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RESUMO
O presente ensaio faz uma reflexão dialógica entre a perspectiva de Nancy Fraser sobre justiça social
e o conteúdo da Carta de Natal, produto coletivo da Plenária Final da II Conferência Nacional Popular
de Educação 2022 (CONAPE). Adotou-se como caminho metodológico a abordagem qualitativa, a
partir de revisão bibliográfica sobre os temas em questão e lançou-se mão de análise documental. A
partir das análises realizadas, infere-se que o conceito de justiça social nos termos fraserianos se
materializa no conjunto do documento final da CONAPE 2022, pois este articula as dimensões
redistributiva e de reconhecimento em todo o corpo do texto, apresentando-se como importante
pressuposto para embasar o novo Plano Nacional de Educação em uma perspectiva democrática e
emancipadora.
Palavras-chave: Plano Nacional de Educação. Justiça Social. Nancy Fraser. Carta de Natal.
INTRODUÇÃO
O objetivo central deste ensaio é evidenciar algumas aproximações entre as
contribuições fraserianas no debate de justiça social e o documento produzido coletivamente
no âmbito da II Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE 2022), intitulado Carta
de Natal. Um primeiro aspecto a tratar é a contextualização desta Carta como expressão do
seu tempo histórico, fruto de uma jornada da sociedade brasileira em resposta aos
desdobramentos do Golpe de 2016, o qual depôs a Presidenta Dilma Rousseff, trazendo
efeitos deletérios à educação pública brasileira, em especial aos espaços públicos de
deliberação e construção das políticas educacionais, em consequência de ações e programas
implementados pelos governos que a sucederam (ARAÚJO, 2022).
A ascensão de Michel Temer à Presidência da República representou o início de um
processo de desdemocratização dos direitos sociais e o uso deliberado da crise como modo
de governo (DARDOT; LAVAL, 2019). Um desses elementos de desdemocratização está
presente, por exemplo, na destituição de representantes de várias entidades do movimento
educacional que, até então, tinham assento no Fórum Nacional de Educação (FNE)
(ARAÚJO, 2022), com sérias implicações à democracia na sociedade brasileira, dado o
fortalecimento de agenda educacional de conteúdo fascista neoliberal (DARDOT; LAVAL,
2019). O desmonte do FNE trouxe implicações para a agenda de realização das Conferências
Nacionais de Educação (CONAEs), impulsionando a organização da sociedade para a criação
do Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE), que organizou a CONAPE 2018 e a de
2022.
Na esteira das propostas de alterações recentes, consta a Reforma do Ensino Médio
por meio de uma medida provisória, assim como o retorno à pauta de projetos voltados à
educação com forte teor de retrocesso democrático, dentre os quais, a título de exemplo,
podemos citar o Escola sem Partido e o Ensino Domiciliar.
1
Doutora em Educação. PPGEDU/UFRGS. malurflores@gmail.com, https://orcid.org/0000-0001-6577-681X,
http://lattes.cnpq.br/3064851958027125.
2
Mestrando em Educação. PPGEDU/UFRGS. gwerson.65@gmail.com, https://orcid.org/0000000232258116,
http://lates.cnpq.br/8995103700305873.
Desde a aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos (EC nº 95/2016),
uma agenda austericida e de consequente sufocamento à educação pública e às instituições
federais de ensino vem sendo implementada, em paralelo a questionamentos sobre o papel
da Ciência. Em tempos neoliberais marcados pela crise estrutural do capital, o obscurantismo
beligerante (DUARTE; MAZZEU; DUARTE, 2020) campeia pelo mundo e, em especial pelo
Brasil, desde o Golpe de 2016. Após as eleições de 2018 e, em especial, no contexto de
isolamento social causado pela pandemia da Covid-19, estes movimentos de retrocesso
assumiram sua forma mais bárbara, negligenciando a vida e resultando em prejuízos à gestão
articulada da educação entre os entes federados.
