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TAXONOMIA DE BLOOM E NÍVEIS DO PENSAMENTO QUÍMICO: UMA

ANÁLISE DOS DESCRITORES DE QUÍMICA PRESENTES NA MATRIZ


DO PAEBES

Andréia Francisco Afonso – UFJF/CAEd


Ana Carolina Araújo da Silva – UFJF/CAEd
Rita de Cássia Reis – UFJF/CAEd
Juliana Vicini Florentino – UFJF/CAEd
Resumo
O Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo tem como objetivo produzir
diagnósticos sobre o desempenho dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio, matriculados nas
escolas das redes estadual, municipal e privada. Assim, com os resultados é possível identificar
avanços e dificuldades encontrados durante o processo de ensino e aprendizagem nas escolas
participantes. A matriz de referência do Programa está organizada em cinco unidades temáticas,
com seus respectivos descritores. Nesse sentido, este trabalho apresenta uma análise dos descritores
de Química, da unidade temática Matéria e Energia, das matrizes da área de Ciências da Natureza
do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio em relação aos processos de
desenvolvimento cognitivo, de acordo com a Taxonomia de Bloom Revisada, e com os níveis do
pensamento químico, propostos por Johnstone (2000), a fim de compreender como eles são
delineados nas matrizes. Com base na análise dos dados, foi possível identificar que nos descritores
dos dois anos escolares ocorre uma predominância de verbos no nível mais baixo do
desenvolvimento cognitivo. Por outro lado, constatamos a predominância do nível de pensamento
químico submicroscópico, o que compreende um avanço no estudo dessa disciplina.
Palavras-chave: PAEBES, Taxonomia de Bloom, Níveis do Pensamento Químico, Ciências da
Natureza, Química

Introdução
A partir da década de 1990, a avaliação educacional em larga escala, no contexto brasileiro,
passou a ser usada como uma tentativa de identificar os problemas educacionais.
Consequentemente, essas avaliações disponibilizam resultados e indicadores da qualidade da
Educação para que os Estados possam buscar soluções para proporcionar uma educação de
qualidade a todos, direito este garantido pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996.
Uma dessas avaliações em larga escala, implementada pelo Espírito Santo (ES) é o
Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo (PAEBES), que

[...] visa avaliar os estudantes do Ensino Fundamental e Médio das escolas da rede
estadual, redes municipais associadas e escolas particulares participantes, em
relação ao nível de apropriação dos estudantes em Língua Portuguesa e Matemática
(de todas as etapas avaliadas) e, em anos alternados, em Ciências Humanas e
Ciências da Natureza (a partir do 9º ano EF) (SEDU, 2018).

Para identificação do desempenho dos estudantes na área de Ciências da Natureza, a


avaliação se apoia em uma matriz de referência que possui cinco unidades temáticas, entre elas está
Matéria e Energia. Esta unidade possui 15 descritores para o 9º ano do Ensino Fundamental e 40
para o 3º ano do Ensino Médio.
Os verbos que iniciam esses descritores podem ser organizados em níveis de complexidade,
de acordo com a Taxonomia de Bloom Revisada, como mostra a Figura 1:
Figura 1: Categorias da Taxonomia de Bloom (revisada).

Fonte: Adaptada de Ferraz e Belhot, 2010.

Além de apontar os níveis do desenvolvimento cognitivo, os descritores relacionados à


Química da matriz do PAEBES também permitem avaliar qual dos três níveis do pensamento
químico, descritos por Johnstone (2000), é abordado.
O nível macroscópico e tangível corresponde ao que pode ser visto, tocado e cheirado; o
nível submicroscópico, corresponde aos átomos, moléculas, íons e estruturas; e o nível
representacional, corresponde aos símbolos, fórmulas, equações, molaridade, manipulação
matemática e gráficos (JOHNSTONE, 2000). Entretanto, nenhum desses níveis é superior ao outro,
pois eles se complementam.
Portanto, a partir desse contexto, este trabalho apresenta uma análise dos descritores de
Química das matrizes do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio do PAEBES,
a fim de compreender como os processos de desenvolvimento cognitivo e dos níveis do pensamento
químico são delineados e avaliados pela Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo
(SEDU).

Metodologia
Para esta pesquisa, iniciamos a análise dos descritores da unidade temática Matéria e
Energia das matrizes do PAEBES de 2015, do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino
Médio, ambas disponíveis no sítio do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação
(CAEd) da Universidade Federal de Juiz de Fora1. A escolha pelo ano de 2015 se deu pelo fato de
ser este o último ano que apresenta as versões das matrizes disponibilizadas on-line.
Como os descritores acima mencionados pertencem a área de Ciências da Natureza
(Biologia, Física e Química), foi necessária uma seleção daqueles que procuram avaliar os
conteúdos específicos de Química. Assim, dos 15 descritores da matriz do 9º ano, analisamos 10,
como mostra o Quadro 1, e dos 40 descritores do 3º ano, analisamos 23 (Quadro 2).
Quadro 1: Descritores da matriz do 9º ano do Ensino Fundamental.
Unidade Descritores
Temática
Matéria e D02 Reconhecer a composição ou as propriedades do ar atmosférico.
Energia D04 Identificar as etapas e a importância do ciclo da água.
D05 Diferenciar transformações químicas de transformações físicas da matéria.
D06 Reconhecer as propriedades gerais da matéria em situações do cotidiano.
D07 Reconhecer a natureza particulada da matéria, considerando as ideias iniciais de Dalton.
D09 Reconhecer reações químicas comuns no cotidiano.
D10 Reconhecer os principais processos de separação de misturas.
D12 Reconhecer diferentes fontes de energia analisando sua utilização quanto à
sustentabilidade.
D13 Reconhecer o princípio da conservação de energia.
D14 Identificar processos de transformação de energia.

