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Jang
Estado Búdico sem Meditação


Conselho para Revelar sua Própria
Face como a Natureza da Realidade, a
Grande Perfeição

por


Düdjom Lingpa


Traduzido por B. Alan Wallace

Distribuição autorizada pelo Lama Alan Wallace exclusivamente aos praticantes que 1
participaram do retiro com Chakung Jigme Wangchak Rinpoche em fev/2022
SUMÁRIO
Ensinamentos de Avalokiteśvara ..................................................................................... 4
Ensinamentos do Vajra Nascido do Lago de Orgyen ................................................. 7
Ensinamentos do Vidyādhara Düdul Dorjé ................................................................... 9
Ensinamentos de Longchenpa, Drimé Özer: Uma Introdução na Forma de
uma Sessão de Perguntas e Respostas com o Objetivo de Desenvolver a
Certeza .................................................................................................................................... 10
Ensinamentos de Saraha .................................................................................................. 14
Ensinamentos de Vajrapāṇi ............................................................................................ 16
A. A Introdução Virtuosa .................................................................................................. 18
B. O Significado do Texto .................................................................................................. 19
1. Determinando a Base por Meio da Visão .................................................................... 19
a. Determinando o Modo da Inexistência .................................................................................................... 19
b. A Natureza Única de Todos os Fenômenos como a Base, o Espaço Absoluto (o texto
começa aqui): ........................................................................................................................................................... 19
Ensinamentos de Dorjé Drolö ......................................................................................... 19
Ensinamentos de Vajradhara ......................................................................................... 19
c. As Instruções para Não Permitir que a Pervasividade Uniforme da Igualdade seja
Maculada pelas Falhas da Elaboração Conceitual .................................................................................... 24
Ensinamentos de Hūṃchenkāra .................................................................................... 24
d. Explicação de Como Todas as Virtudes sem Exceção São Completamente Estabelecidas
como Sendo da Natureza de Exibições Preciosas, Espontaneamente Manifestas da Radiância
Interna ........................................................................................................................................................................ 26
Ensinamentos de Mañjuśrī, o Leão da Fala ................................................................ 26
Ensinamentos do Vajra Nascido do Lago de Orgyen .............................................. 30
Ensinamentos de Ekajaṭī .................................................................................................. 32
2. A Prática de Cultivar o Caminho ..................................................................................... 34
Ensinamentos de Śrī Siṃha ............................................................................................. 34
3. A Conduta Adicional Àquelas Duas [Visão e Meditação] ........................................ 35
Ensinamentos do Zurchung Sherab Drakpa .............................................................. 36
4. Como Finalmente Progredir nas Bases que Levam à Fruição Última da
Liberação Eterna ...................................................................................................................... 37






Distribuição autorizada pelo Lama Alan Wallace exclusivamente aos praticantes que 2
participaram do retiro com Chakung Jigme Wangchak Rinpoche em fev/2022
“Estado Búdico sem Meditação: Conselho para Revelar
sua Própria Face como a Natureza da Realidade, a Grande
Perfeição” está aqui apresentado.

Com fé inabalável, eu presto homenagem ao Senhor Onipresente e Protetor
Primordial, a manifestação das cidadelas supremas de aparências da consciência
primordial.

Hoje em dia, quando os cinco tipos de degenerescência estão em ascensão, devido
à natureza grosseira dos seres sencientes e de seu carma negativo e poderoso,
cada um deles agarra-se a esta vida (que não é mais que um episódio num sonho),
faz planos de longo prazo para viver indefinidamente e não mostra qualquer
interesse por buscas significativas relativas a vidas futuras. Portanto, aqueles que
se esforçam para atingir os estados de liberação e onisciência aparecem com
menos frequência do que estrelas à luz do dia.

Embora algumas pessoas mantenham a morte em mente e pratiquem o Darma
com entusiasmo [293], elas deixam suas vidas passar ao se dedicarem a meras
práticas espirituais verbais e físicas, esforçando-se para atingir renascimentos
superiores como deuses e humanos.

Alguns, embora não tenham a mais remota compreensão da visão da vacuidade,
determinam suas próprias mentes como sendo vazias, meramente identificando a
natureza dos pensamentos discursivos ou da consciência inativa, e então
permanecem passivamente nesse estado. Como resultado, eles são simplesmente
lançados a renascimentos como deuses nos reinos do desejo e da forma, sem
avançarem nem mesmo um fio de cabelo na direção do caminho para a onisciência.

Portanto, se houver alguns poucos indivíduos que tenham reunido vastas
acumulações [de mérito e sabedoria] ao longo de incontáveis éons, combinadas
com preces excelentes e tenham estabelecido uma conexão cármica com o Darma
supremo, eu concedo isto como sua herança. Aqueles que não têm nenhuma
conexão cármica comigo e que não têm a boa sorte específica de ter maestria sobre
o Darma da Grande Perfeição se envolverão em projeção ou negação com respeito
a este ensinamento, e assim, banirão suas próprias mentes para o deserto. Vocês
que não são assim e cuja fortuna é igual à minha, sigam esse conselho, e por meio
de investigação, análise e familiarização, reconheçam saṃsāra e nirvāṇa como
grande vacuidade, realizando a sua natureza.

Entre as três divisões - a divisão da mente, a divisão da expansão e a divisão das
instruções essenciais – [dos ensinamentos] sobre a natureza da realidade, a
Grande Perfeição, esta é chamada de categoria de instruções essenciais secretas.
[295] Nela há três seções: visão, meditação e conduta. Primeiro, a visão é
determinada e autenticamente realizada por meio de quatro temas: inexistência,
unidade, pervasividade uniforme e realização espontânea. Este é um ponto
essencial e sublime.

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Ensinamentos de Avalokiteśvara

Primeiro, para determinar o modo da inexistência, há a determinação da
identidade pessoal e a determinação da identidade dos fenômenos. Em primeiro
lugar, quanto à chamada identidade pessoal, a mera aparência da existência de um
eu durante a experiência de vigília, a experiência do sonho, o período
intermediário e as vidas futuras são chamados de identidade pessoal. Assim que
esta aparência surge, há uma consciência latente que a toma como sendo "eu", e
essa é chamada de consciência subsequente ou pensamento discursivo. Essa
consciência esclarece [a aparência do eu] e então a estabiliza e fortalece.

Investigar a fonte a partir da qual o chamado "eu" surge pela primeira vez leva à
conclusão de que tal fonte não existe.

Essa é a maneira pela qual se investiga se o assim chamado "eu" tem ou não uma
localização, e se é um agente portador de características reais que podem ser
individualmente identificadas no período intermediário [entre a sua origem e
cessação].

A cabeça é chamada de cabeça, não é o "eu". Do mesmo modo, o couro cabeludo é
chamado de pele, não é o "eu". Os ossos são chamados de ossos, não são o "eu". Do
mesmo modo, os olhos são olhos e não o "eu". Os ouvidos são ouvidos e não o eu. O
nariz é o nariz e não o eu. A língua é a língua e não o "eu". Os dentes são dentes e
não o "eu". O cérebro também não é o "eu". Além disso, em relação a carne, sangue,
linfa, canais e tendões, cada um tem seu próprio nome e não é o "eu". Isso é
revelador.

Além do mais, os braços são braços e não o "eu". Os ombros também não são o
"eu", nem as porções superiores dos braços, os antebraços ou os dedos. A coluna
é a coluna e não o "eu". [297] As costelas não são o "eu", nem o tórax, os pulmões,
o coração, o diafragma, o fígado ou o baço. Os intestinos e os rins não são o "eu",
nem a urina ou as fezes. Além disso, a palavra "eu" não é atribuída às pernas. As
coxas são chamadas de coxas e não de "eu", e da mesma forma os quadris não são
o "eu", nem os tornozelos, as solas dos pés ou os dedos dos pés.

Em suma, a pele externa não é chamada de "eu"; a carne e a gordura
intermediárias são chamadas de carne e gordura, não de "eu"; os ossos internos
são chamados de ossos e não de "eu"; e a medula mais interna é chamada de
medula e não de "eu". A consciência também é assim chamada, e não é denominada
"eu". Portanto, a vacuidade como a inexistência de localização e de um agente
durante o intervalo [entre a origem e cessação do eu] é certa.

Por fim, você também deve chegar a uma compreensão definitiva de que isso
transcende todos os destinos e os agentes que se dirigem a eles. A existência

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aparente de algo que na verdade não existe é como uma alucinação. Pronunciar os
nomes [de tais coisas] é como falar sobre os chifres de uma lebre.

Segundo, para determinar a ausência de identidade dos fenômenos, temos: (A')
buscar as bases de designação dos nomes, (B') dissolver o apego à permanência
das coisas [298], (C') neutralizar as falhas de benefício e dano, e (D') colapsar a
falsa caverna da esperança e do medo.

Primeiro, se você procurar os referentes de todos os nomes, verá que eles não
existem e que nada mais são do que imputações sobre as manifestações
meramente naturais dos pensamentos; pois é impossível que qualquer fenômeno
seja estabelecido como autossustentável sobre sua própria base de designação.
Por exemplo, sobre qual base a assim chamada ‘cabeça’ é designada e por quê? Ela
é assim designada porque é a primeira parte do feto a se desenvolver, porque é
redonda, ou porque surge acima? Na verdade, a cabeça não é a primeira parte do
feto que surge; nem tudo que é redondo é chamado de cabeça; e se você examinar
acima e abaixo, verá que eles não existem no espaço. Da mesma forma, o cabelo
não é a cabeça. A pele é apenas pele e não é chamada de cabeça. Os ossos são
chamados de ossos e não de cabeça. O cérebro não é a cabeça, nem os olhos,
ouvidos, nariz ou língua.

Se você pensa que nenhum deles é individualmente a cabeça, mas que o conjunto
é chamado de cabeça, reflita: se você cortasse a cabeça de uma criatura,
pulverizando-a em moléculas e átomos, e mostrasse isso a qualquer pessoa no
mundo, ninguém chamaria isso de cabeça. Mesmo se você reconstituísse essas
moléculas e átomos com água, isso não seria chamado de cabeça. Portanto, saiba
que a assim chamada ‘cabeça’ não é nada mais do que uma expressão verbal, sem
base objetiva para essa denominação. [299]

Da mesma forma, com relação aos olhos - esse nome não é atribuído a todos os
pares de esferas. A esclera não é um olho, nem as lágrimas, veias ou sangue. Um
olho não é nenhum deles individualmente, nem é o conjunto de suas partículas,
nem a massa deles reconstituída com água. Aquilo que vê as formas é a
consciência, não os globos oculares, o que é evidenciado pelo fato de que a
percepção visual ocorre nos sonhos e no período intermediário.

Da mesma maneira, com respeito aos ouvidos - nem os canais auditivos nem a pele
são os ouvidos; e a carne, os canais, os ligamentos, o sangue e a linfa, todos têm os
seus próprios nomes e, portanto, não são os ouvidos. O pó que resultaria de reduzi-
los a partículas minúsculas não é os ouvidos, nem é a massa que seria formada
reconstituindo-os com água. Se você acha que o nome ouvido é atribuído àquilo
que ouve sons, verifique o que ouve sons em um sonho, no estado de vigília e no
período intermediário. É apenas a consciência primordialmente presente da sua
mente, e não os ouvidos.

Do mesmo modo, com relação ao nariz - as narinas, a pele, a cartilagem, a carne,
os canais e os ligamentos, todos têm os seus próprios nomes, por isso não são

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chamados de nariz. Além disso, aquilo que sente odores é a própria consciência;
portanto, você deveria investigar o que sente odores em um sonho e no período
intermediário.

Da mesma forma, com respeito à língua – [300] sua carne, pele, sangue, veias e
nervos têm todos os seus próprios nomes e, portanto, não são chamados de língua.
Se fossem reduzidos a pó, isso não seria chamado de língua, e se fosse
reconstituído formando uma massa, essa ainda não seria chamada de língua. Isso
também se aplica a todas as instâncias subsequentes.

Da mesma forma, com relação aos braços - os ombros não são os braços, nem as
partes superiores dos braços, antebraços, dedos, articulações, carne, pele, ossos
ou medula. Do mesmo modo, em relação aos ombros - a pele não é os ombros, nem
a carne, os ossos, as partículas reunidas, ou a massa reconstituída com água. A
base da designação do nome ombro é vazia, pois não tem existência objetiva. Da
mesma forma, ao investigar a parte superior dos braços e os antebraços torna-se
evidente que cada componente tem seu próprio nome, pois carne é chamada de
carne, ossos são chamados de ossos, pele é chamada de pele e medula é chamada
de medula. Nem mesmo um átomo pode ser estabelecido como sua base de
designação.

Ao investigar as bases de designação do corpo e dos agregados, torna-se evidente
que corpo não se refere à coluna ou às costelas, ou ao tórax, carne, pele ou ossos.
O coração, os pulmões, o fígado, o diafragma, o baço, os rins e os intestinos são
todos chamados por seus próprios nomes, de modo que as bases de designação do
corpo e dos agregados [301] são vazias por não terem existência objetiva: elas são
vacuidade.

