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Professoras Josiane Toledo e Hilda Linhares

Entrevista com a professora Hilda


Linhares sobre a BNCC

00:00:06:03
JOSIANE TOLEDO

Olá Professores e demais profissionais de educação. Sou Josiane Toledo, especialista em Língua Portu-
guesa do Caed, onde trabalho com pesquisa e desenvolvimento de instrumentos de avaliação em larga
escala, além de estratégias de devolutivas e de desenvolvimento profissional. Vou conversar com a pro-
fessora Hilda Linhares, docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora e
pesquisadora do Caed. A professora Hilda participou da construção do documento da BNCC, a Base
Nacional Comum Curricular. E esse será, justamente, o tema da nossa conversa: a BNCC. Olá Hilda, seja
muito bem-vinda!

00:00:48:08
HILDA LINHARES

Olá, Josi! É um prazer estar aqui com você e com as demais pessoas que nos ouvem nesse podcast.

00:00:59:21
JOSIANE TOLEDO

Hilda, atualmente a maioria dos educadores já conhece a BNCC, mas acredito que é sempre muito bom
retomarmos e reforçarmos um pouco qual a proposta e as características desse documento. Então, vamos
começar com uma pergunta até bastante simples: o que é a Base Nacional Comum Curricular, Hilda?

00:01:19:11
HILDA LINHARES

Essa é uma pergunta simples, mas muito importante Josi, porque a Base Nacional Comum Curricular, como
o próprio nome sugere, é um documento base para a elaboração dos currículos nacionais. Tanto as pro-
postas curriculares das redes de ensino quanto as propostas pedagógicas das escolas têm na Base Nacio-
nal Comum Curricular uma referência importante. Mas essa resposta envolve também um esclarecimento
quanto a essa concepção de currículo. Muitas vezes nós acreditamos que o currículo é, basicamente, uma
lista de conteúdos a serem abordados nos diferentes componentes curriculares. Mas o currículo vai muito

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além disso. O currículo diz respeito a toda a vida da escola, a tudo aquilo que acontece no contexto da es-
cola, de forma mais ampla, nas salas de aula, nas relações que se estabelecem entre alunos e professores.
Nesse sentido, a Base Nacional Comum Curricular é uma referência não apenas para o estabelecimento
daquilo que deve ser objeto de trabalho nos diferentes componentes curriculares, como também é uma
referência para se pensar um projeto de formação ao longo de toda a educação básica. Nesse sentido, a
leitura da Base e o seu uso como um instrumento de gestão dos currículos requer que tenhamos uma aten-
ção especial àquilo que, na Base, são denominadas as competências gerais da Educação Básica. Essas
competências, elas estão listadas logo no início do documento, após a sua introdução. E elas expressam,
exatamente, um projeto de formação ao longo de toda a Educação Básica. Assim como há essas compe-
tências gerais da Educação Básica também, a cada componente curricular e a cada eixo da base são apre-
sentadas as competências gerais de cada área de conhecimento e de cada componente curricular. Essas
competências, elas são fundamentais porque elas permitem que se pense a formação, desde a Educação
Infantil até o Ensino Médio, como um contínuo. E, desse modo, elas permitem que se avance em relação a
um limite que muitas vezes acontece nas escolas, de termos diferenças muito significativas entre as etapas.
Então, por tudo isso, eu acredito que a BNCC é um instrumento de gestão do currículo, é um instrumento
para se pensar a vida nas escolas.

00:05:34:11
JOSIANE TOLEDO

Muito obrigada. E, nessa perspectiva, você trazendo essa reflexão a respeito do que é a Base Comum Curri-
cular, eu acho importante destacar dentro dessa sua fala alguns pontos, dessa perspectiva de que a Base ou
o currículo não é simplesmente uma lista de conteúdos que vão ser objeto do trabalho dos professores nas
escolas, nas redes como um todo, mas que esse currículo e a Base pensada da forma que ela está pensada,
como você colocou, só tomando e retomando o que você disse, ela diz respeito à trajetória desses estu-
dantes no contexto da Educação Básica, e nessa perspectiva dessa trajetória, que vai ser percorrida pelos
estudantes e que vai ser pensada pelas redes. Então, isso é realmente muito importante que os professores
pensem nessa perspectiva desses dois pontos: não se trata de uma lista de conteúdos, mas que traz aquilo
que vai ser toda a vida, muito bem colocado esses dois pontos que você colocou: não se trata de uma lista de
conteúdo, mas ela traz toda a vida da escola e a trajetória desse estudante ao longo da Educação Básica. E,
pegando um ponto da sua fala que você já trouxe nessa perspectiva, do alinhamento dos currículos das redes
de ensino com a BNCC, eu trago, então, uma pergunta para você nessa seguinte perspectiva, né, que desde
1996, com a Lei 9394, de 96, que estabelece as diretrizes de bases da Educação, no artigo 26 dessa lei, já
havia uma menção à implementação de uma base nacional comum para a Educação Básica, a partir da qual
seriam, portanto, desenvolvidos os currículos. E, nesse sentido, pergunto para você: por que é tão importante
que os currículos das redes de ensino do país estejam alinhados à BNCC?

