Você está na página 1de 170

Energias e e Meio Ambiente Maria Carolina Vieira da Rocha

Maria Carolina Vieira da Rocha


Meio Ambiente
Energias e
Energias e
Meio Ambiente
Maria Carolina Vieira da Rocha

Curitiba
2015
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501

R672e Rocha, Maria Carolina Vieira da


Energias e meio ambiente/ Maria Carolina Vieira da Rocha. –
Curitiba: Fael, 2015.
168 p.: il.
ISBN 978-85-60531-26-4

1. Energia 2. Energia e desenvolvimento econômico 3. Energia


- Brasil 1 . Título
CDD 621.4028

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL
Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo
Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Revisão Juliana Horning
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Imagem da Capa Shutterstock.com/robert_s
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Apresentação

Energia é vida. E podemos confirmar isso no nosso dia a


dia. Não só pelo uso de nossos eletrodomésticos e equipamentos
eletrônicos, capazes de facilitar nosso cotidiano e proporcionar bem
estar. A energia é vida dentro de nós; é o que nos leva a respirar,
nos locomover, pensar... E a procura por essa grandeza essencial
nos leva fazer escolhas que, muitas vezes, apresentam consequências
drásticas ao meio em que vivemos.
Nossa relação com o meio ambiente sempre foi delicada.
Muitas vezes, nossas ações não são condizentes com o papel que
deveríamos ter nos ecossistemas; nos acostumamos a extrair tudo
o que precisamos, sem a preocupação em dar algo em troca. Entre-
tanto, o custo a ser cobrado é elevado e, a partir do momento em
que agimos como usurpadores dos recursos que deveríamos usar de
forma consciente, comprometemos o futuro das gerações que virão.
Energias e Meio Ambiente

Felizmente, nos últimos anos, a sustentabilidade tem deixado de ser um


conceito abstrato e tem ganho cada vez mais força nas ações que visam a
um meio ambiente produtivo e equilibrado. E dentro destas ações, se desta-
cam o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias para a geração de ener-
gia que fazem uso de recursos renováveis, isto é, capazes de serem repostos
a uma taxa compatível ao consumo humano. O uso de fontes renováveis,
além de minimizar o impacto no ambiente, também vem sendo visto como
uma alternativa para a geração de energia em países com baixos indicadores
de desenvolvimento socioeconômico e humano, como aqueles presentes na
África subsaariana e em parte da Ásia.
Assim, este livro busca trazer informações relevantes a respeito das dife-
rentes fontes de energia, renováveis e não renováveis, e como seu uso pode
interferir no desenvolvimento econômico e social dos países. E, principal-
mente, nos ajuda a descobrir como, fazendo uso de tecnologias sustentáveis,
podemos escrever um futuro em harmonia com o meio em que vivemos.
Bons estudos!

–  4  –
Sumário

1 Trabalho e energia cinética  |  7

2 Recursos energéticos: fontes renováveis


e não renováveis   |  23

3 Hidrelétricas e a geração de energia  |  39

4 Energia Geotérmica | 55

5 Carvão | 71

6 Transmissão da energia elétrica  |  85

7 Histórico energético no Brasil  |  101

8 Energia e o desenvolvimento econômico  |  117

9 Células a combustível  |  133

10 Esgotamento dos recursos energéticos  |  149

Referências   |  165
1
Trabalho e energia
cinética

O conceito de energia encontra-se, intrinsecamente, ligado


ao meio ambiente. Nossos ancestrais,há milhares de anos, desco-
briram o poder transformador do fogo e, desde então, seguimos
utilizando recursos naturais, renováveis ou não, para a geração de
energia. Mas, antes de iniciarmos nossos estudos sobre as fontes
energéticas e sua relação com o meio em que vivemos, é essencial
respondermos a uma pergunta: afinal, o que é energia? Concei-
tualmente, energia é uma propriedade associada ao estado de um
corpo. Podemos visualizar esta propriedade imaginando um corpo
em movimento, uma bola arremessada para cima ou um aquecedor
ligado em um dia frio. Em todos estes casos há um tipo de energia
vinculada ao processo, seja ela cinética, potencial ou térmica. Inicia-
Energias e Meio Ambiente

mos este capítulo apresentando as diferentes formas de energia e os conceitos


que regem sua produção ou conversão em outros tipos de energia.

1.1 Trabalho e energia cinética


A energia cinéticaé a forma de energia mecânica que encontra-se associada
ao movimento dos corpos. Uma turbina girando devido a uma corrente de
água, ou o giro das lâminas de aerogeradores pela ação do vento, são exemplos
de como a energia mecânica, na forma de energia cinética, pode ser utilizada na
produção de energia útil para as atividades humanas. Estes e outros processos
de conversão energética serão vistos em detalhes, mais adiante, neste capítulo.
Para compreender a energia cinética, é preciso conhecer o conceito de
trabalho, que é o responsável por produzir mudanças na energia cinética de
um corpo. Imaginemos, por exemplo, uma mãe empurrando um carrinho de
bebê em um passeio. Para que o carrinho percorra uma distância qualquer
(vamos chamar de distância d), a mãe precisará empurrá-lo com uma força
horizontal constante (denominamos aqui de força F). Assim, podemos afir-
mar que o trabalho (denominado de W, do termo em inglês work) realizado
por esta mãe é dado por:
W = F.d (1.1)
Ou seja, W será o trabalho realizado pela força F aplicada sobre o carrinho.
A Figura 1 apresenta um diagrama de corpo para a situação exemplificada.
Fig 1.1Uma força constante F é aplicada a um carrinho, deslocando-o a uma
distância d

d
Entretanto, caso esta força seja aplicada formando um ângulo φ dife-
rente de zero, a equação 1.1 se transforma em:
W = F ⋅ d ⋅ cos F (1.2)
O diagrama de corpo apresentado na Figura 1.2 ilustra esta situação:

–  8  –
Trabalho e energia cinética

Fig1.2 Uma força F agindo sobre um corpo, que sofre um deslocamento d.


Neste caso, F e d formam um ângulo φ
F

d
Lembre-se que o cosseno de 90º é igual a zero. Assim, caso a força F
aplicada seja perpendicular ao movimento, isto é, φ igual a 90º (erguendo um
caixote acima da cabeça e se deslocando para a frente com ele, por exemplo),
não há a realização de trabalho, no sentido físico do termo.Ou seja, é a força
aplicada que realiza trabalho, não o indivíduo em si.
No Sistema Internacional de Unidades (SI), a unidade para trabalho é o
newton. metro, também denominado de Joule (J). Assim:
1 joule (J) = 1 N.m = 1 kg.m2 / s2 (1.3)
Agora, após a definição de trabalho, podemos compreender melhor o
conceito de energia cinética. Quando observamos algum corpo em movi-
mento, isso significa que algum trabalho foi realizado sobre este corpo. A
propriedade que associa o movimento das partículas ao trabalho realizado é a
energia cinética. A equação que define esta forma de energia pode ser escrita
da seguinte forma:
1
K = ⋅ m ⋅ v 2 (energia cinética) (1.4)
2
Nesta equação, a energia cinética é denominada de K (novamente do
seu termo em inglês, kinetic). Como encontra-se associada ao movimento,
K é proporcional ao quadrado da velocidade de um corpo ou partícula. Esta
propriedade também é dependente da massa (denominada m) deste corpo.
Neste ponto, podemos listar algumas importantes considerações a res-
peito da energia cinética K:
22 de acordo com a equação 1.4, quanto maior a velocidade e a massa
de um corpo maior será a energia cinética associada ao movimento;

–  9  –
Energias e Meio Ambiente

22 Como K é proporcional ao quadrado da velocidade, seu valor nunca


será negativo;
22 A energia cinética é uma grandeza escalar, ou seja, não depende da
direção do movimento;
22 As unidades de energia cinética no SI são as mesmas de trabalho,
isto é, N.m (ou joule J).
Uma forma adequada de associar a energia cinética ao trabalho realizado
é através do teorema do trabalho-energia. Este teorema afirma que se uma
força única F atua sobre uma partícula, realizando trabalho, então a energia
cinética desta partícula vai variar de um valor inicial Ki para um valor final Kf.
Estas grandezas relacionam-se da seguinte forma:
W = Kf - Ki = ∆K (1.5)
Ao final deste capítulo, será possível aplicar esta relação, assim como os
conceitos de trabalho e energia cinética na solução de problemas propostos.

1.2 Potência
Uma vez definidas as grandezas trabalho e energia cinética, fica mais fácil
compreender o conceito de potência. Muitas vezes, o interesse em determi-
nada ação não está somente no trabalho a ser realizado por um corpo, mas
no tempo que isso levará. Em um automóvel, por exemplo, é necessário saber
quanto tempo o veículo levará para percorrer determinada distância (realizar
trabalho). Neste caso, o trabalho pode ser associado ao tempo por uma gran-
deza escalar denominada potência, conforme a equação 1.6:
W
P= (1.6)
∆t
Nesta equação, a potência (P) é dita potência média, isto é, a potên-
cia desenvolvida quando uma quantidade de trabalho W é realizada em um
intervalo de tempo ∆t. A unidade de potência no SI é Joule/ segundo, tam-
bém denominada watt (W).
Rearranjando a equação 1.6, é possível perceber que o trabalho pode
ser expresso como uma unidade de potência (watt), multiplicada por uma

–  10  –
Trabalho e energia cinética

unidade de intervalo de tempo. Assim, uma unidade utilizada na prática para


medição de trabalho é o quilowatt-hora, expresso da seguinte forma:

1quilowatt − hora = 1kW ⋅ h = 3,6 ⋅ 106 J= 3,6MJ (1.7)


Apesar de muito comum nas medições de potência elétrica, estas unida-
des (watt e quilowatt-hora) podem ser utilizadas para expressar qualquer tipo
de potência ou energia, seja ela elétrica ou não.
Também é possível expressar a potência, de um corpo ou partícula, a
partir da velocidade (instantânea) daquele corpo. Neste caso, temos a defini-
ção de potência instantânea, dada por:
P = F ⋅ v (1.8)
em que F é a força constante aplicada na direção do movimento e v a veloci-
dade do corpo ou partícula.

1.3 Energia potencial


Diferentemente da energia cinética K, vista na seção anterior e associada
ao movimento dos corpos, a energia potencial (denominada U ou Ep) está
associada à configuração dos corpos, isto é, à posição de um corpo em relação
a um determinado ponto de referência. Podemos citar, como exemplo, uma
mola comprimida; ao comprimirmos a mola, alteramos a posição relativa
das suas espirais, em relação à sua conformação normal. As espirais tendem
a resistir a esta alteração e o trabalho realizado sobre elas vai resultar em um
aumento da energia potencial da mola.
Há, basicamente, duas formas diferentes de energia potencial que podem
estar associadas a um corpo ou partícula: a energia potencial elástica e a energia
potencial gravitacional. No exemplo anterior, a compressão da mola provo-
cou um aumento em sua energia potencial elástica, que é aquela associada aos
estados de compressão ou distensão de um objeto elástico. A energia potencial
gravitacional, por sua vez, é aquela que está associada à separação entre dois ou
mais corpos que se atraem mutuamente devido à ação da força gravitacional.
É importante ressaltar que a energia potencial, em qualquer uma de suas
formas, pode ser armazenada em um sistema e se manifestar,posteriormente,
na forma de movimento. Um exemplo disso é uma criança brincando em uma

–  11  –
Energias e Meio Ambiente

cama elástica; ao pular no brinquedo, a criança exerce uma força para baixo,
distendendo o material elástico. Este, por sua vez, irá retornar ao seu estado
normal, movendo-se no sentido oposto. Assim, a energia potencial elástica,
que havia sido acumulada no sistema, será convertida em movimento, impul-
sionando a criança para cima.
Uma vez conhecidas as diferentes formas de energia potencial, é pre-
ciso associá-las a outras grandezas, tornando possível seu cálculo quantitativo.
Para isso, é necessário, em ambos os casos, a adoção de um referencial inicial.
Para a energia potencial elástica, adotamos como referência uma mola
em seu estado relaxado, com a extremidade livre na posição x = 0 (neste caso,
nomeamos o deslocamento, na forma de compressão ou distensão, como x). A
energia potencial desta configuração inicial é adotada como igual a zero, isto é,
U (x0) = 0. Supondo que a única força presente seja a força da mola, temos que:
1
U (=
x) k ⋅ x 2 (energia potencial elástica) (1.9)
2
Isto é, a energia potencial U da mola pode ser calculada para qualquer
valor x de compressão ou distensão da mola. Na equação 1.9, k é uma cons-
tante e se refere à rigidez da mola. A força elástica F, exercida pela mola, é
proporcional à constante k e ao deslocamento x da mola; pode ser expressa
pela lei de Hooke:
F = -k . x (1.10)
Na equação 1.10, o sinal negativo indica que a força exercida pela mola
tem sempre o sentido oposto ao do deslocamento de sua extremidade livre.
Na equação 1.9, como o valor x aparece elevado ao quadrado, a energia
potencial terá sempre um valor positivo.
Para a energia potencial gravitacional, o que temos é a ação da força gra-
vitacional, que vai atuar quando dois ou mais corpos se encontrarem separa-
dos. Se considerarmos um corpo movimentando-se verticalmente (para cima
ou para baixo), ao longo de um eixo y, em relação à superfície da Terra, a força
gravitacional, ou seja, aquela que age devido à atração entre a Terra e o corpo
em questão, será igual a:
F(y) = -m ⋅ g (1.11)

–  12  –
Trabalho e energia cinética

Aqui, m refere-se à massa do corpo e g é a aceleração da gravidade, apro-


ximadamente igual a 9,80665 m/s2, ao nível do mar e em latitude de 45º. A
força dada por m.g também pode ser dita força peso de um corpo de massa m.
A força gravitacional, apresentada na equação 1.11, irá ser utilizada para
o cálculo da energia potencial gravitacional. Assim, temos que:
U (y)= m.g.y (energia potencial gravitacional) (1.12)
Ou seja, a energia potencial de um corpo vai depender da força peso
(dependente da massa do corpo) e da distância vertical y, também definida
como altura h, em relação a algum ponto de referência. Quanto maiores forem
a massa m de um corpo e a altura h, maior será a energia potencial produzida.

1.4 Conservação de Energia


A soma das energias cinética K (Equação 1.4) e potencial U (Equações 1.9
e 1.12) de um sistema resulta na energia mecânica E, associada a este sistema.
Esta energia E permanece constante durante todo o processo de transfe-
rência de energia que esteja acontecendo no sistema, isto é, a energia mecânica
E se conserva. Assim:
E = K 1 + U1 = K 2 + U 2 = K n + U n = cons tan te (1.13)
Na Equação 1.13, os índices inferiores (1,2, n) representam diferentes ins-
tantes do processo de transferência de energia. Ou seja, a energia mecânica E no
tempo 1 é a soma das energias cinética e potencial no tempo 1 e deverá ser igual
à soma das energias cinética e potencial em qualquer outro instante de tempo n.
Podemos compreender melhor este processo considerando um sistema
formado por uma mola presa a um anteparo (uma parede, por exemplo), em
seu estado inicial relaxado, e um corpo de massa m, prestes a comprimir esta
mola, movendo-se a uma velocidade v. Vamos representar este corpo como
um bloco de brinquedo, conforme apresentado na Figura 1.3:
V

B k

C
A

–  13  –
Energias e Meio Ambiente

Fig.1.3 Um bloco de brinquedo movendo-se a uma velocidade v e uma


mola presa a uma parede e em seu estado inicial relaxado formam um sistema
bloco-mola, que pode ser utilizado para compreendermos a conservação da
energia mecânica de um sistema.
Ao ser empurrado com uma velocidade v, o bloco vai apresentar ener-
gia cinética K, expressa pela Equação 1.4. Neste instante, o sistema bloco-
mola apresenta energia potencial nula (a mola não está sendo comprimida
ou distendida). Ao se chocar com a mola, o bloco começa a comprimi-la e
sua velocidade diminui, assim como sua energia cinética, até o momento em
que ele para. Neste caso, a energia cinética é nula (v=0), enquanto a energia
potencial (expressa pela Equação 1.12) atinge um valor máximo para o sis-
tema (máxima compressão). Após este instante, a mola vai devolver esta ener-
gia potencial e o bloco vai se movimentar novamente, desta vez em sentido
oposto. Quando o bloco voltar à posição inicial, a energia cinética será igual
ao início do processo (lembre-se que a velocidade, em módulo, é a mesma),
enquanto a energia potencial voltará a ser nula, pois a mola se encontrará,
novamente, em seu estado relaxado.
Em resumo, quando o bloco comprime a mola, sua velocidade dimi-
nui e, por conseguinte, diminui também a sua energia cinética. Entretanto,
como está ocorrendo acompressão da mola, a energia potencial do sistema
aumenta. Pode-se dizer, portanto, que está ocorrendo uma transferência de
energia do bloco para a mola. Da mesma forma, quando a mola está se dis-
tendendo (isto é, voltando à sua conformação inicial), sua energia potencial
diminui, à medida que a energia cinética do bloco aumenta. Neste caso, a
transferência de energia está ocorrendo da mola para o bloco.
Assim, no exemplo apresentado pela Fig. 1.3, percebe-se que a soma glo-
bal das energias cinética e potencial, ou seja, a energia mecânica E do sistema,
permanece constante. Em cada instante de tempo, a soma das energias poten-
cial e cinética deverá ser constante, já que a energia está apenas sendo trans-
ferida dentro do sistema (do bloco para a mola ou vice-versa) e não gerada.
Desta forma, a energia mecânica E do sistema será dada por:
1 1
E= m ⋅ v 2 + k ⋅ x 2 (sistema bloco-mola) (1.14)
2 2
A equação 1.14 resume a lei da conservação da energia mecânica para o
sistema bloco-mola.
–  14  –
Trabalho e energia cinética

1.5 Calor
Até o momento, trabalhamos com energias associadas ao movimento e à
conformação dos corpos, como a energia cinética e a energia potencial. Entre-
tanto, há outras formas de energia que podem estar associadas a um sistema.
Entre elas, destaca-se a energia térmica de um corpo.
Para compreendermos como a energia térmica pode ser transferida dentro
de um sistema, é importante que conheçamos o conceito de calor. Calor, deno-
minado Q, pode ser definido como uma forma de transferência de energia entre
dois corpos devido à diferença de temperatura entre eles. O calor é, portanto,
uma forma de energia, sendo sua unidade expressa em Joule (J). Outra unidade
muito utilizada é a caloria, que equivale à quantidade de calor que deve ser adi-
cionada a 1 g de água para aumentar sua temperatura em 1ºC. Assim:
1 cal = 4,1840 J (1.15)
Assim como ocorre com o trabalho, o calor pode ser adicionado ou
retirado de um corpo, alterando sua energia total. Entretanto, é importante
salientar que nenhum corpo contém calor, mas energia. Por convenção, consi-
dera-se positivo o calor transferido para um sistema e negativo quando o calor
está saindo de um sistema.
O calor apresenta grande similaridade com o trabalho. Ambos são con-
siderados fenômenos transitórios, isto é, sistemas não possuem calor ou traba-
lho; porém, estes podem ser transferidos de ou para um sistema, quando este
sofrer alguma mudança de estado. Tanto o calor como o trabalho represen-
tam, uma forma de transferência de energia.

1.6 Primeira Lei da Termodinâmica


A Primeira Lei da Termodinâmica relaciona as mudanças de estado de
um sistema às quantidades de energia, na forma de trabalho e calor, que são
transferidos para este sistema.
De acordo com a 1ª Lei, um sistema não pode criar ou consumir ener-
gia. Pode, no entanto, transferir ou armazenar energia, na forma de trabalho
ou calor. A energia interna do sistema (definiremos aqui como Ei) será alte-
rada, cada vez que estas formas de energia transitarem através das suas fron-

–  15  –
Energias e Meio Ambiente

teiras. De forma resumida, isso significa que a variação da energia total de um


sistema será igual à soma do trabalho realizado sobre este sistema, com a energia
adicionada a ele (na forma de calor, por exemplo). Assim temos que:
∆Ei = W + Q (1ª Lei da Termodinâmica) (1.16)
Na equação 1.16, ∆Ei é a variação da energia interna do sistema, W
é o trabalho realizado sobre este sistema e Q é a energia adicionada a ele.
É importante salientar que a equação 1.16 relaciona a variação de energia
interna ao trabalho realizado sobre um sistema. No caso do trabalho ser rea-
lizado pelo sistema, W deverá apresentar o sinal oposto (negativo), pois a
energia estará saindo da fronteira deste sistema. Da mesma forma, o calor
removido do sistema (e não adicionado, conforme a Equação 1.16), deverá
apresentar sinal negativo.
Podemos reescrever a equação 1.16, associando o calor recebido por um
sistema que realiza trabalho. Neste caso, teremos que:
Qrecebido = ∆Ei + Wrealizado (1ª Lei da Termodinâmica) (1.17)
Para auxiliar na compreensão de como o calor e o trabalho podem se
relacionar, conforme expresso pela equação 1.17, imaginemos um balão de
ar quente. Para que este balão possa subir, é necessário aquecer o ar em seu
interior. Ao fornecermos calor para o sistema (Qrecebido), o balão expande-se,
realizando trabalho sobre o tecido do balão(Wrealizado), o que permite que ele
suba. Desta forma, tanto o calor recebido como o trabalho realizado serão
responsáveis pela mudança na energia interna do sistema (∆Ei). É impor-
tante salientar que mesmo um sistema recebendo energia, ou fornecendo, a
energia do Universo deverá ser mantida sempre constante, de acordo com o
Princípio da Conservação da Energia.

1.7 Entalpia
A entalpia de um sistema é uma importante função de estado termodi-
nâmica. Uma função de estado depende de duas ou mais variáveis de estado,
que são aquelas associadas ao estado em que se encontra um sistema termodinâ-
mico. Como exemplo de variáveis de estado, a pressão P e o volume V encon-
tram-se associados ao conceito de entalpia, de acordo com a Equação 1.18:
H = Ei + P.V (1.18)

–  16  –
Trabalho e energia cinética

Na equação 1.18, H representa a entalpia, Ei a energia interna do sis-


tema e o termo P.V está relacionado ao trabalho realizado quando as vizi-
nhanças do sistema atuam sobre ele com uma pressão P, resultando em um
volume final V. Repare que a equação 1.18 é uma forma da Equação 1.17,
em que o calor presente no sistema é representado pela entalpia H e o traba-
lho pelo termo P.V.
A entalpia H, denominada entalpia absoluta, é de mensuração complexa
e não apresenta informações muito relevantes para o acompanhamento de
um sistema energético. Assim, mais interessante do que a entalpia H,é a defi-
nição da variaçãode entalpia ∆H, que se refere aos estados inicial (Hi) e final
(Hf ) de um sistema de interesse:
H = Hf – Hi (1.19)
Variações de entalpia podem ser mensuradas com facilidade por equi-
pamentos conhecidos como calorímetros. Um calorímetro é capaz de medir
com precisão a quantidade de calor envolvida em uma mudança de estado
do sistema. Entendemos por mudança de estado, qualquer processo asso-
ciado à transferência de calor, como mudanças no estado físico de um corpo
(condensação, sublimação), mudanças na temperatura, variações no volume,
entre outros.
Por se tratar de energia, a entalpia tem como unidade o Joule (J). Entre-
tanto, as variações de entalpia, por estarem associadas a transformações físico-
químicas de um corpo ou sistema, são expressas proporcionalmente à quan-
tidade de matéria envolvida nestes processos. Esta quantidade, por sua vez, é
dada em mols, unidade do SI para a grandeza quantidade de substância. Assim,
a unidade da variação de entalpia ∆H é J/mol ou, mais comumente, kJ/mol.
É importante salientar que valores de ∆H < 0 (negativos) indicam rea-
ções exotérmicas, ou seja, reações em que ocorre liberação de calor para as
vizinhanças. No caso de valores de ∆H > 0 (positivos), a reação é endotérmica
e o sistema absorve calor do entorno.

1.8 Segunda Lei da Termodinâmica


A Segunda Lei da Termodinâmica está associada à espontaneidade dos
fenômenos físico-químicos dentro de um sistema. Esta espontaneidade

–  17  –
Energias e Meio Ambiente

descreve as possibilidades de que algo aconteça, como uma reação química


ou uma mudança de estado de uma substância. Desta forma, quanto mais
espontâneas as reações associadas a um fenômeno maior será a chance deste
fenômeno ocorrer.
A grandeza associada à espontaneidade de um sistema é a entropia
S.Assim, a 2ª Lei da Termodinâmica pode ser expressa da seguinte forma:
“A quantidade de entropia associada a um sistema termodinâmico isolado
tende a aumentar com o tempo, até que se atinja um valor máximo.” (2ª Lei
da Termodinâmica).
Pelo enunciado acima, é possível concluir que a entropia do Universo
aumenta sempre, aumentando assim a espontaneidade dos processos.
Assim como a entalpia, a entropia também é uma variável de estado e
encontra-se associada à taxa de quantidade de calor Q, transferido entre o
sistema e a sua vizinhança (de forma reversível), e a temperatura absoluta T,
no ponto de transferência de calor. No entanto, assim como a entalpia, nos
processos termodinâmicos é mais interessante trabalharmos com a variação de
entropia de um sistema. Assim, temos que:
2
∂Q
S2 − S1 =∫1 T (1.20)

A Equação 1.20 apresenta a diferença de entropia entre os estados final
(S2) e inicial (S1) de um processo, em função da taxa de variação do calor tro-
cado (Q, dado em J), dividida pela temperatura absoluta do sistema naquele
ponto (T, dado em K).
Considerando-se que a temperatura seja constante no processo, isto é,
que se trate de um processo isotérmico, a Equação 1.20 pode ser escrita da
seguinte forma:
Q
S2 − S1 =1→2 (1.21)
T
Neste caso, Q1→2 indica a quantidade de calor trocado (em J) e T a
temperatura absoluta (em K) mantida constante no sistema.
A Segunda Lei da Termodinâmica apresenta grande aplicação em pro-
cessos industriais, pois, entre outras coisas, refere-se ao rendimento de máqui-

–  18  –
Trabalho e energia cinética

nas térmicas. De fato, duas formas de enunciar a 2ª Lei da Termodinâmica


encontram-se associadas aos processos vinculados a dispositivos térmicos:
“Não é possível remover energia térmica de um sistema a uma certa tempe-
ratura e converter toda essa energia em trabalho mecânico sem que haja uma
alteração no sistema ou em suas vizinhanças”(Enunciado de Kelvin).
E ainda:
“Não há um processo capaz de transferir energia de um corpo mais frio
para um corpo mais quente, sem intervenção do meio externo.”(Enunciado
de Clausius).
Estes conceitos implicam diretamente nos princípios de funcionamento
de máquinas térmicas e refrigeradores. Uma máquina térmica é um disposi-
tivo capaz de converter energia térmica em energia mecânica, na forma de
trabalho. Para tal, o sistema utiliza, via de regra, duas fontes térmicas: uma
quente e outra fria. O calor gerado pela fonte quente poderá vir da combustão
de fontes fósseis, como, por exemplo, na queima de carvão; este calor tende a
ser transferido para a fonte fria, de acordo com a Lei Zero da Termodinâmica
(apresentada mais detalhadamente na próxima seção). Para o funcionamento
da máquina térmica, o objetivo é que essa energia em trânsito seja conver-
tida em energia mecânica, na forma de trabalho. A Figura 1.4 apresenta um
esquema simplificado do funcionamento de uma máquina térmica.
Fig.1.4 Representação esquemática do funcionamento de uma máquina térmica

Q1 MÁQUINA W
RESERVATÓRIO
QUENTE TÉMICA

Q2

RESERVATÓRIO
FRIO

–  19  –
Energias e Meio Ambiente

Na Figura 1.4 observamos que, do calor total originado na fonte quente


(dito Q1), apenas parte é convertido em trabalho W e o restante (Q2) é dire-
cionado para a fonte fria do sistema. Assim:

= Q 1 − Q 2 (1.22)
W

Em uma máquina térmica dita ideal, todo o calor gerado pela fonte quente
deveria ser transformado integralmente em trabalho. Entretanto, conforme
pudemos observar no Enunciado de Kelvin, é impossível converter toda a ener-
gia térmica de um sistema em trabalho. Desta forma, é comum trabalharmos
com o conceito de rendimento de uma máquina térmica, dado por:
Q1
= (1.23)
W
Na Equação 1.23, η representa o rendimento, Q1 o calor fornecido pela
fonte quente e W o trabalho efetivamente realizado. Em geral, uma máquina
térmica trabalha com rendimentos em torno de 50%, isto é, apenas metade
da energia transferida é convertida em trabalho. Na indústria, o ideal é que se
produza máquinas térmicas com o máximo de rendimento possível, gerando
maior economia aos processos desenvolvidos.

1.9 Lei Zero da Termodinâmica


A Lei Zero da Termodinâmica, também conhecida como Anteprimeira
Lei, estabelece os princípios que regem a troca de calor entre os corpos. Ape-
sar de seu nome, a Lei Zero surgiu muito tempo depois de serem enunciadas
a 1ª e 2ª Lei da Termodinâmica, apenas após a descoberta de que o calor é
uma forma de energia.
A Lei Zero pode ser enunciada da seguinte forma:
“Quando dois corpos alcançarem o equilíbrio térmico com um terceiro corpo,
então estes dois corpos estarão em equilíbrio entre si.”(Lei Zero da Termodinâmica).
O que acontece, então, quando colocamos juntos dois corpos com dife-
rentes temperaturas? A temperatura de um corpo é uma medida do nível da
agitação térmica das moléculas em um sistema. Quando dois corpos estão
em contato, a tendência é de que a energia térmica flua do corpo com maior

–  20  –
Trabalho e energia cinética

agitação molecular, ou seja, com maior temperatura, para aquele que apre-
senta a menor temperatura. Quando os dois corpos atingirem o mesmo nível
de agitação molecular, a transferência de energia cessa e os corpos estarão em
equilíbrio térmico.
O princípio do equilíbrio térmico rege os processos de medição de tem-
peratura e graças a ele foi possível definir as escalas de temperatura, como
Celsius, Fahrenheit, Rankine e Kelvin.

1.10 Conversões de Energia


Como vimos no decorrer deste capítulo, a energia pode apresentar diver-
sas formas, estar associada ao movimento das partículas, como energia ciné-
tica, armazenada como energia potencial ou, ainda, presente como energia em
trânsito na forma de calor ou trabalho. Também há outras formas de energia,
como a química, derivada de processos químicos altamente energéticos ou que
envolvam transferência de elétrons, e a elétrica, mais presente no nosso dia a dia
e comumente considerada como sinônimo de geração de energia.
A geração de energia elétrica, utilizando-se fontes renováveis e não
renováveis,é o principal escopo deste livro e será abordada em detalhes nos
próximos capítulos. Porém, é interessante apresentarmos algumas formas de
transformações energéticas que irão ocorrer mediante processos de conver-
são, seja para produção de energia elétrica ou outra forma de trabalho útil.
A Tabela 1.1 apresenta um resumo de importantes formas de conversão de
energia aplicadas em diversos processos.
Tabela 1.1 Exemplos de processos de conversão entre as diferentes fontes
de energia

Energia Gerada PARA


A partir de Energia Energia Calor Energia
Mecânica Química Elétrica
Modificação Energia cinética
Movimento Giro dos rotores
química do do movimento dos
de Roda d’ de um gerador
Energia Mecânica calcário devido carros conver-
água acoplada para geração de
a elevadas pres- tida em calor
a gerador corrente elétrica
sões (mármore) pela frenagem

–  21  –
Energias e Meio Ambiente

Energia Gerada PARA


A partir de Energia Energia Calor Energia
Mecânica Química Elétrica
Uso da energia
Alimentos con-
química do Processos de
sumidos, gerando Baterias,
Energia Química corpo dos produção de
calor no corpo geradores
animais para alimentos
dos animais
movimentação
Sistemas de tro-
Sensores de
Motores Vaporização, cadores de calor,
Calor temperatura
a vapor gaseificação em processos
(termopar)
industriais
Motores Aquecedores Transfor-
Energia Elétrica Eletrólise
elétricos elétricos mador

Fonte: Adaptado de Hinrichs e Kleinbach (2009).


Ao final deste capítulo, concluímos a apresentação dos conceitos e prin-
cípios que regem a produção de energia, etapa importante para que possamos
nos preparar para as discussões sobre os diferentes mecanismos de geração de
energia elétrica, a serem abordados a seguir.

–  22  –
2
Recursos energéticos:
fontes renováveis
e não renováveis

Após compreendermos as diferentes formas nasquais a ener-


gia pode ser encontrada, e como estas formas podem se associar
visando à produção de trabalho útil, iniciaremos este novo capítulo
apresentando os conceitos associados ao uso de fontes renováveis e
não renováveis no processo de geração energética.
Energias e Meio Ambiente

2.1 Recursos energéticos: fontes


renováveis e não renováveis
Podemos dar início a essa discussão com uma pergunta: Afinal, o que
são fontes renováveis de energia e como elas podem mudar o panorama ener-
gético mundial?
Sabe-se que a crise energética é uma realidade no mundo atual. A
demanda crescente por energia, em todos os âmbitos da vida dos cidadãos
(trabalho, residência ou lazer) faz com que o ser humano esteja em uma busca
constante por materiais e processos capazes de gerar energia em grande quan-
tidade e por um custo reduzido. Esta busca, entretanto, vem causando cada
vez mais problemas ambientais, tendo em vista que muitas fontes energéti-
cas utilizadas pelo homem não são renováveis, dependendo de recursos finitos
encontrados no planeta.
Definimos energia não renovável como toda aquela originada de supri-
mentos limitados, isto é, incapazes de se renovarem na mesma velocidade em que
estejam sendo consumidos ou explorados. Os principais exemplos de recursos
energéticos não renováveis sãoos combustíveis fósseis, como o petróleo, car-
vão e gás natural, além de fontes minerais, como urânio, utilizado na geração
de energia em usinas nucleares.
Compostos de origem fóssil originam-se a partir dos processos naturais
de decomposição da matéria orgânica, vegetal ou animal, que se deposita
em determinados locais após a morte dos organismos. Apesar deste processo
de geração ser de ocorrência natural e comum no meio ambiente, definimos
os combustíveis fósseis como fontes energéticas não renováveis. Isto porque
a conversão da matéria orgânica em decomposição, em compostos de car-
bono altamente energéticos, como o petróleo, leva milhões de anos. E atu-
almente, mesmo com a existência de abundantes reservas destes materiais
no planeta, sua intensa exploração tende a esgotá-las rapidamente.
Do ponto de vista energético, combustíveis fósseis são extremamente
importantes e sua oxidação completa, originando dióxido de carbono e
água, produz uma quantidadebastante significativa de energia. Como exem-
plo, a entalpia de combustão padrão (∆Hº), que é uma variável que fornece
a quantidade de calor liberado nos processo de combustão (queima) de
compostos sob condições padrão (25 ºC e 1atm), é igual a - 5.471 kJ/ mol

– 24 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

para o octano, composto carbônico componente da gasolina. Isso significa


que, para cada mol de octano reagindo com o oxigênio molecular (combus-
tão), são liberados quase 5.500 kJ de energia. Isso ocorre porque esta reação
de queima é altamente exotérmica, isto é, capaz de liberar energia na forma
de calor, quando ocorre (lembre-se do Capítulo 1).
Outra forma de mensurar a quantidade de energia interna existente em
uma potencial fonte energética é através da determinação de seu poder calo-
rífico, ou seja, aquantidade de calor em um composto capaz de produzir 1 kg
de combustível, após a sua combustão com excesso de ar (oxigênio). Em geral,
determina-se o poder calorífico inferior (denominado de PCI), que ocorre
quando a água produzida no processo encontra-se na forma de vapor d’água
nos gases de combustão (e não condensada).De forma geral, quanto maior o
poder calorífico de um recurso energético, maior será a energia contida nele.
A Tabela 2.1 apresenta o poder calorífico inferior para outros combustí-
veis de origem fóssil.Pela análise da tabela, é possível observar que a queima
destes combustíveis representa um grande ganho calorífico para os processos,
o que serve de argumento para os que defendem o uso disseminado deste tipo
de matriz energética.
De fato, os recursos fósseis abrangem grande parte do mercado energético.
Utilizando os Estados Unidos como exemplo, dada a grande quantidade de dados
levantados a respeito das fontes energéticas deste país pela EIA - U.S. Energy
Information Administration, agência responsável por coletar, analisar e divulgar
dados relativos a informações sobre energia as fontes não renováveis de origem
fóssil foram responsáveis pela produção de, aproximadamente, 70 quatrilhões de
Btu (british thermal unity, unidade de energia. Cada Btu equivale a 252 calorias
ou 1.055 J) em 2014. Isto significa mais energia gerada do que todas as demais
fontes energéticas juntas, tanto as de origens renováveis como aquelas utilizadas
para geração via tecnologia nuclear. A Figura 2.1 apresenta os dados de produção
energética, por diferentes fontes, no período entre 1950 e 2014, para o país.
Tabela 2.1 Poder calorífico inferior de alguns compostos fósseis utilizados como
matrizes para geração de energia

Composto PCI (kJ/ kg)


Carvão mineral 3.000 - 6.000

– 25 –
Energias e Meio Ambiente

Composto PCI (kJ/ kg)


Carvão vegetal 7.500
Gás GLP (50%) 11.200
Gás natural 9.000†
Gasolina 11.000
Gasolina com 20% etanol 9.700
Óleo diesel 8.466
Piche alcatrão 8.600
Querosene 8.300††
Notas: PCI- poder calorífico inferior; † valor em kJ/ m3, †† valor em
kJ/ L

Fig 2.1 Produção energética (exemplo dos EUA, em quatrilhões de Btu), por recurso
utilizado, no período compreendido entre 1950 e 2014

30

20

10

0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

Carvão Gás natural seco Petróleo


Gás natural líquido Fontes renovaveis Plantas nucleares

Fonte: Adaptado de U.S.EIA (2014).


