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INTRODUÇÃO

A relevância social das atividades esportivas assim como o seu


crescente potencial econômico atraem vultosos recursos públicos e
privados para o desenvolvimento de organizações e eventos nacionais e
internacionais nesse setor, demandando cada vez mais a interação dos
seus gestores, técnicos e atletas com instrumentos de natureza jurídica.
Nesse contexto, o presente curso apresenta as estruturas de governança
esportiva, as normas básicas de organização do esporte e as principais
áreas de interseção entre o Direito e o mundo desportivo.
Os objetivos deste curso são identificar as principais estruturas de
governança desportiva nacionais e internacionais; discutir o alcance da
autorregulação esportiva; e analisar as normas que regem as atividades
econômicas relacionadas ao esporte, o regime disciplinar imposto às
pessoas e organizações envolvidas com o esporte, assim como as formas
de intervenção estatal nesse setor.
Este material está organizado em quatro módulos:
No módulo 1, será discutida a dissensão doutrinária a respeito da
existência do Direito Desportivo como disciplina autônoma, serão
abordadas as peculiaridades da atividade esportiva e o seu impacto na
possibilidade de autorregulação das suas entidades e dos seus eventos,
assim como em que medida tal especificidade pode fundamentar um
regime jurídico diferenciado para o esporte. Também será analisado o
aspecto global da regulação esportiva e os dois grandes modelos (europeu
e norte-americano) de governança esportiva.
O segundo módulo será dedicado à análise do quadro jurídico em
que se insere o esporte no Brasil, tratando-o nos seus três diferentes
níveis: o constitucional, o legal propriamente dito, e aquele
especificamente regulamentar, incluindo aí os estatutos e regulamentos
das principais entidades desportivas brasileiras.
No módulo 3, o conteúdo avaliará as interações entre as atividades desportivas e o âmbito do
Direito Privado, analisando as possibilidades de organização societária de entidades de
administração e de prática desportiva (Direito Societário Desportivo), as diversas incidências legais
e as potenciais repercussões jurídicas atinentes a eventos esportivos (organização de eventos), e as
relações estabelecidas entre as entidades desportivas e os profissionais que lhes prestam serviços
(Direito do Trabalho Desportivo).
No último módulo, serão analisadas as especiais relações de sujeição jurídica existentes no
esporte, iniciando pelo ordenamento disciplinar imposto a atletas, entidades desportivas e demais
agentes envolvidos nas diversas competições. Serão abordadas também as relações entre o Estado e
as atividades desportivas, delineando-se uma proposta de limites da intervenção estatal no esporte.
SUMÁRIO
MÓDULO I – DIREITO E ESPORTE ......................................................................................................... 7

APRESENTAÇÃO.................................................................................................................................. 7
AUTONOMIA CIENTÍFICA ................................................................................................................... 8
AUTORREGULAÇÃO E ESPECIFICIDADE DO ESPORTE ................................................................. 11
TRANSNACIONALISMO ESPORTIVO ............................................................................................... 23
MODELOS EUROPEU E NORTE-AMERICANO DE GOVERNANÇA ESPORTIVA ........................... 30

MÓDULO II – ORGANIZAÇÃO DESPORTIVA BRASILEIRA .................................................................. 35

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 35
CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO ESPORTE ....................................................................................... 36
Princípios constitucionais do esporte ................................................................................... 39
LEGISLAÇÃO DESPORTIVA............................................................................................................... 43
Esporte formal e não formal .................................................................................................. 44
Princípios gerais do esporte ................................................................................................... 45
Princípios setoriais do esporte profissional ......................................................................... 48
Manifestações do esporte brasileiro..................................................................................... 51
Normas setoriais do esporte brasileiro ................................................................................ 52
GOVERNANÇA DESPORTIVA BRASILEIRA ...................................................................................... 53

MÓDULO III – DIREITO EMPRESARIAL DO ESPORTE ........................................................................ 59

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 59
DIREITO SOCIETÁRIO DESPORTIVO ............................................................................................... 60
Organização societária de entidades de prática desportiva .............................................. 61
Estruturação dos órgãos estatutários da entidade ....................................................... 65
Mecanismos de transparência ......................................................................................... 66
Sistemas de controle interno ............................................................................................ 66
Organização societária de ligas e entidades de administração desportiva ..................... 69
ORGANIZAÇÃO DE EVENTOS .......................................................................................................... 69
DIREITO DO TRABALHO DESPORTIVO ........................................................................................... 75

MÓDULO IV – DIREITO ADMINISTRATIVO DESPORTIVO .................................................................. 83

APRESENTAÇÃO................................................................................................................................ 83
JUSTIÇA DESPORTIVA E COMBATE AO DOPING ............................................................................ 84
Princípios do processo disciplinar desportivo ..................................................................... 88
Organização da Justiça Desportiva brasileira....................................................................... 91
Processo desportivo ................................................................................................................ 91
Infrações em espécie............................................................................................................... 92
Combate ao doping .................................................................................................................. 92
INTERVENÇÃO ESTATAL NO ESPORTE ........................................................................................... 94
Segmentação legal do esporte no Brasil .............................................................................. 96
Formas de atuação estatal na área esportiva ...................................................................... 99
Subsidiariedade no esporte ................................................................................................ 104

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................... 113

PROFESSOR-AUTOR ........................................................................................................................... 116


MÓDULO I – DIREITO E ESPORTE

Apresentação
O esporte é parte da vida social há milênios, identificando-se, em todas as civilizações antigas,
exemplos de práticas atléticas destinadas à congregação comunitária e ao preparo físico dos homens
para os desafios da atividade agrícola e especialmente para o seu empenho nos conflitos armados
que pontuaram desde sempre a história humana.
O ápice do esporte na Antiguidade certamente se deu na Grécia, civilização que nos legou os
Jogos Olímpicos, originalmente travados em honra dos deuses cultuados pelo povo helênico e
resgatados muitos séculos depois, para se tornarem, hoje, uma das maiores plataformas de
entretenimento e congraçamento global.
A dimensão alcançada pelas recentes edições dos Jogos Olímpicos, assim como o destaque
planetário desfrutado pelo futebol – a modalidade esportiva mais popular em todo o mundo – são
dois exemplos da importância socioeconômica do esporte e, nesse contexto, a incidência do Direito
sobre as suas relações é incontornável e cada vez mais aguda.
Este módulo buscará introduzir o leitor aos fundamentos do que pode ser caracterizado como
Direito Desportivo, iniciando pela própria controvérsia existente na doutrina especializada a
respeito da sua caracterização como disciplina jurídica autônoma. Feita essa breve digressão, será
apresentado o que efetivamente torna as relações entre Direito e esporte verdadeiramente singulares:
a possibilidade de autorregulação, as especificidades que delimitam certo regime jurídico específico
e o seu caráter tendente ao transnacionalismo.
Autonomia científica
Um ponto inicial do estudo do chamado Direito Desportivo é justamente a sua própria
nomenclatura, ou seja, a cogitação a respeito da própria existência do Direito Desportivo como um
ramo autônomo da ciência jurídica.
Tal investigação deve iniciar-se na definição básica do que seria uma disciplina autônoma no
meio jurídico. Marcos Juruena Villela Souto, fazendo referência a Celso Antônio Bandeira de
Mello, afirma que “há uma disciplina autônoma quando ela corresponde a um conjunto
sistematizado de princípios e normas que lhe dão identidade, diferenciando-a das demais
ramificações do Direito”. 1
O saudoso professor fazia tal referência justamente para identificar, há mais de uma década,
o equívoco incorrido em se tentar distinguir o então chamado Direito Regulatório como um ramo
jurídico autônomo, distinto do Direito Administrativo que lhe dava – e ainda lhe dá – berço e
fundamento. Nesse sentido, cabe citar passagem importante da referida obra:

A necessidade de regular as atividades em que o setor privado substituiu


ou ocupou espaços não atendidos pelo público, bem como aquelas de
interesse econômico geral acarretou o surgimento de novas estruturas
administrativas e de novas categorias de normas, respectivamente, as
agências reguladoras e as normas regulatórias.

Contudo, em que pese o critério especial de composição de tais entidades


e do processo normativo, não surge daí um novo ramo do Direito, visto
que não nasce um novo sistema, com princípios e regras próprios; trata-se,
pois, de uma mera evolução do direito Administrativo, de modo a adequar-
se ao estudo do exercício da função pública destinada ao atendimento dos
interesses dos administrados (enquanto indivíduos, sociedade ou
integrantes de um grupamento social). 2

O paralelo feito com o ramo do Direito Público é útil para traduzir a perplexidade que ainda
paira sobre a doutrina que se debruça sobre o estudo das relações entre o Direito e o esporte,
havendo, entre o ainda restrito número de autores que se dedicam a esta área, quem defenda que o
Direito Desportivo seria tão somente uma designação para um feixe de relações jurídicas geradas
pelas atividades atléticas, sujeitando-se desportistas, dirigentes e entidades dedicadas à

1
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulador. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 6, 7.
2
Idem. p. 21, 22.

8
administração e promoção do esporte a normas de diversas naturezas, enquadrando-se cada situação
a princípios e regras do Direito do Trabalho, Comercial, Administrativo ou Civil, conforme a ênfase
que o caso concreto demandar.
Neste sentido é a afirmação de importantes autores norte-americanos:

Ainda assim, o termo “direito desportivo” é de alguma forma enganoso. Na


realidade, direito desportivo não é nada mais ou menos do que o Direito
aplicado à indústria desportiva. Um conhecimento básico de contratos,
relações trabalhistas e defesa da concorrência é pré-requisito necessário para
o desenvolvimento e qualquer experiência significativa nesta área.
Adicionalmente, uma familiaridade elementar com responsabilidade civil,
direito penal, processo civil, direito administrativo, direito constitucional,
direito comercial, títulos mobiliários, tributos, salários, planejamento
imobiliário, propriedade intelectual e outras subdisciplinas relacionadas
aumentará a capacitação de qualquer um para representar atletas, ligas,
clubes, proprietários de times, patrocinadores, companhias de televisão e
outros clientes do esporte, assim como absorver algo dos assuntos mais
esotéricos que surgem na arena do direito desportivo. 3

Como se vê, mesmo autores de uma obra denominada Sports Law (Direito Desportivo)
questionam a autonomia do ramo objeto dos seus estudos, apontando a sujeição das relações
socioeconômicas próprias das atividades esportivas a diferentes princípios, próprios de disciplinas
específicas do Direito em geral.
Essa perplexidade quanto à posição e à própria existência autônoma do Direito Desportivo se
reflete na feliz expressão de Martinho Neves Miranda, quando identifica a disciplina como “um
direito em verdadeira competição”. 4 De fato, o autor carioca cria uma precisa síntese para demonstrar
como a regulação propriamente desportiva, emanada das entidades de administração do esporte,
submete-se a diretrizes próprias do Direito Privado; enquanto a crescente relevância socioeconômica
de tal atividade acaba atraindo a intervenção do Estado e, por conseguinte, o influxo de normas de
Direito Público no conjunto normativo que rege o funcionamento de tal indústria. 5
Talvez seja essa singular duplicidade de regimes simultaneamente incidentes sobre a mesma
atividade um primeiro sinal de que, se não é uma disciplina autônoma plenamente consolidada no
quadro da ciência jurídica, o Direito Desportivo está desenvolvendo-se solidamente nesse sentido,
como bem assinala Jack Anderson:

3
COZZILLIO, Michael J. et al. Sports law: cases and materials. Durham: Carolina Academic Press, 2007, p. 5. Tradução livre.
4
MIRANDA, Martinho Neves. O direito no desporto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 129.
5
Idem. p. 129-136.

