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CAMINHOS DA ERRÂNCIA NO RETRATO FOTOGRÁFICO DE

DIANE ARBUS E PAULA SAMPAIO

Renata Aguiar Rodrigues1 - UNAMA


Simone Oliveira Moura 2 - UNAMA

Grupo de Trabalho de Fundamentos

Resumo
O presente artigo busca analisar o trabalho das fotógrafas Diane Arbus e Paula Sampaio, ambas
mulheres das américas, que empenharam grande parte de seus esforços na construção de um trabalho
estético conceitual, tendo no retrato fotográfico a instalação do outro, seja a em Arbus com seus
personagens grotescos, ou em Sampaio com seu fotojornalismo poético, é a partir da concepção de que
fotografias, principalmente quando constituídas em série, podem conter uma potência estética e crítica
da sociedade que representam, vivenciam e ficcionalizam, requerendo uma construção de sentidos
para além do simples retrato que revela a efigie, mas não imprime sobre o suporte fotográfico a
máscara, a identidade oculta de todo o ser, sua alteridade inviolável. A partir de uma viagem ao início
da criação da imagem, pelo uso da imaginação como forma de abstrair a realidade tempo-espaço nas
dimensões do plano, chegamos ao entendimento da imagem-técnica, que é aquela produzida pelo
aparelho assim como a fotografia, nesse caminho aprendemos a não confiar plenamente na fotografia,
pois esta representa uma falha incontestável quando comparada a realidade, pois suprime a
profundidade e o tempo, o corte/enquadramento e o lapso temporal, são as abstrações que permitiram
a Arbus e Sampaio construir um universo imagético próprio e um constructo poético que de forma
acida representam a realidade pelo viés da observação crítica e imposição de um olhar, que é indicial
de um realidade que ambas cuidadosamente selecionam e deslocam, construindo uma unicidade
visual, a partir de uma diversidade de sujeitos nas quais nos foi possível encontrar sentidos.
Palavras-chave: Representação. Habitus. Alteridade.

Indício é o que resta da presença


A imagem abstrai do universo tempo-espaço, apenas as duas dimensões do plano, esse
fenômeno é possível graças à imaginação pela qual o homem é capaz de reconstruir as
dimensões abstraídas no ato de criação da imagem que transforma fato em cena constituindo-
se em um código do real, assim as imagens que pretendem representar o mundo acabam
interpondo-se entre o homem e o mundo. Esta mágica que as imagens exercem sobre os

1
Mestre em Artes pela UFPA. Professora no curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da
Amazônia - UNAMA. Professora da Fundação Escola Bosque. Produtora e artista visual residente do Casulo
Cultural. E-mail: renata_rar@yahoo.com.br
2
Mestre em Artes pela UFPA. Professora no curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da
Amazônia - UNAMA. Professora da Secretaria Estadual de Educação. E-mail: simoneoliver2@hotmail.com