Da mesma forma, investigando as pernas torna-se evidente que os quadris não são
as pernas, nem as coxas, calcanhares ou tornozelos. Da mesma forma, o nome
quadris não se refere a carne, pele, ossos, canais ou ligamentos. Quanto às coxas,
este nome não se refere a pele, carne, ossos, canais ou ligamentos. Isso vale
também para os calcanhares. Estes nomes não seriam aplicados se esses
elementos fossem pulverizados, nem se refeririam à massa formada a partir desse
pó misturado com água.

Se você buscar a base de designação de uma montanha externamente, torna-se
evidente que a terra não é uma montanha, nem arbustos, árvores, pedras, rochas
ou água.

Se você procurar a base de designação de um edifício, torna-se evidente que nem
a argamassa, nem as pedras e nem a madeira são um edifício. Além do mais, assim
como as paredes são chamadas de paredes e não de edifício, não há nada dentro
ou fora que seja estabelecido como um edifício.

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Embora você possa buscar as bases de designação de um ser humano, de um
cavalo, de um cão, etc, torna-se evidente que seus olhos, ouvidos, nariz, língua,
carne, sangue, ossos, medula, canais e ligamentos, juntamente com suas
consciências, todos têm seus próprios nomes e, portanto, as bases de designação
de um ser humano, de um cavalo e de um cão não têm existência objetiva. [302]
Esses [nomes] são indicativos de todas as outras coisas.

Além disso, entre os objetos materiais, o nome tambor não é atribuído à madeira,
ao couro, à parte exterior ou à interior. Além do mais, o termo faca não é atribuído
ao metal, à lâmina, à parte de trás da lâmina, à ponta ou ao cabo. Nenhum destes é
estabelecido como o objeto designado faca. Os nomes e seus referentes mudam.
Por exemplo, quando uma faca é transformada em um furador, seu nome muda, e
quando esse é transformado em uma agulha, todos os seus nomes anteriores
desaparecem.

Com base nos ensinamentos que recebi de meu guru durante um sonho, o ārya
supremo, o Grande Ser Compassivo (Avalokiteśvara), eu compreendi
completamente tanto a chamada "identidade pessoal" [como desprovida de
identidade] quanto essa busca pelas bases de designação dos nomes.

Ensinamentos do Vajra Nascido do Lago de Orgyen



Numa ocasião em que encontrei o corpo ilusório da consciência primordial do
Vajra Nascido do Lago de Orgyen, ele me concedeu estas instruções sobre a
percepção das aparências como ilusórias:
“Para sermos introduzidos à originação dependente da confluência de causas e
condições, reflita sobre isto: O espaço da consciência luminoso e transparente,
como a base, tendo o potencial de manifestar qualquer tipo de aparência, serve
como causa; e a consciência que se fixa ao "eu" serve como a condição auxiliar. Na
dependência da conjunção desses dois, todas as aparências se manifestam como
ilusões. Assim, o espaço absoluto, como a base, a mente que surge de seu poder
criativo, e todos os fenômenos externos e internos que são aparências dessa mente
são denominados eventos dependentemente relacionados, pois estão inter-
relacionados como uma sequência de eventos, como o sol e seus raios. [303]

"Isso é como a aparição de uma ilusão que surge na dependência da interação
entre o espaço claro e transparente (a causa primária) e substâncias mágicas,
mantras e a mente que vê o objeto (as condições auxiliares).

"Dessa forma, todos os fenômenos aparentes manifestam-se devido ao poder da
fixação ao 'eu', ainda que eles não existam. Isto é como o surgimento de uma
miragem devido à confluência de um céu claro e límpido, calor e umidade.

"Todas as aparências do período de vigília, aparências de sonhos e aparências
durante e após o período intermediário surgem, ainda que não existam, e a

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confusão ocorre devido à reificação [dessas aparências]. Como analogia, durante
um sonho, em vez de pensar: "Isto é um sonho" e reconhecê-lo como ilusório, você
o apreende como um mundo objetivo e duradouro e se fixa a ele.

"As aparências dos vários fenômenos como 'outros', devido à condição dominante
de fixar-se internamente ao 'eu', são como as aparências de reflexos que surgem
da interação entre o seu rosto e um espelho.

"Devido ao completo emaranhamento causado pela reificação do eu, os mundos
das seis cidades parecem surgir um após o outro. Eles são como as aparências de
uma cidade de gandharvas manifestando-se em uma área como uma planície ao
pôr-do-sol, que ocorrem como visões apreendidas pela mente.


"Embora as aparências dos sentidos físicos nunca tenham sido estabelecidas como
reais, suas diferentes experiências próprias de ver, ouvir, experienciar e sentir
aparecem como "outro", como ecos.
"Todas as aparências não são separadas da base, [304] e têm um só sabor em
relação à própria base, assim como todos os planetas e estrelas refletidos no
oceano não são separados do oceano e têm um só sabor em relação à própria água.

"Devido à fixação ao "eu", o "eu" e o "outro" parecem ser verdadeiramente
existentes na dimensão panorâmica do espaço absoluto, todo pervasivo e
expansivo da base. Essas aparências são como bolhas que emergem da água.

"A luminosidade lúcida do espaço absoluto vazio da base cristaliza-se em
aparências autossurgidas para a consciência mental. Devido a esse reforço, várias
aparências ilusórias se manifestam, como alucinações causadas pela pressão
sobre os nervos dos olhos ou por perturbações nos canais devido às energias
vitais.

"Embora várias aparências da base se manifestem para uma consciência que se
fixa ao 'eu', elas não se afastam nem ocorrem fora da base. Como analogia, quando
alguém que dominou o samādhi da emanação e da transformação se estabelece
em equilíbrio meditativo em tal samādhi, surgem várias emanações, embora elas
não tenham base ou raiz e não existam como objetos reais.

"Ó, minha incrível criança, medite dessa forma gradualmente e você se tornará um
iogue da ilusão ao realizar a natureza ilusória das aparências".
Ao dizer isso, ele desapareceu.

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Ensinamentos do Vidyādhara Düdul Dorjé

Em certa ocasião, o Vidyādhara Düdul Dorjé disse-me estas palavras:
‘O vajra é o vajra eterno; quanto ao seu significado, olhe para o próprio espaço!’

Elaborando esse ponto [305] ele disse:
"Veja! Este espaço vazio é a base das aparências de todos os mundos físicos e de
seus habitantes sencientes. Como analogia, a base das aparências dos reflexos é o
espelho, pois os reflexos não são estabelecidos como algo que não seja o espelho.
A base das aparências das imagens da lua na água é a água, pois essas imagens não
são estabelecidas como outra coisa senão a água. A base das aparências do arco-
íris é o espaço, pois o arco-íris não é estabelecido como algo diferente do espaço.

"Esse espaço não pode ser danificado, portanto é invulnerável. O espaço não pode
ser subjugado e nem destruído, portanto é indestrutível. O espaço permanece
como a base das aparências do mundo dos fenômenos, portanto é real. O espaço
não pode ser afetado por qualidades boas ou ruins, portanto é incorruptível. O
espaço é imovível e livre de oscilações, portanto é estável. O espaço pode penetrar
até mesmo as partículas mais diminutas, portanto não pode ser obstruído. O
espaço não pode ser danificado por coisa alguma, por isso é completamente
invencível.

"Uma vez que todas as outras substâncias podem ser danificadas por armas, elas
são vulneráveis. Uma vez que podem ser subjugadas e destruídas pelas
circunstâncias, elas são destrutíveis. Uma vez que podem ser transformadas em
uma coisa ou em muitas, são irreais. Uma vez que podem ser afetadas por outras
coisas, são corruptíveis. Uma vez que se movem e oscilam, sem nenhuma quietude
duradoura, [306] são instáveis. Podem ser obstruídas por certas coisas, e uma vez
que podem ser anuladas por outras influências, podem ser vencidas. Tais coisas,
por terem a característica de não serem estabelecidas como verdadeiramente
existentes, são vazias.

"Além disso, quando materiais grosseiros são pulverizados, eles são reduzidos a
partículas. Decompondo-se essas partículas sete vezes obtêm-se moléculas. Os
átomos indivisíveis e vazios que resultam da decomposição dessas moléculas por
mais sete vezes são caracterizados por não serem estabelecidos como reais.

"Se você acha que eles existiam no início, mas depois foram reduzidos a nada por
terem sido manipulados, preste atenção às aparências dos sonhos, que não são
estabelecidas como reais desde o momento em que se manifestaram,
independentemente de terem ou não sofrido qualquer ação, seja por observação
ou por contato físico.

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“Observe como as aparências emergem e cessam meramente por abrir e fechar
seus olhos ou por baixar e erguer seus pés. Se você não acha que as aparências
anteriores cessam e desaparecem à medida que surgem as subsequentes, mas sim
que as anteriores vão para outro lugar, e que todas as aparências anteriores e
posteriores são verdadeiramente existentes, olhe para as aparências de um sonho.
É particularmente impossível existir alguma natureza substancial, exceto como
uma designação de uma [verdade] relativa sobre as inter-relações de causas e
efeitos. Portanto, reflita bem sobre essa questão.

"Pois bem, as descrições do espaço como tendo as sete qualidades vajra são
apresentadas com o uso de metáforas para mostrar que o espaço é desprovido de
movimento e alterações devido à sua insubstancialidade. Elas demonstram como
a realidade última [307] está presente como sendo a natureza essencial, que é
inexprimível pela fala ou por pensamentos e que não se modifica. Vale a pena
aplicar essas descrições às explicações sobre as distinções entre substancialidade
e insubstancialidade, e entre realidade e irrealidade. Assim, quando a lua é
simbolicamente apontada com um dedo, você deve olhar para a lua e não ficar
satisfeito em olhar apenas para a ponta do dedo. Se você não reconhecer
decisivamente as aparências como vazias familiarizando-se repetidamente com
esses pontos, não avançará nem um passo no caminho da onisciência.

"Meu filho, sendo você dotado do pináculo da consciência lúcida, contemple este
ponto cuidadosamente, e realizando todas as aparências como o próprio espaço,
torne-se um iogue do espaço uniformemente pervasivo!
Com essas palavras, ele desapareceu.

Ensinamentos de Longchenpa, Drimé Özer: Uma Introdução


na Forma de uma Sessão de Perguntas e Respostas com o
Objetivo de Desenvolver a Certeza

Ao obter uma forte convicção sobre os pontos acima, compreendi que todas as
aparências são vazias por si mesmas. No entanto, com respeito às aparências
externas do mundo físico, às aparências internas de seus habitantes sencientes
vivos e a todas as aparências interpostas dos cinco tipos de objetos sensoriais, eu
ainda achava que seriam deixadas para trás quando eu partisse para outros reinos
e que todos os seres sencientes existiam com seus próprios fluxos mentais
individuais. Durante esse período, meu guru, Drimé Özer, apareceu em um sonho
e me deu a seguinte introdução sob a forma de uma sessão de perguntas e
respostas. [308]

Ele disse: "Ó filho da família, as aparências externas do mundo físico, as aparências
internas de seus habitantes sencientes vivos e as aparências interpostas dos cinco
tipos de objetos sensoriais são como aparições ilusórias que se dissolvem no
espaço da consciência. Por conseguinte, uma vez que tenham desaparecido no
espaço de vácuo do substrato, por fim, devido às projeções resultantes dos

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movimentos das energias cármicas, há uma aparência de seu próprio corpo, dando
origem a um mundo físico, seus habitantes sencientes e todas as aparências
sensoriais. À medida que a fixação a eles se intensifica, a ilusão se instala.
Finalmente, este mundo aparente, mais uma vez, desaparece no espaço de vácuo
do substrato, como um arco-íris se dissolvendo no céu. Então as aparências da
vigília emergem como anteriormente.”

Eu respondi: "Acho que este meu corpo não é uma mera aparência, mas
definitivamente surgiu das causas e condições de um pai e de uma mãe".

Ele respondeu: "Se você acha que seu corpo surgiu de um pai e mãe dessa maneira,
diga-me então: quais são os começos e os fins de seus pais e mães, e quais são suas
origens, localizações e destinos?"

Eu respondi: “Eu acredito que eles existem, mas não consigo me lembrar deles.
Acho impossível que haja um corpo sem pais.”

Ele retrucou: “Verifique quem são os pais de um corpo em um sonho, no período
intermediário, no reino dos infernos, e assim por diante”.

Consequentemente, obtive uma compreensão clara de que este corpo não é
estabelecido como qualquer coisa além de uma mera aparência. [309]

Eu comentei: “Ó guru, eu acho que quando meu corpo está na cama coberto com
lençóis e as aparências do sonho surgem, meu corpo e o ambiente humano
permanecem inalterados”.