9
Em resumo, embora este livro use o termo descritivo direito desportivo,
isto não significa que o direito desportivo seja, ao menos ainda, digno de
ser descrito como um distinto e autônomo ramo do Direito. Esta pode ser
uma abordagem relativamente conservadora, mas pode se sustentar no
argumento de que a afirmação de um direito desportivo puro não estará
consolidada até o momento em que tribunais ou o legislativo ajustem
princípios jurídicos à natureza esportiva do tema tratado. Todavia, as
indicações são de que o direito desportivo está se movendo rapidamente
em tal direção. 6

Talvez três dos aspectos tratados neste módulo possam ser os traços distintos desse novo ramo
da ciência jurídica: a autorregulação jurídica do esporte; a especificidade das suas relações,
demandando a modulação de regras gerais às singularidades das disputas esportivas e das relações
estabelecidas entre atletas, entidades e público em geral; e, finalmente, a sua vocação transnacional,
que faz o esporte ser sempre indicado como um dos teatros em que se constitui uma ordem jurídica
além do Estado.7
Seja à luz de uma abordagem mais conservadora, seja avançando na autoafirmação de uma
nova disciplina jurídica, verifica-se que o Direito Desportivo se constitui em objeto cada vez mais
relevante de estudo, como bem resume Mark James:

“Esporte e Direito”, 8 é mais propriamente a simples aplicação de direito


nacional ou da União Europeia a um litígio esportivo. Tal expressão não
leva especificamente em consideração qualquer detalhe da natureza
especial do esporte, somente se o Direito é um foro apropriado para
resolver aquele determinado litígio.

“Direito Desportivo” tenta prover uma explicação distinta das razões pelas
quais o Esporte, como um grupo de atividades relacionadas entre si, é, e
deveria continuar a ser, tratado de forma diferente pelo Direito; é o
desenvolvimento de uma teoria que junta precedentes baseados em
distintos princípios jurídicos num objeto de estudo singular e coerente. 9

6
ANDERSON, Jack. Modern sports law. Oxford: Hart Publishing, 2010, p. 24. Tradução livre.
7
Expressão emprestada da obra de referência no tema do chamado Transadministrativismo: CASSESE, Sabino. Oltre lo
stato. Roma/Bari: Laterza, 2006.
8
Ou Direito no Desporto, como sugerido pelo próprio título da obra de Martinho Neves Miranda, op. cit.
9
JAMES, Mark. Sports law. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2013, p. 21. Tradução livre.

10
Autorregulação e especificidade do esporte
A autorregulação esportiva é, como induz a própria expressão, a característica que o esporte tem
de editar, de forma autônoma, as normas que regem o funcionamento das suas instituições e atividades.
Tal capacidade tem relação direta com a própria natureza das atividades atléticas: as diversas
modalidades esportivas surgem, normalmente, das interações sociais e das necessidades de
desenvolvimento físico identificadas em determinada comunidade. Não à toa, são radicalmente
distintas as formas pelas quais as disputas físicas ou demonstrações de habilidade individual, comuns
a toda e qualquer sociedade, expressam-se de acordo com a localização geográfica.
Da ritualística das artes marciais orientais, passando pelas demonstrações de força de
tradicionais competições gaélicas e chegando à quase mística interação com o ambiente marinho
percebida em tradicionais esportes polinésios, constata-se que o esporte tem, na sua origem, a
consolidação de manifestações geradas no seio de cada comunidade e de tradições cultivadas, muitas
vezes, ao longo de séculos.
A noção de que o esporte é um bem comunitário, desenvolvido à margem da intervenção
estatal e constituído como um meio de integração dos integrantes de determinado grupo social, cria
um ambiente propício ao seu regramento autônomo, uma vez que, tratando-se de atividade gerada
e desenvolvida em tais condições, cujos “guardiões” são os seus próprios praticantes, nada mais
natural que a deferência do aparato estatal em relação à ascendência que os “mestres” daquela
atividade exercem sobre os seus praticantes.
A apreciação de tal fenômeno pode ser feita no esporte nacional, o futebol, assim analisado
por Roberto da Matta:

Vale também observe que, dentre essas instituições, o futebol é decididamente


a mais moderna e a que chegou ao Brasil por meio de um bem documentado
processo de difusão cultural. Tanto que não seria exagero dizer que o futebol
ajudou a consolidar a vida esportiva nacional, que por meio dele popularizou-
se, abrindo as portas da sociedade a uma série de atividades autorreferidas,
marcadas por disputas igualitárias apaixonantes […].10

Sob o ponto de vista jurídico, o fenômeno da autonomia desportiva pode mais uma vez ser
objeto de referência à doutrina da Martinho Neves Miranda:

Essa liberdade de prática do desporto pode se dar de forma individual ou


coletiva. A primeira ocorre quando cada indivíduo, per se, busca o desporto
como instrumento de satisfação pessoal, sem criar vínculo jurídico com
outras pessoas para o desempenho dessa atividade.

10
MATTA, Roberto da. A bola corre mais que os homens. Rio de Janeiro: Rocco, 2006, p. 136.

11
A liberdade de prática coletiva do desporto opera-se quando os indivíduos
se agrupam para exercerem a atividade de acordo com os critérios
estabelecidos pelos componentes do grupo.

A composição desses interesses ocorre naturalmente pela criação das


associações desportivas, as quais, a exemplo das demais espécies de
associação, exigem do Estado uma postura que permita que as pessoas se
unam de forma a atingirem esse objetivo comum. 11

Nesse sentido, a liberdade em tese desfrutada por tais entidades, associada à enorme
capacidade de adesão gerada pela prática do esporte, gerou um aparato institucional desenvolvido
em paralelo aos organismos estatais, criando, desenvolvendo e protegendo regras que permitissem
a disputa igualitária de que trata Roberto da Matta no excerto transcrito acima.
Com efeito, muito da capacidade de autorregulação do esporte decorre, mais do que da
necessidade, da vontade dos diversos grupos sociais de medir as suas capacidades em disputas com
representantes de outras comunidades. Para tanto, as condições de tais embates deveriam ser
uniformemente estabelecidas para todos os seus praticantes, independentemente da sua origem.
A adesão voluntária a um conjunto uniforme de regras e a renúncia, igualmente voluntária,
ao poder de alterar tais regras em favor de uma entidade comum, autônoma em relação aos
parâmetros de institucionalização de determinado grupo social, consolidaram a autonomia
desportiva consagrada internacionalmente.
Não à toa, tal preceito é disposição fundamental, por exemplo, da Carta Olímpica, editada
pelo Comitê Olímpico Internacional (COI):

Princípios Fundamentais do Olimpismo [...] 5. Reconhecendo que o


Esporte ocorre no âmbito da sociedade, organizações desportivas
integrantes do Movimento Olímpico terão os direitos e obrigações de
autonomia, que incluem liberdade de estabelecimento e controle das regras
do Esporte, determinando a estrutura e a governança de suas organizações,
desfrutando do direito a eleições livres de qualquer influência externa e
com responsabilidade por assegurar que os princípios de boa governança
sejam aplicados. 12

11
Op. cit. p. 93.
12
Disponível em: <https://stillmed.olympic.org/media/Document%20Library/OlympicOrg/General/EN-Olympic-
Charter.pdf#_ga=1.214614551.1205387379.1489327155>. Acesso em: 12 mar. 2017.

12
A questão da autorregulação do esporte encontra especial ressonância na Europa, onde o contínuo
debate entre autoridades da União Europeia e dirigentes esportivos – lembre-se de que grande parte das
federações internacionais de diversas modalidades desportivas tem sede no Velho Continente – traduz
perfeitamente as tensões derivadas, de um lado, da relevância do esporte para aquele bloco continental,
e, de outro, da chamada “especificidade” do esporte invocada pelos cartolas.13
A relevância do esporte foi oficialmente sublinhada pela Declaração de Amsterdã, em outubro
de 1997, como citado por Brian Kennelly e Tom Richards:

A Conferência enfatiza o significado social do esporte, em particular seu


papel na formação da identidade na congregação dos povos. A
Conferência, desta forma, convoca os órgãos da União Europeia a ouvir as
associações esportivas quando importantes questões que afetem o esporte
estejam em discussão. Neste contexto, especial consideração deverá ser
dada às características particulares do esporte amador. 14

Naquela declaração, um órgão europeu reconhece a relevância social do esporte e, ao mesmo


tempo, faz referência a uma “especificidade do esporte”, conceito que, a partir de então, passou a
ser de uso corrente no debate europeu sobre os limites da autorregulação desportiva, sempre
designando as especiais características e dinâmicas das atividades atléticas organizadas, 15 as quais
impediriam a plena incidência de normas gerais de Direito, sob pena de descaracterização do esporte
ou inviabilização da sua prática.
Entretanto, é impressionante constatar que entidades de administração do desporto alegam
ser isentas de regulação estatal, mas buscam incessantemente a edição de normas específicas que
protejam as suas propriedades intelectuais e os seus direitos como organizadores ou proprietários de
direitos relativos aos eventos por elas promovidos ou chancelados.
Ao mesmo tempo, e em igual contradição, autoridades europeias, por meio dos seus três
poderes, declaram respeito à autonomia das organizações desportivas, mas tendem frequentemente
a admitir discussões legais ou questionamentos judiciais sobre questões técnicas, científicas ou
disciplinares derivadas do meio esportivo.

13
Tratando-se de um curso de Direito Desportivo, deve-se atentar também para o jargão específico que nasce no público
em geral. A expressão cartola é, no Brasil, uma designação quase sempre pejorativa dos dirigentes esportivos, muito
provavelmente em um exercício de metonímia, em que a pessoa é substituída por peça do vestuário, designando a
origem aristocrática habitualmente atribuída aos representantes das entidades de prática – clubes e associações – e de
administração desportiva – federações e confederações.
14
KENNELLY, Brian; RICHARDS, Tom. European union sports policy. LEWIS, Adam Q. C.; TAYLOR, Jonathan. Sport: law and
practice. West Sussex: Bloosmbury, 2014, p. 1099. Tradução livre.
15
GRAY, Andy. The sport regulatory regime and sports rights. Londres: Informa Professional Academy, 2014, p. 36.