00:07:40:22
HILDA LINHARES

A importância desse alinhamento Josi, se deve, principalmente, ao fato de que ele permite se pensar
num sistema nacional de educação. E por que é que isso é relevante? Porque a despeito das diferenças,
a despeito da diversidade que constitui o nosso país e, consequentemente, os contextos educacionais,

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deve haver um projeto de formação em consonância com aquilo que se espera em termos da formação
de um cidadão brasileiro. Então, isso é um elemento fundamental que justifica a relevância da existência
de uma base comum para os currículos. Outro elemento importante que se relaciona a esse, é o fato de
que os estudantes muitas vezes transitam por diferentes sistemas de ensino e, por essa razão, deve haver
alguma perspectiva de continuidade nos processos de ensino e de aprendizagem vivenciados por esses
estudantes. Então, a existência dessa base comum para os currículos, também é um fator que assegura a
estes estudantes a possibilidade de uma continuidade da sua formação. Além disso, uma terceira razão
importante é que a base ela oferece a possibilidade, a existência de uma base comum para os currículos,
oferece a possibilidade de pensá-los, a esses currículos, de maneira vertical, observando-se como é, pro-
gridem conhecimentos de uma mesma área, por exemplo, ao longo de diferentes etapas de escolarização
e uma visão horizontal desses currículos, permitindo compreender como se articulam diferentes componen-
tes curriculares e áreas de conhecimento numa mesma etapa de escolarização. Então, esses são alguns
elementos que não só justificam, mas demarcam a relevância da existência de uma Base Nacional Comum
Curricular e, consequentemente, do alinhamento das propostas curriculares das diferentes redes de ensino
a esse documento.

00:10:57:06
JOSIANE TOLEDO

Obrigada Hilda. Dentro do que você colocou, nesses pontos importantes a respeito dessa perspectiva né,
chama a atenção, como você colocou na sua fala, de pensar nessa diversidade nacional, das grandes di-
ferenças nesse tamanho da extensão territorial e das características específicas das redes, desse projeto,
da perspectiva da base de trazer um projeto de cidadania na formação desse sujeito, desse estudante
enquanto cidadão brasileiro e, nessa perspectiva, como você colocou, de assegurar aos estudantes a
continuidade da sua formação nessa perspectiva da garantia do direito à educação como está posto em
vários documentos legais, a Constituição, a LDB e a BNCC, trazendo, reforçando esse aspecto e essa ló-
gica nessa progressão horizontal e vertical que, para levar aos profissionais de educação o conhecimento
não apenas aquele elemento específico do ano de escolaridade, no qual normalmente ele trabalha, mas
entender aí a educação exatamente nessa perspectiva de um contínuo de educação básica no qual esse
estudante se insere, independentemente da rede que ele se encontra. E, pegando um ponto da sua fala
Hilda, que já trouxe um elemento importante, você falando dessa progressão, dessas habilidades e você já
trouxe um pouco dessa referência na sua primeira fala a respeito das características da Educação Infantil e
do Ensino Médio, então, a gente tem na BNCC um documento, dois documentos: um documento referente à
Educação Infantil e ao Ensino Fundamental e esse outro documento que se refere ao Ensino Médio. Quais
seriam as diferenças entre esses dois documentos?

00:12:57:10
HILDA LINHARES

Bom, Josi, eu acredito que, na verdade, nós temos, nós poderíamos considerar que nós temos três docu-
mentos distintos, bastante distintos, inclusive. Um deles é o documento da Educação infantil. O outro seria o
documento do Ensino Fundamental. E, por último, e com certeza, o que mais se difere dos dois primeiros, o
documento do Ensino Médio. Em primeiro lugar, eu acho que a existência dessas diferenças é fruto de todo