Desta forma, é inegável o fato de que o mundo, desde o século XVIII, é
extremamente dependente da energia de origem fóssil e, apesar dos esforços na
disseminação de outras fontes energéticas, aquelas continuam ocupando uma
posição de destaque nos dias atuais, principalmente nos processos industriais.
Entretanto, o impacto no meio ambiente também ocorre de forma
proporcional ao uso destas fontes energéticas e a queima destes combustí-

– 26 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

veis atua como um enorme contribuinte na emissão de dióxido de carbono


(CO2) na atmosfera. Isto porque mesmo a queima completa destes compos-
tos resulta na geração deste gás, um dos principais responsáveis pelo chamado
efeito estufa.
O efeito estufa caracteriza-se pela formação de gases na atmosfera da
Terra, que são responsáveis por reter as emissões solares próximas à superfície
do planeta. Este fenômeno é natural e responsável por manter a superfície
aquecida, o que torna a vida possível por aqui. Entretanto, o aumento indis-
criminado dos gases do efeito estufa resulta em um aquecimento exacerbado
do planeta, o que ocasiona impactos em todos os processos ambientais, dese-
quilibrando os ciclos biogeoquímicos existentes e a sobrevivência das espécies.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, da sua sigla em inglês
para International Energy Agency), estima-se que em 2012 foram lançados
na atmosfera mais de 30 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, relacio-
nados apenas aos processos de geração de energia por fontes de origem fóssil.
Esta quantidade de CO2 encontra-se muito além da capacidade de absorção
do ambiente via processos naturais e, apesar do aumento na utilização de
fontes energéticas renováveis, ainda não há redução expressiva nas emissões
deste composto. De fato, entre 2011 e 2012 houve um aumento de 2,5% nas
emissões mundiais deste gás.
Fig 2.2 Geração anual de CO2 (em milhões de toneladas), para os principais
combustíveis de origem fóssil e no período entre 1970 e 2012.
35.000
30.000

25.000
20.000
Mt CO2

15.000

10.000
5.000

1971 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2012

Carvão Petróleo Gás Natural

Fonte: Adaptado de U.S.EIA (2014).


– 27 –
Energias e Meio Ambiente

Outros impactos ambientais associados ao uso de fontes não renová-


veis incluema geração de outros gases poluentes, como dióxido de enxofre,
óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis. Estes compostos estão
associados a fenômenos poluidores, como a suspensão de grande quantidade
de material particulado na atmosfera, além da ocorrência de chuva ácida, que
causa corrosão e degradação em áreas naturais ou em ambientes construídos.
Ainda, alguns combustíveis fósseis podem conter elementos radioativos em
sua composição. São os chamados NORMs, do inglês naturallyo ccurringra-
dioactive materials (materiais radioativos de ocorrência natural). É o caso do
carvão mineral, que apresenta quantidades de urânio e tório em sua compo-
sição. Quando o carvão é queimado, estes elementos são liberados na atmos-
fera, através das partículas e cinzas geradas. Estima-se que mais de 10 mil
toneladas de compostos radioativos sejam liberadas anualmente na atmosfera,
devido à queima de carvão mineral.
Do ponto de vista econômico, o uso de combustíveis de disponibilidade
restrita, como é o caso dos combustíveis fósseis e minerais, acarreta custos
externos, que aumentam em decorrência da depleção destes compostos. Ou
seja, como estes combustíveis são encontrados em reservas específicas, a pro-
dução e exportação deste material depende da disponibilidade dos países pro-
dutores (oferta), além do contexto geopolítico de produtores e consumidores
(influenciando a demanda), tudo isso resultando no preço final do combus-
tível em questão. Esta equação não é fácil e muitos conflitos entre Estados
soberanos têm início devido ao acesso, venda e consumo de energia.
De fato, em 1973, países membros da OAPEC (da sigla em inglês para
Países Árabes Exportadores de Petróleo) promoveram um embargo de petróleo,
como resposta à interferência norte-americana na guerra do Yom-Kippur, con-
flito protagonizado por Israel de um lado e um grupo de estados árabes, liderados
pela Síria e Egito, do outro. Como consequência da crise, ao final do período
do embargo, o preço do barril de petróleo subiu de aproximadamente U$3 para
U$12, com a política e economia global sendo drasticamente alteradas neste perí-
odo. Este episódio demonstrou ao mundo o perigo em se manter dependente de
recursos energéticos limitados e sob o domínio de grupos restritos.
De certa forma, a crise também apresentou aspectos positivos ao esti-
mular o desenvolvimento de fontes alternativas de energia. No Brasil, por
exemplo, teve início em 1975 o Pro-Álcool, ou Programa Nacional do Álcool,
uma iniciativa do governo da época em substituir o petróleo presente nos

– 28 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

combustíveis veiculares pelo álcool, na forma de etanol produzido no país


por via fermentativa da cana-de-açúcar, uma fonte renovável de energia. Infe-
lizmente, o programa sofreu um período de estagnação no final da década
de 1980, principalmente devido à queda do preço do petróleo no mercado
internacional, além do aumento da valoração do açúcar, tornando-se mais
vantajoso para os usineiros a produção deste, em detrimento do álcool. Ape-
sar disso, com a popularização dos modelos flex de combustíveis (capazes de
utilizar gasolina e álcool simultaneamente), o consumo interno de álcool no
país apresentou um novo fôlego, dando início à fase atual de geração deste
combustível, a ser discutida em mais detalhes no Capítulo 4.
Desta forma, tendo em vista os problemas ambientais e econômicos
associados a fontes energéticas não renováveis, podemos retomar a pergunta
realizada no início desta seção e entender a importância de se encontrar e uti-
lizar fontes alternativas de energia, derivadas de recursos renováveis. Uma fonte
renovável de energia implica em recursos capazes de serem repostos, após sua
obtenção e uso, dentro de um período relativamente curto.
Existem diversas formas de energia renovável e várias pesquisas estão
sendo realizadas, visando encontrar novas e mais econômicas fontes energéti-
cas, com reduzido impacto ambiental. De forma geral, as energias renováveis
se dividem em: energia solar; energia eólica; hidrelétrica; geotérmica; energia
de biomassa; hidrogênio e células de combustível.
Uma das principais vantagens do uso de fontes renováveis de energia está
no fato de que elas não se limitam a determinados locais. Diferentemente das
fontes não renováveis, que encontram-se sob o domínio de alguns poucos países,
as fontes renováveis são vinculadas a processos acessíveis à maioria dos países.
Historicamente, o homem já faz uso de fontes renováveis de energia há
centenas de anos. Como exemplo, há mais de 2.000 anos, os gregos utilizavam
a energia hidrelétrica para a moagem de grãos, enquanto que, em 500 d.C., os
persas desenvolveram os primeiros moinhos de vento, utilizados para o bom-
beamento de água.
Energias renováveis atuam não só como fontes energéticas, mas também
na redução dos impactos ambientais e danos causados à saúde do ser humano
devido à utilização de fontes fósseis de energia, além de proporcionar desen-
volvimento e redução da pobreza em países em desenvolvimento. As vanta-

– 29 –
Energias e Meio Ambiente

gens associadas a este tipo de energia são inúmeras e um termo comumente


utilizado para definir estes recursos é energia limpa. Isto porque são formas de
energia capazes de atenuar os efeitos danosos causados pela elevada emissão
de CO2, que ocorre quando da utilização de fontes de origem fóssil.
A importância das fontes renováveis de energia, capazes de resgatar a
humanidade da dependência existente dos recursos escassos não renováveis,
traduziu-se na I Conferência Internacional sobre Energias Renováveis, realizada
em 2004, na cidade de Bonn, na Alemanha. Esta Conferência uniu 154 paí-
ses, em torno de um tema tido como essencial para a sobrevivência da nossa
espécie no planeta: o uso consciente e sustentável da energia.Temas abor-
dados na Conferência, como os avanços tecnológicos e a redução de custos
na produção de energia limpa, mostraram como a humanidade, em grande
parte, encontra-se preocupada com a atual questão da substituição da energia
fóssil por fontes mais adequadas de energia.
Dentro deste contexto, em 2005, foi criada a REN21, a Rede de Políticas
de Energias Renováveis para o Século XXI, uma rede global que visa à transição
rápida entre as formas de energia,de fontes fósseis para aquelas de origem
renovável. A REN21 não engloba apenas os governos dos países, mas também
organizações internacionais, associações de indústrias, universidades, institu-
tos de pesquisa, além da sociedade civil. Seus principais objetivos são promo-
ver a troca de conhecimentos, desenvolver políticas para o uso sustentável de
energia e apoiar ações conjuntas para a mudança para a energia renovável.
Como uma das principais ações da REN21, encontra-se a produção do
Relatório Mundial sobre Renováveis (Renewables Global Status Report, ou
GSR), relatório anual que apresenta o conjunto dos trabalhos desenvolvidos
pelos colaboradores do REN21, entre pesquisadores e autoridades daárea,
documentando os avanços realizados na produção e disseminação de ener-
gias renováveis, além de propor diretrizes para um alcance ainda maior. Uma
das metas da REN21 é de que todas as pessoas do mundo tenham acesso a
alguma fonte de energia renovável até 2030 (REN21, 2015).
Esforços como estes têm produzido resultados bastante promissores. De
acordo com dados da IEA, de 1973 a 2012, a geração mundial de energia elé-
trica a partir de fontes renováveis (excetuando-se hidrelétricas) cresceu de 0,3%
para 5% (Figura 2.3). Notável também foi a redução do uso de petróleo na
geração de energia elétrica (uso como combustível em termelétricas), reduzido

– 30 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

de 24,8% para 5%. Esta redução está associada ao desenvolvimento de outras


fontes de energia nas últimas décadas, como a energia nuclear. Entretanto, o
uso de outros combustíveis fósseis, como carvão e gás natural não seguiu a
mesma tendência, e um aumento no uso destas fontes pode ser observado.
Fig 2.3 Geração mundial de energia elétrica a partir das diferentes fontes energéticas,
nos anos de 1973 e 2012.

Fonte: Adaptado de U.S.EIA (2014).


Analisando a Figura 2.3, observa-se umO aumento dono consumo de
energias renováveis a partir de meados da década de 1970. Este período coincide
com a crise energética mundial de 1973-1974, e pode ser compreendido como
uma tentativa de romper com a hegemonia energética do petróleo e demais
fontes de energia fóssil, substituindo-as por energias mais acessíveis e sustentá-
veis. Hidrelétricas e recursos para geração de energia a partir de biomassa, como
bioetanol, biodiesel e biogás, tiveram um salto neste intervalo tempo.
O bioetanol, conforme discutido anteriormente, teve grande destaque no
mercado dos combustíveis, em substituição aos derivados do petróleo. O uso
deste combustível como alternativa ficou ainda mais evidente a partir do ano
2000, quando a tecnologia de carros flex foi desenvolvida. Estima-se que a ado-
ção dos modelos de carros bicombustíveis no Brasil tenha ajudado a reduzir
mais de 300 milhões de toneladas de CO2, entre os anos de 2003 e 2015. A
Figura 2.4 apresenta a evolução mundial do uso de etanol como combustível.
Assim como o etanol, nos últimos anos, outras fontes de energias reno-
váveis a partir da biomassa têm se destacado. Em termos gerais, biomassa
é qualquer fonte de matéria orgânica que pode ser utilizada como recurso
energético, incluindo-se aí restos vegetais, excrementos de animais, resí-

– 31 –
Energias e Meio Ambiente

duos sólidos urbanos e até mesmo o esgoto doméstico. Neste processo de


geração energética, a energia química contida no material orgânico pode
ser liberada na forma de calor (energia em trânsito), quando este material
é queimado. Entretanto, a forma mais efetiva de se produzir energia por
esta via é a produção microbiana de compostos com potencial energético,
através de processos de fermentação ou decomposição anaeróbia. Por esta
via é possível obter compostos como metano (biogás), bioetanol e biodie-
sel, entre outros. Os processos de geração de energia por meio de biomassa
serão vistos em detalhes no Capítulo 4.
Fig 2.4 Consumo mundial de bioetanol (em milhares de barris), no período compreendido
entre 1980 a 2012.

Fonte: Adaptado de U.S.EIA (2014).


Outro recurso energético renovável que vem se destacando nos últimos
anos é a energia eólica. O uso do vento como agente gerador de energia vem
aumentando consideravelmente desde 2008. De fato, cerca de 520 trilhões
de KWh foram produzidos por geradores eólicos em 2012, um crescimento
impressionante, quando comparado aos 220 trilhões produzidos cinco anos
antes. Parece muito, mas ainda está longe de atingir a demanda energética
mundial, atualmente provida pelos mais de 4,7 quatrilhões de kWh oriundos
das fontes fósseis. No entanto, a geração energética conjunta das diversas fontes
renováveis, além das iniciativas mundiais para que se estabeleça um panorama
energético mais sustentável, podem ser a resposta para as mudanças almejadas,
em um período não muito distante.
No desenvolvimento desta seção, procuramos contextualizar o problema
da crise energética no mundo, apresentando potenciais formas de contornar e
solucionar as dificuldades em se produzir energia de forma mais limpa e susten-

– 32 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

tável. Na sequência, abordaremos os princípios associados à geração de energia


elétrica, uma das principais formas de energia utilizada pela humanidade.

2.2 Princípios da Geração de Energia Elétrica


Antes de darmos início aos nossos estudos sobre os princípios que regem
a produção de energia elétrica, é fundamental definirmoso conceito por trás
deste tipo de energia.Assim, a energia elétrica é aquela produzida devido à
diferença de potencial existente entre dois pontos, possibilitando a geração de uma
corrente de elétrons entre eles.
A energia elétrica, ou simplesmente eletricidade, é uma fonte secundária
de energia, pois depende dos processos de conversão a partir de outras fontes
energéticas, como carvão, gás natural, energia eólica, solar ou nuclear. Estes
recursos, por sua vez, são denominados fontes primárias de energia. É impor-
tante salientar que as fontes primárias de energia podem ser tanto renováveis,
como não renováveis; porém, a energia elétrica não é, via de regra, classificada
da mesma forma.
Os princípios da geração elétrica foram estabelecidos no início do século
XIX pelo cientista britânico Michael Faraday. Todavia, muitas descobertas refe-
rentes aos conceitos de energia elétrica já haviam sido elucidadas anteriormente
por Benjamin Franklin, como o princípio da conservação das cargas elétricas.
Outros cientistas, como Thomas Edison e Nikola Tesla, também tiveram papel
fundamental na aplicação da energia elétrica da forma como conhecemos hoje.
Tesla, por exemplo, foi o pioneiro na transmissão, geração e uso da eletricidade
por corrente alternada, o que reduziu enormemente o custo com a transmissão
de energia a longas distâncias.
De forma geral, dificilmente conseguiríamos imaginar nossas vidas
sem eletricidade. Desde a facilidade em se acender uma lâmpada dentro de
nossas casas até o uso de inúmeros equipamentos eletrônicos responsáveis
por facilitar a vida cotidiana e promover lazer, a energia elétrica apresenta
inúmeras possibilidades aos seres humanos. Apesar da grande importância
deste tipo de energia, poucas pessoas param para pensar como ela é gerada,
qual a tecnologia de geração associada e os impactos que podem ser causa-
dos ao meio em que vivemos.

– 33 –
Energias e Meio Ambiente

Para compreendermos melhor a eletricidade, precisamos nos voltar para


pequenas partículas, constituintes de toda a matéria que conhecemos: os áto-
mos. Um átomo é constituído por elementos ainda menores, denominados
prótons, nêutrons e elétrons. O núcleo de um átomo confere carga positiva à
partícula e é constituído pelos prótons e nêutrons (com exceção do isótopo
H1 do hidrogênio, que não apresenta nêutrons). Os elétrons, por sua vez,
orbitam em torno deste núcleo positivo e são constituídos por cargas negati-
vas. A quantidade de cargas positivas (prótons), em um elemento dito neutro,
deve ser idêntica à quantidade de cargas negativas (elétrons), com as cargas
opostas atraindo-se mutuamente. Já os nêutrons, são elementos sem carga e
sua importância encontra-se em conferir estabilidade ao núcleo do átomo. A
física nuclear nos conta que partículas ainda menores, quarks e leptons, são
constituintes destes componentes da matéria. Entretanto, dentro do escopo
adotado para este livro, vamos nos ater às maiores partículas subatômicas, em
especial, aos elétrons.
Os elétrons de um elemento encontram-se divididos em camadas ao
redor do núcleo do átomo. A camada mais próxima ao núcleo é capaz de
abrigar dois elétrons; à medida que estas camadas se afastam, podem conter
ainda mais elétrons. Quanto mais próximo do núcleo um elétron se encon-
tra, maior será a força atrativa entre eles. Para camadas mais externas, esta
atração é reduzida, o que torna possível o escape dos elétrons de sua órbita,
sendo transferidos de um átomo para outro, quando aplicada sobre eles uma
determinada força.
Este movimento de elétrons é o que define a eletricidade. É importante
salientar que quando um elétron é excitado para fora da sua órbita, ele
permanece nesta posição por apenas uma fração de tempo, retornando quase
que imediatamente ao seu orbital. Quando retorna, o elétron libera energia
extra, denominada fóton, que pode gerar luz.
Para que a eletricidade possa fluir, é necessário que haja um caminho com-
pleto a ser percorrido pelos elétrons. Se este caminho, ou circuito, encontrar-
se aberto, os elétrons não conseguirão fluir, isto é, não será possível produzir
uma corrente de elétrons. Por exemplo, quando nós apertamos um interruptor
de uma lâmpada, o que estamos fazendo, na realidade, é fechando o circuito
que possibilita que os elétrons percorram o caminho, gerando eletricidade.

– 34 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

Uma lâmpada comum é formada por dois contatos de metal conecta-


dos a um filamento fino de metal (como o tungstênio), no interior de uma
cápsula de vidro, preenchida por um gás inerte, como argônio. Quando o
circuito é ligado, os elétrons livres que constituem a corrente elétrica,gerada
em algum processo de conversão energética (como hidrelétricas) e distri-
buída até as residências, irão percorrer o circuito, passando pelo filamento
metálico. Como estes elétrons se movimentam rapidamente, tendem a
bater constantemente nos átomos do metal componente do fio condutor,
fazendo-os vibrar e, com isso, o filamento se aquece. Devido à vibração
ocasionada pela passagem da corrente elétrica, os elétrons constituintes
do átomo do metal irão ser impulsionados para uma camada (nível) mais
externa de energia. Como apresentado anteriormente, ao retornar para sua
órbita normal, o elétron devolve a energia absorvida na forma de um fóton.
Em geral, os átomos de metais liberam fótons de luz infravermelha, invisí-
vel ao olho humano. No entanto, sob temperaturas elevadas (o que é con-
ferido pelo aquecimento do filamento), os fótons emitidos serão na forma
de luz visível.
O exemplo acima elucida como uma corrente elétrica pode ser utilizada
para atuar em algum processo, no caso, na geração de luz elétrica. Mas, para
que exista corrente elétrica, é necessário que haja umadiferença de potencial
entre dois pontos (ddp ou tensão elétrica). Podemos conceituar a ddp como o
trabalho que deve ser feito para movimentar uma carga em um campo elétrico.
Em outras palavras, uma ddp é a força responsável pela movimentação dos
elétrons, também entendida como a tendência de uma carga em se locomover
de um ponto a outro. Assim:
b
Va − Vb = ∫E ⋅ dl (2.1)
a

Na Equação 2.1, Va é o potencial elétrico no ponto a e Vb o potencial


elétrico no ponto b (dados em Joules/ coulomb ou volts). A diferença de
potencial existente entre estes dois pontos será dada em função da intensi-
dade do campo elétrico E, existente entre eles, e da distância entre estes dois
pontos. De forma geral, quanto maior for a ddp entre dois pontos, maior será
o fluxo de elétrons entre eles. Este é o princípio que rege a geração de uma
corrente elétrica.

– 35 –
Energias e Meio Ambiente

Também é possível afirmarmos que a diferença de potencial (que tam-


bém podemos denominar U, de energia potencial elétrica) será função do
fluxo de elétrons (corrente) e da resistência à passagem deste fluxo. Esta relação
descreve a Lei de Ohm para uma corrente contínua:

U = R.I (Lei de Ohm) (2.2)

Na Equação 2.2, U é a diferença de potencial (volts), I é a intensidadeda


corrente (dada em ampères) e R é a resistência, ou oposição, à passagem da
corrente (dada em ohms). Considerando-se corrente alternada, R é substitu-
ído pela variável impedância (Z, também dada em ohms).
Outras grandezas muito importantes dentro do estudo da eletricidade

são a força elétrica, ou eletrostática, Fe atuante sobre partículas carregadas e o

campo elétrico E (que já pudemos observar na equação 2.1).

A força eletrostática Fe corresponde à força de atração, ou repulsão,
associada à carga elétrica dos objetos. Esta força, em módulo, pode ser calcu-
lada através da Lei de Coulomb:

q1 ⋅ q q
F= k ⋅ (Lei de Coulomb) (2.3)
r2

Na equação 2.3, F(unidade: Newton ou N) é o módulo (intensidade) da


força eletrostática entre duas partículas carregadas com cargas q1 e q2(unidade:
Coulomb ou C), separadas por uma distância r (em metros). Nesta equação,
k é dita constante eletrostática.
Para definirmos a intensidade de um campo elétrico E, em um ponto,
relacionamos uma força elétrica Fe agindo sobre uma partícula, contendo
uma carga q e localizada neste ponto. Em módulo, temos que (Equa-
ção 2.4):
Fe
E= (Intensidade de campo elétrico) (2.4)
q

– 36 –
Recursos energéticos: fontes renováveis e não renováveis

Dessa forma, um campo elétrico é, na verdade, uma forma de explicar-


mos como uma partícula (contendo uma carga) é capaz de agir através de uma
força eletrostática sobre uma segunda partícula (também carregada), localizada
a uma determinada distância dela. De acordo com a Equação 2.2, isto é possível
devido ao fato de que toda carga produz um campo elétrico no espaço que a cerca.
Outro conceito importante, associado ao fenômeno de geração de ener-
gia elétrica, é o de campo magnético. Um campo magnético pode ser gerado
como resultado de cargas elétricas em movimento (gerando um eletroímã) ou
produzido em materiais que apresentam momentos magnéticos permanentes
(ferromagnetismo). Em geral, o campo magnético é representado por um
vetor, dito indução magnética B, dado por:
Fb
B= (Intensidade de campo magnético) (2.5)
qv

Na equação 2.5, temos que B é a intensidade do campo magnético


(unidade: Tesla ou T), definido em termos da força magnética Fb (N),
que age sobre uma partícula contendo uma carga q e movimentando-se
a uma velocidade v (m/s). É importante salientar que, para que haja um
campo magnético, a partícula (e por conseguinte, a carga) deverá estar
em movimento.
Assim como correntes elétricas podem dar origem a um campo magnético,
as propriedades dos materiais magnéticos podem ser utilizadas na produção de
eletricidade. Para entendermos como isso é possível, devemos, inicialmente,
entender o conceito de fluxo magnético (ΦB, unidade: weber ou T. m2). Trata-se
da quantidade de campo magnético B (T), que atravessa determinada área A
(m2). De forma geral, para um campo uniforme, temos que:
Fb = B . A . cos θ (Fluxo magnético) (2.6)

Na Equação 2.6, o ângulo θ é aquele formado entre o vetor campo



magnético B e o vetor área . Em geral, deseja-se obter o fluxo magnético
em uma bobina, isto é, um fio condutor metálico enrolado em si mesmo,
que apresentaimportante aplicação na constituição de geradores e motores
elétricos. Para uma bobina com N espiras, a Equação 2.6 pode ser reescrita
da seguinte forma:

– 37 –
Energias e Meio Ambiente

Fb = N . B . A . cos θ (2.7)
Por fim, se o fluxo magnético que atravessa uma espira condutora variar,
teremos a indução de uma força eletromotriz (fem), que corresponde à pro-
priedade de geração de energia elétrica em um circuito, por um dispositivo
qualquer (um gerador, por exemplo). Esta força eletromotriz pode ser obtida
através da Lei de Indução de Faraday, que para uma bobina com N espiras
pode ser escrita da forma (Equação 2.8):

∆Φ B
ξ = −N ⋅ (Lei de Faraday) (2.8)
∆t

Assim, de acordo com a Lei de Faraday, podemos afirmar que o módulo


da força eletromotriz induzida em uma espira condutora (ou uma bobina, de
acordo com a Equação 2.8) corresponde à taxa de variação, em função do
tempo, do fluxo magnético ΦB, que atravessa esta espira, com o sinal negativo
indicando que a fem se opõe à variação do fluxo. Assim, a Lei de Faraday
resume como podemos gerar energia elétrica, variando-se a quantidade de
campo magnético que atravessa um dispositivo.
Os conceitos apresentados nesta seção serão fundamentais para com-
preendermos, nos próximos capítulos, como sistemas de geração energética
(termelétricas ou hidrelétricas, por exemplo) são capazes de converter uma
fonte de energia primária, como calor ou energia cinética, em energia elétrica.
Também possibilitarão o entendimento das tecnologias associadas à distribui-
ção e utilização desta energia por todo o mundo.

– 38 –
3
Hidrelétricas e a
geração de energia

No capítulo anterior, foram apresentadas as principais


fontes energéticas, tanto de origem renovável como não renovável,
além de suas vantagens e desafios. Após esta primeira abordagem,
daremos início ao estudo sobre os princípios por trás destas matri-
zes energéticas, explorando em detalhes o funcionamento das tec-
nologias de geração de energia associadas. Também veremos como
estes processos de geração e distribuição energéticos podem estar
vinculados a impactos ao meio ambiente. Neste capítulo, começare-
mos nossos estudos com as fontes renováveis de energia hidrelétrica,
eólica e solar.
Energias e Meio Ambiente

3.1 Hidrelétricas e a geração de energia


A energia produzida a partir de hidrelétricas é considerada uma fonte
energética renovável, pois seu princípio de funcionamento baseia-se em um
processo natural e recorrente na superfície do planeta: o ciclo da água.
Basicamente, o ciclo da água em nosso planeta descreve como este fluido,
fundamental para a sobrevivência de todas as espécies, deve percorrer reservató-
rios, de superfície e subterrâneos, reciclando-se através de processos de mudança
de estado. Durante o seu ciclo, a água segue como vapor d’água para a atmos-
fera, por processos de evaporação de corpos hídricos ou evapotranspiração, a
partir das plantas e do solo, retornando à superfície do planeta por precipitação.
Esta água deverá se movimentar na superfície da Terra, penetrando em aquífe-
ros ou seguindo em fluxo corrente por rios, até atingir os mares e oceanos.
O ciclo da água é fundamental para a manutenção da vida no planeta e
garante que tenhamos uma reserva constante deste bem precioso. Entretanto,
muitas atividades humanas, como a poluição dos corpos hídricos e a imper-
meabilização de solos (devido a extensas áreas construídas), vêm interferindo
no ciclo hidrológico, o que deve resultar, caso não haja nenhum esforço ao
contrário, na escassez de água doce no planeta em um futuro próximo.
A água, além de ser fundamental para os mais variados usos nas ativi-
dades humanas (alimentação, higiene, lazer), também é bastante importante
para outros processos: dessedentação de animais, recarga de aquíferos, abas-
tecimento industrial, irrigação, navegação. Ainda, a água pode ser utilizada
como força propulsora em processos de geração de energia, como no caso das
usinas hidrelétricas.
Em outras palavras, uma usina hidrelétrica é uma forma de obter energia
a partir da água. Mas, afinal, como isso ocorre? Conforme exposto no Capí-
tulo 2, a geração de energia elétrica depende da conversão de outras fontes
primárias de energia em eletricidade, que é uma fonte energética secundária.
Assim, para que uma usina hidrelétrica possa ser capaz de gerar energia, ela
deverá utilizar, como fonte primária, a água em movimento.
A idéia de usar a água como fonte propulsora de algum processo não é nova.
Os seres humanos vêm aproveitando o potencial da água para realizar trabalho
há milhares de anos. Os gregos, por exemplo, já faziam uso de moinhos de água,

– 40 –
Hidrelétricas e a geração de energia

na moagem de grãos, há 2.000 anos atrás. Na Roma antiga, turbinas eram cons-
truídas, tendo como base rodas giradas pela ação da água corrente. Ainda não
se conhecia, porém, o potencial de energia elétrica deste sistema e as turbinas
eram utilizadas, assim como os moinhos, no processo de moagem dos grãos.
Moinhos de água foram as primeiras formas encontradas pela humani-
dade para utilizar a energia do fluxo de água para realização de algum trabalho
útil, tendo sido bastante comuns até a Revolução Industrial, no século XVIII.
A utilização destes sistemas visava à realização de alguma atividade mecâ-
nica, como o processo de moagem de grãos comentado acima, mas também
podia estar associada a outras atividades, como processos de irrigação e drena-
gem, corte de madeira e até mesmo geração de eletricidade, em sistemas mais
modernos, mas baseados nos mesmos princípios de funcionamento.
De forma geral, um moinho utiliza a energia cinética resultante do movi-
mento da água para produzir trabalho. Lembre-se, a partir do conteúdo estu-
dado no Capítulo 1, que a energia cinética é a forma de energia associada ao
movimento dos corpos. Lembre-se também que, de acordo com a Equação
1.4, a energia cinética é proporcional à massa do corpo e ao quadrado da
velocidade com que este corpo se movimenta. Ou seja, no caso dos sistemas
de moinhos, quanto maior for a massa e a velocidade da água responsável por
rotacionar o sistema, maior será a quantidade de energia cinética disponível
para ser convertida em trabalho. Assim, estes moinhos devem ser posicionados
em rios ou córregos que apresentem um regime de vazão adequado. De forma
geral, a estrutura de um moinho de água consiste em uma grande roda d’água
e um cabo conectado ao eixo central desta roda, utilizado para transmitir a
energia obtida a partir do movimento da água para um sistema de engrena-
gens, capazes de fazer funcionar o instrumento ou maquinário associado.
Não demorou muito para que pesquisadores enxergassem o potencial
de conversão da energia cinética,gerada pelo fluxo hidráulico e utilizada
para rotação de turbinas, para a geração de energia elétrica. Uma das pri-
meiras experiências neste sentido data de 1880, quando um dínamo impul-
sionado por uma turbina de água foi utilizado para gerar uma espécie de
relâmpago em arco, em frente a um teatro, na cidade de Michigan, Esta-
dos Unidos. Um dínamo é um dispositivo constituído por um ímã e uma
bobina (material condutor metálico, enrolado em espiras), que funciona
convertendo energia mecânica em energia elétrica, utilizando-se do fenô-
meno de indução magnética.

– 41 –
Energias e Meio Ambiente

No Capítulo 2 vimos que, de acordo com a Lei de Indução de Faraday


(Equação 2.8), é possível gerar uma força eletromotriz (fem) em uma bobina,
variando o fluxo de um campo magnético ao longo do tempo. Similar ao que
observamos com a diferença de potencial, uma força eletromotriz é necessária
para a geração de corrente elétrica. Assim, o que ocorre no dínamo é que o
ímã, situado no interior da bobina, é movimentado (pela ação da energia
mecânica, a partir de um fluxo hidráulico, por exemplo), a partir de um eixo
móvel sobre o qual se acha instalado. Esta variação do fluxo magnético é
responsável pela geração da força eletromotriz, induzindo uma corrente con-
duzida ao longo das espiras da bobina.
O sentido da correntena bobina será igual ao sentido da fem induzida. Já
o campo magnético,gerado por esta corrente (lembre-se que cargas em movi-
mento geram um campo magnético), será oposto ao fluxo magnético que a
originou. Este enunciado resume a Lei de Lenz e define qual será o sentido da
corrente em um gerador elétrico.
Os primeiros dínamos desenvolvidos faziam uso da chamada corrente
contínua (AC ou CC), em que os elétrons fluem em apenas uma direção.
No entanto, este tipo de geração dificulta a transmissão da corrente a longas
distâncias, pois a perda da energia é muito grande. Dessa forma, o advento
da corrente alternada (AC ou CA), a partir de pesquisas realizadas por Nikola
Tesla, permitiu que as correntes elétricas fossem transmitidas para locais afas-
tados do ponto de geração, tornando viável a construção de usinas de eletri-
cidade, como as hidrelétricas.
Diferentemente da corrente contínua, os elétrons que constituem a cor-
rente alternada não fluem em apenas um sentido;pelo contrário, estas partí-
culas movimentam-se de forma alternada, locomovendo-se para frente e para
trás durante o percurso. Este tipo de fluxo eletrônico permite armazenar uma
quantidade maior de energia, reduzindo as perdas durante seu transporte.
Também é possível alterar a tensão presente neste tipo de corrente pelo uso
de transformadores, que podem ser utilizados para amplificar a tensão em
estações de transmissão da energia elétrica, assim como rebaixá-la para dis-
tribuição aos consumidores finais. Devido às suas propriedades, não é possí-
vel usar transformadores em corrente contínua, que apresenta aplicação mais
adequada em pilhas e baterias.

– 42 –
Hidrelétricas e a geração de energia

A possibilidade de transmitir energia para elevadas distâncias, e com


reduzidas perdas, permitiu a instalação de grandes usinas de geração energé-
tica. As primeiras usinas hidrelétricas foram construídas no final do século
XIX, dando início à disseminação das fontes alternativas de energia, em subs-
tituição às fontes de origem fóssil, em especial o carvão, dominantes desde
a Revolução Industrial. As primeiras hidrelétricas construídas eram mais efi-
cientes do que as termelétricas da época, o que possibilitou uma rápida disse-
minação desta tecnologia através da instalação de usinas de pequeno e médio
porte, em qualquer localidade que apresentasse um suprimento adequado de
água e necessidade de energia elétrica.
Basicamente, o princípio da geração energética em usinas hidrelétricas
se baseia no uso de grandes volumes de água para a rotação de turbinas
que, associadas a geradores, irão produzir energia elétrica pelo fenômeno da
indução magnética, conforme já apresentado anteriormente. O principal
desafio destas usinas, entretanto, é controlar a água a ser utilizada como
força propulsora. A solução encontrada por engenheiros e pesquisadores
para este problema foi fazer uso de barragens, capazes de retergrandes quan-
tidades de águas de um rio, dando origem a gigantescos reservatórios ou
lagos artificiais.
A água retida na barragem é forçada a fluir no interior de condutos
de diâmetro reduzido, aumentando a sua velocidade. Podemos compreender
melhor este efeito ao observarmos que vazão, área transversal de escoamento
e velocidade encontram-se relacionadas da seguinte forma:
Q = v ⋅ A (3.1)
Analisando a Equação 3.1, podemos perceber que em um escoamento
no interior de um tubo ou conduto, quando a vazão (em m3/s) é mantida
constante, a velocidade (em m/s) é inversamente proporcional à área (em m2).
Diâmetros de conduto reduzidos, portanto, aumentarão a velocidade da água
proveniente do reservatório. Quanto maior a velocidade, maior será a energia
cinética a ser convertida em trabalho na rotação das turbinas da usina, o que
resulta na maior quantidade de energia elétrica gerada.
O Brasil, por ter uma grande riqueza hídrica, com inúmeros rios de
planalto, apresenta enorme potencial para geração de energia hidrelétrica.
Isto porque rios de planalto possuem características como rupturas de declive

– 43 –
Energias e Meio Ambiente

e vales encaixados, com muitos desníveis entre a nascente e a foz dos rios,
gerando consideráveis quedas d’água. Desníveis nos rios conferem maiores
velocidades à massa de água, gerando maior energia cinética a ser convertida
em energia elétrica pelas turbinas das usinas hidrelétricas.
No entanto, apesar do enorme potencial de uso deste tipo de fonte ener-
gética no Brasil e em diversas localidades ao redor do mundo, há pouco sendo
efetivamente aproveitado. Em seu Report of Renewable Energy Sources and
Climate Change Mitigation (relatório sobre fontes de energias renováveis e
atenuação das alterações climáticas, em tradução livre), o Painel Intergover-
namental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) chama atenção para o fato de
que grande parte do potencial energético, em todos os continentes do planeta
(excetuando-se a Antártida), apresenta ainda grande quantidade de recursos
passíveis de serem utilizados na geração hidrelétrica de energia. A Figura 3.1
apresenta este panorama mundial, destacando o percentual de potencial téc-
nico não desenvolvido em cada região.
Fig 3.1 Potencial hidrelétrico em função da geração potencial anual de energia (coluna
vermelha, valores em 1012 W/ ano) e da capacidade efetiva atual de cada região (coluna
azul, dados em 109 W). Os gráficos em pizza indicam a porcentagem não utilizada de
recursos hidrelétricos por região.

Fonte: IJHD (2010).

– 44 –
Hidrelétricas e a geração de energia

Analisando a Figura 3.1, é possível observar que continentes como a


África, Ásia e América do Sul apresentam grande potencial técnico de geração
de energia hidrelétrica, mas, a maior parte não é aproveitada, isto é, 92%,
80% e 74%, respectivamente. Estas regiões apresentam grande quantidade
de países em desenvolvimento e muitos abaixo da linha da pobreza. A utili-
zação de fontes renováveis de energia por estas populações poderia minimizar
a dependência econômica destes países de fontes energéticas fósseis, o que
possivelmente refletiria em maior desenvolvimento, acarretando melhores
condições de vida às suas populações.
Do ponto de vista ambiental, uma usina hidrelétrica apresenta baixa
poluição atmosférica, pois suas emissões de CO2 são bastante reduzidas em
comparação com outras fontes energéticas, como as usinas termelétricas.
Contudo, caso não haja a limpeza da área a ser alagada, ou seja, a remoção
de árvores e demais vegetais, haverá um grande aporte de matéria orgânica
nos reservatórios. Depositado no fundo destes reservatórios, o material orgâ-
nico será decomposto sob condições de anaerobiose (ausência de oxigênio),
gerando consideráveis quantidades de metano (CH4), um dos gases que, jun-
tamente com o CO2, é responsável pelo efeito estufa.
Dos impactos ambientais associados às usinas hidrelétricas, aquele que mais
se destaca é a construção e operação das barragens, por afetar significativamente
o ecossistema associado ao rio represado, interferindo no ciclo de vida de peixes
e inúmeros animais dependentes deste ambiente. Dada a grande alteração oca-
sionada pela inundação de vastas áreas, devido ao represamento do rio, a implan-
tação de uma usina hidrelétrica exige uma análise minuciosa sobre os impactos
que a barragem pode ter sobre a fauna e flora local, além de potenciais alterações
nos ciclos hidrológico e biogeoquímicos da região afetada pela operação.

