Você está na página 1de 43

Roteiro

História da Venezuela

O território venezuelano foi um dos primeiros habitados pelo homem na América do


Sul, possivelmente há cerca de 15 mil anos. No entanto, não há registros de que as
terras que hoje pertencem à Venezuela tenham sido palco de uma
grande civilização pré-colombiana, como ocorreu em outros países andinos e
da América Central. Antes da chegada dos europeus no século XVI, a região era
habitada, em sua maior parte, por tribos que viviam do extrativismo, da caça e
da pesca e que não possuíam uma organização social complexa.
Os indígenas venezuelanos se concentravam em maior número no litoral marítimo e
nas margens dos principais afluentes do Orinoco. No primeiro milênio da era cristã, o
litoral do mar do Caribe foi povoado por pacíficos índios aruaques, progressivamente
deslocados pelos ferozes caraíbas. Tribos nômadesviviam nos llanos, no
sistema Parima e na Amazônia.

Descobrimento e colonização
Em sua terceira viagem à América, em 6 de agosto de 1498, Cristóvão
Colombo ancorou suas nausna península de Paria, que o almirante tomou por
uma ilha, denominando-a "terra de Gracia". Apesar de a Venezuela ter sido descoberta
por Colombo, foi Alonso de Ojeda quem, em 1499, pela primeira vez explorou o país,
navegando ao longo do mar do Caribe até o lago Maracaibo. O navegador deu o nome
de "Venezuela" ao país pela semelhança que encontrou entre as palafitas indígenas e a
cidade italiana de Veneza.
A primeira cidade venezuelana foi Santa Cruz, fundada por Ojeda em 1502. O primeiro
governo a vigorar foi o da jurisdição de Coquibacoa, concedido a Alonso de Ojeda
(1501). Estendia-se desde o Cabo de la Vela (hoje Colômbia) até o cabo de
Chichiriviche.
Inicialmente, os espanhóis não tentaram apoderar-se da terra firme, pois a pesca
da pérola em algumas ilhas próximas à costa nordeste os atraiu mais. O interesse
decaiu com o esgotamento das ostreiras perlíferas, e o impulso colonizador se
deslocou então para oeste, em direção a Caracas e Coro. O primeiro estabelecimento
permanente espanhol foi Cumaná, fundada em 1523.
Em 1528, no mesmo ano em que a província da Venezuela foi criada, o rei
espanhol Carlos V, endividado com os banqueiros alemães Fugger, concedeu-lhes o
território que, hoje, grosso modo, corresponde ao país. Durante quase duas décadas,
se sucederam infrutíferas expedições alemãspelo interior em busca de pedras
preciosas, até o território ser devolvido à coroa espanhola em 1546.
Mais tarde, em 1591, foi desmembrada, da Venezuela, a província de Trinidad,
enquanto a província da Guiana ia sendo o centro de atenção dos conquistadores que
procuravam o El Dorado. Entre 1634 e 1636, as ilhas
de Aruba, Curaçao e Bonaire foram perdidas para os holandeses, pouco tempo após
estes terem se instalado na própria Guiana, em 1627, sob comando de Abraham van
Pere.
Sobre a base da primeira designação de Nova Córdoba em 1562, Felipe II criou a
província de Nova Andalucía ou Cumaná. Ao serem acrescentados os territórios
de Mérida, Táchira e Barinas à jurisdição de La Guaira, esta se transformou em
província.
A capitania geral da Venezuela foi criada em 1528. Carlos III separou as províncias de
Cumaná, Guiana e Maracaibo, assim como as ilhas de Trinidad e de Margarita, do vice-
reino da Nova Granada, somando-as à capitania geral da Venezuela. Dessa forma, o
território ficava unificado com um só governador.
Na segunda metade do século XVI, teve início a atividade agrícola, baseada no
trabalho escravo. Caracas foi fundada em 1567 e no fim do século havia mais de vinte
núcleos de colonização nos Andes venezuelanos e no litoral do mar do Caribe.
As planícies e a região do lago Maracaibo aos poucos foram ocupadas nos
séculos XVII e XVIII por missões católicas. Ao começar a atividade missionária em
Cumaná, os frades franciscanos construíram o primeiro convento, próximo
ao estuáriodo rio Cumaná em 1516.
O panorama econômico e cultural mudou profundamente no século XVIII. Em 1717, o
país deixou de depender da audiência de Santo Domingo para incorporar-se ao vice-
reino de Nova Granada, com sede em Bogotá. Em 1725, a Real e Pontifícia
Universidade de Caracas começou a promover o ensino. Três anos mais tarde, se criou,
com o respaldo real, a Companhia Guipuzcoana de Caracas, que detinha
o monopólio da venda do cacau à metrópole e das mercadorias espanholas à
Venezuela. Sua missão era também reprimir o tráfico de escravos, que tinha, como
principal centro, a ilha de Curaçao, e as incursões estrangeiras ao território
venezuelano. Seus interesses contrariavam, no entanto, os dos produtores
venezuelanos, que forçaram a dissolução da companhia na década de 1780.

Independência da Venezuela

Simón Bolívar.
Os movimentos independentistas mais importantes, antes do século XIX, foram a
participação local na revolta dos Comuneros da Nova Granada e o de Manuel
Gual e José María España, no qual participou toda a sociedade colonial, em 1797.
Tampouco teve êxito o desembarque de Francisco de Miranda, com uma pequena
expedição de patriotas, organizada nos Estados Unidos e financiada pela Inglaterra,
em 1806.
Depois que a Espanha caiu em poder de Napoleão Bonaparte,
os criollos (brancos nascidos na colônia) de Caracas iniciaram a revolução venezuelana.
Os representantes espanhóis, dentre eles o governador Vicente Emparán, foram
destituídos, sendo estabelecida uma junta governativa local, com a finalidade oficial de
salvaguardar os direitos do rei espanhol Fernando VII, preso na França dois anos antes
por Napoleão.

Francisco de Miranda na prisão.


O primeiro congresso nomeou um triunvirato composto por Cristóbal Mendoza, Juan
de Escalona e Baltasar Padrón. Unindo-se aos representantes de outras partes do país,
a junta governativa declarou a independência em 5 de julho de 1811. Francisco de
Miranda, que retornara à América chamado por Simón Bolívar, assumiu o comando da
nova república.
A reação realista foi favorecida pelo terremoto de 1812, que quase só atingiu Caracas e
as povoações rebeldes. Os patriotas foram traídos e derrotados em Puerto Cabello.
Miranda, que assinara a capitulação em 25 de julho de 1812 e ia embarcar para
o Reino Unido, foi detido por Bolívar e enviado prisioneiro à Espanha,
onde morreria em 1816. Bolívar recebeu salvo-conduto para Curaçao.
No início de 1813, a junta revolucionária nomeou Simón Bolívar comandante das
forças venezuelanas. Filho de ricos fazendeiros criollos, era um dos líderes do
movimento de independência. Bolívar invadiu a Venezuela, sofrendo diversas derrotas
em sua luta contra as forças espanholas. Conquistou Caracas em 1813, mas a forte
presença do espanhol José Tomás Rodríguez Boves no comando das tropas realistas
acabou com a tentativa. Em 1814, a segunda república foi extinta e os patriotas
novamente se exilaram.
Ajudado pelo presidente Pétion, da nova República do Haiti, e por uma legião
estrangeira de soldados britânicos e irlandeses, Bolívar reiniciou a luta dois anos
depois. Em 1816, Simón Bolívar foi ratificado como presidente da república, graças ao
apoio que conseguira do general José Antonio Páez, caudilho dos llaneros.
Na batalha de Boyacá (1819), Bolívar libertou Nova Granada; os exércitos de Nova
Granada e da Venezuela se unificaram. Com capital em Bogotá, a República da Grande
Colômbia, que reunia Nova Granada e Venezuela, foi proclamada em 17 de
dezembro de 1819; pela primeira vez a Espanha viu a Venezuela como um país
constituído. Em 1819 foi criado o congresso de Angostura, onde Bolívar apresentou o
projeto de uma Constituição baseada nos princípios da liberdade republicana.

Batalha de Carabobo.
Após um armistício assinado em 1820, entre Simón Bolívar e Pablo Morillo, que
manteve o domínio espanhol sobre a região de Maracaibo, a incorporação dos
habitantes de Maracaibo à causa independentista gerou o reinicio da guerra. Em 24 de
junho de 1821, Bolívar derrotou o exército realista na batalha de Carabobo. As últimas
forças realistas capitularam em Puerto Cabello, em 9 de outubrode 1823. No ano
seguinte, Bolívar marchou em direção ao sul para libertar o Peru e, em 1825,
conseguiu dar fim ao domínio espanhol sobre a Bolívia.
De 15 de fevereiro de 1819 até 17 de dezembro do mesmo ano, Simón Bolívar foi
presidente da Venezuela. A partir dessa data, e até 1830, a Venezuela fez parte da
república da Grã-Colômbia, da qual Bolívar era também presidente.
Durante a ausência de Bolívar, contudo, irromperam rivalidades regionais na Grande
Colômbia, e seu prestígio não foi suficiente para manter o país unido até sua volta.
Em 1829, a Venezuela se separou, e o Equador fez o mesmo pouco tempo depois. No
ano seguinte, Bolívar morreu perto da cidade colombiana de Santa Marta, sem ter
conseguido realizar o sonho de unir a América hispânica.

Oligarquia conservadora
Com a fragmentação da Grande Colômbia, tem início o período da história da
Venezuela chamado de Quarta República.[1]
Bolívar havia deixado o general José Antonio Páez como chefe militar civil da
Venezuela. Páez logo extrapolou seu poder e deu apoio ao movimento separatista
da Grande Colômbia. Em 1831, um congresso constituinte proclamou a independência
da Venezuela e elegeu Páez presidente. A Constituição, conservadora, criava um
estado centralista, restringia o voto aos proprietários de terras e mantinha
a escravidão.
O general dominou a vida política do país até 1848. Governou durante dois períodos
constitucionais (1831-1835 e 1839-1844). Posteriormente, instaurou
uma ditadura de 1861 a 1863. Seu governo representou para a Venezuela uma fase de
estabilidade, na qual se reconstruiu a economia, enfraquecida pelos muitos anos
de guerra. Prosperaram então as culturas de cacau e café, base do comércio exterior
do país.
Em 1840, Antonio Leocádio Guzmán fundou o Partido Liberal, cuja base social era
a burguesia média progressista das cidades, que reivindicava a extensão do direito ao
voto e a abolição da escravatura. Guzmán criou um jornal, El Venezolano, que se
converteu em porta-voz das aspirações liberais. A crise econômica que se produziu em
meados da década, motivada pela queda dos preços do café e do cacau no mercado
internacional, favoreceu o crescimento da oposição aos governos conservadores. O
período que se seguiu (1843-1870) foi de caos e violência política, sucedendo uma
ditadura, de 1848 a 1858, e a guerra civil, durante os dez anos seguintes.

José Tadeo Monagasgovernou durante três períodos: de 1847 a 1851,


de 1855 a 1858 e, já octogenário, voltou ao poder graças à Revolução azul em 1868,
embora morresse antes de tomar posse.
Nas eleições presidenciais de 1846, saiu vitorioso o general José Tadeo Monagas, que,
embora conservador, buscou o apoio dos liberais contra a maioria conservadora do
Congresso. Páez se sublevou, mas foi derrotado e obrigado a exilar-se em 1848.
De 1846 a 1858, alternaram-se na presidência os irmãos José Tadeo e José Gregorio
Monagas. Os dois estabeleceram um regime ditatorial e populista que limitava a
liberdade de ação do Congresso. As reformas postuladas pelos liberais, em sua maior
parte, não saíram do papel: aprovaram-se leis que aboliam a escravidão, estendiam o
direito de voto, baniam a pena de morte e limitavam as taxas de juros, que, no
entanto, nunca foram implementadas. Em 1857 José Tadeo Monagas tentou impor
uma nova Constituição ao país, que estendia o mandato presidencial de quatro para
seis anos e eliminava todas as restrições à reeleição. Liberais e conservadores se
uniram, porém, contra ele e conseguiram que abandonasse o poder em março do ano
seguinte.

O presidente Antonio Guzmán Blanco (1870-1888).

O presidente general Joaquín Crespo.


Inaugurou-se um período de agitação política, com as chamadas guerras
federalistas (1858-1863): conservadores centralistas contra liberais federalistas. O
general Páez retornou em 1861 e restaurou a hegemonia conservadora por dois anos,
mas foi derrotado em 1863 pelas forças federalistas do general Juan Falcón.
A Constituição de 1864 incorporou as ideias federalistas, mas o governo de Falcón não
foi bem-sucedido.
Em 1868, estalou novamente a guerra civil, da qual saiu vencedora a facção liberal
de Antonio Guzmán Blanco. Guzmán Blanco governou o país primeiramente durante 7
anos (1870-1877) e, em seguida, durante 5 anos (1879-1884). Em um terceiro período
conhecido como o período da Aclamação, voltou a governar de 1886 a 1888, quando
foi deposto. Guzmán Blanco laicizou o Estado e modernizou a economia. Durante seu o
mandato obtiveram-se progressos em direção à democracia com a realização da
primeira eleição (1881) e foram introduzidas algumas reformas econômicas e
educacionais progressistas, mas o governo personalista do presidente Guzmán trouxe
prejuízos ao país.
De 1888 a 1892, líderes civis tentaram estabelecer governos representativos até que o
general Joaquín Crespo assumiu o poder, governando primeiro durante 2 anos (1884-
1886) e à frente da Revolução legalista de 1892 a 1898. Durante os seis anos de seu
governo, Crespo teve que enfrentar uma permanente desordem civil. A antiga disputa
com o Reino Unido pela definição da fronteira entre a Venezuela e a Guiana
britânica se inflamou depois que se descobriu ouro na região em litígio. Um tribunal
internacional, reunido por iniciativa dos Estados Unidos, deu parecer favorável ao
Reino Unido, em 1899, mas a sentença nunca foi reconhecida pela Venezuela.