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o processo que levou à homologação da BNCC. Um processo muito atravessado por polarizações políti-
cas, por uma crise política e, ao longo do qual diferentes equipes estiveram envolvidas na produção desses
documentos. E, consequentemente, também em relação às etapas, elas tiveram diferentes processos de
negociação em torno das versões do documento. Então, no caso da Educação Infantil, nós temos um texto
que preservou quase que integralmente aquilo que foi negociado fiado na produção da segunda versão
da Base. E esse documento, ele está organizado, diferentemente dos outros dois, em Objetivos de Apren-
dizagem e Desenvolvimento e às próprias estruturas do documento evidenciam um diálogo muito próximo
entre a BNCC e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Então, é um documento que
contempla muito a perspectiva de pesquisa para a etapa e, também, aquilo que já havia sido amplamente
negociado na homologação de outros documentos oficiais, como as Diretrizes. Então, é um documento
estruturado em amplos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento, seis Direitos de aprendizagem e
desenvolvimento, cinco Campos de Experiência e os Objetivos de Aprendizagem e de Desenvolvimento,
para cada um desses campos, por faixa etária, por três grandes faixas etárias: os bebês, as crianças bem
pequenas e as crianças pequenas. No caso do documento do Ensino Fundamental, nós o temos organiza-
do por áreas de conhecimento e isso é coerente também com as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Fundamental de nove anos.

Entretanto, é, diferentemente do que ocorreu com o documento da Educação Infantil, no caso do Ensino
Fundamental, o texto da Base está organizado em Habilidades, Competências e Objetos de Conhecimento.
Embora a resolução que homologa a Base preveja que os termos Objetivos de Aprendizagem e Desenvol-
vimento e Competências e Habilidades devam ser lidos como termos sinônimos, na prática, há diferenças
muito significativas na mudança desses termos, sobre as quais podemos até tratar numa outra conversa.
Isso mereceria uma outra conversa. Mas o fato é que isso traz uma diferença substancial do documento do
Ensino Fundamental em relação àquele da Educação Infantil. Então, esse documento está organizado por
Áreas de Conhecimento e Componentes Curriculares. E, finalmente, o documento do Ensino Médio, que é
aquele em torno do qual temos maiores questionamentos por ser expressão de uma reforma do Ensino Mé-
dio que se deu sem uma ampla discussão com as redes e, principalmente, com as instituições de formação
de professores e com os próprios professores sobre a estrutura dessa reforma. Então, no caso do documen-
to do Ensino Médio, o que o diferencia, por exemplo, em relação àquele do Ensino Fundamental, é que nós
não temos uma organização das competências e habilidades por ano de escolarização. Então nós temos,
para Língua Portuguesa e Matemática, exclusivamente, grandes habilidades que dizem respeito a todo o
Ensino Médio. E, essa abordagem inespecífica, ela pode se constituir num dificultador para os professores
lidarem com esse documento. E, inclusive, ela apresenta, em muitos sentidos, algumas inconsistências
quando pensamos na relação entre ensino, Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Então, eu
acredito que a apropriação da Base do Ensino Médio pelos sistemas de ensino e pelas escolas demande
uma leitura bastante atenta e um esforço especial das equipes pedagógicas de traduzirem essas amplas
habilidades em propostas mais específicas para cada um dos anos do Ensino Médio.

00:20:10:07
JOSIANE TOLEDO

Hilda, muito obrigada, dessa sua fala, o que traz aí realmente um olhar bastante detalhado e acurado
dessa perspectiva do que compõe esses documentos. Quando a gente fala em dois documentos, mais em
termos de publicação e homologação, mas essa clareza que você trouxe exatamente de que são três do-
cumentos que tratam e que foram construídos nessa perspectiva aí das especificidades da área e , como a

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gente sabe, pensando nos campos que envolve e nas questões teórico-metodológicas que envolvem cada
uma das áreas e dos grupos que trataram da produção desse documento...E um ponto importante que eu
trago, pensando aqui para a gente refletir também, que você traz, essa especificidade, dessa diferença
efetiva da base do Ensino Médio em relação, olhando aí para o Ensino Fundamental, quando a gente está
falando, principalmente tratando da organização em Componentes Curriculares. E desse detalhamento,
desse debruçar para traduzir pedagogicamente e pensar essa organização em termos dos anos de es-
colaridade, para pensar na perspectiva de progressão como o que tem lá no Ensino Fundamental e, eu
ainda colocaria, dessa perspectiva do que você trouxe, eu entendo também do que você colocou, dessa
importância do Ensino Médio, olhar e conhecer muito especificamente o que está posto para o Ensino Fun-
damental, para que se possa entender o que é necessário nessa chegada do estudante para essa última
etapa da Educação Básica. E, dando continuidade aqui à nossa conversa, dentro da base da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental mais especificamente, encontramos, portanto, um conjunto de habilidades
essenciais, as quais foram elencadas e organizadas de forma progressiva, como você já trouxe na sua fala
anterior. O que seria, nesse contexto, exatamente uma habilidade essencial? E se você poderia, portanto,
nos trazer um exemplo a respeito disso nesse contexto aí da Educação infantil e do Ensino Fundamental?

