendi-
mentos.
Perfil biográfico
Fernando Ferreira de Pinho viveu de 1921 a 2000. O volume e o reconhecimento da qualidade dos
Obteve o diploma de arquiteto em 1952, pela Es- projetos e da seriedade profissional garantem a
cola Superior de Belas Artes de Lisboa, embora Pinho um notório prestígio na cidade e a manu-
houvesse cursado a Escola Superior de Belas Artes tenção da intensidade de trabalho até os seus últi-
do Porto, Portugal, sua cidade de origem, onde mos anos de atuação.
iniciou suas atividades profissionais até transferir-
se para o Brasil, ainda no mesmo ano (ALMEIDA;
Repertório
MECA; PUPIM, 2004).
Como se deu a constituição do repertório conceitual
Instalou-se inicialmente em São Paulo e, em socie- e formal do arquiteto em questão? Qual o ideário
dade com outro arquiteto, abriu o escritório que compõe o método de trabalho e de que ma-
Architecton onde desenvolveu projetos para a ca- neira ocorre a assimilação dos valores modernos
pital e o interior do estado de São Paulo. expressos no conjunto da obra de Pinho? Preten-
demos responder a estas questões relacionando a
Em 1958, transferiu-se para a cidade de Bauru, formação acadêmica e o período de estudos em
São Paulo, e em sociedade com seu cunhado, Eng. Portugal à possibilidade da identificação com a
José da Silva Martha Filho, fundou a construtora arquitetura brasileira deste momento, amplamen-
Martha & Pinho Ltda., da qual foi sócio proprietá- te divulgada no exterior, bem como ao cenário do
rio por 25 anos. Durante este período foram inú- moderno brasileiro a partir da sua chegada no país,
meros os projetos sob sua autoria, assim como as na década de 1950, e aos movimentos de divulga-
obras sob sua direção técnica, predominando as ção e reconhecimento da arquitetura e modo de
obras para a cidade de Bauru, mas também em vida modernos por todo o país, com destaque es-
algumas outras cidades médias do interior paulista. pecial para o papel das revistas especializadas.
Figura 1: Uma Vivenda. Pro- Fernando Pinho já realizava projetos seguindo os intercambio com as artes plásticas internacionais”
jeto de Pinho ainda na
graduação. Década de 1950.
preceitos modernos na graduação (Figura 1) e que no qual se destacaram os eventos da criação do
Fonte: Arquivo Pessoal da o seu projeto final para a obtenção do título de Museu de Arte de São Paulo (MASP) em 1947, do
Família Pinho / Mostra Traje-
tórias.
arquiteto foi uma moradia modernista, intitulado Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/
“Uma Grande Moradia” (Figura 2), o que demonstra RJ) e do Museu de Arte Moderna de São Paulo
Figura 2: “Concurso para a
Obtenção do Diploma de
uma aceitação da escola à proposição projetual (MAM/SP) ambos em 1948, e, como cume dessa
Arquiteto” (C.O.D.A.) 1952. dos conceitos modernos em voga já há algum tempo rápida fermentação e da formação de uma “cultu-
Lisboa, Portugal. Fonte:
Arquivo Pessoal da Família
na Europa e o contato de Pinho com tais idéias ra cosmopolita” o evento da I Bienal Internacional
Pinho / Mostra Trajetórias. desde o início de sua formação. de Artes Plásticas de São Paulo realizado em 1951.
Somou-se a estes eventos “a repercussão da ar-
Podemos especular, entretanto, que Pinho, nesta quitetura brasileira no panorama mundial, em que
época, já demonstrava interesse – ou, pelo menos Oscar Niemeyer era lançado como o grande arqui-
tinha conhecimento – da arquitetura brasileira que teto, ombro a ombro com os ‘notáveis’ dos países
se desenvolvia naquele momento, visto que se- desenvolvidos” (SEGAWA, 1999, p.106). Além da
guiu o mesmo caminho de vários outros arquite- familiaridade que nomes como “Lucio Costa,
tos estrangeiros que cruzaram o Atlântico em bus- Affonso Eduardo Reidy, irmãos Roberto, Rino Levi,
ca de possibilidades de exercer a profissão com Roberto Burle Marx, Sérgio Bernardes, Oswaldo
liberdade bastante rapidamente, logo no mesmo Bratke, Jorge Moreira, Gregori Warchavchik e ou-
ano em que se formou, 1952. tros nos periódicos e livros estrangeiros
especializados em arte e arquitetura e até em
Tal hipótese ganha certo respaldo quando atenta- tecnologia” (SEGAWA, 1999, p.106).