13
Adicionalmente, é curioso perceber a proliferação de precedentes aplicando o Direito
Concorrencial europeu a litígios relacionados ao esporte e, ao mesmo tempo, perceber que um
documento oficial da União Europeia, o chamado White Paper on Sport, de 2007, 16 reconhece
expressamente um monopólio para cada entidade nacional de administração desportiva, na medida
em que declara a existência de um “princípio de uma só federação por esporte”. 17
Essas contradições recorrentes, de ambos os lados, devem-se certamente ao aspecto dúplice
apresentado pelo esporte, que é, ao mesmo tempo, uma atividade socialmente relevante e um
conjunto expressivo de empreendimentos econômicos. Compreender os limites entre essas “duas
faces” do esporte poderá permitir a discussão em termos mais objetivos, no que tange aos
fundamentos da necessária intervenção estatal e ao espaço de autorregulação desportiva.
Quando da edição do Tratado de Amsterdã, a “especificidade do esporte” já vinha sendo
debatida por décadas. Com efeito, o supramencionado conceito foi pela primeira vez objeto de
deliberação do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em meados da década de 1970, em
dois casos paradigmáticos.
Um deles declarou expressamente que o esporte não era uma preocupação dos signatários do
Tratado de Roma, como se lê no parecer do Advogado-Geral Trabucchi no Caso C-13/76, Donà
vs. Mantero: 18

Suponha-se que um indivíduo qualquer, ao tempo da assinatura do


Tratado da Comunidade Econômica Europeia (CEE), ou, para estes fins,
quando da assinatura do Tratado de Acessão, perguntasse àqueles
sentados à mesa se eles pretendiam que os artigos 48 e 59 deveriam
estabelecer uma exigência que, em determinado esporte, uma seleção
nacional deveria consistir somente de nacionais do país representado. O
senso comum dita que os signatários, com suas canetas posicionadas,
teriam todos respondido impacientemente: “claro que não” – e talvez
teriam acrescentado que, em sua opinião, a resposta era tão óbvia que, na
verdade, sequer precisaria ser explicitada. 19

16
COM (2007) 391, 11 de julho 2007. Tradução livre.
17
KENNELY, Brian; RICHARDS, Tom. op. cit. p. 1094. Tradução livre.
18
No caso em questão, a discussão girava em torno de regra da Federação Italiana de Futebol, que só permitia jogadores
filiados à mesma entidade participarem de jogos profissionais ou semiprofissionais. A ação judicial buscava impugnar tal
restrição com base nas liberdades profissionais consagradas nas normas da Comunidade Econômica Europeia (Apud
ANDERSON, Jack. op. cit. p. 323).
19
ECR [1976] ECR 1333. Tradução livre.

14
Analisando esse mesmo período e referindo-se ao mesmo julgamento, leia-se o comentário
de Simon Gardiner et al.:

A União Europeia (então Comunidade Econômica Europeia) não tinha


qualquer competência específica no campo esportivo quando de sua
constituição pelo Tratado de Roma, em 1957. Pela maior parte das duas
primeiras décadas de sua existência, este foi o caso; há poucas evidências
de qualquer relação entre esporte e a CEE ou, efetivamente, qualquer
intenção de envolvimento significativo por parte das instituições. 20

Dessa forma, o precedente citado acima poderia conduzir no sentido de haver alguma espécie
de isenção do esporte em relação à incidência do Direito Europeu. Entretanto, tal impressão não
durou, já que o Caso Walrave 21 mudou a percepção sobre a relação entre esporte e regulação
econômica. Os fatos subjacentes à lide são bem relatados por Simon Gardiner et al.:

Consideração inicial sobre a aplicabilidade do Direito Comunitário surgiu


no contexto de um litígio referente a uma alteração de regra da União
Internacional de Ciclismo (UCI), pela qual membros da comissão técnica
de uma equipe competindo no campeonato mundial deveriam ser da
mesma nacionalidade. Os autores deste processo, cidadãos holandeses,
ofereceram seus serviços remunerados para atuar apoiando as equipes a
bordo de motocicletas. Tais serviços eram prestados sob contratos firmados
com os ciclistas, as associações ou com os patrocinadores. Os autores
alegaram que a regra relativa à nacionalidade era incompatível com o
Tratado da CEE, na medida em que impedia que o membro de comissão
técnica, sendo cidadão de um Estado-Membro, oferecesse seus serviços a
um cidadão de outro Estado-Membro.22

A decisão foi favorável aos autores, pois o TJUE entendeu que a regra não era de natureza
puramente esportiva, afetando interesses econômicos das partes, excetuando, todavia, as questões
relativas à efetiva formação da seleção nacional: “8) Esta proibição, todavia, não afeta a composição
das equipes esportivas, particularmente seleções nacionais, cuja formação é uma questão puramente
esportiva, e, assim sendo, em nada se relaciona com atividade econômica”. 23

20
GARDINER, Simon et al. Sports law. Londres: Routledge, 2012, p. 393. Tradução livre.
21
Walrave and Koch vs. Union Cycliste Internationale, Case C-36/74 [1974] ECR 1405. Tradução livre.
22
GARDINER, Simon. op. cit. p. 394. Tradução livre.
23
Walrave and Koch vs. Union Cycliste Internationale, Case C-36/74 [1974] ECR 1405. Tradução livre.

15
Em outras palavras, a contratação de prestadores de serviços relacionados à atividade esportiva era
uma atividade econômica sujeita aos ditames dos tratados que regiam a CEE, enquanto que a
composição da seleção nacional, tratando-se de atividade de interesse exclusivamente esportivo, fugia à
incidência das mesmas normas. À luz de tal decisão, ainda que o TJUE tenha reconhecido que havia
regras esportivas fora do alcance do Direito Europeu, algumas normas editadas no âmbito da
administração esportiva poderiam ter impacto econômico, sujeitando-se, portanto, ao escrutínio das
autoridades comunitárias.
O empuxo para uma maior incidência do Direito Europeu sobre questões esportivas foi dado
pelo Caso Bosman,24 na medida em que este teve um impacto relevante no sistema de transferência de
jogadores de futebol, mudando a forma como a indústria relacionada à modalidade esportiva mais
importante da Europa funcionava. 25
O caso é assim descrito por Jack Anderson:

no verão de 1990 […] o cidadão belga Jean-Marc Bosman buscou, ao fim de


seu contrato com um clube belga, transferir-se para o clube francês US
Dunkerque. Devido a dúvidas relativas à capacidade de pagamento deste
último clube, o certificado de registro do atleta foi retido pelas autoridades
belgas de futebol. Dado o funcionamento do sistema de transferências de
então, isto significava que a situação profissional de Bosman, assim como sua
carreira futura e a própria capacidade de sustento ficaram à mercê do FC
Liège. 26 Muito embora Bosman tenha obtido várias tutelas cautelares que lhe
permitiram seguir sendo remunerado e poder negociar com outros clubes
interessados, tornou-se claro que sua busca por um novo empregador seria
infrutífera, porque ele passou a ser informalmente boicotado por todos os
principais clubes europeus, por causa de sua iniciativa em questionar
judicialmente o comportamento de seu clube de origem. Reagindo a tal
boicote, Bosman levou sua demanda para um nível maior, passando a
questionar a validade de todo o sistema de transferências e as regras que
limitavam a presença de jogadores estrangeiros então em vigor no futebol
europeu, suscitando o pronunciamento do TJUE sobre o tema.27

24
Union Royale Belge de Sociétés de Football vs. Jean Marc Bosman (C-415/93) [1995] ECR I-4921. Tradução livre.
25
JAMES, Mark. op. cit. p. 267-273.
26
O clube belga com quem Bosman tinha contrato até então.
27
Op. cit. p. 326.

16
Dada a decisão do Caso Bosman em 1995, a Declaração de Amsterdã veio à luz dois anos depois
e foi seguida pelas conclusões da Presidência do Conselho Europeu em dezembro de 1998, convidando
a “Comissão […] a [salvaguardar] as atuais estruturas esportivas e manter a função social do esporte
dentro do quadro de trabalho comunitário”.28
Como se vê, ao mesmo tempo que ressalta a importância social do esporte, uma autoridade
europeia advoga pela perpetuação do seu modelo tradicional de governança.
O mesmo Conselho Europeu emitiu a Declaração de Nice, em dezembro de 2000,
declarando que:

1. […] organizações esportivas e os Estados-Membros têm uma


responsabilidade primária na condução de assuntos esportivos. Apesar de
não ter poderes diretos nesta área, a Comunidade deve, na sua atuação
pautada nas diversas disposições do Tratado, levar em conta as funções
social, educacional e cultural inerentes ao esporte e torná-lo especial, de
modo a que o código de ética e a solidariedade essencial à preservação de
seu papel social sejam respeitadas e cultivadas.
2. O Conselho Europeu espera, em particular, que sejam preservados a
coesão e os laços de solidariedade que unem a prática de esporte em todos
os níveis, assim como a competição leal, os interesses morais e materiais e
a integridade física de todos os envolvidos com a prática do esporte,
especialmente menores de idade. 29

O referido instrumento buscou disciplinar o esporte amador, o papel das federações


esportivas, a preservação de políticas de treinamento, a proteção de jovens e mulheres atletas e os
aspectos econômicos do esporte.30
O ápice de tal processo foi o já citado White Paper, em julho de 2007 e, finalmente, a
introdução expressa do esporte no texto do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(TFUE), no seu art. 165:

1. […] A União contribuirá para a promoção das questões esportivas


europeias, levando em conta a natureza específica do esporte, suas estruturas
baseadas em atividade voluntária e suas funções social e educacional.
2. A ação da União buscará: [...] o desenvolvimento da dimensão europeia
do esporte, promovendo equidade e abertura nas competições esportivas e

28
KENNELLY, Brian; RICHARDS, Tom. op. cit. p. 1099.
29
Idem. p. 1101.
30
Idem. p. 1101, 1102.

17
cooperação entre os organismos responsáveis pelo esporte, assim como
protegendo a integridade moral e física de homens e mulheres atletas,
especialmente aqueles jovens.
3. A União e os Estados-Membros promoverão cooperação com terceiros
países e as competentes organizações internacionais no campo da educação
e do esporte, em particular o Conselho da Europa. 31

Muito embora a inegável relevância da introdução de disposições específicas sobre o esporte no


TFUE, o White Paper “permanece a declaração mais substancial sobre políticas esportivas da União
Europeia até hoje”. 32 Nada obstante, é importante notar que o TFUE aborda questões esportivas
basicamente sob um ponto de vista social, não contemplando a sua importante dimensão econômica.
A esse propósito, o mesmo White Paper de 2007 vai um pouco mais além, ao descrever os
dois prismas de abordagem da chamada “especificidade do esporte”:

A especificidade das atividades esportivas e das regras esportivas, tais como


competições separadas para homens e mulheres, limitações ao número de
participantes em competições, ou a necessidade de garantir incerteza no
que diz respeito aos resultados e de preservar equilíbrio competitivo entre
os clubes participantes das mesmas competições; e

A especificidade da estrutura esportiva, inclusive a autonomia e a


diversidade das organizações desportivas, uma estrutura piramidal de
competições das divisões de base até o nível de elite, e mecanismos
organizados de solidariedade entre os diferentes níveis e operadores, a
organização do Esporte em bases nacionais e o princípio de uma única
federação por Esporte.33

Comparando os quadros normativos sobre o esporte na Europa e no Brasil, há algumas


similaridades que podem enriquecer a análise ora proposta. Como será visto em módulo mais
adiante, o esporte foi expressamente contemplado pela Constituição de 1988, no art. 217, prevendo
o dever do Estado em promover o esporte educacional em caráter prioritário. 34

31
UNIÃO EUROPEIA. Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, de 13 de dezembro de 2007. Disponível em:
<http://eur-lex.europa.eu>. Acesso em: 3 jan. 2015.
32
KENNELLY, Brian; RICHARDS, Tom. op. cit. p. 1094.
33
GRAY, Andy. op. cit. p. 37.
34
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 3 jan. 2015.