Ditaduras andinas

O presidente general Cipriano Castro.


Com a morte de Joaquín Crespo, o governo despótico retornou quando
o caudilho general Cipriano Castro, do estado de Táchira, ocupou Caracas em 1899 e
assumiu a presidência. Durante os 46 anos seguintes, quatro militares de Táchira
tomaram sucessivamente o poder. No governo de Castro, o país foi conturbado por
revoltas internas e intervenções externas. Em 1908, Castro viajou para a Europa e
deixou o general Juan Vicente Gómez interinamente na presidência. Este último
governou de fato até sua morte em 1935. Durante esse longo período, além de
eventuais substituições por títeres do presidente, houve um presidente constitucional
chamado Juan Bautista Pérez, que governou de 1929 a 1931. Gómez governou
despoticamente, anulando a oposição e silenciando a imprensa.
A descoberta do petróleo antes da Primeira Guerra Mundial fez da Venezuela, já
em 1920, o maior exportador mundial do produto. As condições vantajosas oferecidas
por J. V. Gómez atraíram as companhias estrangeiras, que passaram a controlar a
exploração petrolífera.

O presidente Eleazar López Contreras, que governou até 1941.


Um pouco mais liberal e progressista foi o general Eleazar López Contreras, que
substituiu Gómez e iniciou a era da nova democracia entre 1935 e 1941. O
general Isaías Medina Angarita, que tomou o poder depois de López, restaurou as
liberdades civis e tentou criar uma base popular para seu governo. Com o declínio da
exploração petrolífera durante a Segunda Guerra Mundial, a renda nacional baixou e
Medina modificou os contratos com as companhias estrangeiras de petróleo.

Consolidação da democracia
Rómulo Gallegos e Harry Truman.
Em 1945, um grupo de oficiais do Exército, aliado ao Partido de Ação Democrática,
depôs Medina. O líder do partido, Rómulo Betancourt, chefiou uma junta civil-militar,
que governou por decreto durante 28 meses. A Constituição de 1947reproduziu as
ideias trabalhistas do partido. O romancista Rómulo Gallegos, eleito para a presidência
pela Ação Democrática (Acción Democratica), governou apenas nove meses, devido
sobretudo às medidas que tomou contra os militares enriquecidos ilicitamente durante
a ditadura e à tentativa de aumentar os royalties estatais sobre o petróleo e apressar
a reforma agrária. Foi deposto por um golpe de Estado em 1948.
Formou-se então uma junta militar, liderada por Carlos Delgado Chalbaud e Marcos
Pérez Jiménez. O assassinato do primeiro, dois anos mais tarde, deixou livre o caminho
para Jiménez, que impôs sobre o país um novo governo pessoal, proibindo toda
oposição e não reconhecendo o resultado das eleições de 1952. A época de Pérez
Jiménez se caracterizou pela modernização da capital, em detrimento do programa de
reformas sociais que havia elaborado o governo democrático anterior. Um golpe de
Estado derrubou-o em 23 de janeiro de 1958 e levou ao poder, provisoriamente, uma
junta civil-militar presidida por Wolfgang Larrazábal.

O presidente Rómulo Betancourt.


Na eleição de dezembro do mesmo ano, livre e honesta, venceu Rómulo Betancourt,
que conseguiu exercer um mandato civil completo (1959-1964). Seu segundo governo
caracterizou-se por um esquerdismo mais moderado, que permitiu a colaboração da
Ação Democrática com o segundo grande partido político do país, o Comitê de
Organização Política Eleitoral Independente ou COPEI (logo denominado Partido Social
Cristão), e ampliou a base social do governo democrático. Lançaram-se planos de
modernização agrícola e industrial e de promoção da saúde e da educação. Em março
de 1960 foi promulgada uma lei de reforma agrária de caráter moderado. No ano
seguinte, aprovou-se uma nova Constituição para o país.
O governo do presidente constitucional Betancourt foi abalado por várias tentativas de
golpe militar, assim como por uma forte depressão econômica. A oposição ao
presidente Trujillo, da República Dominicana, motivou, em 1960, um atentado contra a
vida do presidente praticado por agentes dominicanos. No ano seguinte, deterioraram-
se também as relações com Cuba, em resposta ao apoio do governo de Fidel
Castro à guerrilha venezuelana.
Na eleição presidencial de 1963, Betancourt foi sucedido pacificamente por Raul Leoni,
da Ação Democrática, que ganhou por uma pequena margem de votos. Leoni formou
um governo de coalizão com a União Republicana Democrática, de esquerda. Um novo
período de prosperidade na indústria petrolífera permitiu acelerar os projetos
econômicos e sociais do governo, que em poucos anos construiu uma poderosa
indústria petroquímica. As eleições de 1968 foram vencidas, contudo, pela oposição
social-cristã, que instalou na presidência seu dirigente, Rafael Caldera. Pela primeira
vez na história da Venezuela, o poder passava a um sucessor da oposição sem que
fosse alterada a normalidade constitucional.
Caldera trouxe ao país a estabilidade política e econômica, embora os raptos e os
assassinatos continuassem a crescer. Seu programa não diferia substancialmente do
de seu antecessor. O presidente melhorou as relações do país com Cuba, com a União
Soviética e com os ditadores militares da América Latina. No início da década de 1970,
o país passou a deter controle majoritário sobre os bancos privados estrangeiros e
sobre a indústria de gás natural.

Jaime Lusinchi (1983-1988).


As eleições de dezembro de 1973 deram o poder a Carlos Andrés Pérez, líder
do Partido de Ação Democrática (AD), o qual fez aumentar a estabilidade nacional. As
relações com os EUA desempenharam importante papel na vida econômica do país
(petróleo, ferro), mas o novo presidente redobrou os esforços governamentais para
dotar o país de uma infra-estrutura industrial, e nacionalizou a indústria de minério de
ferro, em 1975, e de petróleo, no ano seguinte. Em virtude da súbita alta dos preços
do petróleo provocada pela guerra árabe-israelense de 1973, a Venezuela, como
membro-fundador da Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP),
quadruplicou seus lucros com a venda de petróleo. Uma onda consumista sacudiu o
país, cuja frágil estrutura econômica foi incapaz de absorver a nova riqueza sem
experimentar aumento da inflação. O mandato de Pérez findou em 1979.
O agravamento da crise econômica, devido à queda dos preços do petróleo no
mercado internacional, persistiu durante o governo do social-cristão Luis Herrera
Campins, eleito em 1978, e gerou inquietação social. Com o aumento da instabilidade
econômica da Venezuela, as eleições gerais de 1984 foram contestadas por todos os
partidos e pelos treze candidatos à presidência.
Jaime Lusinchi (1983-1988), líder da Ação Democrática (AD), eleito em dezembro de
1983, logo lançou um programa de austeridade econômica impopular. Lusinchi
realizou uma política neoliberal e heterodoxa mas que mantinha o modelo rentista, o
que deixou a Venezuela vulnerável às oscilações dos preços internacionais do petróleo.
Houve um aprofundamento da corrupção pública e das crises econômica, social e
política. Tentou realizar um pacto social entre o Governo e as associações de comércio
e negociou créditos bancários com o objetivo de diminuir a dívida pública. Mas, em
1988, a Venezuela suspendeu o pagamento da dívida externa, que tinha vindo a
aumentar desde a queda dos preços do petróleo na década de 1970.

O Epílogo da Quarta República

Presidente Carlos Andrés Pérez (1974-1979 e 1989-1993).


Em dezembro de 1988, Carlos Andrés Pérez foi novamente eleito presidente e
imediatamente, instituiu o crescente aumento dos preços e outras medidas radicais,
com o objetivo de satisfazer as imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Adotou uma política de austeridade financeira, que aumentou a renda per capita do
país, mas, em contrapartida, ampliou o desemprego e aprofundou as desigualdades
na distribuição da renda, gerando greves de trabalhadores e conflitos sociais que
causaram a morte a cerca de trezentas pessoas. A queda dos preços do petróleo, o
aumento do tráfico de drogas e as medidas restritivas adotadas pelo presidente
geraram forte instabilidade política, com sérios distúrbios em 1989. Em fevereiro
de 1992, um grupo de jovens oficiais militares, sob o comando do coronel Hugo Chávez
Frías, de tendência esquerdista, tentou levar a cabo um golpe de Estado, mas as tropas
fiéis ao presidente Andrés Pérez depressa o neutralizaram e Chávez foi levado à prisão,
onde permaneceu por dois anos. Em novembro seguinte foi anulado um novo golpe.

Presidente Rafael Caldera(1969-1974 e 1994-1999).


Pérez foi acusado de desvio de dinheiro público e, em maio de 1993, foi destituído do
cargo depois de condenado em processo de impeachment por corrupção (que um ano
depois o levou para a cadeia). Em seu lugar, assumiu o presidente do Congresso,
senador Octavio Lapege, até que o Congresso elegesse um presidente interino para
terminar o mandato. Foi eleito pela Ação Democrática o senador Ramón José
Velásquez, que prestou juramento em junho de 1993 e governou o país por oito
meses.
Nas eleições de dezembro 1993, tomou novamente posse o ex-presidente Rafael
Caldera, liderando um novo partido, a Convergência Nacional, apoiado por outras
organizações. Assumiu em 1994 por um período de cinco anos. Em 1995, a Venezuela
atravessou uma crise financeira grave, uma crise bancária que obrigou o país a gastar
grande parte de suas divisas e adotou um programa econômico recessivo. Em 1996,
um plano rigoroso desencadeou uma reviravolta neste país, que tinha o maior
rendimento por habitante da América Latina, e se viu ultrapassado
pela Argentina, Uruguai, Chile e Brasil. As dificuldades econômicas, que incluíam a crise
bancária que obrigou o país a gastar grande parte de suas divisas, a queda no
crescimento e o aumento do desemprego e da pobreza, levaram o governo a
suspender as garantias constitucionais relativas às atividades econômicas durante três
meses, e adotar um programa econômico recessivo, controlando os preços,
congelando o câmbio e intervindo no mercado financeiro, entre outras medidas,
provocando violentas manifestações populares em 1996 e março de 1997.
A perda de prestígio dos políticos tradicionais se traduziu na aparição de candidaturas
estranhas, como a da ex miss Venezuela Irene Sáez. O coronel reformado Hugo
Chávez, de 44 anos, líder do fracassado golpe de fevereiro de 1992 contra o então
presidente Pérez e fundador do Movimento Quinta República (MVR), venceu as
eleições presidenciais realizadas em 6 de dezembro de 1998, com 56% dos votos
válidos, derrotando Henrique Salas Romer, que obteve 39%.

A Quinta República

Cel. Hugo Cháves Frias.


