Esse escárnio mostra a dimensão do preconceito antibizantino entre os
cristãos latinos. O imperador bizantino Manuel Comneno, que se
apresentara pessoalmente no cerco de Corfu, foi ridicularizado pela cor da pele (a sua tez escura foi sublinhada num duplo retrato seu com a esposa, Maria de Antioquia, que era, em contraste, alva como a neve), pelo orpo franzino, pelos modos supostamente “afeminados” e luxo cerimonial pomposo (ver figura 4.1). Um africano negro, provavelmente escravo, representou tudo isso para sublinhar a condição inferior do imperador nas suas vestes e emblemas magníficos. Choniatēs conseguiu responder no final da descrição usando uma citação bíblica do Cântico dos Cânticos.8 O cronista bizantino tinha obviamente noção da exegese patrística do Cântico dos Cânticos como alegoria da Igreja, como acontece no trabalho do erudito Orígenes (185-232).9 A referência lhe permitiu inverter a ofensa e elevar Comneno a defensor da Igreja contra os bárbaros sacrílegos.