18
A regulamentação desse dever constitucional veio pela chamada Lei Pelé (Lei nº 9.615, de 24
de março de 1998), que no seu art. 3º classifica três diferentes manifestações esportivas: desporto
educacional (art. 3º, I), praticado em escolas de todos os níveis, buscando promover educação por
meio da prática esportiva; desporto de participação (art. 3º, II), livremente praticado em qualquer
ambiente social, de modo a promover integração comunitária e saúde individual; e esporte de
rendimento (art. 3º, III), orientado à obtenção de resultados competitivos.
Evidentemente, as duas primeiras categorias podem ser identificadas com o papel social do
esporte, um dos três temas propostos pelo White Paper, sendo os outros dois a dimensão econômica
do esporte e a organização do esporte.35 No Brasil, a subsidiariedade econômica imposta ao Estado
pela própria Constituição da República (art. 170) cria restrições à intervenção estatal no esporte –
também objeto de discussão em módulo mais adiante –, exigindo que o financiamento público ao
esporte tenha prioritariamente repercussão social.
Tal previsão constitucional apresenta alguma similaridade com a ênfase social claramente
contida no art. 165 do TFUE. A partir deste ponto, os precedentes judiciais mais importantes
relativos a questões esportivas podem ser analisados sob um novo prisma. Todos os casos que
suscitam um debate sobre os limites da intervenção da União Europeia no esporte se relacionam
àquilo que é, na legislação brasileira, esporte de rendimento, ou seja, o tipo de atividade esportiva
tendente a ser explorada economicamente.
Os Casos Walrave e Bosman se referiam à liberdade fundamental de exercício profissional
por parte dos cidadãos europeus. O fato de os autores, nesses casos, terem atividades profissionais
relacionadas com o esporte era mera circunstância. As regras questionadas eram formalmente
editadas por reguladores esportivos, mas eram substancialmente econômicas.
Outro precedente importante é o chamado Caso Motoe.36 A hipótese ali versada é assim
resumida na obra coletiva liderada por Simon Gardiner:

O caso Motoe se referia ao poder da Ellinikí Laschki Autokinitoy kai


Periigíseon (Elpa) como o órgão indicado pela legislação grega como
representativo da Federação Internacional de Motociclismo (FIM), de
autorizar competições esportivas envolvendo motocicletas e similares.
Organizadores de potenciais eventos tinham que apresentar pedidos de
autorização a um comitê da Elpa, fornecendo detalhes do local ou rota de
competição, as medidas de segurança e outras condições de operação do
evento. O evento não poderia conflitar com eventos pré-agendados. Por
conseguinte, a Elpa tinha o direito de veto relativo a todas as competições
no território da Grécia.

35
KENNELLY, Brian; RICHARDS, Tom. op. cit. p. 1103. Tradução livre.
36
Motosykletistiki Omospondia Ellados Npid vs. Elliniko Dimosio [2008] 5 C.M.L.R. 11.

19
Adicionalmente, os organizadores de eventos tinham que ter seus
patrocinadores aprovados pelo referido comitê e os participantes não
podiam ser obrigados a consentir com as regras de propaganda e
publicidade sem a intervenção da Elpa ou do mencionado comitê. Tal
situação suscitou o questionamento que a Elpa tinha uma vantagem
potencial na organização de tais eventos, nos casos em que a entidade
atuasse com fins comerciais, por conta do seu monopólio regulatório sobre
a aprovação e fiscalização dos mesmos eventos.

Motosykleistiki Omospondia Ellados Npid (Motoe) apresentou um


pedido de licença, mas depois de não obter, por meses a fio, qualquer
decisão, Motoe ajuizou ação na Grécia, questionando a recusa implícita da
Elpa à emissão de autorização. Seus fundamentos eram a combinação de
funções regulatórias e comerciais atribuídas à Elpa, o que lhe conferia uma
posição monopolista propícia a abusos contrários às disposições
concorrenciais da União Europeia. 37

Vê-se que a questão era de evidente natureza concorrencial, já que a federação de


motociclismo da Grécia detinha poder regulatório que lhe conferia uma posição dominante em um
mercado relevante. Novamente, o litígio era referente a um esporte de rendimento, com aspectos
econômicos no centro da demanda.
É interessante perceber que, em dois dos três casos mencionados acima, a chamada
“especificidade do esporte” foi desconsiderada pelo próprio regulador esportivo. No Caso Walrave,
a vedação de membros estrangeiros na comissão técnica era contrária à tradicional prática de
contratar técnicos e outros profissionais estrangeiros para treinar e aperfeiçoar o desempenho de
atletas nacionais, uma solução disseminada em todo o mundo para o desenvolvimento de
competidores efetivos em países sem tradição esportiva em determinada modalidade.
No Caso Motoe, a especificidade relacionada ao próprio monopólio outorgado pelo sistema
piramidal de governança esportiva prevalente na Europa, cuja existência é alegada como necessária para
promover o desenvolvimento do esporte nos respectivos territórios nacionais, foi usada para reduzir o
número de eventos de motociclismo na Grécia, na medida em que a federação nacional deliberadamente
se omitia na decisão sobre o pedido de registro do organizador de uma nova competição.

37
GARINDER, Simon et al. op. cit. p. 399, 400.

20
O novo movimento no debate sobre autorregulação e especificidade do esporte é o Caso
Meca-Medina. Eis o sumário dos seus fatos:

O caso se referia à impugnação feita por dois nadadores de longa distância


profissionais em cujas amostras de exame antidoping, colhidas depois de
uma competição internacional no Brasil em 1999, foram identificados
níveis proibidos de nandrolone, uma substância de incremento de
performance proscrita. A entidade de administração mundial da Natação,
FINA, de forma consistente com o que determina a diretriz do Comitê
Olímpico Internacional, impôs uma suspensão de quarto anos aos
nadadores, que foi posteriormente reduzida pelo CAS. 38 Os autores da
ação judicial [os nadadores] argumentaram, ao longo do processo, que o
limite estabelecido segundo o critério de teste não era suficientemente
sensível para identificar o que seria a produção endógena de nandrolone
no organismo (alegavam que sua presença poderia ser explicada pela
ingestão de carne de javali) e que, por tal razão, o referido limite poderia
levar à condenação de um inocente ou de atletas meramente negligentes.
Baseados em tais argumentos, os nadadores em questão impugnaram,
entre outros tópicos, a compatibilidade das regras antidoping com seu
esporte, já que a responsabilidade integral que lhes era imposta por tal
sistema disciplinar infringia seus direitos como atletas profissionais, à luz
dos artigos 101 e 102 do TFUE. 39

Muito embora a decisão tenha, ao final, mantido a medida disciplinar imposta aos atletas
envolvidos, o precedente afirmou, no § 27 da sua fundamentação, que “é aparente que o simples
fato de que uma regra seja de natureza puramente esportiva não tem o efeito de excluí-la do alcance
do Tratado”. 40 A decisão foi duramente criticada, porque o TJUE teria admitido o recurso contra
o Tribunal de Primeira Instância sob “argumentos extremamente genéricos”, 41 levantando questões
que já se entendiam superadas: “1. Em que hipóteses uma atividade esportiva ‘se submete aos
ditames do Tratado’? e 2. Qual é a condição para ‘envolver-se’ (em uma atividade submetida aos
ditames do Tratado)?”. 42

38
Court of Arbitration for Sports, ou, na sua tradução em português, Tribunal Arbitral do Esporte.
39
ANDERSON, Jack. op. cit. p. 348.
40
Idem.
41
INFANTINO, Gianni. Meca-Medina: a step backwards for the European sports model and the specificity of sport? Sports
Law Administration and Practice, v. 13, p. 3, 2006. Tradução livre.
42
Idem.

21
Como os fundamentos da ação movida pelos autores se referiam a ditames do Direito
Concorrencial Europeu, as preocupações acima eram efetivamente justificáveis, já que praticamente
qualquer medida disciplinar teria um impacto econômico nos interesses de um atleta ou de um clube.
Porém, a questão pode ser apreciada de um modo diferente, restringindo o eventual
escrutínio judicial a deveres de natureza procedimental. Na medida em que poderes regulatórios
esportivos podem afetar interesses econômicos ou profissionais de atletas ou clubes, um
desenvolvimento mais consistente da Teoria dos Efeitos Horizontais dos Direitos Fundamentais,
pela qual particulares devem agir de acordo com o devido processo legal quando no exercício de
funções regulatórias ou disciplinares, pode ser uma alternativa para assegurar as liberdades
econômicas outorgadas aos atletas e clubes europeus e, ao mesmo tempo, limitar um controle
excessivamente genérico por parte do Direito Concorrencial Europeu sobre normas regulatórias e
disciplinares de natureza esportiva.
Todas as objeções contra a intervenção europeia são esquecidas, no entanto, quando a questão
é a proteção legal dos direitos dos organizadores de eventos esportivos. As preocupações geradas
pelo voto do Juiz Laddie no Caso Arsenal Football Club PLC vs. Reed – posteriormente reformado
pelo TJUE –, 43 no qual o clube inglês não obteve tutela judicial que protegesse as suas marcas do
uso indevido por um comerciante cuja mercadoria ostentava sinais idênticos ou similares àqueles
do Arsenal, são um dos pontos de partida para uma onda de reivindicações relativas à harmonização
de regras sobre propriedade intelectual 44 e à edição de normas específicas sobre eventos esportivos. 45
Como demonstrado, a presença estatal na Europa não é sempre indesejável. Intervenção
pública para estabelecer termos objetivos de proteção jurídica de eventos esportivos seria bem-vinda.
Um bom exemplo de um ponto de conciliação entre as duas posições opostas é o trabalho da
Comissão Europeia no monitoramento de incentivos estatais ao esporte. Todos os principais casos
noticiados apontam para a admissão da intervenção estatal quando houver aspectos sociais
envolvidos no subsídio financeiro ou nas isenções fiscais concedidas por estados-membros ou
governos regionais para projetos esportivos – instalações esportivas, estádios ou arenas multiuso –,
embora haja graves questionamentos relativos ao financiamento de clubes de futebol profissional. 46
Portanto, sem prejuízo do retorno ao tema da intervenção estatal no esporte, a ser feito mais
adiante neste curso, o que se percebe é que a autorregulação e a especificidade do esporte são duas
faces de uma mesma moeda. As peculiaridades da prática esportiva justificam a adoção de modelos
distintos de regulamentação legal, mitigando a incidência de normas que em geral disciplinam a
defesa da concorrência, a integridade pessoal e a própria liberdade profissional. A especialização dos

43
Arsenal Football Club PLC vs. Reed [2003] 3 W.L.R. 450.
44
COUCHMAN, Nic. Sports merchandising: paradise lost, and regained? Sports Law Administration and Practice. v. 9, p. 1-3,
2002.
45
BAILEY, Darren. Sports’ organisers rights: where next? Sports Law Administration and Practice. v. 21, p. 4-11, 2014.
46
KEANE, Benoît. Serious competition? State aid and sport. Sports Law Administration and Practice. v. 12, p. 1-5, 2014.

22
seus órgãos de governança e a sua natural propensão ao transnacionalismo, gerando uma
necessidade de uniformização das suas regras em todo o planeta, induz a um grau ímpar de
autonomia institucional para as organizações desportivas.
Todavia, tais singularidades não podem deixar o esporte à margem do quadro de direitos
fundamentais nacional e internacionalmente reconhecidos, nem ser justificativa para práticas
deletérias que foram amplamente noticiadas ao longo dos anos. Ainda é uma busca em curso a
criação de um justo equilíbrio que preserve a autonomia do esporte dos desejos de
instrumentalização secreta ou ostensivamente nutridos por governos de diversos matizes
ideológicos, mas ao mesmo tempo insira a prática e, principalmente, a gestão esportiva em um
cenário de respeito aos direitos individuais, sociais e econômicos.

