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Trabalho realizado por: Bárbara Magalhães

Lousada, Março 2022


Resenha “Sociedade de Corte”, de Norbert Elias

Capítulo V:”Etiqueta e cerimonial: comportamento e mentalidade dos homens


como funções da estrutura de poder de sua sociedade”

Norbert Elias, foi um sociólogo alemão de origem judaica, que procurou desmontar a
ideia de que existem dominadores e dominados puros, mas sim grupos/ordens
sociais que estão em constante competição pelo prestígio, na esfera absolutista. Na
obra “A sociedade de corte”, Elias analisa as relações sociais presentes nas
sociedades do Antigo Regime. O seu recorte temporal são os séculos XVII e XVIII,
onde se aprofunda o surgimento de uma cultura cortesã. O recorte espacial da obra
delimita-se na corte do Rei francês Luís XIV, conhecido como o Rei Sol. No capítulo
V, analisa-se todas as relações sociais da classe privilegiada francesa, bem como as
competições que estes se envolviam, isto é, “a batalha pela posição dentro da
hierarquia de corte” (pág.108). Para Elias, o motor da história na sociedade de corte
são as disputas pelo poder e a camuflagem de emoções que envolviam o rei e a
nobreza. Assim, o autor usa e abusa da teoria configuracional, que ele próprio
desenvolvera para ressalvar a interdependência entre os indivíduos. 

Num primeiro momento o autor revela que o rei não admitia relações fora do círculo
cortesão, “o rei não aprovava (…) a fragmentação do convívio social e a constituição
de círculos fora da corte” (pág.97), uma vez que para ele a corte era o único e
principal centro de vida dos cortesãos, embora fosse quase impossível evitar esses
relacionamentos exteriores. Portanto, o “monde” deste reinado era uma formação
social extremamente rígida e coerente, pois todos ocupavam posições distintas, de
acordo com vários aspectos que irão ser referidos posteriormente. Esta forma de 
governação, viu a sua queda mais tarde devido ao “aumento da riqueza nas mãos
dos burgueses” e às “tempestades da revolução” (pág.98), que deterioraram
definitivamente a estrutura social francesa. A corte era o principal palco deste teatro
cortesão, que para além de ser “um complexo capaz de abrigar milhares de
homens”(pág.98), era um local onde a vida nada tinha haver com os habitantes de
uma sociedade, aqui prevalecia o exagero e a ostentação monstruosa de tudo,
aspectos que levaram aos esvaziamentos dos bolsos aristocráticos, que passaram a
depender das mercês do rei, o que o deixava satisfeito, “Luís XIV gostava de ver os
nobres morando sob o seu teto, e alegrava-se quando lhe pediam um aposente em
Versalhes”. (pág.98)
Trabalho realizado por: Bárbara Magalhães
Lousada, Março 2022
Resenha “Sociedade de Corte”, de Norbert Elias

A hierarquia das casas no Antigo Regime era uma estratégia de engrandecer a


majestosidade de tudo o que o rei fazia, a localização de um aposento deriva da
ênfase da função que o mesmo representa, daí os mais centralizados e expostos à
vista de qualquer um, serem aqueles onde predominam as funções de maior
prestígio, por isso é que não admira a disposição espacial do quarto do rei “ onde se
podia ver pela janela, em linha reta, todo o caminho de acesso, o Pátio de Mármore,
a Cour Royale e ainda a amplidão da Avant Cour — era o quarto de dormir do
rei”(pág.99).  Elias faz questão de mencionar ainda a importância atribuída aos atos
de rotina do protagonista, o despertar, o deitar, e as atividades de lazer do próprio,
que acarretavam um significado absurdo para os cortesãos, que desejavam
euforicamente por assistir e participar nessas simples ações que acabavam por se
tornar rituais, ou seja, eles passaram a sua vida a gravitar em torno do soberano.
Assim, cada participação revelava um sinal de prestígio, simbolizando a divisão do
poder da época. 