Empossado para o qüinqüênio de fevereiro de 1999 a fevereiro de 2004, Chávez
prometeu modificar o Legislativo, moralizar a administração pública e promover uma
efetiva redistribução da renda nacional. Foi convocado um plebiscito para que o povo
opinasse sobre a instalação ou não de uma Assembleia Nacional Constituinte. Com
92% de votos favoráveis, os venezuelanos aprovaram no dia 25 de abril de 1999, a
proposta presidencial de criar uma assembleia que redigisse uma nova Constituição.
Convocadas eleições para formar a Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela
em 25 de julhode 1999, esta reuniu-se pela primeira vez, no dia 3 de agosto do mesmo
ano, e assumiu o poder máximo do Estado. A soberaníssima, nas palavras do
presidente Hugo Chávez, se autodotou de poderes para suspender as demais
instituições políticas do país. Nos dias que se seguiram, Chávez pôs o seu cargo à
disposição da Assembleia (para caracterizar que esta era agora a autoridade suprema
do Estado), e no dia 11 de agosto, depois de ser confirmado na presidência, jurou
novamente o cargo. No dia 12 de agosto, Chávez teve o seu primeiro decreto
executivo para a reorganização de todos os órgãos do poder público, aprovado pela
Assembleia.
Em nova convocação às urnas em 15 de dezembro de 1999, os venezuelanos
referendaram, por ampla maioria, a recém-escrita Constituição que levaria adiante o
projeto de Hugo Chávez para a transformação do país. A nova Carta Magna foi
aprovada por 71,2% dos votantes, apesar de o índice de abstenção ter sido muito alto,
pois 54% dos eleitores não compareceram às urnas. Com esse resultado, Chávez
recebeu um respaldo importante para o processo de mudança das estruturas políticas,
econômicas e jurídicas do país.
A nova Constituição, a vigésima sexta na história da Venezuela, aumentou o mandato
do presidente da República de cinco para seis anos, e passou a permitir uma reeleição
consecutiva; mas não subordina, todavia, o poder militar ao civil. O Senado e o
Congresso foram extintos, tendo sido substituídos por uma nova instituição
unicameral: a Assembleia Nacional. Foram considerados nulos todos os mandatos
estabelecidos pela constituição anterior e convocadas eleições gerais para julho
de 2000, inclusive para presidente da República, tendo sido Hugo Chávez reeleito para
o sextiênio de janeiro de 2001 a janeiro de 2007. A Carta, ainda, alterou o nome do
país para República Bolivariana da Venezuela e aumentou os direitos culturais e
linguísticos dos povos indígenas.
Após a reeleição, Hugo Chávez pôs em prática um programa de revolução bolivariana,
mas rapidamente confrontou-se com uma forte oposição (manifestações, greves e
tentativa de golpe de Estado). Chávez promoveu a nacionalização de vários setores da
economia do país. Inicialmente, estatizou a siderúrgica Sidor, responsável por 85% da
produção de aço no país. No mesmo período, começou o processo de nacionalização
da empresa Petróleos de Venezuela (PDVSA), ação concluída em 2007. Em 2002, a
Venezuela passou por uma grave crise política após Chávez demitir gestores da PDVSA
e substituí-los por pessoas de sua confiança. Em abril desse ano, a crise política,
econômica e social que se tinha instalado no país levou a um golpe de Estado civil-
militar, que destituiu Hugo Chávez do cargo por breves 48 horas. Líderes das Forças
Armadas anunciaram a destituição do presidente Chávez, em 12 de abril de 2002,
tendo o líder empresarial Pedro Carmonafeito juramento como presidente da
Venezuela. O golpe, entretanto, foi seguido de um contragolpe dois dias depois, já que
forças leais a Chávez perceberam o clamor popular pelo líder. Chávez reassumiu a
Presidência em 14 de abril de 2002, após um decreto que revogou sua deposição, mas
a instabilidade política e a crescente polarização social mantiveram-se.
Um referendo sobre a permanência de Chávez no poder foi realizado em agosto
de 2004. Chávez venceu o referendo revogatório com 58,25% dos votos. Em 2005,
instaurou-se uma crise diplomática com a Colômbia. Em dezembro de 2006, Hugo
Chávez foi reeleito, para o sextiênio 2007-2013. Em 2007, tomou posse junto a um
Congresso plenamente fiel, já que a oposição havia boicotado as eleições legislativas
de 2005.

Nicolás Maduro, sucessor de Hugo Chávez na presidência da república venezuelana.


Em dezembro de 2007, em referendo sobre reforma da Constituição venezuelana, o
presidente obteve o primeiro revés, já que a reforma foi recusada pela população.
Em 2008, Chávez também saiu derrotado das eleições regionais. Os fracassos nas
votações de 2007 e 2008 foram em parte recompensados em 2009, quando 54% dos
venezuelanos votaram a favor da reeleição ilimitada em mais um referendo. Em 30 de
junho de 2011, em pronunciamento transmitido pela TV, o presidente anunciou que
sofria de um câncer. Em 2012, o presidente da Venezuela anunciou a nacionalização de
11 plataformas de petróleo norte-americanas vinculadas à empresa Helmerich &
Payne. Anteriormente, foi anunciada a estatização de fábricas do México, da França e
da Suíça. Em outubro de 2012, foi mais uma vez foi reeleito, mas, pela primeira vez,
venceu com pequena diferença de votos: 54% contra 44% do adversário, Henrique
Capriles. Em 5 de março, o vice-presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou,
em pronunciamento nacional na TV, a morte do presidente Hugo Chávez, vítima de um
câncer na região pélvica com o qual convivia há um ano e meio.
Crise
Venezuela passa hoje pela pior crise da sua história
A Venezuela passa hoje pela pior crise da sua história. Índices econômicos baixíssimos,
instabilidade política e violência são alguns dos componentes desse mosaico. No meio
da disputa está o povo, que sofre com a crise de abastecimento, sem produtos de
primeira necessidade e com a escalada da violência, com o número de mortos
disparando, principalmente nos embates entre os pró-governistas e os seus opositores.

O petróleo na política e na economia venezuelanas

A Venezuela, oficialmente chamada de República Bolivariana da Venezuela, é um país


sul-americano que surgiu com o colapso da Gran Colombia em 1830. Durante o século
XIX, o país foi governado por caudilhos regionais – que, em geral, são lideranças
políticas carismáticas ligadas a setores tradicionais da sociedade, como militares e
latifundiários. Por se tratar de uma forma de poder na qual o governante tem controle
absoluto, o país passou por uma grande instabilidade política. Tais líderes eram, em sua
maioria, militares que buscaram promover o setor do petróleo e permitiram algumas
reformas sociais. Esse modelo durou até meados do século XX, quando houve a
transição para o governo democrático em 1959.

A Venezuela é um país reconhecido pelas suas grandes reservas de petróleo e gás


natural, descobertas no início do século XX. Por se tratar do sétimo maior produtor de
petróleo do mundo, o setor petrolífero representa cerca de um terço do PIB,
aproximadamente 80% das exportações e mais da metade do orçamento governamental.
O país é membro fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep),
organização criada em 1960 e com objetivo de centralizar a política petrolífera dos
países membros, permitindo que afetem diretamente o preço do barril do petróleo, seja
ofertando mais, o que deixa o preço mais baixo, ou restringindo a oferta, fazendo com
que o preço suba.

A descoberta do petróleo e a exploração comercial desse recurso, que teve início em


1920, foi extremamente importante para a economia venezuelana, pois o país era um
exportador subdesenvolvido de commodities agrícolas, como café e arroz, não sendo
autossuficiente em grande parte dos setores agrícolas. Em 1973, a Venezuela votou por
privatizar o seu setor petrolífero, o que culminou com a criação da Petróleos de
Venezuela (PDVSA).

Apesar de o petróleo ter sido um acelerador do desenvolvimento econômico


venezuelano, o efeito multiplicador desse recurso na sociedade é muito menor, se
comparado a outros recursos. Isso ocorre porque o ingresso de recursos se dá em forma
de royalties que vão diretamente para o cofre do Estado, com isso, este torna-se o
principal e decisivo condutor da economia.

Mesmo com as atividades de refino sendo realizadas internamente, a economia


petroleira depende de um baixo número de investidores, além de ter o mercado interno
pequeno e estável. Esses fatores fizeram com que a Venezuela apresentasse
características estruturais de uma economia subdesenvolvida, como afirma Celso
Furtado em “Ensaios sobre a Venezuela, subdesenvolvimento com abundância de
divisas” de 1957. Ele também afirma que a dependência do petróleo poderia trazer um
grande desenvolvimento econômico, caso fossem alterados os seus pressupostos
básicos, pois da forma como se apresentava, o modelo era frágil, já que a riqueza gerada
concentrava-se na mão de poucos.

A renda petroleira também serviu para financiar o Estado durante a década de 1970,
quando a carga tributária não alcançava 10% do PIB. No ano de 1973 se deu uma das
Crises do Petróleo, que teve como consequência o aumento em mais de 400% do preço
do barril do petróleo. A Venezuela se beneficiou da subida de preço de uma maneira
pouco saudável, pois permitiu um maior investimento na melhoria dos serviços públicos
e também a nacionalização das indústrias petrolíferas em 1976, o que fez com que o
país não só aumentasse seus gastos públicos, mas também sua dívida externa, que se
multiplicou por dez entre os anos de 1974 e 1978.

A Crise do Petróleo de 1979 também teve grande impacto na economia venezuelana, já


que a exportação do petróleo por parte dos países produtores foi afetada, o que fez o
preço do barril bater recordes. Como consequência, observou-se a elevação dos juros
internacionais, altamente prejudicial para a Venezuela, já que a dívida externa do país
estava aumentando rapidamente. No final da década de 1980, quando o preço do barril
diminuiu, as reservas do Banco Central venezuelano despencaram, a inflação disparou,
o salário real teve uma diminuição drástica e houve uma intensa fuga de capitais.

Petróleo como arma política

Além das questões econômicas, o petróleo na Venezuela também serviu para moldar a
política do país. Desde sua descoberta os líderes buscaram promover o setor do
petróleo, além de tirar vantagem das variações do preço do barril. Entre os anos de 1974
e 1979, quando o preço do petróleo estava muito alto, devido à Crise do Petróleo que se
iniciou em 1973, a Venezuela vivia um período de grande prosperidade sob a liderança
do presidente Carlos Andrés Pérez.

Utilizando-se deste momento, Pérez candidatou-se à reeleição, o que ocorreu e em 4 de


dezembro de 1988. No entanto, a crise do petróleo de 1980 teve graves consequências
para a economia venezuelana durante aproximadamente duas décadas, causando
reflexos na política. Em 1989, o governo anunciou que havia firmado uma parceria com
o Fundo Monetário Internacional (FMI), com o objetivo de conseguir um empréstimo
de 4,5 bilhões de dólares, e tinha como contrapartida um pacote que incluía a
desvalorização cambial, redução do gasto público e do crédito, liberação de preços,
congelamento de salários e aumento de preço de gêneros de primeira necessidade. Com
tais medidas a gasolina sofreria um reajuste de 100%, o que acarretaria no aumento de
30% das passagens dos transportes públicos, que na prática acabou se tornando um
reajuste de 100%.

Nesse sentido, a receita do petróleo fez com que Pérez fosse reeleito, mas a dependência
do petróleo gerou grande insatisfação por parte da população, já que as medidas
propostas pelo FMI para a liberação do empréstimo tinham impacto direto nesse setor, e
o país tinha sua economia toda baseada na commodity. A insatisfação só aumentava, já
que a necessidade do empréstimo não havia sido falada durante a campanha.
No dia 27 de fevereiro de 1989, a insatisfação atingiu o seu limite e começaram os
primeiros protestos. Durante os dias subsequentes as manifestações tomaram as ruas de
Caracas e de outras cidades. A semana foi marcada por saques, barricadas e
enfrentamentos com as forças de segurança, que teve como consequência centenas de
vítimas fatais e milhares de feridos, segundo familiares e grupos de direitos humanos. O
evento ficou conhecido como Caracazo.

Ali teve fim o pacto político que tinha seus alicerces no preço do petróleo e que tinha
possibilitado a convivência entre dois partidos de centro-direita, que se alternavam no
poder, e que havia excluído setores populares da disputa política.

Ascensão de Hugo Chávez

No dia 6 de dezembro de 1998, Chávez elegeu-se presidente após vencer as eleições. O


país vivia um momento de instabilidade, sem referências institucionais com
credibilidade e passava por uma grave crise social. Hugo Chávez utilizou sua
notoriedade adquirida seis anos antes e pautou sua campanha no combate à pobreza,
para garantir êxito no pleito. A política era pautada na inclusão social, buscando a
transferência de renda, o que fez com que ele se tornasse muito popular.

Um dos objetivos de Chávez quando chegou ao poder foi lançar a chamada Revolução
Bolivariana, que teve início com uma Assembleia Constituinte em 1999, que visava
escrever uma nova Constituição da Venezuela, com aprovação de 70% da população.
Com a nova ordem constitucional, foi realizada uma eleição presidencial e legislativa,
na qual Chávez se reelegeu presidente e o Polo Patriótico, composto pelos apoiadores
do presidente, conquistou a maioria dos assentos na Assembleia Nacional.

No mesmo ano foi aprovada a chamada “Lei Habilitante”, que concedia poderes
extraordinários ao presidente, o que permitia que ele legislasse acerca de matérias de
seu interesse. Os decretos com força de lei entravam em vigor mesmo antes da
aprovação por parte do Legislativo, já que fora criada para agilizar os processos
administrativos. Chávez utilizou esse artifício para decretar a privatização do setor
petroleiro, através da nova Lei de Hidrocarbonetos e também para dar mais velocidade à
reforma agrária.

A lei permite ao presidente legislar sobre temas como segurança, infraestrutura,


impostos, serviços públicos, finanças, dentre outros. A oposição criticou fortemente a
Lei Habilitante, afirmando que ela dava poderes ditatoriais ao presidente.

Nos meses seguintes, vários outros decretos foram promulgados, gerando insatisfação
em vários setores da sociedade e por parte da oposição. Apesar das manifestações e
greves, o governo manteve todos os decretos, causando descontentamento também em
setores como a Igreja Católica e as empresas privadas de rádio e televisão, que tiveram
parte de suas concessões de funcionamento canceladas. A oposição agora acusava
Chávez de querer tornar a Venezuela um país comunista.

Em 2002, após demitir gestores da companhia estatal de PDVSA e substituí-los por


pessoas de sua confiança, Chávez sofreu um forte protesto pedindo a sua saída do poder.
A oposição se apoderou do controle dos poços de petróleo da PDVSA, responsável por
95% da produção de petróleo venezuelana. A escalada de insatisfação foi tão grande que
setores que antes apoiavam o presidente o abandonaram, tendo como uma figura icônica
Luis Miquilena, um dos fundadores, junto de Chávez, do partido Movimiento V
República (MRV).