Transnacionalismo esportivo
Soa uma obviedade dizer que, sendo um fenômeno social, o esporte também é afetado pelas
transformações de um mundo chamado pós-moderno, em que as certezas que sempre caracterizaram
diversas relações humanas são permanentemente postas em xeque, questionadas e relativizadas, na
medida em que ferramentas tecnológicas e novos arranjos socioeconômicos revelam a insuficiência
das diversas instituições que ditam – ou ditavam – as normas de regência de inúmeras atividades.
A evolução tecnológica, especialmente na área de comunicação e transportes, acabou por
reduzir distâncias não só físicas, mas sociais, disseminando valores já internacionalmente consolidados
a comunidades isoladas e, ao mesmo tempo, trazendo novas ideias que transformam tradições e
aceleram ainda mais o grau de inovação nos mais diversos setores da ação humana. Tudo isso foi, no
fim do século XX e início do século XXI, “empacotado” sob o genérico título de globalização,
expressão entendida como anátema por uns, e enaltecida como signo de uma nova era por outros.
Nesse sentido, a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto é de importante remissão,
dissecando tal fenômeno nas suas duas acepções:

Fenômeno relevante para as Ciências Sociais contemporâneas, a


globalização, para os efeitos deste ensaio, comporta duas linhas de
compreensão: como fato e como valor. Como fato, pode ser historicamente
considerada como uma dilatação de horizontes de interesses das sociedades
humanas, o que, afinal, não é um fenômeno novo, mas, ao contrário, muito
antigo, pois segue a lógica inexorável da expansão dos interesses e de sua
consequente inevitável instrumentação pelo poder. [...]

E, a este ponto, passa-se à segunda acepção da expressão globalização –


agora, enquanto valor –, remetendo à eriçada polêmica que a acompanha
na mídia e na linguagem coloquial, uma vez que, conforme os ângulos de

23
entendimento que o conceito possa comportar, ele compreenderá
diferentes conteúdos valorativos, podendo ser considerada ora como um
bem, ora como um mal; ora como um anátema, ora como uma esperança
para um mundo melhor.47

Tratando, portanto, a globalização como um fato, sem qualquer consideração valorativa sobre
os seus efeitos, impõe-se reconhecer a existência de interesses sociais e econômicos consolidados
pela referida “dilatação de horizontes” de que fala o autor citado acima. Nesse sentido, a expansão
vertiginosa da União Europeia talvez seja o maior exemplo da superação dos limites territoriais no
desenvolvimento de inúmeras atividades humanas.
Não só isso: os cada vez mais intensos movimentos migratórios, a potencialização do trabalho
remoto integrando sistemas de produção ao redor do mundo e a consolidação de uma audiência
global têm efeitos sobre a própria forma de se estabelecer norma jurídica. Tradicionalmente calcado
na ideia de territorialidade, o Direito passou a ter de lidar com relações que cada vez mais
extrapolavam os limites físicos de determinado Estado, o que, obviamente, esbarra na insegurança
quanto às normas que disciplinarão eventuais conflitos entre as partes envolvidas.
A necessidade de uniformização de condutas ao redor do globo, a fim de estabilizar os padrões
de comportamento de agentes que se relacionam para muito além do alcance dos estados nacionais
multiplicou os centros de poder, conferindo efetiva capacidade de produção de normas a entidades
privadas, baseadas nas noções de adesão e consensualidade, por exemplo, as entidades que regem a
aviação civil internacional e as que estabelecem os protocolos de funcionamento da rede mundial
de informática.
Nesse cenário, surge a ideia de um Direito Administrativo Global, que seria, mais uma vez
nas palavras de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, “o resultado do exercício normativo de todos e
quaisquer centros de poder capazes de administrar interesses de natureza coletiva”. 48
Ora, o esporte se insere como um singular fator de integração da chamada “aldeia global”.
Muito antes do aprofundamento do processo de globalização sucintamente referido acima, o
esporte já desempenhava um papel de promoção de congraçamento internacional. Não à toa, tanto
o COI, quanto a Fédération Internationale de Football Association (Fifa), para ficar nas duas
entidades de administração desportiva de maior destaque, precedem em muitos anos a própria
Organização das Nações Unidas (ONU), sendo já chavão mencionar que tanto um quanto a outra
ostentam mais países filiados aos seus quadros do que esta última.

47
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O direito administrativo e o policentrismo de suas fontes: direito administrativo
global e ordenamento jurídico. Poder, Direito e Estado. Belo Horizonte: Fórum, p. 118, 119, 2011.
48
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao transadministrativismo. Novas Mutações Juspolíticas. Belo
Horizonte: Fórum, 2016. p. 332.

24
Em paralelo, o esporte também se favoreceu do processo de globalização, transformando a
sua inata vocação econômica em um negócio bilionário e tornando clubes que, por definição, são
agremiações que vocalizam interesses locais, em marcas globais, com projeção nos quatro cantos do
planeta. Nesse sentido, é interessante o testemunho de Ferrán Soriano, ex-vice-presidente do FC
Barcelona na gestão que liderou a guinada do clube catalão, sempre um dos grandes times
espanhóis, mas longe de ser a incontestável potência esportiva e econômica que é hoje:

Não há dúvida de que o futebol é um produto de alcance mundial. Os


jogadores se transformaram em ícones globais. Se o leitor já viajou a outros
países, sabe que é comum encontrar torcedores do Barcelona que não são
espanhóis. Nada disso pode nos surpreender. Os grandes jogadores e os
grandes clubes estão se convertendo em marcas globais.

Tomemos um dado bastante desconhecido, mas muito significativo, que


explica e anuncia para onde se dirige o futebol: em média, só 23% da
audiência televisiva das partidas do Barcelona estão no estado espanhol; o
restante, 77% localiza-se no resto do mundo. Para exemplificar, 7 a cada
10 pessoas que assistem a uma partida do time estão assistindo ao jogo fora
da Espanha! Numa partida da Liga dos Campeões, o percentual de
espectadores espanhóis pode baixar a 10%. Igualmente impressionantes
são os dados de acesso à página www.fcbarcelona.com; de forma muito
destacada o idioma mais utilizado é o inglês. O produto que o Barça vende
já é um produto global. 49

Entretanto, para que o Barcelona possa medir forças com os seus adversários em um cenário
planetário, é importante que as regras do jogo sejam as mesmas, e uma autoridade única, que fixe
os padrões de funcionamento de uma determinada modalidade esportiva, é uma realidade já
estabelecida no contexto da administração desportiva.
Será visto mais adiante que, devendo várias modalidades esportivas o seu desenvolvimento à
prática e à organização disseminadas ao longo do século XX em território europeu, o modelo de
governança esportiva se consolidou segundo parâmetros de tal continente, vinculados ao já
mencionado sistema piramidal, em que as agremiações locais se filiam a organizações de nível regional;
que por sua vez se congregam em uma associação nacional, organizada com os seus pares de outros
países em confederações continentais, estando todos esses níveis vinculados a uma única entidade
internacional, que detém o poder sobre o regramento e a prática formal daquela modalidade.

49
SORIANO, Ferran. A bola não entra por acaso. São Paulo: Larousse, 2010, p. 62.

25
Esse monopólio de fato – e de direito, como assinalado acima, nas referências às normas
europeias sobre a atividade esportiva –, acaba por inserir a governança esportiva em um quadro de
transadministrativismo, definido pela doutrina como “a disciplina jurídica das relações assimétricas
de poder, que se institucionaliza consensualmente fora e além do Estado.” 50
É isso exatamente o que se vê no esporte: a adesão às entidades internacionais de
administração desportiva é voluntária, mas uma vez inserido em tal contexto associativo, há o
estabelecimento de uma relação de sujeição do atleta, do clube ou da federação às normas editadas
pela sua respectiva entidade internacional.
Tal circunstância, aliada à especificidade de que se falou acima, reforça a aspiração da
comunidade esportiva à autorregulação, compondo a tríade que distingue o Direito Desportivo –
ou Direito no esporte, como preferem alguns.
Nesse quadro, o Court of Arbitration for Sports (CAS) – Tribunal Arbitral do esporte – tem
desempenhado papel crucial no desenvolvimento do que pode vir a ser caracterizado como uma Lex
Sportiva, 51 similar, em âmbito desportivo, à conhecida Lex Mercatoria, conjunto de normas
consuetudinárias que compõem o Direito Comercial em âmbito internacional.
O CAS é fruto da visão prospectiva de Juan Antonio Samaranch, ex-presidente do COI, que
concebeu e fomentou a criação de uma “suprema corte do esporte” em 1983, pretendendo-se, já
naquela época, a criação de um órgão que dirimisse todos os conflitos relacionados ao esporte.52
Depois de 10 anos de funcionamento, o CAS submeteu-se a uma profunda reforma, de modo
a tornar-se mais independente do COI, especialmente após a advertência do Tribunal Federal da
Suíça, quando do julgamento do Caso Gundel. Eis o relato do episódio, feito por Jonathan Merritt:

em fevereiro de 1992, um cavaleiro, chamado Elmar Gundel, apresentou


um pedido de arbitragem ao CAS, baseado numa cláusula arbitral nos
estatutos da FEI, 53 no qual ele questionava uma decisão proferida pela
referida entidade. A decisão, tomada com base em alegação de doping,
desclassificou o cavaleiro, suspendendo-o e aplicando-lhe uma multa. A
decisão proferida pelo CAS em 15 de outubro de 1992 acolheu
parcialmente o seu pedido (a suspensão foi reduzida de três para um mês).
Insatisfeito, Gundel apresentou um recurso ao Tribunal Federal Suíço
(que funciona como a Suprema Corte Suíça). Ele impugnava a validade da
decisão, com base no argumento de que esta teria sido proferida por um

50
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao transadministrativismo. op. cit. p. 339.
51
FOSTER, Ken. Lex sportiva and lex ludica: the court of arbitration for sport’s jurisprudence. Entertainment and Sports Law
Journal, v. 3, p. 2, 2005.
52
MERRITT, Jonathan. Commercial aspects of sport. Londres: Informa Professional Academy, 2014. p. 59.
53
Federação Equestre Internacional.