mos para o fato de que neste momento, estavam
voltadas atenções culturais sobre o Brasil. Segun- Parece-nos claro que, para um arquiteto adepto
do Hugo Segawa (1999, p.105) o pós-guerra assi- aos ideais modernos já no momento de formação
nalou “um ambiente propício para um maior acadêmica, tais informações sobre a arquitetura
moderna brasileira que se produzia neste naquele Esta espécie de consenso do projeto moderno
período, de repercussão e reconhecimento inter- define o momento de chegada de Pinho no Brasil
nacional, não passaram despercebidas. Se a vinda e se estende pelas duas décadas seguintes, que
de Fernando Pinho para o Brasil em 1952 tinha são por ocasião as décadas de maior intensida-
por detrás razões pessoais – a já permanência nes- de de trabalho para o arquiteto em questão.
te país de sua futura esposa, Maria de Lourdes Esta fase, em que o pensamento dominante tem
Martha (ALMEIDA; MECA; PUPIM, 2004) – a emi- uma certa conotação social e coletiva, traz para
gração também era a possibilidade de encontrar o centro da atividade artística o papel do arqui-
um território receptivo a uma arquitetura relacio- teto como protagonista, sendo a arquitetura
nada aos ideais pelos quais Pinho se sentia moti- o objeto de uma busca por uma arte total, as-
vado a projetar, onde a prática moderna pudesse sim como defendia Vilanova Artigas (BUZZAR,
se desenvolver com liberdade maior do que em 1996).
sua terra natal, que como sabemos, se encontrava
sob o controle de um regime repressivo. A partir da década de 1950, os signos de uma
modernidade arquitetônica aliada aos preceitos
apregoados a partir da década de 1920 sob a in-
O cenário moderno nacional na
fluência dos grandes mestres europeus, somaram-
década de 1950
se às adaptações aos ideais locais e à influência
O momento em que Pinho chega ao Brasil, a déca- das propostas dos protagonistas brasileiros das
da de 1950, é caracterizado por uma modernidade décadas de 1930 e 1940, constituindo um cenário
consolidada e corrente (SEGAWA, 1999), quando no qual ao lado dos grandes edifícios modernos,
já foram superadas, pelo movimento moderno, as das novas formas de habitar e do signo da
fases de introdução e superação de oposições e verticalização da cidade coexiste uma humanização
tensões internas o que propicia serem moldadas da arquitetura pela adesão às formas identificadas
as instituições que se mostraram capazes de lhe com o popular, colocando aspectos da arte mo-
dar divulgação e suporte duradouros. Assim como derna em espaços convencionais, inserindo-a ao
nos afirma Maria Cecília França Lourenço (1995, cotidiano, de forma a melhorar a vida e educar a
p.19), nos anos 30 e 40 “o moderno brasileiro sensibilidade.
assume uma feição de projeto, muito mais do que
sua primeira forma, ligada à finalização de um pro- A maioria destas idéias parte de São Paulo, o cen-
duto notável modernista”. Já nos anos de 1950, tro irradiador que neste momento concentra a fer-
este projeto “tem como partido criar sistemas mentação das atividades artísticas brasileiras e as-
públicos de difusão, preservação e ensino, bem similadas por Pinho nos seis meses que permane-
como atualizar o viver, inserindo o moderno no ce na cidade, de 1952 a 1958.
cotidiano, numa grande diversidade de vertentes”.