O guru respondeu: “Examine as aparências de sonho do vasto mundo físico
externo, de seus numerosos habitantes sencientes internos e as aparências
interpostas claramente manifestas dos cinco sentidos para ver se estão localizadas
na cabeça, nos membros ou na parte inferior ou superior do seu corpo”.

Consequentemente, tive a certeza de que este não era o caso.

No entanto, eu insisti: “Guru, talvez as aparências de sonho surjam quando a
consciência vai para algum outro lugar. Então, quando ela reingressa no corpo,
surgem as aparências”.

O guru respondeu: “Bem, se fosse assim, este corpo seria como um hotel e, nesse
caso, identifique e relate para mim qual é a porta desse hotel, por assim dizer, por
onde a consciência entra e sai. Além disso, você deve identificar onde a mente está
localizada. Se a mente está localizada na parte superior do corpo, por que alguém
sente dor quando a parte inferior é perfurada com um espinho? Da mesma forma,
se reside na parte inferior, não haveria razão para dor ser experimentada na parte
superior. Não faz sentido que varie em tamanho, de tal modo que uma consciência

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pequena entre no corpo através de um orifício, aumente de tamanho até permear
o corpo, e então encolha novamente quando sai através desse orifício. Se assim
fosse, quando a consciência estiver separada do corpo material, por que a
consciência não reingressaria no cadáver depois da morte?

“Para onde vão as aparições dos sonhos? Elas vão para cima, para baixo, ou para
uma das direções cardinais ou intermediárias? Você acredita que elas são as
mesmas que as aparências da vigília do mundo físico e seus habitantes sencientes,
ou diferentes? Se você acredita que são as mesmas, o sono define seus limites ou
não? Se o faz, então elas não são aparências da vigília; e se não, elas não são
aparências do sonho. Por outro lado, é inválido acreditar que essas aparências
existam, imaginando que estão acima ou abaixo, fora ou dentro”.

Eu respondi: “Guru, então como isso deve ser decidido? Como devo me posicionar?
Sublime guru, por favor, mostre-me”.

O guru respondeu: “Ao longo de vidas sem princípio você nunca nasceu, houve
apenas aparências de nascimento. Você nunca morreu, houve somente aparências
de uma mudança de lugar, como aparências de sonho e aparências de vigília. Em
relação aos olhos, ouvidos, nariz, língua e corpo, todas as coisas que são vistas
como formas, ouvidas como sons, sentidas como odores, experimentadas como
sabores e sentidas como sensações táteis são simplesmente suas próprias
aparências que surgem para você mesmo, [311] sem nunca terem existido, nem
mesmo da forma mais sutil, como alguma outra coisa”.

“Se você acha que as coisas existem de forma autônoma como alguma outra coisa,
já que você pode vê-las diretamente com seus olhos, pode realmente segurá-las
em suas mãos e experimentá-las através de seus sentidos, reflita: todas as formas,
sons, odores, sabores e sensações táteis em um sonho parecem ser
verdadeiramente existentes naquele momento. Mas do dia seguinte em diante,
eles não têm existência objetiva. Isto deve dizer-lhe algo.

“Ao longo de sua sucessão de vidas sem princípio, você nunca se mudou de um
lugar para outro, e nunca viveu em nenhum outro lugar. Esta situação é
equivalente a aparências em um sonho. Se você acha que há uma diferença na
realidade ou irrealidade entre as aparências dos sonhos e as aparências da vigília,
observe por si mesmo: desde o momento em que nasceu até agora, todas as
aparências de sonho e de vigília de trabalho, de cultivo, de luta, de poupança e de
planejamento são as mesmas ou não? Se examiná-las cuidadosamente sem
considerar sua duração e quantidade, você reconhecerá definitivamente que são
similares.

"Além disso, se as aparências dos sonhos fossem irreais e as aparências da vigília
fossem reais, isso significaria que as aparências de sonhos são delusivas e que as
aparências de vigília não são delusivas. Nesse caso, você teria que acreditar que é
um ser senciente enquanto sonha e um buda durante o estado de vigília! Se ambas
são aparências delusivas, é inútil distinguir uma como sendo real e a outra como

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sendo irreal, [312] pois algo é chamado de aparência delusiva se ao surgir for
apreendido como algo que não é.

“Até esse momento você já ingeriu comida suficiente para preencher o Monte
Meru e bebeu um oceano de líquidos, mas ainda assim você não está satisfeito.
Você já usou uma galáxia de roupas, mas ainda não está aquecido. Saiba que isso
indica que estas são meras aparências e não são estabelecidas como reais.

“É um grande erro não reconhecer que o que aparece como sendo o seu corpo é
vazio, e apegar-se a ele como real. Este é um demônio que o consome, uma vez que
os esforços que você faz em benefício do seu corpo devoram o fruto da onisciência.
É um carrasco assassino, uma vez que conecta um ciclo de existência ao seguinte,
exibindo as aparências de nascimento e de morte. Ele corta a sua força vital, pois,
para benefício do seu corpo, você busca a felicidade nas roupas e assim por diante,
e é aprisionado por apegos e aversões que perpetuam esperanças e medos; assim,
a corda de salvamento para a liberação é cortada. E isso o asfixia, porque rouba o
sopro da bem-aventurança eterna. Portanto, todos aqueles que se agarram às
aparências objetivas dos seis tipos de consciência são como cervos que confundem
uma miragem com a água e correm em direção a ela. Não há sequer uma gota de
essência que seja estabelecida como real.

“Mesmo sabendo que as aparências são vazias dessa maneira, elas podem
permanecer como antes, como se fossem verdadeiramente existentes, sem se
transformarem em nada. Portanto, se você se pergunta por que é necessário saber
isso, pondere: se você não souber que a natureza essencial do objeto de meditação
é vacuidade, todas as suas meditações [313] certamente se tornarão eticamente
neutras.

"Além disso, você pode se perguntar por que a simples realização da vacuidade
deveria revelar a natureza da inexistência, uma vez que a mera compreensão e
mera realização resultantes de todas as outras visualizações e meditações não
levam à liberação. Além disso, se tudo é primordialmente vazio, você pode pensar
que não faz diferença saber ou não que tudo é vazio. Se assim for, reflita sobre isto:
saiba que saṃsāra e nirvāṇa e liberação e delusão surgem devido às diferenças
entre lucidez e ausência de lucidez e entre saber e não saber. Compreenda que a
lucidez é essencial.

“Algumas pessoas podem achar que se não conseguirem entender isso por conta
própria, ouvir os ensinamentos e contemplá-los será inútil. Mas desde tempos sem
princípio elas falharam em compreender isso por conta própria e vagueiam pelo
saṃsāra. Saiba que por meio do estudo e do treinamento você realizará a
vacuidade, obtendo assim a visão que está de acordo com todos os tantras,
transmissões orais e instruções essenciais.

“Além disso, não há nenhuma diferença entre realizar a vacuidade depois de
enfrentar grandes dificuldades nos estudos, no treinamento, e assim por diante, e
realizar a vacuidade sem passar pela menor dificuldade. Por exemplo, se você

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descobrir ouro depois de passar por grandes dificuldades ou se encontrá-lo sob a
sua cama sem a menor dificuldade, não há diferença alguma na qualidade do ouro.
[314]

“A consciência que determina analiticamente que todas as aparências são
vacuidade é chamada de sabedoria discriminativa. O continuum de consciência
subsequente que determina definitivamente que saṃsāra e nirvāṇa são grande
vacuidade é chamada de sabedoria que realiza a ausência de identidade. Uma vez
que estes dois tipos de sabedoria tenham sido gerados no seu fluxo mental,
primeiro ocorre a compreensão, então a experiência, e finalmente a obtenção da
confiança intrínseca. Este é um ponto crucial.

“Além disso, se você disser que é incorreto afirmar que o corpo e assim por diante
não são estabelecidos, exceto como meras aparências, porque quando o corpo de
alguém que o realizou como sendo vazio entrar em contato com o fogo ou com
água, ou for atingido por uma flecha, por uma lança, ou por uma clava, sentir dor,
considere: até que você alcance o espaço absoluto, no qual os fenômenos se
extinguem na realidade última, as aparências dualistas não cessam; e até que elas
desapareçam, as aparências de benefício e dano surgirão ininterruptamente. Mas
na realidade, nem mesmo os fogos do inferno queimam.”
Com estas palavras, ele desapareceu.


Ensinamentos de Saraha

Em outra ocasião quando tive uma visão do Mahāsiddha Saraha, perguntei ao
grande senhor dos siddhas: “Por que meios os obscurecimentos são purificados?
Como são realizadas as deidades? Por que meios podemos ser libertados dos
demônios e seres obstrutivos? Por favor, explique!”

Ele respondeu: “Ó grande ser, [315] você deve combater as falhas de benefício e
dano. Quanto aos chamados obscurecimentos, a ignorância quanto à natureza
essencial da base como sendo vacuidade é chamada de obscurecimento e
ignorância, e o enraizamento de tal ignorância é chamado de propensão habitual.
Estes não podem ser purificados por esforços comuns, como o empenho em
práticas espirituais físicas e orais. Em vez disso, os obscurecimentos são
purificados naturalmente como resultado da determinação da realidade última
por meio da sabedoria discriminativa.

“Onde estão localizadas todas as virtudes benéficas do corpo e da fala? Onde está
o armazém em que são acumuladas? Ao investigar e analisar a origem de onde elas
surgem, sua localização e o destino para o qual elas vão, se você descobrir que
nenhuma delas tem qualquer existência objetiva, então o que elas beneficiam? Ao
investigar o que poderia significar beneficiar a natureza vazia última da mente -
em termos de seu exterior, interior, meio, parte superior ou inferior - você terá

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certeza de que tal benefício não tem existência objetiva. Então verá que não há
nada mais do que uma acumulação de mérito dentro do saṃsāra.

"Do mesmo modo, em que direção cardinal ou intermediária estão localizados os
montes de negatividades acumuladas? Onde fica o armazém? Investigue de que
maneira elas prejudicam o exterior, o interior, o meio, o topo ou o fundo da mente
vazia. Agora, se você examinar atentamente os fluxos de consciência das pessoas
que se dedicaram constantemente às virtudes físicas e verbais e às de outros que
dedicaram toda a sua vida a cometer o mal, verá que não há a mínima diferença
em termos de perpetuação de todo o apego e hostilidade, esperança e medo. Se
eles forem liberados, estarão livres devido à liberação de seus fluxos de
consciência; se estiverem deludidos, estarão confusos porque seus fluxos de
consciência estão confusos. Não há sequer a menor diferença no que se refere a
seus fluxos de consciência estarem vagueando no saṃsāra sem serem liberados.
Portanto, a virtude e a negatividade são diferentes apenas na medida em que
geram felicidade e sofrimento temporários, mas além disso, não fazem nada mais
do que perpetuar o saṃsāra.

“Se não determinar a natureza da virtude deste modo, você confundirá a virtude
de acumular mérito temporário com o caminho da liberação e não alcançará a
fruição da onisciência. Se falhar em determinar a natureza da negatividade, você
não saberá que a ignorância quanto à sua própria natureza essencial é um
obscurecimento e a base da delusão, e assim não reconhecerá a causa da delusão.
Consequentemente, você não terá alternativa a não ser permanecer
indefinidamente deludido no saṃsāra. Portanto, reconheça a importância crucial
de determinar isso.

“Investigando a origem inicial, a localização provisória e o destino final dos assim
chamados deuses benevolentes e protetores, você verá que eles não têm
existência objetiva. Em qual dos objetos de forma, som, olfato, paladar e sensações
táteis que aparecem como objetos sensoriais a existência deles está estabelecida?
Se você acha que eles existem no domínio de um dos elementos do mundo físico e
seus habitantes sencientes, [317] investigue dentro das moléculas e dos átomos,
examine os nomes individuais e constituições dos elementos e veja de que
maneira esses deuses poderiam ser benéficos.

“Investigando os demônios malévolos da mesma forma, você verá que eles
também não têm existência objetiva. Todas as alegrias e tristezas são aparências
mentais semelhantes ao sonho e, portanto, nenhum benefício ou dano produzido
por deuses ou demônios ocorre a partir de suas bases de designação. Se você acha
que os demônios infligem danos, reflita: uma vez que eles estão fora dos domínios
da forma, som, cheiro, sabor e sensações táteis, o que é chamado de demônio nada
mais é do que um mero nome. Investigando como ele pode infligir dano, você o
verá como inexistente - nada além de não objetivo e vazio.

“Devido à delusão, as pessoas veem as partes superior e inferior do corpo como
boas e más, respectivamente. Visto que a parte superior do corpo parece ser pura,

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eles a consideram como se fosse um deus, e como a parte inferior do corpo parece
impura, eles a consideram como se fosse um demônio. Isso resulta em um fluxo
contínuo de esperança e medo, e devido às firmes amarras da autofixação, surge
um fluxo contínuo de experiências alegres e miseráveis. Tudo isso consiste em
nada mais do que aparências experienciais do saṃsāra, sem um mínimo de
existência verdadeira como sendo qualquer outra coisa. Isto é ilustrado de
maneira simples com a metáfora de um sonho.