00:22:35:02
HILDA LINHARES

Essa é uma pergunta muito importante né Josi, porque, esse tema das habilidades essenciais ele tem sido
muito recorrente, em especial por conta dos desafios impostos pelo fechamento das escolas em virtude
da pandemia da Covid 19 e a sua posterior reabertura, que impõe às redes, aos sistemas de ensino, às
escolas o desafio das adaptações curriculares. E essas adaptações passam necessariamente por uma
discussão sobre quais seriam as habilidades essenciais que deveriam ser objeto de uma atenção especial
em cada etapa de escolarização. Eu creio que temos situações diferenciadas quando falamos da Educa-
ção Infantil e do Ensino Fundamental. No caso da Educação Infantil, nós poderíamos falar de experiências
fundamentais para que as crianças se insiram nessa cultura que foi produzida pela humanidade ao longo
dos anos. Então, nós falamos de experiências fundamentais para que elas aprendam e se desenvolvam e,
ao mesmo tempo, coloquem em diálogo os seus saberes, os seus conhecimentos, com os conhecimentos
historicamente produzidos e que são patrimônio da nossa sociedade. Então, pensar quais seriam as ex-
periências essenciais, eu tenderia a olhar para aquilo que dizem as diretrizes que colocam as interações
e as brincadeiras como os eixos articuladores das propostas pedagógicas para a Educação Infantil. Então,
eu penso que as experiências essenciais serão aquelas que possam proporcionar às crianças a interação
com seus pares e com os adultos por meio do “brincar”, que é a linguagem, por excelência, de comunica-
ção das crianças com o mundo e pela qual elas se expressam sobre o mundo. E, isso é muito importante
porque se nós pensarmos o tempo de distanciamento social, talvez tenha privado as crianças exatamente
dessas experiências, né? Os professores e professoras que têm recebido as crianças nas escolas têm
dito isso: como elas chegam com dificuldades de interagir umas com as outras e, mesmo de brincar umas
com as outras. Então, eu penso que isso é essencial na Educação Infantil. Para pensarmos as habilidades
essenciais do Ensino Fundamental, eu creio que é necessário o estabelecimento de metas para cada uma
das grandes etapas que compõe o Ensino Fundamental. Porque o Ensino Fundamental tem uma extensão
longa, são nove anos. Ao longo desses nove anos, as crianças passam por muitas mudanças, tornam-se
pré-adolescentes, depois adolescentes...E também têm experiências de escolarização diferentes, né? Nos
anos iniciais, um foco muito colocado na alfabetização nos três primeiros anos, nos dois anos seguintes, um
aprofundamento dessa formação, dialogando com diferentes componentes curriculares e, finalmente, nos

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anos finais, uma especialização ainda maior desses componentes curriculares. Então, eu creio que a defini-
ção das habilidades essenciais deva passar necessariamente por uma reflexão sobre o que é pré-requisito
para avanço com sucesso de uma etapa a outra em cada componente curricular. Porque nós vemos, por
exemplo, na proposta da BNCC, algumas habilidades que atravessam todo todas as etapas de escolari-
zação, mudando o seu nível de complexidade. E outras que são muito próprias a algumas etapas, porque
exatamente por serem pré-requisito para aquilo que virão, na sequência. Então, eu vou tomar como exem-
plo, já que você me pediu um, o componente curricular Língua Portuguesa, que é aquele pelo qual transito
com mais familiaridade é.., e vou tomar como referência as habilidades da BNCC que preveem o contato
dos estudantes por meio da leitura e da escrita com diferentes gêneros textuais ligados a campos de atua-
ção, né, a BNCC de língua portuguesa é organizada em campos de atuação. Então, eu diria que nos Anos
Iniciais, as habilidades iniciais devam ser pensadas em relação a aquele campo que é próprio dessa etapa:
o campo da vida cotidiana. Que é também aquele que estabelece um diálogo próximo com a experiência
das crianças na Educação Infantil. Então, eu creio que para os três primeiros anos, poderíamos considerar
como habilidades essenciais aquelas relacionadas ao campo de atuação da vida cotidiana: primeiro, se-
gundo e terceiro anos. No quarto e quinto anos, a gente tem a entrada de outro campo de atuação muito
importante, que é o campo artístico-literário. Juntamente com ele, também estão previstas habilidades para
o campo de atuação jornalístico-midiático, mas essas habilidades não só serão retomadas como serão
enfatizadas nos Anos Finais do Ensino Fundamental. Então, eu tendo a achar que aquelas habilidades que
dizem respeito à leitura das narrativas, ao reconhecimento dos seus elementos estruturantes, elas podem
ser consideradas essenciais para essa etapa porque elas são, principalmente, tratadas nessa etapa e
nas etapas posteriores, não retomadas com a mesma profundidade. E, inclusive, para que os estudantes
possam desenvolver as habilidades referentes a esse campo nas etapas posteriores, aquelas que estão lá
nos Anos Iniciais são essenciais. Então, eu penso que essa definição passa por essa reflexão: o que é pré-
-requisito e que, portanto, o não desenvolvimento dessa habilidade comprometeria as etapas seguintes.