3.2 Energia a partir de sistemas eólicos


Outra forma de obtermos considerável quantidade de energia limpa,
isto é, de origem renovável, que apresente amplo acesso e com baixas emissões
de gases atmosféricos, é fazendo uso do potencial energético do vento.
De forma global, o vento origina-se devido ao aquecimento desigual
da superfície da Terra pelo Sol, entre o equador e os polos do planeta, e o

– 45 –
Energias e Meio Ambiente

movimento rotacional do planeta. Esta diferença de aquecimento conduz a


uma absorção da energia solar díspar, o que se reflete em maiores ou menores
forças de empuxo do ar nas regiões. Estas diferenças, associadas a desiguais
intensidades de forças de atrito (maiores próximo à superfície do planeta),
conduzem a um movimento distinto da massa do ar, ocasionando os ventos.
Diferenças na pressão atmosférica também atuam como força motriz na gera-
ção dos ventos, com o ar se movendo de regiões de maior pressão para aquelas
com pressão reduzida. Esta desigualdade é responsável pela formação de ven-
tos com distintas velocidades, que podem ser determinadas por equipamen-
tos denominados anemômetros. Um anemômetro, portanto, é responsável
por medir a velocidade da componente horizontal do vento, o que é essencial
para o cálculo das previsões de geração de energia.
O princípio de aproveitamento energético do vento baseia-se no fato de
que a sua velocidade de movimentação apresenta uma quantidade de energia
cinética associada. Esta energia cinética pode ser convertida em trabalho útil,
em geral na forma de movimento. Tal aplicação não é recente e, desde suas
primeiras experiências na navegação, o ser humano já faz uso do poder do
vento, como força propulsora em barcos à vela. Da mesma forma, os primei-
ros moinhos de vento datam de centenas de anos, utilizados para moagem de
grãos ou bombeamento de água.
O uso do primeiro moinho de vento para geração de eletricidade,
entretanto, só ocorreu no final do século XIX, por James Blyth, na
Anderson’s College, Escócia. Na ocasião, o pesquisador utilizou um aero-
gerador (denominação para geradores cuja rotação é causada pela ação
do vento sobre turbinas) rudimentar, com 10m de altura e instalado em
seu jardim, para abastecer sua casa de campo de energia. Esta se tornaria,
então, a primeira residência no mundo a lançar mão da energia eólica
como fonte de energia elétrica.
O princípio de geração elétrica a partir de sistemas eólicos é similar
ao que foi apresentado anteriormente para energia hidrelétrica. Porém,
ao invés do fluxo hidráulico, a força motriz capaz de girar uma turbina
conectada a um gerador (produzindo eletricidade por indução magnética)
é o ar em movimento.Estas turbinas se diferenciam pela presença de eixos
de rotação, em diferentes tamanhos ou formatos, que são os dispositivos
responsáveis pela captação da energia cinética do vento, a ser convertida
na rotação das turbinas.

– 46 –
Hidrelétricas e a geração de energia

Em termos de conformação, há dois tipos básicos de turbinas empre-


gadas nas tecnologias dos aerogeradores atuais: turbinas de eixo horizontal
e turbinas de eixo vertical. As turbinas eólicas de eixo horizontal (também
conhecidas como HAWT, do seu termo em inglês Horizontal Axis Wind Tur-
bine) são formadas, tipicamente, por duas ou três pás de rotação. O formato e
as dimensões destas pás constituintes devem ser determinados de acordo com
a aerodinâmica ideal de operação destes sistemas, visando à máxima eficiência
de extração da energia cinética presente no ar em movimento. Em 1919, o
físico Albert Betz, durante suas pesquisas com turbinas eólicas, determinou
que, para uma máquina ideal (hipotética) de extração de energia do vento,
a máxima quantidade de energia cinética que pode ser capturada por uma
turbina é igual a 59,3% (Lei de Betz). Atualmente, turbinas eólicas modernas
podem alcançar até 80% deste limite. A Figura 3.2 apresenta uma representa-
ção esquemática de um aerogerador de eixo horizontal. Nesta representação,
é possível observar um sistema de controle computadorizado presente na base
do dispositivo. Este sistema é responsável pela mudança na direção das pás de
rotação, que devem ser posicionadas de acordo com a direção da velocidade
do vento a ser captado.
Fig. 3.2 Representação esquemática de uma turbina eólica de eixo horizontal

Fonte: Adaptado de National Energy Education Development Project (2015).


Em relação às turbinas de eixo vertical, suas pás de rotação são conec-
tadas no topo e na base de um rotor vertical. Devido ao seu design bastante

– 47 –
Energias e Meio Ambiente

diferenciado (Figura 3.3), estas turbinas são popularmente conhecidas como


“batedoras de ovos”. Dentre as vantagens deste tipo de sistema estão a maior
segurança no uso e melhor capacidade em lidar com a turbulência, comum
em áreas com aglomerados urbanos. Devido ao seu tamanho compacto, apre-
sentam manutenção facilitada, além de uma velocidade de arranque (isto é,
a velocidade mínima do vento necessária para a geração de energia) menor
do que sua contraparte horizontal. Entretanto, apresentam menor eficiência,
tendo em vista que, devido às suas torres mais baixas, a captação ocorre pró-
ximoao solo, onde o vento é de menor intensidade.
Qualquer que seja a configuração de suas turbinas, sistemas eólicos de
geração energética devem ser cuidadosamente controlados, incluindo aí o
monitoramento da velocidade de rotação das turbinas e o torque associado ao
movimento rotacional das pás. Também é necessário garantir que o sistema
apresente força suficiente e estabilidade. De fato, uma variável muito impor-
tante no projeto das turbinas eólicas é a velocidade de sobrevivência, isto é, a
máxima velocidade que o vento utilizado na rotação das turbinas pode atingir,
sem que isso acarrete danos ao sistema. Este valor vai depender da configuração
da turbina adotada; todavia, valores iguais a 60 m/s são comumente encon-
trados em turbinas eólicas comerciais.
Fig 3.3 Turbina eólica de eixo vertical localizada na cidade de Martigny, Suíça.

Fonte: Lysippos, Wikimedia Commons (2015).

– 48 –
Hidrelétricas e a geração de energia

O tamanho das turbinas utilizadas nos aerogeradores é bastante variável,


com o comprimento das suas pás de rotação influenciando diretamente na
capacidade de geração elétrica do sistema.Sua escala de capacidade de geração
varia de 100 kW, em pequenos geradores, até vários megawatts em aerogera-
dores de grande porte. Em geral, grandes turbinas eólicas são agrupadas em
uma área comum, dando origem aos parques ou usinas eólicas. Atualmente,
a maior usina eólica do mundo está localizada na província de Gansu, na
China, com capacidade total aproximada de 5.000 MW (5 GW). Estima-se
que até 2020 esta capacidade será ampliada para 20.000 MW.
No Brasil, a energia eólicaapresenta o maior crescimento dentre as fontes
de energia alternativa no país, com 113 novos parques eólicos em desenvolvi-
mento (ano de 2015). Estes parques apresentarão, juntos, capacidade de gera-
ção total igual a 2,7 GW, podendo atender mais de 2 milhões de residências.
Além disso, estima-se que a implantação destas usinas evitará a emissão de,
aproximadamente, 1,3 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Do ponto de vista ambiental, este tipo de tecnologia de geração é uma
das mais limpas e renováveis existentes, demosntrando poucos impactos ao
meio em que se encontra inserida. Com raras exceções, turbinas eólicas não
liberam gases poluentes na atmosfera, além de não necessitarem de água para
resfriamento dos geradores. Este tipo de tecnologia pode, reduzir a necessi-
dade de fontes fósseis de geração de energia, minimizando o impacto causado
por estas matrizes energéticas.
Apesar de seus benefícios como fonte alternativa de energia serem bas-
tante convincentes, alguns impactos ambientais negativos deste tipo de tecno-
logia podem ser listados. Os principais são: interferência na paisagem (poluição
visual), devido ao seu tamanho considerável; ocorrências (raras) de incêndios e
vazamento de lubrificantes; poluição sonora devido à movimentação das pás de
rotação; risco de morte de pássaros e morcegos, afetando as populações destes
animais (o que pode interferir no equilíbrio do ecossistema como um todo).
Os impactos associados ao uso da geração eólica de energia, no entanto,
ainda são pequenos quando comparados às inúmeras vantagens desta tecno-
logia. As perspectivas futuras para a implantação de novas usinas eólicas são
promissoras, o que poderá vir como a consolidação deste tipo de fonte como
uma das principais geradoras de energia no mundo.

– 49 –
Energias e Meio Ambiente

3.3 Geração de energia solar térmica e fotovoltaica


A terceira forma de energia renovável a ser abordada neste capítulo
é, muitas vezes, sinônimo de energia limpa e ambientalmente «amigável».
Isto porque, assim como a energia eólica, faz uso de um recurso, em teoria,
inesgotável. Trata-se da energia proveniente do Sol, nossa essencial fonte de
energia na forma de luz e calor, fundamental para a vida em nosso planeta.
O Sol produz energia, ininterruptamente, há bilhões de anos. Para ter-
mos uma ideia do enorme potencial energético deste gigante, seria suficiente
apenas 90 minutos de luz solar incidindo sobre a Terra para estabelecer as
necessidades de energia de toda a humanidade, por um ano. Entretanto, ape-
sar deste grande potencial, pouco da matriz energética mundial é derivada
desta fonte. Felizmente, este panorama tende a mudar em um futuro próximo,
haja vista os problemas ambientais associados às demais fontes energéticas em
uso atualmente, em especial aos recursos não renováveis.
O uso do Sol como fonte energética é uma proposta antiga e as primei-
ras tentativas de levar a efeito alguma tecnologia capaz de converter as emis-
sões solares em alguma outra forma de energia datam de meados do século
XIX, quando o matemático e astrônomo inglês John Herschel utilizou um
dispositivo capaz de coletar e armazenar a energia do sol na forma de calor,
para cozer alimentos durante uma expedição à África. De fato, o uso do poder
calorífico do Sol para aquecimento da água foi uma das primeiras aplicações
da energia solar em processos úteis ao homem. Ainda hoje, este processo
apresenta ampla aplicação em aquecedores de fluidos, muito utilizados para o
aquecimento de águas em residências, comércios e áreas de lazer, como pisci-
nas, por exemplo. Além disso, processos que demandem um preaquecimento
do ar, como alguns sistemas de ventilação e secagem de materiais, também
podem se beneficiar deste tipo de processo.
De forma simplificada, sistemas de aquecimento solar fazem uso de um
coletor e de um fluido capaz de captar e absorver a radiação solar. Nestes siste-
mas, ventiladores ou bombas são responsáveis pela circulação do ar ou demais
fluidos, que devem ser capazes de absorver grandes quantidade de calor. Na
sequência, estes fluidos aquecidos devem ser transferidos para seu uso direto
em algum ambiente ou podem seguir para um reservatório com capacidade
de armazenar o calor gerado no sistema.

– 50 –
Hidrelétricas e a geração de energia

De forma geral, a qualidade de um coletor dependerá do seu rendimento,


isto é, da sua capacidade de absorção da radiação incidente (também denomi-
nada rendimento óptico), em relação às perdas de calor para o exterior. Existem
diversos tipos de coletores solares que, em geral, podem ser divididos em concen-
tradores e não concentradores. Um coletor do tipo concentrador apresenta uma
área de captação muito maior do que a área de absorção propriamente dita. Este
tipo de coletor centraliza ou concentra a energia solar no absorvedor, responsá-
vel por transferir este calor para o fluido utilizado no processo. Este processo é
realizado utilizando-se sistemas de lentes ou espelhos e, usualmente, o coletor
tem a capacidade de se movimentar, melhorando, desta forma, o rendimento
do sistema. Este tipo de coletor pode ser utilizado para o processo de geração
de eletricidade, conforme será apresentado posteriormente nesta seção.
Em relação aos coletores não concentradores, a área responsável pela cap-
tação da radiação incidente do Sol é a mesma que irá absorvê-la. Estes coletores
apresentam uma grande variedade de configurações, sendo a mais comum aquela
que apresenta a superfície plana. Muito utilizados para aquecimento doméstico,
em que as temperaturas desejadas são inferiores a 60 ºC, estes coletores são forma-
dos por uma cobertura transparente, responsável por induzir o efeito estufa (cap-
tação da radiação solar), um absorvedor e um adequado sistema de isolamento
térmico, montados sobre uma estrutura que confere estabilidade ao sistema.

3.3.1 Geração de energia elétrica a partir de fonte solar


Uma das principais dificuldades em se utilizar a fonte solar como matriz
para geração de energia elétrica está no fato da energia solar ser produzida de
forma intermitente. Além disso, a incidência solar vai variar de acordo com
a localização de instalação do sistema, clima e condições do tempo. Assim, é
fundamental que os sistemas desenvolvidos apresentem alta eficiência, para que
a maior parte da energia térmica capturada possa ser efetivamente convertida
em energia elétrica.Basicamente, existem dois tipos de sistemas de conversão
da energia solar em eletricidade: usinas solares térmicas e células fotovoltaicas.
Usinas solares térmicas fazem uso da radiação solar capturada por siste-
mas coletores concentradores. Conforme descrito anteriormente, estes sistemas
irão concentrar a radiação do sol para aquecer fluidos a elevadas temperaturas,
em geral acima de 90 ºC. No caso de uma usina solar, o fluido utilizado rece-

– 51 –
Energias e Meio Ambiente

berá calor de coletores capazes de concentrar a radiação solar em temperaturas


acima de 300 ºC. Este fluido, por sua vez, deverá trocar calor com a água,
convertendo-a em vapor. O vapor d’água será a força motriz de rotação de uma
turbina, de forma similar ao que ocorre nas usinas termelétricas, que serão apre-
sentadas em detalhes no Capítulo 5. Esta rotação, conforme já vimos em outras
formas de conversão energética, será responsável pela geração de eletricidade
através do fenômeno da indução magnética em um gerador associado.
Há três tipos principais de sistemas solares térmicos para geração de
energia elétrica, variando de acordo com a forma de absorção da radiação
solar: via refletores parabólicos, pratos solares ou torres de energia solar. Den-
tre estes, o sistema parabólico se destaca, por ser o tipo de tecnologia utilizada
na maior usina solar térmica existente no mundo atualmente, localizada no
deserto de Mojave, Califórnia, Estados Unidos (Figura 3.4).
Fig 3.4 Usina solar térmica com tecnologia de refletores parabólicos, no deserto
de Mojave, Califórnia, EUA

Fonte: Sandia National Laboratories Database (2015).


Este dispositivo funciona por meio de um longo refletor em formato
parabólico (coletor), que focaliza as emissões solares em uma tubulação
receptora localizada no ponto central, ou foco, da parabólica.O coletor se
inclina de acordo com a movimentação do Sol ao longo do dia (do leste para
o oeste), garantindo que a radiação solar esteja continuamente focada no
receptor. Devido ao seu formato parabólico, este sistema pode concentrar a

– 52 –
Hidrelétricas e a geração de energia

radiação normal do sol em até 100 vezes, atingindo temperaturas próximas


a 400 ºC. Um fluido com elevado calor específico circula no interior da
tubulação associada ao coletor. Após aquecido, este fluido será direcionado a
um sistema de trocadores de calor, onde irá transferir o calor absorvido para
a água, produzindo vapor superaquecido de alta pressão. O vapor, então,
alimentará um sistema de turbinas e geradores, produzindo eletricidade.
Resfriado após a troca de calor, o fluido de absorção retorna aos coletores,
para ser novamente aquecido.
Outra forma de conversão da radiação solar em energia elétrica é via
células fotovoltaicas (PV, do seu nome em inglês photovoltaic). Neste sistema,
a luz solar é convertida diretamente em eletricidade, fazendo uso da proprie-
dade que alguns materiais apresentam, chamada efeito fotoelétrico, de absorver
fótons de uma fonte luminosa, emitindo elétrons como consequência. Por
apresentar um sistema de geração de energia elétrica mais complexo do que
aquele descrito anteriormente, a tecnologia de células fotovoltaicas será vista
e discutida em detalhes no Capítulo 9 (Tecnologias de Fontes Alternativas).
Do ponto de vista ambiental, a geração de energia via radiação solar não
emite poluentes atmosféricos tóxicos, nem causa poluição de águas e reser-
vatórios. No entanto, pode apresentar alguns impactos negativos ao meio
ambiente. Por exemplo, alguns materiais tóxicos, como cloreto de cádmio,
são necessários para a fabricação dos equipamentos de PV, enquanto que em
algumas usinas solares térmicas são utilizados fluidos que, caso entrem em
contato com o meio, podem causar elevada contaminação, como ocorre com
os óleos sintéticos. Assim como qualquer grande construção, a implantação
de usinas solares pode impactar o ambiente em seu entorno, reduzindo o
habitat de plantas e animais dos ecossistemas locais.
Apesar das possíveis desvantagens, incluindo-se aí o custo de implan-
tação relativamente alto ao compararmos com outras fontes energéticas, é
inegável o fato de que a energia solar é uma fonte limpa, abundante e com
baixa interferência climática, podendo ser utilizada por todos os países ao
redor do globo. Estas vantagens são ainda mais evidentes para países como
o Brasil, de clima quente e alta incidência solar, tornando-o forte candidato
ao uso da fonte solar para geração de eletricidade. Além disso, a minimização
da dependência dos países em desenvolvimento dos combustíveis de origem
fóssil leva a um maior desenvolvimento econômico e melhoria na qualidade
de vida da população, conforme já discutido anteriormente.

– 53 –
4

Energia Geotérmica

Neste capítulo daremos continuidade à discussão a respeito


das fontes renováveis de energia, agora com ênfase nas energias
geotérmica e de biomassa, abordando a produção de biogás e de
biocombustíveis, com foco no bioetanol. De forma similar ao que
foi trabalhado no Capítulo 3, serão apresentados os princípios e
tecnologias associados a cada fonte energética, além dos impactos
ocasionados ao meio ambiente devido ao uso destas matrizes.
Energias e Meio Ambiente

4.1 Energia Geotérmica


Basicamente, a energia geotérmica é o calor proveniente do interior da
Terra.Devido a fenômenos ocorridos durante sua formação, em especial ao
decaimento radioativo,o interior da Terra apresenta uma enorme quantidade
de energia na forma de calor, aproximadamente 47 TW (47 x 1012W). A dife-
rença entre a elevada temperatura no interior do planeta e a superfície é res-
ponsável pela transmissão da energia térmica, na forma de calor, no sentido
de dentro para fora. Isto porque, como devemos lembrar do Capítulo 1, a Lei
Zero da Termodinâmica afirma que dois corpos em contato e sob diferentes
temperaturas tendem a atingir o equilíbrio térmico. Por sua vez, de acordo
com a 2ª Lei, não é possível remover calor de um reservatório mais frio para
um mais quente sem a realização de trabalho. Estes postulados, portanto, jus-
tificam a presença de um gradiente natural de temperatura na crosta terrestre,
com transferência constante de energia do interior para a superfície.
O decaimento radioativo é um processo no qual o núcleo instável de
alguns átomos perde energia na forma de radiação ionizante. Dentro de nosso
planeta, os isótopos radioativos responsáveis pelo fenômeno são o urânio-238,
urânio-235, tório-232 e potássio-40. A emissão desta radiação ionizante ocorre
a partir do manto terrestre, que é a camada intermediária presente entre a crosta
terrestre (mais externa) e o núcleo. As elevadas temperaturas ocasionadas pelo
decaimento radioativo, associadas às altas pressões no interior do planeta, são
responsáveis pelo derretimento de rochas, originando um composto denomi-
nado magma. Este composto, muitas vezes, é direcionado do manto para as
zonas de intrusão magmática na crosta terrestre, concentrando grande quanti-
dade de energia térmica em algumas câmaras no interior do planeta.
Durante seu ciclo hidrológico, a água pode penetrar na crosta terrestre
e, em alguns casos, atingir regiões próximas às zonas de intrusão magmática.
Uma vez nas proximidades destas áreas, a água infiltrada é aquecida pelo fluxo
de calor existente. Esta água quente, também presente na forma de vapor sob
elevadas temperaturas, pode ficar aprisionada em rochas porosas e permeá-
veis, sob uma camada de rochas impermeáveis. A estas regiões dá-se o nome
de reservatórios geotérmicos.
Não tardou para que a grande quantidade de calor presente nos reserva-
tórios geotérmicos fosse entendida como uma fonte potencial para conversão
em outras formas de energia, em especial energia elétrica. Assim como a energia

– 56 –
Energia Geotérmica

solar, o calor gerado no interior da Terra é uma fonte energética constante,


limpa e renovável, além de estar presente em todas as regiões do mundo. Algu-
mas áreas do globo, entretanto, apresentam maior potencial de uso deste calor,
por se tratarem de regiões vulcânicas jovens, como acontece no chamado Cír-
culo de Fogo do Pacífico. Esta região, que abrange diversos países e regiões,
como Japão, Nova Zelândia, Chile e Alasca, caracteriza-se pela forte atividade
vulcânica e o grande número de terremotos, devido à maior movimentação das
placas tectônicas locais. De fato, os terremotos e a movimentação do magma
nestas regiões permitem a quebra da cobertura de rochas dos reservatórios geo-
térmicos, facilitando o acesso à água e ao vapor ali presentes.
A energia geotérmica pode ser utilizada para aquecimento direto de resi-
dências, indústrias e comércios, em sistemas de aquecimento e resfriamento
via bombas de calor geotérmico (GHPs) ou para produção de energia elétrica.
Sistemas direto de geração de calor não exigem a presença de bombas ou
usinas; o princípio é remover o calor emanado dos reservatórios geotérmicos
para diversos processos, como conforto térmico de construções, preparo de
alimentos, aquicultura, manutenção de culturas agrícolas em regiões frias,
estufas, entre vários outros usos. No caso de um sistema GHP (do termo
em inglês Geothermal Heat Pumps), um sistema de bombas é aplicado para
fornecer ou remover o calor de ambientes. Este sistema de aquecimento é
altamente econômico, tendo em vista que a eletricidade, neste caso, só é exi-
gida para transportar o calor entre os reservatórios e não para geração do calor.
Por sua vez, para a produção de energia elétrica a partir destas fontes
energéticas, é necessária a instalação de uma usina geotérmica. Em uma usina
geotérmica, poços são perfurados visando atingir os reservatórios geotérmi-
cos, e o vapor ou a água quente ali presentes são bombeados para a superfície
e canalizados para serem utilizados no processo de geração de eletricidade. A
força motriz, também neste caso, é a mesma responsável pela geração ener-
gética em uma usina termelétrica, ou seja, vapor d’água produzido durante o
processo. Porém, diferentemente do que acontece com as termelétricas, em
que o vapor produzido é derivado da queima de combustíveis fósseis, nas
usinas geotérmicas, a origem deste vapor é renovável, podendo ser retirado
diretamente dos reservatórios ou obtido a partir de água quente ou supera-
quecida ali presentes sem nexo aparente.
Como vimos no Capítulo 3, a geração de eletricidade, em geral, depende
da movimentação de turbinas para produção de energia por indução magné-

– 57 –
Energias e Meio Ambiente

tica em um gerador. A produção de energia elétrica a partir de fontes geo-


térmicas obedece ao mesmo princípio, sendo que a rotação das turbinas será
ocasionada pelo vapor d’água. De acordo com a forma que este vapor é obtido,
podemos dividir as usinas geotérmicas em: usinas de vapor direto ou seco; usi-
nas de vapor flash; e usinas de ciclo binário.
Plantas de geração de energia geotérmica por vapor seco direcionam o
vapor extraído dos reservatórios geotérmicos diretamente para as turbinas da
usina. Após ser utilizado, este vapor segue para um condensador, onde é con-
vertido em água quente e conduzido novamente para o reservatório de origem.
Este retorno para o reservatório é um processo comum nas três configurações
de usinas geotérmicas e visa manter o processo renovável, ao proporcionar a
recarga dos reservatórios em uso.
Usinas de vapor flash, vão fazer uso de água superaquecida, previamente
despressurizada, para geração do vapor. Esta aplicação, só é possível no caso de
haver água em elevada temperatura (superaquecida) no interior dos reservató-
rios explorados.
Em geral, o processo mais utilizado para geração do vapor em uma usina
geotérmica é via ciclo binário. Neste caso, a água quente extraída do reserva-
tório é utilizada para aquecer um segundo fluido de menor ponto de ebulição,
como o isobutano, mais facilmente convertido em vapor para a rotação das
turbinas da usina. Esta configuração é mais aplicada porque a água quente,
mais do que vapor ou água superaquecida, é normalmente encontrada em
reservatórios geotérmicos. A Figura 4.1 apresenta representações esquemáti-
cas de cada uma das configurações possíveis em uma usina geotérmica.
Figura 4.1 Configurações de uma usina geotérmica para geração elétrica: a)
usina de vapor seco ou direto; b) usina de vapor flash; c) usina de ciclo binário

– 58 –
Energia Geotérmica

Fonte: Adaptado de U.S. Department of Energy (2015).


Atualmente, 27 países apresentam usinas geotérmicas em funciona-
mento, resultando em uma produção total de, aproximadamente, 68 bilhões
de kWh de eletricidade. Os Estados Unidos é o maior produtor de eletricidade
a partir desta fonte, gerando cerca de 17 bilhões de kWh, aproximadamente
0,4% do total de energia elétrica produzida no país. Para países como a Islân-
dia e as Filipinas, a porcentagem de energia derivada de fontes geotérmicas
é ainda maior, representando 30% e 15%, respectivamente, do total elétrico
gerado. No Brasil, o avanço ainda é lento e a energia derivada de reservatórios
geotérmicos é utilizada apenas para conforto térmico, em parques termais
como aqueles presentes na cidade de Poços de Caldas, em Minas Gerais, e
Caldas Novas, em Goiás. Isto porque nosso país é constituído por formações
geológicas antigas, com poucos reservatórios geotérmicos e zonas de intrusão
magmática situadas em maiores profundidades, o que torna mais custoso o
aproveitamento do potencial de geração energética deste tipo de fonte.
Os impactos ambientais causados pelo uso das fontes geotermais depen-
dem do tipo de uso a que esta energia se destina; sistemas de aplicação direta,
ou com uso de bombas (GHP), praticamente não apresentam danos ao
meio ambiente. Mais ainda, seu uso apresenta benefícios, como a redução da
demanda de eletricidade em sistemas de aquecimento, conforme já apresentado
anteriormente. Da mesma forma, usinas geotérmicas são bastante vantajosas do
ponto de vista ambiental, pois são capazes de gerar uma quantidade conside-
rável de energia de origem renovável e, diferentemente de outras fontes como
eólica e solar, são capazes de conduzir esta geração de forma contínua.

– 59 –
Energias e Meio Ambiente

Todavia, algumas desvantagens associadas à geração de eletricidade em


usinas geotérmicas incluem: presença de grande quantidade de gases dissol-
vidos nos reservatórios explorados (que inevitavelmente acabam sendo lança-
dos na atmosfera); grande quantidade de ácido sulfídrico (H2S) presente na
água destes reservatórios, um agente corrosivo e de odor desagradável; insta-
bilidade e deformação da superfície da crosta terrestre, gerada pela remoção
de água e vapor dos estratos rochosos.
A implantação de uma usina para geração energética implica, necessa-
riamente, em alguma forma de impacto, haja vista que todo o ecossistema no
entorno de sua localização será afetado em maior ou menor grau. Para as usi-
nas geotérmicas, porém, este impacto não aparenta ser impeditivo para a sua
disseminação. De fato, o desenvolvimento destas usinas em países com alto
potencial de exploração de reservatórios geotérmicos poderia acarretar em
inúmeros benefícios ambientais e socioeconômicos para as regiões de implan-
tação ao minimizar a dependência energética local de fontes não renováveis.

4.2 Energia a partir da biomassa


O conceito de biomassa é bastante amplo, referindo-se a toda fonte de
matéria orgânica derivada de qualquer grupo de organismos, sejam eles ani-
mais, vegetais, fungos, protozoários ou bactérias. Este termo está relacionado
ao processo de fotossíntese, capaz de armazenar energia química nos orga-
nismos produtores (plantas), energia que deverá ser transferida e amplificada
pela cadeia alimentar. Esta matéria orgânica pode ser utilizada em inúmeros
processos úteis ao ser humano, desde a combustão de madeira e restos vege-
tais, visando à geração de calor e energia, até a produção de biocombustíveis
por processos fermentativos, como o biodiesel e o bioetanol.
Devido à sua grande disponibilidade e ao fato de ser gerada em qualquer
processo biológico existente no planeta, a biomassa é uma das maiores fontes
renováveis de energia e, nos últimos anos, tem ultrapassado outras fontes,
como as hidrelétricas, em termos de quantidade de energia produzida. Ainda,
o baixo custo desta matriz energética é bastante atrativo e mesmo materiais
como esgoto e resíduos sólidos urbanos (RSU) são potenciais matérias-pri-
maspara uso nas tecnologias de biomassa.
De fato, o aumento do uso da biomassa como fonte energética nos últi-
mos anos é notável, com destaque para os chamados biocombustíveis, ou seja,

– 60 –
Energia Geotérmica

combustíveis produzidos com matéria-prima não fóssil. Como exemplo, a


Figura 4.2 apresenta o crescimento na produção e consumo do biodiesel nos
Estados Unidos, no período compreendido entre 2001 e 2014. Conforme
veremos na sequência da seção, o biodiesel é um éster produzido a partir
de óleos vegetais ou gorduras animais, que pode substituir, total ou parcial-
mente, o diesel de petróleo.
Fig 4.2 Aumento na produção e consumo de biodiesel (exemplo dos EUA,
valores em milhares de barris), no período compreendido entre 2001 e 2014
Thousand Barrels
40.000

30.000

20.000

10.000

0
2002 2004 2006 2008 2010 2012 2010

Produção de biodisel Consumo de biodisel

Fonte: Adaptado de U.S. Energy Information Administration (2015).


Desta forma, é possível percebermos como, particularmente na última
década, a preocupação com o meio ambiente, devido aos impactos negativos
causados pelo uso indiscriminado de combustíveis de origem fóssil, tem sido
utilizada como motivação no uso e aplicação de tecnologias renováveis para
produção de energia. Dentre estas, a projeção alcançada pela tecnologia da
biomassa nos últimos anos a coloca em posição de destaque no processo de
substituição das fontes não renováveis de geração energética. Neste contexto,
é importante conhecermos, portanto, como funciona o processo de conver-
são da energia química (presente nos materiais orgânicos) em energia útil,
necessária às atividades dos seres humanos.
Conforme comentado no início da seção, há uma grande quantidade
de processos que podem ser levados a efeito para geração de energia lan-
çando mão da biomassa como matéria-prima. A forma mais simples de
conversão da energia presente nestes compostos é a combustão ou queima
propriamente dita.

– 61 –
Energias e Meio Ambiente

O processo de queima de madeira e restos vegetais tem sido usado


pela humanidade há milhares de anos para geração de energia. Quando
da descoberta do fogo, nossos ancestrais tiveram a grata surpresa de perce-
ber que aquele mágico elemento desconhecido poderia ser mantido aceso
e emanando calor, caso fosse alimentado com galhos e folhas secas. Esta,
com certeza, foi a primeira utilização da biomassa no processo de conversão
energética, embora, naquele tempo, não se soubesse muito a respeito do
que estava acontecendo.
Até meados do século XIX, a principal fonte de energia para aqueci-
mento e preparo de alimentos era pela queima da madeira. Até hoje, muitas
residências fazem uso deste tipo de energia, principalmente se localizadas em
regiões de difícil acesso à eletricidade. Da mesma forma, diversas indústrias
utilizam a queima de madeira e restos vegetais para produção da energia
necessária aos seus processos, em especial se este material é gerado como resí-
duo durante suas atividades, como é o caso das madereiras e indústrias de
produção de papel. O processo de queima gera vapor em caldeiras, alimen-
tando uma turbina e, consequentemente, gerando eletricidade, conforme já
visto anteriormente.
Apesar de aparentar um método pouco ecológico e eficiente, a queima
de madeira pode ser fonte de energia limpa e de baixo impacto, se o processo
for realizado de maneira controlada. Neste caso, a madeira deverá ser pro-
veniente de áreas bem manejadas ou de restos de poda. Realmente, milhões
de toneladas de restos vegetais são produzidos no mundo, anualmente. A
queima deste material, além de gerar quantidades consideráveis de energia,
ainda possibilitaria uma destinação final mais produtiva a estes resíduos. Em
relação às emissões gasosas, o CO2 liberado durante o processo de queima já
havia sido previamente capturado durante a fotossíntese, o que reduz consi-
deravelmente o efeito poluidor deste composto. Ainda, em relação a outros
potenciais contaminantes atmosféricos, um processo de queima, sob elevadas
temperaturas e realizado de forma controlada em usinas avançadas, minimiza
o potencial de contaminação destes poluentes.
Entretanto, a queima não é a única forma de liberar a energia contida
na biomassa. Processos de conversão do material orgânico em biogás e em
combustíveis para transporte, como etanol e biodiesel, são outras formas efi-
cientes de se utilizar este material como fonte de energia.

– 62 –
Energia Geotérmica

4.2.1 Biogás
De forma geral, o biogás é definido como todo gás gerado durante a degra-
dação anaeróbia da matéria orgânica. Pode ser formado a partir de diversos
materiais residuários, como esterco, esgoto, restos vegetais e resíduos munici-
pais, sendo constituído, majoritariamente, por metano (CH4) e gás carbônico,
com traços de hidrogênio e gás sulfídrico (ou sulfeto de hidrogênio, H2S).
Durante o processo de degradação anaeróbia (também conhecido pelo
termo digestão anaeróbia), grupos de microrganismos distintos são respon-
sáveis pela formação de compostos intermediários, resultantes da quebra da
matéria orgânica. Assim, moléculas complexas, como carboidratos, proteínas e
ácidos graxos (óleos e gorduras), são convertidas em compostos mais simples,
como acetato e hidrogênio. Estes, por sua vez, serão utilizados como substratos
para a geração de metano e gás carbônico, ou metano e água, na etapa final da
degradação. Esta conversão final é realizada por um grupo de microrganismos
pertencentes ao Domínio Arquea, denominados metanogênicos.
Para que o processo de digestão anaeróbia possa ser levado a efeito,
gerando grandes quantidades de biogás, são necessárias condições adequa-
das de temperatura e pH. Em temperaturas mais elevadas, o metabolismo
dos organismos participantes do consórcio da digestão anaeróbia é acele-
rado. Como consequência, a degradação será conduzida mais rapidamente,
gerando maiores quantidades de biogás ao final do processo. Desta forma, tec-
nologias utilizadas para produção de biogás como recurso energético devem
­garantir que o sistema atinja temperaturas ótimas para o processo. Em geral,
isto é obtido pelo aquecimento de sistemas, utilizando-se energia proveniente
da queima do próprio biogás. Também é fundamental que os resíduos em
decomposição sejam constantemente homogeneizados, para que a produção
deste composto seja realizada de forma consistente.
O princípio da geração de energia em sistemas que utilizam biogás é bas-
tante similar ao que ocorre com o uso do gás natural como fonte energética.
Assim como o gás natural, o metano apresenta elevado potencial energético
e sua queima pode produzir energia para aquecimento de ambientes, cozi-
mento de alimentos e produção de eletricidade.
De forma simplificada, após a sua geração em um processo de diges-
tão anaeróbia, o biogás é armazenado no próprio digestor (reservatório onde

– 63 –
Energias e Meio Ambiente

ocorre a degradação anaeróbia) ou é captado e armazenado em um reservató-


rio hermético adjacente. Este último caso é indicado para plantas de geração
de energia de médio e grande porte, com reservatórios de armazenamento
consistindo em tanques de aço inoxidável, com sistemas de monitoramento
e controle que visam evitar vazamentos. Um sistema de filtração do biogás
gerado antes do seu direcionamento para uso também é indicado e tem como
objetivo a remoção do gás carbônico, sulfeto de hidrogênio e água, além de
outros contaminantes presentes em menores quantidades. Este processo de
purificação resulta em um biogás com elevada concentração de metano, o que
o torna mais eficiente e seguro no processo de geração de energia.
Após sua captação e armazenamento, o biogás produzido poderá ser uti-
lizado diretamente como combustível em máquinas térmicas ou motores a
gás. Também poderá ser direcionado para geração de energia elétrica, fazendo
uso de geradores a gás. Um gerador movido a gás, apresenta um sistema de
turbinas arrojado, constituído por um compressor, um sistema de combustão
e a turbina propriamente dita. O compressor é o dispositivo responsável por
pressurizar e enviar o ar para a câmara de combustão, sob elevadas velocida-
des. O sistema, ou câmara, de combustão, por sua vez, irá receber o ar pressu-
rizado e o biogás (combustível). A mistura obtida é queimada a mais de 1000
ºC no interior da câmara, dando origem a uma corrente de gás sob pressão
elevada, responsável por rotacionar a turbina do sistema. A movimentação da
turbina terá dupla função, requisitando mais ar do compressor, além de girar
o gerador, capaz de produzir energia elétrica por indução magnética.
De forma geral, há dois modos de recuperação do biogás produzido em
um processo de degradação. No primeiro, este recurso é coletado diretamente
de reservatórios utilizados para o tratamento de resíduos, como em aterros
sanitários e reatores em estações de tratamento de esgoto. Nestes caso, o bio-
gás é um subproduto do processo, e pode ser aproveitado para fins energéticos
dentro da própria planta de tratamento. Uma segunda forma visa utilizar
biodigestores desenvolvidos especificamente para a produção de biogás, como
aqueles existentes em áreas rurais, que fazem uso de resíduos de origem ani-
mal, para geração de energia. Os biodigestores para aproveitamento energé-
tico apresentam as vantagens de um sistema de tratamento, tendo em vista
que os resíduos após a digestãoestarão estabilizados e com menor potencial
patogênico, o que facilita sua aplicação como adubo ou fertilizante.

– 64 –
Energia Geotérmica

Entre os sistemas de tratamento capazes de gerar biogás durante suas


atividades encontram-se os aterros sanitários, que se destacam por apresen-
tarem um grande potencial de produção de metano. Isto porque a dispo-
sição e decomposição dos resíduos nestes sistemas ocorre em um ambiente
anaeróbio, propício para o desenvolvimento dos organismos participantes
da digestão anaeróbia. De fato, a quantidade de metano nestes ambientes é
tão elevada que a maior parte dos aterros direciona este gás para combustão
direta, em queimadores localizados na superfície das áreas aterradas. Outros
aterros, entretanto, têm neste subproduto uma fonte potencial de energia e
realizam sua coleta e tratamento para posterior venda como recurso energé-
tico. A Figura 4.3 apresenta uma representação esquemática de um aterro
sanitário, com sistemas de tratamento de lixiviado (popularmente conhecido
como chorume) e captação de biogás gerado. Biodigestores consistem em
grandes tanques contendo a matéria-prima para digestão anaeróbia, em geral
esterco ou outros resíduos de atividades agrícolas, seguido ou não de um
sistema de armazenamento do biogás gerado. Nestes casos, a energia gerada
pode ser utilizada para aquecimento ou preparo de alimentos na área agrícola
onde o biodigestor se encontra implantado ou, ainda, pode ser armazenada
para posterior venda, proporcionando uma fonte de renda extra aos trabalha-
dores rurais.
Fig 4.3 Aterro sanitário com sistemas de coleta e tratamento de lixiviado e
captação de biogás.

Fonte: Adaptado de National Energy Education Project (2015).