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homens foi denominada por Flusser de “idolatria” (1985, p. 9). Idolatrando, o homem se torna
incapaz de decifrar as imagens, já não consegue reconstruir as dimensões abstraídas no seu
processo de construção, e passa a acreditar que imagem corresponde à realidade.
Com o surgimento da escrita o homem “rasga” as imagens e sua idolatria, e passa a
abstrair todas as dimensões da realidade, menos uma, a dimensão da conceituação, que vai lhe
permitir codificar e decodificar textos. Portanto, ao invés de se aproximar do mundo concreto,
da experiencia e da vida, o homem se afastou ainda mais deste, pois conceitos significam
ideias não fenômenos. Nesse afastamento conceitual que a escrita propôs no início da história,
temos uma ativação da imaginação que imagina todas as dimensões que o texto abstraiu para
a dimensão do conceito.
Imagens e textos coexistem, imagens atravessam textos para “remagicizá-los”
enquanto textos explicam imagens para “rasga-las”. Essa dialética nos permite então
reivindicar a potência conceitual de imagens que acabam se transcrevendo em textos visuais
através de narrativas imaginativas entre imagem e texto, que juntamente abstraem ainda mais
a realidade do mundo, não são explicações, não transcrevem realidades, dão espaço
interpretativo, para reconstruir as dimensões que faltam; codificar, intuir, não concluir.
A fotografia é também uma imagem, está incluída nos fenômenos e implicações
descritas, porém é imagem técnica, aquela produzida pelo aparelho; estes produtos da técnica,
técnica: texto científico aplicado na construção de imagens. Essas são condições decisivas
para decifra-la. Em outras palavras, a fotografia imagina o texto (conceito) que cria imagens
sobre (re-corte) o mundo.
As imagens técnicas se tornam opacas, por parecer que não precisam ser decifradas,
nos enganam quando pensamos que não existem camadas a serem desvendadas por sob a
densa superfície, há a falsa sensação de que a realidade se apresenta ali, automaticamente
impressa no suporte fotográfico “Graças a sua natureza fisioquímica – e hoje eletrônica – de
registrar aspectos (selecionados) do real, tal como esses fatos se parecem” (KOSSOY, 2000,
p. 19). Nos esquecemos que esta natureza cientifica é texto aplicado que cria imagem e
portanto afasta ainda mais nosso olhar da realidade.
O que se dá na superfície fotográfica é preciso perceber a partir de sua transparência
de imagem técnica que é, codifica processos em cenas. Cenas são constituídas de camadas,
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quando mais profundamente penetrarmos nelas (camadas históricas, sociais, de sentido, etc.)
mais nos defrontamos com os processos necessários à sua transcodificação, para reconstruir
as dimensões abstraídas no ato fotográfico: A interrupção temporal causa um congelamento
no tempo, a paralização da cena; a fotografia perde, então, o contexto temporal, abstrai a
passagem do tempo e seleciona um único momento, um gesto fixo, que na realidade poderia
se desdobrar em vários outros.
Como se vê, o princípio de uma separação simultânea no tempo e no espaço, de uma
falha irredutível entre signo e referente é realmente fundamental. Vem sublinhar
radicalmente que a fotografia, como índice, por mais vinculada fisicamente que seja,
por mais próxima que esteja do objeto que ela representa e do qual ela emana, ainda
assim permanece absolutamente separada dele. (DUBOIS, 2001, p. 93).

É dessa forma que o fotógrafo pode usar o princípio de separação simultânea no


tempo-espaço para arquitetar seu processo de criação de uma realidade ficcional embora
indiciário de uma realidade fatídica, conceitual embora imagético. Construindo e
documentando realidades, com essa constante dialética que permeia e integra a trama
fotográfica. Em especial no retrato, o caráter ficcional e real da fotografia se revela, posto que
nele, além do espaço subjetivo oferecido à sua leitura, que reconstrói as dimensões abstraídas,
há intencionalidades em jogo que se opõe ou se reforçam na constituição da imagem: o
fotografo e aquele que tem o seu olhar.
Sendo assim, existe mais na fotografia de um rosto do que está ali impresso no papel, a
imagem por si só enquanto esquema de representação deixa espaço para infinitas
possibilidades de interpretação e reconstrução de significados que os rostos e expressões
podem mostrar ou esconder. O retrato é então campo de tensões, fronteira na construção de
identidades e discursos, onde o corpo é suporte principal objeto e também sujeito, não captura
a máscara, o que se vê na superfície da fotografia é a semelhança, em duas dimensões de um
fenômeno que ocorre lá fora, no tempo-espaço, no sujeito.
É pelo ato da pose, que constrange/obriga o sujeito a se pensar no processo de
representações da fotografia, que se reforça a encenação, vestindo-se da máscara do eu e
mostrando o que poderia ser a sua visão de si mesmo ou ainda a visão que gostariam que os
outros tivessem dele. O retrato pode ter um papel representativo do sujeito, na forma como ele
se insere em dado meio social, pode resgatar a história de vida e a identidade do indivíduo,