00:30:54:05
JOSIANE TOLEDO

Obrigada Hilda. Essa reflexão, extremamente importante e rica a respeito dessa ideia de habilidade es-
sencial e de progressão. Eu penso que a gente poderia, dentro do que você colocou nessa perspectiva,
alguns pontos importantes é pensar na especificidade de cada etapa da Educação Infantil e ano dos
Anos iniciais do Ensino Fundamental e dos Anos Finais do Ensino fundamental, essa característica das
especificidades, não só no que diz respeito aos objetos de conhecimento ou aos objetivos de aprendi-
zagem para cada etapa, mas também o que é importante quando você colocou essa dimensão do de-
senvolvimento também da criança nesse, ao longo dessa trajetória, que é bastante longa né, pegando,
pensando em Educação Infantil e Ensino Fundamental, é bastante longa. Então, acho que esses pontos
são bastante importantes da gente entender, as especificidades e, ressalto o que você colocou logo ago-
ra no final, a dimensão dos pré-requisitos: o que importa para que a criança possa progredir com sucesso
ao longo dessa sua trajetória. E, pensando, dando continuidade à nossa conversa nessa reflexão, nessa,
do que nós dissemos agora há pouco, dessa construção, e como você disse lá na sua primeira, na nossa
primeira pergunta da construção dos currículos escolares baseados e alinhados à BNCC, então, nessa
perspectiva, como que você entende que o currículo escolar alinhado à BNCC impacta o trabalho de uma
professora ou de um professor em sala de aula?

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00:32:39:11
HILDA LINHARES

Esse impacto, Josi, ele vem sendo compreendido de diferentes formas. Muitas pessoas acreditam que a
existência de uma base comum para os currículos possa representar um limitador ou um “engessamento”
do trabalho do professor, né. Essa interpretação, como qualquer outra, é legítima no sentido de que mui-
tos docentes têm já uma experiência em suas áreas de conhecimento, nos componentes curriculares que
ministram, que lhes permite avançar para muito além daquilo que é a base, propõe. E eu considero que
isso é extremamente rico e salutar, né. Entretanto, é importante lembrarmos, também, daqueles docentes e
daquelas docentes que, se iniciam em sua trajetória profissional. Ou mesmo, que se encontram diante do
desafio de ministrarem componentes curriculares com os quais possam ter pouca familiaridade do ponto
de vista do seu ensino. Então, eu acredito que em todos os casos, a Base é uma referência que pode dar
muita segurança ao trabalho do professor, seja para que ele perceba o quanto ele é capaz de ir além da-
quilo que ela propõe, seja para que ele possa se orientar em relação a suas escolhas. E é muito importante
nós pensarmos, Josi, que, não é um mesmo professor que acompanha esses alunos e alunas ao longo
de toda sua trajetória escolar. Assim como dentro de uma mesma etapa, às vezes eu tenho mais de um
docente ou uma docente atuando com diferentes componentes curriculares. Então, eu acredito que a Base
é um instrumento importante para que se alcance uma perspectiva sempre desejável de uma abordagem
interdisciplinar, né, dos objetos de conhecimento, à medida que ela me permite conhecer não só aquilo
que está proposto para o meu componente curricular na etapa em que eu atuo, mas aquilo que também
está sendo proposto por outros componentes curriculares. Assim, esse diálogo interdisciplinar, que é uma
queixa constante da escola a dificuldade de estabelecê-lo, ele se torna mais exequível com a existência da
Base, uma vez que o documento me permite ter uma ideia do que se propõe como objeto de conhecimento
e também como habilidades e competências não só para o componente que eu leciono, mas também para
outros componentes curriculares aos quais o meu aluno tem acesso. Então, acredito que a importância da
Base para esse trabalho de um professor e de uma professora, é exatamente para o sentido coletivo desse
trabalho. O trabalho de um professor e de uma professora não se reduz a aquilo que acontece quando ele
está na sua sala de aula e fecha a porta, como a gente costuma dizer. É um trabalho que é parte de um
coletivo, que é uma escola, e os alunos são alunos desse coletivo e não do professor isoladamente. Então,
eu acredito que a Base possa contribuir, quando apropriada pelos sistemas de ensino pelas escolas, para
um resgate dessa dimensão do trabalho coletivo na escola. E, para esse conhecimento dos docentes e
das docentes, sobre aquilo que envolve a formação do seu aluno, em perspectiva mais ampla, para além
daquele ano em que ele se encontra, e para além daquele componente curricular que ele leciona.

