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Trechos: no Canto 2: discurso de Vênus a Júpiter – no Canto 3: discurso de Inês de

Castro ao rei Dom Afonso IV.

Aspecto I – Apresente a estrutura global do poema épico Os Lusíadas, inserindo a divisão


retórica do gênero. Pesquise sobre a importância da obra de Luís de Camões para as letras
da língua portuguesa, em especial sobre o papel desempenhado pelo poema impresso em
forma de livro em 1572, no final do século XVI.

O poema épico Os Lusíadas, de Camões, trata-se de uma narrativa de dez cantos, do ano
de 1572, composta por 8.816 versos decassílabos e hendecassílabos, sob a estrutura de
três planos: Histórico, em que a narrativa se dá com base no contorno africano realizado
pelos portugueses durante a viagem de Vasco da Gama às índias; Ficcional, em que há
transformações de personagens reais da história portuguesa em personagens ficcionais; e,
por fim, mitológico, em que há, por exemplo, narrativas a respeito do Concílio dos Deuses.

O poeta faz uso de sua técnica retórica, conhecimento de linguagem, a fim de manipular o
texto para conseguir o afeto do leitor ao tratar de matéria grave, como, por exemplo, coisas
de Deus, a virtude portuguesa, a morte, a existência e a guerra. No entanto, o poema nos
traz um estilo elevado, pelo próprio engenho de escrita do poeta, em que este não está
preocupado com a simplicidade da linguagem, ele traz, por exemplo, inversões e efeitos de
sintaxe através de rimas cruzadas e emparelhadas.

No exórdio do poema, o poeta procura uma forma de captar a benevolência (captatio


benevolentiae) do leitor, dividindo, portanto, sua introdução em três partes: Proposição, em
que o poeta apresenta a proposta, o tema de sua narrativa; em seguida, a invocação das
musas explicita a convenção da poesia; e, enfim, a dedicatória pretende demonstrar uma
representatividade em qualquer plano, no caso, o poeta dedica seu poema ao rei Dom
Sebastião, que concede ao poeta uma pensão vitalícia. A narração do poema é feita in
media res, ou seja, o início da narrativa se dá pelo meio de um acontecimento. E, por fim, a
peroração, que consiste no fim do poema.

A epopeia faz uso tanto de normas retóricas, como poéticas, em que há na intuição do
poeta, pautado em sua técnica sobre as artes retóricas, a expectativa de causar um efeito
instrutivo e motivacional para aquele que a lê em direção à virtude por meio do deleite das
letras[1]. A importância do poema para as letras se evidência na intenção lusitana da
criação de uma arma imperial pela língua, em que a língua portuguesa precisou demonstrar
seu amadurecimento perante as línguas faladas em torno de Portugal. Além disso, nas
palavras de Morganti (2006):

A falta das letras, mais do que a perda da arte, implica a total


impossibilidade de que os feitos grandiosos cantados pelo poeta
sejam louvados e imitados e, assim, continuem a ser realizados;
implica, portanto, na radical impossibilidade de que heróis continuem
a existir (p. 71).

Aspecto II – Apresente o episódio que envolve Vênus no conjunto do poema. Faça uma
breve apreciação de elementos poéticos dos versos selecionados. Refira o significado da
presença de deuses gentios no cerne de um poema cristão.
No canto II, que conta com a presença de vários narradores, em que a voz dominante é a de
Vasco da Gama, a voz épica do narrador não se confunde com a voz do poeta Camões.