1
Disponível em http://www.paebes.caedufjf.net/avaliacao-educacional/matriz-de-referencia/ Acesso em 10 de fevereiro
de 2019.
Quadro 2: Descritores da matriz do 3º ano do Ensino Médio.
Unidade Descritores
Temática
D18 Reconhecer os critérios utilizados na organização da Tabela Periódica.
D19 Identificar as propriedades periódicas dos elementos (raio atômico, eletronegatividade,
potencial de ionização, afinidade eletrônica).
Matéria e D20 Reconhecer as propriedades das substâncias iônicas, covalentes e metálicas.
Energia D21 Identificar reações de neutralização ácido e base.
D22 Calcular a quantidade de matéria, relacionando-a com o número de partículas, massa ou
volume.
D23 Balancear equações químicas por meio do método das tentativas.
D24 Reconhecer as relações estequiométricas que ocorrem em uma reação química.
D25 Classificar as soluções de acordo com o coeficiente de solubilidade.
D26 Determinar as diferentes concentrações de soluções (mol/L, ppm e %).
D27 Identificar fenômenos químicos ou físicos em que ocorrem trocas de calor (endotérmico ou
exotérmico).
D28 Calcular a variação de entalpia de transformações químicas ou físicas.
D29 Calcular a energia envolvida na formação e no rompimento de ligações químicas.
D30 Identificar os fatores que alteram a velocidade de uma reação química.
D31 Reconhecer a cinética do consumo de reagentes ou da formação de produtos a partir de
situações-problema ou da análise de gráficos ou dados tabelados.
D32 Reconhecer as características do estado de equilíbrio.
D33 Compreender o fenômeno do deslocamento do equilíbrio em reações químicas.
D34 Determinar o valor de pH (ou pOH) de uma solução a partir do equilíbrio iônico da água.
D35 Caracterizar os processos de oxidação e redução.
D36 Reconhecer o princípio de funcionamento das pilhas.
D37 Calcular a diferença de potencial das células eletroquímicas.
D38 Reconhecer o princípio de funcionamento da eletrólise.
D39 Classificar cadeias carbônicas.
D40 Reconhecer os compostos orgânicos de acordo com os grupos funcionais hidrocarbonetos,
álcoois, fenóis, aldeídos, cetonas, éteres, ésteres, aminas e amidas.

Os Quadros 1 e 2 mostram em destaque os verbos de cada descritor que foram relacionados