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captando traços e registrando processos de aceitação, negação ou construção de normas
sociais que lutam por espaço na cena criada pela superfície fotográfica na construção de um
habitus, “[...] ou seja, a fotografia constrói uma identidade social, uma identidade
padronizada, não raro, o conceito de individualidade, permitindo forjar as mais variadas
tipologias.” (FABRIS, 2004, p. 15).
É permitido aos indivíduos se representar e se mostrar nos retratos fotográficos, numa
relação sempre paradoxal entre fotografia e identidade onde a verdadeira realidade capturada
é sua efígie: talvez a única identidade que não pode ser mascarada ou mentida, a única
realidade que se imprime no instantâneo fotográfico. O documento de identidade que
utilizamos para a identificação civil do sujeito contém os dados de filiação, a procedência,
uma digital e um retrato, como se juntos esses textos e essas imagens, definissem o sujeito e
lhe atestassem existência, o que de fato fazem no âmbito legal, mas a identidade da existência
do ser fica subliminar, indefinida, se esvazia na identidade civil que a sociedade
contemporânea, complexa e multifacetada imprime no ser.
Um exemplo emblemático do esvaziamento da identidade na sociedade é a figura de
Andy Warhol, que nos anos da década de 60 do século XX transfigura a identidade num signo
de consumo, a figura pública e a imagem que esta projeta, se torna a própria identidade,
despida de qualquer significado maior que o da celebridade, o ícone da fama, pela fama. A
identidade não existe na sociedade de massa, ela é para Warhol, em certa medida,
padronizada.
O fotógrafo age em função de explorar ao esgotamento o programa do aparelho, é
preciso olhar para os cantos obscuros e pouco visitados do universo fotográfico, lugar
debilmente iluminado pela chama do discurso midiático, construir para além do lugar comum
do mercado e das padronizações das identidades com seus discursos homogeneizantes, uma
fotografia que realize o universo fotográfico diverso e constitutivo de “subjetivações não
programadas” (PAIM, 2012, p.22)
Aqui nos propomos a produção de sentidos a partir do trabalho das fotografas Diane
Arbus e Paula Sampaio que constituem temáticas diversas nos seus retratos fotográficos, mas
inscrevem-se numa estética correlata, seja na estranheza que suas imagens causam, seja na
recusa a técnica ou a busca sempre atenta e cuidadosa de novos sujeitos com os quais se
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envolver e fotografar, a partir de uma relação construída no comprometimento do tempo e no
deslocamento no espaço. Ambas de certa forma, estranhas andarilhas nos caminhos da
errância.

A fotógrafa dos Freaks


Diane Arbus fotógrafa americana que alcançou maturidade no trabalho fotográfico
autoral na década de 60, empenhou-se em um projeto representativo em que tinha grande
inferência na intimidade, no universo particular próprio de cada modelo fotografado. Buscava
capturar a lacuna existente entre o que a pessoa fotografada gostaria de parecer ser na
fotografia e o que de fato a imagem mostrava para o observador, assim Susan Sontag
questiona “Será que se viam desse jeito, [...]. Será que sabiam que eram grotescos?” (2004, p.
48).
Fig. 1. Mulher com véu na Quinta Avenida, Nova York - 1968