“O ponto essencial de tudo isso é saber como as coisas existem, [318] e essa
compreensão dissipa os obstáculos à meditação. Depois que todos os obstáculos
de desconfiança e de falta de convicção em relação à meditação forem eliminados,
você adquirirá a confiança interna e estará plenamente convencido e livre de
qualquer dúvida sobre o significado da realidade última. Livre do obscurecimento
da ignorância, você obterá domínio sobre as grandiosas e contínuas manifestações
da lucidez prístina.

"Essa também é a raiz das práticas profundas de pacificação e da eliminação dos
māras. Não procure nenhuma outra divindade além da sua própria lucidez
prístina. Você alcançará o reconhecimento definitivo de que não há demônios
além dos pensamentos discursivos. E este reconhecimento é indispensável para a
prática de todas as sādhanas e rituais para dissipação de obstáculos. Se você tem
tal conhecimento, você é certamente um grande iogue da ilusão que realiza todos
os fenômenos como sendo como ilusões.

"Ó pequeno ser cuja lucidez prístina transcende a mente, ensine isto aos seus
discípulos e todos eles poderão se tornar iogues Mahāyāna deste grande mistério".
Dizendo isso, ele desapareceu.



Ensinamentos de Vajrapāṇi

Em uma ocasião em que encontrei o glorioso Vajrapāṇi em uma visão pura de clara
luz, eu perguntei a ele: “Ó Jina, grande Vajradhara, o assim chamado estado búdico
é algo para o qual eu desperto dentro de mim mesmo ou preciso ir a outro lugar
para me tornar iluminado?”

Ele respondeu: “Veja! [319] Afortunado filho da família, se você acha que os assim
chamados budas são pessoas que vivem em um vasto reino, que são indivíduos
nobres de aparência refinada e perfeita, pacíficos e tranquilos, claros e livres de
máculas, bonitos e atraentes, reflita: quem são seus pais? Se nascessem de mães,
eles cairiam no extremo do nascimento. Se morassem em algum lugar, eles cairiam
no extremo de terem uma localização permanente. Se deixassem de existir,

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cairiam no extremo niilista do desaparecimento. Em suma, nada que tenha uma
natureza autossustentada, verdadeiramente existente de surgir, cessar e
permanecer tem um modo de existência livre dos dois extremos. Essas aparências
que parecem surgir e cessar nada mais são do que imputações.

"Além disso, se você reificar algo que é autenticamente iluminado, você ficará
aprisionado. Se houver uma diferença real entre as naturezas últimas do saṃsāra
e do nirvāṇa, então as referências ao modo equânime de existência da existência
mundana e da paz [do nirvāṇa] não são nada mais do que palavras vazias. Muitas
pessoas, fixando-se ao nirvāṇa como sendo substancialmente existente, caem na
armadilha da esperança e do medo. Há muitos relatos sobre os prazeres nos reinos
puros, mas se pensar em suas vastas qualidades e reificá-los, isso ainda constituirá
fixação às identidades dos fenômenos. [320] Seja lá como for que você os nomeie,
na realidade, ver os tathāgatas como sendo eternos e verdadeiramente existentes
nada mais é do que vê-los como identidades de pessoas.

"Se você acha que um buda tem olhos, ele também teria consciência visual. Assim
que a consciência visual é estabelecida, o surgimento de aparências visuais é
inevitável. Elas são conhecidas como objetos apreendidos pelos olhos. Uma vez
que tais objetos são estabelecidos, os estados conceituais sutis da mente que se
fixa firmemente às formas surgem inevitavelmente. Estes são os estados mentais
da apreensão visual. A conceituação dualística do apreendedor e do apreendido é
chamada de mente, e qualquer um que tenha uma mente é conhecido como ser
senciente.

"Da mesma forma, se você acha que um buda tem ouvidos, ele deve ter consciência
auditiva, bem como sons. Se você acha que ele tem um nariz, ele deve ter
consciência olfativa, bem como odores. Se você acha que ele tem uma língua, ele
deve ter consciência gustativa, bem como gosto. Se você acha que ele tem um
corpo, ele deve ter consciência tátil, bem como sensações táteis. E todos esses
seriam seus objetos apreendidos. Os conjuntos de conceitos que se fixam
firmemente a esses objetos são os estados mentais que os apreendem. Como antes,
aqueles que possuem uma mente são chamados de seres sencientes.
“Com relação aos assim denominados budas, se fosse possível haver budas que
não transcendessem o apego dualista, [321] suas qualidades também poderiam
ser transferidas para seres sencientes, assim como as qualidades de um ser
humano podem ser transferidas para outro. Se você acha que os budas ensinam o
Darma aos outros, então os professores surgiriam como identidades, o Darma
surgiria como ensinamento, e aqueles que recebessem os ensinamentos surgiriam
como seres sencientes; e se os budas fossem apreendidos como tal, eles não teriam
qualidades superiores às dos seres sencientes equivalentes nem mesmo ao valor
de uma semente de gergelim. Portanto, todos seriam seres sencientes.

“Se você acha que um buda vive em um ambiente agradável, tem uma forma
bonita, bons companheiros, grandes prazeres e alegrias, e nenhuma raiva ou
apego, e que essas são as qualidades excepcionais de um buda, então um buda não

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seria melhor do que um deus do reino da forma. Portanto, tal buda não seria nada
mais do que um ser senciente.

“Em termos de significado definitivo, sua própria base, Samantabhadra, é
chamada de sugatas dos três tempos. Em última análise, um buda nunca veio ao
mundo ou ensinou o Darma. Muitos dos tantras, transmissões orais e instruções
essenciais explicam claramente como o professor autossurgido se manifesta aos
próprios discípulos. Observe e compreenda este ponto.

“Além disso, é incorreto pensar que existem outros tipos de reinos do saṃsāra que
são estabelecidos como existentes, e que muitos seres sencientes migram de um
desses lugares para outro e experimentam alegrias e tristezas sucessivamente. Se
a aparência do seu corpo anterior [322] sendo descartado fosse verdadeira, de
onde você obteria seu corpo no período intermediário? Se os seres sencientes hoje
em dia podem morrer devido a simples ferimentos, queimaduras em seus braços
e pernas, ou a um vento frio em um único dia de inverno, então quando um corpo
é formado e enfrenta o calor e o frio dos reinos do inferno, por que ele não morre,
ainda que tenha sido fervido e queimado por um longo tempo?

"Da mesma forma, se hoje em dia a morte pode ocorrer devido à fome por apenas
alguns meses ou mesmo dias, por que os seres sencientes nos reinos dos pretas
não morrem ao passarem éons sem se alimentar?

“Portanto, todos os seres sencientes nos seis estados de existência, bem como
aqueles que estão no período intermediário, manifestam-se meramente como
aparências em um sonho; mas, além disso, eles são vazios e não são estabelecidos
como reais. Eles estão deludidos devido à fixação obsessiva à existência
verdadeira de coisas que não têm existência objetiva.

“Se você determinar a natureza das aparências delusórias desse modo e realizá-
las como não verdadeiramente existentes, como vazias, e como não tendo
existência objetiva, você terá dragado as profundezas do saṃsāra. Se você
compreender de forma decisiva que os budas não existem além de sua própria
base e adquirir confiança dentro de si mesmo, você alcançará de fato o que é
chamado de liberação natural de uma hoste de budas.
"Ó Senhor do Espaço, Vajra Onipresente, determine que todos os fenômenos do
saṃsāra e do nirvāṇa são inexistentes e vazios, e realize sua natureza de
inexistência".
Dizendo isso, ele desapareceu. [323]


A. A Introdução Virtuosa

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B. O Significado do Texto

1. Determinando a Base por Meio da Visão

a. Determinando o Modo da Inexistência

b. A Natureza Única de Todos os Fenômenos como a Base, o Espaço Absoluto (o
texto começa aqui):

Ensinamentos de Dorjé Drolö



Depois de refletir por um longo tempo, surgiu uma compreensão decisiva sobre a
inexistência e, assim, compreendi que todas as aparências dos mundos e de seus
habitantes sencientes são em si mesmas vazias. No entanto, muitos tipos de
vacuidade pareciam ser eticamente neutros. Naquele momento tive uma visão
com o supremo Dorjé Drolö cantando a melodia do Hūṃ, que revela saṃsāra e
nirvāṇa como manifestações da vacuidade.

Naquela ocasião perguntei: “Ó grandiosa e suprema deidade especial, embora eu
entenda que saṃsāra e nirvāṇa são vazios, essa vacuidade parece não ser nem
benéfica e nem prejudicial. Por que isso é assim?"

Ele respondeu: “Ó meu filho, Senhor do Espaço, reduza o saṃsāra e o nirvāṇa à
vacuidade; reduza a vacuidade à natureza essencial da realidade; reduza essa
natureza essencial à base do ser; reduza saṃsāra e nirvāṇa a exibições dessa
base; e reduza todo o princípio unificador de saṃsāra e nirvāṇa a essa mesma
base.

“Entenda como as metáforas expressam o que elas exemplificam: que os planetas
e as estrelas (refletidas) no oceano não são nada senão oceano; que os mundos e
seus habitantes sencientes não são nada senão espaço; e que saṃsāra e nirvāṇa
não são nada senão a realidade última; bem como cada [parte da metáfora] é
uma exibição e um princípio unificador, respectivamente, e como a realidade
suprema permeia inteiramente todas elas. [324] Assim você se tornará um iogue
que compreende saṃsāra e nirvāṇa.”

Dizendo isso, ele desapareceu.



A Distinção entre Liberação e Delusão

Ensinamentos de Vajradhara

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Sete anos mais tarde, quando o mestre dharmakāya Vajradhara apareceu para
mim em um sonho puro, perguntei-lhe: “Ó Mestre, Bhagavān, como alguém é
libertado no caminho da liberação e da onisciência, e como alguém permanece
deludido no caminho impuro do saṃsāra? Que o Mestre possa explicar!

Ele respondeu: “Ó grande ser, ouça! A distinção entre o surgimento de budas e de
seres sencientes é a diferença entre conhecimento e ignorância.

i. A Maneira pela Qual a Lucidez Pristina da Base é Perfeita como os
Quatro Kāyas e as Cinco Facetas da Consciência Primordial

“O protetor primordial fundamental, Samantabhadra, tem a natureza dos quatro
kayas e das cinco facetas da consciência primordial. Sua natureza essencial vazia
é o dharmakāya, sua natureza luminosa é o sambhogakāya, sua compaixão auto-
liberadora é o nirmāṇakāya, e sua natureza que tudo permeia e que abrange todo
o saṃsāra e nirvāṇa é o svabhāvikakāya.

“A consciência primordial do espaço absoluto é assim chamada porque provê
espaço para todos os fenômenos; a consciência primordial semelhante ao
espelho é assim chamada porque é límpida, luminosa e livre de contaminação; a
consciência primordial da igualdade é assim chamada porque saṃsāra e nirvāṇa
são manifestações de igual pureza; a consciência primordial discriminativa é
assim chamada em razão da natureza desimpedida da consciência primordial
que conhece e percebe; e a consciência primordial da realização é assim
chamada porque realiza suas tarefas por meio da purificação e da liberação.

ii. A Maneira na Qual o Caminho da Lucidez Prístina se Manifesta
como os Quatro Kāyas e as Cinco Facetas da Consciência
Primordial

“O caminho da lucidez prístina que o libera como um buda auto-surgido
manifesta-se [325] na natureza dos quatro kāyas e das cinco facetas da
consciência primordial. A exibição da natureza essencial da lucidez prístina – que
tudo permeia, estendendo-se até os limites do espaço, sem existência objetiva,
uma grandiosa difusão uniforme sem base nem raiz - é livre de elaboração
conceitual, e é, portanto, o dharmakāya. Em relação à sua natureza manifesta
como sendo auto-iluminadora, essa é o sambogakāya; em relação à sua
luminosidade desimpedida da consciência primordial, esse é o nirmāṇakāya; e
considerando que é a base comum do saṃsāra e do nirvāṇa, essa é o
svabhāvikakāya.

“Tendo determinado a natureza da base, a realização do um só sabor de saṃsāra
e nirvāṇa no espaço absoluto da realidade última é a consciência primordial do
espaço absoluto dos fenômenos. Sem reduzir a vacuidade a uma mera
imaterialidade, a limpidez e a luminosidade livres de contaminação, como um
espelho de aço inoxidável no qual tudo pode surgir, são a consciência primordial
semelhante ao espelho. A consciência da igual pureza de saṃsāra e nirvāṇa na

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grande vacuidade é a consciência primordial da igualdade. A luminosidade
desimpedida da consciência primordial que discerne as manifestações da lucidez
prístina é a consciência primordial discriminativa. Ao ganhar domínio sobre a
lucidez prístina, as atividades de purificação e liberação são naturalmente
realizadas; portanto, esta é a consciência primordial da realização.