26
tribunal que não preenchia os requisitos de imparcialidade e
independência necessários para caracterizar apropriadamente uma corte
arbitral. No seu julgamento de 15 de março de 1993, o Tribunal
reconheceu que o CAS como uma verdadeira corte arbitral. [...] Todavia,
neste julgamento, o Tribunal chamou atenção para os inúmeros vínculos
entre o CAS e o COI: o fato que o CAS era custeado quase que
exclusivamente pelo COI; o fato que o COI tinha competência para
modificar os estatutos do CAS; e o considerável poder detido pelo COI e
seu Presidente para indicar os membros do CAS. No entendimento do
Tribunal, tais vínculos seriam suficientemente sérios para questionar a
independência do CAS, e o COI fosse uma parte no processo. 54

A mais importante mudança da reforma de 1994 foi a criação do International Council of


Arbitration for Sport (Icas) – Conselho Internacional de Arbitragem no Esporte –, para assumir a
administração e o custeio do CAS. Além disso, criaram-se duas divisões no CAS, uma ordinária e
outra de apelações, para identificar claramente disputas de competências originárias do CAS e
aquelas de natureza recursal. 55
Nada obstante à crescente importância das decisões do CAS na formatação de práticas
jurídicas no esporte mundial, a pretensão de criar-se uma Lex Sportiva deve ser tomada com cautela,
como adverte Edward Grayson:

Como um título sonoro ou uma descrição sumária, não há fundamento


jurídico; uma vez que a common law e a equidade não cria qualquer
conceito de direito exclusivamente relacionado ao esporte. Cada área do
Direito aplicável ao esporte não se distingue de como ela se opera em
qualquer outra categoria social ou jurisprudencial […]. 56

Entretanto, para fins de compreensão do papel do CAS nesse contexto, a abordagem de Ken
Foster, já citado acima, identifica seis diferentes funções que poderiam ser associadas aos cinco
princípios de Direito Esportivo estabelecidos pelo próprio CAS. 57
O primeiro de tais princípios é o chamado Lex Ludica, que prevê a autonomia dos árbitros e
delegados “de campo”, excluindo as decisões proferidas durante as provas e partidas da possibilidade
de questionamento até mesmo perante o próprio CAS ou qualquer outro órgão arbitral

54
Op. cit. p. 60, 61.
55
Idem. p. 61.
56
Apud BLACKSHAW, Ian S. Mediation and arbitration. Amsterdam: THC Asser Press, 2009, p. 177.
57
Op. cit. p. 11-13.

27
desportivo,58 tal como foi decidido nos casos Mendy vs. Association Internationale de Boxing
Amateur (AIBA) 59 e Segura vs. International Amateur Athletic Federation (IAAF). 60 Este princípio
é associado à função de órgão autorregulador do CAS. Nesse aspecto, o CAS estabelece os limites
da efetiva especificidade do esporte, ditando que tipo de matérias não estarão sujeitas a
questionamento jurídico.
O segundo princípio se refere à boa governança, que exige clara e definida competência e
autoridade das entidades de administração desportiva para fazer valer as regras de cada modalidade, 61
exigindo de tais entidades razoabilidade, transparência, objetividade e boa-fé na edição e aplicação das
suas próprias regras; 62 assim como estabelecendo o CAS como intérprete final de qualquer
controvérsia acerca de tais regras. 63 A este princípio, Foster associa a função de ombudsman:

Lidando com o mérito de questionamentos individuais, por meio do


destaque de conceitos de justice e equidade, bem como pela insistência em
que as federações esportivas internacionais sigam modelos de boas práticas,
pode-se afirmar que o Tribunal Arbitral do Esporte está adotando um
modelo de resolução de conflitos próprio de um ombundsman. Tal modelo
tem uma ênfase especial nos direitos dos atletas e nas exigências de boa
governança das federações esportivas internacionais. 64

Justiça procedimental é o terceiro princípio, considerado como a “linha de argumentação


mais consistente na jurisprudência do Tribunal Arbitral do Esporte” 65 na medida em que se
relaciona com a “necessidade das federações esportivas respeitarem o devido processo legal”. 66 A
função associada a este princípio é o papel do CAS como instância final de revisão, assegurando
padrões procedimentais mínimos para atletas e organizações sujeitas à autoridade de entidades de
administração desportiva.

58
Idem. p. 3, 4.
59
CAS OG Atlanta 1996/006.
60
CAS OG Sydney 2000/13.
61
FOSTER, Ken. Op. cit. p. 5, 6.
62
Idem. p. 6.
63
Ibidem. p. 7.
64
Ibidem. p. 12.
65
Ibidem. p. 7, 8.
66
Idem.

28
O quarto princípio a ser analisado se refere à harmonização de parâmetros, “coletando” e
promovendo as melhores práticas entre as entidades de administração desportiva. 67 Duas funções
são associadas a este princípio: parajurisdicional e órgão do COI. Segundo Foster, a primeira função
é claramente ligada à intenção do CAS de tornar-se “a jurisdição exclusiva relativamente a disputas
esportivas internacionais”, 68 e se calca na “crescente ‘juridificação do CAS”. 69
Finalmente, justiça e tratamento equitativo combatem penalidades fixas, garantem
proporcionalidade nas regras e decisões das entidades de administração desportiva, assim como
asseguram as legítimas expectativas de atletas e organizações esportivas, 70 papéis associados à
arbitragem ordinariamente exercida pelo CAS.
Este conjunto de princípios legais estabelecido pela jurisprudência do CAS alcançou o efetivo
reconhecimento da comunidade jurídica, como bem assinala Jack Anderson:

Em 2003, a Corte Suprema Suíça reconheceu o CAS por ter gradualmente


conquistador a confiança do mundo esportivo, de tal forma que mereceu
o status de um dos principais pilares da administração do esporte
internacional. […] Existem ao menos duas razões para tal percepção da
continua influência do CAS: o objetivo da jurisdição do CAS, incluindo o
caráter final de suas decisões em questões cruciais para o esporte moderno,
tal como doping; e a consistência de sua abordagem dos princípios gerais
de Direito e das diretrizes comuns a todas as disputas relativas a questões
esportivas, o que pode, com o tempo, merecer o selo de lex sportiva. 71

O grande obstáculo à definitiva consagração do CAS no papel descrito acima é a circunstância


de que a maioria dos casos tratados pelo CAS e referidos pela doutrina jurídica se refere a doping,
sanções disciplinares e questionamentos a respeito de elegibilidade de atletas para competições
variadas. Poucos são os precedentes conhecidos relativamente a questões comerciais. Talvez esse
fato denote a preferência por outros métodos alternativos de solução de conflitos, mas também
pode revelar um dos problemas para o efetivo estabelecimento de uma Lex Sportiva: a falta de
publicidade das decisões do CAS. 72 Além de conter um processo de disseminação do teor das suas
deliberações, as restrições à publicidade das arbitragens que lhe são submetidas prejudicam o
estabelecimento de parâmetros de atuação futura para outros atletas e entidades desportivas.

67
Ibidem. p. 8, 9.
68
Ibidem. p. 11, 12.
69
Idem.
70
Idem. p. 10, 11.
71
Op. cit. p. 87, 88.
72
BLACKSHAW, Ian op. cit. p. 188.

29
Embora haja reconhecimento ao mérito da conduta do CAS, esta é uma recomendação
recorrente:

Em qualquer evento, a fim de garantir que as audiências nos Jogos sejam


processadas de forma ágil e conforme os princípios de Justiça Natural, os
autores concordam com Raber em alguns pontos, e aduziriam diversas
sugestões à Divisão Ad Hoc [do CAS], incluindo: 1) publicação das
decisões do CAS; […] 6) colaborar para que o processo recursal esteja
facilmente acessível aos atletas; e) estenógrafos; f) recursos de pesquisa
jurídica […]. 73

A necessidade de consistência é crucial para o desenvolvimento de parâmetros confiáveis, que


possam ser observados e considerados por gestores e entidades desportivas e atletas, a fim de que as
disputas comerciais também sejam submetidas – neste caso voluntariamente – ao CAS. Esse
objetivo está sendo conquistado com o tempo, já que o CAS raramente se afasta dos seus próprios
precedentes, muito embora o próprio Tribunal já tenha afirmado que não está vinculado a decisões
anteriores, tais precedentes têm ao menos força argumentativa nos julgamentos. 74
Enfim, apesar de a própria existência de uma Lex Sportiva ainda ser uma afirmação
controvertida, o CAS desempenhará um papel de liderança no seu desenvolvimento futuro.

Modelos europeu e norte-americano de governança


esportiva
Como já exposto acima, a necessidade de regras uniformes e a vocação inata para a disputa
em contextos territoriais cada vez mais amplos geraram a necessidade de centralização da governança
esportiva internacional. A ascendência da Europa no movimento de disseminação internacional do
esporte no fim do século XIX e início do século XX pode ser uma das explicações para a adoção de
um chamado modelo europeu de esporte, que organiza as diversas entidades de prática e de
administração desportivas em uma pirâmide, cujo ápice é a federação internacional de cada
modalidade e pode ser traduzida graficamente da seguinte forma aproximada:

73
NAIDOO, Urvasi; SARIN, Neal. Dispute resolution at games time. Fordham Intellectual Property. v. 12, p. 515, 2002.
74
BERSAGEL, Annie. Is there a stare decisis doctrine in the court of arbitration for sport? An analysis of published awards
for anti-doping disputes in track and field. Pepperdine Dispute Resolution Law Journal. v. 12, p. 204-206, 2012.

30
Figura 1 – Entidades de prática e de administração desportivas

Fonte: o autor.

Traduzindo tal pirâmide para a realidade do futebol, chegando ao nível nacional, a federação
internacional seria a amplamente conhecida Fifa; a confederação continental seria a Confederación
Sudamericana de Fútbol (Conmebol); e a federação nacional seria a Confederação Brasileira de
Futebol (CBF).
Analisando-se os três níveis subsequentes, constata-se que o Brasil apresenta uma peculiaridade
que não se vê em nível profissional em outros países de expressão na modalidade em tela.
Com efeito, o nível destacado para as federações estaduais ou regionais corresponde, no mais
das vezes, ao âmbito amador em outros países, não tendo qualquer relevância na organização de
competições profissionais. Na verdade, em praticamente todas as nações com histórico ou
desempenho relevante no plano internacional, os clubes profissionais acabam se organizando sob
ligas, que se situam no mesmo plano das federações nacionais e assumem a organização e a execução
dos campeonatos das principais divisões, enquanto as federações se concentram na regulação da
modalidade, na promoção das divisões de base e na gestão das seleções nacionais.
Tal espécie de estruturação da governança esportiva, que se reproduz de forma muito similar
em praticamente todas as modalidades, assegura às entidades de administração do esporte um
verdadeiro monopólio, já que nenhuma atividade é reconhecida como pertencente àquele esporte
fora da esfera de autoridade das referidas entidades. É neste sentido a redação do Estatuto da Fifa:

Artigo 11 – Admissão
1. Qualquer associação que seja responsável por organizar e supervisionar
o futebol em todas as suas formas no seu país pode se tornar membro.
Consequentemente, recomenda-se que todas as associações integrantes [da

31
Fifa] envolvam todos os agentes relevantes no futebol vinculado à sua
própria estrutura. Sob pena dos parágrafos 5 e 6 abaixo, somente uma
associação de cada país será reconhecida como membro. 75

Contempladas com o monopólio apontado acima, as federações internacionais submetem-se


ao reconhecimento do COI, como previsto no art. 25 da Carta Olímpica:

Artigo 25 – Reconhecimento de Federações Internacionais


De modo a desenvolver e promover o Movimento Olímpico, o COI pode
reconhecer como Federações Internacionais organizações não
governamentais internacionais que administrem um ou mais esportes em
nível mundial e que congreguem organizações que administrem tais
esportes no nível nacional.

Os estatutos, prática e atividades das Federações Internacionais dentro do


Movimento Olímpico deverão estar em conformidade com a Carta
Olímpica, incluindo já adoção e implementação do Código Mundial
Antidoping. Sujeita a estes termos, cada Federação Internacional mantém
sua independência e autonomia na administração do seu esporte. 76

Então, complementando o esquema gráfico destacado na Figura 1, eis o desenho institucional


do Movimento Olímpico, que congrega as federações internacionais situadas no topo da pirâmide
descrita anteriormente:

Figura 2 – Desenho institucional do Movimento Olímpico

Fonte: o autor.