O canto tem seu início na descrição da fúria do mar, que poderia quebrar a nau e causar
imenso medo e espanto (estrofe 24). Na estrofe seguinte, a narração se dá por uma voz que
diz não compreender o motivo de espantosa fúria que parece se contrapor com outra que diz:
“Cuidam que seus enganos são sabidos/E que hão de ser por isso aqui punidos” (7-8).
Tomados pela consciência de que o naufrágio pudesse ser causado por um inimigo, e, de fato
o naufrágio fora causado por Dionísio, que subornou mouros e o piloto, que saltavam ao mar,
para que a glória não fosse dada ao povo português, o narrador diz: “Que antes querem ao
mar aventurar-se/Que nas mãos inimigas entregar-se” (7-8). Ao avistar a situação dos
marinheiros portugueses e compreendendo que a nau por ali só posaria por milagre, Vênus,
deusa do amor, comove-se com tamanho sofrimento daquele povo e pede a Júpiter por
piedade daquele povo, exaltando as qualidades daquele povo amoroso e cheio de virtudes.
Vênus, deusa do amor e da sensualidade, faz uso de seus encantos para conseguir que Júpiter
tenha a piedade merecida àquele povo. A imagem de Vênus é traçada no poema como um
corpo sensual, coberto apenas por uma túnica que deixa à mostra seus seios e com um cúpido
entre suas pernas e que, portanto, irá ser capaz de encantar Júpiter. Sendo assim, Vênus é
capaz de salvar o povo português graças a sua sensualidade.

O aspecto que mais chama atenção do leitor é a maneira com que o poeta descreve a sedução
de Vênus (estrofe 36):

Os crespos fios de ouro se esparziam

Pelo

colo que a neve escurecia;

Andando,

as lácteas tetas lhe tremiam,

Com

quem Amor brincava e não se via

Da alva

pretina flamas lhe saíam,

Onde o

menino as almas acendia.


Pelas

lisas colunas lhe trepavam

Desejos,

que como [h]era se enrolavam.

Segundo Teixeira (2011), Camões faz uso de um padrão de beleza europeu em sua
descrição bastante convencional, focado, portanto, em aspectos físicos, em que os
esquemas de retrato da mulher são petrarquistas, típicos do século XIV. Camões diz então
sobre uma mulher de pele branca, cabelos louros, bochechas rosadas e olhos azuis.

A presença de deuses mitológicos em um poema cristão demonstra a ligação entre o


mundo moderno e o mundo cristão, ideia bastante aludida durante o Renascimento do
século XV. Para Morganti (2006), apesar de contraditória a união desses dois contextos
(mitológico e cristão), o poeta parece esclarecer que nada mais é que ficção, um ornato
engenhoso para o andamento do poema, demonstrando, mais uma vez, a técnica que o
poeta faz uso em sua obra. Ou seja, dentro de um poema cristão, a mitologia não se mostra
com a veracidade que o Deus cristão se apresenta, ela apenas se mostra como parte do
que poderia engrandecer ainda mais o cristianismo, uma vez que enquanto um está
claramente no plano fictício, o outro se mostra real, verossímil para o poeta e leitor.
Portanto, a mitologia está para o cristianismo como complemento de sua veracidade e
grandeza.

Aspecto III – Apresente o episódio conhecido como “Inês de Castro”. Faça uma breve
apreciação de elementos retóricos dos versos que compõem o pedido de clemência que a
personagem profere junto ao rei. Inclua na sua reflexão o fato de esse episódio ter origem
no relato historiográfico e passar a fazer parte de um texto ficcional.

No canto III, o poeta traz a narração do assassinato de Inês de Castro, rainha coroada
após sua morte, numa espécie de crônica dos reinados, ou seja, das casas ou famílias –
termo burguês – portuguesas em que o plano ficcional se mescla com o plano histórico. A
voz da narração se dá ora por Vasco da Gama, que com isso pretende contar a história de
Portugal ao rei Melinde, com o intuito de demonstrar tamanha a força do amor para o povo
português; ora na voz da própria Inês de Castro. O jogo de vozes demonstra o domínio
técnico do poeta, que pretende, num primeiro plano, narrar uma história de amor, deixando
para um segundo momento as questões políticas que cercam este episódio.
A fim de dirimir guerras, num período em que a Espanha se mostra mais grandiosa que
Portugal, e pelo prestígio de acordos comerciais, Dom Afonso IV pretende realizar o
matrimônio de seu filho Dom Pedro com uma princesa castelhana, no caso, Constância,
que trouxera contigo uma dama de companhia, Inês de Castro. Dom Pedro se vê então
apaixonado pela dama de companhia. Fruto dessa paixão, Dom Pedro acaba se
relacionando com ambas as mulheres, Constância e Inês, e tendo filhos com as duas.

