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Resumo
O presente artigo busca analisar o trabalho das fotógrafas Diane Arbus e Paula Sampaio, ambas
mulheres das américas, que empenharam grande parte de seus esforços na construção de um trabalho
estético conceitual, tendo no retrato fotográfico a instalação do outro, seja a em Arbus com seus
personagens grotescos, ou em Sampaio com seu fotojornalismo poético, é a partir da concepção de que
fotografias, principalmente quando constituídas em série, podem conter uma potência estética e crítica
da sociedade que representam, vivenciam e ficcionalizam, requerendo uma construção de sentidos
para além do simples retrato que revela a efigie, mas não imprime sobre o suporte fotográfico a
máscara, a identidade oculta de todo o ser, sua alteridade inviolável. A partir de uma viagem ao início
da criação da imagem, pelo uso da imaginação como forma de abstrair a realidade tempo-espaço nas
dimensões do plano, chegamos ao entendimento da imagem-técnica, que é aquela produzida pelo
aparelho assim como a fotografia, nesse caminho aprendemos a não confiar plenamente na fotografia,
pois esta representa uma falha incontestável quando comparada a realidade, pois suprime a
profundidade e o tempo, o corte/enquadramento e o lapso temporal, são as abstrações que permitiram
a Arbus e Sampaio construir um universo imagético próprio e um constructo poético que de forma
acida representam a realidade pelo viés da observação crítica e imposição de um olhar, que é indicial
de um realidade que ambas cuidadosamente selecionam e deslocam, construindo uma unicidade
visual, a partir de uma diversidade de sujeitos nas quais nos foi possível encontrar sentidos.
Palavras-chave: Representação. Habitus. Alteridade.
1
Mestre em Artes pela UFPA. Professora no curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da
Amazônia - UNAMA. Professora da Fundação Escola Bosque. Produtora e artista visual residente do Casulo
Cultural. E-mail: renata_rar@yahoo.com.br
2
Mestre em Artes pela UFPA. Professora no curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da
Amazônia - UNAMA. Professora da Secretaria Estadual de Educação. E-mail: simoneoliver2@hotmail.com
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homens foi denominada por Flusser de “idolatria” (1985, p. 9). Idolatrando, o homem se torna
incapaz de decifrar as imagens, já não consegue reconstruir as dimensões abstraídas no seu
processo de construção, e passa a acreditar que imagem corresponde à realidade.
Com o surgimento da escrita o homem “rasga” as imagens e sua idolatria, e passa a
abstrair todas as dimensões da realidade, menos uma, a dimensão da conceituação, que vai lhe
permitir codificar e decodificar textos. Portanto, ao invés de se aproximar do mundo concreto,
da experiencia e da vida, o homem se afastou ainda mais deste, pois conceitos significam
ideias não fenômenos. Nesse afastamento conceitual que a escrita propôs no início da história,
temos uma ativação da imaginação que imagina todas as dimensões que o texto abstraiu para
a dimensão do conceito.
Imagens e textos coexistem, imagens atravessam textos para “remagicizá-los”
enquanto textos explicam imagens para “rasga-las”. Essa dialética nos permite então
reivindicar a potência conceitual de imagens que acabam se transcrevendo em textos visuais
através de narrativas imaginativas entre imagem e texto, que juntamente abstraem ainda mais
a realidade do mundo, não são explicações, não transcrevem realidades, dão espaço
interpretativo, para reconstruir as dimensões que faltam; codificar, intuir, não concluir.
A fotografia é também uma imagem, está incluída nos fenômenos e implicações
descritas, porém é imagem técnica, aquela produzida pelo aparelho; estes produtos da técnica,
técnica: texto científico aplicado na construção de imagens. Essas são condições decisivas
para decifra-la. Em outras palavras, a fotografia imagina o texto (conceito) que cria imagens
sobre (re-corte) o mundo.
As imagens técnicas se tornam opacas, por parecer que não precisam ser decifradas,
nos enganam quando pensamos que não existem camadas a serem desvendadas por sob a
densa superfície, há a falsa sensação de que a realidade se apresenta ali, automaticamente
impressa no suporte fotográfico “Graças a sua natureza fisioquímica – e hoje eletrônica – de
registrar aspectos (selecionados) do real, tal como esses fatos se parecem” (KOSSOY, 2000,
p. 19). Nos esquecemos que esta natureza cientifica é texto aplicado que cria imagem e
portanto afasta ainda mais nosso olhar da realidade.
