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A educação na campanha eleitoral

Durante os trinta debates nas televisões o tema da educação nunca esteve sobre a mesa. Será
porque não é importante? Todos responderão que não, pois a educação é reconhecidamente
importante em qualquer sociedade, sobretudo as mais desiguais. Será porque não se debateu
nenhuma estratégia para o país? Também não, pois, apesar de pouco, ainda houve aqui e ali
tempo para debater a justiça, a economia, a fiscalidade, o emprego e as remunerações.
O que se constata, e não é de agora, é que a educação, em Portugal, saiu do radar central das
políticas públicas e deixou de ser um tema político prioritário; outros têm-no sido, como a
saúde, os apoios sociais, a justiça, o futebol, a corrupção,
(…)
As prioridades enunciadas pelos partidos oscilam entre aumentar a despesa pública em
educação, contratar mais profissionais, reduzir o número de alunos por turma, combater a
indisciplina nas escolas, recolocar exames nacionais nos fins de ciclo, dar mais autonomia às
escolas, criar o cheque ensino e por de pé planos de recuperação das aprendizagens perdidas nos
já três anos letivos de pandemia.
Esta ocasião leva-me a partilhar convosco algumas breves considerações.
Primeiro, a “recuperação” dos efeitos devastadores da pandemia nas aprendizagens dos alunos
e no seu bem-estar consegue agregar um bom número de “primeiras medidas”. Ainda assim,
estas focam-se pouco no desgaste e cansaço dos professores e na criação de condições para que
eles (e as escolas) promovam a referida “recuperação” de modo eficaz, pois sem eles não haverá
qualquer “recuperação”, sobretudo para aquelas crianças que só contam com a escola para isso.
Algumas propostas de contratação de mais profissionais e de redução do número de alunos por
turma poderão cruzar-se com o propósito de estímulo ao bom desempenho profissional dos
professores.
Segundo, nenhum partido colocou com clareza, à frente de todas as outras, como “primeira
medida”, três questões que me parecem da maior relevância no momento atual: a educação da
infância (0-12 anos), e ainda mais particularmente, a atenção prioritária aos 0-6 anos, uma
estratégia do país para redignificar a profissão de professor e o desenvolvimento do “ensino
híbrido”, combinando as vertentes presencial e digital e assíncrona.
Quanto aos 0-12 anos: penso que é aqui que se centram não só as principais possibilidades de
atuação pública sobre a desigualdade de oportunidades e na promoção do bem-estar de cada
criança, como os alicerces das aprendizagens escolares (escrita, leitura, cálculo,
contextualização histórica e geográfica, expressão artística e física) e da convivência
democrática (aprender a viver juntos e em paz). Bem sabemos quanto a pandemia tem
prejudicado estas possibilidades, com consequências ainda incalculadas sobre o
desenvolvimento das crianças e sobre as aprendizagens. Bem sabemos quanto a pobreza
continua a afetar cerca de 20% dos portugueses, incluindo uma franja da população empregada.
Sabemos também que é nos 0-6 anos que se situa uma das principais barreiras à natalidade, pois
é inadmissível que muitos casais jovens tenham de pagar por uma creche ou jardim de infância
mais do que por um filho que frequente o ensino superior. Temos as prioridades invertidas e,
como sempre, os olhos e os euros correm mais depressa a fixar-se na criação de condições de
frequência do ensino superior (sempre estão por aí os mais favorecidos) do que na educação da
infância (por lá deveriam estar todos e em condições democráticas e muito estimuladoras de
uma procura generalizada). Nos programas eleitorais, no entanto, vários partidos apresentam
importantes medidas sobre este tema, mas, em geral, sem a consistência política e estratégica
que este investimento implica.
Quanto aos professores: desde o final dos anos 80, em que se contruiu o estatuto da carreira
docente, nunca mais os professores estiveram no centro das políticas de educação; no centro têm
estado o seu cansaço profissional (em boa medida uma consequência das carambolas políticas
contínuas e contraditórias, num stop-and-go permanente, sem qualquer esforço prévio de
concertação interpartidária), o seu desgaste emocional, agravado pela pandemia, e a erosão da
idade (é um setor muito envelhecido). Só quando se percebeu que perto de 40% dos atuais
professores se reforma nos próximos oito anos, é que o assunto começou a merecer algum
destaque nos media.
Mas medidas políticas de fundo, amplamente debatidas, continuam por aparecer. Estas eleições
representavam uma grande oportunidade para tal, bastava que algum partido tivesse elegido esta
prioridade e a tivesse colocado em cima da mesa nos debates. Quase todos os partidos se
referem ao assunto, mas ninguém apresenta uma proposta de estratégia nacional para
enfrentarmos a grave situação. Entretanto, os jovens fogem da procura dos cursos de formação
de professores e os que os procuram são os que apresentam as piores médias de acesso ao
ensino superior. Isto, que há vários anos deveria estar a acionar alarmes estridentes na sociedade
portuguesa, continua a não ser um problema prioritário.
Quanto ao “ensino híbrido”: será desastroso não se aproveitar ao máximo o efeito-pandemia
sobre as aprendizagens efetuadas por professores, alunos e pais no uso de “ferramentas digitais”
e no recurso a atividades educativas “assíncronas”, uma vez que estas aprendizagens, a par de
um cuidado reforço dos meios técnicos, podem alavancar importantes ganhos educacionais.
Refiro-me ao enriquecimento das atividades de ensino e aprendizagem, à diversificação dos
seus recursos, a uma maior possibilidade de reorganizar os grupos de alunos e de flexibilizar
metodologias ativas, à diversificação de tempos e modos de ensino e aprendizagem, domínios
de atuação que podem ajudar motivar muito mais os alunos. A própria “recuperação das
aprendizagens” poderia ter aqui um ponto crucial de apoio. O mais difícil fê-lo a pandemia,
cabe-nos agora dar continuidade e fazer a parte que falta. E o que faz muita falta é uma política
adequada e claramente assumida no espaço público.
No termo desta breve incursão “educacional” sobre o presente momento eleitoral o que mais me
impressiona são estes programas eleitorais que mais parecem as tradicionais passadeiras de
retalhos; são vistosas, mas são feitas com roupas velhas. De resto, como todos vimos, a
educação não constituiu prioridade política para ninguém (nem para políticos nem para
jornalistas). Vai-nos sair caro, sobretudo aos mais novos, aos que estão para nascer e,
seguramente, aos mais pobres, que ainda deixamos que sejam muitos, infelizmente.
 
Joaquim Azevedo
(professor da Universidade Católica Portuguesa (Porto) e membro do Conselho Nacional de
Educação.)

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