A conjuntura que se forma nos anos cinqüenta e
É este contexto, em que temos formado já na déca- que, como sabemos, perdura até os anos da déca-
da de cinqüenta um “consentimento” das idéias da de 1970 tem como aspecto primordial um con-
modernas tanto para o público em geral quanto sentimento no que diz respeito ao viver moderno,
para os artistas, que, em nossa opinião, é de funda- ou do que denomina Lourenço (1995) de
mental importância para a compreensão do presen- “rotinização da cultura”. Assim, a ampliação do
te objeto de estudo. A prática do projeto moderno público, a popularização do moderno, a arte inserida
manifestada pela “relação dialética entre provocar ao cotidiano e a celebração do viver moderno, no
o choque, gerador de ressentimento, e exercer a qual as revistas de arquitetura assumem especial
persuasão, capaz de gerar assentimento” atua por posição, são os pontos de interesse que, em nosso
intermédio de uma ação educacional, exercendo essa entender, possibilitam contextualizar, em conjun-
atividade em forma de “crítica, cursos, palestras e to com os demais fatores de assimilação de reper-
por mostras, que atualizam a informação moderna, tório, o conjunto da obra do arquiteto Fernando
via conduzimento” (LOURENÇO, 1995, p.20). Pinho.
A predominância das revistas no processo de con- Podemos dizer que em Bauru, assim como em todo
tato com a produção da arquitetura corrente reve- o Brasil, o período que se estende da década de
la a maneira como são assimilados os valores e o 1930 a 1950, marca o desenvolvimento de uma
ideário da arquitetura corrente por este arquiteto. arquitetura de ornamentação simplificada, em que,
A revista Acrópole como veículo principal deste no caso de alguns edifícios, o uso da descrição
contato, referencia a sintonia e a articulação de racionalista seria apropriado. Arquiteturas deno-
Pinho com a contemporânea produção arquitetônica minadas “modernas”, “cúbicas” ou “futuristas’,
moderna brasileira, que no período de 1950-60 mas que hoje podem ser identificadas como Déco
se afirma como hegemônica e tem em Acrópole (SEGAWA, 1999, p.54). O Art Déco como estilo se
um de seus mais importantes meios de cobertura popularizou na década de 1930 e passou a ser
muito utilizado em obras públicas, pavilhões de demonstra o mapa de localização das obras mo-
exposição, cinemas e estabelecimentos comerciais dernas contidas no catálogo Brazil Builds,
(ibidem, p.61). Assim, a partir desta década, pas- architecture New and Old (1943) a partir da déca-
sou também a constar em Bauru o emprego deste da de 1950 a produção regional passa, por estes
“estilo” principalmente na prestação de serviços e motivos, a ter crescente importância para o cená-
no comércio, indicando ares de modernidade, ex- rio da arquitetura moderna brasileira.
pressa por um tratamento de fachadas futurista,
com linhas retas e geométricas. Porém, a tipologia Sobre estas bases foi que se implantaram os pri-
destes edifícios reduzia-se a um puro formalismo meiros edifícios modernos na cidade e que che-
de fachada, sem qualquer inovação estrutural. Tais gou à Bauru o arquiteto objeto de estudo do pre-
transformações no desenho da arquitetura chega- sente trabalho, Fernando Ferreira de Pinho. Se an-
ram à Bauru como fruto de uma popularização do tes a pretensa modernidade se dava através da
Art Déco e do racionalismo, em que os estilos che- popular assimilação e reprodução dos estilos Déco
gam até os arquitetos ou mestres de obras através e racionalista, a partir daí os projetos de Pinho e
da difusão nacional e são executados através de destes demais arquitetos trouxeram à cidade uma
simples reprodução. Embora tinham um anseio por arquitetura em verdadeira consonância com os ide-
novidade em seu bojo, tais transformações pouco ais modernos.