A insatisfação atingiu seu auge em 2002, quando no dia 11 de abril manifestantes


pedem a saída do cargo por parte de Chávez. O exército, antes grande apoiador do
presidente, agora estava contra ele e, no dia seguinte, o general Lucas Rincón, chefe das
Forças Armadas, anuncia que Chávez havia renunciado, o que foi posteriormente
desmentido pelo presidente. No entanto, o presidente da Federación de Cámaras y
Asociaciones de Comercio y Producción de Venezuela (Fedecámaras), Pedro Carmona,
assumiu a presidência do país. A Fedecámaras era a principal opositora ao governo.
Ficou configurado, assim, um Golpe de Estado.

Algumas das atitudes de Carmona foram a dissolução da Assembleia e os poderes


judiciais, atribuindo a si próprio poderes extraordinários. Também prometeu eleições
diretas em um ano. Essa sequência de eventos gerou um levante popular por parte dos
apoiadores de Chávez. Soldados leais ao presidente deposto realizaram um contragolpe
e retomaram o Palácio de Miraflores, com o vice-presidente de Chávez assumindo o
poder temporariamente, enquanto o presidente era libertado da prisão na ilha de La
Orchila.

A oposição continuava insatisfeita com o governo e realizou outras manobras na


tentativa de retomar o poder. Após uma greve que paralisou o país durante nove
semanas, a Coordinadora Democrática, uma coligação de partidos de esquerda e direita,
organizou um referendo no qual pediam para os venezuelanos se pronunciarem sobre a
permanência ou não do presidente. Com 58,25% dos votos a favor da permanência, o
governo ganhou legitimidade.

Em 2006, aconteceu nova eleição, na qual Chávez saiu vitorioso para o seu terceiro
mandato, ficando muito à frente do seu adversário. A eleição foi considerada legítima
pela OEA e deu condições para o aprofundamento e expansão da revolução. Em 2008,
foi aprovada uma emenda constitucional que permitia reeleições ilimitadas, a qual foi
criticada pela oposição por se tratar de uma forma de dar legitimidade à ditadura sob a
qual afirmavam que o país vivia. Apesar da sua vitória, Chávez nunca conseguiu ocupar
o cargo em 2012, pois lutava contra um câncer. O então presidente faleceu no dia 5 de
março de 2013, e Nicolás Maduro assumiu o poder por ser vice-presidente na época da
morte de Chávez.

Mesmo com diversas greves que prejudicaram a economia e promoveram uma fuga de
capitais, o governo de Hugo Chávez conseguiu realizar a distribuição de renda e a
redução da pobreza, assim como havia prometido em suas campanhas presidenciais. No
entanto, na busca de manter os programas sociais financiados pela exportação do
petróleo, o governo foi forçado a adotar uma política de desvalorização da moeda, as
quais têm surtido pouco efeito na melhoria de vida dos venezuelanos, já que o país é
extremamente dependente de produtos importados, inclusive os de primeira
necessidade, como alimentos e produtos de higiene pessoal.

Maduro, eleito em 2013 para um mandato integral, na primeira eleição após a morte de
Chávez, chegou ao poder para dar continuidade ao trabalho que vinha sendo feito pelo
seu antecessor. A vitória foi apertada, com seu opositor, Henrique Capriles Radonski,
conquistando 49,07% dos votos. Porém, Maduro assumiu um país em meio a uma crise
política que agravava a crise econômica pela qual o país passava. Com isso, sua taxa de
aprovação despencou, o que levou a oposição a ganhar força com o pedido de plebiscito
para a revogação do mandato do presidente.

Esse mecanismo está previsto na Constituição venezuelana, e diz que um presidente


pode ser retirado do poder por votação popular. Desde 2016, a oposição tentava realizar
o plebiscito, porém seria necessário o apoio de pelo menos 20% da população. As
coletas de assinaturas seriam realizadas no final de 2016, mas foram adiadas pelo
Conselho Nacional Eleitoral, o que foi extremamente ruim para a oposição, já que após
o dia 10 de janeiro de 2017 Maduro teria cumprido metade do seu mandato, e, segundo
a legislação do país, quem assumiria em caso de derrota do presidente seria o seu vice,
inviabilizando o principal objetivo da oposição.

Assim, caso a oposição não consiga outra forma de contestar a legitimidade do governo,
terão que aguardar até 2019, quando acaba o mandato de Maduro.

Assembleia Constituinte de 30 de julho de 2017

No início de maio de 2017, Nicolás Maduro convocou eleições para uma Assembleia
Constituinte, responsável por redigir uma nova constituição venezuelana. A eleição foi
marcada para o dia 30 de julho, conforme informado pelo Conselho Nacional Eleitoral
da Venezuela. O anúncio foi feito pouco depois do início de uma nova onda de
protestos e após o país ter anunciado a sua saída da OEA. Segundo Maduro, a nova
constituição seria necessária para conferir maiores poderes à população e, assim,
recuperar a estabilidade na Venezuela.

A oposição, no entanto, entendeu que a convocação da Constituinte era uma tentativa de


ampliação dos poderes do executivo sobre a Assembleia Nacional e a Procuradoria
Geral da República, não governistas. Seria uma continuação do que chamavam de
“autogolpe”, quando os poderes da Assembleia Nacional foram transferidos para o
Tribunal de Justiça, controlado pelos chavistas. De acordo com eles, a nova
Constituição seria uma tentativa do governo para frear as eleições e se perpetuar no
poder.

No dia 16 de julho, a oposição realizou um plebiscito extraoficial para consultar o


posicionamento da população em relação à Constituinte. De acordo com a oposição, 7,1
milhões de venezuelanos compareceram às urnas para o plebiscito. O governo
convocou, para o mesmo dia, uma simulação da Constituinte e a taxa de
comparecimento declarada pelo governo foi de cerca de 11 milhões de pessoas.

Maduro não recuou e no dia 30 de julho aconteceu a votação que elegeu os 545
deputados constituintes. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) do país, a
taxa de comparecimento foi de 41,53% e 8.089.320 pessoas votaram. Os números são
contestados pela oposição, que afirma que apenas 12,4% dos eleitores venezuelanos
compareceram às urnas. Diversas outras polêmicas e entraves permearam as eleições,
marcada por manifestações (já anunciadamente proibidas, a fim de “não atrapalhar” o
processo eleitoral) e mudanças repentinas nos horários de fechamento das urnas. Parte
da comunidade internacional não reconheceu a votação. Vale dizer que a oposição fez
resistência e não lançou nenhum candidato ao pleito, e alguns dos eleitos são
reconhecidos apoiadores de Maduro, como o agora presidente da Constituinte Diosdado
Cabello.

Eleições presidenciais de 2018

A eleição presidencial da Venezuela deveria, a princípio, acontecer no final de 2018,


mas o governo a adiantou para que ocorresse em maio. Mais uma vez, os
questionamentos centrais giraram em torno do número de eleitores que compareceram
às urnas e reelegeram Nicolás Maduro. De acordo com a CNE, 46% dos eleitores
venezuelanos participaram da votação, mas outras fontes do Conselho informaram à
imprensa que, ao fechamento das urnas, o número era de 32,3%. Grande parte da
oposição, formada pela MUD (Mesa da Unidade Democrática), resolveu boicotar as
eleições por não a considerar legítima, uma vez que fortes concorrentes de Maduro,
como Leopoldo López, estão presos, e há ainda acusações de que órgãos como o próprio
Conselho Eleitoral são aparelhados ao governo.

O único forte concorrente de Maduro nas últimas eleições foi Henri Falcón, que rompeu
com o boicote e fez campanha ativa. Obteve 1.820.552 votos, contra os 5.823.728 de
Maduro. Pouco antes do anúncio do resultado, no entanto, Falcón declarou que não
reconheceria o resultado das urnas e exigiria novas eleições. Segundo ele, as votações
foram marcadas por fraudes e “pontos vermelhos”, núcleos de ativismo instalados
próximas às urnas onde os eleitores poderiam vender seus votos a Maduro em troca de
bonificações e serviços.

Mais uma vez, diversos países, entre eles o Brasil, não reconheceram as eleições
venezuelanas, e classificaram o processo como fraudulento.

Pós-eleições e o duplo governo venezuelano

Desde as eleições, a instabilidade política e econômica na Venezuela se intensificaram


ainda mais, atingindo na última semana o momento de maior tensão com ameaças
diretas de intervenção dos Estados Unidos. Isso aconteceu depois que o então líder da
Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autodeclarou presidente interino da Venezuela,
declarando estar ocupando um cargo que fora usurpado e reclamando novas eleições
livres. As ruas de Caracas foram tomadas por manifestantes pedindo também a queda do
presidente. Maduro já declarou que não renunciará e que “vai ao combate”. Desde
então, 14 países, dentre eles o Brasil, já reconheceram Guaidó como presidente, e outros
oito seguem apoiando o atual governo. Enquanto isso, os protestos crescem no país e
estima-se que 35 pessoas já tenham morrido em decorrência da repressão.

Fontes: Ipea; G1 – Crise do Petróleo; Folha de São Paulo – Assembleia; CIA


Factbook; BBC; El País
Crise na Venezuela: o que levou o
país vizinho ao colapso econômico e
à maior crise de sua história
A situação na Venezuela vem ganhando contornos de tragédia há alguns anos, mas
as condições políticas e sociais se deterioraram sensivelmente nos últimos meses no
país, onde a tensão cresce diante da possibilidade de uma intervenção internacional.

As imagens recentes mostram um país abalado pela pobreza e pela hiperinflação, enquanto a
instalação de um governo paralelo ao do presidente eleito, Nicolás Maduro, intensificou a crise
política interna e externa de uma nação cada vez mais isolada diplomaticamente.

Desde o início do ano, inensificaram-se os protestos pela saída de Maduro, que, por sua vez,
arregimenta apoiadores em torno de grandes manifestações para demonstrar que tem apoio
popular.

Em janeiro, o deputado Juan Guaidó, que havia acabado de tomar posse como presidente da
Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano e último órgão estatal sob controle da
oposição, declarou-se presidente interino do país.
Mais de 50 países, entre eles Estados Unidos, Brasil, França, Espanha, Argentina, Canadá, Chile,
Colômbia, Dinamarca, Equador e Peru, reconheceram Guaidó como novo mandatário
venezuelano. Já Bolívia, China, Cuba, Irã, México e Rússia declaram apoio a Maduro.

O presidente americano, Donald Trump, já disse que uma intervenção militar na Venezuela não
está descartada. Maduro retrucou acusando Trump de ser um "supremacista branco" que
buscava desestabilizar seu país.

Por sua vez, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu para que haja "diálogo" no país
para evitar um "desastre". Mas o pedido de encontro com Trump feito por representantes de
Maduro foi rechaçado.

Diante da tentativa da oposição de fazer com que ajuda humanitária chegasse ao país por meio
das fronteiras com Brasil e Colômbia, Maduro ordenou que fossem fechados os acessos nas
divisas entre os países, o que gerou conflitos nestes locais enmtre militares venezuelanos e
manifestantes.

Após o fracasso da operação, Guaidó pediu aos países aliados que mantivessem "todas as
opções na mesa", mas o Grupo de Lima, bloco de 13 países do continente americano, recusou o
uso da força para retirar Maduro do poder.

Fome e êxodo
A crise venezuelana não começou agora. A fome fez os venezuelanos perderem, em média, 11
quilos no ano passado. A violência esvazia as ruas das grandes cidades quando anoitece. E a
situação provocou um êxodo em massa para países vizinhos.
O país vizinho vive a maior recessão de sua história: são 12 trimestres seguidos de retração
econômica, segundo anunciou em julho a Assembleia Nacional.

A dimensão do colapso pode ser vista nos números do Produto Interno Bruto. Entre 2013 e
2017, o PIB venezuelano teve uma queda de 37%. O Fundo Monetário Internacional prevê que,
neste ano, caia mais 15%.

A situação foi explorada também na campanha eleitoral brasileira. Candidatos e eleitores de


oposição ao Partido dos Trabalhadores, que historicamente apoiou os governos de Hugo
Chávez e Nicolás Maduro, tentaram usar o fracasso venezuelano como alerta do que poderia
ocorrer no Brasil com a eleição de Fernando Haddad. Os petistas, por sua vez, lembraram que
Chávez era um militar e é com apoio e participação direta das Forças Armadas que Maduro
vinha governando.

As origens do colapso a Venezuela, país com as maiores reservas de petróleo do mundo

Em agosto, a Organização Internacional para as Migrações, ligada à ONU, disse que o aumento
do número de pessoas deixando a Venezuela por causa do colapso econômico
hiperinflacionário faz o momento de crise estar próximo ao dos refugiados e migrantes que
atravessam o Mediterrâneo rumo à Europa.

Em novembro, a ONU informou que 3 milhões de venezuelanos deixaram o país nos últimos
anos. Mas como a situação na Venezuela chegou a esse ponto?

1 - Crise do petróleo
A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo - e o recurso é praticamente a
única fonte de receita externa do país.