– 65 –
Energias e Meio Ambiente

4.2.2 Biocombustíveis
A principal diferença entre um biocombustível e um combustível con-
vencional está na origem da matéria-prima e no tipo de processo utilizado para
sua obtenção. Enquanto um biocombustível é originado a partir de proces-
sos biológicos de conversão, lançando mão de materiais renováveis (cana-de-
açúcar e algas, por exemplo), os combustíveis convencionais são dependentes
de processos geológicos, em que a produção da matéria-prima leva milhões de
anos, como é o caso do petróleo.
O termo combustível relaciona-se a qualquer material capaz de armaze-
nar energia potencial, que pode ser liberada e utilizada na realização de trabalho
útil ou geração de calor. Neste sentido, os biocombustíveis foram as primeiras
formas de combustível utilizadas pela humanidade, fazendo uso da energia
química presente em materiais orgânicos (como a madeira), através do pro-
cesso de combustão. No entanto, com o advento dos combustíveis fósseis este
panorama mudou rapidamente e a dependência da humanidade em relação
às fontes energéticas não renováveis tornou-se um fator preocupante para a
sustentabilidade do planeta.
Neste sentido, biocombustíveis podem ser considerados fontes limpas
de energia, principalmente pelo fato de serem neutros em carbono, na forma
de CO2. Isto porque as plantas utilizadas na sua produção (como a cana-
-de- açúcar e o milho na produção de etanol, e os óleos vegetais na produção
de biodiesel) são responsáveis pela absorção de CO2 durante seu desenvol-
vimento, compensando as emissões deste gás, ocasionadas pela sua queima
posterior como material combustível.
Há, entretanto, algumas controvérsias relacionadas à produção de bio-
combustíveis. Dentre estas, destaca-se a questão de que terras produtivas,
culturas agrícolas e energia estariam sendo utilizadas para a produção energé-
tica, ao passo que estes recursos poderiam ser direcionados para a geração de
alimentos. Também preocupa o fato de que, em algumas partes do mundo,
grandes áreas de vegetação natural e florestas estariam sendo devastadas para
o cultivo de cana-de-açúcar, milho e soja. Em sua defesa, porém, os governos
que adotam este tipo de matriz energética afirmam que, são realizados esfor-
ços para desenvolver potenciais fontes de biomassa que não necessitem com-
petir com culturas agrícolas destinadas à alimentação. Além disso, afirmam

– 66 –
Energia Geotérmica

que, em culturas a serem utilizadas como fonte de combustível, os gastos com


pesticidas e fertilizantes seriam notadamente reduzidos.
Principal representante dos biocombustíveis, o bioetanol é produzido a
partir do processo de fermentação de açúcares existentes em matérias-primas
com elevado teor de amido, como a cana-de-açúcar e o milho. Este processo é
denominado fermentação alcoólica e envolve a conversão de moléculas de car-
boidratos, como a glicose, frutose ou sacarose, em energia celular (química),
para a manutenção de alguns organismos, gerando etanol e gás carbônico
como subprodutos. Na produção de bioetanol, os principais organismos res-
ponsáveis pelo processo fermentativo são asleveduras, microrganismos unice-
lulares e anaeróbios, pertencentes ao reino Fungi.
Após a fermentação pelas leveduras (em geral, pertencentes ao gênero
Saccharomyces), dois tipos distintos de bioetanol podem ser gerados: o etanol
hidratado, contendo entre 95,1% a 96% de álcool e pouco menos de 5% de
água; e o etanol anidro, com graduação alcoólica (concentração em porcen-
tagem) igual a 99,6%, no mínimo. A diferença na produção destes combus-
tíveis se deve ao tipo de processamento realizado após a fermentação. No caso
do álcool hidratado,após a fermentação é realizada uma etapa de destilação
fracionada, em que o destilado é concentrado até o teor alcoólico desejado
(no caso, próximo de 96%). Para aconcentração a álcool anidro, é necessária
a realização de uma etapa posterior de desidratação, que pode ser levada a
efeito por uma nova destilação, com o uso de um agente desidratador (como
o ciclohexano, por exemplo).
Em relação às aplicações, o etanol hidratado é vendido diretamente como
combustível nos postos de gasolina no Brasil, devendo seguir uma série de parâ-
metros de qualidade, como limite de graduação alcoólica, pH neutro e baixa
concentração de metais. Atualmente, o Brasil é o único país no mundo a adotar
o uso de etanol puro (hidratado) como combustível. Outros países adotam
concentrações variadas, como 95% na Suécia (maior concentração depois do
Brasil, contendo 5% de aditivos) e até 85% nos Estados Unidos – nestes casos,
utilizando o etanol anidro. A principal limitação do uso do etanol hidratado em
outros países, em especial naqueles de clima frio, está na perda da eficiência do
etanol como combustível, quando submetido a temperaturas abaixo dos 13 ºC.
O etanol anidro, por sua vez, é utilizado em mistura com a gasolina
na produção de combustível ou na fabricação de produtos químicos. Sua

– 67 –
Energias e Meio Ambiente

presença nos combustíveis aumenta a octanagem da mistura e, consequente-


mente, o tempo de vida útil dos motores. No Brasil, de acordo com a Portaria
do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA nº 105, de
28 de fevereiro de 2013, é obrigatória a adição de 25% de etanol anidro à
gasolina combustível produzida no país. De forma geral, esta exigência apre-
senta vantagens econômicas e ambientais. Isto porque o Brasil é o maior pro-
dutor mundial de etanol e a utilização de parte deste potencial na produção
de combustíveis reduz a dependência do país na importação de gasolina. Do
ponto de vista ambiental, a redução do uso de uma fonte energética fóssil
minimiza as emissões de gases do efeito estufa, principalmente de CO2.
Assim como o bioetanol, o biodiesel é uma versão renovável do seu aná-
logo derivado do petróleo, apresentando vantagens como a sustentabilidade
de produção e menor geração de CO2, hidrocarbonetos e outros particula-
dos atmosféricos. Sua produção é realizada mediante um processo químico,
em que lipídios, oriundos de óleos vegetais (como óleo de soja, palma ou
dendê, comuns no Brasil) ou gorduras animais, reagem com um álcool, mais
comumente metanol ou etanol, em um processo conhecido como transesteri-
ficação. Como resultado, é gerado um éster alquila de ácidos carboxílicos de
cadeia longa (ou biodiesel),que pode ser utilizado com efeito na substituição
de parte ou todo diesel de origem fóssil. No Brasil, o Plano Nacional de
Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), lançado em 2004, foi responsável por
avanços significativos na disseminação deste tipo de energia. No Capítulo
7, iremos discutir esta e outras iniciativas para o desenvolvimento de fontes
alternativas de produção de energia no país.
O uso de fontes alternativas de biomassa mais econômicas e sustentá-
veis, como os resíduos de culturas agrícolas (casca de café e soja, por exemplo),
restos de madeira ou resíduos sólidos urbanos, em processos fermentativos
de geração de energia, deu origem aos chamados biocombustíveis de segunda
geração. O desenvolvimento destes novos processos de produção energética
deu-se em função das limitações encontradas na produção dos biocombustí-
veis convencionais, também chamados de primeira geração, que são aqueles
produzidos a partir de culturas agrícolas. Conforme já apresentado anterior-
mente, o principal questionamento do uso de culturas na produção energé-
tica refere-se ao desperdício de recursos com potencial aplicação na produção
de alimentos. Além disso, muitos combustíveis de primeira geração depen-

– 68 –
Energia Geotérmica

dem de subsídios para se tornarem competitivos em relação aos combustíveis


fósseis, o que muitas vezes não é levado a efeito pelos governos.
Como resposta, os biocombustíveis de segunda geração podem suprir
a demanda energética de forma mais sustentável, ao fazer uso de matérias-
primas de origem residuária. O principal desafio da produção desta energia de
segunda geração, no entanto, refere-se à baixa disponibilidade dos açúcares (car-
boidratos) presentes nos materiais utilizados. Isto se deve ao fato de que boa parte
desta matéria-prima alternativa é composta por grande quantidade de lignina,
hemicelulose e celulose. Estas moléculas são carboidratos complexos, e sua quebra
em moléculas menores (monossacarídeos) deve ser auxiliada por um pré-trata-
mento, mediante atividade enzimática ou uso de vapor, por exemplo. Esforços
conjuntos de pesquisadores e governos vêm procurando minimizar os custos asso-
ciados a estas etapas, além de melhorar o rendimento e a eficiência do processo
como um todo. A Figura 4.4 apresenta um fluxograma simplificado das etapas de
geração de bioetanol, a partir de processo direto (com o uso de cana-de-açúcar,
milho ou beterraba, por exemplo) e indireto, quando se faz necessária uma etapa
de pré-tratamento do substrato a ser utilizado na fermentação.
Fig 4.4 Etapas na produção de bioetanol hidratado e anidro (1ª e 2ª geração)

Fonte: Adaptado de Barriga (2003).


Do ponto de vista ambiental, acredita-se que o uso dos biocombustíveis
gera menores impactos no meio ambiente do que seus análogos de fontes
não renováveis. Entretanto, alguns críticos questionam a real dimensão da

– 69 –
Energias e Meio Ambiente

minimização de emissões gasosas deste tipo de combustível, pois a produção


da matéria-prima para estes compostos emitiria grande quantidade de N2O, o
que contribuiria para o efeito estufa mais do que o próprio CO2. Neste caso,
o desenvolvimento de tecnologias de segunda geração poderiam contornar
este e outros aspectos negativos associados a estas fontes energéticas, como o
desmatamento ocasionado por práticas agrícolas extensivas.

– 70 –
5

Carvão

Nos capítulos anteriores, apresentamos e discutimos as


principais fontes alternativas de geração de energia, suas vantagens
e desvantagens. Entretanto, apesar do enorme potencial que estas
formas de geração apresentam, ainda é grande a dependência mun-
dial em relação às fontes energéticas não renováveis. No capítulo a
seguir, discutiremos o panorama energéticoatual no mundo, refe-
rente a fontes de origem fóssil e nuclear.
Energias e Meio Ambiente

5.1 Carvão
O carvão mineral é um combustível fóssil originado a partir da decom-
posição da matéria orgânica vegetal. As condições extremas de formação deste
material, que deve ser submetido a elevadas temperaturas e pressão durante
milhões de anos, fazem com que seja considerado uma fonte não renovável
de energia, tendo em vista que é impossível reproduzir as condições de sua
formação em uma escala de tempo compatível com a humanidade.
O grande potencial energético presente neste composto vem da energia
acumulada em plantas, que há milhões de anos (principalmente nos períodos
Carbonífero e Permiano) estavam presentes, em grande quantidade, sobre regi-
ões pantanosas no nosso planeta (Figura 5.1).Estes vegetais encontravam-se
sujeitos aos alagamentos comuns naquele tipo de região, capazes de enterrar flo-
restas inteiras sob camadas subterrâneas. Ao longo do tempo, novas camadas de
solo eram constantemente depositadas sobre a matéria vegetal morta, aumen-
tando a compressão e a temperatura, à medida que a profundidade de depo-
sição aumentava. Associado a estes fenômenos estava o fato de que a matéria
vegetal, recoberta com lodo e águas subterrâneas de característica ácida e devido
à presença de compostos como sulfeto de hidrogênio (H2S), encontrava-se pro-
tegida dos fenômenos de decomposição microbiana e oxidação. Como resul-
tado destas condições extremas, lentamente, um composto com características
excepcionais se originou: o carvão vegetal, formado basicamente por átomos
de carbono (mais de 50% massa e 70% volume), com quantidades variáveis de
outros elementos, como enxofre, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio.
Fig 5.1 Representação esquemática da formação geológica do carvão.
Pântanos (300 milhões Água (100 milhões de
de anos atrás) anos atrás)

Solo
Lodo

Matéria vegetal Carvão

Morte da matéria Durante milhões de anos Calor e pressão


orgânica vegetal as plantas permaneceram converteram a matéria
enterradas orgânica em carvão
Fonte: Adaptado de National Energy Education Development Project (2015).

– 72 –
Carvão

De forma geral, o carvão mineral apresenta-se na forma de uma rocha


sedimentar, de coloração negra ou marrom, textura lisa e quebradiça. De
acordo com a sua composição e poder calorífico associado, pode ser classifi-
cado em quatro tipos principais (comumente denominados ranks): antracito,
carvão betuminoso, sub-betuminoso e linhito, em ordem decrescente de teor
de carbono. É importante salientar que quanto maior o teor de carbono, mais
limpo e menos impactante será o processo de queima deste material.
O antracito contém de 86% a 97% de carbono em sua composição e,
em geral, o maior poder calorífico entre todas as formas de carvão existentes.
Trata-se de um carvão lustroso, com os espécimes mais puros constituídos
quase que unicamente por carbono. No entanto, é a forma menos abun-
dante encontrada na maior parte das zonas de mineração. Por produzir uma
queima limpa, com pouca fuligem e combustão lenta, é recomendado para
usos mais nobres, como em residências, sistemas de filtração e indústria de
metais. Devido às suas características, é comercializado por valores mais ele-
vados do que os demais tipos de carvão.
O carvão betuminoso, também conhecido como hulha, apresenta entre
45% a 85% de carbono e, em geral, é encontrado em grande quantidade nas
áreas mineradas. Caracteriza-se por apresentar em sua composição o betume
(ou piche), uma substância negra e viscosa, formada por hidrocarbonetos.
Este tipo de carvão é bastante aplicado na geração de eletricidade e como
matéria-prima na produção de ferro e aço. O carvão sub-betuminoso, por
sua vez, apresenta tipicamente de 35% a 44% de carbono e um menor poder
calorífico do que o tipo betuminoso. Sua textura é mais mole e quebradiça do
que aquela observada nas formas que contêm maior teor de carbono. Com
propriedades intermediárias entre o betuminoso e o linhito, sua principal
aplicação é na geração de energia elétrica a vapor.
Por último, o linhito pode ser considerado como uma forma inferior
de carvão, com teor de carbono variando entre 25% a 35%. Isto porque é
a forma mais recente de deposição da matéria vegetal, não tendo sido sub-
metido a extremas temperaturas e pressões durante seu processo de forma-
ção. Apresenta alto teor de umidade e, consequentemente, menor poder
calorífico. Dadas as suas características, possui qualidade inferior de queima,
gerando grande quantidade de fuligem durante sua combustão.
Independentemente da variedade, ou rank, do carvão, a etapa de mine-
ração é essencial para a obtenção e posterior utilização deste material. Por
– 73 –
Energias e Meio Ambiente

mineração entende-se todo o processo que visa à extração do carvão presente


em depósitos, de superfície ou subterrâneos. Na chamada mineração superfi-
cial, são usadas maquinários de grande porte para remover o carvão presente
nas camadas abaixo do solo; a profundidade, porém, deverá ser menor do
que 60m, para que a extração possa ser realizada de forma adequada. Um
tipo de mineração de superfície, a remoção de topo (em tradução livre para
seu termo em inglês, mountaintop removal), utiliza explosivos para acessar
reservatórios de carvão abaixo de estratos rochosos, o que acarreta grandes
impactos ambientais nas regiões exploradas e do entorno. Para minimizar os
danos, após o término do período de exploração, a área é recoberta com solo
e vegetação Em geral, o método apresenta menor custo de exploração do que
a mineração subterrânea.
A mineração subterrânea, também denominada mineração em profun-
didade, deve ser utilizada nos casos em que os depósitos de carvão se encon-
trem a centenas de metros da superfície. De fato, há minas subterrâneas com
quase 1 km de profundidade e centenas de metros de extensão. Nestes casos,
são necessários elevadores para que os mineiros possam acessar a base da
mina, além de carros em comboios para a locomoção em seu interior.
Os métodos de extração utilizados atualmente são modernos e bastante
eficientes, com baixo risco aos trabalhadores. Mas, nem sempre foi assim.
Durante muito tempo, a mineração do carvão era realizada de forma insalubre
e sob elevado risco de desmoronamentos e explosões em reservatórios explo-
rados no subterrâneo. De fato, no final do século XIX e início do século XX,
ser mineiro significava trabalhar longas horas de forma extenuante, em minas
escuras, estreitas e com pouca ventilação. Acidentes eram bastante frequentes
e mesmo os mais jovens eram recrutados. Eles trabalhavam no processo de
classificação do carvão até que completassem 18 anos, quando passariam a ter
acesso às minas. Muitas vezes, este limite de idade não era respeitado e, com o
mundo em colapso no pós-guerra do início do século XX, até mesmo crianças
poderiam ser encontradas trabalhando no interior das minas. Como resultado
das condições extremas a que eram submetidos, milhões de mineiros desen-
volveram severos problemas respiratórios, como o pulmão negro. Esta doença
pulmonar é ocasionada pela aspiração do pó de carvão durante longos perío-
dos, o que pode acarretar em insuficiência respiratória crônica e outros quadros
mais severos, com o comprometimento de áreas extensas do pulmão daqueles
acometidos pela doença.

– 74 –
Carvão

Uma vez extraído do reservatório, o carvão deve seguir para uma área de
preparação, em que será limpo e classificado para seu posterior uso. Nesta etapa,
são removidos restos de rochas e solo, cinzas, enxofre e outros materiais indeseja-
dos. A remoção destas impurezas aumenta o poder calorífico do carvão extraído.
Após a mineração e o processamento, o carvão deverá ser transportado
para sua comercialização. Muitas vezes, o custo com o transporte deste material
é superior ao da mineração propriamente dita. Dependendo da região, uma
forma econômica de transporte de carvão é a ferroviária. Barcas e navios tam-
bém podem ser utilizados, dependendo da localização do ponto de consumo
deste combustível. Ainda, uma forma alternativa é usar o carvão moído e mis-
turado com água para ser enviado via tubulações para áreas próximas às minas.
Usinas termelétricas são construídas nas proximidades das zonas de mineração,
visando minimizar os custos relativos ao transporte da sua matéria-prima.

5.1.1 Energia do carvão e as termelétricas


A utilização do carvão como combustível em processos de geração energé-
tica é bastante antiga, com indícios de uso por nossos ancestrais pré-históricos.
Evidências arqueológicas colocam a China como a primeira região a realizar
um processo de mineração, ao explorar carvão em 3.500 a.C. Entre 100 e 200
d.C, os romanos exploraram grandes minas de carvão na atual região do Reino
Unido, na Europa. No continente americano, os indícios mais antigos do uso
do carvão estão relacionados ao povo asteca, que o usava como combustível e
na produção de ornamentos a partir do linhito. Desta forma, é possível afir-
mar que o potencial energético do carvão é conhecido há muito tempo pela
humanidade. Entretanto, sua exploração e uso disseminado só ocorreu de fato
a partir do século XVIII, com o desenvolvimento da Revolução Industrial.
A Revolução Industrial teve um papel fundamental na expansão do uso
do carvão. Por se tratar de um movimento de transição entre os antigos pro-
cessos manufaturados para os grandes processos industriais, demandou uma
enorme quantidade de energia para que estas produções pudessem ocorrer
em um ritmo acelerado.Ao longo do século XIX, esta demanda era traduzida
na forma de geração de vapor. E o carvão, com seu elevado poder calorífico,
foi adotado imediatamente como combustível, para alimentação de enormes
caldeiras de geração.

– 75 –
Energias e Meio Ambiente

As máquinas a vapor foram uma das principais tecnologias desenvolvidas na


Revolução Industrial. Seu uso teve início justamente nas atividades de mineração,
para o bombeamento de água para as elevadas profundidades das minas de car-
vão. James Watt, um inventor e engenheiro mecânico escocês, foi responsável por
realizar importantes mudanças nos primeiros sistemas como, por exemplo, o uso
de jaquetas para manutenção do calor gerado pelo vapor, o que economizou até
75% do carvão necessário ao seu funcionamento. Entre as máquinas a vapor mais
representativas para a época, destacam-se as locomotivas e os barcos a vapor. Atu-
almente, muitas indústrias ainda fazem uso do carvão em processos para geração
de vapor. Indústrias de papel e concreto, por exemplo, queimam grandes quanti-
dades de carvão para gerar calor a ser utilizado em suas atividades.
O processo de geração de energia elétrica a partir do carvão foi desenvolvido
apenas no final do século XIX, utilizando-se do princípio da indução magnética.
As usinas de geração de energia elétrica, que fazem uso deste composto como
combustível, foram chamadas de termelétricas. Uma termelétrica usa o carvão
para geração de vapor em caldeiras; este vapor será, então, responsável pela rota-
ção das turbinas associadas a um gerador elétrico. Neste processo, a energia na
forma de calor é convertida, ao final do processo, em energia elétrica. A Figura
5.2apresenta uma representação esquemática de funcionamento de uma terme-
létrica. O esquema refere-se a uma das maiores termelétricas americanas, a Usina
Robert W. Scherer, localizada na cidade de Juliette, no estado da Geórgia.
Fig 5.2 Representação esquemática do funcionamento da usina termelétrica Robert W.
Scherer, Georgia, Estados Unidos.

Fonte: Adaptado de U.S. Department of Interior (2015).

– 76 –
Carvão

Na Figura 5.2, podemos observar que o processo tem início com a alimen-
tação da caldeira, utilizando-se o carvão como combustível. No caso da Usina
Scherer, o carvão utilizado é do tipo sub-betuminoso, adequado para geração de
energia elétrica, conforme visto anteriormente. A caldeira será responsável pela
conversão da água de alimentação em vapor, queserá a força motriz responsá-
vel pela rotação das turbinas. O que temos é a conversão da energia térmica da
queima do carvão em energia mecânica, responsável pela realização do trabalho
de rotação. Este trabalho está associado à movimentação do gerador, que irá pro-
duzir energia elétrica. Esta energia será transportada até um transformador para
regulagem da voltagem e,a seguir, será distribuída para consumo, via linhas de
transmissão.Visando à maior economia do processo, a água quente resultante da
condensação do vapor é direcionada para um trocador de calor, onde será res-
friada pela troca de calor com a água de alimentação da caldeira. Esta transferência
prévia de calorreduz a demanda decombustível necessário para a geração de vapor.
Também é possível observarmos no esquema que, após sair do trocador, a água
aquecida do processo (com menor temperatura, após a passagem pelo trocador)
será direcionada para uma torre de resfriamento, onde será misturada com a água
coletada do reservatório da usina e reaproveitada no ciclo.
Apesar de uma geração rápida e eficiente de eletricidade, o uso de car-
vão como combustível apresenta inúmeras desvantagens ambientais e, muitas
vezes, é visto como o grande vilão para a sustentabilidade do planeta. De fato,
apesar de não ser a única fonte energética capaz de interferir no equilíbrio
ambiental, a energia termelétrica é responsável por vários impactos preocu-
pantes ao meio ambiente, desde o processo de mineração do carvão até a sua
queima como combustível.
Quando a mineração de superfície é realizada pela técnica de remoção
de topo, isto é, com o uso de explosivos em áreas extensas, a paisagem é dras-
ticamente alterada e grande quantidade de partículas sólidas é suspensa na
atmosfera. Com isso, o processo de fotossíntese dos vegetais é comprometido
e todo o ecossistema é prejudicado, como consequência. As leis dos países
que adotam este tipo de mineração devem, necessariamente, exigir o controle
e a correta disposição dos particulados e águas de escoamento superficial na
região, além de recuperar a área degradada, que deve ficar o mais próximo
possível de sua condição original.
Neste sentido, minas subterrâneas apresentam menor interferência no
meioambiente do que aquelas localizadas na superfície. Dos impactos ambien-

– 77 –
Energias e Meio Ambiente

tais ocasionados pela exploração subterrânea do carvão, o que mais se destaca é


a grande quantidade de metano (CH4) liberado na atmosfera durante esta ativi-
dade. Técnicas para remoção do metano do interior das galerias são importantes
para manter a segurança e a salubridade dos mineiros; entretanto, a liberação
direta deste gás na atmosfera gera outro tipo de problema, tendo em vista que
o CH4 é um dos principais gases do efeito estufa, trinta vezes mais potente do
que o próprio CO2.De fato, de acordo com o Institute on Climate and Planets
(GISS - ICP), as emissões de metano por minas subterrâneas, ativas ou aban-
donadas, correspondem a quase 20% do total de emissões deste gás no mundo.
Uma forma de contornar este problema é capturar e usar (ou vender) parte do
gás extraído das minas, evitando seu lançamento indiscriminado na atmosfera.
O maior impacto ambiental associado ao uso do carvão como fonte ener-
gética, está nas emissões atmosféricas resultantes da queima deste composto,
principalmente na forma de CO2. Com efeito, para que possamos compreender
a influência do tipo de matriz energética adotada com as emissões atmosféricas
poluentes, basta analisarmos a emissão mundial de CO2, dividida por países e
apresentada na Figura 5.3 (dados de 2012). Nesta figura, as emissões de dió-
xido de carbono são representadas como círculos; quanto maior o diâmetro do
círculo, maior foi a quantidade de gás liberada pelo país, no ano em questão.O
que observamos é que os dois países que apresentaram as maiores quantidades
de emissão de CO2 foram a China e os Estados Unidos, com 8.106 milhões de
toneladas e 5.270 milhões de toneladas, respectivamente. Não é coincidência
que estesdois países são também os dois maiores produtores de carvão econsu-
midores de energia termelétrica do mundo.
Fig 5.3 Comparativo de emissões de dióxido de carbono relacionadas ao consumo de
energia no mundo (dados de 2012). O diâmetro do círculo é proporcional à quantidade
de CO2 lançada
Fonte: U.S. Energy Information
Administration ( 2015).

– 78 –
Carvão

Apesar do CO2 ser o principal gás do efeito estufa gerado pela queima
do carvão (e de outros combustíveis fósseis, como veremos na sequência),
outros gases também são produzidos durante o processo, com impactos nega-
tivos ao meio ambiente. O dióxido de enxofre (SO2), por exemplo, contribui
para a chuva ácida e para doenças respiratórias. Assim como ele, os óxidos
de nitrogênio (NOx) também são prejudiciais à saúde, além de ocasionarem
uma névoa densa e poluente na atmosfera. Outros particulados lançados con-
tribuem para a poluição e doenças pulmonares. Além disso, metais pesados,
como o mercúrio, também podem ser liberados durante o processo de com-
bustão do carvão. Apesar deste metal não ser encontrado em grandes concen-
trações na atmosfera, quando depositado na água, o mercúrio é convertido
em metil-mercúrio, um composto altamente tóxico, com efeitos neurológicos
severos e com elevado potencial de bioacumulação. Ou seja, ao ser consu-
mido, o mercúrio se acumula no organismo, aumentando sua concentração a
cada nível trófico. Neste caso, o consumidor final (em geral, o homem) será
aquele que sofrerá os efeitos mais drásticos da ação do composto.
Um triste exemplo do efeito danoso das emissões atmosféricas, oca-
sionadas pela queima do carvão em condições pouco controladas, data de
1952. Mais especificamente, entre os dias 5 e 9 de dezembro do mencionado
ano, em Londres, um dos mais severos episódios de poluição atmosférica foi
vivenciado, denominado posteriormente de o Grande Nevoeiro de 1952 (ou
Big Smoke). Nesta época, uma forte frente fria atingiu a cidade, obrigando a
população a queimar mais carvão para o aquecimento. O carvão utilizado era
inferior, tendo em vista que devido à recessão do pós-guerra, a maior parte do
carvão de melhor qualidade era destinado à exportação, visando à recupera-
ção econômica do país. Associado a isso, uma inversão térmica causada pela
massa mais densa de ar frio aprisionou os gases na proximidade da superfície,
sufocando e intoxicando a população de forma massiva. Como resultado,
em três dias de nevoeiro, 4.000 londrinos morreram. Estima-se, atualmente,
que o número de mortes tenha sido ainda maior, alcançando 12.000 pessoas,
como resultado da ação dos gases no trato respiratório da população.
Episódios como o Big Smoke evidenciaram a necessidade de se encontrar
fontes alternativas de energia, menos prejudiciais ao meio ambiente e sem impac-
tos negativos à saúde da população mundial. Esta busca, porém, ainda não atin-
giu o resultado esperado e o uso dos combustíveis fósseis continua a prevalecer,
conforme veremos na próxima seção.

– 79 –
Energias e Meio Ambiente

5.2 Petróleo e seus derivados


Assim como o carvão, o petróleo é um combustível fóssil, formado por
uma mistura de hidrocarbonetos derivados de plantas e animais que ­habitaram
o planeta há milhões de anos. De fato, petróleo significa óleo de rocha em
latim, termo bastante pertinente, dada sua origem. Pode assumir a forma
líquida (óleo cru), mais associada ao termo petróleo em si. Também pode ser
encontrado na forma de vapor, constituindo o chamado gás natural.
Historicamente, mesopotâmios e persas já faziam uso do betume na
construção de muralhas e torres, há milhares de anos. Chineses extraíam óleo
de poços perfurados com bambus em 340 d.C. e exploradores britânicos, em
Myamar, descreveram a existência dos primeiros sinais de uma produção em
maior escala, com centenas de poços escavados à mão, em 1795. Entretanto,
a ascensão do petróleo como combustível foi ocorrer efetivamente em mea-
dos do século XIX, com a invenção do motor de combustão interna. Um
motor de combustão interna refere-se a um dispositivo em que a combustão
ocorre de forma intermitente, com um ciclo de quatro tempos. Seu princípio
de funcionamento envolve a mistura do ar (comburente) com um combustí-
vel de elevado poder calorífico, em uma câmara de combustão. Esta mistura é
comprimida por um pistão no interior da câmara e uma centelha elétrica será
responsável por inflamá-la, gerando uma explosão, que irá empurrar o pistão
para baixo. A força sobre o pistão vai resultar em um torque, ou seja, uma ação
desta força sobre um objeto para que ele gire (um sistema de rodas, por exem-
plo). Os gases queimados, originados deste processo, são expulsos da câmara
pelo retorno do pistão à sua posição original, dando origem a um novo ciclo.
Um passo importante para o funcionamento do motor de combustão, des-
crito acima, foi a aplicação de derivados do petróleo como combustíveis. Os
compostos derivados do petróleo, por terem elevado poder calorífico, são capa-
zes de aumentar a eficiência de operação do motor. Estes combustíveis podem
ser obtidos porque o petróleo não é um composto único, mas formado por
vários hidrocarbonetos, líquidos, sólidos e gasosos. Os principais hidrocarbo-
netos encontrados na sua composição são os alcanos (parafinas), os cicloalcanos
(hidrocarbonetos naftênicos), hidrocarbonetos aromáticos e os asfaltenos, com-
postos orgânicos mais complexos e pesados. Cada fração do petróleo apresenta
uma composição orgânica variada, responsável pelas suas propriedades físicas e
químicas, o que se reflete, também, nas suas aplicações bastante específicas.
– 80 –
Carvão

Inicialmente, o petróleo deve ser extraído dos reservatórios em que se encon-


tra, seja na superfície (exploração onshore) ou em reservatórios submersos.De forma
geral, inicia-se o processo de extração com a perfuração de um poço, com diâme-
tro variando de poucos centímetros até 1 metro. O processo é realizado mediante
o uso de uma broca com movimento rotatório (sonda de perfuração), escolhida em
função das características das rochas sobre os reservatórios e do diâmetro do poço
a ser perfurado.Este equipamento é orientado pela ação de uma torre de sondagem,
que deverá atuar mantendo a sonda na posição vertical durante a perfuração.
Uma vez completada a perfuração, é realizada a conclusão ou completação
do poço, que deverá estar pronto para a produção de óleo bruto ou gás natural.
O poço é revestido com aço, mantendo um espaço (que pode ser preenchido
posteriormente com cimento) entre a sua parede interna e o revestimento adi-
cionado. O revestimento garante a integridade estrutural do sistema e também
isola o poço, protegendo-o contra zonas de pressão elevada. Por último, o poço
revestido recebe uma tubulação de produção (tubing), que além de proteger
o revestimento de fenômenos, como a corrosão e o desgaste, será responsável,
juntamente com outros componentes do sistema de produção, por trazer para a
superfície o petróleo (óleo cru) e o gás natural, presentes no reservatório.
Muitas vezes, o petróleo está em reservatórios de águas profundas, sendo
necessária uma exploração submersa, conhecida como offshore. Este tipo de
exploração corresponde a 90% da origem de todo o petróleo produzido no
Brasil, que apresenta a maior parte de suas reservas petrolíferas no fundo
do mar. No Capítulo 7, que terá como foco a demanda e oferta energética
no país, abordaremosas tecnologias inovadoras empregadas na exploração
offshore, além das novas reservas petrolíferas exploradas na camada do pré-sal e
sua influência na economia do Brasíl e no meio ambiente.
Após a extração, os diferentes componentes do óleo cru podem ser obtidos
através de um processo de destilação fracionada.Neste processo, é possível separar
as frações do petróleo de acordo com seu ponto de ebulição. Compostos mais
pesados, como a parafina e o betume, denotam maior número de carbonos e, por
conseguinte, maior ponto de ebulição. Já as frações mais leves, como o pentano
(com 5 carbonos) e hexano (6 carbonos), apresentarão menor ponto de ebulição,
sendo destilados já no início do processo. Este processo de destilação é levado a
efeito em instalações denominadas refinarias.
O tipo de derivado produzido dependerá do número de carbonos em sua
composição. No caso dos alcanos, frações com menos de 5 carbonos estão na
– 81 –
Energias e Meio Ambiente

fase gasosa, formando os chamados gases do petróleo. Estes gases podem ser
queimados e utilizados na própria refinaria para geração de energia. Frações
contendo de 5 a 8 carbonos (pentano a octano)são refinadas em gasolina; de
9 a 16 carbonos (nonano a hexadecano), em óleo diesel, querosene e combus-
tível para aviação; alcanos com mais de 16 carbonos, em óleo combustível e
lubrificante. Os alcanos mais pesados formam a parafina (25 carbonos) e o
betume, com 35 carbonos. Outros hidrocarbonetos, como os aromáticos e
alcenos, são utilizados na indústria petroquímica para produção de solventes
orgânicos, como o benzeno ou polímeros plásticos, como o polipropileno.
Assim, é possível concluir que a importância comercial do petróleo é imensa
e não se resume apenas à produção de combustíveis.
A dependência mundial em relação à essa matéria-prima é, ainda, bas-
tante grande. Todavia, novos processos como as biorrefinarias podem ser a
solução para uma substituição quase completa dos processos dependentes do
petróleo, como será abordado em detalhes no Capítulo 10.
De acordo com dados de 2013 da U.S. Energy Information Administration
(EIA), cerca de 46% de toda a produção mundial de petróleo vem de 5 países,
a saber: Rússia (13%); Arábia Saudita (13%); Estados Unidos (10%); China
(5%) e Canadá (4%). Evidencia-se, mais uma vez, a detenção do potencial
energético desta matriz na mão de poucos grupos, o que, de forma alguma, é
benéfico para a sustentabilidade do planeta.
É inegável que os derivados de petróleos nos auxiliam em muitas atividades.
Na lista de produtos que lançam mão de alguma forma, destas matérias-primas,
temos: tintas, pneus, CDs e DVDs, computadores, desodorantes e até mesmo giz
de cera, material produzido a partir de parafina misturada com pigmentos. Isto
sem mencionar os materiais combustíveis, como a gasolina e óleo diesel, impor-
tantes para o transporte e aquecimento de residências. Apesar das facilidades
que este composto e seus derivados proporcionam, são bastante preocupantes os
impactos ocasionados pela sua exploração, transporte e uso disseminado.
Ao serem queimados como combustíveis, os derivados do petróleo são
responsáveis pela emissão de inúmeros gases atmosféricos, muitos dos quais
atuam como potencializadores do efeito estufa. Entre os principais gases gera-
dos, estãoo dióxido de carbono (CO2), principal agente do fenômeno do aque-
cimento global;o monóxido de carbono (CO), composto altamente tóxico por
interferir no transporte de oxigênio dentro dos seres vivos; e o dióxido de enxo-

– 82 –
Carvão

fre (SO2), que, como já visto, é o agente causador da chuva ácida, a qual interfere
no equilíbrio dos ecossistemas e causa prejuízos econômicos pela degradação do
ambiente construído. Além disso, grande quantidade de material particulado e
de outros compostos tóxicos, como chumbo, benzeno e formaldeído, são lança-
dos na atmosfera durante a combustão dos combustíveis de petróleo.
A solução para contornar os problemas ambientais associados aos combustí-
veis de origem fóssil passam pelo desenvolvimento de novas tecnologias, mais lim-
pas e com capacidade de suprir a demanda energética, atualmente dependente des-
tas fontes. Novas políticas governamentais também poderão auxiliar na mudança,
ao investirem em matrizes energéticas alternativas, mais acessíveis e sustentáveis.

5.3 Energia Nuclear


Para encerrar este capítulo, discutiremos brevemente a respeito de uma
fonte energética que, apesar de não renovável, difere do carvão e do petróleo
por constituir uma forma mais limpa de geração energética.Trata-se da energia
nuclear, isto é, a energia originada do núcleo de um átomo.
Conforme vimos no Capítulo2, um átomo é constituído por um núcleo
positivo, ao redor do qual orbitam partículas carregadas negativamente: os
elétrons. O núcleo deve ser mantido fortemente unido, para que não se frag-
mente devido às forças repulsivas existentes entre os prótons que o consti-
tuem. Assim, este núcleo será detentor de uma quantidade enorme de energia,
presente nas ligações responsáveis por mantê-lo unido.Essa grande quantidade
de energia pode ser utilizada para geração de eletricidade, desde que seja pre-
viamente liberada do interior do núcleo. Um dos principais processos respon-
sáveis pela liberação desta energia é a chamadafissão nuclear.
Durante o processo de fissão nuclear, os átomos são fragmentados em
partículas menores, liberando energia. Uma usina nuclear fará uso desta ener-
gia, por meio de átomos de compostos radioativos, principalmente urânio.
No processo de fissão nuclear, o isótopo U-235 do urânio é bombardeado
por nêutrons e, devido à sua característica físsil, o núcleo deste composto é
facilmente dividido. Após a primeira divisão, outros nêutrons são liberados
e irão bombardear novos núcleos de urânio, gerando uma reação em cadeia.
Ao final, uma grande quantidade de energia na forma de calor e radiação é
liberada. Em uma usina nuclear, este calor liberado será utilizado na produção
de vapor, responsável pela rotação da turbina associada a um gerador elétrico.
– 83 –
Energias e Meio Ambiente

De acordo com a Agência Internacional de Energia Nuclear (Interna-


tional Atomic Energy Agency - IAEA), em seu relatório Nuclear Powers Reactor
in the World (2015), existem, atualmente, 438 usinas nucleares em funciona-
mento no mundo e outras 70 em construção. Entre os países, os maiores con-
sumidores deste tipo de energia são os Estados Unidos, a França e o Japão, que
juntos apresentam um potencial de geração de quase 150 GW. O Brasil possui
duas usinas nucleares em funcionamento (Angra I e II), que unidas apresen-
tam um potencial de geração de1,9 GW, pouco menos de 3% da geração de
energia elétrica no país.Uma terceira usina (Angra III), teve sua construção
retomada após 20 anos de paralisação e começará a operar comercialmente
em dezembro de 2018.
Do ponto de vista ambiental, a energia gerada por um reator nuclear é
relativamente limpa, pois não emite emissões gasosas poluentes, como as fontes
fósseis. Também pode ser mais sustentável. Isto de acordo com pesquisas que
indicam que novos reatores (de nêutrons rápidos) podem ser capazes de reci-
clar um elemento gerado durante a fissão do U-235, o plutônio Pu-239. Este
composto se comporta de forma similar ao U-235, podendo ser utilizado como
combustível nuclear nas novas tecnologias de reatores.
Apesar das vantagens, o funcionamento de uma usina nuclear aponta
alguns impactos preocupantes ao meio ambiente, principalmente em relação à
geração e ao descarte de resíduos. Outra preocupação está relacionada ao grande
impacto causado por eventuais acidentes nestas usinas, podendo resultar em
contaminação radioativa de proporções desastrosas, como o ocorrido em Cher-
nobil, Ucrânia (na época, formando a União Soviética), em 1986. Este acidente,
o maior desastre nuclear da história da humanidade, até hoje evidencia conse-
quências nas regiões afetadas, que tiveram seus ecossistemas destruídos e a saúde
da populaçãoseveramente prejudicada,além dos danos psicológicos para famílias
que tiveram que abandonar tudo que tinham, devido à evacuação em massa
realizada nas cidades acometidas pela radiação.
Dessa forma, é possível concluir que, apesar de sua potencial sustentabili-
dade, menor impacto ambiental e estrito controle da segurança dos processos,
a energia nuclear ainda enfrenta um grande desafio: a aceitação pública. Polí-
ticas públicas para implantação desta tecnologia devem, portanto, estabelecer
planos de segurança eficientes em caso de vazamento ou explosões, além de
conceber uma estratégia de disposição final de resíduos segura e com reduzido
risco de contaminação ambiental.