acrescentaram nos modos de vida da época e re-
fletiam as permanências dos padrões sociais, visto O trabalho de Ferraz (2003), que tem como objeti-
que tais projetos não possuíam quaisquer inova- vo analisar e documentar a produção moderna da
ções estruturais ou na divisão dos cômodos em cidade de Bauru, transcorre principalmente pelos
planta, assim como pudemos observar no contato projetos destes arquitetos que disseminaram o
com os arquivos de projetos da Prefeitura Munici- moderno pelo interior, mas que não se fixaram na
pal de Bauru realizados durante este período. cidade. Foram documentados e analisados pela
autora os projetos de Zenon Lotufo, que em 1953
Superpondo-se a este cenário, na década de 1950 realiza o projeto do Paço Municipal de Bauru; Ícaro
alterações significativas nos padrões sociais e mo- de Castro Mello cujo projeto para o complexo de
dos de vida se estabeleceram na cidade: a constru- edifícios esportivos para o Esporte Clube Noroeste
ção civil torna-se um dos principais agentes do data de 1952; Roberto José Goulart Tibau, que
crescimento econômico e a cidade se desenvolve projeta a unidade do SENAI de Bauru em 1953-
rapidamente, devido a sua inserção no contexto 1954 (concluído em 1957); e Oswaldo Corrêa
de desenvolvimento nacional, passando a ter em Gonçalves cujo projeto para o edifício sede das
seu perfil urbano a inserção dos primeiros arranha- unidades do SESC e SENAC de Bauru data de 1956
2
Data de 1952 o primeiro céus 2, os prédios de apartamentos, que represen- e a conclusão da obra é datada de 1958. O texto
arranha-céu bauruense, o
tam de fato uma inovação, denotando uma aceita- de Ferraz também faz referência à obra de João
Edifício Terra Branca, de 10
andares, localizado no centro ção por parte da população do morar moderno. Cacciola, bauruense que iniciou a carreira de ar-
da cidade, que foi um suces-
quiteto em Bauru e depois se transferiu para São
so de vendas (FERRAZ, 2003,
p.58). Somada a estas condições locais, a consolidação Paulo onde, junto com Ariosto Mila, em 1945, fun-
da arquitetura moderna na cultura nacional na década dou a Cia. e Construtora “Módulo”. Da obra de
de 1950 propicia uma disseminação do moderno João Cacciola em Bauru destacaram-se o projeto
pelo interior do Brasil, quando uma série de arqui- vencedor do concurso para o Mercado Municipal
tetos modernos de renome nacional foi contrata- de Bauru, em parceria com Ariosto Mila, de 1960 e
da para projetar os edifícios públicos (sedes muni- a residência José Cacciola que data de 1965.
cipais, escolas, fóruns, teatros, estações rodoviári-
as e de tratamento de água, etc) ou privados de O papel destes arquitetos é de inegável importân-
grande porte (sedes de bancos, clubes, edifícios cia na afirmação da arquitetura moderna na cida-
industriais) nas cidades do interior. Desta maneira, de bem como na assimilação de seus conceitos. A
se durante a década de 1940 a arquitetura moder- observação de suas trajetórias possibilita o enten-
na brasileira, embora já consolidada, se encontra- dimento do cenário no qual se insere a arquitetura
va ainda restrita aos grandes centros, assim como moderna em Bauru a partir da década de 1950.
Entretanto, se configuram como situações pontu- para construir a revisão de um exercício de dese-
ais dentro do espaço da cidade. nho que abrange todas as dimensões e extensões
do fazer arquitetônico, e, por conseguinte, do de-
A integração da arquitetura moderna na cidade senho da cidade e dos fatores humanizados do
ficaria mesmo a cargo de Fernando Pinho, que viver moderno.
