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Fotografia: Visão do Fotógrafo ou Visão do Real

Arlindo Machado 1

Desde a sua invenção, no começo do século XIX, a fotografia esteve sempre associada à
representação objetiva da realidade. Uma vez que fotografia é, ou supõe-se que seja, o registro
químico dos raios de luz refletidos pelos objetos colocados diante da câmera, acredita-se que ela
teria o poder de reproduzir automaticamente a aparência visual do mundo. E mais: ela poderia
fazer isso da forma mais exata possível, uma vez que parece não sofrer influência daquela
“subjetividade” humana que marca as outras artes, inclusive sua parente mais próxima, a pintura,
O pintor, ao fazer um quadro, necessita efetivamente das mãos e de sua interpretação do objeto
para representá-lo, no caso da fotografia esses procedimentos, aparentemente, foram substituídos
pela máquina e pelo clique do fotógrafo.

Dai a razão porque a fotografia tem sido utilizada preferencialmente como documento, como
evidência, como atestado de uma preexistência da coisa fotografada, ou ainda como o árbitro da
verdade. Dai também a crença mais ou menos generalizada de que a câmera não mente jamais,
crença esta explorada de forma nem sempre bem-intencionada no jornalismo e na jurisprudência.

A câmera fotográfica foi desenvolvida e aperfeiçoada para ser o equipamento que capturaria o
real o mais objetiva e fielmente possível, portanto, basta um mergulho critico na história desse
meio de expressão para que possamos verificar nitidamente que a fotografia só consegue
"reproduzir" ou “duplicar” uma realidade, já que esses são seus princípios básicos de
funcionamento.

Hoje, com a simulação de imagens fotográficas por computador e com a possibilidade de


manipular infinitamente os dados registrados na película através de processos digitais, estamos
assistindo a uma demolição definitiva e possivelmente irreversível do mito da objetividade
fotográfica, sobre o qual se fundaram as teorias ingênuas da fotografia como signo da verdade ou
como reprodução do real.

Os especialistas, que se atiraram seriamente à tarefa de examinar o modo de funcionamento da


fotografia como um sistema, de expressão, já deixaram evidentes as convenções do código
fotográfico de representação e a arbitrariedade dos seus elementos expressivos, como o
enquadramento a iluminação, a disposição das zonas de cinza, a determinação do ponto de foco,
a velocidade de obturação, a resolução da perspectiva pelos vários tipos de lente, a densidade da
emulsão de registro, o balanceamento das cores, etc.

A fotografia exprime, suas "mensagens" na, forma de construções visuais que são sempre e
necessariamente intencionais, interpretativas e subjetivas, como ocorre aliás em qualquer outro
tipo de sistema de expressão. A ideia esdrúxula, difundida nos anos 40 e 50 por André Bazin, de
que a fotografia pertence não só ao domínio da cultura mas ao das ciências naturais porque é a
própria “realidade” que se imprime a si mesma na película, não suporta hoje sequer a mais
elementar das verificações.

O que hoje estamos começando a compreender é que fotografar, da mesma forma como pintar ou
escrever, significa construir um discurso a partir dos recursos oferecidos pelo sistema expressivo
e isso não tem nada a ver com reprodução do real, pelo menos não no sentido mais ingênuo do
termo. A eletrônica, de um lado, e também as novas ideias sobre imagem e representação, estão
forçando a fotografia a viver a sua hora da verdade e a livrar-se das convenções e das ideias
preconcebidas que entravam o seu pleno desenvolvimento como arte e como meio de
comunicação. Isso não quer dizer que as imagens fotográficas são indiferentes à realidade, mas
sim que o acesso a esta última não pode ser considerado de forma inocente. Antes, ele é mediado
tanto pela tecnologia, como pelos códigos da fotografia, quanto ainda pelo uso particular da
linguagem fotográfica pelo operador da câmera. Quando o mito da objetividade e da veracidade
da imagem fotográfica desaparecer em definitivo da ideologia coletiva, ele poderá ser substituído
pela ideia muito mais saudável da imagem como construção, como expressão e como discurso
visual.

Doutor em comunicação e professor do programa de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC/SP e do


Departamento de Cinema Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo. Publicou, entre outros livros, A Ilusão
Especular e Pré-Cinemas & Pôs-Cinemas. Caixa de Cultura – Fotografia História e Técnica. São Paulo: Instituto Itaú
Cultural, ANO? Pg 9 e 10

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