Após a Primeira Guerra Mundial, sucessivos governantes venezuelanos deixaram o


desenvolvimento agrícola e industrial de lado para focar em petróleo, que hoje responde por
96% das exportações - uma dependência quase total.

A aposta no petróleo foi segura durante anos e deu bons resultados nos momentos em que o
preço do barril estava alto. Entre 2004 e 2015, nos governos de Hugo Chávez e no início do de
Nicolás Maduro - eleito em 2013 após a morte de seu padrinho político, no mesmo ano - , o país
recebeu 750 bilhões de dólares provenientes da venda de petróleo.

O governo chavista aproveitou essa chuva dos chamados "petrodólares" para financiar de
programas sociais a importações de praticamente tudo que era consumido no país.
▪ Mourão diz que só vê confronto com Venezuela se Brasil for atacado: 'Mas Maduro
não é louco a esse ponto'

Mas, em 2014, o preço do petróleo desabou. Em parte, devido à recusa de Irã e Arábia Saudita -
outros dois dos grandes produtores - em assinar um compromisso para reduzir a produção.
Outros fatores foram a desaceleração da economia chinesa e o crescimento, nos EUA, do
mercado de produção de óleo e gás pelo método "fracking" - o fraturamento hidráulico de
rochas.

No início daquele ano, depois de ter alcançado um pico de US$ 138,54 em 2008, o preço do
barril de petróleo era negociado a cerca de US$ 100 dólares e caiu pela metade no fim do ano,
mantendo essa queda significativa até este ano, quando voltou a atingir o patamar de US$ 80.
Além de receber menos dinheiro por seu principal produto, a Venezuela também teve uma
queda significativa na produção. Quando Chávez assumiu pela primeira vez o país, em 1999, a
produção era de mais de 3 milhões de barris por dia. Hoje, é de cerca de 1,5 milhão, segundo a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) - é o pior nível em 33 anos.

Essa queda de produção aconteceu principalmente pela má gestão da PDVSA, a Petróleos de


Venezuela, estatal que gere a exploração do recurso no país com exclusividade. Em 2007,
Chávez ordenou que todas as empresas estrangeiras cedessem a maior parte do controle de
suas atividades de exploração ao Estado venzuelanos. Companhias com o a Exxon não
aceitaram, tiveram seus bens confiscados e batalhas jurídicas por indenizações se desenrolam
até os dias atuais.

Na PDVSA, Não houve investimento em infraestrutura e a empresa sofre com má gestão e alto
grau de corrupção. Para se ter uma ideia, desde agosto de 2017, a Justiça venezuelana
processou 90 ex-funcionários da petroleira por corrupção. Em setembro, o Ministério Público
de lá mandou prender 9 diretores.

O Departamento de Justiça dos EUA também conduziu uma investigação com base em Miami
que revelou um esquema de lavagem de dinheiro da PDVSA que desviou US$ 1,2 bilhão, entre
2014 e 2015 . A operação chamada Fuga de Dinheiro contou com a cooperação de Reino Unido,
Espanha, Itália e Malta. Dois suspeitos foram presos.
▪ Como a estratégia de Trump na Venezuela se assemelha à antiga política dos EUA
para Cuba

Outra coisa que ajudou a prejudicar as finanças da PDVSA foi a criação, ainda no governo
Chávez, da Petrocaribe, uma iniciativa na qual a Venezuela se comprometia a fornecer petróleo
a preços muito mais baixos para países caribenhos aliados ao chavismo, com longos prazos
para pagamento. Era como emprestar dinheiro com retorno a perder de vista. Com o
aprofundamento da crise, a iniciativa começou a minguar e países como Jamaica e República
Dominicana passaram a buscar outros contratos para seu abastecimento.

2 - Dependência das importações, controle cambial


e sanções
Com o foco voltado para o petróleo e usando parte do dinheiro arrecadado com as exportações
do combustível para sustentar programas sociais, o chavismo não se preocupou com o
desenvolvimento agrícola e industrial do país. O governo não investiu nem na própria
indústria do petróleo - levando à queda na produção de barris.

Chávez tomou uma série de medidas que acabaram emperrando o desenvolvimento da


indústria local: nacionalizou as indústrias de cimento e aço, entre outras, e expropriou
centenas de empresas e de propriedades rurais.

O setor privado foi levado a substituir a produção própria pelas importações mais baratas,
subsidiadas pelo governo. Além disso, o governo adotou uma política de controle de preços,
segurando artificalmente a inflação, o que ajudou ainda mais a acabar com a indústria local.

A Venezuela passou a depender mais e mais de importações - de alimentos e medicamentos até


pneus e peças de reposição para o sistema de metrô das grandes cidades. Nos dois últimos
anos, com menos dinheiro para importação, a questão do desabastecimento - e,
consequentemente, da fome - se agravou. Falta até papel higiênico nos supermercados.
O governo também implantou uma política cambial para segurar o valor do bolívar, a moeda
local, controlando a compra de dólares pela população, o que gerou um mercado paralelo da
venda da divisa americana.

Com o controle cambial veio um aumento significativo da corrupção, com desvio de dólares
para o mercado paralelo, onde a moeda valia até 12 vezes o preço do câmbio oficial. O governo
tentou manobras diversas para tentar conter a escalada do paralelo - como a criação de bandas
cambiais distintas que seriam aplicadas em diferentes situações. Mas não houve resultado
concreto e o câmbio ilegal continuou a corroer o já combalido sistema econômico.
▪ 'A Ku Klux Klan que governa a Casa Branca quer se apoderar da Venezuela', diz
Maduro

"Chávez capitalizou um descontentamento social que existia desde governos passados, com
uma desigualdade social acentuada, e o início de seu governo marcado pelo peso elevado que
deu ao Estado e pelo aspecto populista. Isso se caracterizou por um repúdio à propriedade
privada e a um menor papel do mercado, o que resultou num estrito controle de preços e
transações cambiais", afirma à BBC New Brasil o economista Luis Arturo Bárcenas, da
consultoria venezuelana Ecoanalítica.

"Ele satanizou o livre-mercado. O Estado passou a ser um grande aparato produtivo e


centralizador. Então, isso vem de um forte subsídio cambial, onde artificialmente se deu um
valor à moeda local maior que as estrangeiras. Isso acabou tornando muito mais barato para os
produtores locais importarem do que produzir internamente."

O Estado também viu seus gastos públicos aumentarem para conseguir manter os programas
sociais. A dívida externa também aumentou em cinco vezes, com estimativa do FMI de bater os
US$ 159 bilhões neste ano – este montante inclui títulos de dívida pública emitidos pelo
governo e pela PDVSA e créditos com China e Rússia. Em 2015, a dívida era de US$ 31 bilhões,
segundo estimativas do FMI.

Já bastante fragilizada, a economia sofreu um importante golpe em agosto do ano passado,


quando os EUA impuseram sanções ao país e a alguns de seus cidadãos. O governo Trump
proibiu a realização de transações com títulos da dívida venezuelana e a compra de bônus da
estatal petroleira PDVSA. Em maio deste ano, após a polêmica reeleição de Maduro, as sanções
foram aprofundadas com a limitação da venda de dívida e ativos públicos do governo
venezuelano em território americano.

Como a maior parte do sistema financeiro mundial tem atividades nos Estados Unidos, as
sanções dificultam muito que novos empréstimos sejam feitos à Venezuela e que o país consiga
vender novos ativos e renegociar suas dívidas. Por outro lado, seus efeitos são questionados,
pois o país já estava isolado antes disso – organizações como o FMI já não davam dinheiro à
Venezuela havia anos.

Críticos afirmam que as sanções têm conseguido apenas que Maduro se aferre mais ao poder,
além de terem intensificado a escassez de produtos básicos – uma vez que, sem acesso a
dólares, o país tem mais dificuldade em importar bens.

Os EUA continuam, no entanto, sendo um dos principais importadores de petróleo


venezuelano – a PDVSA tem, inclusive, uma filial em solo americano, a Citgo. Segundo analistas,
o governo Trump não anuncia sanções a esse setor em específico porque isso aprofundaria a
crise no país, o que aumentaria a pressão sobre os EUA e seus vizinhos. Há também quem cite
o fato de que parar de comprar o produto venezuelano levaria a um aumento dos preços da
gasolina nas bombas americanas.
3 - Hiperinflação
Ao tentar supervalorizar a moeda venezuelana, o governo provocou distorções de valores que,
além de causarem a crise de desabastecimento, contribuíram para um cenário de hiperinflação.

Além disso, com a queda do preço do petróleo e uma redução no fluxo de divisas, o governo
passou a imprimir mais dinheiro para cobrir o rombo nas contas públicas e isso foi gerando
cada vez mais inflação.

A previsão do Fundo Monetário Internacional é que neste ano a inflação na Venezuela chegue a
1 milhão % (Isso significa você multiplicar por 10 mil o preço de um produto). Por dia, o FMI
estima em 4% o valor da inflação no país vizinho.

A hiperinflação fez com que faltassem até cédulas de dinheiro circulando, já que as pessoas
passaram a precisar de muito mais dinheiro para comprar qualquer coisa. Para tomar um café
ou comprar um papel higiênico, por exemplo, aqueles que não usam cartão de débito do banco,
passaram a ter de carregar pilhas de cédulas de bolívar - quando conseguiam sacar dinheiro.

"Com a escassez de divisas produtoras, recorremos muito mais a financiamentos e imprimimos


muito dinheiro, com o Estado gastando sem gerar mais recursos", diz o economista Bárcenas.

Com a deterioração da situação, o chavismo adotou uma espécie de controle artifical da


inflação: obrigava os comerciantes a adotarem um preço abaixo do que eles gastavam para
produzir, porque precisavam importar os insumos. Então, indústrias e comerciantes
começaram a quebrar.

A hiperinflação provocou uma pulverização da renda e a pobreza aumentou. Em 2017, o índice


de pessoas na linha da pobreza no país de 30 milhões de habitantes chegou a 87%, um
aumento de 40 pontos percentuais em três anos, segundo levantamento da Universidade
Católica Andrés Bello.

Vale lembrar que na era Chávez, a pobreza na Venezuela havia caído em mais de 20%, de
acordo com a Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe), e o país passou a
registrar a menor desigualdade entre ricos e pobres entre países latino-americanos, de acordo
com relatório da ONU.

4 - Crise política
A Venezuela vive também uma intensa crise política, que também não começou agora, com o
início do segundo mandato de Nicolás Maduro e a recente proclamação do líder oposicionista
Juan Guaidó como presidente interino.

O país está dividido entre os chavistas e os opositores, que esperam o fim dos 19 anos de poder
do grupo que atualmente se reúne em torno do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV).
Nos últimos anos, a independência entre os Poderes se reduziu na prática, o que contribuiu
ainda mais para a situação crítica atual.

Em 2009, em seu segundo mandato, Chávez conseguiu, por meio de um referendo com voto
popular, aprovação para alterar a Constituição e mudar a regra de reeleição para presidente.
Desde então, os presidentes venezuelanos passaram a poder concorrer a reeleições sem
limites.
O chavismo, projeto de poder que se consolidou a partir da primeira eleição de Hugo Chávez,
tem como elementos centrais uma atuação muito maior do Estado e a defesa de medidas que
ampliam a participação social na política - um exemplo é a organização de "comunas" nos
bairros mais carentes das principais cidades, órgãos que se articulam, por sua vez, com o
Legislativo local para apresentar demandas e controlar o fluxo de entrada de alguns
programas sociais.

Também é caracterizado por uma política "anti-imperialista", defendendo a integração dos


povos sul-americanos para combater a influência dos Estados Unidos na região. No chavismo, o
mandatário tem seu poder baseado num forte militarismo.

Depois da morte de Chávez, em 2013, Nicolás Maduro, que era seu vice-presidente e também
do PSUV, já foi eleito e reeleito presidente com a promessa de dar continuidade às políticas do
antecessor.

Só que Maduro herdou a Venezuela já entrando em colapso econômico e tomou medidas que
contribuíram mais para a crise.

No início de 2014, o país foi foi tomado por uma onda de protestos contra Maduro. A repressão
do Estado foi violenta. Entre fevereiro e junho, 43 pessoas morreram. O líder oposicionista
Leopoldo López foi preso.

Em 2015, o chavismo perdeu o controle do Parlamento e isso fez com que a situação do país se
agravasse, já que Maduro acusa constantemente os oposicionistas de tentarem tirá-lo do poder
por meio de um golpe.

Após a derrota, ele decidiu convocar uma Assembleia Nacional Constituinte - na prática, uma
manobra para esvaziar totalmente o poder do Legislativo comandado pelos opositores e criar
uma instância paralela de decisão.

E essa instância paralela funciona com ajuda do Judiciário, que é acusado pela oposição de ser
totalmente chavista, já que o governo indicou a maioria dos juízes - Chávez aumentou o
número de integrantes do Tribunal Supremo de Justiça (TSE), equivalente ao STF no Brasil,
para compor uma maioria com seus indicados.

Em março de 2017, o TSJ assumiu funções do Legislativo, acusando o Parlamento de


desobediência. A ação foi denunciada como golpe pela oposição e, dois dias depois, o tribunal
voltou atrás.

A acusação é, portanto, de que não há independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e


Judiciário na Venezuela.