00:37:27:01
JOSIANE TOLEDO

Muito bom Hilda. E, nessa sua fala, eu pego um ponto que você colocou anteriormente, também, dessa
perspectiva do impacto, né, e pensado o currículo escolar, na perspectiva do que o currículo traz a trajetó-
ria, toda a vida da escola. E essa palavra chave também né, “colaboração”, “cooperação” entre esses ato-
res do contexto de cada unidade escolar, que ele, o estudante não é só de uma turma ou de um professor,
ele é aluno dessa escola, de uma rede e de um sistema. Bom, ainda nessa perspectiva, desse nosso tema
da BNCC, mas trazer agora em pauta, uma reflexão a respeito da avaliação educacional. Por que é impor-
tante Hilda, que as avaliações, tanto aquelas em larga escala quanto as avaliações aplicadas pelo professor
ou pela professora, em sala de aula, estejam alinhadas à BNCC?

07
00:38:29:11
HILDA LINHARES

E é muito bom nós podermos tratar do tema da avaliação nessa discussão sobre a BNCC. Porque no Brasil
nós tivemos um movimento peculiar, nós, ao longo de pelo menos duas décadas, quase três décadas, lida-
mos com as matrizes de referência para a avaliação antes de termos uma base comum para os currículos.
Então, ao longo desse tempo, de uma certa forma, em alguns contextos, as matrizes de referência para
avaliação, em especial, em Língua Portuguesa e Matemática, componentes curriculares que integram as
avaliações nacionais, essas matrizes acabaram pautando o currículo e se constituindo em referências para
o currículo.

Com a homologação da BNCC, nós temos a possibilidade de fazer uma inversão nessa relação entre cur-
rículo e avaliação, colocando essa relação nos termos em que ela realmente deva se dar. Tendo a BNCC
como uma base comum para os currículos, eu acredito que seja fundamental uma revisão das matrizes de
referência para avaliação alinhando-as, agora, à referência curricular. E, nesse sentido, se nós temos tam-
bém, uma apropriação dessa referência curricular pelas escolas, uma revisão das propostas pedagógicas,
das propostas curriculares das redes, alinhadas à BNCC, esse alinhamento entre currículo e avaliação, ele
vai se dar de uma forma muito mais efetiva. E, o que é que isso significa? Primeiro, que nós vamos poder ter
uma avaliação que produza um diagnóstico que possa, efetivamente, informar o planejamento, que isso é
essencial. A avaliação, seja ela externa ou interna à escola, ela não tem outro sentido que não seja esse,
de informar o planejamento, de subsidiar o planejamento. Seja o planejamento de políticas públicas, quan-
do a gente se refere aos sistemas de ensino, às redes, seja o planejamento dos professores nas salas de
aula. Então, eu acredito, que há uma grande possibilidade de avanço das avaliações, externas e internas
à escola, na direção de cada vez mais se colocarem na posição que elas efetivamente devem ocupar, que
é o de ser parte desse processo de ensino e de aprendizagem. É muito importante que nós lembrarmos
que as avaliações não têm um fim em si mesmas, que elas não podem ser pensadas como elementos
para o “ranqueamento” de escolas, ou elementos para penalizar ou controlar o trabalho do professor. Elas
são, acima de tudo, instrumentos para que se possa conduzir o planejamento das ações pedagógicas em
direção a uma maior efetividade. E aí, eu penso que esse alinhamento das avaliações à BNCC é um passo
fundamental nessa direção.

00:42:57:07
JOSIANE TOLEDO

Hilda, muito importante essa reflexão que você traz dessa importante articulação, entre essa tríade, né,
o currículo, o ensino e a avaliação e, de como avaliação, como você falou, não tem um fim em si mesma.
Ela reforça na verdade, ela alimenta, deve alimentar e retroalimentar esse processo do ensino, como você
muito bem colocou, nessa perspectiva do planejamento e replanejamento das ações pedagógicas, de
modo que a gente possa, que se possa garantir efetivamente que os estudantes avancem. E ainda nesse
caminho, pensando em avaliação, atualmente, a avaliação formativa tem recebido muito destaque no ce-
nário nacional, principalmente nessa perspectiva de contexto da pandemia da Covid 19 e, principalmente,
também, para acompanhar a implementação da BNCC. Assim, o que é exatamente uma avaliação formativa
e o que ela traz de especial em relação à BNCC?