Fonte: Diane Arbus - An Aperture Monograph

Capturando um descompasso entre intenção do fotografado e efeito da fotografia,


incentivando seus temas a posar, extraindo da imagem desses sujeitos a estranheza presente
na própria fotógrafa, o que Arbus representa é a ruptura entre o entendimento da imagem
fotográfica enquanto representativa do real, rompendo com a escola documental dos anos de
1930 e 1940. O importante aqui é o contraste entre aparência e essência, seja na técnica
aparentemente desleixada e quase amadora que Arbus confere a seu trabalho (a luz estourada
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do flash, granulação, desfoque e enquadramento), ou na representação dualista que a artista
utiliza para representar seus personagens.
Foi justamente por conta do modo nada convencional com que Arbus fotografava que
ficou conhecida como a fotógrafa dos ‘Freaks’, termo em inglês que em tradução livre, pode
ser compreendido como estranhos, ou aberrações. Isso porque ao fotografar uma variedade
imensa de tipos humanos conseguia extrair destes, algo de pitoresco, excêntrico ou estranho;
desde crianças, casais suburbanos, anões, gigantes, gêmeos, travestis e nudistas. Segundo a
fotógrafa: “Você vê uma pessoa na rua, e, essencialmente, o que percebe nelas é o defeito”
(1997, p.01), assim mesmo quando fotografava pessoas sem nenhuma anomalia física, seu
modo de olhar insinuava o grotesco em seus modelos, já que o grotesco habitava seu olhar.
A fotógrafa conseguia realizar fotografias extremamente reveladoras, tudo
dependendo do seu grau de entrosamento com o sujeito. Em Arbus nada é casual ou gratuito,
quase não existe, em seu estilo, uma fotografia feita de relance ou de um ato espontâneo.
Arbus analisava e conhecia seus objetos-sujeitos e criava com eles uma relação de confiança
até poder extrair a imagem desejada em um processo por vezes lento e cuidadoso. A pose era
seu artifício de traição por excelência, utilizada pela fotógrafa, que cuidadosamente arranjava
seus modelos de forma a aparentar um estranhamento, por meio de um suposto flagrante,
assim “a imagem é sempre convocada e calculada (pose) para ser infringida.” (KURAMOTO,
2006, p.15). Com isso antecedeu gerações de fotógrafos, principalmente nos anos de 1990 que
iriam investigar mais a fundo a criação de uma realidade fictícia ou construída.
Irônica e controversa, Arbus transforma o ‘estilo de vida americano’, em algo
decadente e ilusório, fazendo-o à época da falida guerra no Vietnã sem mostrar clara ou
diretamente os fatos históricos. Esses são apenas desfocados panos de fundo para um universo
pessoal de seus pobres e débeis personagens patrióticos em suas fotografias, ingressando de
forma oblíqua, as convenções do mundo oficial, criando uma função destoante das que
costumam exercer na vida cotidiana, talvez, por isso tornando-se imagens marcantes e ao
mesmo tempo críticas da sociedade. Assim, a América de Arbus se torna o país dos tolos,
loucos e excêntricos, todos envoltos na aura carnavalesca onde a fotógrafa parodia e rebaixa
as coisas elevadas e admiráveis à sociedade.

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Fig. 2: Jovem patriota com bandeira, Novai York, 1967

Fonte: Diane Arbus - An Aperture Monograph

As fotografias de Arbus causam no expectador, ainda que chocado, uma distância, não
havendo nelas espaço para a compaixão. Essa distância baseia-se na solicitação que faz ao
espectador, de perceber nesses retratos o outro – o diferente. O espectador está numa relação
de privilégio àquelas pessoas, assim o projeto de Arbus se serviu a mostrar que o outro existe.
Essa construção de um projeto de imagens que dialogam com um intertexto cria uma narrativa
conceitual que vai permeando a obra fotográfica e criando um discurso percebido nas
camadas sobrepostas do tecido fotográfico.
Arbus era por profissão fotógrafa de moda, mantinha com seu marido – também
fotógrafo - um estúdio fotográfico onde desenvolvia seus trabalhos comerciais. Se
contrapondo a este universo de “uma fabricante da mentira cosmética que mascara as
intratáveis desigualdades de nascimento, de classe e de aparência física” (SONTAG, 2004,
p.57), criou esse universo de revolta moralista contra uma cultura da vida bem-sucedida, num
espetáculo de horror em contraponto ao tédio da vida anestesiada de classe de privilégios, da
fama e da celebridade (ironicamente?) proposta por seu contemporâneo Andy Warhol.
Em Arbus é a busca pelas experiências dolorosas do outro que lhe motiva, se arrisca
em busca desses personagens, onde ao encontra-los projeta sua própria estranheza, o que
talvez tenha colocado a fotografa em um jogo de ficção e traição difícil de sustentar tendo
Arbus tem sua carreira abruptamente interrompida por seu suicídio em 1971, no ano seguinte
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seria a primeira fotógrafa americana a participar da bienal de Veneza. O outro existe, eu o
estranho, e esse incomodo me excita a ponto de morrer.

A transamazônica e a fotógrafa andarilha

O fotojornalismo é um ramo da fotografia onde a informação deve aparecer de forma


clara e objetiva. O que dizer então sobre o trabalho de Paula Sampaio, fotógrafa nascida na
cidade de Belo Horizonte em 1965, que se muda para Belém em 1982? Um trabalho que a
principio entitulado como fotojornalistico, revela uma poética por vezes não informativa no
sentido da notícia, como se esperaria de uma fotografia jornalística. Ao longo dos mais de
vinte anos que Paula Sampaio vem fotografando pessoas e localidades da amazônia
desenvolveu uma maneira muito peculiar de olhar e representar a pessoas que conhece nos
caminhos que percorre.