Portanto, em um cenário de ano eleitoral, se faz imperativo pensar caminhos para
retomar as políticas públicas educacionais em outras bases, diferentes daquelas de inspiração
mercantil. E a elaboração de um novo Plano Nacional de Educação (PNE) se constitui em
momento ímpar para tal.
O texto desenvolve a importância do PNE para a educação brasileira, o conceito de
justiça social no pensamento de Nancy Fraser e propõe um diálogo entre ambos no contexto
atual de elaboração de um novo plano para orientar a educação brasileira em um próximo
decênio.
METODOLOGIA
Trata-se de um ensaio apoiado em uma abordagem qualitativa (FLICK, 2009),
aprofundando a análise sobre questão social relevante para o contexto atual do país. A fim
de atingir os objetivos, adotou-se como metodologia a revisão bibliográfica sobre o tema do
PNE como documento central da política pública, assumindo-se como referencial teórico as
contribuições de Nancy Fraser sobre o conceito de justiça social. A análise documental
(EVANGELISTA, 2008) foi realizada em relação ao documento intitulado Carta de Natal, fruto
do debate coletivo da II CONAPE, realizado em Natal-RN, entre os dias 15 e 17 de julho de
2022.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1- O PNE COMO EPICENTRO DA POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL
Azevedo (2004) defende a educação como parte do campo teórico-analítico das
políticas públicas, materializado na intervenção do Estado, onde estão presentes as relações
de poder, conflitos e contradições que perpassam a sociedade e o próprio Estado, guardadas
as particularidades fruto da historicidade, da cultura e das crenças e valores de cada
espaço/tempo.
Nesse sentido, o PNE, como fruto da ação estatal, deve ser pensado como
documento da política pública, marcada por disputas societárias conflitantes. Por essa razão,
Dourado (2017) defende que o PNE tem que ser o epicentro das políticas de Estado na
educação, devendo ser a meta das metas e, por tanto, ter espaço privilegiado na agenda
pública do país. Logo, ao constatarmos que o PNE (2014-2024), com a maioria das suas
metas e estratégias não cumpridas (ou cumpridas parcialmente), e em alguns casos, em pleno
retrocesso (INEP, 2022), é necessário pensar esse quadro de precariedade como fruto da
relação de forças em disputa.
É necessário insistir na tese de que não se trata de erro de percurso ou falha na
execução da política educacional, muito pelo contrário, a política de descontinuidade na
execução do PNE (2014-2024), assim como a precarização do conjunto das políticas públicas
é, ela própria, resultado das correlações de forças em luta no atual contexto histórico.
Portanto, não se trata de uma crise enquanto resultado de erros, mas de crise enquanto
projeto político (CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO, 2021).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o presente ensaio, partindo da perspectiva do PNE como documento da política
pública, buscou-se apresentar as contribuições fraserianas acerca do conceito de justiça
social como possibilidade de embasamento para a construção de um novo Plano, tendo como
documento-base a Carta de Natal. A análise do documento coletivo intitulado Carta de Natal
– CONAPE da Esperança apresenta em seu conjunto várias aproximações às concepções de
Nancy Fraser, tanto no aspecto redistributivo, esculpido em vários itens da Carta, como no
aspecto do reconhecimento.
Entendemos que o conceito de Fraser acerca da justiça social, fundado na unidade
indissociável entre a dimensão “redistributiva” e a de “reconhecimento”, ambas animadas pela
ideia de participação popular, se apresenta como importante fundamentação para um novo
PNE democrático e humanamente emancipador.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Heleno. A CONAPE como espaço de mobilização e luta pela educação. Acesso
em: 22 de jul. 2022. Disponível em: <https://fnpe.com.br/artigo-a-conape-como-espaco-de-
mobilizacao-e-luta-pela-educacao/>.
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública.- 3. ed. – Campinas, SP:
Autores Associados, 2004.