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1.

Gramática tradicional: uma “religião” mais velha que o cristianismo


 
Marcos Bagno aborda uma crítica ao porque a linguagem é a única disciplina
que existe uma disputa entre duas perspectivas distintas: a doutrina gramatical
tradicional, surgida no mundo helenístico no século III a.C., e a linguística moderna,
que se firmou como ciência autônoma no final do século XIX e início do XX.
              Bagno inicia comentando que hoje, claro, já é considerado equivocado alguém
dizer que a terra é plana, que o sol gira em torno da terra. Essas são ideias ultrapassadas
e que começaram a ser substituídas por novas concepções mais verossímeis. Mas
ninguém se espanta se um professor ainda ensina as formas arcaicas de nossa língua. Os
termos e conceitos da gramática tradicional-estabelecidos há mais de 2.300 anos,
continuam a ser repassados praticamente intactos de uma geração de alunos para outra,
como se desde aquela época remota não tivesse acontecido nada na ciência da
linguagem. Querer cobrar, hoje em dia, a observância dos mesmos padrões linguísticos
do passado é querer preservar, ao mesmo tempo, ideias, mentalidades e estruturas
sociais do passado.
            O ensino tradicional opera uma imobilização do tempo, um apagamento das
condições sociais e histórias que permitiram o surgimento e a permanência da gramática
tradicional. A língua assim, não fica sendo vista como objeto cientifico, e os mais
importantes cientistas da linguagem (Grimm, Saussure, Jakobson, Sapir, Chomsky,
Labov etc.) não têm lugar na galeria dos grandes pensadores que revolucionaram nosso
modo de encarar o mundo e o que existe nele.
            A gramática tradicional é uma ideologia linguística, o lugar das certezas, uma
doutrina sólida e compacta, com uma única resposta correta para todas as dúvidas. Já a
linguística moderna, encara a língua como um objeto passível de ser analisado e
interpretado, ela devolveu a língua ao seu lugar de fato social, abalando noções antigas
que apresentavam a língua como um valor ideológico.
                Então se percebemos toda essa evolução de nossa língua, porque essa
gramática imposta a nós não muda?Ora, o novo assusta, o novo compromete as
estruturas do poder e dominação há muito vigente. O grande problema está na confusão
que reina na mentalidade das pessoas que atribuem uma “crise” à língua,quando,de fato,
a crise existe é na escola, é no sistema educacional brasileiro, classificado entre os
piores do mundo.
 
2.Desvaneios de idiotas e ociosos
 
               Bagno cita especialmente dois nomes que são considerados por ele como
perpetuadores do preconceito contra linguístas e a linguística. São Pasquale Cipro Neto
e Evanildo Bechara. Bechara já declarou, por exemplo, que a função da escola é levar os
alunos a falar “melhor e com os melhores” porque em sua opinião existe uma
“necessidade da vigência da hierarquização e da normatividade”. Recentemente, ele
acusou lingüistas e pedagogos de “recomendar” para o ensino uma coisa que tem
“ineficácia cultural: a língua viva do povo”. Ora, Pasquale Cipro Neto consegue ser
mais conservador e elitista ainda do que Bechara, ele fala de “linguístas defensores do
vale-tudo, numa absoluta distorção do verdadeiro papel do linguísta como investigador
de todos os fenômenos da língua, e não como caçador de “erros” e juiz do uso.
 
3.A quem interessa calar os linguístas?
 
              É um caso a se perguntar: há outras forças que não nos deixam falar?A quem
interessa manter calados os estudiosos da linguagem?Por que o discurso gramatical
tradicional, já tão amplamente criticado pelos cientistas da linguagem com bases em
teorias e métodos consistentes e coerentes, ainda tem tanto vigor e obtém tanta defesa?
Que ameaça ao tipo de sociedade em que vivemos representa a democratização do saber
linguístico, a liberação da voz de tantos milhões de pessoas condenadas ao silencio por
“não saber português” ou por “falar tudo errado”?Esperamos que a discussão feita pelo
livro “Preconceito lingüístico” de Marcos Bagno, o ajude a encontrar respostas para
essas perguntas tão inquietantes.

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