"Na Venezuela, o Judiciário é politizado e muito forte. Ele se transformou em um anexo do


Executivo", diz à BBC News Brasil Rafael Vila, professor da faculdade de relações
internacionais da USP (Universidade de São Paulo).

Em maio de 2017, após Maduro convocar a Assembleia Constituinte, dizendo que ela irá
renovar o Estado e redigir uma nova Constiuição, a Venezuela viu mais uma vez uma onda de
protestos violentos tomar o país. Mais de 120 pessoas morreram e 2 mil ficaram feridas.

Um ano depois, para agravar a crise, Maduro foi reeleito com 68% dos votos numa eleição
contestada dentro e fora do país. O mandatário foi reconduzido ao cargo num pleito que teve
54% de abstenção.
Na ocasião, o candidato derrotado da oposição, Henri Falcón, disse que não reconhecia a
eleição e acusou Maduro de usar o Estado para coagir os mais pobres a votarem.

Falcón acusou o governo de influenciar a votação através do Carnê da Pátria, documento que
permite que os venezuelanos recolham benefícios do governo e usem os serviços públicos.
Maduro prometeu que quem votasse no dia do pleito teria direito a um benefício extra
concedido pelo governo.

A oposição acusou o governo de compra de votos e a maior parte dos oposicionistas boicotou o
pleito. O governo afirmou que as eleições foram "livres e justas". Com muitos candidatos-não
governistas impossibilitados de concorrer ou presos, a oposição disse que o pleito não tem
legitimidade e que há indícios para desconfiar de fraude eleitoral.

Toda essa instabilidade política contribuiu para agravar a crise venezuelana.

Após a reeleição de Maduro, a OEA (Organização dos Estados Americanos) pediu a suspensão
da Venezuela da entidade. O Brasil, além de EUA, Canadá, Argentina, Peru e México, entre
outros, foi um dos países que pediu a suspensão da Venezuela da organização continental,
alegando desrespeito à Carta Democrática Interamericana e ilegitimidade da reeleição de
Maduro.

Os dois únicos países suspensos da OEA até hoje foram Cuba, em 62, quando Fidel Castro se
aliou à então União Soviética, e Honduras, em 2009, após o golpe de Estado que desitituiu o
presidente Manuel Zelaya.

A Venezuela já havia se adiantado a esse processo e pedido seu desligamento da OEA em 2017,
alegando que a organização estaria dominada pelas "forças imperiais" americanas. Esse fato,
no entanto, não impede que o processo de suspensão continue e que o país sinta seus efeitos
diplomáticos. A suspensão significaria que todas as nações americanas confirmaram que a
Venezuela não segue mais a ordem democrática.

Se a suspensão for confirmada, o país terá ainda mais dificuldade para obter apoio
internacional, principalmente na Europa e na Ásia.

A Carta Democrática Interamericana foi criada em 2001 e regula o funcionamento das


democracias dos 35 países-membros da OEA. O documento prevê a possibilidade de suspensão
em caso de descumprimento dos princípios que a regem.

Em junho de 2018, quando houve a assembleia da OEA, o então ministro das Relações
Exteriores do Brasil, Aloysio Nunes Ferreira, afirmou que o governo de Maduro tinha
características de um regime que não é democrático, como perseguição da oposição, falta de
liberdade de imprensa e ausência de liberdade de organização política.

5- Poder militar e controle da imprensa


Um outro ponto que contribuiu para a crise venezuelana foi a forte presença do Exército na
gestão do Estado.

Após o oposicionista Juan Guaidó se autodeclarar novo presidente interino do país nesta
semana, o ministro da Defesa Vladimir Padrino tratou de dizer que as Forças Armadas
continuavam ao lado de Maduro. "Força Armada Nacional Bolivariana a meu comando, máxima
união, máxima disciplina, que vamos vencer. Leais sempre, traidores nunca", delcarou.
Em 25 anos, a Venezuela sofreu três tentativas de golpe de Estado pelos militares. Uma delas
foi deflagrada por um grupo do qual o então coronel Chávez era líder, em 1992.

Preso após a tentativa de golpe militar, ele foi solto anos depois e conseguiu se eleger em 1998.

Chávez trouxe as Forças Armadas para seu governo. Ele nomeou vários generais para cargos
em estatais, substituindo funcionários técnicos especializados.

Uma das empresas que teve parte de seu corpo técnico substituído por militares foi a
petroleira PDVSA, o que, segundo especialistas, explica em parte o fato dela não ter investido
em melhorias, não ter se desenvolvido.

O chavismo também colocou militares para atuarem como ministros. Um terço do gabinete de
Maduro é composto por militares e ex-militares.

Pela Constituição venezuelana, as Forças Armadas deveriam ser apolíticas. Mas o ministro da
Defesa, general Vladimir Padrino, escreve em seus despachos "Chávez vive, a pátria continua.
Independência e pátria socialista".

Durante a crise de abastecimento iniciada em 2016, Maduro também passou o controle da


produção, importação e distribuição de alimentos para o Exército. Há graves acusações de
corrupção envolvendo o controle dos militares desse setor chave na crise.

Outro fator que contribuiu para a crise venezuelana é o estrito controle da imprensa. Veículos
considerados de oposição foram comprados por chavistas, enquanto outros foram fechados
(caso da emissora RCTV, que teve sua concessão não renovada).

Em outros casos, o chavismo sufocou o suprimento de papel-jornal para veículos de linha


editorial opositora - o governo venezuelano controla, por meio de uma corporação estatal, a
importação e a distribuição do insumo.
* Esta reportagem foi publicada inicialmente em 22 de outubro de 2018 e atualizada em 1
de março de 2019

Intervenções internacionais
Crise na Venezuela: as intervenções militares dos EUA na América Latina que
levaram a mudança de governo
Presidente americano, Donald Trump, não descarta opção militar na Venezuela,
apesar da oposição da maioria dos países da América Latina, onde espectro das
intervenções de Washington no passado continua presente.
Por BBC
Com o agravamento da crise na Venezuela, um fantasma voltou a rondar a América
Latina: o da ameaça de uma intervenção militar dos Estados Unidos.
Já em 2017, o presidente americano, Donald Trump, fez menção a "uma possível
opção militar se necessária" no país sul-americano.
Mais recentemente, a ideia ganhou peso desde que Juan Guaidó se declarou
"presidente interino" da Venezuela, iniciativa descrita pelo presidente venezuelano,
Nicolás Maduro, como uma "tentativa de golpe de Estado" orquestrada com o apoio
dos Estados Unidos.
Desde então, Trump reitera que "todas as opções estão na mesa". E o episódio em que
fotógrafos capturaram uma misteriosa mensagem - "5 mil soldados à Colômbia" -
manuscrita em um caderno do assessor para Segurança da Casa Branca, John Bolton,
jogou ainda mais lenha na fogueira.
O caderno foi flagrado em uma entrevista coletiva à imprensa em Washington, depois
que Bolton havia se reunido com outros funcionários do governo para anunciar um
pacote de sanções contra a estatal venezuelana PDVSA, com o objetivo de aumentar a
pressão pela renúncia do mandatário Nicolás Maduro. Bolton também instou militares
venezuelanos a apoiarem Guaidó.
Quando questionado se permitiria uma intervenção, Guaidó não descarta a opção.

A maioria dos países latino-americanos, que reconhecem o governo de Guaidó, no


entanto, se opõe à essa possibilidade.
No dia 25 de fevereiro, os países do continente reunidos no Grupo Lima afirmaram que
"a transição para a democracia deve ser conduzida pelos próprios venezuelanos".
Não em vão, os Estados Unidos já têm uma longa história de intervenções na região -
muitas das vezes alegando estarem defendendo seus interesses de segurança -, que
ainda permanecem vivas na memória dos latino-americanos.
Um artigo da Universidade de Harvard de 2005 reviu os episódios em que os Estados
Unidos intervieram na América Latina para forçar uma mudança de governo. Desde
1898 a 1994, foram 41 ocasiões: ou uma vez a cada dois anos, aproximadamente.

"[As intervenções] geraram ressentimentos desnecessários na região e questionaram


o compromisso dos EUA com a democracia e o estado de direito nos assuntos
internacionais", escreveu John H. Coatsworth, historiador e autor do artigo.
Muitas dessas intervenções conduziram uma virada radical no cenário político desses
países.
Com base no estudo de Harvard, a BBC News Mundo, o serviço em notícias em
espanhol da BBC, lista os países da América onde intervenções "diretas" (implantadas
por forças militares ou organizadas por seus agentes de inteligência) levaram a
mudanças radicais.
A compilação não inclui casos em que os EUA "tentaram depor um governo latino-
americano, mas fracassaram em sua intenção".
Tampouco estão na lista 27 casos considerados "intervenções indiretas", nas quais os
protagonistas foram atores locais de cada país com o apoio americano, como o golpe
militar no Chile, que depôs o presidente Salvador Allende em 1973.
5 pontos para entender a
crise na Venezuela
Da ascensão de Maduro ao poder em 2013 até os protestos
por ajuda humanitária neste final de semana, veja como a
tensão na Venezuela chegou ao nível atual
Por Gabriela Ruic, de EXAME

access_time25 fev 2019, 11h05 - Publicado em 13 maio 2017, 07h00

sexto
Entenda os motivos da
crise na Venezuela
A Venezuela passa hoje pela pior crise da sua história. Índices econômicos
baixíssimos, instabilidade política e violência são alguns dos componentes
desse mosaico. No meio da disputa está o povo, que sofre com a crise de
abastecimento, sem produtos de primeira necessidade e com a escalada da
violência, com o número de mortos disparando, principalmente nos embates
entre os pró-governistas e os seus opositores.

O petróleo na política e na economia venezuelanas

A Venezuela, oficialmente chamada de República Bolivariana da Venezuela,


é um país sul-americano que surgiu com o colapso da Gran Colombia em
1830. Durante o século XIX, o país foi governado por caudilhos regionais –
que, em geral, são lideranças políticas carismáticas ligadas a setores
tradicionais da sociedade, como militares e latifundiários. Por se tratar de uma
forma de poder na qual o governante tem controle absoluto, o país passou por
uma grande instabilidade política. Tais líderes eram, em sua maioria, militares
que buscaram promover o setor do petróleo e permitiram algumas reformas
sociais. Esse modelo durou até meados do século XX, quando houve a
transição para o governo democrático em 1959.

A Venezuela é um país reconhecido pelas suas grandes reservas de petróleo e


gás natural, descobertas no início do século XX. Por se tratar do sétimo maior
produtor de petróleo do mundo, o setor petrolífero representa cerca de um
terço do PIB, aproximadamente 80% das exportações e mais da metade do
orçamento governamental. O país é membro fundador da Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (Opep), organização criada em 1960 e com
objetivo de centralizar a política petrolífera dos países membros, permitindo
que afetem diretamente o preço do barril do petróleo, seja ofertando mais, o
que deixa o preço mais baixo, ou restringindo a oferta, fazendo com que o
preço suba.

A descoberta do petróleo e a exploração comercial desse recurso, que teve


início em 1920, foi extremamente importante para a economia venezuelana,
pois o país era um exportador subdesenvolvido de commodities agrícolas,
como café e arroz, não sendo autossuficiente em grande parte dos setores
agrícolas. Em 1973, a Venezuela votou por privatizar o seu setor petrolífero, o
que culminou com a criação da Petróleos de Venezuela (PDVSA).

Apesar de o petróleo ter sido um acelerador do desenvolvimento econômico


venezuelano, o efeito multiplicador desse recurso na sociedade é muito menor,
se comparado a outros recursos. Isso ocorre porque o ingresso de recursos se
dá em forma de royalties que vão diretamente para o cofre do Estado, com
isso, este torna-se o principal e decisivo condutor da economia.

Mesmo com as atividades de refino sendo realizadas internamente, a


economia petroleira depende de um baixo número de investidores, além de ter
o mercado interno pequeno e estável. Esses fatores fizeram com que a
Venezuela apresentasse características estruturais de uma economia
subdesenvolvida, como afirma Celso Furtado em “Ensaios sobre a Venezuela,
subdesenvolvimento com abundância de divisas” de 1957. Ele também afirma
que a dependência do petróleo poderia trazer um grande desenvolvimento
econômico, caso fossem alterados os seus pressupostos básicos, pois da forma
como se apresentava, o modelo era frágil, já que a riqueza gerada
concentrava-se na mão de poucos.

A renda petroleira também serviu para financiar o Estado durante a década de


1970, quando a carga tributária não alcançava 10% do PIB. No ano de 1973 se
deu uma das Crises do Petróleo, que teve como consequência o aumento em
mais de 400% do preço do barril do petróleo. A Venezuela se beneficiou da
subida de preço de uma maneira pouco saudável, pois permitiu um maior
investimento na melhoria dos serviços públicos e também a nacionalização
das indústrias petrolíferas em 1976, o que fez com que o país não só
aumentasse seus gastos públicos, mas também sua dívida externa, que se
multiplicou por dez entre os anos de 1974 e 1978.