Após dar a luz à sua terceira filha, Constância morre e, enfim, Dom Pedro pretende casar-
se com Inês de Castro tornando-a rainha de Portugal, no entanto, tal desejo fora mal visto
por Dom Afonso IV, que possivelmente não encontrou em Inês de Castro grandes
conquistas para o povo português, chegando a desconfiar que Inês viesse a ser uma espiã
da coroa Castelhana e pudesse realizar manobras a fim de favorece-los.

Durante uma viagem de Dom Pedro para fora de Coimbra, Dom Afonso IV, perturbado por
seus temores com relação à Inês, decide executá-la. A descrição física da suplica de Inês é
vista na estrofe 125:

Para o céu cristalino alevantando,

Com lágrimas, os olhos piedosos

(os olhos, porque as mãos lhe estava atando

Um dos duros ministros rigorosos);

E de[s]pois nos meninos atentando,

Que tão queridos tinha e tão mimosos,

Cuja orfindade como mãe temia,

Pera o avó cruel assi[m] dizia:

A descrição física de Inês de Castro mostra de que forma o poeta criou uma imagem sacra
de Inês, típica do que estamos acostumados a ver até hoje nas imagens de santas
católicas, em contraposição à imagem sensual e promíscua quando da descrição de Vênus,
evidenciando aquilo que foi dito a respeito da mitologia servir como um ornato para a
poesia, como parte daquilo que engrandeceria a mulher cristã. A imagem de Inês também
perpassa pelo lugar materno, demonstrando a racionalidade e bondade de uma mulher que
ama seus filhos.
O pedido de clemência se segue nas seguintes estrofes (127 - 129), em que seu pedido é
para que Dom Afonso, que tem de humano o gesto e o peito (est. 127, v. 1), não mate uma
mãe, fraca e sem força, apenas por ter sujeitado seu coração a quem soube vencê-la. Inês
implora por piedade com seus filhos, que ficariam sem sua presença. Na estrofe 128, Inês
suplica então para que por piedade ela não pague com a morte aquilo que é de sua
inocência, pedindo então pelo exílio, ainda que em lágrimas viva eternamente:

E se vencendo a Maura resistência,

A morte sabes dar com fogo e ferro,

Sabe também dar vida, com clemência,

A quem pera perdê-la não fez erro.

Mas, se to assi[m] merece esta inocência,

Põe-me em perpétuo e mísero desterro,

Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,

Onde em lágrimas viva eternamente.

Na estrofe que se segue, Inês insiste em seu pedido de clemência, dizendo que a jogue
com leões e tigres, para que neles ela possa encontrar a piedade que o rei não pode sentir
por ela. Comovido pelas palavras de Inês de Castro, o rei parece aceitar o seu perdão, no
entanto, sabia que o povo português jamais o perdoaria, tendo então de fazer jus à origem
linguística do nome de Inês, Agnus, que advém de sacrifício. E, enfim, Inês de Castro é
executada.

Ao retornar de sua viagem, Dom Pedro ao descobrir do que havia ocorrido, enfurece-se.
Procurando uma forma de que a justiça fosse feita, Dom Pedro desenterra Inês a fim de
coroá-la rainha, em um jantar digno de que todos os poderosos do reino a cumprimentem
com um beijo na mão, mesmo estando a mulher morta.
[1] MORGANTI, B. Engenharia do heroísmo, In Revista EntreLivros – EntreClássicos 4: Luís
de Camões, São Paulo, v. 4, p. 64-71, 2006.

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