equacionaria as novas formas e as adaptaria as
características locais. Concebia o objeto O Plano de Urbanização do Bairro Residencial Jar-
arquitetônico em relação com as diversas escalas dim Estoril I (data do projeto de 1958, publicado
da vida urbana, desde a resolução da residência na Revista Acrópole nº 289, dez. 1962) é o projeto
ou do edifício no lote até o desenho do bairro, de um bairro residencial implantado como um pro-
compreendendo a arquitetura como razão e con- longamento do traçado da cidade em uma área de
seqüência do urbano, sendo este, portanto tam- propriedade do sogro de Pinho, José da Silva
bém objeto de seu projeto moderno. Martha, cujo projeto de urbanização foi efetuado
em conjunto com o sue cunhado, o Engº José da
Em razão do grande volume de projetos e da notá- Silva Martha Filho, sócio de Pinho na construtora
vel qualidade e sofisticação de seus objetos Martha e Pinho Ltda. responsável pela execução
arquitetônicos, a obra de Pinho merece um maior do empreendimento.
aprofundamento e um estudo mais rigoroso atra-
vés de uma pesquisa e documentação mais deta- O projeto contava, segundo a publicação da revis-
lhada. O trabalho que nos empenhamos a exercitar ta Acrópole 289 (1962, p.20), com a previsão de
no presente texto é apresentar sucintamente a obra “grandes espaços livres e arborizados e áreas des-
do arquiteto, de modo a iluminar o representativo tinadas à implantação de parque infantil, igreja,
papel que a arquitetura moderna dos protagonis- concha acústica, cine teatro e pequeno centro co-
tas secundários nos trazem. Como método, privile- mercial”. O traçado das quadras fugia do padrão
giamos o viés analítico sobre o descritivo e docu- da grelha regular do restante da cidade, com qua-
mental, que em nosso entender compreenderia uma dras de 88m x 88m, e adotou o traçado de qua-
pesquisa mais refinada de âmbito acadêmico maior. dras retangulares de 150m x 60m, que resultaram
da modulação ideal considerada por Pinho para o
tamanho dos lotes, 30m x 12m. À dimensão e for-
Projetos
mato das quadras somava-se um outro fator im-
O conjunto da obra do arquiteto Fernando Ferreira portante que conformava o desenho do traçado
de Pinho denota um profundo domínio do objeto do bairro: os limites do terreno de propriedade do
arquitetônico em suas diferentes escalas: desde o sogro, que orientaram o sentido distinto de algu-
desenho do mobiliário, passando para a residên- mas das ruas em relação à ortogonalidade da ma-
cia unifamiliar isolada no lote, os edifícios verticais lha existente e originaram quadras de formatos
– residenciais, comerciais ou múltiplo uso – a igre- irregulares e pequenas “ilhas” descendentes de
ja ou o desenho do bairro residencial. O contato sobras de terreno que foram então tratadas como
com o arquivo profissional do arquiteto Fernando F. áreas verdes ou receberam alguns dos programas
de Pinho (ALMEIDA; MECA; PUPIM, 2004) revela um não-residenciais descritos anteriormente.
procedimento que se ocupa do projeto, exaustiva-
mente detalhado, até a sua execução final, baseado O projeto de urbanização decorria de um empre-
em profundo conhecimento da técnica construtiva, endimento imobiliário de caráter totalmente
associando experimentação tecnológica e apropria- especulativo, entretanto, esta premissa, embora
ção de materiais convencionais, numa operação que evidencie que no caso da obra de Pinho o mais
se conduz pelo domínio absoluto da arte compositiva. relevante não seja debate ideológico e compro-
misso social e político, não impede que sejam ex-
Optamos por realizar uma seleção de projetos, to- pressas pelo projeto conceitos sintonizados com
dos eles construídos, selecionados sob a ótica da as idéias do habitar moderno. O desenho do con-
inserção da arquitetura na cidade, em que, por- junto urbanístico que conformava o bairro tem,
tanto, a questão da escala exerce função estrutural por exemplo, clara identificação com o conceito de
“unidade de vizinhança” que encontra imensa Os projetos arquitetônicos de Pinho para o con-
receptividade na prática dos urbanistas brasilei- junto são: um conjunto de 40 casas localizadas em
ros. A idéia do bairro enquanto célula do organis- duas quadras do conjunto e a igreja, prevista no
mo urbano encontra afinidades no que diz respei- conjunto original e um edifício para escritório lo-
to às funções de apoio à vida comunitária e conta- calizado em uma das ilhas do traçado.