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00:44:05:02
HILDA LINHARES

Bom, Josi, a avaliação formativa, como o próprio nome sugere, é aquela que se realiza ao longo do pro-
cesso de formação dos estudantes. E ela é formativa também, porque ela atua no sentido de que pos-
samos direcionar esse processo para alcançar uma melhor qualidade dessa formação vivenciada pelos
estudantes. Eu diria que ela é formativa também, para os professores e professoras. Porque, como ela se
realiza ao longo de todo o processo, ela tem um papel importante de atuar na formação desse docente,
no sentido de que ele possa, cada vez compreender melhor o que vai acontecendo com a turma como um
todo, e com os estudantes em particular e, consequentemente, como é que ele pode melhor atuar nas suas
atividades de docência. Então, essa é uma característica da avaliação formativa. Ela não está preocupada
com os produtos da aprendizagem ao longo de um tempo mais estendido do processo de escolarização,
mas ela se preocupa em monitorar o processo. Então, essa é uma característica das avaliações formativas
que justificam o interesse que elas vêm despertando no contexto de implementação da BNCC, porque elas
permitem monitorar como vai se dando essa implementação. É muito importante nos lembrarmos que a
BNCC, ao prever uma progressão para os currículos nos diferentes componentes curriculares, ela faz uma
previsão ideal dessa progressão. Mas uma coisa bem diferente é como essa progressão é vivida pelos es-
tudantes e pelos professores no cotidiano de cada turma, de cada escola. Então, a avaliação formativa, ao
monitorar esse processo, nos permite compreender a progressão real do ponto de vista da aprendizagem,
na relação com a progressão ideal, que é aquela que está lá proposta na BNCC. Em relação a isso, é muito
importante nos lembrarmos que a resolução que homologa a BNCC deixa claro que os sistemas de ensino
e as escolas têm liberdade para propor outras formas de progressão. Exatamente pelo reconhecimento
de que, o que está proposto na BNCC, é uma progressão ideal. Ela não pode consistir numa camisa de
força porque, para além da progressão ideal, existe progressão real, fruto da interação que se estabelece
com os objetos do conhecimento, os estudantes e os próprios docentes. Então, nesse sentido, a avaliação
formativa é um meio de monitorar essa progressão. E, por isso, ela é tão importante no processo de imple-
mentação da BNCC. E também por isso, ela é tão importante neste contexto de retomada das atividades
presenciais. É muito importante nós considerarmos que esse ajuste dos currículos, essas adaptações curri-
culares não se farão num único ano. Elas representam um desafio aos sistemas de ensino e às escolas de
adaptações ao longo de um período muito maior de tempo. As repercussões, por exemplo, dos estudantes
que cursaram o primeiro e o segundo ano do Ensino Fundamental de modo remoto, para a sua escolari-
zação futura, se farão sentir por muitos anos. Então, as avaliações formativas, e elas têm um papel muito
importante nesse momento porque elas nos permitirão monitorar esse processo, não apenas ao longo
deste ano de 2022, mas ao longo dos anos que virão né, para que possamos dimensionar de forma mais
adequada os desafios que se colocam do ponto de vista da promoção da aprendizagem dos estudantes.

00:50:00:02
JOSIANE TOLEDO

Esse esclarecimento é extremamente importante, a gente pensar né, como você colocou, dessa progres-
são, do que é ideal e do que é real, nessa perspectiva que a avaliação formativa traz essa clareza espe-
cífica do que é real e, nessa perspectiva desse entendimento, como você falou, do ajuste dos currículos,
das adaptações a serem feitas na perspectiva dos contextos locais: do que é local no âmbito da escola,
do que é local, no âmbito das redes e dos sistemas de ensino. Então, nessa perspectiva, só reforçando o
que você já colocou, dessa clareza importante, do monitorar nessa perspectiva de acompanhar e permitir

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essa melhoria dos estudantes e também, do trabalho dos professores das diversas redes e sistemas de
ensino. Bom, nós estamos aqui, como falei no início, com a Hilda, que participou da construção da BNCC,
esteve no Ministério da Educação e participou da construção da BNCC para a Educação infantil e o Ensino
Fundamental. Então, para finalizar essa nossa conversa, Hilda, você poderia falar um pouco como foi essa
sua experiência?