A trajetoria de Paula Sampaio se inicia ainda em sua meninice quando a mineira se


muda com a familia para as proximidades da rodovia Transamazônica e Belém-Brasilia fato
que talvez, “também influencie esse desejo de percorrer e fotografar estradas e pessoas.”
(LIMA 2009, p.111). Formada em jornalismo pela Universidade Federal do Pará e
especialista em Comunicação e Semiótica na Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Paula Sampaio trabalha com fotojornalismo desde 1987 além de desenvolver diversos
projetos autorais na área de fotografia, documentando a colonização, ocupação e migrações na
Amazônia.

Um desses projetos autorais: Antônios e Cândidas tem sonhos de sorte que vem
sendo realizado desde a década de 1990 nas rodovias, Transamazônica e Belém-Brasília,
documenta as histórias dos homens e mulheres que a partir da década de 1970 iniciaram um
processo de migração e ocupação da Amazônia, estimulados por perspectivas de
desenvolvimento e integração que o governo ditatorial de Médici proclamava.

Pelas lentes da câmera fotográfica Sampaio mais que simplesmente capturar a


informação contida na imagem, consegue criar um senso de identidade e memória que
permeia todos esses diferentes sujeitos, por vezes distantes geograficamente, personagens que
possuem um passado comum, dando forma a memória coletiva destes homens e mulheres
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criando um sentido de pertencimento a partir do habitus. É neste espaço do sujeito, que as
fotografias de Sampaio ganham mais força, pois esta “não tem a pretensão de escrever a
história das pessoas, ao contrário, prefere que elas mesmas narrem e decidam quais são as
imagens e objetos que devem compor esse registro. ” (LIMA, 2009, p.112).

As imagens de Sampaio têm uma característica muito peculiar, e é esta característica


que justamente tornam suas fotografias mais que simples registro fotojornalistico. Suas
imagens, em preto e branco por vezes trazem personagens cortados, fora de enquadramento
ou aparecendo apenas uma parte do corpo. A fotógrafa também trabalha as sombras de forma
peculiar dando dramaticidade a imagem e, às vezes, mesmo constituindo a imagem apenas
com sombras, criando uma poética para seu trabalho fotojornalístico.

O ensaio fotográfico “Refúgio” surgiu da Participação de Paula Sampaio no projeto


Terra de Negro, parceria entre o programa Raízes e o Instituto de Arte do Pará (IAP), este
projeto incluía várias ações nas comunidades quilombolas do Pará com o intuito de valorizar
sua história e cultura. Sampaio foi chamada para fazer a documentação das ações nos cerca de
400 grupos dos municípios Abaetetuba, Acará, Ananindeua, Baião, Mocajuba, Oeiras do Pará
e Santa Izabel.

Segundo Herkenhoff (apud LIMA, 2009, p.117):

Paula Sampaio vê, realizando documentação fotográfica dos quilombolas, sua


individualidade, emoções e vida comunitária. Na sociedade nacional, não tem
direito a um rosto e a tudo que converte o indivíduo em cidadão. Isolados na
selva, mais do que interpretação, ganham uma voz possível e memória visual.
Sampaio constitui índices de abandono social e de ausência de representação
política dessas comunidades [...].

Sampaio nos leva a uma reflexão através das imagens mostrando esvaziada a ideia de
classificação das comunidades quilombolas como reduto de negros fugidos, passamos a ver
esses personagens como o que de fato são: pessoas com suas vidas e características próprias
de identidades diversas e complexas formatadas dentro de uma comunidade isolada e de
passado histórico e memórias compartilhasdas. Para Sampaio o que interessa é o que cada
pessoa tem a dizer de sua história como individuo ou como comunidade tornando o trabalho
fotográfico desta artista expressivo de um determinado habitus ao mesmo tempo que descreve
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histórias e contextos do indivíduo, nas suas andanças Paula Sampaio parece dar novo
significado a memória e a identidade das duas diferentes comunidades aqui tratadas
(moradores da transamazônica e quilombolas), e ainda criar uma memória visual através da
fotografia, constituindo novos universos de histórias e realidades.