“Sem conhecer esse modo de ser, muitas pessoas tomam como caminho um
estado passivo de consciência que não faz distinção entre mente e lucidez
prístina. Elas se fixam às aparências externas como entidades eticamente neutras
portadoras de suas próprias características intrínsecas. [326] Internamente,
estão firmemente atadas por cadeias de reificação de seus próprios corpos como
eticamente neutros e permanentes. Entre esses dois [o externo e o interno], por
assim dizer, ganham estabilidade em um mero estado de consciência
desimpedida, luminosa e cognoscente. No entanto, embora seja possível que isso
constitua uma virtude que as impulsiona para os dois reinos superiores da
existência, elas não alcançarão os estados de liberação e iluminação. Portanto,
esta é uma abordagem falha.

“Saber autenticamente como todos os fenômenos incluídos no saṃsāra e no
nirvāṇa têm um só sabor na natureza da talidade, da realidade última, é a
sabedoria que conhece a realidade como ela é. Mesmo quando se permanece na
natureza essencial da lucidez prístina, o auto-surgimento da consciência
desimpedida que tudo percebe e conhece é a sabedoria que percebe toda a gama
de fenômenos. Embora essa sabedoria seja desimpedida, ela não se funde com
objetos, como uma gota de mercúrio [que não se funde com o solo] quando cai no
chão.

“A mente vê o saṃsāra e o nirvāṇa como autônomos, reifica as aparências e não
tem consciência da natureza da existência da base. Dessa mente emergem
pensamentos que surgem e passam, que se fundem com seus objetos, como gotas
de água quando caem na terra seca.

“Como resultado da ignorância que obscurece sua própria face - o estado búdico
da base pura, que tem domínio sobre a base do ser - todos os kayas e facetas da
consciência primordial da radiância natural interna da base recolhem-se a essa
radiância interna. [327] A radiância externa é projetada para fora, com os
aspectos das cinco luzes que se proliferam como exibições dos cinco elementos.

“Eis como isso ocorre: devido à consciência primordial do espaço absoluto dos
fenômenos ser obscurecida pela ignorância, sua radiância externa surge como
luz azul índigo. Isso é chamado de elemento interno, grande elemento e
quintessência do espaço. Devido à reificação e apego a essa luz, ela surge como
espaço, e isso é chamado de aparência do elemento externo, elemento derivado e
resíduo.

“Devido à consciência primordial semelhante ao espelho ser obscurecida pela
ignorância, sua radiância interna desaparece, e, como resultado, sua radiância
externa surge como luz de cor branca. Esta é a quintessência da água, seu

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elemento principal e seu elemento interno. Devido à reificação e apego a essa luz,
ela surge como água, e esse é seu resíduo, elemento derivado e elemento externo.

“Devido à consciência primordial da igualdade ser obscurecida pela ignorância,
sua radiância interna diminui, e, como resultado, sua radiância externa surge
como luz de cor amarela. Essa é a quintessência da terra, seu elemento interno e
seu elemento principal. Devido à reificação e apego a essa luz, ela aparece como
terra, e essa é seu resíduo, elemento derivado e elemento externo.

“Devido à consciência primordial discriminativa ser obscurecida pela ignorância,
sua radiância interna diminui, e, como resultado, sua radiância externa surge
como luz de cor vermelha. Essa é a quintessência do fogo, seu elemento interno e
seu elemento principal. Devido à reificação e apego a essa luz, ela surge como
fogo, e esse é seu resíduo [328], elemento derivado e elemento externo.

“Devido à consciência primordial de realização ser obscurecida pela ignorância,
sua radiância interna diminui, e, como resultado, sua radiância externa surge
como luz de cor verde. Essa é a quintessência do ar, seu elemento interno e seu
elemento principal. Devido à reificação e apego a essa luz, ela surge como ar, e
esse é chamado de resíduo, elemento derivado e elemento externo.

“Pelo fato dessas luzes e radiâncias permanecerem no interior, as várias cores e
aparências dos cinco elementos se manifestam ininterruptamente.

“O poder criativo dessas cinco bases da delusão se manifesta como se segue.
Devido ao obscurecimento da base pela ignorância, o substrato verdadeiro, que é
imaterial e semelhante ao espaço, desprovido de pensamentos e aparências, é
como o sono profundo e o desmaio. A imersão nesse estado tem a natureza
essencial da delusão, um vasto campo de ignorância.

“A estimulação das energias cármicas de um éon a partir desse estado é a
natureza essencial da inveja. Devido à sua atividade, a luminosidade emerge da
vacuidade, e essa é a consciência substrato, que está presente na natureza
essencial do ódio. A fixação ao ego que surge a partir dela em relação à mera
aparência do eu é uma mentação aflitiva, que está presente na natureza essencial
do orgulho. A mentação surge a partir disso e estabelece o potencial para as
aparências emergirem da vacuidade imaterial, produzindo assim a
luminosidade; e essa está presente na natureza essencial do apego. [329] Estas
constituem as cinco naturezas essenciais que surgem como expressões criativas
externas da radiância interna.

“A natureza essencial dos cinco venenos é como o fogo, do qual formações de
pensamentos aflitivos surgem como faíscas.

“Desse modo, os objetos surgem sem impedimentos como aparências na
vacuidade que tudo permeia homogeneamente e na luminosidade do substrato e
da mentação. Consequentemente, devido à confluência simultânea do
movimento das energias cármicas como condição auxiliar e do potencial da base
para manifestar as aparências como causa primária, as aparências de variadas

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formas emergem na dependência da base e sem relação com nenhuma outra
coisa que não seja a base.

“Quaisquer objetos que surjam como aparências de forma são chamados por
mera convenção de consciência visual. Portanto, os objetos que surgem, que
podem ser comparados ao oceano, são chamados de objetos, e se diz que as
aparências de formas, que podem ser comparadas a [reflexos] de planetas e
estrelas, são aquilo que é apreendido.

“Consequentemente, uma consciência mental sutil capaz de apreender atribui
nomes a essas formas, reveste-as de significado e as reifica. Surgem pensamentos
que se agarram às formas como agradáveis, desagradáveis e neutras, e são
chamados de mente da apreensão visual.

“Da mesma forma, os objetos desimpedidos que emergem como sons são
chamados de objetos; se diz que as aparências que emergem como sons são
aquilo que é apreendido, e a consciência mental que adere a elas é chamada de
mente que apreende. [330] Como descrito acima, estes são eventos relacionados
de forma dependente, que surgem a partir da reunião de causas e condições.

“Da mesma forma, as aparências que emergem como cheiros são mera e
convencionalmente chamadas de consciência olfativa, as aparências que
emergem como gostos são meramente denominadas consciência gustativa, e as
aparências que emergem como sensações táteis são meramente denominadas
consciência tátil. Mas, na verdade, elas não surgem nesses vários orifícios, o que
fica claro pelos surgimentos nos sonhos e no período intermediário.

“Algumas pessoas tomam aparências como sendo a mente, e elas podem pensar
que todas as aparências externas são pensamentos discursivos e realmente suas
próprias mentes, mas não é assim. Isso é demonstrado pelo fato de que as
aparências mudam no mesmo momento em que surgem, momentos anteriores
passam e dão origem a momentos posteriores, enquanto a mente não assume a
natureza de nenhum desses momentos, o que a tornaria inexistente. Assim, à
medida que as aparências aos oito tipos de consciência emergem
sequencialmente em sua ordem natural, o saṃsāra se manifesta por completo. À
medida que são reabsorvidas de volta à consciência substrato, elas desaparecem
no pináculo da existência condicionada.

“Desse modo, todo o mundo das aparências de saṃsāra e nirvāṇa não é outro
senão a base do ser, e tem o mesmo sabor da própria base. Como uma analogia,
você deve entender que, embora vários reflexos dos planetas e estrelas
apareçam no oceano, na realidade eles têm o mesmo sabor da água. A revelação
de todos os fenômenos como sendo suas próprias aparências [331] é o
ensinamento essencial do Vajradhara ”.

Dizendo isso, ele desapareceu de vista.

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c. As Instruções para Não Permitir que a Pervasividade Uniforme da Igualdade
seja Maculada pelas Falhas da Elaboração Conceitual

Ensinamentos de Hūṃchenkāra

Em outra ocasião, quando encontrei o grande vidyādhara Hūṃchenkāra,
perguntei a ele: "Como se dá o surgimento de aparências?"

Ele respondeu: “Ó grande ser, os cinco tipos de consciência sensorial são como o
espaço, do qual qualquer coisa pode emergir. Pensamentos discursivos são como
substâncias e mantras usados por um ilusionista, de tal modo que os arranjos de
aparências semelhantes a ilusões surgem devido à sua conjunção simultânea. A
consciência que se identifica com eles é como um espectador.

“Assim, todas as substâncias que são oferecidas e doadas são como substâncias
ilusórias. A abordagem do yoga semelhante à ilusão é dissolvê-las na vacuidade
com mantras purificadores, e depois usar mantras enriquecedores para
aumentar incomensuravelmente o surgimento dessas oferendas aos seis
sentidos dos objetos de adoração, para que eles se sintam plenamente satisfeitos.
Além disso, por meio do yoga semelhante à ilusão, você deve gerar aparências
como uma cidade de gandharvas para seres sencientes semelhantes a emanação;
e ao transformar essas aparências semelhantes ao sonho, você as libera e as guia
e assim por diante, e ao fazê-lo ganha domínio sobre o grande yoga da ilusão.

“Não importa quantos planetas e estrelas sejam refletidos em um lago [332] – os
reflexos estão todos contidos na própria água. Não importa quantos mundos
animados e inanimados existam, eles estão todos contidos em um espaço. E não
importa quão vastas e numerosas sejam as aparências de saṃsāra e nirvāṇa, elas
estão todas contidas na natureza última da mente. Observe como isso é assim!

“A natureza última da mente, que é chamada de sugatagarbha, é uma
pervasividade uniforme, não contaminada por falhas. Por exemplo, mesmo que
fosse possível o espaço ser preenchido com budas, há a pervasividade uniforme
em que não há objeto que possa ser beneficiado por sua consciência primordial e
qualidades sublimes. E mesmo se houvesse seres sencientes autônomos por todo
o espaço, há a pervasividade uniforme em que não há objeto que possa ser
prejudicado por eles.

“A base dharmakāya, o sugatagarbha, não tem lugar, objeto ou agente de
originação, portanto é livre do extremo da originação. Uma vez que transcende
qualquer momento de cessação e qualquer agente que deixa de existir, está livre
do extremo da cessação. Como é invisível até para os olhos dos jinas, por não cair
no extremo da existência real, é livre do extremo da permanência. Uma vez que é
a base universal do saṃsāra e do nirvāṇa, sem ser totalmente inexistente, é livre
do extremo do niilismo. Por estar além de localização, objetos e agentes que vão
[333], é livre do extremo de ir. Uma vez que localização, objeto ou agentes que
vêm não são estabelecidos como reais, é livre do extremo de vir. Na vastidão da
base sugatagarbha, todos os fenômenos de saṃsāra e nirvāṇa surgem

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distintamente e individualmente; da mesma forma que [reflexos de] planetas e
estrelas no oceano, é livre do extremo da unidade. Independente dos modos
como saṃsāra e nirvāṇa surgem, tem um só sabor na base sugatagarbha; assim
como os planetas e estrelas refletidos no oceano não são diferentes do oceano, é
livre do extremo da diversidade. Como não se enquadra em nenhum dos oito
extremos da elaboração conceitual, sua pervasividade uniforme não é maculada
por falhas.

Além disso, é vazio na medida em que transcende as categorias acima, abaixo, as
direções cardeais e colaterais, intervalos e tempo. É vazio porque tudo permeia e
é todo-abrangente. Há a vacuidade externa em que todas as aparências externas
não podem ser estabelecidas como tendo características substanciais ou como
sendo verdadeiramente existentes. Há a vacuidade interna em que sua própria
mente interna transcende ter qualquer base ou raiz. Existe a grande
pervasividade uniforme da vacuidade não-exclusiva em que, entre o exterior e o
interior, não há diferenciação dualista entre o apreendido e o apreendedor. Essa
é a vacudiade como uma porta para a liberação.

“A base dharmakāya, o sugatagarbha, é livre de sinais que podem ser expressos
em palavras, transcende aproximações metafóricas, e é destituído de qualquer
coisa que possa ser de fato demonstrada. Essa é a ausência de sinal como uma
porta para a liberação. [334]

“Em relação à realidade última, o sugatagarbha, ou 'os sugatas dos três tempos', a
noção de que isso é resultado da mera prática de virtudes físicas e verbais, e que
isso implica ir para algum outro reino e ser liberado lá, é pensar que a
abrangência panorâmica do espaço que tudo permeia é um objeto ou agente de ir
e vir. Esta é uma noção extremamente confusa e obscurecida!