00:51:25:20 - 00:52:28:21
HILDA LINHARES

Posso, sim, Josi. É um prazer falar sobre ela, porque talvez tenha sido uma das experiências mais sig-
nificativas na minha trajetória profissional. Bom, em primeiro lugar, eu acho importante dizer, o quanto é
desafiador e estar envolvida neste processo de produção de um documento com um impacto tão grande
para a educação nacional. Então, para nós, que somos atuantes no espaço público da educação, isso é
um grande privilégio e, ao mesmo tempo, uma grande responsabilidade, do ponto de vista pessoal. Do
ponto de vista do processo em si, também foi um exercício muito importante de exercício democrático, de
como se constrói uma política pública de abrangência muito significativa, a partir do diálogo com diferentes
setores da sociedade. E, eu digo isso porque eu participei da elaboração da primeira e da segunda versão
da BNCC. Portanto, ainda num contexto de ampla discussão desse documento. Para aqueles que possam
se interessar por esse processo, eu acho que o principal dele é dizer que: a BNCC foi uma política curricular
que, por força da sua própria condição, de ser um documento elaborado a partir das orientações do Plano
Nacional de Educação, assumiu a centralidade do diálogo com as redes no seu processo de elaboração.
Então, talvez tenha sido a primeira iniciativa de produção de um documento curricular na qual estiveram
envolvidos na construção do texto do documento, não apenas especialistas das universidades, mas gesto-
res das redes de ensino, diretamente envolvidos em suas redes com a produção de currículos e, também,
professores da educação básica atuantes naquilo que a gente chama de o “chão da escola”. Então, foram
116 pessoas envolvidas na produção do texto do documento, não apenas opinando sobre ele, mas efeti-
vamente construindo esse texto, né, isso foi muito desafiador. Coordenar esse esforço foi muito desafiador,
mas, ao mesmo tempo, um exemplo muito claro de que é possível a construção, a elaboração de políticas
públicas em diálogo efetivo com a sociedade. E, um segundo elemento muito importante desse processo
que, eu acredito que, por ser uma base nacional comum curricular, portanto, de abrangência nacional, num
país com a diversidade do Brasil, cultural, territorial, populacional, também foi um documento que contou
com a colaboração de representantes de todos os estados do território nacional, de todas as regiões do
Brasil e, no interior delas, de diferentes estados. Então, isso também foi um processo muito formativo, do
ponto de vista da construção de políticas públicas, porque mostrou como é possível colocar em diálogo
essa diversidade de contextos. E que, para além dessa diversidade, há aspectos que nos unem e que é
isso que constitui a nossa identidade nacional. E, essa estratégia de produção da BNCC, eu acredito que
tenha sido um elemento fundamental para o seu processo de implementação porque, principalmente, na
etapa em que se constituíram comissões estaduais, que ficaram encarregadas de levar o documento da
BNCC para as suas redes e promover o debate em torno dele nas suas redes, essas comissões, na minha
opinião, tiveram também um papel muito importante depois da homologação do documento nos processos
de implementação do texto da BNCC nas redes. Então, eu acho que desse processo, esses elementos se
destacam como os principais: a sua característica democrática e republicana no seu processo de produção.
E eu acho que, graças a essas características, a Base foi uma política que sobreviveu a toda turbulência no
plano político mais amplo do país. E, a despeito dessas turbulências, ela existe, hoje, é um documento que
está na pauta de discussão de todos os sistemas de ensino, né. É claro que é um documento com muitos

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limites, mas ao mesmo tempo com muitas potencialidades. E, eu penso que, já estamos nos aproximando
do prazo previsto para a revisão da BNCC e, a despeito de todas as alterações que se fazem necessárias
desse documento, eu creio que o seu processo de elaboração, ele deve ser uma referência também para
o seu processo de revisão. Que seja um processo dialogado, que envolva o Brasil como um todo na sua
diversidade e que, principalmente, esteja muito referenciado às redes de ensino, porque elas trazem hoje
uma ampla experiência na lida com esse documento. E eu acho que essa experiência é muito preciosa.

00:59:02:14 - 00:59:29:17
JOSIANE TOLEDO

Hilda, muito obrigada. Um prazer realmente te ouvir nesse momento a respeito dessa discussão, esse tema
tão importante dentro de todas as redes e todos os sistemas de cada sala de aula, de cada professor,
professora que nos escuta nesse momento, os atores educacionais da questão da BNCC e dessa relação
com as redes, com os currículos né, com a sala de aula, como você colocou, com o “chão da escola”. Um
prazer te ouvir, um prazer estar com você, e agradeço a todos e todos que estão nos escutando e tenho
certeza que nossa conversa de hoje vai colaborar e ajudar professores, professoras, técnicos e técnicas de
gestores da educação a se apoiarem, a se apropriarem cada vez mais da BNCC para condução e imple-
mentação de seus currículos. Muito obrigado novamente e até a próxima.

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