A Crise do Petróleo de 1979 também teve grande impacto na economia


venezuelana, já que a exportação do petróleo por parte dos países produtores
foi afetada, o que fez o preço do barril bater recordes. Como consequência,
observou-se a elevação dos juros internacionais, altamente prejudicial para a
Venezuela, já que a dívida externa do país estava aumentando rapidamente.
No final da década de 1980, quando o preço do barril diminuiu, as reservas do
Banco Central venezuelano despencaram, a inflação disparou, o salário real
teve uma diminuição drástica e houve uma intensa fuga de capitais.

Petróleo como arma política

Além das questões econômicas, o petróleo na Venezuela também serviu para


moldar a política do país. Desde sua descoberta os líderes buscaram promover
o setor do petróleo, além de tirar vantagem das variações do preço do barril.
Entre os anos de 1974 e 1979, quando o preço do petróleo estava muito alto,
devido à Crise do Petróleo que se iniciou em 1973, a Venezuela vivia um
período de grande prosperidade sob a liderança do presidente Carlos Andrés
Pérez.

Utilizando-se deste momento, Pérez candidatou-se à reeleição, o que ocorreu e


em 4 de dezembro de 1988. No entanto, a crise do petróleo de 1980 teve
graves consequências para a economia venezuelana durante aproximadamente
duas décadas, causando reflexos na política. Em 1989, o governo anunciou
que havia firmado uma parceria com o Fundo Monetário Internacional (FMI),
com o objetivo de conseguir um empréstimo de 4,5 bilhões de dólares, e tinha
como contrapartida um pacote que incluía a desvalorização cambial, redução
do gasto público e do crédito, liberação de preços, congelamento de salários e
aumento de preço de gêneros de primeira necessidade. Com tais medidas a
gasolina sofreria um reajuste de 100%, o que acarretaria no aumento de 30%
das passagens dos transportes públicos, que na prática acabou se tornando um
reajuste de 100%.

Nesse sentido, a receita do petróleo fez com que Pérez fosse reeleito, mas a
dependência do petróleo gerou grande insatisfação por parte da população, já
que as medidas propostas pelo FMI para a liberação do empréstimo tinham
impacto direto nesse setor, e o país tinha sua economia toda baseada
na commodity. A insatisfação só aumentava, já que a necessidade do
empréstimo não havia sido falada durante a campanha.
No dia 27 de fevereiro de 1989, a insatisfação atingiu o seu limite e
começaram os primeiros protestos. Durante os dias subsequentes as
manifestações tomaram as ruas de Caracas e de outras cidades. A semana foi
marcada por saques, barricadas e enfrentamentos com as forças de segurança,
que teve como consequência centenas de vítimas fatais e milhares de feridos,
segundo familiares e grupos de direitos humanos. O evento ficou conhecido
como Caracazo.

Ali teve fim o pacto político que tinha seus alicerces no preço do petróleo e
que tinha possibilitado a convivência entre dois partidos de centro-direita, que
se alternavam no poder, e que havia excluído setores populares da disputa
política.

Ascensão de Hugo Chávez

No dia 6 de dezembro de 1998, Chávez elegeu-se presidente após vencer as


eleições. O país vivia um momento de instabilidade, sem referências
institucionais com credibilidade e passava por uma grave crise social. Hugo
Chávez utilizou sua notoriedade adquirida seis anos antes e pautou sua
campanha no combate à pobreza, para garantir êxito no pleito. A política era
pautada na inclusão social, buscando a transferência de renda, o que fez com
que ele se tornasse muito popular.

Um dos objetivos de Chávez quando chegou ao poder foi lançar a chamada


Revolução Bolivariana, que teve início com uma Assembleia Constituinte em
1999, que visava escrever uma nova Constituição da Venezuela, com
aprovação de 70% da população. Com a nova ordem constitucional, foi
realizada uma eleição presidencial e legislativa, na qual Chávez se reelegeu
presidente e o Polo Patriótico, composto pelos apoiadores do presidente,
conquistou a maioria dos assentos na Assembleia Nacional.

No mesmo ano foi aprovada a chamada “Lei Habilitante”, que concedia


poderes extraordinários ao presidente, o que permitia que ele legislasse acerca
de matérias de seu interesse. Os decretos com força de lei entravam em vigor
mesmo antes da aprovação por parte do Legislativo, já que fora criada para
agilizar os processos administrativos. Chávez utilizou esse artifício para
decretar a privatização do setor petroleiro, através da nova Lei de
Hidrocarbonetos e também para dar mais velocidade à reforma agrária.

A lei permite ao presidente legislar sobre temas como segurança,


infraestrutura, impostos, serviços públicos, finanças, dentre outros. A
oposição criticou fortemente a Lei Habilitante, afirmando que ela dava
poderes ditatoriais ao presidente.

Nos meses seguintes, vários outros decretos foram promulgados, gerando


insatisfação em vários setores da sociedade e por parte da oposição. Apesar
das manifestações e greves, o governo manteve todos os decretos, causando
descontentamento também em setores como a Igreja Católica e as empresas
privadas de rádio e televisão, que tiveram parte de suas concessões de
funcionamento canceladas. A oposição agora acusava Chávez de querer tornar
a Venezuela um país comunista.

Em 2002, após demitir gestores da companhia estatal de PDVSA e substituí-


los por pessoas de sua confiança, Chávez sofreu um forte protesto pedindo a
sua saída do poder. A oposição se apoderou do controle dos poços de petróleo
da PDVSA, responsável por 95% da produção de petróleo venezuelana. A
escalada de insatisfação foi tão grande que setores que antes apoiavam o
presidente o abandonaram, tendo como uma figura icônica Luis Miquilena,
um dos fundadores, junto de Chávez, do partido Movimiento V República
(MRV).

A insatisfação atingiu seu auge em 2002, quando no dia 11 de abril


manifestantes pedem a saída do cargo por parte de Chávez. O exército, antes
grande apoiador do presidente, agora estava contra ele e, no dia seguinte, o
general Lucas Rincón, chefe das Forças Armadas, anuncia que Chávez havia
renunciado, o que foi posteriormente desmentido pelo presidente. No entanto,
o presidente da Federación de Cámaras y Asociaciones de Comercio y
Producción de Venezuela (Fedecámaras), Pedro Carmona, assumiu a
presidência do país. A Fedecámaras era a principal opositora ao governo.
Ficou configurado, assim, um Golpe de Estado.

Algumas das atitudes de Carmona foram a dissolução da Assembleia e os


poderes judiciais, atribuindo a si próprio poderes extraordinários. Também
prometeu eleições diretas em um ano. Essa sequência de eventos gerou um
levante popular por parte dos apoiadores de Chávez. Soldados leais ao
presidente deposto realizaram um contragolpe e retomaram o Palácio de
Miraflores, com o vice-presidente de Chávez assumindo o poder
temporariamente, enquanto o presidente era libertado da prisão na ilha de La
Orchila.

A oposição continuava insatisfeita com o governo e realizou outras manobras


na tentativa de retomar o poder. Após uma greve que paralisou o país durante
nove semanas, a Coordinadora Democrática, uma coligação de partidos de
esquerda e direita, organizou um referendo no qual pediam para os
venezuelanos se pronunciarem sobre a permanência ou não do presidente.
Com 58,25% dos votos a favor da permanência, o governo ganhou
legitimidade.
Em 2006, aconteceu nova eleição, na qual Chávez saiu vitorioso para o seu
terceiro mandato, ficando muito à frente do seu adversário. A eleição foi
considerada legítima pela OEA e deu condições para o aprofundamento e
expansão da revolução. Em 2008, foi aprovada uma emenda constitucional
que permitia reeleições ilimitadas, a qual foi criticada pela oposição por se
tratar de uma forma de dar legitimidade à ditadura sob a qual afirmavam que o
país vivia. Apesar da sua vitória, Chávez nunca conseguiu ocupar o cargo em
2012, pois lutava contra um câncer. O então presidente faleceu no dia 5 de
março de 2013, e Nicolás Maduro assumiu o poder por ser vice-presidente na
época da morte de Chávez.

Mesmo com diversas greves que prejudicaram a economia e promoveram uma


fuga de capitais, o governo de Hugo Chávez conseguiu realizar a distribuição
de renda e a redução da pobreza, assim como havia prometido em suas
campanhas presidenciais. No entanto, na busca de manter os programas
sociais financiados pela exportação do petróleo, o governo foi forçado a
adotar uma política de desvalorização da moeda, as quais têm surtido pouco
efeito na melhoria de vida dos venezuelanos, já que o país é extremamente
dependente de produtos importados, inclusive os de primeira necessidade,
como alimentos e produtos de higiene pessoal.

Maduro, eleito em 2013 para um mandato integral, na primeira eleição após a


morte de Chávez, chegou ao poder para dar continuidade ao trabalho que
vinha sendo feito pelo seu antecessor. A vitória foi apertada, com seu
opositor, Henrique Capriles Radonski, conquistando 49,07% dos votos.
Porém, Maduro assumiu um país em meio a uma crise política que agravava a
crise econômica pela qual o país passava. Com isso, sua taxa de aprovação
despencou, o que levou a oposição a ganhar força com o pedido de plebiscito
para a revogação do mandato do presidente.

Esse mecanismo está previsto na Constituição venezuelana, e diz que um


presidente pode ser retirado do poder por votação popular. Desde 2016, a
oposição tentava realizar o plebiscito, porém seria necessário o apoio de pelo
menos 20% da população. As coletas de assinaturas seriam realizadas no final
de 2016, mas foram adiadas pelo Conselho Nacional Eleitoral, o que foi
extremamente ruim para a oposição, já que após o dia 10 de janeiro de 2017
Maduro teria cumprido metade do seu mandato, e, segundo a legislação do
país, quem assumiria em caso de derrota do presidente seria o seu vice,
inviabilizando o principal objetivo da oposição.

Assim, caso a oposição não consiga outra forma de contestar a legitimidade


do governo, terão que aguardar até 2019, quando acaba o mandato de Maduro.

Assembleia Constituinte de 30 de julho de 2017


No início de maio de 2017, Nicolás Maduro convocou eleições para uma
Assembleia Constituinte, responsável por redigir uma nova constituição
venezuelana. A eleição foi marcada para o dia 30 de julho, conforme
informado pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela. O anúncio foi feito
pouco depois do início de uma nova onda de protestos e após o país ter
anunciado a sua saída da OEA. Segundo Maduro, a nova constituição seria
necessária para conferir maiores poderes à população e, assim, recuperar a
estabilidade na Venezuela.
A oposição, no entanto, entendeu que a convocação da Constituinte era uma
tentativa de ampliação dos poderes do executivo sobre a Assembleia Nacional
e a Procuradoria Geral da República, não governistas. Seria uma continuação
do que chamavam de “autogolpe”, quando os poderes da Assembleia Nacional
foram transferidos para o Tribunal de Justiça, controlado pelos chavistas. De
acordo com eles, a nova Constituição seria uma tentativa do governo para
frear as eleições e se perpetuar no poder.
No dia 16 de julho, a oposição realizou um plebiscito extraoficial para
consultar o posicionamento da população em relação à Constituinte. De
acordo com a oposição, 7,1 milhões de venezuelanos compareceram às urnas
para o plebiscito. O governo convocou, para o mesmo dia, uma simulação da
Constituinte e a taxa de comparecimento declarada pelo governo foi de cerca
de 11 milhões de pessoas.
Maduro não recuou e no dia 30 de julho aconteceu a votação que elegeu os
545 deputados constituintes. De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral
(CNE) do país, a taxa de comparecimento foi de 41,53% e 8.089.320 pessoas
votaram. Os números são contestados pela oposição, que afirma que apenas
12,4% dos eleitores venezuelanos compareceram às urnas. Diversas outras
polêmicas e entraves permearam as eleições, marcada por manifestações (já
anunciadamente proibidas, a fim de “não atrapalhar” o processo eleitoral) e
mudanças repentinas nos horários de fechamento das urnas. Parte da
comunidade internacional não reconheceu a votação. Vale dizer que a
oposição fez resistência e não lançou nenhum candidato ao pleito, e alguns
dos eleitos são reconhecidos apoiadores de Maduro, como o agora presidente
da Constituinte Diosdado Cabello.