“Qual é o caminho? É sustentar-se em sua própria base dentro de si mesmo. O
que é realização? É conhecer verdadeiramente sua própria natureza essencial e
seu próprio modo de existência. O que é liberação? É simplesmente o seu próprio
despertar para a sua própria natureza essencial. É uma completa delusão fixar-se
a qualquer outra coisa como o estado ou local da liberação e esforçar-se para
obtê-lo. Em última análise, uma vez que nem mesmo a aspiração por um
resultado deve existir, isso é a ausência de desejo como uma porta para a
liberação.

“Ó meu filho, Faculdade da Lucidez Prístina, você não será liberado
meramente pela minha fala e por ouvi-la. Investigue e analise a natureza daquilo
que já foi explicado. Permita que a experiência surja das profundezas, estabilize
seu continuum de consciência lúcida e depois ensine pessoas afortunadas que
sejam receptáculos adequados. Ao transferir minha Linhagem de Visão para
indivíduos que praticam unifocadamente, não há dúvida de que logo alcançarão a
liberação. ”[335]

Dizendo isso, desapareceu.

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d. Explicação de Como Todas as Virtudes sem Exceção São Completamente
Estabelecidas como Sendo da Natureza de Exibições Preciosas, Espontaneamente
Manifestas da Radiância Interna

Ensinamentos de Mañjuśrī, o Leão da Fala



Em outra ocasião, quando encontrei Mañjuśrī, o Leão da Fala, em uma
experiência meditativa na clara luz, perguntei a ele: “Ó Mestre, protetor do
mundo, embora tenha corretamente determinado como todas as aparências dos
mundos e de seus habitantes sencientes não são nada além das minhas próprias
aparências, por favor me revele se os diversos nomes e reinos puros de todos os
budas são ou não estabelecidos como objetos autonomamente existentes ”.

O mestre respondeu: “Ó grandioso ser, ouça! As qualidades da preciosa
menifestação espontânea constituem a radiância interna da base dharmakaya, o
sugatagarbha. Com isso como base, as exibições de campos búdicos e de
deidades masculinas e femininas, juntamente com seus palácios, são
naturalmente perfeitas na própria base - e essa perfeição é a sabedoria.
Apresentá-las como existentes em outros reinos são meios hábeis. A perfeição de
suas qualidades sublimes na própria base é absoluta, enquanto as explicações de
sua existência em outros mundos com seus habitantes sencientes são relativas.
Além disso, a manifestação espontânea da própria base como exibições dos
kayas e facetas da consciência primordial é o significado definitivo. Todas as
explicações sobre campos búdicos e nomes das deidades masculinas e femininas
e assim por diante [336] como entidades com características reais existentes em
outros reinos constituem significados provisórios.

“O que se segue são apresentações do último como relativo, de acordo com os
caminhos do saṃsāra. Aqui está [a explicação] de como todos os jinas estão
incluídos dentro dos cinco kāyas: a grandiosa realidade última da existência
naturalmente presente e não fabricada de todos os fenômenos incluídos no
mundo das aparências de saṃsāra e nirvāṇa como o espaço básico absoluto, a
grande vacuidade, é chamada dharma. Devido à inimaginável gama de
disposições [individuais] e faculdades específicas, há uma gama inimaginável de
portas de entrada para o caminho, experiências e objetivos a serem alcançados.
Sua presença natural é chamada kāya.

“A perfeição natural das exibições dos kāyas e facetas da consciência primordial
espontaneamente manifestos como deleites é chamada sambhogakāya. As
exibições de emanações que não são outras senão a base, sem qualquer atividade
mental de pensar em produzir emanações, são os mestres nirmāṇakāyas,
nirmāṇakāyas criados e nirmāṇakāyas materiais. A consciência que se fixa ao eu
é como um recipiente de água, e as qualidades sublimes do espaço absoluto do
sugatagarbha são como os planetas e as estrelas no céu. Quando estas ocorrem
simultaneamente, as emanações como eventos dependentes parecem ser de
quatro tipos. Na realidade, os mundos e seus habitantes sencientes não são
outros senão exibições dos três kāyas.

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“O aspecto da natureza essencial [da base] como sendo a vacuidade é chamado
dharmakāya, o aspecto de sua natureza manifesta como sendo a manifestação
espontânea é chamado sambhogakāya [337], e o aspecto de suas diversas
aparências é chamado nirmāṇakāya. Além disso, a própria base é a natureza
essencial de todo o saṃsāra e nirvāṇa, e nessa natureza essencial tudo é de um
só sabor, por isso é chamado svabhāva; e porque todas as qualidades sublimes e
facetas da consciência primordial são reunidas em um agregado, por assim dizer,
é chamado kāya.

“Como [a base] não se altera ao longo dos três tempos e não se transforma em
nenhuma outra natureza essencial, é chamada de imutável. Como não pode ser
danificada por nenhuma outra coisa, é chamada de invulnerável. Como não pode
ser destruído por si mesmo ou por nenhuma outra coisa, é indestrutível. Como é
a base universal do saṃsāra e do nirvāṇa, é real. Como não pode ser
contaminada por qualidades boas ou ruins, é incorruptível. Como é desprovida
de movimento, é estável. Como é capaz de penetrar até mesmo os
obscurecimentos cognitivos mais sutis, é não obstrutível. Como não pode ser
superada por nenhum objeto ou condição, é invencível.

“Assim, a natureza da existência do vajra último e indestrutível é imbuída de
quatro certezas: à exceção daqueles seres que possuem o carma e a boa fortuna
necessários, os seres sencientes não são capazes de realizá-la. Uma vez que tenha
sido realizada e posta em prática, é impossível não adquirir confiança íntima
nela. Quando a confiança é adquirida, é impossível não ser libertado. Quanto à
extensão da liberação, é impossível não se tornar iluminado.

“A presença natural desses cinco kāyas na própria base é [a visão] última,
enquanto as explicações sobre elas como sendo distintas [338] constituem o
caminho relativo dos meios hábeis.

“De acordo com as obsessões dos seres com as famílias, aqui está a base para
falar das famílias das deidades: como a base do ser é tal que as contaminações
das propensões habituais são eliminadas no espaço absoluto, diz-se que é
purificada. Uma vez que as facetas da consciência primordial e as qualidades
sublimes são naturalmente realizadas, diz-se que são realizadas [juntas, estas
significam buda]. Já que é imbuída das sete qualidades vajra, é chamada de
família vajra. Uma vez que é a fonte de todos os kayas e facetas da consciência
primordial, é chamada de família jóia. Como não é contaminado por falhas ou
contaminações, é chamada de família lótus. Uma vez que realiza as atividades
iluminadas plenamente, é chamada de família carma. O termo família refere-se às
respectivas associações abrangidas por cada uma delas.

“A seguir, os ensinamentos dos cinco campos búdicos são apresentados de
acordo com as obsessões das pessoas pelas terras: Ghanavyūha [Densamente
Manifesta] é assim chamada por causa da densidade de qualidades sublimes
espontaneamente manifestas no espaço absoluto da base. Abhirati [Alegria] é
assim chamada porque é imbuída de grande alegria que não é criada por
nenhum objeto, condição ou agente. Śrīmat [Gloriosa] é assim chamada porque é

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imbuída de uma gloriosa abundância de facetas da consciência primordial e de
qualidades sublimes. Sukhāvatī [Bem-aventurada] é assim chamada porque é
imbuída da consciência primordial imaculada da bem-aventurança e da
vacuidade. Karmaprapūraṇa [Ações Perfeitamente Realizadas] é assim chamada
porque leva todas as ações de purificação e liberação à perfeição.

“O termo campo refere-se ao espaço absoluto, e o termo reino indica que não é
outro senão aquele espaço absoluto. [339]

“Uma vez que as qualidades sublimes da base não podem ser medidas, são
chamadas incomensuráveis e, como preenchem todo o saṃsāra e o nirvāṇa, são
chamadas de palácio.

“Quando a radiância natural do espaço absoluto onipresente da base se
manifesta pela grande sabedoria que tudo permeia, todas as facetas da
consciência primordial e as qualidades sublimes do domínio da base
sugatagarbha são iluminadas [Vairocana]. Em razão [da base] ser imbuída das
sete qualidades vajra indestrutíveis e de ser livre de oscilação e movimento
através dos três tempos, é um vajra imutável [Akṣobhyavajra]. Por ser a fonte de
todos os dharmas do caminho e da fruição, e por ser imbuída de uma abundância
de qualidades sublimes, é chamada de fonte de jóias [Ratnasambhava]. A
iluminação da base é ilimitada, por isso é uma iluminação sem limites
[Amitābha]. Uma vez que todos os objetivos autênticos emergem naturalmente
dentro dela, diz-se que alcança objetivos [Amoghasiddhi].

“Como todos os fenômenos do saṃsāra e nirvāṇa surgem no modo de ir e vir no
verdadeiro vajra, no espaço da vacuidade, isso é chamado de Vajraḍākinī. O
aspecto auto-emergente de todas as facetas da consciência primordial e
qualidades sublimes, que são como um tesouro de jóias, é Ratnaḍākinī. O aspecto
de liberdade de todos os apegos é Padmaḍākinī. A auto-emergência de ações dos
kayas e facetas espontaneamente fmanifestos da consciência primordial - não
cumpridas com feitos ou alcançadas com esforço - é Karmaḍākinī. Uma vez que
os obscurecimentos aflitivos e cognitivos são purificados no espaço absoluto dos
fenômenos, e as facetas da consciência primordial e das qualidades sublimes são
naturalmente levadas à realização, isso é chamado Buda. E uma vez que todos os
fenômenos de saṃsāra e nirvāṇa surgem nos aspectos de ir e vir na expansão do
espaço da grande vacuidade, é chamado ḍākinī.

“Assim, a manifestação da base dharmakāya, o sugatagarbha, a grande realidade
que permeia totalmente o saṃsāra e o nirvāṇa, é a lucidez prístina da base, que é
a grandiosa liberação dos extremos; e todos as sādhanas últimas são sintetizadas
da seguinte forma:

“A maestria sobre si mesmo - por meio de sua convicção de que a lucidez prístina
da base é a síntese de todas as [Três] Jóias - é a tomada de refúgio real,
insuperável e última na natureza da existência.

“Ao longo da sucessão de vidas sem princípio, você tem se agarrado à existência
verdadeira e tem se fixado a objetos, o que tornou sua mente muito estreita.

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Agora, tendo chegado a uma compreensão definitiva de que saṃsāra e nirvāṇa
são exibições contínuas da lucidez prístina única, o escopo de sua mente se
expandiu. Este é o mais sublime de todos os métodos para gerar bodhicitta.

“A mente dualista que se agarra ao que apreende e ao que é apreendido é o
grande demônio da existência condicionada que faz com que você vagueie pelos
três reinos do saṃsāra. Com sabedoria discriminativa, expulse isso na vacuidade
desprovida de objetos.

“A experiência da sabedoria que realiza a ausência de identidade é o círculo de
proteção da bodhicitta, que não pode ser vencida e nem destruída.

“A descida da grande bênção da consciência primordial, a lucidez prístina, às
trevas da ignorância [341] constitui a verdadeira descida das bênçãos.

“Com a realização de que as aparências surgem como ornamentos da lucidez
prístina, as matrizes de experiências sensoriais que ocorrem naturalmente se
tornam oferendas.

“A transição do substrato para o dharmakāya é o despertar [ou seja, o estado
búdico] da base primordial do ser. A realização da sabedoria que conhece a
natureza da existência [dessa base] assim como é, juntamente com a sabedoria
que tudo conhece e tudo ilumina que percebe toda a completa gama [dos
fenômenos], é a própria síntese dos mistérios [Guhyasamāja] de todos os jinas e
jinaputras.

“A assembléia dos altivos guardiões dos ensinamentos representa o caminho dos
meios hábeis para sua realização inicial; o conjunto de bodhisattvas representa o
caminho de meios hábeis para o domínio do oitavo grau de bodhisattva e dos
graus superiores; e a matriz de budas e campos búdicos representa o caminho de
meios hábeis para a manifestação do estado búdico.

Explicações sobre a ignorância do substrato como Maheśvara e de todas as
configurações de pensamentos que surgem dele como as oito classes de
guardiões dos ensinamentos, dharmapālas, deuses e demônios são expressões de
meios hábeis.

“Seguindo a manifestação da base dharmakāya primordial, a divisão das
aparências das expressões criativas da grandiosa consciência primordial auto-
emergente é construída como um caminho de meios hábeis. A manifestação do
estado búdico último é a realização da sādhana. Todas as sādhanas e maṇḍalas
são assim sintetizadas e levadas à perfeição. [342]

“O convite consiste em manifestar a natureza essencial, substituindo todos os
fenômenos dos três reinos do saṃsāra pela a manifestação da grande realidade
última.