com as categorias do domínio cognitivo da Taxonomia de Bloom Revisada (Figura 1). Já em
relação aos níveis do pensamento químico, os descritores foram classificados nas categorias
propostas por Jonstone (2000).
Resultados e Discussão
No Quadro 1, que apresenta os descritores da matriz do 9º ano, pode-se observar uma
predominância do verbo “Reconhecer”, que aparece em sete dos dez descritores associados a
Química. Logo, grande parte dos descritores avaliam os estudantes do 9º ano no nível mais baixo da
Taxonomia de Bloom – Lembrar (Figura 1), não exigindo a mobilização do conhecimento para
aplicação em cálculos ou situações-problema e, sim, a identificação da compreensão dos alunos
sobre determinados conceitos químicos. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), a segunda competência específica de Ciências da Natureza para o Ensino Fundamental vai
ao encontro desse resultado, pois indica que o aluno deve “compreender conceitos fundamentais e
estruturas explicativas das Ciências da Natureza (...)” (BRASIL, 2018, p.324).
Com relação aos níveis do pensamento químico, nota-se a predominância do nível
submicroscópico (seis descritores) em relação ao macroscópico ou tangível (quatro descritores). A
partir dessa análise, pode-se inferir que os descritores propõem que, nesta etapa de escolarização, o
estudante tenha um entendimento da composição e das reações que ocorrem com diferentes tipos de
matéria, a nível atômico.
Assim, muitas vezes, o ensino e a aprendizagem de Ciências/Química são considerados
processos difíceis de serem desenvolvidos, uma vez que “as teorias científicas, por sua
complexidade e alto nível de abstração, não são passíveis de comunicação direta aos alunos de
ensino fundamental” (BRASIL, 1998, p.26).
A Tabela 1 indica o número de vezes que aparecem os diferentes verbos nos descritores,
relacionados à Química, da matriz do 3o ano do Ensino Médio.
Tabela 1: Número de vezes que aparecem os verbos nos descritores de Química do 3o ano do Ensino Médio.
VERBOS DOS DESCRITORES NÚMERO DE VEZES QUE APARECEM
Reconhecer 8
Identificar 4
Calcular 4
Classificar 2
Determinar 2
Balancear 1
Compreender 1
Caracterizar 1
De acordo com Ferraz e Belhot (2010), os verbos “Reconhecer” e “Identificar” pertencem
ao Nível 1 – Lembrar -; os verbos “Classificar”, “Compreender” e “Caracterizar”, ao nível 2 –
Entender -; “Balancear” ao nível 3 – Aplicar; e os verbos “Calcular” e “Determinar” ao nível 4 –
Analisar. Assim, verifica-se que em relação ao Ensino Médio, 12, entre os 23 descritores, estão no
nível 1 – Lembrar. O segundo nível do processo cognitivo mais avaliado é - Analisar. Já o nível
menos explorado nos descritores é o terceiro - Aplicar.
Portanto, os descritores (em sua maioria), que estão associados a conceitos químicos, do 3º
ano do Ensino Médio, assim como os do 9º ano do Ensino Fundamental, esperam do estudante que
este lembre e reconheça os conteúdos estudados, sem necessariamente aplica-los, ou que faça uma
análise mais aprofundada do conhecimento adquirido.
Entretanto, os descritores do 3º ano do Ensino Médio sinalizam que há um direcionamento
para um avanço nos níveis do processo cognitivo, o que não acontece com os descritores do 9º ano
do Ensino Fundamental. Seis dos 23 descritores do 3º ano exploram o quarto nível – Analisar,
enquanto apenas um descritor do 9º ano apresenta o verbo pertencente a este nível. Este avanço é
coerente com o processo e etapa de escolarização - 3º ano -, que é o último, ou seja, a etapa final do
Ensino Médio.
A respeito dos níveis do pensamento químico, pode-se notar a predominância do nível
submicroscópico, assim como nos descritores analisados do 9º ano do Ensino Fundamental, o que
pode ser justificado pelo fato de que o objeto de estudo da Química são os processos envolvidos nas
transformações da matéria. Nesse sentido, espera-se que ao findar a Educação Básica, os estudantes
consigam pensar de maneira abstrata e fazer uso de modelos explicativos. De igual modo, deseja-se
avaliar se os estudantes conseguiram se apropriar da linguagem científica/química, o que justificaria
o nível representacional aparecer em alguns dos descritores. Uma vez que a autonomia no uso da
linguagem científica é uma das recomendações da BNCC do Ensino Médio para a área de Ciências
da Natureza (BRASIL, 2018).

Conclusões
Neste trabalho, propomos uma análise dos descritores, relacionados à Química, das matrizes
de referência de 2015 do PAEBES, para o 9º ano do Ensino Fundamental e para o 3º ano do Ensino
Médio, em relação as categorias do domínio cognitivo da Taxonomia de Bloom revisada e aos
níveis de pensamento químico, propostos por Johnstone (2000).
A partir dos resultados, identificamos que nos descritores analisados dos dois anos escolares,
ocorreu a predominância de verbos pertencentes ao nível mais baixo de desenvolvimento cognitivo,
de modo a obter um diagnóstico, através da avaliação elaborada a partir desses descritores, sobre o
reconhecimento e compreensão mais amplos da Química. A utilização de verbos pertencentes a
níveis mais elevados é observada mais nitidamente nos descritores do 3º ano do Ensino Médio.
Em relação aos níveis do pensamento químico, observamos que os descritores analisados
esperam que o estudante tenha um entendimento da Química, a partir dos átomos e suas respectivas
ligações e reações, o que vai ao encontro do objeto de estudo da disciplina, que compõe a área de
Ciência da Natureza da matriz curricular da Educação Básica.
Entretanto, no 3º ano do Ensino Médio, última etapa da Educação Básica, o nível
representacional também é abordado em seis descritores. O nível representacional está associado a
linguagem científica, um dos elementos que os documentos oficiais do Ministério da Educação
recomendam que sejam desenvolvidos na área de Ciências da Natureza.

Agradecimentos: Ao Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd).

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – Ensino Fundamental.
Brasília: MEC, 2018. 597p.

_______. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências Naturais –


Terceiro e Quarto ciclos do Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 1998. 138p.

ESPÍRITO SANTO, Secretaria de Estado de Educação. PAEBES - Programa de Avaliação da


Educação Básica do Espírito Santo. 2018. Disponível em https://sedu.es.gov.br/paebes Acesso
em 10 de fevereiro de 2019.

FERRAZ, A. P. do C. M.; BELHOT, R. V. Taxonomia de Bloom: revisão teórica e apresentação


das adequações do instrumento para definição de objetivos instrucionais. Gestão & Produção,
v.17, n.2, p.421-431, 2010.

JOHNSTONE, A.H. Teaching of chemistry – logical or psychological? Chemistry Education:


Research and Practice in Europe, v.1, n.1, p. 9-15, 2000.

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