O mecanismo do cerimonial foi um instrumento, mencionado na obra, que


evidenciou as distinções sociais, uma vez que algum tipo de atitude rude ou que o
rei achasse uma ofensa, resultava numa descendência de posição, sendo uma
manobra “para determinar o grau de prestígio das pessoas na corte" (pág.106). 
Apesar de uma má atitude  poder ser considerada impulsiva e momentânea, em
contrapartida as suas consequências eram duradouras, “durante três anos. Não
falava comigo, olhava-me apenas como se por acaso, mas também não me  dizia
nenhuma palavra a respeito de minha saída do exército.” (pág.106). Portanto,
quanto mais capazes de camuflar os sentimentos os cortesãos fossem, menos
estavam sujeitos a abalos que alterassem a sua posição. Numa sociedade que se
baseava em relações sociais, sempre em busca de mais poder e honra perante o
rei, o cuidado com as ações, emoções e gestos eram imprescindíveis pois a
confirmação dos seus valores e prestígio partia disso mesmo, por isso, Elias acredita
que era muito importante o fator visual nesta corte, quer para os cortesãos, e até
mesmo para o rei , prova disso é a seguinte expressão “Nunca aparecia sem peruca,
mesmo deitado em sua cama”, Norbert alude aqui à aparência que ele insistia em
manter para nunca demonstrar qualquer tipo de fraqueza, fomentando o ditado, "não
basta ser é preciso parecer”. Tudo isto demonstra a racionalidade da corte em
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Lousada, Março 2022
Resenha “Sociedade de Corte”, de Norbert Elias

França, que assumiu um papel importante para  “entender a perfeita conveniência


das atitudes, o cálculo preciso dos gestos, a nuance das palavras” (pág.110). 

Norbert Elias dá um verdadeiro show no que diz respeito à descrição mais acertada
da corte de Versalhes, “A vida da corte é um jogo sério, melancólico, que exige
muito” (pág.120),não era de todo um ambiente pacífico ou estagnado, pois quem se
encontrava numa posição elevada hoje podia sofrer uma queda no dia seguinte.
Assim, nasce a arte de observar as pessoas que era essencial, porque era
necessário um auto-conhecimento pessoal quase exímio de cada um, a fim de
perceber as suas verdadeiras paixões para ser capaz de disseminá-las. Para além
disso, interessava aos membros da sociedade de corte estar constantemente em
alerta a cada passo dos  seus semelhantes e aos seus também, ou seja, cada
indivíduo não devia revelar os seus sentimentos em relação a outros indivíduos, pois
isso, além de não ir de acordo com a etiqueta vigente à época, poderia resultar
numa fragilidade que os demais iriam certamente aproveitar. A arte de lidar com as
pessoas, foi outro tópico determinante na perspectiva de Norbert, os cortesãos
deveriam calcular previamente a sua forma de agir, quer perante o rei, quer perante
o resto da “corte de salão”, encarando qualquer tipo de situação de forma educada e
séria mas não arrogante. Uma das máximas defendidas para que esta arte surtisse
efeito era, “nunca falar de si próprio” (pág.124), dado que os assuntos pessoais
impulsionam mais facilmente a parte emotiva das pessoas, revelando sentimentos o
que não era pressuposto naquela época. 

De acordo com Elias, a sociedade de corte espelhava uma teatralização da vida, já


que as emoções não estavam presentes, bem como a luta constante entre as
pessoas pela honra perante o monarca era uma realidade. Considero extremamente
proveitosa a leitura do texto de Norbert Elias, pois é educativa e benéfica,
especialmente a quem deseja aprofundar- se no pensamento teórico social do
século XVII e XVIII pois transparece da forma mais nua e crua possível, o jogo por
detrás de uma sociedade dita culta, mas que na realidade guiava a sua vida no
segmento da ostentação, egoísmo e negação daquilo que realmente eram.  

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