O que se dá na superfície fotográfica é preciso perceber a partir de sua transparência
de imagem técnica que é, codifica processos em cenas. Cenas são constituídas de camadas,
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quando mais profundamente penetrarmos nelas (camadas históricas, sociais, de sentido, etc.)
mais nos defrontamos com os processos necessários à sua transcodificação, para reconstruir
as dimensões abstraídas no ato fotográfico: A interrupção temporal causa um congelamento
no tempo, a paralização da cena; a fotografia perde, então, o contexto temporal, abstrai a
passagem do tempo e seleciona um único momento, um gesto fixo, que na realidade poderia
se desdobrar em vários outros.
Como se vê, o princípio de uma separação simultânea no tempo e no espaço, de uma
falha irredutível entre signo e referente é realmente fundamental. Vem sublinhar
radicalmente que a fotografia, como índice, por mais vinculada fisicamente que seja,
por mais próxima que esteja do objeto que ela representa e do qual ela emana, ainda
assim permanece absolutamente separada dele. (DUBOIS, 2001, p. 93).
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captando traços e registrando processos de aceitação, negação ou construção de normas
sociais que lutam por espaço na cena criada pela superfície fotográfica na construção de um
habitus, “[...] ou seja, a fotografia constrói uma identidade social, uma identidade
padronizada, não raro, o conceito de individualidade, permitindo forjar as mais variadas
tipologias.” (FABRIS, 2004, p. 15).
É permitido aos indivíduos se representar e se mostrar nos retratos fotográficos, numa
relação sempre paradoxal entre fotografia e identidade onde a verdadeira realidade capturada
é sua efígie: talvez a única identidade que não pode ser mascarada ou mentida, a única
realidade que se imprime no instantâneo fotográfico. O documento de identidade que
utilizamos para a identificação civil do sujeito contém os dados de filiação, a procedência,
uma digital e um retrato, como se juntos esses textos e essas imagens, definissem o sujeito e
lhe atestassem existência, o que de fato fazem no âmbito legal, mas a identidade da existência
do ser fica subliminar, indefinida, se esvazia na identidade civil que a sociedade
contemporânea, complexa e multifacetada imprime no ser.
Um exemplo emblemático do esvaziamento da identidade na sociedade é a figura de
Andy Warhol, que nos anos da década de 60 do século XX transfigura a identidade num signo
de consumo, a figura pública e a imagem que esta projeta, se torna a própria identidade,
despida de qualquer significado maior que o da celebridade, o ícone da fama, pela fama. A
identidade não existe na sociedade de massa, ela é para Warhol, em certa medida,
padronizada.
O fotógrafo age em função de explorar ao esgotamento o programa do aparelho, é
preciso olhar para os cantos obscuros e pouco visitados do universo fotográfico, lugar
debilmente iluminado pela chama do discurso midiático, construir para além do lugar comum
do mercado e das padronizações das identidades com seus discursos homogeneizantes, uma
fotografia que realize o universo fotográfico diverso e constitutivo de “subjetivações não
programadas” (PAIM, 2012, p.22)
Aqui nos propomos a produção de sentidos a partir do trabalho das fotografas Diane
Arbus e Paula Sampaio que constituem temáticas diversas nos seus retratos fotográficos, mas
inscrevem-se numa estética correlata, seja na estranheza que suas imagens causam, seja na
recusa a técnica ou a busca sempre atenta e cuidadosa de novos sujeitos com os quais se
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envolver e fotografar, a partir de uma relação construída no comprometimento do tempo e no
deslocamento no espaço. Ambas de certa forma, estranhas andarilhas nos caminhos da
errância.
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Fig. 2: Jovem patriota com bandeira, Novai York, 1967
As fotografias de Arbus causam no expectador, ainda que chocado, uma distância, não
havendo nelas espaço para a compaixão. Essa distância baseia-se na solicitação que faz ao
espectador, de perceber nesses retratos o outro – o diferente. O espectador está numa relação
de privilégio àquelas pessoas, assim o projeto de Arbus se serviu a mostrar que o outro existe.