75
Disponível em:
<http://resources.fifa.com/mm/document/affederation/generic/02/78/29/07/fifastatutsweben_neutral.pdf>.Acesso em:
26 mar. 2017.
76
Disponível em: <https://stillmed.olympic.org/Documents/olympic_charter_en.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2017.

32
Diversamente desse modelo, florescido na Europa e consolidado em todo o mundo, o modelo
norte-americano de governança e organização desportiva tem uma natureza marcadamente
comercial, em que ligas do mesmo esporte competem entre si, tendo uma existência paralela àquela
da entidade nacional reconhecida pelas federações internacionais e pelos comitês olímpicos
nacionais, muitas vezes desenvolvendo a sua modalidade sob regras diferentes daquelas consagradas
no resto do planeta.
O grande exemplo deste último aspecto é a National Basketball League, a famosa NBA, que
até hoje submete as suas disputas a regras diferentes da Fédération Internationale de Basketball
(Fiba), por exemplo, a localização da linha demarcatória dos arremessos de três pontos, colocada
mais distantes nas quadras dos jogos da NBA.
Aliás, a própria regra dos arremessos de três pontos vigorou durante muito tempo somente
na NBA, sendo um aspecto do jogo incorporado posteriormente pela Fiba.
Em que pese ao sucesso mundial estrondoso da NBA, a entidade que representa o basquetebol
norte-americano nas competições internacionais é a USA Basketball, 77 organização que, a cada dois
anos – nos Jogos Olímpicos e nos campeonatos mundiais –, vem contando com os atletas profissionais
integrantes da NBA, mas que também recruta atletas universitários, outros amadores ou até mesmo
profissionais jogando em outras ligas para competições de menor relevância internacional.
Diferentemente das ligas mencionadas no caso do futebol internacional, onde se vê que a
Lega Calcio italiana, La Liga espanhola e a Premier League inglesa são organizações estabelecidas
no mesmo nível das federações nacionais, mas submetem-se à regulação desportiva e observam o
monopólio consagrado no modelo europeu de esporte, as ligas norte-americanas muitas vezes
concorrem entre si.
Um exemplo característico é o futebol americano. A National Football League (NFL) é o
resultado da fusão havida entre uma liga com este mesmo nome e a sua concorrente, a American
Football League (AFL). Dessa rivalidade entre as duas ligas, nasceu o hoje mundialmente admirado
Superbowl, concebido originalmente para ser um tira-teima entre os campeões de cada uma das
entidades concorrentes.
Pouco depois do advento do Superbowl, as duas ligas acabaram fundindo-se, estruturando-
se internamente em duas conferências que herdaram parte dos nomes originais. Hoje, a final que
consagra o campeão da NFL se dá entre os campeões da Conferência Americana (AFC) e da
Conferência Nacional (NFC).

77
Disponível em:
<http://www.fiba.com/pages/eng/fc/FIBA/fibaStru/nfLeag/p/nationalfederationnumber/379/nfProf.html>.Acesso em: 26
mar. 2017.

33
O próprio futebol amplamente praticado no resto do mundo, conhecido nos Estados Unidos
como soccer, hoje tem ao menos três diferentes ligas concorrentes. A que atualmente conta com
maior projeção e que promove a competição reconhecida para os fins de representação internacional
dos torneios continentais de clubes é a Major League Soccer (MLS).
Entretanto, a liga com origens mais antigas é a North American Soccer League (NASL), que
contou na sua primeira versão – entre 1970 e 1984 – com o time do New York Cosmos, que na
década de 1970 tinha Pelé, Beckenbauer e Carlos Alberto Torres na sua linha titular. O time segue
disputando a mesma liga, reativada em 2010, e que hoje conta com oito times, 78 contra os 22 times
da MLS, que já prevê o ingresso do vigésimo terceiro em 2018 (o Los Angeles FC). 79
Já a terceira liga é a United Soccer League (USL), que já tem 30 times e mais um esperado
para ingresso em próximas temporadas. Embora mais nova, a entidade conta com diversos times
B de equipes da MLS, mostrando mais força do que a NASL para consolidar-se no mercado
norte-americano. 80
A ênfase comercial da atuação de tais ligas é evidente, tratando-se a competição de cada uma
delas como um produto único, centralizando-se políticas de remuneração de atletas, de
comercialização de propriedades de marketing e de direitos de transmissão. Os clubes, mais do que
filiados à liga, são verdadeiros sócios, perdendo em autonomia de gestão, mas ganhando no poder
de negociação conjunto liderado pela referida entidade.

78
Disponível em: <http://www.nasl.com>. Acesso em: 26 mar. 2017.
79
Disponível em:<http://www.mlssoccer.com>. Acesso em: 26 mar. 2017.
80
Disponível em:<http://www.uslsoccer.com>. Acesso em: 26 mar. 2017.

34
MÓDULO II – ORGANIZAÇÃO DESPORTIVA
BRASILEIRA

Apresentação
Assim como no resto do mundo, o esporte no Brasil alcançou, ao longo da história, uma expressão
singular, e a sua importância socioeconômica é inegável e crescente. Porém, mais do que meio de
integração social e uma ascendente indústria no quadro econômico brasileiro, o esporte é uma
verdadeira expressão cultural do País.
Nesse sentido, o futebol, como maior expressão esportiva nacional, reflete muito da relevância
descrita acima, como este autor já teve oportunidade de destacar em trabalho anterior:

o futebol representa um traço permanente entranhado no sentimento


nacional. Com efeito, José Lins do Rego já afirmava que “o conhecimento do
Brasil passa pelo futebol”, enquanto Nelson Rodrigues cunhava a já célebre
expressão de que “o escrete (nacional) é a pátria em calções e chuteiras”. 81

Porém, a “monocultura esportiva” que prevaleceu no País até a década de 1980 já não mais existe.
A paixão e o envolvimento do brasileiro com o esporte já se espraiam por outras modalidades:

no esporte também deixamos de ser dependentes exclusivos de uma só


atividade e, se cada Copa cria um frenesi quase religioso nos torcedores,
conseguimos reproduzir o sincretismo dos templos, encruzilhadas e praias,
levando nossa fé na “amarelinha” dos campos para as quadras, piscinas e pistas,
para tentarmos afirmar nosso valor também em outros esportes.

81
MARTINS, Fernando Barbalho. Futebol: manual de (re)montagem. Rio de Janeiro: APERJ, 2015. p. 45.
Essa afirmação nacional se revela de forma inequívoca em outra
constatação que ouvi uma vez de Armando Nogueira, outro ícone da
crônica esportiva. Ressalvada a imprecisão da citação feita em cima da uma
memória de programa de televisão perdido nos anos, diz ele que feliz é o
país que celebra heróis forjados nos verdes campos de futebol, em vez dos
sangrentos campos de batalha.

Pois é no mesmo Brasil que ri e desconfia de todas as figuras de sua história


política que se produz um rol cintilante de desportivas elevados ao patamar
de reis e rainhas, aos quais se devota um respeito e uma admiração genuína. 82

A estatura e a penetração social atingidas pela memória de Ayrton Senna, pela imagem até hoje
atual de Gustavo Kuerten e pelo modelo de sucesso espelhado pelas sucessivas gerações de seleções
nacionais de voleibol confirmam a importância que o esporte tem no tecido social brasileiro.
Refletindo essa importância, o ordenamento jurídico brasileiro contempla o esporte em todos
os seus níveis e incrementa a interação entre os diversos campos do Direito e as atividades esportivas,
buscando disciplinar os seus aspectos econômicos e sociais.
Neste módulo, serão tratadas a abordagem constitucional do esporte e as diretrizes lançadas
para a sua disciplina legal na Carta de 1988, para depois analisarem-se os principais diplomas legais
que, especialmente nos últimos anos, buscaram modernizar a estrutura de governança e de operação
do esporte brasileiro. Finalmente, será exposto o quadro de governança esportiva no País,
indicando-se especialmente as novas exigências legalmente impostas às entidades de prática e de
administração desportiva nacionais.

Constitucionalização do esporte
O processo constituinte iniciado em 1986, com a eleição da Assembleia que produziu a Carta
promulgada em 5 de outubro de 1988, foi um momento único na história política do País, tendo
refletido singular movimento de efetiva participação da sociedade civil na elaboração do documento
legal que se vai demonstrando um duradouro projeto democrático para o Brasil.
O verdadeiro sentimento de pertencimento despertado pela chamada Constituição Cidadã
decorre do caráter plural que inspira o seu texto, o qual até mesmo, em certos pontos, beira a
prolixidade e contempla uma minudência muitas vezes incompatível com um texto fundamental.

82
MARTINS, Fernando Barbalho. O esporte como identidade nacional. Blog Pátria Desportiva, Disponível em:
<http://patriadesportiva.blogspot.com.br/search?updated-min=2008-01-01T00:00:00-02:00&updated-max=2009-01-
01T00:00:00-02:00&max-results=41>. Acesso em: 31 mar. 2017.

36
Nesse contexto de ampla participação e abrangência dos mais diversos setores da sociedade, o esporte
também contou com explícita disciplina constitucional.
Tal deliberação da Assembleia Constituinte de 1987-1988 se consubstancia na tradução, no
Brasil, de um movimento bem destacado por Martinho Neves Miranda:

A previsão do tema nas Cartas Constitucionais representa a consagração


exponencial do desporto como assunto da maior relevância pública,
precisamente como parte desse processo de ampliação das tarefas do Estado e
que vem surgindo gradativamente nos textos promulgados após o término da
Segunda Guerra Mundial.

Todavia, importa sublinhar que a disciplina constitucional dessa matéria


enfoca primordialmente o desporto nas suas manifestações capazes de
proporcionar melhores condições de vida para as pessoas, apresentando-se,
sobretudo, como fator de desenvolvimento da própria sociedade. 83

Nesse contexto, o esporte é expressamente mencionado em três passagens da Carta Republicana,


a saber: o art. 5º, XXVIII; o art. 24, IX; e o art. 217.
O primeiro dispositivo é vazado nos seguintes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes: [...]
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da
imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

Nesse primeiro ponto, já se vê a preocupação do Constituinte com as repercussões econômicas


das atividades desportivas. Tradicionalmente associada às manifestações artísticas, a proteção da imagem
e da criação individual, ainda que associada a uma manifestação cultural coletiva, foi expressamente
estendida ao campo desportivo, criando o chamado Direito de Arena, tópico que será explorado com
maior detalhamento mais adiante.