Eleições presidenciais de 2018


A eleição presidencial da Venezuela deveria, a princípio, acontecer no final de
2018, mas o governo a adiantou para que ocorresse em maio. Mais uma vez,
os questionamentos centrais giraram em torno do número de eleitores que
compareceram às urnas e reelegeram Nicolás Maduro. De acordo com a CNE,
46% dos eleitores venezuelanos participaram da votação, mas outras fontes do
Conselho informaram à imprensa que, ao fechamento das urnas, o número era
de 32,3%. Grande parte da oposição, formada pela MUD (Mesa da Unidade
Democrática), resolveu boicotar as eleições por não a considerar legítima,
uma vez que fortes concorrentes de Maduro, como Leopoldo López, estão
presos, e há ainda acusações de que órgãos como o próprio Conselho Eleitoral
são aparelhados ao governo.
O único forte concorrente de Maduro nas últimas eleições foi Henri Falcón,
que rompeu com o boicote e fez campanha ativa. Obteve 1.820.552 votos,
contra os 5.823.728 de Maduro. Pouco antes do anúncio do resultado, no
entanto, Falcón declarou que não reconheceria o resultado das urnas e exigiria
novas eleições. Segundo ele, as votações foram marcadas por fraudes e
“pontos vermelhos”, núcleos de ativismo instalados próximas às urnas onde os
eleitores poderiam vender seus votos a Maduro em troca de bonificações e
serviços.
Mais uma vez, diversos países, entre eles o Brasil, não reconheceram as
eleições venezuelanas, e classificaram o processo como fraudulento.
Pós-eleições e o duplo governo venezuelano
Desde as eleições, a instabilidade política e econômica na Venezuela se
intensificaram ainda mais, atingindo na última semana o momento de maior
tensão com ameaças diretas de intervenção dos Estados Unidos. Isso
aconteceu depois que o então líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se
autodeclarou presidente interino da Venezuela, declarando estar ocupando um
cargo que fora usurpado e reclamando novas eleições livres. As ruas de
Caracas foram tomadas por manifestantes pedindo também a queda do
presidente. Maduro já declarou que não renunciará e que “vai ao combate”.
Desde então, 14 países, dentre eles o Brasil, já reconheceram Guaidó como
presidente, e outros oito seguem apoiando o atual governo. Enquanto isso, os
protestos crescem no país e estima-se que 35 pessoas já tenham morrido em
decorrência da repressão.

Fontes: Ipea; G1 – Crise do Petróleo; Folha de São Paulo – Assembleia; CIA


Factbook; BBC; El País

armadilha do embate
ideológico
"América do Sul para os sul-americanos!", Hugo
Chávezbradou durante um comício em Buenos Aires em 2007.
Não deixa de ser irônico que, mais de uma década depois, as
políticas implementadas pelo ex-presidente venezuelano e
por seu sucessor alcançaram o exato oposto. A Venezuela está
passando por uma catástrofe humanitária e um êxodo sem
precedentes, e os três atores externos mais influentes
na Venezuela hoje -- China, Estados Unidos e Rússia -- não são
da América do Sul. Os líderes da região foram reduzidos a
meros espectadores, apesar de serem, de longe, os mais
afetados, recebendo um número crescente de refugiados
venezuelanos.

A região tem apenas a si mesma para culpar. Por mais de uma


década, a auto-destruição da Venezuela foi previsível e
evitável. No entanto, atraídos por importantes ganhos
econômicos de curto prazo, tanto o Brasil quanto a Argentina
desempenharam o papel de facilitadores, protegendo a
Venezuela da pressão diplomática externa e acalmando
diplomatas estrangeiros. Hoje, com o Brasil e a Argentina
enfrentando suas próprias crises domésticas, a janela de
oportunidade para convencer a Venezuela a adotar uma
estratégia econômica e política mais sensata está fechada. Há
um consenso global de que a região é incapaz de ajudar a
Venezuela a sair do fundo do poço. Era de se esperar que
grandes potências externas preenchessem esse vácuo de
poder. O debate público no Brasil está preso em um embate
entre vozes a favor e contra Nicolás Maduro, misturando a
polarização venezuelana com a política doméstica. Boa parte
da esquerda brasileira defende o governo venezuelano,
enquanto a direita o critica. Esse automatismo, porém, nos faz
negligenciar uma tendência muito mais importante. A crise na
Venezuela causou uma transformação geopolítica na região,
reduzindo a capacidade do continente de moldar seu próprio
destino e abrindo as portas para uma maior interferência
externa. As consequências já são visíveis. No passado, as
crises regionais eram, em grande parte, debatidas e resolvidas
durante as reuniões do Mercosul ou da UNASUL. Hoje, as
melhores oportunidades para líderes regionais influenciarem
a situação em Caracas já não se apresentam durante cúpulas
regionais, mas em reuniões bilaterais em Pequim, Moscou e
Washington. As principais ideias ou iniciativas de como lidar
com a Venezuela não virão da América do Sul e, portanto, não
necessariamente estarão alinhadas com os interesses da
região. Tornou-se muito mais complexo entender ou
antecipar desdobramentos políticos no país vizinho, porque
dependem de dinâmicas internas nos EUA, China e Rússia,
mas também das relações entre essas três potências. Uma das
principais motivações da presença russa em Caracas é enviar
uma mensagem para Washington: se os EUA mexerem no
quintal russo (por exemplo, na Ucrânia), Moscou fortalecerá
sua atuação na vizinhança dos Estados Unidos.

É improvável que essa situação mude no médio ou no longo


prazo, independentemente de quanto tempo Maduro se
mantenha no Palácio Miraflores. O cenário mais provável é
que o atual presidente ou alguém que promova políticas
similares permaneça no comando por anos. Uma tentativa de
golpe com a participação de elementos de todos os quatro
ramos das Forças Armadas da Venezuela, com codinome de
'Operação Constituição', foi frustrada pelos aliados de Maduro
em maio - um sinal de que o presidente está relativamente
firme no controle.

A China está preocupada com a capacidade de a Venezuela


pagar sua dívida, mas ela continua comprometida com
Maduro. Na semana passada, o ministro das Finanças da
Venezuela anunciou que a Banco Chinês de Desenvolvimento
investirá mais de US$ 250 milhões para impulsionar a
produção de petróleo da Venezuela na região do Orinoco. Nos
últimos anos, Vladimir Putin, por meio da petrolífera russa
Rosneft, deu sobrevida a Maduro e à PDVSA, estatal
venezuelana de petróleo, com bilhões de dólares em
empréstimos, garantidos por remessas de petróleo e gás.
Apesar dos ocasionais comentários de Trump sobre possíveis
medidas mais radicais contra a Venezuela, um embargo de
petróleo parece improvável. De qualquer forma, o resultado
será um êxodo contínuo de refugiados para o resto da
América do Sul.

A manutenção do status quo também parece provável porque


os atores-chave não têm forte incentivo para mudar de rumo.
As recentes mudanças no gabinete de Maduro - Delcy
Rodríguez, ex-ministra das Relações Exteriores, agora é vice-
presidente, e apenas poucos chavistas da velha guarda
sobreviveram - são resultado de dinâmicas internas de poder,
mas terão impacto limitado na política econômica. As Forças
Armadas controlam a distribuição de alimentos e remédios, e
obtêm enormes benefícios no mercado negro graças à
escassez e às distorções impostas pelo governo. Nesse quadro,
cada venezuelano a mais que decide emigrar reduz a
probabilidade de um movimento eficaz de oposição.

Mesmo no improvável cenário de um rápido colapso do


regime de Maduro e da organização de eleições livres e justas,
a América do Sul terá que se acostumar com poderosos atores
extrarregionais operando em Caracas. Qualquer futuro
governo venezuelano provavelmente precisará assinar
acordos de longo prazo com o FMI e bancos chineses para
iniciar o extenso processo de reconstrução. Agências de
desenvolvimento do mundo inteiro viriam para Caracas, dada
a enorme falta de burocratas minimamente treinados do novo
governo. Com toda uma geração de venezuelanos dizimada
pela falta de escolaridade, desnutrição, doenças não tratadas e
muitos emigrantes que nunca voltarão, a recuperação levará
mais do que uma década.

Futuros historiadores interpretarão essa crise como um


tremendo revés na longa busca da América do Sul pelo
controle das dinâmicas políticas regionais e pela redução da
influência exterior - um dos principais objetivos da política
externa brasileira. Em vez de continuar um debate pouco
relevante sobre os prós e os contras do chavismo, o Brasil
precisa adaptar sua estratégia regional a algo sem
precedentes: a presença geopolítica permanente de múltiplos
grandes atores externos em sua vizinhança.

São Paulo – A cada semana, as crises política, econômica e


humanitária que a Venezuela enfrenta parecem se agravar. Em
janeiro, as turbulências ganharam ainda mais força depois de o
presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, se
declarar presidente interino do país, ganhando apoio de grande parte
da comunidade internacional.
As crises, no entanto, parecem longe do fim. Se por um
lado Maduro permanece firme na sua posição de presidente,
classificando a tensão como tentativa de golpe por potências
internacionais e apoiado pelas forças armadas do país, a oposição
segue tentando desestabilizar seu governo.

No capítulo mais recente da situação na Venezuela, está a ajuda


humanitária angariada por Guaidó nos Estados Unidos, Colômbia e
Brasil. A chegada desse apoio foi barrada na fronteira do país, num
movimento que gerou embates entre a população venezuelana e
militares. Na última sexta (22), Maduro subiu o tom da hostilidade e
anunciou o fechamento do acesso ao país pelo Brasil.

O clima de tensão que a Venezuela vive não é de hoje e os próximos


desdobramentos da mais recente crise são, por ora, imprevisíveis.
Abaixo, EXAME.com reuniu alguns dos acontecimentos históricos
mais relevantes dos últimos anos que ajudam a compor o panorama
da situação atual do país.
Ascensão e permanência de Maduro

Em 2013, o mundo observou os desdobramentos da morte de Hugo


Chávez, que assumiu a presidência da Venezuela em 1999. Maduro
era seu vice-presidente e chegou à liderança do país em caráter
interino e então convocou eleições.
Acabou eleito para um mandato de seis anos em 15 de abril de 2013,
num pleito apertado e cujo resultado foi contestado por Henrique
Capriles, candidato derrotado e um dos líderes da oposição. Na
época, a aprovação do seu jovem governo era robusta: 64% dos
venezuelanos eram favoráveis de sua gestão.
Anos depois, em maio de 2018, Maduro foi reeleito em uma eleição
geral permeada por denúncias de fraude. Aqui nascia mais um
capítulo da crise da Venezuela, já que a legitimidade do pleito foi
questionada não apenas pela oposição venezuelana, mas pela
comunidade internacional. Desde então, o movimento por novas
eleições gerais só ganhou força.

Crise econômica e humanitária

Embora Maduro tivesse um bom índice de aprovação popular no início


do primeiro mandato, o chavista herdou uma economia em frangalhos
e uma das principais razões para isso foi a queda no preço dos barris
de petróleo, principal produto de exportação da Venezuela e cujas
receitas financiavam programas e serviços sociais.
Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PIB per
capita do país caiu mais de 35% entre 2013 e 2017 e a hiperinflação
chegou em 1.350.000% no ano passado. Como resultado da crise,
uma nova crise, essa de caráter humanitário, surgiu para assolar a
população, que sofre com a escassez de itens essenciais como
remédios e alimentos.
Era uma questão de tempo até que os problemas econômicos
impactassem os índices. Hoje, 48% da população vive em condições
de pobreza. A violência também estourou país afora, levando a capital
Caracas ao topo do ranking das cidades mais violentas do planeta.

Eleições legislativas de 2015 e a oposição

A crise econômica se agravou e a aprovação do governo começou a


cair. A resposta da população aparece então no resultado das
eleições legislativas, vencidas pela oposição, que vira maioria
parlamentar pela primeira vez desde 1999. A coalizão Mesa da
Unidade Democrática (MUC) assume 112 cadeiras, contra 51 do
Partido Socialista Unido da Venezuela de Maduro.

A pressão sobre Maduro cresce e, em 2016, a oposição dá início a um


movimento para a convocação de novas eleições. Pelas leis do país,
é possível abreviar o mandato da presidência a partir de um referendo
popular que, por sua vez, depende da coleta de 20% de assinaturas
do padrão eleitoral, que equivale a cerca de 4 milhões, para ser
realizado.
O processo de realização dessa consulta foi, no entanto, suspenso
pela autoridade eleitoral venezuelana sob a justificativa de que o
processo estava irregular. Sem essa possibilidade, a oposição passou
então a pleitear a antecipação das eleições, que aconteceram apenas
em 2018, e a população passou a tomar as ruas em protestos contra e
a favor do chavista.

Em janeiro de 2019, Maduro tomou posse para o segundo mandato e


a resposta de Guaidó veio na autodeclaração como presidente interino
na Venezuela. Agora, a oposição luta pela saída imediata de Maduro
da presidência e a convocação de um novo pleito.

O papel da Suprema Corte

Acusada pela oposição de ser pró-Maduro, a Suprema Corte barrou


várias leis, amargando ainda mais a relação entre governo e oposição.
A situação se agravou em 2017, quando a corte retirou a imunidade
dos parlamentares da Assembleia Nacional da Venezuela e tentou
assumir as funções da casa, após acusar seus membros de estarem
em desacato com uma decisão.
O episódio, no entanto, foi revertido dias depois,
após recomendação do próprio Maduro e foi amplamente criticado
pela comunidade internacional, que até então vinha se mantendo
distante das turbulências internas no país.
Protestos

Desde a confusão entre Suprema Corte e Parlamento nos idos de


2017, a oposição intensificou seus esforços perante a população, que
vem tomando as ruas de diferentes cidades em toda a Venezuela.
Muitos grupos, contudo, se manifestam a favor de Maduro.

A resposta do governo aos protestos sempre foi dura. Em janeiro de


2019, uma nova onda de manifestações contra o chavista resultou na
detenção de ao menos 77 menores, um fato que chocou o mundo.
Segundo a ONU, mais de 850 pessoas foram colocadas em prisões
pelo país no que seria o maior número de detenções em décadas no
país . A organização também informou que o número de mortos nas
repressões ocorridas na ocasião chegou a 40.

Você também pode gostar