Essa construção de um projeto de imagens que dialogam com um intertexto cria uma narrativa
conceitual que vai permeando a obra fotográfica e criando um discurso percebido nas
camadas sobrepostas do tecido fotográfico.
Arbus era por profissão fotógrafa de moda, mantinha com seu marido – também
fotógrafo - um estúdio fotográfico onde desenvolvia seus trabalhos comerciais. Se
contrapondo a este universo de “uma fabricante da mentira cosmética que mascara as
intratáveis desigualdades de nascimento, de classe e de aparência física” (SONTAG, 2004,
p.57), criou esse universo de revolta moralista contra uma cultura da vida bem-sucedida, num
espetáculo de horror em contraponto ao tédio da vida anestesiada de classe de privilégios, da
fama e da celebridade (ironicamente?) proposta por seu contemporâneo Andy Warhol.
Em Arbus é a busca pelas experiências dolorosas do outro que lhe motiva, se arrisca
em busca desses personagens, onde ao encontra-los projeta sua própria estranheza, o que
talvez tenha colocado a fotografa em um jogo de ficção e traição difícil de sustentar tendo
Arbus tem sua carreira abruptamente interrompida por seu suicídio em 1971, no ano seguinte
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seria a primeira fotógrafa americana a participar da bienal de Veneza. O outro existe, eu o
estranho, e esse incomodo me excita a ponto de morrer.
Um desses projetos autorais: Antônios e Cândidas tem sonhos de sorte que vem
sendo realizado desde a década de 1990 nas rodovias, Transamazônica e Belém-Brasília,
documenta as histórias dos homens e mulheres que a partir da década de 1970 iniciaram um
processo de migração e ocupação da Amazônia, estimulados por perspectivas de
desenvolvimento e integração que o governo ditatorial de Médici proclamava.
Sampaio nos leva a uma reflexão através das imagens mostrando esvaziada a ideia de
classificação das comunidades quilombolas como reduto de negros fugidos, passamos a ver
esses personagens como o que de fato são: pessoas com suas vidas e características próprias
de identidades diversas e complexas formatadas dentro de uma comunidade isolada e de
passado histórico e memórias compartilhasdas. Para Sampaio o que interessa é o que cada
pessoa tem a dizer de sua história como individuo ou como comunidade tornando o trabalho
fotográfico desta artista expressivo de um determinado habitus ao mesmo tempo que descreve
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histórias e contextos do indivíduo, nas suas andanças Paula Sampaio parece dar novo
significado a memória e a identidade das duas diferentes comunidades aqui tratadas
(moradores da transamazônica e quilombolas), e ainda criar uma memória visual através da
fotografia, constituindo novos universos de histórias e realidades.
Fonte: http://paulasampaio.com.br/projetos/refugio/
Utilizando o fotojornalismo para criar uma linguagem poética que informa: o outro
existe e pode narrar suas comunidades, suas histórias, mas principalmente criando uma
imagem que funciona como instrumento de subversão de discursos minorizantes e
excludentes, desconstruindo as bases do discurso único – o poder da imagem – não somente
para si ou para indivíduos fotografados, mas para qualquer um que entre em contato com estas
imagens veiculadas pela mídia.
REFERÊNCIAS
ARBUS, Diane; ISRAEL, Marvin. an Aperture Monograph. New York: Aperture, 1997.
CASTRO, Fabrio Fonseca de. Entre o Mito e a Fronteira: estudo sobre a figuração da Amazônia na
produção artística contemporânea de Belém. Belém: Edição do Autos, 2011.
DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. 5. ed. São Paulo: Papirus, 2001.
FABRIS, Annateresa. Identidades Virtuais: uma leitura do retrato fotográfico. Belo Horizonte:
UFMG, 2004.
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FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São
Paulo: Hucitec, 1985.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 1999.
MOKARZEL, Mariza (Coord.); LIMA, Janice; MOURA, Simone. Rios de Terras e Aguas: Navegar
é Preciso. Belém: UNAMA, 2009.
PAIM, Claudia. Táticas de artistas na América Latina: coletivos, iniciativas coletivas e espaços
autogestionados. Porto Alegre: Panorama Crítico, 2012.
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