“Sutentar-se em sua própria base dentro de si mesmo, sem movimento ou
modificação dentro dos três tempos, é o pedido para permanecer.

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“Quando você observa sua própria face como o dharmakāya - a base primordial
do ser, a visão soberana - sua experiência de grande admiração é a homenagem
de engajar-se com a visão.

“A oferenda de fenômenos como manifestações na realidade última é a grande
oferenda.

“A admiração e a confiança advindas de perceber verdadeiramente o modo de
existência da Grande Perfeição de saṃsāra e nirvāṇa é o verdadeiro louvor.

“As aparências individuais e distintas de vários fenômenos são matrizes do corpo
iluminado. Sua perfeição e sua realização espontâneas são a exibição da fala
iluminada. O espaço absoluto primordialmente puro, livre dos extremos da
elaboração conceitual, é a exibição da mente iluminada.

“As qualidades de comrpeender como as exibições dos kāyas e facetas da
consciência primordial são espontaneamente realizadas, sem serem buscadas,
incluem o domínio sobre os quatro tipos de atividade iluminada; e estas são
características da lucidez prístina da Grande Perfeição.

“Saiba que as quatro iniciações da mesma forma são simultaneamente levadas à
perfeição no corpo, fala, mente, qualidades e atividades iluminadas dentro de
você.

“Assim, conhecer e realizar verdadeiramente como todas essas coisas são
perfeitamente completas é determiná-las como sendo a Grande Perfeição. Como
resultado de ter falhado em reconhecer isso, você vagou pelo saṃsāra no
passado. Embora a perfeição seja primordial, ela estava obscurecida pela
ignorância. Isto é como a água que é naturalmente líquida mas solidifica ao
congelar, e é como não encontrar nenhum alívio da pobreza por falhar em
reconhecer ouro e jóias.

“Em última análise, as facetas da consciência primordial e as qualidades sublimes
da base sugatagarbha são aperfeiçoadas como exibições criativas dessa base. As
explicações sobre elas como mandalas e deidades de apoio individuais são
apresentadas como meios hábeis para guiar os discípulos que apreendem as
coisas como permanentes no espaço último, sem esforço e absoluto, e que
dependem de caminhos relativos que implicam esforço. Portanto, usando os três
pontos essenciais de luminosidade, pureza e vacuidade, esses discípulos são
guiados à fruição do supremo espaço absoluto.”

Com essas palavras, ele desapareceu.


Ensinamentos do Vajra Nascido do Lago de Orgyen

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Em outra ocasião, encontrei o glorioso Vajra Nascido do Lago e perguntei: "Ó
Senhor Onipresente e Protetor Primordial, por que existem ensinamentos sobre
a geração e a completitude de campos búdicos, palácios celestiais e deidades?"

Ele respondeu: “Esses mundos que se estendem pelo espaço são o rūdra externo
da visão reificada de um eu. O remédio para isso é a purificação pelo treinamento
em campos búdicos criados a partir da luz emanada. Internamente, agarrar-se à
sua moradia, suas posses e seu corpo [344] é o rūdra interno da visão reificada
de um eu. O remédio para isso é a meditação sobre palácios celestiais e deidades.
Em todos os momentos e em todas as circunstâncias, a consciência latente, coesa
e ininterrupta, que aparece como um self chamado "eu" é o rūdra secreto da
visão reificada de um eu. Esse é o fio comum que perpassa todas as aparências e
processos mentais do saṃsāra. O remédio para isso é sustentar firmemente o
orgulho divino.

“Ao não compreender esses pontos vitais, algumas pessoas desconsideram as
visualizações do estágio de geração e a sustentação do orgulho divino e aplicam-
se apenas às recitações verbais. Outros praticam ao mesmo tempo em que
reificam as deidades e os campos búdicos. Mas como é impossível alcançar a
iluminação dessa maneira, reconheça esses pontos vitais ”.

Com essas palavras, ele desapareceu.

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A Perfeição da Grandeza dos Nomes Deste Yāna

Ensinamentos de Ekajaṭī

Em outra ocasião, quando tive uma visão com a Senhora do Espaço Absoluto,
Ekajaṭī, perguntei: “Ó avó inigualável do saṃsāra e do nirvāṇa, qual é o nome
deste yāna que é exibido no céu secreto da Senhora do Espaço Absoluto, a grande
vacuidade de saṃsāra e nirvāṇa? ”

Ela respondeu: “Ó pequenino da mamãe, eu lhe concedi completamente a
Linhagem de Visão Iluminada dos Budas, que é como prover um corpo. Criei
você, como se estivesse alimentando-o com leite materno, com a Linhagem
Simbólica [dos Vidyādharas]. Tenho nutrido sua sabedoria, oferecendo conselhos
do coração da Linhagem Oral [dos Indivíduos Comuns]. [345] Revelar isso a
todos os discípulos afortunados que estão ligados a ela por meio de seu carma e
por orações é significativo.

“Quanto ao meu nome, o rei de todos os yānas: sempre que algum som é
expresso, esse é o meu nome. O segredo essencial e insuperável - essa
manifestação consumada no céu da Mãe de Khecara - tem numerosos sinônimos,
mas digo que estão incluídos em sete nomes.

“Uma vez que esse Darma envolve dois grandes tipos de sigilo, ele é chamado de
secreto. Uma vez que ele protege você dos perigos dos conceitos de um eu e de
engajar-se com características, é chamado de mantra. É chamado de vajra último
e indestrutível. Uma vez que a essência das qualidades sublimes de todos os
caminhos é incorporada a ele, é chamado yāna.

“Uma vez que está presente como o modo último de ser de todos os fenômenos, é
chamado realidade. Como é o mais importante de tudo que deve ser realizado, é
chamado de último. Uma vez que é purificado de todas as falhas e máculas, é
chamado de puro. Uma vez que abarca completamente todos os kayas, facetas da
consciência primordial e qualidades sublimes do caminho e fruição, é chamado
de consumado. Uma vez que é a base para o surgimento de tudo que emerge
como várias manifestações de igual pureza, e uma vez que está presente como a
única força vital dos três vajras, é chamado citta, ou coração - isto é, mente. [Isto
explica a bodhicitta absoluta]

“É a perfeição de saṃsāra, nirvāṇa e do caminho. Uma vez que sintetiza e unifica
todos os yanas, é a base universal de todos os yanas e, portanto, é chamado de
grandioso. [346]

“Como transcende todas as arestas e ângulos dos conceitos, é chamado de bindu.
Uma vez que o saṃsāra e o nirvāṇa são de um só sabor na mente consumada e
todo-abrangente, ele é chamado de único.

“Como a natureza da lucidez prístina, o sugatagarbha, é lúcida, luminosa e livre
de contaminação, é chamada de clara luz. Uma vez que é imbuído das sete
qualidades vajra indestrutíveis, é chamado vajra. Uma vez que permanece como

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a essência concentrada de todos os fenômenos de saṃsāra e nirvāṇa, é chamada
essência.

“Como todos os fenômenos do saṃsāra e nirvāṇa são totalmente abarcados e
consumados na natureza do sugatagarbha, é chamado de consumação de
saṃsāra e nirvāṇa.

“Uma vez que é livre de nascimento, morte, envelhecimento e degeneração, é
chamado de jovem. Como não ultrapassa os limites da realização espontânea, é
chamado de vaso. Uma vez que é como uma acumulação e compilação de todas
as facetas da consciência primordial e qualidades sublimes, é chamado kāya. ”

Com essas palavras, ela desapareceu.

Uma vez que essa explicação geral tenha sido apresentada, darei uma descrição
mais específica da maneira pela qual todas as qualidades sublimes dos caminhos
são levadas à perfeição nos nove estágios dos yānas.

Os Śrāvakas são assim chamados porque eles vêem que tudo o que surge como
uma pessoa, que é a base do apego ao “eu” e ao “self”, é desprovido de natureza
inerente. Os Pratyekabuddhas são assim chamados porque compreendem todas
as coisas externas e internas apenas como aparências ilusórias
dependentemente relacionadas. Os Bodhisattvas são assim chamados porque,
para eles, o poder de realizar a vacuidade surge na natureza da compaixão,
incluindo sem esforço todos os aspectos de meios hábeis e sabedoria. [347]

As qualidades sublimes desses três yanas, que afastam você das origens do
sofrimento, são perfeitas, de modo que as abordagens mais elevadas abarcam as
inferiores.

No kriyā tantra, você satisfaz a deidade por meio de austeridades e purificações
rituais. No upāya tantra, você alcança siddhis por recitações orais e samādhi. No
yoga tantra, existe a yoga de śamatha e vipaśyanā, na qual você testemunha as
bênçãos do espaço absoluto, desprovido de características, dentro da grande
maṇḍala do espaço vajra absoluto.

A essência dos siddhis alcançados por meio de todas as atividades e qualidades
sublimes desses [três] yanas que evocam a lucidez prístina por meio de
austeridades não é nada além do espaço absoluto coemergente de sua própria
mente inexprimível. Isto se encontra aqui completamente presente aperfeiçoado.

No tantra pai, o mahāyoga, todas as coisas são puras desde o princípio no
supremo dharmakāya, a realidade última dotada de sete atributos, ou a forma
extraordinária da indivisibilidade das duas realidades.

Na anuyoga transmitida oralmente, o filho da união do ser primordial e da
maṇḍala da consciência primordial espontaneamente atualizada é a grande bem-
aventurança, a maṇḍala da bodhicitta na qual os fenômenos que surgem são
aperfeiçoados na pureza grandiosa e equânime.

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Mas o significado de todas estas coisas está simultaneamente incluído dentro do
significado real da Grande Perfeição natural: o dharmakaya, sem movimento ou
mudança; a lucidez prístina, a grande liberdade dos extremos; o espaço absoluto
da base, o sugatagarbha. Todas as aparências da base do ser - aparições
preciosas e espontaneamente realizadas [348] que surgem por sí sós, sem
propensões e sem parcialidade - são, como o ouro e seu brilho, indiferenciados
do espaço absoluto único da clara luz, que não tem periferia e nem centro. Todas
as apresentações pelas quais essas coisas são ensinadas individualmente - como
se fossem diferenciadas - são apresentadas apenas para que os discípulos
possam ser conduzidos, estágio por estágio.



2. A Prática de Cultivar o Caminho

Ensinamentos de Śrī Siṃha



Em outra ocasião, quando encontrei o rei dos vidyādharas, Śrī Siṃha, perguntei:
“Ó Mestre, por favor, mostre-me o caminho da Grande Perfeição”.

a. Os Ensinamentos Concisos das Instruções Essenciais sobre os Pontos Vitais
dos Métodos para Posicionar a Mente

b. Os Quatro Métodos de Liberação da Radiância

c. Os Quatro Tipos de Presença Aberta [Essas seções individuais aparecem
explicitamente apenas no comentário e estão resumidas no texto raiz da
seguinte maneira:]

Ele respondeu: “A Grande Perfeição é a grande base universal de saṃsāra e
nirvāṇa, o grande espaço absoluto em que saṃsāra, nirvāṇa e o caminho são
perfeitos e completos. Conhecer seu modo de ser é a visão. Obter domínio sobre
essa base primordial, original e grandiosa, até que desperte dentro de si e
permeie cada parte sua, é a meditação que é desprovida de um referente. Isso é
como uma gota de água que se funde com o oceano, tornando-se o oceano sem
modificá-lo. É como o espaço dentro de um vaso que se funde com o espaço
externo, e assim se expande infinitamente no espaço sem modificá-lo.

“Embora não haja externo ou interno com respeito à base do ser e da mente, a
auto-fixação simplesmente sobrepõe fronteiras entre externo e interno, e não é
nada mais que isso. [349] Assim como a água em seu estado naturalmente fluido
congela devido às correntes de vento frio, a base do ser naturalmente fluida
estabelece-se completamente como saṃsāra por nada mais do que cordões de
auto-fixação.

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“Reconhecendo que isso é dessa maneira, abandone as atividades de corpo boas,
ruins e neutras, e permaneça como um cadáver em um cemitério, sem fazer nada.
Da mesma forma, abandone os três tipos de atividade de fala e permaneça como
um mudo; e abandone também os três tipos de atividade de mente e descanse
sem modificação, como o céu de outono livre das três condições contaminantes.
Isso é chamado de equilíbrio meditativo. É também chamado de transcendência
do intelecto, pois ao abandonar os nove tipos de atividade, as atividades são
liberadas sem que nada seja feito, e nada é modificado pelo intelecto. No
contexto desse ponto vital, você adquirirá grande confiança dentro de si mesmo.