– 84 –
6
Transmissão da
energia elétrica

Nos capítulos anteriores, estudamos as principais fontes


geradoras de energia, de origens renovável e não renovável, assim
como as tecnologias e impactos associados ao uso destas matrizes
energéticas. Agora, dando continuidade aos nossos estudos sobre a
cadeia produtiva da eletricidade, abordaremos as etapas de transmis-
são e distribuição da energia elétrica, com enfoque nas tecnologias e
nos custos associados, além dos seus impactos no desenvolvimento
econômico dos países.
Energias e Meio Ambiente

6.1 Transmissão da energia elétrica


O conceito de transmissão de eletricidade refere-se à transmissão em
massa da energia elétrica produzida em geradores de usinas, fazendo uso de
subestações de transmissão, que devem direcionar esta energia para subestações
de distribuição, chamadas centros de carga. Estes centros devem estar localizados
próximos às áreas de distribuição para os usuários. A transmissão é, portanto,
a primeira etapa de uma rede complexa para a entrega da eletricidade ao con-
sumidor final. Linhas de transmissão conectadas umas às outras dão origem às
chamadas redes de transmissão. A Figura 6.1 ilustra as principais etapas da cadeia
de produção da energia elétrica, da sua geração até a distribuição final.
Fig 6.1 Principais etapas na transmissão e distribuição da energia elétrica, após sua
geração.

Linhas de transmissão transportam a


eletricidade a longas distâncias Linhas de distribuição
Usina gera eletricidade transportam a eletricidade
para as residências

Transformadores intensifica a Transformadores nas suestações Transformadores em postes


voltagem para transmissão reduzem a voltagem reduzem ainda mais a voltagem
que entra nas residências

Fonte: Adaptado de National Energy Education Development Project.


Como vimos anteriormente, a energia elétrica é uma forma secundária de
energia, produzida, em geral, a partir do processo de indução magnética em
geradores existentes em grandes usinas. Até então, havíamos discutido como
esta energia era gerada, de acordo com diferentes fontes energéticas. Agora,
precisamos compreender o que é feito com essa energia após sua geração.
A energia elétrica é produzida em um processo contínuo de geração, de
forma a suprir as demandas energéticas da população. Isto porque a eletrici-
dade não pode ser armazenada e deve ser produzida à medida em que é requi-
sitada. Uma vez produzida, a eletricidade deverá ser conduzida às subestações,
utilizando linhas de alta tensão. Estas linhas (ou cabos) possuem alta voltagem
e, em geral, fazem uso de corrente alternada trifásica. Lembre-se do Capítulo
3, em que a Corrente Alternada (CA) difere da Corrente Contínua (CC)

– 86 –
Transmissão da energia elétrica

por apresentar um movimento de elétrons em direções alternadas periodica-


mente. A principal vantagem de se utilizar Corrente Alternada para transmis-
são de energia é que a voltagem (ou diferença de potencial), neste caso, pode
ser aumentada ou diminuída mediante a ação de um transformador.
Um dispositivo transformador atua na transferência de energia elétrica
entre dois ou mais circuitos, pelo princípio da indução magnética. De forma
simplificada, um transformador é formado por um sistema de bobinas (enro-
lamento) e um núcleo, constituído por material ferromagnético, em que as
bobinas encontram-se enroladas. Comumente, duas bobinas constituem o
sistema, apesar de transformadores com uma ou três bobinas também serem
encontrados. A primeira bobina é denominada circuito ou enrolamento primá-
rio e a segunda, circuito secundário.
Vimos, no Capítulo 2, que uma corrente elétrica (carga q movendo-se a
uma velocidade v, expressa pela Equação 2.5) é capaz de produzir um campo
magnético de intensidade B. Caso esta corrente elétrica seja variada, como
acontece em uma corrente do tipo alternada, será produzida uma variação de
fluxo magnético no circuito primário. Por encontrar-se sob a influência do
campo magnético do circuito primário (pela ação do núcleo), esta variação
será experimentada também pela segunda bobina ou circuito secundário.
De acordo com a Lei de Faraday (Equação 2.8), uma variação de fluxo
magnético induz uma força eletromotriz fem. Lembre-se que esta fem, ou vol-
tagem, será proporcional ao número de espiras N, ou seja, à quantidade de
voltas das bobinas presentes em cada circuito. Considerando-se que o trans-
formador é dito ideal e que não ocorram perdas, com todo o fluxo magnético
passando através do núcleo de um circuito para o outro, então (a variação do
fluxo com o tempo) será a mesma em ambas as bobinas. Aplicando a equação
2.8, e igualando o termo variação de fluxo em ambos os circuitos, temos que a
relação entre as voltagens das bobinas (V1 e V2) é proporcional à relação entre
o número de espiras N em cada uma delas, ou seja:
V1 N1
= (6.1)
V2 N 2
Assim, caso se deseje que a voltagem na saída do transformador seja maior
do que aquela na entrada, o número de espiras no circuito 2 deverá ser menor do
que no circuito 1. Caso se deseje uma voltagem menor, basta que esta condição
se inverta. É importante salientar que o núcleo ferromagnético do transformador

– 87 –
Energias e Meio Ambiente

deve apresentar elevada permeabilidade magnética, possibilitando a passagem do


fluxo magnético através dos dois circuitos. Para melhor entendimento do sistema,
um transformador operando de forma ideal é representado na Figura 6.2.
Fig 6.2 Dispositivo transformador (ideal) para aumento de voltagem.

Circuito Fluxo magnétic


primário o
Circuito
secundário

Voltagem
primário
Voltagem
secundária

Núcleo do
transformador

Fonte: Adaptado e utilizado sob GNU Free Documentation License (Wikimedia Commons, 2006)
A utilização de um transformador na cadeia de produção da eletricidade
visa auxiliar na eficiência e segurança do processo, sendo aplicado em dois
momentos: na transmissão e na distribuição da eletricidade. Durante a trans-
missão, devido à resistência das linhas responsáveis pela passagem da corrente
elétrica, grande parte da energia é perdida durante seu transporte, especial-
mente quando este deve ser feito por longas distâncias.
Visando minimizar estas perdas, após sua produção em um gerador (pela
conversão da energia mecânica do movimento da turbina em energia elétrica), a
eletricidade é direcionada para um transformador similar àquele apresentado na
Figura 6.2, onde terá sua voltagem elevada. Em geral, as voltagens utilizadas em
linhas de transmissão variam de 110 kV a 750 kV, o que é responsável pela sua
denominação como linhas de alta tensão. Com uma voltagem maior, a corrente
elétrica é diminuída, o que reduz ao quadrado as perdas nas linhas de transmis-
são. Isto porque estas perdas são resultado do chamado Efeito Joule.
O Efeito (ou Lei) de Joule é a lei da Física que relaciona o calor produ-
zido em um condutor com a passagem de corrente elétrica em um determi-
nado intervalo de tempo. Desta forma:
Q = I2 ⋅ R ⋅ t (6.2)

– 88 –
Transmissão da energia elétrica

Na Equação 6.2, Q é a quantidade de calor gerado pela passagem de uma


corrente I, durante um tempo t, em um condutor que possui uma resistência
R à passagem desta corrente. Percebemos, portanto, que quanto menor a cor-
rente atravessando uma linha de transmissão, menor serão as perdas de energia na
forma de calor. Assim, um transformador para aumento da voltagem possibilita
maior eficiência no processo de transmissão ao reduzir a corrente e, consequen-
temente, as perdas de energia associadas ao transporte da energia elétrica.
A eletricidade é transportada via linhas aéreas de transmissão, que
apresentam menores custos e limitações operacionais do que os sistemas de
transmissão subterrâneos. Os sistemas subterrâneos, entretanto, podem ser
utilizados em áreas urbanas ou quando as condições ambientais exigirem,
como em regiões com elevada incidência de tempestades ou nevascas.
Em um sistema aéreo de transmissão, as linhas de alta tensão devem ficar
a uma distância adequada do solo, evitando o contato com pessoas, animais,
vegetação ou veículos, o que poderia causar sérios acidentes. Desta forma,
para que a energia elétrica possa ser transportada de forma segura, torres de
transmissão são instaladas nos trechos a serem percorridos. Estas torres devem
ser bastante estáveis e capazes de manter os cabos suspensos mesmo sob con-
dições adversas do ambiente, como ventos fortes ou terremotos. Em geral,
estas estruturas são feitas em aço, mas podem ser utilizadas madeira e con-
creto, no caso de voltagens mais baixas (até 13,8 kV). A Figura 6.3 ilustra
um sistema aéreo de transmissão, em que linhas de alta tensão encontram-se
suspensas em torres de transmissão de aço e concreto.
Fig. 6.3 Sistema aéreo de transmissão de energia elétrica, em que cabos de alta tensão
encontram-se suspensos por torres de transmissão
Fonte: Cortesia photos-public-domain.
com

– 89 –
Energias e Meio Ambiente

Os cabos suspensos não apresentam isolamento e fazem uso do ar como


um isolante natural. Isto porque o isolamento dificulta a dissipação de calor,
o que reduz a ampacidade da linha, isto é, a carga máxima de corrente que o
cabo pode transportar. Geralmente, o alumínio é escolhido como material para
os cabos de tensão, por ser leve e bom condutor de eletricidade. Neste caso,
os cabos serão constituídos por diversos fios reforçados com aço, o que con-
fere maior resistência às linhas de transmissão. Outros metais, como o cobre,
também podem ser utilizados, em geral, com melhor desempenho, mas têm
algumas desvantagens, como maior peso e custo. O desempenho não se torna
uma vantagem, tendo em vista que aquele apresentado pelo alumínio é apenas
ligeiramente menor quando comparado aos demais metais.
Uma corrente contínua aplicada em um condutor cilíndrico (um cabo,
por exemplo) tende a se distribuir de maneira homogênea por todo o diâmetro
deste condutor. Todavia, o mesmo não acontece quando a corrente é alternada,
que deve percorrer o condutor em uma trajetória senoidal, dada sua alteração
periódica na direção do transporte. Assim, a densidade da corrente será maior
na superfície do condutor. Este fenômeno é dito efeito peculiar ou efeito Kelvin e
ocorre devido à indução de um campo magnético no condutor pela passagem da
corrente. Este campo magnético, por sua vez, irá produzir um campo elétrico,
cuja orientação aumentará a intensidade da corrente na superfície. Este efeito
é influenciado pelas dimensões do condutor, assim como pelas suas resistência
elétrica e condutividade. Cabos mais grossos irão aumentar a área efetiva de
condução (superfície). Porém, como a resistência aparente no interior do con-
dutor também é maior devido a esse fenômeno, recomenda-se o uso de vários
condutores trançados para o transporte da corrente.
Quando as linhas de transmissão são ditas de extra-alta tensão, ou seja, com
voltagens superiores a 300 kV, o campo elétrico formado na superfície do condu-
tor atinge um valor máximo, a partir do qual o isolamento elétrico do ar (dielé-
trico) é rompido, o que o converte em um condutor. Assim, descargas elétricas ao
redor do condutor poderão ser observadas, formando uma espécie de coroa. A esse
fenômeno dá-se o nome de Efeito Corona. Este efeito é responsável por perdas de
energia no sistema, além de causar interferência em dispositivos eletrônicos, como
rádios e televisores. Uma forma de minimizar a ocorrência do fenômeno é manter
o cabo sob condições físicas adequadas, sem ranhuras ou sujeiras, o que potencia-
liza a ocorrência do efeito. Apesar de suas desvantagens, pode ser útil no caso de
uma sobrevoltagem do sistema, ao auxiliar na dissipação da energia excedente.
– 90 –
Transmissão da energia elétrica

Em relação aos principais problemas associados à integridade das linhas


de transmissão, têm-se as condições climáticas, como ventanias, furacões,
tempestades e terremotos; a poluição (que pode aumentar o Efeito Corona,
como visto anteriormente); a corrosão das linhas e o vandalismo. Sobrevolta-
gens, ocasionadas por descargas atmosféricas, também podem comprometer
os sistemas de transmissão. Neste caso, recomenda-se o uso de sistemas de
proteção como para-raios de linha, que são capazes de minimizar a interferên-
cia externa no processo de transporte da corrente elétrica.
Muitas vezes, a corrente elétrica pode ser transportada por meio de tensões
menores, tipicamente entre 60 kV e 100 kV, por um processo conhecido como
subtransmissão. Este processo pode ser útil caso a energia seja direcionada para
subestações menores; assim, torna-se desnecessária a conexão com linhas de alta
voltagem, evitando o gasto com equipamentos maiores e mais dispendiosos.
Conforme comentado no início desta seção, durante sua transmissão, a
energia elétrica fará uso das chamadas subestações de transmissão. Tratam-se de
estações responsáveis por conectar uma ou mais linhas de transmissão, sendo o
caso mais simples quando ambas as linhas apresentam a mesma voltagem. Comu-
mente, entretanto, uma subestação de transmissão fará uso de transformadores
para aumentar a voltagem e minimizar as perdas durante o transporte da energia
elétrica. De forma geral, é importante que as estações tenham interruptores de
alta tensão, para que as linhas possam ser ligadas entre si ou isoladas para manu-
tenção. Entre os principais componentes de uma subestação de transmissão,
podemos citar: os transformadores, quando forem necessárias modificações entre
as voltagens de entrada e saída das linhas; os capacitores, reatores ou compensado-
res estáticos, no caso de correção ou controle da voltagem; e dispositivos, como
transformadores de mudança de fase (defasadores), que realizam o controle
do fluxo da potência entre duas linhas de transmissão independentes.

6.2 Distribuição
Linhas e subestações de transmissão irão direcionar a corrente elétrica
para subestações de distribuição, que constituem a etapa final da cadeia de
produção da eletricidade. Transformadores presentes nestas subestações irão
diminuir a voltagem proveniente das linhas de transmissão, visando à ade-
quação da energia a ser distribuída para as residências. Isto porque não have-
ria como ligarmos nossos equipamentos dependentes de eletricidade, como

– 91 –
Energias e Meio Ambiente

geladeiras, televisores, rádios e computadores, que apresentam voltagem de


operação igual a 110 V ou 220 V, em uma rede fornecendo 100.000 V (100
kV), por exemplo.
A necessidade de subestações de distribuição está no fato de que é mais
econômico transportar grandes quantidades de energia, com voltagem ele-
vada, das usinas geradoras para os centros de carga e, só então, diminuir a vol-
tagem e distribuir a energia elétrica para os consumidores finais. É importante
ressaltar que, desde sua geração até a chegada ao consumidor final, a energia
elétrica pode ser transmitida para diversas subestações (de transmissão e dis-
tribuição) durante o percurso.
Conforme vimos no Capítulo 3, a transmissão e distribuição da eletrici-
dade a longas distâncias só foi possível devido ao uso da Corrente Alternada
(CA). Porém, antes do desenvolvimento dos primeiros dispositivos para pro-
dução deste tipo de corrente, a distribuição comercial de eletricidade acontecia
fazendo uso da Corrente Contínua (CC). Nestes sistemas, a geração, transmis-
são e distribuição da energia ocorria sob a mesma voltagem, demandando cabos
de transmissão espessos para evitar a dissipação da energia pelo Efeito Joule,
além de geradores locais, distantes não mais do que poucos quilômetros do
ponto mais afastado de distribuição. Lembre-se que um sistema transformador
só funciona porque a corrente é alternada, produzindo uma variação de fluxo
magnético, responsável pela indução de uma nova força eletromotriz fem ou
tensão. Assim, no caso de uma corrente contínua, não havia forma eficiente de
alterar a voltagem de origem e as perdas no processo eram impeditivas para a
disseminação da energia elétrica. O desenvolvimento e a aplicação da CA em
sistemas elétricos foi, portanto, fator imprescindível para o desenvolvimento
econômico e tecnológico do mundo que conhecemos hoje.
Ao chegar em uma subestação de distribuição, a voltagem de transmissão,
em geral, encontra-se acima dos 100 kV. Nesta etapa, é realizada a distribuição
primária e a alta voltagem é reduzida para valores tipicamente entre 1 e 35 kV,
ditos de média voltagem. Conforme vimos anteriormente, esta redução é levada a
efeito mediante o uso de transformadores. Os valores de voltagem obtidos devem
levar em consideração o tamanho da área a ser atendida, além do tipo de aplicação
da energia elétrica que será distribuída. Como exemplo, sistemas de eletricidade
em zonas rurais devem apresentar maiores voltagens de distribuição, tendo em
vista que estas linhas deverão abranger áreas muito maiores, comumente apresen-
tando habitações distantes entre si.

– 92 –
Transmissão da energia elétrica

Uma vez realizada a primeira redução de tensão, a energia é conduzida


para fora da subestação, agora por linhas de distribuição primárias. Estas linhas
transportam a energia de média voltagem para transformadores, localizados
nas proximidades das instalações do consumidor final. Estes transformado-
res serão responsáveis por uma nova redução na tensão elétrica, desta vez
atingindo a voltagem de uso, ou seja, aquela a ser entregue nas residências,
comércios, indústrias ou outras instalações, através das linhas de distribuição
secundárias. Consumidores que demandam uma quantidade muito alta de
energia elétrica podem ser conectados diretamente às linhas de distribuição
primária. A Figura 6.4 apresenta um sistema de transformadores utilizados na
redução da voltagem para distribuição secundária.
Fig. 6.4 Transformadores de redução da voltagem (setas) para transporte em linhas de
distribuição secundárias.

Fonte: Cortesia photos-public-domain.com.


Além de transformar a voltagem, uma subestação de distribuição tam-
bém pode atuar isolando falhas nos sistemas de transmissão ou distribuição.
Isto porque estas estações atuam como pontos de controle e são responsáveis
por fazer uso de dispositivos, como capacitores e reguladores de tensão (auto-
transformadores), para manter a voltagem constante. É importante salientar
que o controle adequado de tensão reduz, consideravelmente, as perdas de

– 93 –
Energias e Meio Ambiente

energia do sistema, além de evitar a operação de equipamentos e dispositivos em


voltagens fora dos limites adequados.
Em relação à configuração dos sistemas de distribuição, duas formas são
normalmente encontradas: sistema axial e sistema em rede. Em um sistema
do tipo axial, cada consumidor possui uma única fonte de fornecimento; no
caso do sistema em rede, o fornecimento pode ocorrer devido a fontes múl-
tiplas, operando de maneira paralela. Este último sistema é mais confiável
e ocorre mais frequentemente em grandes aglomerados urbanos. Já sistema
radial, seu uso é mais disseminado em áreas rurais e deve contar com um
sistema de conexões emergenciais, bastante úteis no caso de problemas que
exijam a reconfiguração do sistema.
Assim como os sistemas de transmissão, os sistemas de distribuição fazem
uso de redes aéreas, com uso combinado de postes e linhas de distribuição. Entre-
tanto, não é incomum observar sistemas subterrâneos associados. Em função dos
seus custos de instalação e manutenção mais elevados, estes sistemas, quando pre-
sentes, encontram-se concentrados nos chamados túneis de multi-utilidades. Estes
túneis consistem em uma extensa rede subterrânea formada por grandes dutos,
onde podem ser instalados diversos serviços em paralelo, como cabos de televisão,
telefone e fibra ótica, além das linhas de distribuição de eletricidade. A utilização
destes túneis reduz, consideravelmente, os custos com manutenção e substituição
de dispositivos, principal desvantagem do uso de sistemas subterrâneos de distri-
buição de energia elétrica.

6.3 Abastecimento e consumo da energia elétrica


A indústria de energia elétrica é responsável pela produção e entrega de
energia em áreas que apresentam demanda, através de uma conexão em rede
(grid). Podemos dizer que uma usina geradora está conectada em rede a partir do
momento em que tem início o fornecimento de energia para os sistemas de trans-
missão. No entanto, uma cidade a ser abastecida com energia elétrica somente se
encontrará ligada em rede quando estiver conectada a diversas fontes redundantes
e envolver a transmissão a longas distâncias da eletricidade.
No Brasil, o Sistema Interligado Nacional (SIN) agrega os processos
de produção e transmissão de energia elétrica. Isto é, nas diferentes regiões do
país (Sul, Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e parte da região Norte), a energia

– 94 –
Transmissão da energia elétrica

que chega ao consumidor é gerada por diversas usinas, sejam elas termelétricas,
hidrelétricas, nucleares ou eólicas. Assim, a sazonalidade de geração associada a
alguma fonte energética (como o regime de rios, no caso das hidrelétricas) não
influenciará, a princípio, o abastecimento energético de determinada região.
O SIN é formado por diversos subsistemas, cada um associado à determinada
área de atuação. Como exemplo, o subsistema Sudeste/ Centro-Oeste (SE/CO)
é responsável por estas regiões e também pelos estados do Acre e Rondônia. É
importante salientar que os subsistemas são todos ligados entre si, o que permite a
transferência de excedentes energéticos entre as diferentes regiões do país.
A regulação e fiscalização da geração, transmissão e distribuição da ener-
gia elétrica no Brasil é realizada pela ANEEL ou Agência Nacional de Energia
Elétrica. Entre as suas competências, encontra-se o estabelecimento de mecanis-
mos que garantam o atendimento do mercado consumidor em sua totalidade,
com boa qualidade do serviço e a preservação do meio ambiente. Outra de suas
atribuições importantes é a definição dos valores das tarifas de uso dos sistemas
elétricos de transmissão e distribuição, os chamados TUST e TUSD, respec-
tivamente. Estas tarifas têm como objetivo assegurar a arrecadação suficiente
de recursos para a manutenção do sistema de transmissão da eletricidade, one-
rando com encargos elevados os usuários que sobrecarreguem o sistema. Mais
sobre as tarifas e custos associados à geração da energia elétrica no Brasil será
visto no Capítulo 7.
Mundialmente, dados da U.S. Energy Information Administration afirmam
que, em 2012, os países com maior consumo de eletricidade foram a China e os
Estados Unidos, com 4.468 bilhões de kWh e 3.832 bilhões de kWh, respec-
tivamente. Na sequência, encontra-se o Japão, com 921 bilhões de kWh, um
número realmente expressivo, considerando-se o tamanho da sua população.
Ainda configuram na lista de maiores consumidores a Rússia, Índia, Alemanha
e Canadá. Neste ranking, o Brasil ocupa a 8ª posição, com 484 bilhões de kWh.
A Figura 6.5 apresenta o panorama mundial de consumo de eletricidade, de
acordo com dados de 2012.
Apesar da grande quantidade de energia demandada no mundo, sua
distribuição ainda é realizada de maneira desigual, particularmente nos paí-
ses de economias emergentes. Isto porque existem zonas de baixa densidade
demográfica, como áreas agrícolas ou outras regiões distantes dos grandes
centros urbanos, que ainda sofrem com a falta de acesso à eletricidade. E

– 95 –
Energias e Meio Ambiente

isto é um fator impactante na economia de um país, tendo em vista que a


energia elétrica não tem como função apenas a iluminação ou fornecimento
de eletricidade para uso doméstico, mas também é fundamental em processos
de mecanização de muitas atividades rurais, como é o caso dos processos de
debulha de grãos, ordenha e estocagem de produtos (fazendo uso de mecanis-
mos de elevação, por exemplo).
Fig 6.5 Panorama mundial de consumo de eletricidade (dados de 2012). A intensidade
da marcação azul é proporcional ao consumo. Países em cinza não apresentaram dados
disponíveis para avaliação.

Fonte: International- U. S. Energy Information and Administration (2015).


De acordo com a IEA - International Energy Agency, cerca de 22% da
população mundial ainda não tinha acesso à eletricidade em 2010 (OIEA/
IEA, 2010). Este valor representa mais de 1,5 bilhão de pessoas, em sua maio-
ria vivendo em áreas remotas, cuja ligação na rede é prejudicada devido às
dificuldades de acesso. Desta população, cerca de 85% encontra-se em áreas
rurais de países em desenvolvimento, como Brasil, China, Índia e a África
Subsaariana, onde menos de 10% da população tem acesso à eletricidade.
Ao processo de levar energia elétrica às áreas rurais remotas dá-se o nome
de eletrificação rural. Este processo tem sido considerado como um campo
potencial para colaboração entre entidades internacionais que visam ao
desenvolvimento econômico e social dos países emergentes. Entretanto, ape-
sar dos esforços, o êxito neste sentido tem sido lento e, caso a situação não seja
revertida, estima-se que, em 2030, cerca de 1,3 bilhão de pessoas ainda não
terão acesso à eletricidade, grande parte localizadas na África e sul da Ásia.

– 96 –
Transmissão da energia elétrica

É importante salientar que nem todas as políticas de acesso à energia elétrica


se destinam às áreas rurais, podendo abranger vilas e pequenas cidades que ainda
sofram com a escassez energética. Nestes casos, as abordagens devem ser pensa-
das com cuidado, haja vista que as demandas e potenciais uso da energia em um
subúrbio de uma grande cidade, como Nova Deli, será diferente de um vilarejo
localizado no sul da África, por exemplo. Também as dificuldades referentes à
transmissão e distribuição de eletricidade variam de acordo com o tipo e localiza-
ção da área remota a qual se pretende acessar. Ou seja, pode ser relativa à distân-
cia e isolamento de comunidades, localizadas longe da área de abrangência das
redes de ligação; à dificuldade de acesso físico, como presença de matas fechadas
e rios; ou ainda devido às condições climáticas adversas, tornando o processo de
distribuição de eletricidade pouco seguro para estas localidades.
Assim, a escolha da tecnologia mais adequada é essencial para o sucesso
do investimento em um processo de eletrificação rural e deve levar em con-
sideração qual é a comunidade que deverá se beneficiar deste processo. Os
principais fatores influenciam a escolha da tecnologia ideal são a distância da
região de interesse às redes de ligação; a disponibilidade de recursos naturais,
como incidência solar, ventos, rios e florestas; os aspectos financeiros e eco-
nômicos; a disponibilidade e desenvolvimento da tecnologia escolhida. Uma
vez respondidas estas questões, torna-se mais fácil o estabelecimento de um
sistema tecnológico que contemple as necessidades específicas de cada região.
Um exemplo interessante é o desenvolvimento de uma tecnologia conhe-
cida como Single-wire earth return (SWER ou redes monofilares com retorno
por terra). O princípio destas redes de distribuição é dispensar o sistema trifá-
sico (formado por três fios, contendo correntes alternadas defasadas em 120º)
e adotar uma fase única, transmitindo a eletricidade em uma única linha (ou
fio de alta tensão), o que reduz consideravelmente o custo da transmissão da
energia. O fio neutro é dispensado e o retorno da corrente é realizado por
terra. Esta tecnologia é bastante utilizada na Austrália e Nova Zelândia, sendo
considerada segura, confiável e de baixo custo, desde que os dispositivos de
segurança e o aterramento estejam corretamente instalados. No Brasil, este sis-
tema tem sido amplamente utilizado para o transporte de energia elétrica para
regiões remotas do país, através do programa governamental “Luz para Todos”,
a ser discutido no próximo capítulo. A Figura 6.6 apresenta um sistema do
tipo SWER, instalado na zona rural do estado do Amazonas, Brasil.

– 97 –
Energias e Meio Ambiente

Fig 6.6 Sistema de SWER (monofilar com retorno por terra), instalado na região rural
do estado do Amazonas, Brasil.

Fonte: Eletrobras- Distribuição Amazonas (2015).


A quantidade de soluções tecnológicas disponíveis, atualmente, é bas-
tante grande; no entanto, deve-se levar em consideração se os custos, o grau de
urbanização da população a ser beneficiada e os potenciais impactos ao meio
ambiente, associados ao processo de eletrificação rural, não são proibitivos,
principalmente em países em desenvolvimento. É fundamental, portanto,
que o desenvolvimento econômico resultante do acesso dessas regiões à ener-
gia elétrica venha associado a melhorias na qualidade de vida da população e
à sustentabilidade ambiental.

6.4 Impactos ambientais da cadeia


de produção de eletricidade
Apesar da eletricidade ser uma forma de energia relativamente limpa
e segura, existem diversos impactos ambientais associados à sua geração e
transmissão. Como já visto, todas as usinas de geração de eletricidade apre-
sentam alguma forma de impacto ao meio, em diferentes níveis de gravidade.
A instalação física de uma usina altera drasticamente o entorno e o meio
ambiente associado. Isto porque muitas usinas demandam áreas gigantescas
e afastadas dos conglomerados urbanos para sua instalação, o que pode oca-
sionar desmatamento e impactos nos ecossistemas adjacentes. Além disso,
para que uma instalação deste porte possa entrar em funcionamento, é neces-

– 98 –
Transmissão da energia elétrica

sária uma infraestrutura associada, com a construção de estradas de acesso,


ferrovias e tubulações para transporte da matéria-prima, linhas de transmis-
são de eletricidade e reservas de água disponíveis para a operação da usina.
Outras demandas vão depender do tipo de planta de geração. Termelétricas,
por exemplo, exigem a implantação de áreas para armazenamento das cinzas
geradas durante o processo de combustão.
Há, ainda, diversos impactos ambientais associados às linhas de trans-
missão e à infraestrutura de distribuição, que são responsáveis pelo transporte
e entrega da energia elétrica ao consumidor final. Como visto anteriormente,
a maior parte das linhas de transmissão constituem sistemas aéreos, com os
cabos de alta tensão suspensos em torres de transmissão. Estes sistemas apre-
sentam dimensões consideráveis e alteram drasticamente a paisagem nas regi-
ões por onde passam, especialmente em espaços naturais, próximos a matas,
campos ou florestas. Alguns cuidados são necessários nestas regiões; árvores
próximas às linhas de tensão devem ser podadas constantemente, visando
evitar que galhos ou folhas toquem a fiação, causando acidentes e até mesmo
incêndios. Além disso, esses sistemas, assim como as atividades de reparo e
manutenção associadas a eles, podem interferir negativamente no ciclo de
vida de plantas e animais. É fundamental que estudos de impacto ambiental
sejam realizados nas áreas de implantação de sistemas de transmissão e distri-
buição elétrica, a fim de minimizar os danos ao meio ambiente existente nas
regiões atendidas.

– 99 –
7
Histórico energético
no Brasil

O Brasil figura como um dos países mais ricos em recur-


sos naturais e potencial energético no mundo. Entretanto, questões
econômicas, políticas e sociaistornam-se impeditivas da adoção de
fontes alternativas de energia, mantendo a dependência do país em
relação às fontes fósseis, em especial, ao petróleo e seus derivados.
Mesmo assim, o potencial hídrico do Brasil não é ignorado e a maior
parte da eletricidade produzida aqui é de origem hidrelétrica, com
uso de recurso renovável. O capítulo a seguir apresenta o cenário
energético atual em nosso país, discutindo o histórico e o potencial
de geração de energia, além da política energética nacional, adotada
nas últimas décadas.
Energias e Meio Ambiente

7.1 Histórico energético no Brasil


Para compreendermos o histórico da energia em nosso país, devemos
retornar centenas de anos, até a chegada dos primeiros europeus no território
que hoje conhecemos como Brasil. O encontro com o novo continente só foi
possível devido a uma fonte de energia renovável: o vento, impulsionando as
caravelas dos colonizadores. Porém, o desenvolvimento energético do país só
teve início, de fato, quando os portugueses passaram a ocupar as terras recém-
-descobertas e não apenas explorar suas matérias-primas, como era levado a
efeito com o pau-brasil.
Em 1534, visando ao maior desenvolvimento da colônia e à ocupação
dos territórios que eram alvos fáceis para piratas e corsários, o Brasil foi divi-
dido em capitanias hereditárias. Como atividade econômica, em um primeiro
momento, optou-se pelo plantio em larga escala de cana-de-açúcar, tendo
em vista que o açúcar eraum produto de elevado valor comercial na Europa.
Assim, foram instituídos os primeiros engenhos de açúcar e, com eles, a pri-
meira demanda energética em maior escala. Isto porque estes engenhos faziam
uso de moendas, casa das caldeiras e casas de purga, isto é, de sistemas que
tinham como objetivo produzir trabalho mecânico, fazendo uso de alguma
fonte energética. Moendas, por exemplo, poderiam ser movidas por tração
animal (energia química) ou via rodas d’água, em que a energia cinética asso-
ciada ao movimento da água era transformada em trabalho útil, responsá-
vel por moer a cana (Capítulo 3). Fazendo uso da energia hidráulica, estes
moinhos eram mais produtivos do que seus análogos tracionados.
Também a energia hidráulica foi muito importante na segunda grande ati-
vidade econômica no país: a mineração. A descoberta de metais preciosos no final
do século XVII levou a uma atividade econômica intensa nas regiões de explo-
ração, principalmente São Paulo e Minas Gerais. Como a maior parte do ouro,
encontrava-se depositado em leitos de rios, após ter sido carregado por águas
superficiais, a técnica mais utilizada pelos mineradoresda época era fazer uso de
jatos d›água na superfície de morros e encostas, visando ao arraste deste metal.
Assim, a água, mais uma vez, era a fonte energética responsável pelo processo.
Apesar do destaque da energia hidráulica no Brasil Colônia, outras fontes
energéticas também eram bastante utilizadas, como a energia solar, para secagem
de grãos, açúcar, couro e fumo; a biomassa, na forma de queima de lenha e de
óleos vegetais e animais, proporcionando calor e iluminação; e a energia eólica, no
transporte das embarcações nos rios do país.
– 102 –
Histórico energético no Brasil

Com a transferência da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, e a abertura


dos portos às chamadas nações amigas, para o fornecimento de diversos produtos
e especiarias, a economia brasileira permaneceu baseada na agricultura, em detri-
mento da mineração, e agora com destaque para a cafeicultura. Nesta época, o
desmatamento de matas e florestas para a implantação dos latifúndios, associado à
demanda energética da população crescente nestas novas áreas exploradas, condu-
ziu ao uso disseminado da madeira como matéria-prima para geração de energia.
Com o desenvolvimento das primeiras máquinas a vapor, em meados
do século XIX, o país descobre uma nova forma de gerar energia, utilizando
a queima de combustíveis, como o gás natural e o carvão, para gerar energia
mecânica (Capítulo 5). Entretanto, o processo para o Brasil não era sustentável,
tendo em vista que o carvão deveria ser importado de minas europeias. Mesmo
assim, algumas iniciativas de geração energética utilizando carvão foram bem-
sucedidas, como a implantação da primeira fábrica de gás, em 1852, no Rio de
Janeiro, pelo Barão de Mauá. Lançando mão do gás gerado pela combustão do
carvão, a fábrica foi responsável pela iluminação de algumas vias públicas no
centro do Rio de Janeiro, na época (Figura 7.1). Além disso, o uso das máquinas
a vapor foi um incentivador do desenvolvimento industrial do país, principal-
mente em alguns setores específicos, como as indústrias têxteis.
Fig 7.1 Lampião a gás na Rua Uruguaiana, centro da cidade do Rio de Janeiro.

Fonte: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil (Arquivo Geral da cidade do Rio de


Janeiro, foto: Augusto Malta, 1904).

– 103 –
Energias e Meio Ambiente

Em 1879, a Estação Central da estrada de ferro Dom Pedro II foi a


primeira instalação brasileira a ser iluminada fazendo uso da energia elétrica.
Similarmente ao que ocorria com o restante do mundo, após o desenvolvi-
mento dos primeiros dínamos e lâmpadas elétricas, o Brasil se viu descobrindo
as vantagens associadas ao uso da eletricidade. Já em 1887 foi inaugurada, em
Porto Alegre, a primeira usina termelétrica do país, da Companhia Fiat Lux,
responsável por fornecer o primeiro serviço público de iluminação elétrica
no país. Em 1889, São Paulo seguia o exemplo, com a criação da usina
termelétrica Água Branca.
Em 1883, teve início o aproveitamento da maior fonte energética do
Brasil na atualidade, com a construção da primeira usina hidrelétrica do
país, na cidade de Diamantina, Minas Gerais. Ainda de atuação tímida,
esta fonte gerava energia para os processos de extração em uma mina de
diamante nas proximidades, com linhas de transmissão de apenas 2 km.
Por sua vez, o primeiro serviço público de iluminação de Minas Gerais teve
início após a iniciativa de um empresário do setor têxtil, Bernardo Masca-
renhas, que substituiu a termelétrica que abastecia sua fábrica, em Juiz de
Fora, por uma usina hidrelétrica, fornecendo o restante da energia gerada
para a cidade.
Em 1903, foi criado e aprovado pelo Congresso Nacional o primeiro
texto de lei responsável por regulamentar as atividades das usinas hidre-
létricas no país. A partir daí, diversas hidrelétricas foram implementadas
e esta matriz, de fonte renovável, tornou-se a principal fonte de geração
de energia elétrica no Brasil. Algumas usinas criadas no período foram:
Usina Hidrelétrica de Fontes (Figura 7.2), no Ribeirão das Lages, constru-
ída em 1904;Usina Hidrelétrica Fontes Velhas, no reservatório de Lages,
construída em 1908; e a Usina Hidrelétrica Delmiro de Gouveia, no Rio
São Francisco, no ano de 1913, sendo a primeira usina construída na região
Nordeste. Algumas décadas depois, em 1984, o Brasil ganharia notoriedade
mundial, ao tornar operacional uma das maiores usinas hidrelétricas do
mundo: Itaipu Binacional que, construída em parceria com o vizinho Para-
guai, apresenta impressionantes14.000 MW de potência instalada. Atual-
mente (2015), Itaipu só perde em potência instalada para a usina chinesa
de Três Gargantas, que apresenta 22.400 MW. A Figura 7.3 ilustra a Usina
Itaipu em funcionamento nos dias atuais.