to com a natureza, como a previsão de programas
como o centro comercial, a igreja, o cine-teatro, as O Conjunto de Residências para o Bairro Jardim
áreas verdes, que denotam certa autonomia do Estoril I (40 casas, projetos de 1957 a 1961) em
coração da cidade e alternativa para organizar o duas quadras adquiridas pelo Banco Hipotecário
seu crescimento desordenado. Assim como o de- Lar Brasileiro apresenta o desenvolvimento de uma
senho de avenidas ao redor do bairro representa a linhagem de moradias unifamiliares térreas em lotes
preocupação com a correta hierarquização das vias isolados. A intensa pesquisa compositiva que de-
como resolução dos problemas de tráfego e ga- termina as variações tipológicas das residências no
rantia à comunidade de tranqüilidade frente ao conjunto se demonstra reveladora do próprio pro-
congestionamento urbano do discurso corrente. cesso projetual do arquiteto Fernando Ferreira de
Pinho. A resolução diferenciada para cada residên-
O projeto urbanístico do bairro residencial significa cia, resultante da orientação e características do
Figura 3: Projeto urbanísti- um momento especial no conjunto da obra de terreno e da variação de tamanho e número de
co do bairro residencial Jar-
dim Estoril 1. Fonte: Arquivo Fernando Pinho, na medida em que conjuga suas dependências constitui um número enorme de
Pessoal da Família Pinho / posições frente às escalas do urbanismo e da arqui- desenhos em fase de ante-projeto e de estudos
Mostra Trajetórias.
tetura, pois o arquiteto projeta vários dos componen- que selecionamos para expor a dedicação do ar-
Figura 4: Duas quadras do
tes do conjunto edificado do bairro, o que exemplifica quiteto ao ofício, bem como o reconhecimento do
bairro residencial Jardim
Estoril I com o conjunto de 40 a sua resolução de um recorte da cidade, o tratamento procedimento de pesquisa e composição formal
casas projetadas por Pinho.
da relação entre as partes e o conjunto, arquitetura e que bem caracteriza a sua maneira de conceber a
Fonte: Acrópole 289, 1962,
p.20. cidade, componente e composição. arquitetura.
Figura 9: Igreja Matriz San- O projeto para a Igreja Matriz Santo Antonio (data A cidade de Bauru passa a contar, na década de
to Antônio. Corte Longitudi-
do projeto de 1964, publicado na Revista Acrópole 1950, com seus primeiros edifícios verticais, fato
nal. Fonte: Arquivo pessoal
da Família Pinho / Mostra Tra- nº 302, jan. 1964) atesta o uso lógico e econômico que marca a sua inserção em um cenário de pro-
jetórias.
da estrutura. Uma sucessão de pórticos regulares gresso, representado pelos grandes edifícios mo-
Figura 10: Igreja Matriz San- elevava a caixa retangular do solo, um volume só- dernos, pelas novas formas de habitar e pelo sig-
to Antônio. Vista lateral da
maquete. Fonte: Arquivo pes-
brio e equilibrado. Esta caixa, perspectivada por no da verticalização da cidade. A obra em questão
soal da Família Pinho / Mos- planos que suavizavam suas arestas internas e por é, portanto, ponto de inflexão e avanço na afirma-
tra Trajetórias.
eixos claramente demarcados que conferiam ao ção da arquitetura moderna da cidade, uma vez
Figura 11: Igreja Matriz São pano de fundo por detrás do plano azul do altar, que é o primeiro edifício vertical residencial “mo-
Benedito. Vista frontal da
maquete. Fonte: Arquivo pes-
onde se propunha a pintura de um painel figurati- derno” bauruense.
soal da Família Pinho / Mos- vo, o destaque especial, restabelecendo a integração
tra Trajetórias.