“Além disso, em todos os momentos em que se mover, sentar, mudar de posição
e se envolver em recitações orais e atividades mentais, sem perder a perspectiva
da visão, considere os fenômenos aparentes como sendo semelhantes a ilusões.
Sem perder a confiança da meditação, permaneça lucidamente consciente da
natureza dos fenômenos. Sem permitir que sua conduta se torne descuidada,
dedique-se adequadamente aos quatro tipos de atividade. Você deve confiar
neste ponto vital até chegar ao final do processo de morte. Essa é a liberação
natural da meditação que transcende o intelecto. [350]

3. A Conduta Adicional Àquelas Duas [Visão e Meditação]

"Não se perca em sua conduta devido à visão, pensando, 'Todos os pontos vitais
de conduta são apenas vauidade, portanto, seja qual for meu comportamento,
não serei contaminado por falhas.' Evite não-virtudes de corpo e de fala como se
fossem venenosas. Comporte-se de maneira serena, sóbria e conscienciosa, como
se estivesse na presença de um juiz supremo.

“Por outro lado, se você se fixar em outras virtudes de corpo, fala e mente como
se fossem da maior importância, isso destruirá a visão e a meditação autênticas.
Se passar toda a vida meramente acumulando méritos dentro do saṃsāra, será
como estar preso com correntes de ouro. Sem enfatizar exageraradamente a
conduta adequada às custas da visão, seja como um invencível leão da neve, que
se mantém orgulhosamente em pé sobre a neve.

“Além disso, se seguir aqueles que dizem que você deve cultivar a compaixão de
alguma outra forma, mesmo que tenha realizado a visão da vacuidade, estará
tentando determinar a visão como alguém que tem água, mas afirma que precisa
buscar líquido em outro lugar, como alguém que tem fogo, mas procura calor em
outro lugar, ou como alguém que é o próprio vento dizendo que o frescor deve
vir de algum outro lugar.

“A determinação final de saṃsāra e nirvāṇa como a grande vacuidade é a
bodhicitta insuperável - a compaixão de ver saṃsāra e nirvāṇa como
manifestações de igual pureza. [351]

“Mesmo que você identifique e reconheça corretamente os pontos vitais e a
natureza da visão e da meditação, se decidir que apenas isso é suficiente e se
você se fixar em atividades mundanas, isso terá como resultado o desperdício da

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sua vida em várias atividades de apego e aversão. Ao fazer isso, toda a sua visão e
meditação serão soterradas por atividades ilusórias de saṃsāra.

Uma Explicação de Três Armadilhas das Experiências Meditativas

“Quando sua mente e consciência transformam-se de maneiras sem precedentes
surgem as aparências de experiências meditativas. Experiências prazerosas e
reconfortantes de bem-aventurança levam você ao renascimento como um deus
do reino do desejo. Experiências vívidas de luminosidade levam você ao
renascimento no reino da forma. A experiência não conceitual da vacuidade, na
qual a consciência é recolhida a um estado inconsciente, de apagamento e sem
atenção, como o sono profundo, leva você ao renascimento nas quatro
dimensões do reino da não forma. Sem qualquer conhecimento sobre a visão da
vacuidade, é possível que você conclua que a mente é vazia apenas no sentido de
não ser estabelecida como algo substancial. Descansar a mente unifocadamente
nesse estado de vácuo é uma visão que lança você ao ápice da existência
mundana e ao renascimento como um deus a quem falta discernimento.

Além disso, os transtornos externos incluem várias aparições que se apresentam
aos sentidos, tais como visões de deuses e demônios surgindo como maus
presságios. Trastornos internos incluem a ocorrência de várias doenças e dores
no corpo. Trastornos secretos incluem oscilações aleatórias de humor. Se estiver
ciente das falhas enganosas de todas essas experiências e chegar a uma
compreensão definitiva sobre elas [352], todas desaparecerão por sí sós. Se você
se apegar a elas como se tivessem existência verdadeira e se fixar
obsessivamente a esperanças e medos, elas poderão se tornar uma ameaça à
vida, resultando em episódios psicóticos, depressivos, convulsões e assim por
diante. Sucumbir à fixação como se fossem aparências divinas e demoníacas fará
com que meditantes proficientes degenerem em seres meramente comuns ”.

Com estas palavras, ele desapareceu.


Ensinamentos Adicionais sobre a Conduta Autêntica

Ensinamentos do Zurchung Sherab Drakpa



Em outra ocasião, quando encontrei Zurchung Sherab Drakpa no Cemitério do
Vulcão Flamejante no verdadeiro Akaniṣṭha auto-emergente, perguntei: “Ó Guru,
por favor conceda-me instruções práticas que sejam a essência do seu coração
expressa com poucas palavras, mas que tenham amplo significado.

Ele respondeu: “Ó Ser, que reuniu acumulações, preces e momentum cármico por
eons incalculáveis, escute! Se deseja ascender ao estado búdico onisciente,
satisfaça seu guru com constante admiração e reverência, em todas as suas
atividades. Cultive continuamente o afeto e a percepção pura com respeito aos
seus amigos. Com sincera compaixão pelos seres sencientes, busque a liberação e

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o estado de onisciência. Mantenha em mente a impermanência de todos os
fenômenos compostos de maneira constante[353], abandone as atividades
mundanas e permaneça em um estado de inatividade. Esta é a quintessência
insuperável de todos os Darmas.

“Os três pontos vitais são oferecer serviço ao sublime guru, não desperdiçando
suas instruções práticas; honrar seus samayas sem hipocrisia, como se fossem o
princípio vital dos deuses e guardiões; e dedicar toda a sua vida ao Darma, para
que, no momento da morte, você saiba que não deixou nada inacabado.

“Manter seus samayas e seus votos como se fossem sua própria força vital é o
ponto mais importante para evitar que os contemplativos degenerem em
pessoas comuns. Cultivar o contentamento em relação aos prazeres sensoriais é
a maneira de não ser enganado em relação às coisas negativas. Reconhecer que o
saṃsāra não tem essência é o caminho para romper as fixações do apego e da
aversão. A instrução essencial para alcançar o ponto final é reconhecer que
atividades mundanas nunca são concluídas e realizadas, que são como linhas de
fumaça de um relógio de incenso.



4. Como Finalmente Progredir nas Bases que Levam à Fruição Última da
Liberação Eterna

“Primeiro você obtem conhecimento praticando. Então, por meio de investigação
e análise, você obtem experiência em seu próprio fluxo mental, o que traz
realização. Mas a liberação não é alcançada meramente por esse conhecimento e
realização, assim como a fome não é mitigada se você dispuser de comida, mas
não ingerí-la. Assim, depois de ter desistido dos nove tipos de atividade [354],
adquira estabilidade dentro de si mesmo, pelo poder da meditação. Assim como
a escuridão não aparece quando a aurora se rompe, quando não há fragmentação
da visão panorâmica da lucidez prístina, adquire-se confiança interna em sua
própria lucidez prístina.

“Ainda assim, isso por si só não o levará à iluminação. Quando as aparências
fenomênicas foram extinguidas na realidade última, há uma expansão infinita na
esfera grandiosa e todo-abrangente do espaço absoluto dos fenômenos,
desprovida de qualquer traço das aparências e dos processos mentais do
saṃsāra. É aí então que se alcança o estado de liberação.

“Além disso, com relação ao que ainda surge, até mesmo o mais sutil dos
obscurecimentos cognitivos é totalmente eliminado, e adquire-se domínio sobre
a grandiosa consciência primordial que conhece a realidade tal como ela é e
percebe toda a gama de fenômenos. Dessa forma, você alcança o estado búdico
no dharmakaya, que é como o espaço, e os três kāyas surgem como
manifestações que tudo permeiam de maneira uniforme.

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participaram do retiro com Chakung Jigme Wangchak Rinpoche em fev/2022
a. A Distinção entre Mente e Consciência Pristina

“Filho da família, a característica que define a mente é a ignorância da base do
ser, com pensamentos discursivos sujeitos à originação e à cessação surgindo
como suas expressões criativas. A característica que define a lucidez prístina é a
manifestação da base do ser, com o grandioso descanso primordial como
expressão criativa. A lucidez pristína base é conhecer o modo de existência da
base. A lucidez prístina do caminho é a consciência lúcida, clara e livre de
contaminação, pela qual a realidade última é revelada. A lucidez prístina que
tudo permeia, na qual esses dois aspectos são simultaneamente conjugados, é a
Grande Perfeição.

b. A Distinção entre Mentação e Sabedoria

“O termo mentação refere-se à consciência que manifesta todas as aparências
que proliferam como surgimentos conjurados por pensamentos discursivos. O
termo consciência mental refere-se à via desimpedida para que os seis objetos
proliferem como aparências. [355] A sabedoria da base conhece corretamente a
natureza do saṃsāra e do nirvāṇa como a grande vacuidade. A sabedoria do
caminho é a identificação da consciência não adulterada, aberta e desimpedida. A
conjunção simultânea desses dois é chamada sabedoria que tudo permeia.

c. A Distinção entre Consciência Condicionada e Consciência
Primordial

“A via desimpedida na qual surgem objetos que emergem como aparências
sensoriais é chamado de consciência condicionada. Pensamentos que reificam
essas aparências como coisas são chamados de energias cármicas. Com a
conjunção simultânea dos aspectos sutis e grosseiros da consciência mental, o
saṃsāra se estabelece completamente. A consciência primordial que conhece a
realidade como ela é, conhece corretamente a natureza da realidade última, o
sugatagarbha. Quando o modo de existência da talidade, a realidade última, se
torna manifesta, a via desimpedida da consciência que tudo conhece é a
consciência primordial que percebe toda a gama de fenômenos. A maneira como
esta permeia todos os lugares é chamada de consciência primordial
originalmente pura da igualdade.

d. A Distinção entre o Substrato e o Dharmakaya

“Um estado eticamente neutro resulta da influência da ignorância da base do ser.
Várias energias cármicas se movem dentro do espaço do substrato, como vários
sonhos que aparecem durante o sono, e esta é a base e a raiz de todo o saṃsāra.
Dentro da claridade completamente aberta da realidade última, livre dos
extremos da elaboração conceitual – a pureza grandiosa e igual do saṃsāra e do
nirvāṇa - [356], todos os fenômenos que surgem são o amplo dharmakāya,
Samantabhadra.

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“Filho da família, todos os reflexos da lua e outras coisas na água são exibições da
água e não são nada além da água. Todas as coisas que se movem e que não se
movem nos mundos e seus habitantes sencientes são exibições do espaço e não
são nada além do espaço. Todo o saṃsāra e todo o nirvāṇa consistem em
exibições da única realidade última e não são nada além da realidade última.

Assim, quando a grandiosa profundidade e luminosidade do dharmakāya da base
são realizadas, sua natureza essencial é o dharmakāya, a igual pureza de saṃsāra
e nirvāṇa; sua natureza manifesta é o sambogakāya, repleto das facetas da
consciência primordial e das qualidades sublimes; e o nirmāṇakāya é a
compaixão auto-iluminadora, livre de véus que obscurecem. Suas manifestações
são chamadas de absolutas.

“A ignorância da natureza essencial da base originalmente pura é o substrato. As
aparências surgem de sua radiância e as manifestações de fatores mentais
surgem como expressões criativas, e são chamadas de enganosas.

“Tendo reconhecido dessa maneira a natureza de todas as coisas em termos de
manifestações, princípios unificadores, difusão e permeação, simplesmente
descanse na realidade última e chegue à certeza na presença natural da
grandiosa e ampla realidade suprema, que transcende o intelecto, que não pode
ser descrita como coisa alguma. Até que a consciência primordial, grandiosa e
onisciente, seja alcançada, pratique com entusiasmo intenso e inabalável.
Sustente firmemente este ponto vital supremo! ”[357]

Com estas palavras, ele se tornou completamente imerso no espaço absoluto da
realidade última.

Este texto foi escrito em resposta aos pedidos sinceros de Padma Lungtok Gyatso e
Khyenrab Gyatso, dois tulkus que estiveram conectados a mim ao longo de muitas
vidas por seu carma e preces. Eu, Traktung Düdjom Dorjé Drolö Tsal, codifiquei isto
a partir do tesouro da vasta expansão de aparências manifestas. As ḍākinīs
profetizaram que sessenta e oito indivíduos sublimes prestariam serviço como
guardiões deste Darma. Pelo comando do grande Orgyen, esta foi a primeira
ocasião em que ocorreram circunstâncias auspiciosas [para estes ensinamentos
serem escritos]. Meu próprio filho sublime, o notável estudioso Sönam Tenzin
(Dodrup Rinpoché), editou o manuscrito cuidadosamente.

Esta tradução para o português foi feita por Jeanne Pilli e Marcelo Nicolodi para os retiros
com o Lama Alan Wallace no CEBB Viamão nos anos de 2017 e 2018 a convite do Lama
Padma Samten.
O Lama Alan Wallace gentilmente concordou com a distribuição deste texto
exclusivamente aos participantes do Retiro com Chakung Jigme Wangdrak
Rinpoche, coordenado pelo Vajrayana Foundation em 11-13/fevereiro/2022. A
distribuição deste material sem autorização expressa é proibida.

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