– 104 –
Histórico energético no Brasil

Fig 7.2 Casa de força da Usina Hidrelétrica de Fontes (Piraí, Rio de Janeiro).

Fonte: Centro da Memória da Eletricidade no Brasil (Acervo Light Serviços de


Eletricidade S/A).
A partir da década de 1940, o Brasil, impulsionado pelo forte nacio-
nalismo do governo do presidente Getúlio Vargas, decidiu estabelecer
metas e mecanismos que assegurassem a maior oferta de energia elé-
trica, petróleo e gás natural. A ideia seria criar empresas estatais, concen-
trando na mão do Estado as atividades ligadas à produção e distribuição
da energia.
De fato, em 1953, estimulado pela campanha “O petróleo é nosso”,
foi estabelecido o monopólio estatal que restringia ao Estado as atividades
de produção, transporte, exportação e importação de petróleo e gás natural
no país. O processamento nacional destas matérias-primas (refino) também
estaria sob monopólio do Estado, excetuando-se as refinarias já existentes
antes da implementação da nova Lei. Estava criada a Petróleo Brasileiro
S/A-Petrobras, regulamentada pela Lei Federal nº 2.004, de 3 de outubro
de 1953. Entre suas atribuições estavam a exploração, transporte, pesquisa
e refino do petróleo, de origem nacional ou estrangeira. A distribuição e
comércio no varejo dos produtos derivados do petróleo, entretanto, foram
mantidos fora do monopólio, sendo compartilhados por grandes compa-
nhias internacionais, como a Shell, Texaco e Exxon.

– 105 –
Energias e Meio Ambiente

Fig7.3 Vertedouro e barragem da Usina Hidrelétrica de Itaipu, Foz do Iguaçu, Brasil.

Fonte: Itaipu Binacional (2015).


A energia elétrica também foi alvo do monopólio do estado e, em 1962,
foi criada a Eletrobras - Centrais Elétricas Brasileiras S/A, que tinha como meta
coordenar todas as empresas do setor elétrico brasileiro, funcionando como uma
sociedade holding. Assim, companhias como Eletrosul, Chesf, Furnas e Eletro-
norteatuavam nas áreas de geração, transmissão e distribuição de energia em
diversas regiões do país. Todavia, todas encontravam-se vinculadas ao Ministério
de Minas e Energia e sob o controle da Eletrobras.
Seguindo o ritmo do desenvolvimento energético proporcionado pela
exploração do petróleo e pela criação da Petrobrás, em 1969 foi criado o Pro-
grama Nuclear Brasileiro, com o argumento de que a demanda energética brasi-
leira não poderia ser suprida apenas com a energia hidrelétrica. Hoje, sabemos
que isto é uma inverdade, haja vista o grande potencial hídrico que o Brasil
apresenta. De qualquer forma, em 1985, foi colocada em operaçãoa primeira
usina nuclear brasileira, denominada Angra I, construída na Central Nuclear
Almirante Álvaro Alberto, no município de Angra dos Reis, Rio de Janeiro.
A tecnologia adquirida para construção de Angra I baseia-se no uso de
um reator de água pressurizada (ou PWR, de sua sigla em inglês para Pres-
surized Water Reactor). Neste sistema, o líquido de refrigeração utilizado no
circuito primário, isto é, aquele responsável por resfriar o reator de fissão
nuclear, sendo aquecido em contrapartida, consiste de água sob elevada pres-
são. Sob estas condições, a água é mantida em estado líquido,mesmo após ter
sido submetida a altas temperaturas. Esta água aquecida vai transferir calor
para um segundo circuito, através de trocadores de calor, e o vapor gerado
neste sistema será responsável pela rotação da turbina e geração de eletrici-
– 106 –
Histórico energético no Brasil

dade. Este sistema de geração de energia nuclear via PWR foi adquirido da
empresa norte-americana Westinghouse; entretanto, não houve transferência
de tecnologia na época de sua aquisição e o Brasil não conseguiu obtero know-
-how na produção de energia nuclear, que tanto interessava ao país.
Assim, em 1975 foi firmado um convênio entre Brasil e Alemanha para
a construção de Angra II, em que se acordava a transferência da tecnologia de
fabricação de combustível nuclear para o nosso país. De fato, este acordo resul-
tou no desenvolvimento tecnológico necessário para a autossuficiência do país
na geração de energia nuclear. Porém, apesar de ter sua construção iniciada em
1981, Angra II só se tornou operacional em 2001, devido a um lapso de 13 anos
nas obras, em função da crise econômica que assolava o país. Da mesma forma,
a usina Angra III teve suas obras iniciadas em 1984 e foram interrompidas dois
anos depois. Em 1997, em uma tentativa de contornar a desaceleração do Pro-
grama Nuclear no Brasil,foi criada a Eletronuclear, uma subsidiária da Eletro-
bras, que apresentava como objetivos projetar, construir e operar usinas nuclea-
res em território nacional. De acordo com os novos planos de investimento no
setor, em 2007, foram retomadas as obras da Usina Angra III, que deve se tornar
comercialmente operacional em 2018. A Figura 7.4 apresenta a Central Nuclear
Almirante Álvaro Alberto, com as duas usinas operacionais, Angra I e Angra II,
e a usina Angra III, em construção.
Fig 7.4 Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, Angra dos Reis, Rio de Janeiro.

Da esquerda para
direita: canteiro
de construção
de Angra III (ao
fundo); Angra II
(centro) e Angra I

Fonte: Adaptado e utilizado sob Creative Commons Atribution 2.0 Genericlicense (2010)
Na década de 1990, o setor elétrico do país foi reestruturado, com a criação
de novas entidades de regulamentação, pesquisa e fiscalização do uso da energia
elétrica, como a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL; a Empresa
dePesquisa Energética - EPE e o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS.
Esta nova divisão reduziu as responsabilidades da Eletrobras, ao mesmo tempo
que proporcionou um maior controle na produção, transmissão e comercializa-
– 107 –
Energias e Meio Ambiente

ção da energia elétrica no Brasil. Também neste período houve um movimento


de desestatização das empresas de energia, visando minimizar a crise energética
que o país enfrentava, associada a gestões inadequadas e ao mau uso do dinheiro
público investido no setor. Como resultado desta política de privatização, 23
empresas de energia elétrica foram desestatizadas, a fim de os gastos públicos
e aumentar a eficiência na área de atuação destas empresas. Entretanto, este
processo atingiu, na grande maioria, as distribuidoras de energia, mantendo as
grandes geradoras sob controle do país, o que contrariou o planejamento inicial
de uma desestatização de maior impacto.
Em 1999, dentro
desta nova dinâmica do Fig 7.5 Mapa de integração eletro energética no Brasil, no
setor elétrico, teve iní- ano de 2014.
cio a primeira etapa de

Fonte: Operador Nacional do Sistema Elétrico- ONS (2015).


interligação Norte-Sul
do Brasil, o que foi um
importante passo na
consolidação da inte-
gração energética do
país. Esta ligação seria o
início do Sistema Inter-
ligado Nacional, ou
SIN, que uniu empre-
sas de eletricidade nas
regiões Sul, Nordeste,
Sudeste, Centro-Oeste,
e parte da região Norte
do país. O objetivo
do SIN, que mostra
dimensões e caracterís-
ticas não encontradas
em outro sistema inter-
ligado no mundo, é proporcionar a comunicação dos sistemas de produção e
transmissão de energia elétrica no Brasil, direcionando excedentes energéticos
de acordo com a necessidade de cada região atendida.Do total de energia con-
sumida no país, apenas 1,7% encontra-se fora do SIN, concentradas, princi-
palmente, em regiões isoladas da Amazônia. A Figura 7.5 apresenta o mapa de
integração eletroenergética do Brasil em 2014.

– 108 –
Histórico energético no Brasil

Em 2003, e vigente até o momento (2015), foi implementado o programa


Luz para Todos, do Governo Federal brasileiro. Este programa tem como meta
a transmissão e distribuição da energia elétrica em zonas rurais e remotas do
Brasil, visando ao maior desenvolvimento social e econômico destas regiões.
O programa apresenta gestão conjunta com governos estaduais, municipais,
agências de energia elétrica e comunidades. Como resultado de sua ação, mais
de 90% das zonas rurais no país já possuem acesso à energia elétrica.

7.2 Política Energética Nacional (Lei nº 9.478/ 1997)


O conceito de política energética está relacionado à forma com que dada
entidade, geralmente de atuação governamental, decide lidar com temas ligados
ao desenvolvimento de energia, ou seja, à produção, transmissão, distribuição
e consumo de energia em determinada localidade ou país. Uma boa política
energética deve levar em consideração aspectos como impactos socioeconômi-
cos, conservação ambiental, concordância com a legislação, incentivos a inves-
tidores, além de parcerias e adesão a tratados internacionais, que tenham como
objetivo uma melhoria na eficiência energética dos países de forma sustentável.
No Brasil, a chamada Política Energética Nacional teve início em 1995,
com o primeiro mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que
estabeleceu muitas políticas associadas à cadeia de produção de energia que,
até hoje, vigoram. Em 6 de agosto de 1997, foi sancionada a Lei nº 9.478,
que dispõe sobre a Política Energética Nacional (PNE) e sobre as ativida-
des referentes ao monopólio do petróleo no país. Por este motivo, também
ficou conhecida como a Lei do Petróleo. Também nesta Lei, foram criados o
Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo, Gás
Natural e Biocombustíveis.
De forma geral, a PNE visa a alguns objetivos principais, dentre os quais
se destacam: promover o desenvolvimento e ampliar o mercado de trabalho;
proteger os interesses do consumidor, em relação aos preços e tarifas; proteger
o meio ambiente e atuar no sentido de conservar a energia e as fontes ener-
géticas; incrementar a utilização do gás natural; utilizar fontes alternativas de
energia (biomassa/ biocombustíveis); promover a livre concorrência; aumentar
a competitividade do país em mercados internacionais, atraindo investidores;
reduzir as emissões de poluentes e gases de efeito estufa, decorrentes da queima
de combustíveis fósseis.

– 109 –
Energias e Meio Ambiente

O recém-criado Conselho Nacional de Política Energética - CNPE fica


responsável pelo estabelecimento de diretrizes para o uso de fontes energéticas,
como o carvão, gás natural, energia eólica, solar, biocombustíveis e termonu-
clear, de forma racional e sustentável. Em especial, o CNPE apresenta uma
forte atuação no mercado petrolífero, sendo de sua competência as seguintes
ações: estabelecimento de diretrizes para importação e exportação do petróleo,
de forma a atender a demanda interna de gás natural, petróleo e seus derivados;
regulamentar o uso do gás natural como matéria-prima energética em processos
industriais; definir a estratégia de desenvolvimento econômico mais adequada
para a indústria petrolífera, levando em consideração as tecnologias disponíveis.
Por outro lado, de acordo com a Lei nº 9.478/1997, a Agência Nacio-
nal do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis - ANPapresentará caracterís-
tica reguladora e fiscalizadoradas atividades associadas à indústria petrolífera
(incluído aí o gás natural) e de biocombustíveis no país. Ao mesmo tempo,
esta nova entidade será responsável pela contratação de concessionárias para
as atividades de exploração, transporte, refino, entre outras, que encontram-
-se autorizadas nesta mesma Lei, desde que para empresas constituídas pelas
leis brasileiras, e que possuam sede e administração no país.
Devido à descoberta de grandes jazidas de petróleo e gás natural nas
camadas de pré-sal ao longo do litoral do Brasil, a Lei nº 12.351, de 22 de
dezembro de 2010, modificou a Lei nº 9.478/ 1997, estabelecendo uma nova
forma de regulamentação e controle das atividades econômicas de exploração
de petróleo e seus derivados. Trata-se de um regime de partilha de produção,
em que a propriedade do petróleo extraído é exclusiva do Estado, ao contrário
da concessão, em que a propriedade é da empresa concessionada, que deve
pagar royalties e alíquotas de participação especial na exploração da matéria-
prima. À empresa em regime de partilha é garantida parte da produção em
troca de suas atividades de exploração e extração. Do ponto de vista econô-
mico, tanto o regime de concessão quanto o de partilha podem ser rentáveis
para o Governo, dependendo das alíquotas estabelecidas em cada caso.

7.3 Geração de energia no Brasil


O Brasil é o maior consumidor de energia da América do Sul, com 484
bilhões de kWh anuais (dados de 2012, OECD/ IEA). Possui, também,
uma gigantescacapacidade de geração, produzindo mais de 90% da energia

– 110 –
Histórico energético no Brasil

demandada no país. A quantidade elevada de petróleo e gás natural, extraí-


dos das reservas nacionais, além da grande produção de biocombustíveis, em
especial o bioetanol, colocam o Brasil como uma forte potência energética no
cenário mundial.
Com mais de 60 usinas, com pelo menos 100 MW cada, instaladas e
em funcionamento, o Brasil se destaca pela vasta fonte de energia hidrelé-
trica. Destas usinas, 23 apresentam geração superior a 1.000 MW. Conforme
apresentado na seção anterior, nosso país é responsável, juntamente com o
Paraguai, pela operação de um dos maiores complexos de geração de energia
hidrelétrica do mundo, a Usina de Itaipu, localizada no Rio Paraná, com
14.000 MW de potência. A energia dos rios é, portanto, a principal fonte de
geração de eletricidade. O restante da energia consumida vem de termelétri-
cas, usinas termonucleares e, em menor grau, de fontes renováveis, como a
energia eólica.
Em relação ao petróleo, o Brasil apresenta uma provisão reserva igual a
16 bilhões de barris, a segunda maior na América do Sul, ficando atrás apenas
da Venezuela. Ainda, a descoberta das reservas de pré-sal nas águas territoriais
do país aumentaram de forma considerável este potencial energético. Estima-
se que as reservas recém-descobertas abriguem mais de 50 bilhões de barris
de petróleo. A exploração desta fonte, apresenta alguns desafios. Isto porque a
camada do pré-sal se encontra a quase 5.000m de profundidade (Figura 7.6),
sob uma formação de sal prensado. A matéria orgânica, depositada e submetida
a elevadas pressões durante milhões de anos, é responsável pelo surgimento de
grandes quantidades de petróleo nestes estratos inferiores. A reserva do pré-sal
no Brasil abrange uma área com quase 150 mil km2, o que equivale a três vezes
e meia a área ocupada pelo Estado do Rio de Janeiro.
O Brasil apresenta, também, as maiores reservas de carvão mineral na
América Central e do Sul, estimadas em 10 bilhões de toneladas. No entanto,
estas reservas não são suficientes para atender à demanda de queima de car-
vão e aproximadamente 80% desta matéria-prima tem de ser importada.
Em relação à geração nuclear, o Brasil apresenta a sexta maior reserva de
urânio do mundo e duas plantas de geração de energia nuclear em funcio-
namento, as já mencionadas Angra I, com potência instalada de 630 MW;
e Angra II, com 1350 MW, controladas pela Eletronuclear, subsidiária
da Eletrobras.

– 111 –
Energias e Meio Ambiente

Fig 7.6 Estratos geológicos indicando a localização relativa da camada do pré-sal.

Fonte: Petrobrás (2015).


Em relação às fontes renováveis de energia, o Brasil também se des-
taca, haja vista a riqueza de recursos naturais como a água (utilizada nasu-
sinas hidrelétricas), radiação solar, regime de ventos e grandes reservas
de biomassa.
De fato, com uma média de radiaçãoanual próxima a 6 kWh/ m2.
dia, o Brasil apresenta um elevado potencial de uso da energia solar e, até
o momento, possui mais de 150 fabricantes de aquecedores solares, res-
ponsáveis pela instalação de sistemas em residências, indústrias, hospitais
e hotéis. Em 2011, a primeira rede de geração de eletricidade via energia
solar foi colocada em funcionamento na cidade de Tauá, Ceará, com uma
capacidade de geração igual a1 MW. Recentemente, em agosto de 2014,
tornou-se operacional o maior centro de geração de energia solar brasileira,
a Usina Fotovoltaica Cidade Azul, localizada na cidade de Tubarão, sul de
Santa Catarina. A usina, que ocupa uma área total de 10 hectares e é com-
posta por 19.424 painéis fotovoltaicos, tem capacidade instalada igual a 3

– 112 –
Histórico energético no Brasil

MW, que é suficiente para abastecer cerca de 2,5 mil residências. Na Figura
7.7 é apresentada uma visão geral da usina,que foi construída sobre antigos
depósitos de cinzas, provenientes da queima de carvão em usinas termelé-
tricas instaladas nas proximidades.
Fig 7.7 Vista geral da Usina Fotovoltaica Cidade Azul, localizada no município de
Tubarão, Santa Catarina.

Fonte: Tractebel Energia (2015).


Estes primeiros investimentos no setor de geração de energia solar estão
mudando a cultura de uso desta fonte no país, comumente vista como uma
tecnologia cara, com uso restrito a poucas áreas, especialmente aquelas de
interesse social, como escolas e hospitais. Aos poucos, o uso deste tipo de
tecnologia vem sendo ampliado, com previsão de que 122 MW de energia,
a partir de fonte solar, sejam geradosem novas usinas instaladas no país, nos
próximos anos.
Outra fonte energética de grande potencial no território brasileiro é o
vento. Estima-se que o potencial eólico no país seja igual a incríveis 143 GW
(Amarante et al., 2001). A Figura 7.8 mostra as velocidadesmédias de ventos
(em m/s) encontradas no território brasileiro. Analisando a figura, é possível
observar que o Brasil apresenta potencial alto de geração de energia eólica,
com velocidadessuperiores a 9 m/s (considerando-se morros e montanhas),

– 113 –
Energias e Meio Ambiente

em diversas regiões do país. Com efeito,o aproveitamento efetivo desta fonte


energética vem aumentando. De acordo com a Associação Brasileira de Energia
Eólica (ABEEólica), o Brasil possui, atualmente, 281 unidades de geração
eólica instaladas, com uma capacidade total igual a 7,07 GW. Utilizando este
tipo de matriz renovável, estima-se que o país reduza as emissões de CO2 em
12,5 milhões de toneladas anuais.
A geração de energia a partir de biomassa também é bastante relevante
no Brasil, que apresenta um potencial de 20 GW, de acordo com a Organi-
zação Não Governamental Renewable Energy and Energy EfficiencyPartnership
(REEEP). Entre os principais representantes desta fonte energética encon-
tram-se a madeira, a cana-de-açúcar (bioetanol) e resíduos agrícolas.
Fig 7.8 Mapa de potencial eólico no Brasil, com a velocidade média de ventos (m/s)
medida a 50m da superfície.

Fonte: Adaptado de Feitosa et al. (2003).

– 114 –
Histórico energético no Brasil

A produção do bioetanol vem sendo estimulada por programas brasi-


leiros de incentivo, como o Pro-Álcool, responsáveis por encorajar a produ-
ção de combustíveis renováveis a partir de biomassa, no processo de subs-
tituição dos combustíveis derivados de petróleo. Devido à regulamentação
no país, que torna obrigatória a adição de 25% de etanol anidro na gasolina
a ser usada como combustível, além da popularização dos modelos flex de
automóveis, o Brasil vem se mantendo como o segundo maior produtor de
bioetanol no mundo. Também é o país que apresenta o maior uso de bio-
combustíveis em meios de transporte. Estima-se que, em 2035, os combus-
tíveis de origem renovável serão responsáveis por atender 30% da demanda
de combustível para transporte rodoviário no país, 11% a mais da parcela
atendida atualmente.
Como visto no Capítulo 4, a energia geotérmica não é muito utilizada
no Brasil, tendo em vista que as formações geológicas que o constituem são
antigas, com poucos reservatórios geotérmicos disponíveis. Mesmo assim, o
país apresenta 360 MW de capacidade geotérmica instalada, que é utilizada
predominantemente no setor terciário, visando ao conforto térmico e aqueci-
mento em termas e piscinas. Desta capacidade, 4 MW é usado em processos
de secagem agrícola.
Ao final deste capítulo, podemos concluir que o Brasil é um dos paí-
ses que mais faz uso de energia renovável no mundo; da sua capacidade
total instalada, equivalente a quase 116,8 GW (dados de 2012), 70,4% são
relativos às hidrelétricas. Outros 28,3% equivalem à energia produzida em
termelétricas e 1,3 % são provenientes de usinas eólicas. Outras fontes de
geração elétrica, como as energias nuclear, solar e geotérmica, apresentam
ainda pouca representatividade.
Entretanto, mesmo fazendo grande uso de um recurso renovável, o país
já vivenciouperíodos de escassez de energia e racionamento, como aquele
observado no ano de 2001. Neste período, devido a poucas chuvas, além da
falta de planejamento e investimentos no setor energético, o fornecimento e a
distribuição de energia elétrica foram afetados em todo o Brasil. Como apren-
dizado deste período, o país procurou diminuir sua dependência das hidre-
létricas, construindo novas termelétricas a gás natural. O episódio também
serviu de motivação para a busca de fontes alternativas de energia, capazes de
atender à demanda energética de forma mais sustentável.

– 115 –
8
Energia e o
desenvolvimento
econômico

Neste momento, uma vez que já conhecemos as diferentes


formas de geração de energia, suas aplicações e impactos no meio,
devemos analisar o mercado internacional energético, abordando
as perspectivas, atuais e futuras, de investimento no setor elé-
trico, principalmente. Desta forma, abordaremos, neste capítulo,
o crescimento econômico mundial vinculado à geração energé-
tica, além das políticas de desenvolvimento econômico associa-
das à distribuição de energia elétrica, especialmente nos países de
economias emergentes.
Energias e Meio Ambiente

8.1 Energia e o desenvolvimento econômico


A energia é a matéria-prima necessária para alavancar o desenvolvi-
mento econômico de qualquer país. Economias avançadas apresentam o
potencial de investir em novas fontes de geração energética ou ainda garantir
a importação de energia estrangeira, de forma a assegurar o atendimento
desta demanda em seus territórios. Muitos países pobres, entretanto, não
apresentam esta capacidade e o seu desenvolvimento, econômico e social, é
diretamente impactado pela escassez energética.
Estima-se que pelo menos um terço da população mundial não possua
acesso a serviços energéticos modernos, tais como: iluminação residencial
adequada à leitura; sistemas de refrigeração para armazenamento de medi-
camentos e alimentos; transporte adequado para disposição de produtos
alimentícios no mercado; sistemas de telecomunicações e tecnologia da
informação. Estes itens são pré-requisitos para o crescimento econômico e
para a minimização da pobreza; sua ausência se reflete nos baixos índices de
desenvolvimento de muitos países.
A Figura 8.1 mostra uma comparação entre a quantidade de energia
consumida por um habitante de um país africano, como Etiópia, Tanzâ-
nia ou Libéria, e a quantidade de energia consumida por um refrigerador
comum, destacando como é alarmante a realidade existente entre países com
diferentes graus de desenvolvimento econômico e social no mundo.
Infelizmente, este quadro tende a piorar, devido à explosão demográ-
fica esperada para os próximos anos nos países em desenvolvimento. De
fato, estudos levados a efeito por Wirth e colaboradores (2003) indicam
que a população dos 50 países mais pobres do mundo tende a triplicar nas
próximas décadas. Como agravante, estes países não estão preparados para
se adaptar aos elevados preços e às constantes flutuações globais do mercado
energético mundial.
O alto custo da energia, portanto, é limitante ao desenvolvimento des-
tas economias, que, muitas vezes, encontram-se dependentes da importa-
ção de matrizes energéticas, como o petróleo. É importante salientar que a
compra de petróleo estrangeiro, em geral, deve ser paga em dólar, que é uma
moeda escassa em países pobres.

– 118 –
Energia e o desenvolvimento econômico

Fig 8.1 Comparativo entre a quantidade de energia (kWh/ ano) consumida, em média,
por um habitante de um país africano e a quantidade de energia consumida por um
refrigerador convencional.

Fonte: U.S.EIA (2010).


Apesar de alguns críticos afirmarem que a situação é difícil de ser
revertida, tendo em vista que estes países dificilmente terão capacidade de
arcar com os custos da energia comercializada no mundo, dados do Banco
Mundial afirmam o contrário. De acordo com os especialistas, das quase
1,5 bilhão de pessoas sem acesso aos serviços energéticos modernos, metade
teria condições, hoje, de arcar com os custos comerciais do uso da energia,
enquanto o restante poderia contribuir com taxas reduzidas, sendo a dife-
rença subsidiada pelos governos dos seus países.
Vê-se, então, que a questão torna-se mais política do que econômica,
com o aumento do acesso à energia e, por conseguinte, a melhoria na vida da
população, diretamente relacionados à escolha das medidas políticas e sociais
mais adequadas por uma nação. Estima-se que um consumidor regular gaste
cerca de um décimo de sua renda com custos de energia. Para alguém que
viva na chamada pobreza absoluta, este valor encontra-se, aproximadamente,
entre U$3,00 e U$ 6,00; um custo não impossível de ser pago, com os devi-
dos apoios governamentais e de investimentos estrangeiros. Estima-se que
famílias de baixa renda gastem mais com fontes energéticas pouco eficientes,
como velas, querosene e baterias, do que famílias atendidas por uma rede de
distribuição de eletricidade subsidiada.

– 119 –
Energias e Meio Ambiente

Dessa forma, a situação energética nos países pobres não é impossível de ser
solucionada, no entanto, apresenta algumas dificuldades que devem ser sanadas,
principalmente relacionadas a questões políticas, econômicas e geográficas. Assim,
ao mesmo tempo em que políticas sociais de interesse da população devam ser
tomadas, a economia deverá ser fortalecida, melhorando o poder de compra e
acesso à tecnologia em um país. Também, questões como a distância e a dificul-
dade de acesso a regiões sem distribuição de eletricidade precisam ser conside-
radas. Governos devem reduzir esta disparidade, adotando políticas públicas
eficientes, como tem sido levado a efeito no Brasil, em programas que têm
como objetivo levar energia elétrica para zonas rurais e áreas remotas do país.
Como apresentado anteriormente, o aumento populacional é a prin-
cipal força motriz da procura por energia. Entretanto, apesar da população
mundial ter aumentado em mais de 1,5 bilhão nas últimas duas décadas, a
taxa global de crescimento da população vem diminuindo. Com efeito, estima-
tivas mais recentes do Banco Mundial afirmam que o número de pessoas sem
acesso à energia comercial diminuiu nestes últimos anos, resultando em 1,2
bilhão de pessoas, aproximadamente.
O fornecimento e uso da energia apresentam fortes impactos econô-
micos, sociais e ambientais, mas, nem toda energia é fornecida comercial-
mente. Combustíveis derivados da biomassa, por exemplo, são amplamente
utilizados, muitas vezes sem terem sido comercializados. Realmente, em países
em desenvolvimento, a queima da madeira tem sido fundamental para o aque-
cimento e preparo de alimentos, principalmente em regiões sem acesso à eletri-
cidade. Contudo, o acesso universal à energia comercial permanece como uma
meta a ser alcançada em um futuro próximo.
Em diversos países, principalmente naqueles localizados na Ásia e na
África, o ritmo da eletrificação está muito abaixo da demanda, que encontra-
se, por sua vez, cada vez mais crescente. Com isso, torna-se imperativo que este
desafio seja enfrentado o quanto antes, haja vista o grande impacto que a eletrici-
dade tem no bem-estar da população, além do crescimento econômico e desen-
volvimento social, principalmente na prestação de serviços básicos, como aqueles
destinados à saúde e à educação.
O desenvolvimento de infraestruturas energéticas nos países menos desen-
volvidos exige um esforço contínuo da comunidade energética global. Requer,
também, uma estrutura institucional, política e legal bem estabelecida, o que,

– 120 –
Energia e o desenvolvimento econômico

infelizmente, ainda não existe. O aumento da demanda energética, o declínio


do investimento público no setor, além do desinteresse por parte de investi-
dores estrangeiros são pontos que necessitam de resolução pelos governos, de
forma a criar um ambiente atrativo aos investidores nacionais e internacionais.

8.2 Panorama do mercado energético mundial


Por ser o principal combustível do desenvolvimento humano, a ener-
gia e suas fontes geradoras devem ser constantemente monitoradas, forne-
cendo dados para a definição de estratégias adequadas à manutenção e à dis-
seminação deste recurso primordial. Assim, é importante que conheçamos
o panorama das matrizes energéticas de maior importância econômica no
mundo, atualmente.

8.2.1 Carvão
Apesar de apresentar elevado impacto ambiental, o carvão continua
como um colaborador importante na geração de energia de muitos países. De
fato, o carvão é, a fonte de combustível fóssil mais disseminada no mundo,
com 75 países possuindo depósitos desta matéria-prima. Também é a matriz
responsável pela maior porcentagem de geração de energia elétrica no mundo:
40%. Como fonte energética primária, isto é, com a sua energia da combus-
tão aproveitada diretamente, é a segunda maior fonte mundial, perdendo
apenas para o petróleo. Porém, espera-se que isso seja revertido nos próximos
anos, principalmente dada sua presença acessível e abundante em diversos
países ao redor do globo.
Estima-se que, hoje, existam cerca de 869 bilhões de toneladas de car-
vão em reservas. Esta quantidade, de acordo com estimativas futuras de
consumo, deverá ser suficiente para abastecimento energético por, apro-
ximadamente, 115 anos, tempo consideravelmente maior do que aquele
estimado para reservas de petróleo e gás natural. Além disto, estas reser-
vas encontram-se, em sua maioria, nos continentes africano e asiático que,
conforme já discutimos na seção anterior, vêm enfrentando desafios para
conseguirem suprir a demanda energética de suas populações. Dentre os
países, aquele que apresenta as maiores reservas mundiais são os Estados
Unidos, com quase 240 mil bilhões de toneladas de carvão, o equivalente
a um quarto das reservas mundiais. A Figura 8.2 ilustra a maior mina de

– 121 –
Energias e Meio Ambiente

carvão em reserva do mundo, a mina North Antelope Rochele, localizada no


estado de Wyoming, EUA.
Fig 8.2 Mina North Antelope Rochele (Wyoming, EUA), a maior mina de carvão em
reservas provadas do mundo.

Fonte: Peabody Energy (2015).


O carvão apresenta um papel fundamental na distribuição energética.
Isto porque trata-se de uma matéria-prima bastante disponível, segura e, relati-
vamente, de baixo custo. Como ja mencionado, mais de um bilhão de pessoas
vivem sem acesso aos serviços energéticos modernos, pré-requisito fundamental
para a vida moderna, além da erradicação da extrema pobreza no mundo.
Como as reservas de carvão existem em todo o planeta, diversos países,
principalmente aqueles que enfrentam dificuldades em relação ao atendi-
mento à demanda energética de sua população, podem ter acesso a essa fonte,
gerando a eletricidade necessária para suprir esta demanda. Mesmo assim,
deve-se tomar cuidado com a propagação irrestrita deste tipo de energia, haja
vista que ela apresenta severos impactos ambientais, com elevadas emissões de
CO2, materiais particulados e outros contaminantes na atmosfera, conforme
já discutido no Capítulo 5.

8.2.2 Petróleo
Assim como o carvão, o petróleo também é responsável por uma boa
parte da energia produzida globalmente, representando 32% do consumo
energético mundial (dados de 2010). Esta proporção não tem mudado muito
nos últimos 20 anos, apesar da demanda mundial de energia ter aumentado
cerca de 50% no mesmo período.

– 122 –
Energia e o desenvolvimento econômico

A crise do petróleo, abordada no Capítulo 2, trouxe consequências seve-


ras à economia mundial, com a preocupação crescente de que as reservas desta
matéria-prima poderiam se esgotar rapidamente, deixando a população mundial,
na época altamente dependente deste combustível, em uma situação bastante
preocupante. Hoje, quase quarenta anos após a crise, este quadro já não é tão
alarmante, apesar de que não se pode descartar a possibilidade de esgotamento
de suas reservas, tendo em vista que se trata de um recurso finito. Mesmo assim,
as reservas globais de petróleo são 60% maiores do que há vinte anos, o que tem
garantido um estoque mundial elevado desta fonte energética nos últimos anos.
Entretanto, o desenvolvimento econômico mundial associado ao petró-
leo tem sido baixo, justamente devido ao aumento dos estoques, bastante
acima da demanda mundial. De acordo com a Agência Norte-Americana de
Administração e Informação Energética (U.S. EIA), as reservas mundiais de
petróleo, considerando-se outros países além do Irã, cresceram em torno de
2,5 bilhão de barris por dia (b/d), em junho e julho deste ano (2015), supe-
rando a marca de 0,4 bilhão de b/d, observada no mesmo período, durante
o ano de 2014. O consumo global, em contrapartida, também cresceu no
último ano; o volume, porém, mostra-se ainda bastante abaixo da produ-
ção, com uma média de 1,1 milhão de b/d. Isto resulta em grandes esto-
ques acumulados desta matéria-prima. De fato, o inventário dos estoques
realizados pela O
­ rganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econô-
mico (OECD, do seu acrônimo em inglês para Organization for Economic
Co-operation and Development) indica que as reservas ficaram, em média, 260
milhões de b/d maiores do que os três anos anteriores.
Dentro do contexto do desenvolvimento econômico associado à gera-
ção de energia, a OECD é uma entidade fortemente atuante, pois permite o
monitoramento continuado dos eventos econômicos em países, membros ou
não membros. Com efeito, dados econômicos recentes da China e de outros
países não membros da OECD, obtidos pela entidade, aumentam as preocu-
pações de que a desaceleração do crescimento econômico destes países pode
impactar negativamente na demanda por produtos derivados de petróleo, o
que influenciaria no aumento do estoque destes produtos.
De qualquer forma, o petróleo continua sendo a maior fonte primária
de energia, com um enorme potencial de aplicações. Seu maior uso, entre-
tanto, continua sendo no setor de transportes e na indústria petroquímica.

– 123 –
Energias e Meio Ambiente

Sua hegemonia, porém, terá de resistir ao avanço de outras fontes energé-


ticas, como o gás natural, principalmente no uso como combustível. Em
relação às reservas petrolíferas, seus volumes estimados foram aumentados
nos últimos anos, principalmente devido às revisões realizadas pelos países
da OPEC (acrônimo de Organization of the Petroleum Exporting Countries,
ou Organização dos Países Exportadores de Petróleo), particularmente o Irã,
a Venezuela e o Qatar.Também, a reclassificação das areias betuminosas no
Canadá, para reservas petrolíferas, foram responsáveis por este aumento, que
correspondeu a um total de 37% nas reservas e 1% na produção. As reservas
offshore do Brasil, na camada do pré-sal no litoral do país, também devem ser
consideradas em uma avaliação posterior, aumentando ainda mais a quanti-
dade de reservas mundiais desta matéria-prima.
Algumas preocupações em relação à dependência desta fonte energé-
tica incluem a elevada volatilidade de preços; as tensões geopolíticas das
áreas que apresentam grandes reservas deste recurso; e a dominação do mer-
cado global por países líderes na produção de petróleo, como os membros
da OPEC.

8.2.3 Gás Natural


Da mesma forma que o carvão e o petróleo, o gás natural (GN) é uma
fonte energética fóssil que deverá seguir contribuindo com o mercado ener-
gético mundial por um bom tempo. Dentre todas as fontes fósseis, o GN
se destaca por ser, comparativamente, uma fonte mais limpa, abundante
e versátil. É utilizado em processos energéticos de alta eficiência, como as
Turbinas a Gás de Ciclo Combinado (CCGT, acrônimo para seu termo em
inglês Combined Cycle Gas Turbine). Nestes sistemas, uma turbina a gás é
combinada a uma turbina a vapor. Após a geração de eletricidade pela tur-
bina a gás, o calor excedente é usado para gerar vapor para rotacionar uma
segunda turbina, aumentando a eficiência de geração energética do sistema
em até 60%.
Nas últimas duas décadas, houve um crescimento mundial de 36% em
relação às reservas convencionais de gás natural e 61% na produção (World
Energy Council, dados de 2013). Dentre os países com as maiores reservas
provadas, encontram-se a Rússia, em primeiro lugar, seguida do Irã, Qatar e

– 124 –
Energia e o desenvolvimento econômico

Estados Unidos. Uma importante representante da América do Sul, a Vene-


zuela, ocupa a 8ª posição. A Figura 8.3 apresenta a divisão das reservas mun-
diais, em trilhões de pés cúbicos (1 pé cúbicoequivale a 28,3 litros).
Fig 8.3 Reservas provadas de gás natural (em trilhões de ft3), no ano de 2014.
2,000

1,500

1,000

500

0
tes
an
Irã

a
ria
a

ria
r

es

ue
la
ia

tan
si
ata
ssi

Ira
in
e
ab
at

ist

ne
ira

q
ge
ige
zu
Ru

Ch
St

bi
Q

hs
Ar

en

Al

do
Em

ne

am

k
ted

za
In
di

Ve

oz
rk

ab

Ka
u
i
Un

Sa

Tu

M
Ar
ted
i
Un

Fonte: U. S. EIA (2015).


As principais vantagens do uso do gás natural incluem: sua característica
menos poluente do que as demais fontes fósseis; o aumento nas reservas pro-
vadas deste combustível ao longo dos anos, devido a reavaliações e às reservas
de gás de xisto (GN não convencional); e o fato de se tratar de uma fonte
bastante versátil e eficiente para geração energética. Todavia, alguns pontos
negativos podem restringir seu uso, como a localização das reservas, (muitas
vezes em offshore ou áreas remotas); o alto custo de infraestrutura associada a
longas rotas de abastecimento; e o investimento inicial elevado, necessário à
distribuição e ao transporte do combustível.

8.2.4 Energia nuclear


Apesar de ser uma fonte potente de energia, com 438 reatores operacio-
nais e 70 em construção, espalhados pelo mundo (dados de 2014), a tecnologia
de geração energética por fonte nuclear é bastante recente e o primeiro reator
nuclear foi comissionado apenas no ano de 1954. Conforme estudamos no
Capítulo 5, o urânio é o principal combustível utilizado em reatores nucleares
e o potencial de suas reservas vai direcionar a utilização deste recurso, em maior
ou menor grau, para a geração de eletricidade.