Fig. 3: Série refúgios de Paula Sampaio

Fonte: http://paulasampaio.com.br/projetos/refugio/
Utilizando o fotojornalismo para criar uma linguagem poética que informa: o outro
existe e pode narrar suas comunidades, suas histórias, mas principalmente criando uma
imagem que funciona como instrumento de subversão de discursos minorizantes e
excludentes, desconstruindo as bases do discurso único – o poder da imagem – não somente
para si ou para indivíduos fotografados, mas para qualquer um que entre em contato com estas
imagens veiculadas pela mídia.

O que seria criar imagens, mesmo usando a fotografia documental ou expandida,


senão um ato de eleger personagens, lugares, paisagens e ficcionalizá-los, seja em sua
concepção ou em sua fruição? Os modos de desvendar e falar sobre a fotografia enquanto arte
e/ou documento e suas particularidades em suas produções nunca deixaram de ser um olhar
sobre o mundo vivenciado, um mundo no qual a Amazônia se faz presente por ser o ponto de
encontro e de partida comum aos fotógrafos que ali desenvolvem seus trabalhos. Neste grande
grupo, há uma significativa diferenciação entre os que elegem a região como tema de suas
imagens, e essa diferenciação se dá no como esse tema é apresentado. A busca pela
representação do lugar – desse que não é qualquer outro senão o que se apresenta na
cotidianidade, íntimo, particular e imenso, dilatado pela contiguidade das águas e rios e furos
e igarapés, ruelas e vilas e estradas e caminhos de terra por dentro e em volta das cidades e
florestas.
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Formada por uma paisagem diferenciada, onde a natureza e a ação humana se fazem
desmedidas – a fotografia das últimas décadas no Pará é permeada por uma identidade
particular da produção local contemporânea. É nesse sentido que se compreende apropriado
falar sobre uma moderna tradição amazônica, discutida por Fábio Castro em seu livro “Entre
o Mito e a Fronteira” (2011), dotada de um sentir específico que influencia até hoje a
produção fotográfica local. Nas décadas finais do século XX muitos outros fotógrafos foram,
retornaram e continuam indo e vindo à procura de uma visibilidade e de uma visualidade
amazônica conectora desse processo de construção da representação do lugar, sem considerar
esse lugar de forma estereotipada e nem dicotômica: natureza x urbanidade. A partir desse
olhar, compreendemos o discurso sobre as especificidades amazônicas e a sua representação
não estereotipada pela fotógrafa, em contraposição à imagem amplamente aceita e bem quista
pela mídia, que trata a Amazônia como exótica ou selvagem lugar sobre o qual se fala, mas
que não fala de si.

Assim o que encontramos na fotografia de Paula Sampaio é uma estética construída a


partir de um profundo envolvimento com a região e um nomadismo, estruturado no senso de
comprometimento com as comunidades vivenciadas, em idas e vindas a fotografa estrutura
uma documentação poética da sua própria relação de fotojornalista artista radicada na
Amazônia.

REFERÊNCIAS
ARBUS, Diane; ISRAEL, Marvin. an Aperture Monograph. New York: Aperture, 1997.

CASTRO, Fabrio Fonseca de. Entre o Mito e a Fronteira: estudo sobre a figuração da Amazônia na
produção artística contemporânea de Belém. Belém: Edição do Autos, 2011.

DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. 5. ed. São Paulo: Papirus, 2001.

FABRIS, Annateresa. Identidades Virtuais: uma leitura do retrato fotográfico. Belo Horizonte:
UFMG, 2004.

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FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. São
Paulo: Hucitec, 1985.

KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 1999.

KURAMOTO, Emy. A Representação Diruptiva de Diane Arbus: do documental ao alegórico.


Campinas, 2006. Disponível em: ˂http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000400416 ˃. Acesso
em: 05 out. 2010, 23:00:05.

MOKARZEL, Mariza (Coord.); LIMA, Janice; MOURA, Simone. Rios de Terras e Aguas: Navegar
é Preciso. Belém: UNAMA, 2009.

PAIM, Claudia. Táticas de artistas na América Latina: coletivos, iniciativas coletivas e espaços
autogestionados. Porto Alegre: Panorama Crítico, 2012.

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