entre arte e arquitetura expressa nos preceitos do Quando inserido no contexto econômico e cultu-
movimento moderno. As fachadas laterais possu- ral nacional, em que, neste momento, a nova con-
íam brises que corriam em sentido longitudinal e dição político-organizacional colocada pelo Plano
filtravam a luz que invadia o recinto sagrado. Ao de Metas (1956-1961), aponta para uma nova
final da escadaria principal encontrava-se, à frente rede de transportes necessária à articulação inter-
regional como meio de realizar os fluxos de do térreo como extensão do espaço público. O
pessoas e mercadorias no país, a localização do Edi- edifício configurava-se, então, naquele momento,
fício Brasil Portugal em Bauru possibilita depreender em signo urbano de modernidade, principalmente
a posição da arquitetura moderna na transforma- quando se observa uma foto realizada imediatamente
ção da cidade. A implantação do edifício entre duas posterior à construção do edifício (Figura 12).
principais artérias, as avenidas Rodrigues Alves e
Nações Unidas, justamente quando se afirmam, na O edifício Edifício Múltiplo Uso Vila Real (comerci-
paisagem da cidade, as estradas de rodagem e, como al/serviços no térreo e residencial nos andares su-
articulação das mesmas com a malha urbana, uma periores; data do projeto de 1969-70) pode ser
estrutura regional, as grandes avenidas de conexão entendido sob os pontos analisados no projeto
da cidade com a rede de rodovias, tem-se claro o anterior (Edifício Residencial Brasil Portugal) con-
entendimento por parte do arquiteto Fernando Pi- siderando as dimensões do fenômeno e do
nho de que as avenidas convertem-se nas espinhas contexto em que se insere, uma vez que este proje-
dorsais que direcionam o crescimento urbano, sen- to data do ano de 1970 e se situa na esquina da
do os seus solos lindeiros o local privilegiado para a rua Rio Branco, um importante vetor de crescimento
locação dos os novos edifícios, pois permitem as da cidade desde este momento, com a Avenida
rápidas trocas entre os serviços e o sistema de trans- Comendador José da Silva Martha.
porte, conectando os vários “setores” da cidade, e
onde se deve implantar, portanto, o signo de tretanto, o mais relevante no papel deste projeto
Figura 12: Edifício Residen-
modernidade e avanço técnico e formal, capaz de para o entendimento da inserção da arquitetura
cial Brasil Portugal. Inserção
urbana. Foto do início da dé- resolver todas estas escalas: o edifício vertical. moderna na cidade, além da resolução formal da
cada de 1960. Fonte: Arqui-
vo pessoal da Família Pinho /
interligação de dos dois blocos por passarelas en-
Mostra Trajetórias. A implantação do bloco de apartamentos no lote tre os andares, do processo compositivo que dese-
Figura 13: Edifício Múltiplo
de esquina em ainda aspectos internos de grande nha as fachadas e do repertório dos elementos
Uso Vila Real. Vista frontal relevância no que diz respeito ao acesso livre de componentes modernos por excelência ainda na
da maquete. Fonte: Arquivo
pessoal da Família Pinho /
pedestres e de veículos ao interior do lote, eviden- década de 1970 (como o terraço jardim, por exem-
Mostra Trajetórias. ciando o pressuposto moderno da livre circulação plo – Figura 13) é o programa do edifício: a intro-
Figura 14: Desenho de mo- dução do múltiplo uso – comércio e serviços no Fernando Pinho é o arquiteto que desenha a “cé-
biliário. Aparador. Década de
1960. Fonte: Arquivo pesso-
piso térreo e moradias nos andares superiores – lula” e a “cidade” (TAFURI, 1985). Transpostos
al da Família Pinho / Mostra ao tipo arquitetônico do edifício vertical na cida- para a realidade e o tempo locais em questão (a
Trajetórias.
de, uma proposição moderna identificada aos gran- produção de Pinho em Bauru durante as décadas
Figura 15: Azulejo para ba- des centros urbanos, cujo mais significativo exem- de 1950, 1960 e 1970), estes dois conceitos se
nheiro da casa da família.
Desenho do arquiteto.
plo é o Conjunto Nacional em São Paulo. expressam na dissolução das utopias modernas
Fonte: Arquivo pessoal da Fa- trazidas à pequena escala pela atuação profissio-
mília Pinho / Mostra Trajetó-
rias.