– 125 –
Energias e Meio Ambiente

Após a Guerra Fria, a oferta excessiva de urânio, devido ao desarmamento


nuclear acordado por diversas potências no mundo, reduziu consideravelmente a
produção deste combustível. Atualmente, esta produção foi retomada, com estu-
dos identificando um crescimento igual a 12,5% nas reservas desta matéria-prima
(World Energy Council, dados de 2013). Estimativas indicam que as reservas atu-
ais são suficientes para mais de 100 anos de suprimento energético, baseadas na
demanda deste tipo de energia.
A produção energética nuclear, nas últimas décadas, tem sido bastante rele-
vante, com uma geração de mais de 2.500TWh, na década de 2000. Entretanto,
os acidentes nucleares ocorridos desde a implantação das usinas nucleares. Porém
responsáveis por desacelerar, notadamente, o crescimento e o desenvolvimento
deste tipo de tecnologia, em muitos países. A porcentagem global de colabo-
ração desta fonte energética apresentou um pico de 17% no final da década de
1980, mas foi reduzida nos últimos anos, resultando em atuais 13,5% (dados
de 2012). Em números absolutos, este valor tem se mantido constante. Mas,
dado o aumento da demanda mundial de energia, a porcentagem desta fonte na
matriz energética global vem diminuindo gradativamente. Esta redução se tornou
ainda mais evidente após o acidente da Usina Nuclear de Fukushima, no Japão,
ocorrido após um terremoto de magnitude 9,0, em março de 2011. O terremoto
causou um tsunami que atingiu a usina, despreparada para lidar com este tipo
de evento. Como resultado, três dos seis reatores foram danificados (Figura 8.4),
liberando quantidades significativas de material radioativo no meio ambiente.
Fukushima foi o segundo pior acidente nuclear da história, ficando atrás apenas
daquele ocorrido em Chernobyl, Ucrânia, em 1986.
Fig 8.4 Reatores danificados na usina de Fukushima I, Japão, após terem sido atingidos
por um terremoto e tsunami.

Fonte: Digital Globe (licensiado sob CC BY-SA, Wikimedia Commons, 2011).

– 126 –
Energia e o desenvolvimento econômico

Antes do acidente de Fukushima, o Japão costumava ser o país com maior


utilização da energia nuclear, o que representava 30% de suas fontes de geração
elétrica. Hoje, entretanto, o país desativou 52 dos seus reatores, mantendo ape-
nas 2 operacionais, dadas as dimensões do acidente ocorrido. Para alguns países
pertencentes à Ásia e ao Oriente Médio, a desaceleração na geração nuclear foi
menos sentida, com a continuidade de instalação de reatores e do desenvol-
vimento de plantas nucleares ­industriais. Atualmente, o Estados Unidos é o
país com maior quantidade de usinas nucleares em operação, com 65 reatores,
seguido da França, com 58, e a China, com 20. Dados da Agência Internacio-
nal de Energia Atômica (IAEA, 2015) indicam a geração de 2410 TWh por
reatores nucleares no ano de 2014.

8.2.5 Hidrelétricas
Importante fonte renovável de energia, as hidrelétricas podem ser encontra-
das em mais de 100 países e são responsáveis por 15% do total da matriz energé-
tica no mundo. Conforme vimos no Capítulo 7, o Brasil apresenta sua geração
energética, na maior parte, associada ao funcionamento de usinas hidrelétricas em
seu território. Os cinco maiores mercados mundiais da energia hidrelétrica, em
termos de capacidade instalada, são a China, em primeiro lugar, seguida do Brasil,
EUA, Canadá e Rússia. A Tabela 8.1 apresenta a capacidade instalada e a geração
energética para os cinco países, comparando os valores entre 1993 e 2011.
Tabela 8.1 Capacidade instalada (MW) e geração efetiva (GWh) dos cinco
maiores mercados mundiais de energia hidrelétrica
Hidrelétrica Capacidade Instalada (MW) Geração Efetiva (GWh)
País 2011 1993 2011 1993
China 231 000 44 600 714 000 138 700
Brasil 82 458 47 265 428 571 252 804
EUA 77 500 74 418 268 000 267 326
Canadá 75 104 61 959 348 110 315 750
Rússia 49 700 42 818 180 000 160 630
Resto do mundo 430 420 338 204 828 437 1 150 750
Total 946 182 609 264 2 767 118 2 285 960
Fonte: Adaptado de World Energy Council (2013).

– 127 –
Energias e Meio Ambiente

O desenvolvimento de hidrelétricas é, muitas vezes, apoiado por polí-


ticas de suporte às energias renováveis, principalmente visando à redução de
CO2. De fato, um dos maiores benefícios da utilização deste tipo de tecno-
logia está relacionado aos baixos lançamentos de resíduos epoluentes atmos-
féricos, restritos às emissões de CH4 e CO2 em reservatórios, especialmente
naqueles formados sem a remoção prévia da biomassa vegetal.
Nas últimas duas décadas, a capacidade instalada das usinas aumentou
55%, enquanto a geração efetiva teve um aumento de 21%. Desde 2011,
mesmo com o aumento de 8% na capacidade das usinas hidrelétricas, a gera-
ção efetiva sofreu uma queda de 14%, principalmente devido à escassez de
recursos hídricos em muitos países que fazem uso desta tecnologia. Conforme
visto no Capítulo 3, as hidrelétricas apresentam alguns impactos ambientais,
justamente relacionados às alterações nos regimes hídricos de rios e à altera-
ção de microclimas nas regiões de implantação, além da exigência de áreas
bastante grandes para suas instalações.

8.2.6 Energia Eólica


A energia proveniente dos ventos é uma das mais limpas e de menor
impacto ambiental existentes. Apresenta a grande vantagem de ser um
recurso disponível, em maior ou menor quantidade, em todos os países.
Seu potencial é tão elevado que, caso 1% do total de áreas disponíveis para
geração eólica fosse aproveitado, a geração de energia corresponderia ao total
de energia elétrica produzida em todas as plantas em operação no mun-
do, atualmente.
Estimativas do Energy World Council indicam que a capacidade de
geração eólica mundial vem dobrando a cada três anos e meio, aproxima-
damente, desde a década de 1990. No ano de 2011, a capacidade total era
equivalente a 238 GW, com uma geração elétrica aproximada de 377 TWh,
energia correspondente ao total anual de eletricidade demandada na Aus-
trália. A China apresenta a maior capacidade instalada, com 62,3 GW, um
salto impressionante dos 15 MW que o país apresentava no ano de 1993.
Em seguida, temos os EUA, a Alemanha, a Espanha e a Índia. Em relação
à maior porcentagem de energia elétrica gerada em um país por esta fonte,
a Dinamarca se destaca, com as usinas eólicas sendo responsáveis por 20%
do total de eletricidade gerado no país. A Figura 8.5 ilustra o maior parque

– 128 –
Energia e o desenvolvimento econômico

eólico instalado na Dinamarca (parque offshore de Anholt), composto por


111 turbinas, com capacidade total instalada de 400 MW.
Fig 8.5 Parque eólico Anholt, na Dinamarca (400 MW de capacidade instalada).

Fonte: Siemens (2015).


Um dos principais desafios que a propagação deste tipo de tecnolo-
gia enfrenta é a necessidade de subsídios governamentais. Na ausência destes
benefícios, o investimento para os grupos internacionais não é tão atrativo, o
que resulta na redução da implementação deste tipo de tecnologia nos países.
Outros obstáculos a serem contornados para a utilização desta fonte energética
incluem a intermitência da geração, que é dependente do regime de ventos em
cada localidade, e a integração destes sistemas à rede de distribuição elétrica.

8.2.7 Energia Solar


A energia solar é uma das fontes energéticas mais abundantes, e encon-
tra-se disponível para uso direto, na forma da radiação solar, ou indireto, na
geração de ventos e produção de biomassa, por exemplo.Assim como o vento,
o sol é um potente agente gerador de energia. Caso 0,1% da radiação solar
que atinge a Terra fosse aproveitada para geração energética, seriam produzidas
quatro vezes mais energia do que a capacidade instalada de geração atual do
planeta, que é de 5.000 GW.

– 129 –
Energias e Meio Ambiente

O uso da energia solar está crescendo rapidamente no mundo, principal-


mente devido às reduções nos custos dos painéis solares fotovoltaicos nos últimos
anos. Justamente, o elevado custo dos equipamentos associados à conversão da
energia solar em eletricidade sempre foi o principal impedimento da maior disse-
minação deste tipo de tecnologia. Tornando estes sistemas mais acessíveis, a pro-
babilidade de adotar esta fonte na matriz energética dos países só tende a crescer.
Como exemplo, entre os anos de 2008 e 2011, a capacidade total instalada de
sistemas solares nos EUA aumentou de 1.168 MW para 5.171 MW, enquanto
que na Alemanha, país líder no uso deste tipo de tecnologia, o aumento foi de
5.877 MW, para impressionantes 25.039 MW (World Energy Council, 2013).
Além da Alemanha, outros países com notável participação na geração
energética via fonte solar são a Itália, com capacidade instalada de 12,7 GW;
os EUA, com 5,1 GW; o Japão, com 4,9 GW; e a Espanha, com 4,3 GW.
Entre as vantagens do uso deste tipo de tecnologia estão a alta confiabilidade
dos sistemas, que não apresentam partes móveis; a rápida instalação e des-
montagem, quando necessária; elevada disponibilidade desta fonte, podendo
ser uma solução interessante para geração de energia em áreas remotas. Porém,
assim como a energia eólica, a geração de eletricidade pela energia solar é
intermitente e também apresenta desafios relacionados à ligação nas redes
de transmissão e distribuição.Além disso, alguns materiais utilizados nestes
sistemas são tóxicos e seu descarte deve ser realizado com cautela.

8.3 Investimentos no setor energético


Entre os anos de 2011 e 2013, os investimentos no setor energético ultrapas-
saram os U$ 1.600 bilhão anuais (International Energy Agency - IEA, 2014). Entre
os projetos atendidos, podemos citar as tecnologias para extração de combustíveis
fósseis, construção de usinas de geração, parques eólicos, instalações fotovoltai-
cas, refinarias de petróleo, tanques de armazenamento e tubulações. Seguindo o
aumento expressivo da demanda energética mundial, os investimentos vêm cres-
cendo em um ritmo acelerado e visam reduzir o preço da energia em países em
desenvolvimento, além de minimizar os custos com as atividades necessárias à
produção de energia, como as novas tecnologias renováveis de geração.
À medida que novos equipamentos com menor gasto energético vão subs-
tituindo tecnologias antigas, em indústrias, hospitais, comércios e residências, há
um aumento na eficiência energética mundial. Este aumento na eficiência pode

– 130 –
Energia e o desenvolvimento econômico

ser considerado como uma forma de investimento no setor, tendo em vista que
permite a redução de gastos associados à produção de energia. Logicamente, estes
investimentos são difíceis de serem mensurados; porém, a entrada de equipamen-
tos mais eficientes no mercado influenciam diretamente a demanda energética
que, por sua vez, traz consigo a exigência de novos investimentos.
Aproximadamente, 70% dos investimentos atuais no setor energético
são relativos às fontes fósseis, a saber: nas atividades de extração de petróleo,
gás natural e carvão; no transporte dos combustíveis para os consumidores;
na transformação em novos produtos (em refinarias, por exemplo); na cons-
trução de termelétricas que fazem uso da queima destes combustíveis. Apesar
dos investimentos nestas fontes não terem reduzido desde o ano de 2000
(IEA, dados de 2014), os investimentos em fontes renováveis quadriplicaram
no mesmo período, evidenciando o crescente aumento da demanda energé-
tica mundial, que exige melhorias contínuas no setor.
Investimentos em combustíveis não fósseis passaram de 65 bilhões, no ano
de 2000, para 310 bilhões, em 2011. Em 2013, este valor foi reduzido para 260
bilhões, o equivalente a 16% do total de investimentos no setor energético no
ano. O restante, descontando as parcelas referentes à geração de energia por fon-
tes fósseis e não fósseis, o que equivale a 250 bilhões (ano de 2013), foi inves-
tido na melhoria e construção de novas redes de transmissão e distribuição de
eletricidade. A Figura 8.6 mostra os investimentos globais no setor energético
(em bilhões de dólares), no período compreendido entre os anos de 2000 e 2013.
Fig 8.6 Investimentos globais (em bilhões de dólares), em energia a partir da combustíveis
fósseis, não fósseis e em redes de transmissão e distribuição da eletricidade, de 2000 a 2013.
800

500 Combustíveis não-fósseis

200 Transmissão e distribuição


900 Combustíveis fósseis
600

300

2000 2003 2006 2009 2013

Fonte: IEA (2014).

– 131 –
Energias e Meio Ambiente

Os investimentos no setor energético são muito importantes para asse-


gurar a criação de um sistema mundial de geração de energia confiável e
seguro. E para que isso aconteça, é essencial que os governos se comprome-
tam, motivando as decisões dos interessados, ao formar um mercado energé-
tico atrativo ao capital estrangeiro. Suas intervenções, devem ser realizadas
com cautela, evitando-se, assim, que restrições demasiadas gerem desinteresse
por parte dos investidores em potencial.

– 132 –
9

Células a combustível

Conforme estudado no Capítulo 8, os investimentos no


setor energético são dependentes do desenvolvimento tecnológico
dos sistemas de geração. Ou seja, quanto melhor a tecnologia asso-
ciada a uma forma de geração de energia, maior será a eficiência
no aproveitamento desta fonte e, por conseguinte, o retorno do
investimento, seja pela melhoria do processo ou pela redução dos
custos associados.
Desta forma, o presente capítulo vai abordar duas impor-
tantes tecnologias renováveis que têm se destacado na melhoria dos
processos de geração de energia, a saber: células a combustível e
células fotovoltaicas.
Energias e Meio Ambiente

9.1 Células a combustível


O conceito de célula a combustível é simples. Trata-se de um dispositivo
capaz de converter energia química diretamente em energia elétrica, com ele-
vada eficiência e baixa emissão de poluentes. Para que isto aconteça, o sistema
deve fazer uso de uma reação entre íons de um combustível, quase sempre
hidrogênio, com algum agente oxidante, em geral, oxigênio. Assim, podemos
afirmar que uma célula a combustível é um sistema eletroquímico capaz de
reagir hidrogênio com oxigênio, gerando água e eletricidade durante o processo.
É possível fazer uma analogia entre este sistema e as baterias convencio-
nais. Entretanto, no caso de uma bateria, a reação química progride enquanto
houverreagentes químicos em seu interior. Diferentemente, no caso de uma
célula a combustível, enquanto forem fornecidos os reagentes necessários, a
reação continua a ocorrer, em teoria, indefinidamente.
Células a combustível podem apresentar diferentes configurações; o fun-
cionamento, é similar para todas elas. De forma simplificada, estes sistemas
devem apresentar três componentes principais: um ânodo,um cátodo e um
eletrólito, conforme apresentado na Figura 9.1.
No ânodo, dito eletrodo positivo, o hidrogênio é oxidado pela ação de
um catalisador, produzindo um cátion do elemento, assim como elétrons
livres. Utiliza-se a platina como catalisador, elemento que apresenta uma ele-
vada eficiência neste processo de oxidação.
Fig 9.1 Configuração de uma célula a combustível, apresentando o ânodo, cátodo,
eletrólito, e a corrente elétrica gerada durante o funcionamento do sistema.

Fonte: Adaptado e utilizado sob GNU FreeDocumentationLicense (Wikimedia Commons, 2010).

– 134 –
Células a combustível

No sistema, o eletrólito tem como objetivo permitir o transportedo


cátion gerado, limitando a passagem dos elétrons; estas partículas deverão
migrar através de um fio metálico externo, gerando uma corrente elétrica.
Assim, os íons positivos serão conduzidos até o cátodo, onde irão se encontrar
novamente com os elétrons e reagir com um elemento oxidante. Em geral,
este elemento é o oxigênio e a água é formada ao final do processo.
Uma das principais vantagens do uso de células a combustível refere-se
ao baixo impacto ambiental associado a este tipo de tecnologia. Em funcio-
namento, este sistema não emite particulados ou gases ácidos, além de não
apresentar ruído ou vibração. Também não encontra-se limitado termodina-
micamente, de acordo com o Ciclo de Carnot. Lembre-se, do Capítulo 1, que
a 2ª Lei da Termodinâmica afirma que a eficiência da geração de energia em
uma máquina térmica é limitada. Mesmo atuando de forma similar a uma
máquina térmica, uma célula a combustível não apresenta esta limitação,
sendo mais eficiente no processo de conversão energética do que em sistemas
convencionais de combustão. Também, por não apresentar partes móveis,
não há redução da eficiência por perdas mecânicas.
Apesar de ser um sistema promissor, algumas desvantagens ainda são
impeditivas da maior aplicação deste tipo de tecnologia. Entre elas, desta-
cam-se o elevado custo dos componentes do sistema, como os eletrodos de
platina, além da dificuldade em se conseguir o combustível com segurança e
custo reduzido.
Para que a célula a combustível apresente elevada eficiência, é necessário
definir a sua configuração ideal, considerando alguns pontos importantes,
comoa escolha do combustível ideal (em geral, hidrogênio); a definição do
melhor catalisador para a oxidação do combustível; e a escolha do eletrólito,
que irá definir o tipo de célula a combustível com que se está trabalhando.
Entre estes diferentes tipos, podemos citar: (a) célula a combustível de polí-
mero condutor iônico (PEMFC, de seu acrônimo em inglês para Polymer
Exchange MembraneFuelCell); (b) alcalina (AFC, deAlkalineFuelCell); (c)
de óxido sólido (SOFC, de SolidOxidFuelCell); (d) de carbonato fundido
(MCFC, de Molten-CarbonateFuelCell); (e) de ácido fosfórico (PAFC, de
Phosphoric-AcidFuelCell); e (f ) de metanol direto (DMFC, de Direct-Metha-
nolFuelCell). Na sequência discutiremos, brevemente, algumas destas tecno-
logias de geração energética.

– 135 –
Energias e Meio Ambiente

9.1.1 Tecnologias de células a combustível


Uma célula a combustível do tipo PEMFC apresenta um eletrólito for-
mado por uma membrana poliméricatrocadora de cátions, sendo utilizado,
geralmente, o fluorpolimérico Nafion, um produto da empresa DuPont, em
sua constituição. Esta membrana permite a passagem de prótons H+, enquanto
limita o transporte de elétrons e dos gases H2 e O2, o que a torna adequada
para a constituição do eletrólito. Além disto, é capaz de resistir ao ambiente
fortemente redutor do cátodo, assim como ao meio oxidante encontrado no
lado do ânodo.
A membrana polimérica encontra-se imprensada entre os dois eletrodos,
em geral feitos de fibra de carbono, e apresenta o catalisador adsorvido em sua
superfície (Figura 9.2). Ao entrar na célula combustível pelo lado do ânodo, o gás
hidrogênio (H2) é forçado através do catalisador (platina), onde sofrerá a oxida-
ção, resultando em cátions H+ e elétrons livres. Conforme apresentado anterior-
mente, estes elétrons vão migrar via circuito externo, gerando energia elétrica.
Fig 9.2 Sistema de célula a combustível do tipo PEMFC, composto pela membrana
trocadora de prótons, revestida pelo catalisador e comprimida entre os dois eletrodos

Fonte: Adaptado de Howstuffworks (2015).


Ao mesmo tempo em que o hidrogênio está sendo oxidado no ânodo,
a entrada de O2 é forçada pelo lado do cátodo, onde formará dois átomos
separados de oxigênio. Cada um destes átomos apresenta uma forte carga

– 136 –
Células a combustível

negativa, que será a força motrizresponsável pela passagem dos prótons pela
membrana. Uma vez no cátodo, os cátions H+ vão reagir com um oxigênio e
dois dos elétrons provenientes do circuito externo, gerando água.
Uma célula a combustível do tipo PEMFC tem as características ideais
para ser utilizada como fonte de energia em sistemas de transporte e em disposi-
tivos móveis (portáteis). Isto porque apresenta temperaturas relativamente bai-
xas de operação (entre 60 ºC e 80 ºC), além de elevada densidade de potência.
Baixas temperaturas de operação indicam que não é necessário muito tempo até
que a célula comece a gerar eletricidade. Por sua vez, uma densidade de potên-
cia alta implica em uma grande quantidade de energia sendo gerada por metro
quadrado do sistema (W/ m2).
Outro tipo de célula combustível bastante utilizada é aquela que faz uso
da tecnologia de óxido sólido (SOFC). Neste caso, o eletrólito é constituído
por uma cerâmica formada por um óxido, normalmente dióxido de zircônio
estabilizado com ítrio (YSZ), que será responsável pela seletividade da passa-
gem entre ânodo e cátodo. Este tipo de célula opera sob elevadas temperatu-
ras, isto é, entre 500 ºC e 1000 ºC, o que pode comprometer os dispositivos
que constituem a célula, principalmente durante os ciclos repetidos de opera-
ção. Estas elevadas temperaturas podem se tornar vantajosas quando associa-
das a um outro processo de geração energética. O vapor produzido pela célula
de combustível poderá ser direcionado para a rotação de turbinas, visando ao
aumento da produção de eletricidade e, por conseguinte, a eficiência de um
sistema energético associado. Outra vantagem referente à célula SOFC é a sua
estabilidade quando submetida a ciclos contínuos de funcionamento.
Uma terceira configuração de células a combustível com aplicação comer-
cial envolve a utilização de carbono fundido como eletrólito (MCFC). Neste
caso, uma mistura contendo sal de carbonato, fundido e suspenso em uma
matriz de cerâmica porosa de alumina, é usada como condutora dos prótons
gerados no ânodo. Por ser um sistema que opera sob elevadas ­temperaturas,
em geral próximo dos 600 ºC, esta célula possibilita a utilização de metais não
preciosos como catalisadores, o que reduz notadamente o custo do processo.
Assim como as SOFC, as células a combustível do tipo MCFC podem ser
utilizadas no processo de cogeração energética, ao fornecer vapor para um
sistema de turbinas. Entretanto, diferentemente das SOFC, estas células dis-
pensam o uso de dispositivos especiais resistentes ao calor, já que sua operação

– 137 –
Energias e Meio Ambiente

irá ocorrer sob temperaturas menores do que aquelas associadas aos sistemas
de óxido sólido.
Outras tecnologias de geração energética por célula a combustível
apresentam potencial de aplicação; porém, seus elevados custos de operação
acabam por inviabilizar seu uso comercial. É o caso das células alcalinas
(AFC), uma das primeiras configurações desenvolvidas para este tipo de
sistema. Utilizada em programas espaciais desde a década de 1960, estas
células exigem gás hidrogênio e oxigênio de elevadas purezas, o que torna
esta tecnologia extremamente dispendiosa. Outros exemplos incluem as
células a combustível de ácido fosfórico (PAFC), com potencial para uso
em pequenas estações de geração energética, todavia, com elevado tempo
de aquecimento, o que limita sua utilização em automóveis e dispositivos
móveis; e as células a combustível de metanol direto (DMFC), similares às
células PEMFC em relação às baixas temperaturas de operação, no entanto,
menos eficientes e mais caras, pois demandam uma quantidade maior de
platina como catalisador.

9.1.2 Histórico e aplicações


Apesar de se tratar de uma tecnologia que ganhou destaque na última
década,as primeiras células de combustível surgiram em 1842, desenvolvidas
pelo físico e advogado galês Willian Grove. O cientista observou que, após
desligar a corrente que ele havia utilizado para eletrolisar a água, surgia uma
corrente fluindo em direção contrária. Esta corrente era produzida pela ação
dos produtos eletrolisados, isto é, o hidrogênio e o oxigênio. Assim, baseado
em suas observações, Grove desenvolveu um sistema, constituído por dois
eletrodos de platina, ambos imersos pela metade em uma solução de ácido
sulfúrico (H2SO4) diluído. A solução ácida, serviria como eletrólito, trans-
portando os íons.
Neste sistema, um eletrodo era adsorvido com oxigênio (cátodo),
enquanto o outro recebia hidrogênio (ânodo), induzindo a geração de uma
corrente elétrica. Um voltâmetro – um equipamento que permite a hidrólise
da água pela passagem de corrente elétrica – era acoplado à célula geradora,
para regenerar os reagentes a partir dos produtos. A Figura 9.3 apresenta este
primeiro sistema de célula combustível desenvolvido por Grove, o qual ele
denominou bateria voltaica a gás.

– 138 –
Células a combustível

Fig 9.3 Bateria voltaica a gás. À esquerda, observa-se cinco células geradoras, cada
uma contendo um cátodo (oxigênio) e um ânodo (hidrogênio); à direita, o voltâmetro
acoplado ao sistema.

Fonte: Grove, (1843).


Apesar de funcional, o sistema não era muito convenientee acabou não
sendo utilizado, na prática, para produção de trabalho a partir da energia
gerada. A praticidade desejada foi obtida mais de cem anos após sua criação,
na década de 1950, na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. A célula
desenvolvida nesta época utilizava eletrodos de níquel (com custo bastante
reduzido em comparação à platina) e um eletrólito alcalino, similar às células
AFC, descritas na seção anterior.
Entre 1955 e 1959, a General Eletric (GE), empresa norte americana de
serviços e tecnologia, desenvolveu outro sistema de célula a combustível, com
base em uma membrana trocadora de prótons (PEM, do seu termo em inglês
Proton Exchange Membrane), muito similar ao atual sistema PEMFC, descrito
anteriormente. Em 1960, esta tecnologia foi aperfeiçoada pela companhia
americanaPratt& Whitney, responsável pelo desenvolvimento e construção de
motores de aeronaves e unidades auxiliares de potência. A empresa se tornou
responsável por fornecer sistemas de células a combustíveis que pudessem ser
utilizados no programa espacial Apolo, da Agência de Administração Nacional
Aeronáutica e Espacial (NASA), dos EUA. As células foram modificadas para
fornecer energia elétrica e água para os astronautas em missões espaciais da
agência. Esta nova tecnologia fez sucesso, entretanto, seus custos ainda eram
demasiado elevados para que ela pudesse ser utilizada de forma corriqueira.

– 139 –
Energias e Meio Ambiente

Na década de 1970, frente à crise energética severa que o mundo estava


enfrentando (Capítulo 2), novas tecnologias passaram a ser vistas como a solu-
ção a esta dependência energética mundial em relação aos combustíveis fósseis.
A tecnologia de células a combustível não foi exceção e novos esforços foram
feitos para aperfeiçoar e reduzir os custos associados a estes sistemas. Assim,
durante a década de 1980, tiveram início os primeiros testes que fazem uso
destas células para geração de energia em automóveis e outros utilitários. Como
resultado destes esforços, o primeiro veículo movido por célula a combustível
(PEMFC) foi desenvolvido pela companhia canadense Ballard, em 1993.
Atualmente, dado o atual panorama mundial em que a disponibilidade
de energia é responsável direta pelo desenvolvimento econômico dos países e
pela qualidade de vida da população, e sabendo também que os impactos gera-
dos por fontes não renováveis de energia já encontram-se longe da capacidade
de tolerância do planeta, tecnologias como as células a combustível tornam-se
bastante atrativas. Considerando-se os desafios que enfrentamos no século XXI,
como as mudanças climáticas, a escassez energética e os impactos ambientais
associados, ainda há muito a ser aproveitado a partir desta fonte de energia
limpa e sustentável.

9.2 Células Fotovoltaicas


Uma célula fotovoltaica é um dispositivo capaz de converter energia solar
diretamente em eletricidade, lançando mão uso de materiais semicondutores,
responsáveis pelo chamado Efeito Fotovoltaico. Trata-se do surgimento de uma
tensão, ou diferença de potencial, em um material semicondutor, quando este
é exposto à luz visível. Este fenômeno foi descrito pela primeira vez pelo físico
francês Edmond Becquerel, em 1939. Na época, o cientista confundiu-o com
o efeito elétrico, que refere-se à emissão de elétrons a partir de um material
metálico, quando este é exposto à radiação eletromagnética. Apesar de estarem
relacionados, os efeitos fotovoltaico e elétrico são fenômenos distintos.
Para compreendermos como o efeito fotovoltaico pode ser utilizado na
geração de energia, temos que, antes, conhecer um pouco sobre as caracte-
rísticas e as propriedades dos materiais semicondutores. Esta classe de mate-
riais é conhecida, principalmente, por apresentar uma condutividade elétrica
variando entre aquela apresentada por bons condutores, como a prata e o cobre,
e a observada em materiais isolantes, como o vidro. Isto ocorre porque nos

– 140 –
Células a combustível

materiais semicondutores esta propriedade é função da temperatura. Assim,


conforme a temperatura se eleva, um semicondutor torna-se, gradativamente,
melhor condutor da corrente elétrica. Este comportamento é o inverso daquele
apresentado por metais, em que o aumento da temperatura reduz a capacidade
de conduzir eletricidade.
A aplicação de materiais semicondutores no desenvolvimento de novas
tecnologias baseia-se na sua propriedade de condução variável. Fazendo uso
destes elementos, é possível direcionar a passagem da corrente elétrica, devido à
resistência elétrica variável que pode ser obtida neste tipo de material.Sistemas
compostos por semicondutores também vão possuir elevada sensibilidade à luz
e ao calor. Este conjunto de características torna estes materiais bastante ade-
quados para o processo de conversão de energia solar em energia elétrica, como
veremos a seguir.
O modelo de bandas de energia em sólidos foi a forma encontrada para
justificar a capacidade que alguns elementos apresentam em conduzir elétrons,
enquanto outros permanecem como agentes isolantes ao fluxo eletrônico. Este
modelo considera que quando elementos químicos (constituindo um sólido) se
aproximam, os níveis eletrônicos dos átomos sofrem acoplamentos, resultando
em faixas conjuntasde energia. Estas faixas são resultado do desdobramento
dos níveis individuais de energia de cada átomo, devido à interação entre os
seus elétrons. A quantidade de faixas ou novas divisões nos níveis eletrônicosé
proporcional ao número de átomos no sistema. Quanto maior o número de
átomos interagindo, maior será a quantidade de novos subníveis energéticos
formados. Como um sólido apresenta um número elevado de átomos, isto é,
6,02 x 1023 átomos a cada mol (constante de Avogrado),a associação de todos
os novos níveis formados dá origem a bandas contínuas de energia, chamadas
bandas permitidas. Entre duas bandas de energia pode haver uma região em que
não há nenhum nível de energia eletrônico. A estas regiões dá-se o nome de
bandas proibidas ou lacunas.
Com base no modelo das bandas de energia, é possível compreendermos
como a condução elétrica vai variar de acordo com o tipo de material. De
forma geral, em um sólido, a última banda energética completamente ocupada
por elétrons é chamada banda de valência, enquanto que aquela ocupando um
nível imediatamente mais elevado é denominada banda de condução. Bandas
de valência são inertes e não conduzem bem o calor ou a eletricidade. Os elé-
trons da banda de valência são ditos semilivres pois, por estarem mais afasta-

– 141 –
Energias e Meio Ambiente

dos do núcleo, é exercida uma atração mais fraca sobre eles. Todavia, para que
possam se transformar efetivamente em elétrons livres, isto é, disponíveis para
a condução da corrente elétrica no material, é necessário que estes elétrons
sejam deslocados para a banda de condução.
Para materiais condutores, as bandas de valência e de condução encontram-
se praticamente superpostas e os elétrons presentes encontram-se disponíveis
(livres) para a condução da eletricidade (Figura 9.4). Por outro lado, nos mate-
riais semicondutores e isolantes há uma lacuna entre as bandas de valência e de
condução, que é impeditiva ao processo de condução elétrica. Esta lacuna, ou
banda proibida, para os semicondutores, é menor do que aquela encontrada
para materiais isolantes. Assim, à temperatura de zero Kelvin (zero absoluto),
os semicondutores, se comportam como isolantes; porém, com o aumento da
temperatura, e sob a ação de alguma fonte de energia como a radiação eletromag-
nética, os elétrons podem saltar da banda de valênciapara a banda de condução,
produzindo uma corrente elétrica no interior da rede cristalina do semicondutor.
Fig 9.4 Distância entre as bandas de valência e de condução para materiais condutores,
semicondutores e isolantes. O espaço entre as bandas é denominado lacuna ou banda proibida.

Fonte: Adaptado de BlueSol Educacional.


Um dos principais elementos utilizados na formação de semicondutores
é o silício que, apesar de ser um sólido covalente com estrutura cristalina simi-
lar a do diamante, apresenta uma lacuna ou banda proibida, de apenas 1eV
(unidade de energia equivalente a 1,6 x 10-19 J; refere-se à distância entre dois
níveis energéticos). Assim, é grande a probabilidade de que, ao receber ener-
gia, os elétrons presentes em sua banda de valência saltem sobre esta lacuna
até atingir uma banda permitida de maior energia.
Uma das principais tecnologias de fabricação de células fotovoltaicas faz
uso do silício cristalino e visa aproveitar esta corrente de elétrons gerada no inte-
rior do material. Entretanto, para que isto seja possível, é necessário interferir

– 142 –
Células a combustível

em sua estrutura cristalina, induzindo ao aumento da sua condutividade. Isto


porque, quando um elétron deixa a banda de valência em um semicondutor, o
vazio na sua posição de origem é rapidamente preenchido por um outro elétron,
mantendo a neutralidade do cristal em um processo denominado recombinação.
Uma forma de perturbar a formação cristalina do silício, tornando-o
melhor condutor elétrico, é através de um método conhecido como dopagem.
O processo da dopagem envolve a adição de elementos químicos, denomina-
dos impurezas, capazes de interferir nas ligações atômicas do sólido. São utili-
zados os átomos de fósforo e boro, responsáveis por conferir cargas negativas
e positivas, respectivamente, ao semicondutor.
Ao substituir-se um átomo de silício por um átomo de fósforo, é introdu-
zido um elétron livre no cristal do sólido. Isto porque o silício apresentaquatro
elétrons na camada de valência, responsáveis pelas ligações covalentes entre os
átomos deste elemento. Já, o fósforo apresenta cinco elétrons em sua última
camada; ao substituir um átomo de silício, apenas quatro destes elétrons serão
utilizados para realizar as ligações com osátomos vizinhos e o elétron livre vai
conferir carga negativa ao sólido. Este semicondutor é definido comoTipo N.
Por outro lado, quando um átomo de boro é utilizado como impureza, o
inverso deverá ocorrer. Por apresentar três elétrons na sua camada de valência,
sua inserção no cristal de silício vai carregar positivamente o material, criando
um buraco (hole) responsável por acomodar os elétrons vindos de outros átomos.
Este semicondutor é definido como Tipo P. É importante salientar que, para uma
dopagem eficiente de ambos os tipos de condutores, basta que um átomo de
impureza, a cada milhões de átomos de silício, seja adicionado ao cristal.
Uma célula fotovoltaica é originada a partir da união destes dois tipos
de semicondutores, pela formação de uma junçãoPN.Uma vez em contato,
os elétrons do semicondutor do Tipo N irão migrar em direção aos buracos
positivos existentes no semicondutor do Tipo P, deixando para trás cargas
estáticas positivas, devido à ionização dos seus átomos de origem. Da mesma
forma, os buracos irão migrar na direção dos elétrons livres, ligando-se a estes,
o que gera um excesso de cargas estáticas negativas no lado P, pela também
ionização dos átomos dos quais os buracos se originaram. A separação de
cargas estáticas positivas e negativas em lados opostos da célula gera uma
zona de depleção ao redor da junção PN, o que resulta emum campo elétrico
que impede a migração de mais elétrons e buracos entre os lados da célula. A

– 143 –
Energias e Meio Ambiente

Figura 9.5 apresenta uma célula fotovoltaica com a zona de depleção formada
ao redor da junção PN.
Fig 9.5 Célula fotovoltaica apresentando os semicondutores do tipo N e P,
unidos pela junção PN. Ao redor da junção, cargas estáticas positivas e negativas
induzem a geração de um campo elétrico

Fonte: Adaptado de The Solar Spark (2015).


Ao atingirem a célula fotovoltaica, parte dos fótons provenientes da
luz solar são absorvidos e esta energia é utilizada pra deslocar os elétrons da
camada de valência dos átomos do semicondutor, gerando elétrons e buracos
livres. Caso isto ocorra na região da célula onde o campo elétrico é diferente
de zero, é gerado um fluxo de cargas em ambas as direções, com os elétrons
sendo enviados para o lado N e os buracos para o lado P. Este fluxo origina
uma diferença de potencial entre os semicondutores, que é o Efeito Fotovol-
taico, discutido no início desta seção. A célula solar é conectada a um cir-
cuito externo, permitindo o fluxo de elétrons entre os dois semicondutores,
gerando uma corrente elétrica.
Podemos considerar a célula fotovoltaica como um bloco de constru-
ção do sistema de geração fotovoltaico. Estas células individuais variam,
em sua maior dimensão, entre 1 cm e 10 cm, com uma geração de energia
entre 1 e 2 W. Isolada, uma célula fotovoltaica não é capaz de fornecer
energia elétrica suficiente para uso, o que faz com que sejamacondicio-
nadas em grande número em módulos ou painéis solares, o que protege
estes dispositivos das intempéries e ação do tempo. Na Figura 9.6 são
apresentadas células fotovoltaicas dispostas na superfície de painéis sola-
resde geração.

– 144 –
Células a combustível

Fig 9.6 Células fotovoltaicas conectadas em módulos solares de geração.

Fonte: Usvat Corporation Energy Department (2015).


Um módulo solar apresenta, tipicamente, entre 40 e 60 células foto-
voltaicas, sendo mais comum o arranjo 6 x 10, com potência de saída
variando, em geral, entre 100 W e 330 W, dependendo do tipo de módulo.
Considerando-se aqueles com a mesma potência, a eficiência será inversa-
mente proporcional à área de absorção da luz solar. Por exemplo, dois siste-
mas que apresentem a mesma potência de saída de 140 W, mas eficiências
iguais a 5% e 10%, deverão ocupar áreas distintas, sendo que o módulo com
menor eficiência de conversão energética deverá abranger o dobro da área do
sistema mais eficiente, de forma a produzir a mesma quantidade de energia,
para o mesmo tempo de absorção.
Módulos fotovoltaicos apresentam eficiências variando entre 5% e
15%. Sua performance depende, em grande parte, da incidência e do espec-
tro da luzsolar absorvido pelas células fotovoltaicas. Isto porque, depen-
dendo da sua configuração, um sistema fotovoltaico somente será capaz
de converterem energia elétrica a luz solar absorvida dentro de uma faixa
restrita de frequências. Como exemplo, a luz absorvida dentro da faixa do
infravermelho não é capaz de fornecer energia para o deslocamento dos elé-
trons das bandas de valência, sendo convertida apenas em calor no sistema,
o quereduz a tensão produzida e, por conseguinte, a potência gerada. De
forma similar, a luz absorvida em frequências maiores, próximas à região
do ultravioleta,fornecem energia em excesso, que também será convertida
em calor. Esta limitação na conversão efetiva da luz absorvida em energia

– 145 –
Energias e Meio Ambiente

elétrica é um dos principais fatores responsáveis pela baixa eficiência obtida,


até então, para estes sistemas.
Atualmente, estão sendo desenvolvidas inovações tecnológicas para o
aumento da eficiência de conversão das células fotovoltaicas, visando alcan-
çar valores máximos entre 30% e 40%, em um futuro próximo. Algumas
destas inovações incluem ouso de mecanismos de separação da luz em seus
diferentes comprimentos de onda, direcionando para as células fotovoltaicas
somente aqueles mais adequados à conversão energética; e a utilização de sis-
temas concentradores de luz, com o objetivo de aumentar a absorção, muitas
vezes reduzida devido à reflexão e ao sombreamento, ocasionados pelos con-
dutores elétricos dispostos na superfície dos módulos.
Em relação à sua aplicação comercial, a energia fotovoltaica pode ser
encontrada em dispositivos simples, como calculadoras e relógios de pulso,
eem sistemas mais complexos, como as usinas solares, gerando eletricidade
para o abastecimento de residências e comércios. A geração de eletricidade
por células fotovoltaicas apresenta várias vantagens, como a conversão direta
da luz do sol em energia elétrica, dispensando equipamentos de grande porte,
como turbinas egeradores; a rápida montagem e desmontagem dos equipa-
mentos componentes do sistema; eo baixo impacto ambiental, tendo em vista
que esta forma de geração energética não requer água para o resfriamento de
dispositivos e não emite gases de efeito estufa ou partículas contaminantes
durante sua operação. No entanto, nenhuma forma de geração de energia
apresenta impacto zero e algumas perturbações ao meio ambiente podem ser
resultantes da utilização da energia fotovoltaica. Entre elas, destacam-se aocu-
pação de grandes áreas para a instalação dos módulos solares; o uso de mate-
riais perigosos durante a produção dos componentes das células fotovoltaicas;
e as emissões de contaminantes atmosféricos durante as etapas de produção,
transporte e manutenção dos elementos constituintes do sistema.
Além dos impactos ambientais, uma limitação considerável ao uso disse-
minado dos sistemas fotovoltaicos está relacionada aos seus custos de implan-
tação, principalmente quando comparados a outras fontes usuais de geração
de energia ou até mesmo em relação a outras fontes renováveis. De fato,
a REN21, em seu relatório sobre a situação global de energias renováveis
(Renewables2010 Global Status Report), apresentou um custo entre 15 a 30
centavos de dólares por kWh para os sistemas fotovoltaicos, enquanto que,

– 146 –
Células a combustível

para hidrelétricas e usinas eólica, este valor foi igual a 5 a 12 centavos de dóla-
res, e 5 a 9 centavos de dólares, respectivamente.
Apesar disso, nos últimos anos, os custos associados à geração de energia
solar vêm reduzindo gradativamente, principalmente devido ao desenvolvi-
mentos de tecnologias mais baratas e acessíveis. Com efeito, estimativas da
Agência Internacional de Energia (IEA) indicam que o sol poderá ser, em
2050, a principal fonte de energia mundial, com os sistemas fotovoltaicos
e as usinas solares térmicas sendo responsáveis por 16% e 11% da matriz
energética mundial, respectivamente. Juntas, estas fontes de energia renovável
poderiam evitar a emissão de mais de 6 bilhões de toneladas de CO2 por ano,
a partir de 2050.
De fato, as perspectivas futuras para o uso de energias renováveis são
bastante promissoras e consideráveis avanços já podem ser observados neste
setor, particularmente em países em desenvolvimento. A Índia, por exemplo,
apresenta atualmente, a quinta maior capacidade instalada de energia eólica,
enquanto a China é responsável por mais de 40% de toda a energia fotovol-
taica produzida no mundo. No entanto, para que as mudanças continuem
acontecendo, é fundamental que investimentos no setor , públicos e privados,
sejam estimulados, visando ao avanço no desenvolvimento e na implantação
destas tecnologias renováveis.

– 147 –
10
Esgotamento dos
recursos energéticos

No decorrer deste livro, conceituamos energia e discutimos


acerca da sua importância para a humanidade. Abordamos, também,
as diversas formas e tecnologias de geração, transmissão e distribui-
ção energética, seus potenciais de aplicação e impactos associados.
Energias e Meio Ambiente

Agora, concluindo nossa trajetória, veremoscomo a sustentabilidade


é a chave para que possamos atender satisfatoriamente todas as nossas
atuais demandas de recursos naturais, sem, entretanto, comprometer-
mos o equilíbrio do meio ambiente e o atendimento às necessidades das
gerações futuras.

10.1 Esgotamento dos recursos energéticos


A existência de recursos energéticos em abundância, assim como a
sua disponibilidade para acesso e uso, são essenciais para a manutenção
de qualquer sociedade, não importando o quão desenvolvido ou rico um
país seja. Porém, tendo em vista que a população mundial se encontra
acima dos 7 bilhões de habitantes, e que os recursos naturais do planeta
não acompanham este ritmo acelerado de aumento da demanda ener-
gética, torna-se claro que estamos consumindo mais do que temos dis-
ponível e que a depleção dos recursos naturais é uma realidade cada vez
mais iminente.
A depleção, ou esgotamento, de recursos energéticos é um fenômeno
complexo e não se restringe apenas à indisponibilidade de determinada
fonte de energia. Implica, principalmente, em um processo de adaptação
e readequação de tecnologias. Dependendo do contexto, esta necessidade
de adaptação pode conduzir à utilização de novas fontes energéticas, com
menor qualidade do que a fonte original e com custos de processamento
elevados. Além disso, muitas destas fontes substitutivas encontram-se em
locais de difícil acesso. Podemos citar, como exemplo, as fontes de petró-
leo em águas profundas (como é o caso das reservas do pré-sal, no Brasil),
e o petróleo de xisto (ou xisto betuminoso), cuja extração é mais cara
e de maior impacto ambiental. De fato, críticas severas têm sido feitas
em relação à exploração de petróleo em areias betuminosas no Canadá,
devido aos graves danos ambientais causados pela mineração destas reser-
vas, que incluem a derrubada de 470 km2 de florestas, além da criação
de 130 km2 de lagoas de decantação contendo resíduos tóxicos. A Figura
10.1 apresenta uma destas minas de betume a céu aberto, localizada na
cidade de Alberta, no Canadá.

– 150 –
Esgotamento dos recursos energéticos

Fig 10.1 Mina de areia betuminosa (petróleo de xisto), localizada na cidade de


Alberta, Canadá.

Fonte: The Telegraph (2015) Foto: J. Henry Fair.


Em relação à produção de energia, a depleção de recursos encontra-se
intrinsecamente associada ao esgotamento dos recursos fósseis. Isto porque,
conforme vimos no Capítulo 5, os combustíveis fósseis, como o carvão, o
petróleo e o gás natural, não se renovam dentro de uma escala de tempo
condizente com a humanidade. Suas reservas, portanto, podem ser definidas
como finitas e o aumento da demanda energética mundial nos últimos anos
vem acelerando o processo de esgotamento destes recursos. A seção a seguir
aborda o fenômeno de depleção dos combustíveis de origem fóssil, com des-
taque para o petróleo.

10.1.1 Esgotamento das fontes energéticas de origem fóssil


Após a crise do petróleo, enfrentada em âmbito global nas décadas de
1970 e 1980 (Capítulo 2), muito do debate a respeito do mercado deste
combustível teve como foco as suas limitações de abastecimento. Isto é,
havia uma grande preocupação, como ainda existe hoje, em relação à sua
segurança energética. O conceito de segurança energética é bastante amplo,
mas, de forma geral, envolve a garantia de fornecimento de determinado

– 151 –
Energias e Meio Ambiente

recursodentro de um contexto de desenvolvimento econômico e sustenta-


bilidade. Um dos principais fatores responsáveis pela preocupação em rela-
ção à segurança energética do petróleo, tanto naquela época como hoje,
é a localização e o controle restritos das maiores reservas petrolíferas do
mundo, que encontram-se sob o domínio dos países da OPEC (Organiza-
ção dos Países Exportadores de Petróleo – Capítulo 8). Além disso, o grande
aumento na demanda de petróleo, frente a um suprimento limitado, con-
duziu a uma alta de preços em meados da década de 2000, o que aumentou
ainda mais a apreensão em relação ao esgotamento desta fonte.
Estas preocupações acabaram por provocar algumas mudanças sig-
nificativas na utilização desterecurso. De acordo com a USEIA (Agên-
cia Norte-Americana de Informação e Administração de Energia), em
seu relatório International Energy Outlook(2014), o mercado mundial de
petróleo se encontra em um período de mudanças dinâmicas, tanto no
fornecimento quanto na demanda. Como visto no Capítulo 8, o sur-
gimento de novos recursos energéticos, como é o caso do petróleo de
xisto, aumentou o otimismo dos investidores no setor energético, assim
como dos países dependentes de petróleo e de seus derivados, princi-
palmente pelo potencial de produção de combustíveis líquidos a par-
tir destas novas matérias-primas. Maiores reservas implicam em uma
maior produção mundial do recurso. Na Figura 10.2 é indicado o cresci-
mento da produção mundial de petróleo (em milhares de barris por dia)
para os seis maiores produtores mundiais, entre os anos de 1980 e 2014.
Atualmente, o aumento da demanda de combustíveis líquidos, como
a gasolina, o óleo diesel e o querosene, encontra-se mais associado aos
países de economias emergentes, como a China e a Índia, e ao Oriente
Médio. No caso de países como os Estados Unidos, e grande parte dos paí-
ses europeus, que já possuíam mercados de petróleo bem estabelecidos, a
demanda por combustíveis líquidos parece ter atingido seu ponto máximo.
Após longos períodos de alta do preço do petróleo, estes países investiram
em melhorias para o aumento da eficiência no uso dos recursos energéti-
cos, resultando no menor crescimento da demanda destes combustíveis a
longo prazo.
Nos últimos anos, o preço do petróleo tem se estabilizado, especial-
mente devido ao aumento da oferta, a partir dos novos recursos explorados.

– 152 –
Esgotamento dos recursos energéticos

Além disso, a queda na demanda também tem sido responsável pela menor
oscilação dos valores desta matéria-prima no mercado. Em países não mem-
bros da OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Eco-
nômico), como o Brasil, China e a Índia, o menor crescimento econômico
vivenciado nos últimos anos tem se refletido, proporcionalmente, na redu-
ção da demanda, principalmente em relação aos combustíveis derivados
do petróleo.
Fig 10.2 Produção mundial de petróleo (em milhares de barris por dia) para os
cinco maiores produtores, entre os anos de 1980 e 2014.
15,000

10,000

5,000

0
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010

Estados Unidos Arábia Saudita Russia


China Emirados Árabes Unidos Canadá

Fonte: Adaptado de USEIAInternational (2015).


O panorama atual garantiu um certo fôlego para o setor, pois, com o
aumento das reservas, com a redução do aumento da demanda e a maior
contribuição das fontes renováveis na matriz energética mundial nos últimos
anos, estima-se que as reservas mundiais sejam suficientes para 56 anos de
produção (dados de 2013, do WEC - World Energy Council). Ainda, com
o aumento da eficiência nos processos de extração e o uso das fontes não
convencionais (petróleo de xisto e petróleo de areia betuminosa, por exem-
plo), a estimativa é que a produção seja quadruplicada nos próximos anos.
É importante ressaltar a diferença entre recursos existentes e reservas propria-
mente ditas. Muitas das chamadas reservas de petróleo são, na verdade, recur-
sos. Isto significa que boa parte delas não encontra-se acessível e disponível
para exploração.
Certamente, não podemos depender unicamente desta fonte de ener-
gia. Por mais avançadas que sejam as tecnologias em desenvolvimento,

– 153 –
Energias e Meio Ambiente

indubitavelmente, os estoques irão acabar algum dia. Com efeito, esta é a


chamada Teoria do Pico do Petróleo, desenvolvida pelo geocientista norte-
-americano King Hubert, em 1956. Esta teoria afirma que existe um ponto
no tempo em que a máxima taxa de extração de petróleo mundial será
atingida, após a qual haverá um declínio terminal, isto é, até o esgotamento
desta fonte.
De acordo com Hubbert, a produção de petróleo em uma reserva segue
as etapas de ascensão, pico, queda, declínio e depleção (Figura 10.3). Esta é a
chamada Curva de Hubbert, em que após ter sido atingido o ponto máximo,
a produção entra, inexoravelmente, em um processo de declínio terminal.
Fig 10.3 Curva de Hubbert, apresentando a evolução da produção de petróleo
ao longo do tempo. O pico máximo refere-se ao maior ponto, a partir do qual a
produção entra em declínio terminal.

Produção
Pico máximo
Declineo acelerado

Crescimento
Declineo estável

Declineo lento

Tempo

As previsões de Hubbert causaram um grande impacto e até hoje


acumulamcríticas positivas e negativas, particularmente em relação ao perí-
odo em que o pico mundial de petróleo deveria ser atingido. De acordo com
as previsões iniciais do pesquisador, este pico deveria ocorrer próximo ao ano
2000. Atualmente, analistas chegaram a um consenso de que a máxima de
produção global deverá ser atingida entre 2015 e 2030, levando-se em con-
sideração as novas fontes não convencionais de petróleo recém-descobertas,
além das evoluções tecnológicas na extração e processamento desta matéria-
-prima. As Figuras 10.4 e 10.5 apresentam, respectivamente, um cenário pes-

– 154 –
Esgotamento dos recursos energéticos

simista e outro mais otimista, em relação à máxima produção de combustíveis


fósseis no mundo. No cenário da Figura 10.5, a evolução na produção de
outras fontes alternativas de energia, como nuclear, hídrica e outras renová-
veis, também é ilustrada.
Fig 10.4 Cenário pessimista em relação à estimativa de pico máximo de produção
para gás natural, petróleo e outros hidrocarbonetos menos tradicionais.

Fonte: Adaptado de Cornell University(2015).


Fig 10.5 Cenário otimista em relação à estimativa de pico máximo de fontes de
energia fósseis, nuclear e renováveis

Fonte: Adaptado de Edwards (2001), apud Cornell University(2015)


Observando ambos os cenários apresentados nas Figuras 10.4 e 10.5,
podemos concluir que os picos máximos de produção mundial de petróleo e

– 155 –
Energias e Meio Ambiente

gás natural devem estar localizados em algum ponto entre 2010 e 2040. De
fato, alguns especialistas menos otimistas acreditam que o declínio na produção
dos combustíveis fósseis terá início antes da metade do século XXI. De acordo
com estas análises, é preciso compreender o pico de petróleo como um fenô-
meno econômico e não apenas físico. Assim, o declínio na sua produção deverá
ocorrer quando houverem outras fontes energéticas disponíveis, com elevada
eficiência e baixo custo, ou seja, quando as reservas de petróleo de fácil acesso
estiverem exauridas.
Porém, outros grupos de especialistas vêm contestando o cenário pre-
gado por Hubbert, afirmando que a teoria, na verdade, aborda o problema
pelo ângulo errado. De acordo com estes analistas, o pico de petróleo não
deve ser limitado pela escassez física das reservas, mas pela capacidade econô-
mica e pelo desenvolvimento tecnológico que possuímos para a exploração de
novas fontes deste recurso.
Como exemplo, as previsões do modelo desenvolvido por Hubbert
foram corretas quando definiram que o pico do petróleo nos Estados Unidos
deveria ocorrer na década de 1970, sofrendo uma redução progressiva na
produção a partir daí, como foi observado. Em 2009, entretanto, contra-
riando o que se acreditava ser o período de declínio da indústria petrolífera
norte-americana, houve um aumento progressivo da produção, com dados
de 2014 indicando, até então, um crescimento de 65% (Figura 10.6). Neste
caso, o que o modelo de Hubbert não conseguiu prever foram os avanços das
tecnologias de exploração, que garantiram que novas reservas, anteriormente
não acessíveis, pudessem ser exploradas no país.
Uma das principais tecnologias responsáveis pelo novo fôlego na pro-
dução de combustíveis fósseis foi o fraturamento hidráulico (ou fracking),
que permitiu a extração de petróleo de xisto de formações geológicas extre-
mamente compactas. Nesta técnica, água, areia e outros compostos quími-
cos utilizados como aditivos e agentes de sustentação (chamados propantes)
são bombeados na superfície das rochas, levando à formação de inúmeras
fraturas e ao escoamento do petróleo até o poço. A Figura 10.6 apresenta
uma representação esquemática deste processo de fraturamento, que vem
sendo amplamente utilizado para exploração das fontes não convencionais
de petróleo em diversos países. Do ponto de vista ambiental, esta técnica é
duramente criticada, por inserir no solo diversas substâncias químicas tóxi-

– 156 –
Esgotamento dos recursos energéticos

cas, como metanol, poliacrilamida e gluteraldeído, contaminando o sub-


solo de forma irreparável.
Fig 10.6 Produção de petróleo bruto nos EUA (em milhares de barris), entre os
anos de 1859 e 2014. Após o pico de petróleo de 1970 (círculo vermelho), houve
novo crescimento na produção em 2009 (círculo verde).

4,000,00

3,500,00

3,500,00
Mbbl (103 barris)

3,500,00

3,500,00

3,500,00

3,500,00

3,500,00

0
1860 1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000

Ano
Fonte: Adaptado de USEIA (2015).

O debate acalorado entre os que defendem a teoria do pico de petró-


leo e aqueles que acreditam que ela ainda esteja longe de se concretizar
vem envolvendo não só pesquisadores, mas também governos, indústrias
petrolíferas e a sociedade civil, que será diretamente impactada, caso a
depleção deste recurso ocorra sem que haja fontes energéticas alterna-
tivas para substituí-lo adequadamente. Assim, o que temos de um lado
é a defesa de novos investimentos em fontes renováveis de energia, em
oposição à exploração de novos campos de petróleo em regiões de difícil
acesso e, por conseguinte, com elevados custos de exploração. Do outro,
o investimento em novas tecnologias de exploração, de forma a expandir
ainda mais a oferta.
De qualquer forma, independentemente da visão que cada indivíduo
ou setor da sociedade tenha, não é viável para a humanidade confiar sua

– 157 –
Energias e Meio Ambiente

sobrevivência a uma única fonte energética, principalmente no caso de um


recurso que, invariavelmente, em algum momento, será escasso demais para
atender às demandas energéticas crescentes da população.
Fig 10.7 Representação esquemática da técnica de fraturamento hidráulico para
extração de hidrocarbonetos de camadas subterrâneas. A mistura química utilizada na
fratura é bombeada para o poço sob alta pressão e produz fissuras nas rochas

Fonte: Adaptado de Umweltbundesamt(Agência Alemã do Meio Ambiente, 2015)

10.2 Energia sustentável


Apesar de tantas incertezas em relação ao futuro da geração de energia
no mundo, algo que pode ser enxergado com clareza é que a busca pela ener-
gia sustentável irá dominar o século XXI.
O termo sustentabilidade não é muito fácil de ser definido. No sentido
literal, algo dito como sustentável deve ser uma ação passível de ser mantida,sob
determinadas condições, ao longo do tempo. Do ponto de vista ambiental,

– 158 –
Esgotamento dos recursos energéticos

a melhor definição parece estar associada àquela fornecida pelas Nações Uni-
das, por meio do seu relatório intitulado Our Common Future, elaborado pela
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987. Este
relatório também ficou conhecido como Relatório Brundtland, em alusão à Pre-
sidente da comissão responsável por seu desenvolvimento, Gro Harlem Brun-
dtland, na época, primeira-ministra da Noruega.
Conhecido como um divisor de águas dentro da política ambiental
mundial, o Relatório de Brundtland inovou ao trazer uma definição para o
termo desenvolvimento sustentável. De acordo com o documento, trata-se
do desenvolvimento capaz de satisfazer as necessidades do presente, sem, contudo,
comprometer a capacidade das futuras gerações em suprir suas próprias necessida-
des. A sustentabilidade, portanto, encontra-se vinculada ao uso dos recursos
naturais de forma consciente e dentro da capacidade de suporte dos ecossis-
temas, visando à garantia, a longo prazo, dos recursos básicos, como água,
alimento e energia.
Para que uma fonte energética possa ser definida como sustentável, elade-
verá reunir algumas características específicas, como não sofrer depleção (esgo-
tamento) significativa ao longo do tempo; não acarretar poluição substancial
ou outros danos graves ao meio ambiente; não ser fonte de riscos à saúde da
população mundial;e não fomentar a desigualdade ou injustiças sociais.
Por centenas de anos, e em praticamente todo lugar no mundo, sis-
temas de energia foram desenvolvidos, tendo como fonte os combustíveis
fósseis, em função das suas inúmeras vantagens. É fato, portanto, que nos
tornamos extremamente dependentes destes recursos energéticos e, mesmo
sendo exageradas as afirmações de que os suprimentos irão acabar a curto
ou médio prazo, ainda assim, trata-se de um recurso finito. Na ausência de
um substituto apropriado, seu esgotamento será prejudicial a toda população
mundial. Quando algum recurso se torna escasso, ou restrito ao controle de
poucos grupos, inevitavelmente surgem conflitos, como a Crise do Petróleo,
em 1970, e a Guerra do Golfo, em 1990. Estas disputas trazem enormes pre-
juízos à economia mundial, além de aumentarem a desigualdade econômica
e social já existente entre os países.
O uso disseminado dos combustíveis fósseis, em especial nas últimas
décadas, tem acarretado diversos impactos negativos, tanto no meio ambiente
quanto na saúde da população, o que está em desacordo com uma fonte

– 159 –
Energias e Meio Ambiente

sustentável, conforme apresentado anteriormente. A exploração e o proces-


samento destes recursos podem causar sérios acidentes, como desabamentos
em minas de carvão e incêndios nas sondas de perfuração de petróleo ou gás.
Ainda, a distribuição destes combustíveis pode resultar em acidentes ambien-
tais, como o derramamento de petróleo a partir de navios tanques, capaz de
destruir ecossistemas inteiros.
Conforme acompanhamos ao longo do livro, uma das principais desvanta-
gens em relação ao uso das fontes fósseis para geração de energia está relacionada
à emissão de grande quantidade de poluentes atmosféricos durante a sua com-
bustão. Destes poluentes, o gás carbônico (CO2) se destaca por ser o principal gás
do efeito estufa antropogênico, isto é, que apresenta geração induzida pelas ações
e atividades humanas. E é justamente devido à ação destes gases antropogênicos
que a Terra vem vivenciando um aumento de temperatura global sem preceden-
tes; acredita-se que um evento similar tenha ocorrido somente no final da última
Era Glacial, há cerca de 150 mil anos. Com certeza, uma alteração deste porte
causará grandes impactos no clima mundial, prejudicando atividades essenciais
para a sobrevivência do ser humano, como a agricultura, além de interferir no
equilíbrio de ecossistemas por todo o mundo.
Como alternativa à queima de combustíveis fósseis, a energia
nuclear foi apresentada ao mundo logo após a 2ª Guerra Mundial,
com a principal vantagem de ser uma forma de geraçãolimpa de ener-
gia, sem emissão de poluentes atmosféricos e com alta eficiência de con-
versão energética. Apesar de ser uma fonte, a princípio, não renovável,
estima-se que as reservas mundiais do urânio, principal combustí-
vel para geração de energia nuclear, sejam suficientes para décadas ou
até mesmo centenas de anos, de acordo com a taxa de consumo atual.
Entretanto, o uso da energia nuclear não está livre de impactos. Os
principais problemas associados a este tipo de geração energética são as
emissões de compostos radioativos, a dificuldade de disposição final dos
resíduos gerados na usina e a possibilidade de acidentes, cujo impacto
pode atingir proporções catastróficas. Outra preocupação encontra-se
no perigo associado à proliferação de material radioativo, que apresenta
potencial para ser usado na construção de armas nucleares.
Desta forma, dentro do contexto do desenvolvimento sustentável, as
fontes renováveis são aquelas que apresentam o maior potencial de utilização
a longo prazo, com reduzidos impactos ao meio ambiente e à saúde da popu-

– 160 –
Esgotamento dos recursos energéticos

lação. Conforme estudamos nos capítulos anteriores, estas energias podem


ser originadas a partir de recursos, de certa forma, inesgotáveis, como o sol, o
vento, a água e a biomassa. Atualmente, estas fontes energéticas são responsá-
veis, juntas, por 19,1% da geração de energia mundial (REN21, 2015).
Apesar do potencial sustentável que as fontes renováveis apresentam,
muitas barreiras ao seu pleno desenvolvimento ainda se mantêm. E justa-
mente estas limitações podem frear o crescimento a longo prazo do setor.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, entre as principais
limitações encontram-se: o custo relativo alto de algumas tecnologias na
ausência de subsídios;os reduzidos investimentos em pesquisa e desenvol-
vimento, até recentemente; a preocupação crescente em relação ao impacto
na disponibilidade de alimentos, devido ao uso de culturas agrícolas na
produção de energia; a ausência de mão de obra qualificada e de políti-
cas de gestão adequadas; as regulamentações que desencorajam sistemas de
geração de energia variados e bem distribuídos; investimentos inadequados
em redes de transmissão e distribuição de energia elétrica a partir destas
fontes; ceticismo por parte dos principais tomadores de decisões dentro do
setor energético, em relação à capacidadedas fontes renováveis em suprir a
demanda mundial.
Apesar destes obstáculos, a contribuição das fontes renováveis na
matriz energética mundial tem sido crescente. Com efeito, o total de capa-
cidade energética a partir de fontes renováveis, sem considerar as hidre-
létricas, cresceu de 85 GW, em 2004, para notáveis 647 W, em 2014
(REN21, 2015). Entre estas fontes, a biomassa ocupa posição de destaque,
com 433 TWh de energia gerada em 2014. Estima-se que este recurso
deverá se manter como a principal fonte primária de energia renovável nas
próximas décadas.
A biomassa difere das outras fontes de energia renováveis devido ao
potencial que apresenta como substituta de praticamente todos os produtos
derivados de combustíveis fósseis, fazendo uso de diversas tecnologias para
sua conversão em eletricidade, calor e combustíveis líquidos. A estes processos
dá-se o nome de biorrefinaria, em uma analogia ao refino do petróleo, levado
a efeito para a obtenção de produtos com elevado valor agregado. A biomassa
pode ser utilizada para usos convencionais, como no aquecimento e no pre-
paro de alimentos, assim como pode ser processada por tecnologias modernas

– 161 –
Energias e Meio Ambiente

de conversão, gerando, como exemplo, biocombustíveis, plásticos biodegra-


dáveis, ácidos orgânicos, produtos farmacêuticos e eletricidade.A Figura 10.7
apresenta uma representação esquemática de uma biorrefinaria, indicando os
processos pelos quais a biomassa pode ser convertida em uma grande diversi-
dade de compostos.
Fig 10.8 Representação esquemática de uma biorrefinaria, em que a biomassa,
via processos bioquímicos e termoquímicos, pode ser convertida em calor,
eletricidade e outros produtos com valor agregado

Fonte: National Renewable Energy Laboratory (2015).


Todavia, apesar de seu enorme potencial como matriz no desenvolvimento
de inúmeros produtos, assim como na geração de calor e energia, as principais
críticas em relação à disseminação do uso de biomassa como fonte energética
estão relacionados ao uso dos recursos naturais (terrenos e culturas agrícolas)
para geração de energia, em detrimento da produção de alimentos (Capítulo 4).
De forma geral, apesar das limitações impostas, os recursos renováveis
têm se tornado uma importante fonte de energia. Atualmente, a tendência é
que sejamutilizados em conjunto com os combustíveis fósseis, aumentando a
diversificação da matriz energética. Nestes últimos anos, as tecnologias asso-
ciadas às matrizes renováveis vêm se aprimorando, resultando em maiores
eficiências e custos reduzidos. Infelizmente,o crescimento da capacidade dos
recursos renováveis, assim como os investimentos tecnológicos no setor, ainda
se encontram abaixodo necessário para que sejam alcançadas as metas do pro-

– 162 –
Esgotamento dos recursos energéticos

grama mundial Energia Sustentável para Todos (SE4ALL, do seu acrônimo


em inglês para Sustainable Energy for All).
O programa SE4ALL refere-se a uma iniciativa das Nações Unidas para
unir lideranças de todos os setores da sociedade, isto é, governos, indústrias
e a sociedade civil, em prol de um objetivo comum: promover a sustentabi-
lidadedo sistema energético mundial, visando à construção de um mundo
mais próspero, saudável, limpo e seguro, para nós, e para as futuras gera-
ções. Como forma de alcançar este objetivo, o SE4ALL lançou como meta a
duplicação atuais níveis de energia renovável, pelo aumento da eficiência de
geração, promovendo acesso universal a estes recursos até 2030. Para alcançar
este objetivo, portanto, torna-se fundamental os esforços de todos os seto-
res envolvidos, na promoção de avanços significativos no investimento e no
desenvolvimentotecnológico dos recursos energéticos renováveis.

10.3 Energia para todos


De acordo com tudo que discutimos no decorrer deste livro, podemos
afirmar, sem dúvida, que a energia é a fonte da vida. Sem ela não seria possí-
vel nos alimentarmos, aquecermos ou vivermos em um mundo com tamanha
tecnologia e desenvolvimento. Então, podemos concluir queo acesso universal
a formas de energia mais eficientes deverão resultar em melhores condições de
vida a todos.
Os serviços modernos de energia são cruciais para o bem-estar humano,
assim como para o desenvolvimento econômico de um país. Mesmo assim,
mais de 1,3 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à eletricidade e
outros 2,7 bilhões fazem uso de fontes não limpas de energia, para obtenção
de calor e preparo de alimentos, com sérios riscos à saúde (IEA, dados de
2011). Mais de 95% destas pessoas encontram-se na África Subsaariana ou
na Ásia em desenvolvimento. Destas, 84% estão em áreas rurais.
Para que esta situação possa ser revertida nos próximos anos, para uni-
versalização do acesso à energia, algumas medidas importantes deverão ser
tomadas. É essencial que os países adotem, na prática, o discurso de propor-
cionar acesso à energia moderna para todos, fazendo disso uma prioridade
política e redirecionando parte de suas verbas para o atendimento desta
meta. Previamente à realocação de recursos, entretanto, é importanteque

– 163 –
Energias e Meio Ambiente

seja definida a estratégia mais adequada para a distribuição de energia em


cada país. Também, assim como os investimentos públicos, a entrada de
capital privado é fundamental para a distribuição da energia àqueles que
ainda não tem acesso a este recurso. As políticas públicas adotadas, por-
tanto, devem ser atrativas ao setor privado e os subsídios governamentais,
quando presentes, devem ser direcionados prioritariamente ao atendimento
dos mais pobres.
De fato, o acesso à energia é fundamental na luta contra a pobreza. A
energia é responsável por acender uma lâmpada, permitindo que um aluno
estude; por fornecer calor para hospitais, creches e escolas; por manter fun-
cional as atividades nas quais as pessoas trabalham e ganham seu sustento.
Sem energia disponível não há desenvolvimento econômico ou investimentos
na qualidade de vida da população. Assim, uma das formas mais eficientes
para se combater a pobreza é promover o crescimento econômico através
do uso de uma fonte energética segura, confiável e com preço acessível a
toda população.
Atualmente, de acordo com dados do Banco Mundial (IBRD/IDA,
dados de 2015), o acesso da população mais carente à eletricidade tem
ocorrido de forma acelerada; no entanto, a parcela de energia renovável
associada a este aumento ainda é bastante baixa. Para que o processo de
eletrificação seja realmente eficiente, este deve vir associado à sustentabi-
lidade das fontes geradoras de energia, minimizando emissões poluentes e
garantindo a disponibilidade do recurso a longo prazo. Desta forma, será
possível garantir a redução da desigualdade econômica e social, mantendo
o equilíbrio no meio ambiente.

– 164 –
Referências
Energias e Meio Ambiente

AMARANTE, O. A. C. BROWER, M. ZACK, J.; SÁ, A. L. Atlas do poten-


cial eólico brasileiro. Brasília: Ministério de Minas e Energia, 2001. 44 p.
BARRIGA, A. Energy System II. University of Calgary/ OLADE, Quito,
2003.
CENTRO DA MEMÓRIA DA ELETRICIDADE NO BRASIL. Disponí-
vel em: http://memoriadaeletricidade.com.br/. Acessado em: agosto, 2015.
CORNELL UNIVERSITY. Disponível em: www.geo.cornell.edu/eas/
energy/. Acessado em: agosto, 2015.
EDWARDS, J. D. Twenty-first-century energy; decline of fossil fuel,
increase of renewable nonpolluting energy sources.In: Downey, M. W.,
Threet, J. C., and Morgan, W. A., eds., Petroleum provinces of the twen-
ty-first century. Tulsa, United States: Association of Petroleum Geologists,
AAPG Memoir, n. 74, p. 21-34, 2001.
ELETROBRÁS - DISTRIBUIÇÃO AMAZONAS. Projetos inovadores
marcam ações do programa de eletrificação rural no estado do AM. Dis-
ponível em: www.eletrobrasamazonas.com. Acessado em: agosto, 2015.
FEITOSA, E. A. N. et al. Panorama doPotencialEólico no Brasil. Brasília:
Dupligráfica, 2003.
GROOVE, W.R. On the Gas Voltaic Battery. Experiments Made with a
View of Ascertaining the Rationale of Its Action and Its Application to Eud-
iometry. Philosophical Transactions of the Royal Society of London. v.
133, pp. 91-112, 1843.
HALLIDAY, D.; RESNICK, R.; WALKER, J. Fundamentos de Física, Vol.
1. 4ª Ed. Rio de Janeiro: LTC, 1996. 330 p.
______. Fundamentos de Física. Vol. 3. 8ª Ed. Rio de Janeiro: LTC, 2009.
419 p.
HINRICHS, R. A.; KLEINBACH, M. Energia e Meio Ambiente. 3ª Ed.
São Paulo: Cengage Learning, 2009. 545 p.
HOW STUFF WORKS. Fuel Cell. Disponível em: http://science.howstu-
ffworks.com/fuel-cell-info.htm. Acessado em: agosto, 2015.

– 166 –
Referências

IJHD. World Atlas & Industry Guide. Wallington, UK, 2015. 405 pp.
INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY. Nuclear Power Reac-
tors in the World. Reference Data Series, n. 2, Vienna, 2015.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. Comparativestudyon rural
electrification policies in emergingeconomies. OECD/ IEA: França, 2010.
118 p.
______. World Energy Investment Outlook. IEA: França, 2014. 190 p.
ITAIPU BINACIONAL. Disponível em: https://www.itaipu.gov.br. Aces-
sado em: agosto, 2015.
NATIONAL RENEWABLE ENERGY LABORATORY. Biomass Research.
Disponível em: http://www.nrel.gov/biomass/biorefinery.html. Acessado em:
agosto, 2015.
NEED - National Energy Education Development Project. Disponível
em: www.need.org. Acessado em: julho/ 2015.
OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO (ONS). Mapas
do SIN. Disponível em: http://www.ons.org.br/conheca_sistema/mapas_sin.
aspx. Acessado em: agosto, 2015.
PEABODY ENERGY. Disponível em: http://www.peabodyenergy.com.
Acessado em: agosto, 2015.
PETROBRAS. Disponível em: www.petrobras.com.br. Acessado em: agosto,
2015.
REN21 - Renewable Energy Policy Network. Renewables 2015 - Global
Status Report. Paris: REN21 Secretaria, 2015. ISBN 978-3-9815934-6-4.
SANDIA NATIONAL LABORATORIES DATABASE. Disponível em:
www.energylan.sandia.gov. Acessado em: julho/ 2015.
SIEMENS. Disponível em: http://www.energy.siemens.com. Acessado em:
agosto, 2015.
SONNTAG, R.E.; BORGNAKKE, C.; VAN WYLEN,G. J. Fundamentos
da Termodinâmica. 6ª Ed. São Paulo: Editora Edgar Blücher, 584 p.

– 167 –
Energias e Meio Ambiente

THE SOLAR SPARK. PN Junction Solar Cells. Disponível em: https://


www.youtube.com/watch?v=2AX0qvnjSnM. Acessadoem: agosto, 2015.
THE TELEGRAPH. Industrial scars: aerial photographs of pollution by
J Henry Fair. Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/. Acessado em:
agosto, 2015.
U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION. Renewable &
Alternative Fuels. Disponível em: www.eia.gov. Acessado em: agosto, 2015.
U.S ENERGY INFORMATION AND ADMINISTRATION (INTERNA-
TIONAL). Energy source: consumptionofelectricity. Disponível em: http://
www.eia.gov/beta/international/. Acessado em: agosto, 2015.
______. Energy source: Natural Gas . Disponível em: http://www.eia.gov/
beta/international/. Acessado em: agosto, 2015.
U.S. DEPARTMENT OF ENERGY. Energy Efficiency & Renewable
Energy. Disponível em: www.energy.gov. Acessado em: agosto, 2015.
______. The USGS Water Science School. Disponível em: http://water.
usgs.gov/edu/wupt-coalplant-diagram.html. Acessado em: agosto, 2015.
______. Monthly Energy Review. September, 2014.
______. Renewable & Alternative Fuels. Disponível em: www.eia.gov.
Acessado em: agosto, 2015.
USVAT CORPORATION ENERGY DEPARTMENT. What are Photo-
voltaics? Mathematics Magazine. Disponível em: http://www.mathematics-
magazine.com/energy/what_are_photovoltaics.htm. Acessado em: agosto,
2015.
WORLD ENERGY COUNCIL. World Energy Resources - 2013 Survey.
Londres, 2013. 468 p.

– 168 –
Energia é vida. E podemos confirmar isso no nosso dia a dia. Não só
pelo uso de nossos eletrodomésticos e equipamentos eletrônicos, capazes de
facilitar nosso cotidiano e proporcionar bem estar. A energia é vida dentro
de nós; é o que nos leva a respirar, nos locomover, pensar... E a procura por
essa grandeza essencial nos leva fazer escolhas que, muitas vezes, apresentam
consequências drásticas ao meio em que vivemos.
Nossa relação com o meio ambiente sempre foi delicada. Muitas vezes,
nossas ações não são condizentes com o papel que deveríamos ter nos ecossis-
temas; nos acostumamos a extrair tudo o que precisamos, sem a preocupação
em dar algo em troca. Entretanto, o custo a ser cobrado é elevado e, a partir do
momento em que agimos como usurpadores dos recursos que deveríamos usar
de forma consciente, comprometemos o futuro das gerações que virão.
Felizmente, nos últimos anos, a sustentabilidade tem deixado de ser
um conceito abstrato e tem ganho cada vez mais força nas ações que visam a
um meio ambiente produtivo e equilibrado. E dentro destas ações, se desta-
cam o desenvolvimento e a aplicação de tecnologias para a geração de ener-
gia que fazem uso de recursos renováveis, isto é, capazes de serem repostos
a uma taxa compatível ao consumo humano. O uso de fontes renováveis,
além de minimizar o impacto no ambiente, também vem sendo visto como
uma alternativa para a geração de energia em países com baixos indicadores
de desenvolvimento socioeconômico e humano, como aqueles presentes na
África subsaariana e em parte da Ásia.
Assim, este livro busca trazer informações relevantes a respeito das
diferentes fontes de energia, renováveis e não renováveis, e como seu uso pode
interferir no desenvolvimento econômico e social dos países. E, principal-
mente, nos ajuda a descobrir como, fazendo uso de tecnologias sustentáveis,
podemos escrever um futuro em harmonia com o meio em que vivemos.

ISBN 978-85-60531-26-4

9 788560 531264

Você também pode gostar