Os desenhos de Mobiliário para Residências do nal do arquiteto brasileiro. A manipulação formal
arquiteto expressam a coerente manipulação de das variadas escalas do objeto arquitetônico, que
todas as dimensões e extensões do tema da arqui- sintetiza a orientação projetual do arquiteto, por
tetura por parte de Pinho. Uma vez que a arquite- um lado pode indicar a redução das utopias à prá-
tura também se expressa nos fatores humanizados tica da composição estilística, porém, em outro
do viver, o design de mobiliário e a organização ângulo, atesta a manutenção do moderno como
dos ambientes e o avanço do arquiteto também arte transformadora, capaz de impulsionar o de-
por este tema revela uma preocupação constante senvolvimento nacional.
em seu trabalho: a meticulosa previsão dos meno-
res detalhes, dos perfeitos ajustes e concordância Assim, no período abarcado pelo transcurso da
do encontro dos materiais, que se expressa tanto obra do arquiteto Fernando Ferreira de Pinho
no tratamento do edifício como nos objetos que coexiste, na história da arquitetura e arte moder-
fazem parte do seu interior. nas do Brasil, em paralelo com as o cenário das
grandes obras, uma inserção e humanização da BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil.
São Paulo: Perspectiva, 1981.
arquitetura e arte ao cotidiano, fato este que, prin-
cipalmente no interior, pela receptividade das trans- BUZZAR, Miguel Antonio. Vilanova Artigas: elementos
para a compreensão de um caminho da arquite-
ferências de conhecimento e tecnologia dos cen- tura brasileira – 1938-1967. Dissertação de
tros mais desenvolvidos num processo indutivo de Mestrado, São Paulo, FAUUSP, 1996.
modernização e uniformização de valores cultu- Edifício Residencial Brasil Portugal. Projeto Arquiteto
rais se dá com maior clareza. Fernando Ferreira de Pinho. Revista Acrópole, São
Paulo, nº 322, 1965.
A obra de Pinho é representativa deste contexto, GOODWIN, Philip Lippincott. Brazil Builds, architecture
quando a arquitetura e a arte modernas perdem a New and Old, 1652-1942. New York, The Museum
of Modern Art, 1943.
aura de raridade e encontram-se entranhadas com
o viver urbano, diluídas no espaço da cidade, sem, FERRAZ, Artemis R. F. Marcas do Moderno na Arquite-
tura de Bauru. Dissertação de Mestrado. São
no entanto, recair sobre a banalidade. Contexto Carlos: EESC-USP, 2003.
este intermediário, em que a crise ainda encontra-
Igreja Matriz Santo Antonio. Projeto Arquiteto Fernando
se em estágio de gestação. Ferreira de Pinho. Revista Acrópole, São Paulo, nº
302, jan. 1964.
ALMEIDA, Renata Cacciola de; MECA, Maria Teresa de Plano de Urbanização do Bairro Residencial Jardim Estoril
Pinho; PUPIM, Rafael Giácomo. Trajetórias – Mos- I. Projeto Arquiteto Fernando Ferreira de Pinho e
tra de Arquitetura. In: I Congresso Internacio- Engenheiro José da Silva Martha Filho.. Revista
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ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Com- TAFURI, Manfredo. Projeto e Utopia. Lisboa, Presença,
panhia das Letras, 1993. 1985.
Abstract
The work of the Portuguese architect Fernando Ferreira de Pinho is presented. Having lived in Brazil, he
worked mainly in Bauru-SP during the decades of 1950, 1960 and 1970. In agreement with modern
conceptions, Pinho’s projects constitute an important part for comprehending the regional production
of the Brazilian architecture during those three decades, revealing, at the same time, the modern maturity
common in that period, and its popularization, when reaching the different scales of professional
performance and of design inserted in quotidian life.
r sco 6 2[2007 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do departamento de arquitetura e urbanismo eesc-usp 133