83
Op. cit. p. 12.

37
A inclusão de uma tutela de expressão econômica relacionada ao esporte no rol de direitos
fundamentais da Constituição da República sinalizou claramente, já no fim da década de 1980, a
repercussão econômica que o esporte já gerava àquele momento, além de abrir as portas do Estado
brasileiro para a proteção do atleta como profissional investido de direitos como qualquer outro
trabalhador, conceito cuja afirmação ainda não se consolidou plenamente na sociedade brasileira.
A segunda previsão constitucional a respeito do esporte está no art. 24, IX, no capítulo que
fala das competências legislativas concorrentes: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] IX - educação, cultura, ensino e desporto”.
Além de se constituir um objeto específico de disciplina legislativa, merecendo referência
expressa da Constituição, a inclusão do desporto no tópico da competência legislativa para disciplinar
educação, cultura e ensino destaca a relevância social do esporte, reconhecendo-o como poderosa
ferramenta de formação individual e comunitária, atividade de potencialização das iniciativas
educacionais e, como destacado na apresentação deste módulo, efetivo traço cultural do País.
Neste ponto, cumpre destacar que, configurando-se como objeto de competência legislativa
concorrente, caberá à União, neste quadro, a atribuição de disciplinar o esporte nas suas linhas
gerais, traçando as diretrizes mais amplas e genéricas para fomento das atividades desportivas.
Já aos Estados e ao Distrito Federal restará a competência para a edição de normas de cunho
especial, ou seja, adequar as diretrizes gerais estabelecidas em nível federal à realidade concreta de
cada ente federativo, criando mecanismos de fomento, regulação e controle apropriados às
peculiaridades regionais.
Por fim, mas não menos importante, ao revés, o dispositivo mais impactante no âmbito da
organização desportiva nacional: o art. 217 da Carta Magna. Eis a sua redação:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não


formais, como direito de cada um, observados:
I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto
a sua organização e funcionamento;
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto
educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não
profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.
§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às
competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça
desportiva, regulada em lei.
§ 2º A Justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados
da instauração do processo, para proferir decisão final.
§ 3º O poder público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

38
Princípios constitucionais do esporte
Podem-se extrair do art. 217, transcrito acima, alguns princípios que irradiarão os seus efeitos
por todo o ordenamento jurídico-desportivo:

a) Princípio da subsidiariedade estatal – conceito que será dissecado mais adiante, o


comando de fomento estatal ao esporte corresponde ao mandamento de atuação
subsidiária do Estado em atividades sociais e econômicas, tal como destacado por Diogo
de Figueiredo Moreira Neto:

A subsidiariedade prescreve o escalonamento de atribuições entre entes ou


órgãos, em função da complexidade do atendimento dos interesses das
sociedades. Cabe, assim, primariamente aos indivíduos decidirem e agirem
no que se refira aos seus respectivos e inerentes interesses individuais, e,
apenas secundária e sucessivamente aos entes e órgãos, sociais e políticos,
instituídos para tomar decisões sobre interesses coletivos.

Portanto, nesse escalonamento de responsabilidades para o atendimento de


interesses, cabe aos grupos sociais menores, por suas organizações civis,
decidirem e agirem para a satisfação dos respectivos interesses coletivos; aos
grupos sociais maiores, também por suas organizações civis próprias,
decidirem e agirem em prosseguimento de interesses coletivos de maior
abrangência; e à sociedade civil, como um todo, por suas organizações civis
de âmbito geral, decidir e agir para o atendimento de seus interesses gerais. 84

Tratando-se o esporte, como já afirmado anteriormente, de atividade nascida e


desenvolvida no seio das comunidades, sem a ingerência ou a participação estatal na sua
formação ou disciplina, tal esfera comunitária é aquela preferencialmente estabelecida
para ordenar e executar as suas manifestações. Ao Estado cabe o papel de fomento, assim
definido pelo mesmo autor:

Em suma, pode-se conceituar a função administrativa de fomento público


como o estímulo oferecido direta, imediata e concretamente pela
Administração, na forma da lei, a iniciativas reconhecidas como de interesse
geral para o progresso e aperfeiçoamento do homem em sociedade.

84
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 93.

39
A diferença principal entre esta e as demais funções administrativas
estudadas – a de polícia, a dos serviços públicos, as funções de
ordenamento econômico e de ordenamento social – está precisamente na
característica de disponibilidade da ação do Estado, ou seja: o fomento
público não é uma função estatal de caráter impositivo, dependendo do
consenso dos beneficiários, e não da compulsão sobre eles exercida, de
modo que, ao pô-lo à disposição das pessoas, o Estado a ninguém obriga –
indivíduo, associação ou empresa – a valer-se de instrumentos jurídicos de
incentivo, tão somente convocando os interessados a aderir a uma busca
consensual de superação pessoal. 85

Portanto, ao afirmar que o dever do Estado se restringe ao fomento do esporte, a


Constituição da República reforça o caráter subsidiário da atuação estatal nesse campo,
reforçando a vocação autorregulatória a que já se referiu no módulo anterior.

b) Princípio da amplitude da atividade atlética – para fins do fomento previsto no caput


do art. 217 da Carta da República, a modalidade esportiva não precisa estar formalizada,
ou seja, institucionalizada em entidades de administração ou prática, ou mesmo ter regras
uniformes consolidadas.

Tratando-se de manifestação atlética de eventual relevo na vida comunitária, qualquer


atividade esportiva pode ser objeto do fomento estatal. Nesse caso, vai-se além do esporte
propriamente dito e passa-se a inserir no alcance da atividade estatal o jogo puro e simples.

Saindo um pouco do estrito exemplo do fomento, tal como descrito pelo mestre acima
citado, mas passando à questão do ordenamento social, o frescobol pode ser utilizado como
ilustração para este tema. Não se tratando de uma modalidade propriamente organizada,
mas caracterizando-se como uma atividade atlética, o Poder Público pode determinar
espaços próprios na orla marítima para a sua prática, estando tal ação estatal coberta pela
cláusula constitucional da informalidade contida na parte final do caput do art. 217.

c) Princípio da autonomia desportiva – explicitamente contemplado no inc. I do art. 217,


tal princípio é a positivação do reconhecimento constitucional à norma fundamental do
Movimento Olímpico, objeto de exposição no módulo anterior.

85
Idem. p. 578.

40
De fato, a Constituição estabelece o dever de não intervenção estatal na organização e no
funcionamento das atividades esportivas, reforçando a subsidiariedade já destacada acima e
vedando que o Estado busque ingerência nos assuntos internos de agremiações e federações
desportivas.

Tal princípio, no entanto, embora reforce o caráter autorregulatório das entidades esportivas,
não encerra uma isenção absoluta de submissão ao ordenamento jurídico. Aqui, é possível
reforçar a ideia de respeito à multicitada especificidade do esporte, mas sempre submetendo
interesses econômicos à mediação e limitação legislativa, tal como qualquer outra atividade
humana.

d) Princípio da prioridade do desporto educacional – como visto anteriormente, o esporte é


associado, em sede constitucional, a fins sociais identificados com as atividades de ensino,
educação e cultura, observando-se a sua proximidade com tais áreas de atuação estatal até
mesmo topograficamente, na medida em que a Seção que trata “Do Desporto” (Seção III)
está inserida no Capítulo III do Título VIII, inserindo-o no contexto da Ordem Social e,
mais especificamente, no capítulo que disciplina também a educação e a cultura.

À luz desse pano de fundo, a Constituição faz claramente a opção preferencial pelo incentivo
ao desporto educacional, ou seja, os recursos públicos serão prioritariamente destinados a
projetos que tenham ênfase na função educacional do esporte.

O aporte de recursos públicos no esporte de alto rendimento deveria ser excepcional e


condicionado a circunstâncias específicas, que serão objeto de discussão própria em outro
módulo deste trabalho.

e) Princípio do tratamento diferenciado – o mesmo art. 217, no seu inc. III, estabelece o
dever de tratar-se distintamente o desporto profissional daquele não profissional. Primeiro
pela finalidade de cada um. Ainda que seja de alto rendimento, a modalidade que não esteja
profissionalizada – hipótese cada vez mais rara nas esferas mais elevadas de performance
esportiva, mas ainda existente, especialmente no Brasil –, não tem, por exemplo, acesso a
recursos financeiros para o seu desenvolvimento, merecendo, portanto, atenção específica do
Estado.

Mais do que isso, abstraindo-se as cada vez mais raras hipóteses de desporto de alto
rendimento não profissionalizado, o esporte puramente amador normalmente se enquadra
como atividade de participação, ou seja, do esporte como meio de congregação social, com o
seu caráter competitivo subordinado a finalidades de cunho comunitário e sem maior ênfase
à performance técnica dos seus praticantes.

41
Nesse sentido, a disciplina de eventuais aspectos disciplinares dos atletas e das agremiações ou
mesmo as condições regulamentares de realização de tais eventos são necessariamente menos
rigorosas do que aquelas impostas ao desporto profissional, desenvolvido em ambiente de
profissionalismo, muitas vezes gerando renda para os envolvidos e sempre se submetendo a
estritos parâmetros de índole disciplinar.

f) Princípio de proteção à manifestação desportiva nacional – destinando-se o art. 217 a


delimitar o campo de atuação do Estado no âmbito desportivo, o inc. IV naturalmente dirige
as ações dos entes federativos à proteção e ao incentivo de esportes de criação nacional,
buscando reafirmar os traços do esporte como manifestação cultural.

g) Princípio da subsidiariedade judiciária – o § 1º do art. 217 se apresenta como verdadeiro


corolário da subsidiariedade estatal. Nesse caso, em outra homenagem à autorregulação
esportiva, o Constituinte mitigou a inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV do
mesmo texto normativo), para prestigiar a especialização dos órgãos disciplinares de cada
modalidade, impedindo o acesso ao Judiciário antes que se esgote a instância desportiva.
Neste caso, em um preciosismo típico do texto constitucional brasileiro, previu-se, no § 2º,
até mesmo o prazo máximo para o encerramento do processo, cujo descumprimento, em
tese, autorizaria o acionamento do Poder Judiciário.

Nesse caso, o que se vê é que a Constituição da República estabeleceu uma pauta de objetivos
e diretrizes a serem observados pela legislação e pela própria Administração no que diz respeito
ao fomento e à disciplina das atividades esportivas, enquadrando as suas normas justamente
no conceito contemporâneo de princípios jurídicos, tal como destacado em outra obra deste
autor, que toma emprestadas as lições de Humberto Ávila a respeito das três dimensões
normativas: “comportamental, finalística e metódica. A cada uma de tais dimensões,
corresponderia uma espécie normativa”.86

Correspondendo a primeira dimensão às tradicionais regras jurídicas, que ditam condutas


específicas aos seus destinatários, a dimensão finalística “diz respeito ao estabelecimento de
objetivos a serem perseguidos pelos destinatários de tais normas”. 87 Nesse sentido, os
princípios acima arrolados não ditam comportamentos específicos para o Estado, indivíduos
ou entidades desportivas, mas, em caráter imediato, aponta um objetivo a ser atingido,
segundo o qual serão moldadas as atitudes concretas de agente envolvido em atividades
esportivas.

86
WILLEMAN, Flávio de Araújo; MARTINS, Fernando Barbalho. Manual de direito administrativo. Niterói: Impetus, 2015, p.
18.
87
Idem. p. 19.

42
Identificados os três tópicos constitucionais a respeito do esporte, será visto que os efeitos
de tais normas de hierarquia superior têm relação direta com a moldura legislativa que
rege a atividade no Brasil.

Legislação desportiva
A partir do reconhecimento de tutela explícita ao esporte na Constituição de 1988, o Estado
brasileiro passou a desenvolver um processo de estruturação jurídica das suas atividades, tendo a
primeira tentativa de sistematização legal do esporte sido a chamada Lei Zico, designada assim em
homenagem ao já ex-secretário de Esportes do governo do presidente Fernando Collor de Mello,
mas já sancionada sob a presidência de Itamar Franco, sob o nº 8.672, de 6 julho de 1993.
O diploma em questão, que buscava justamente instituir normas gerais sobre desporto, foi
integralmente revogado pela edição da Lei Pelé, denominada a partir da liderança exercida no
processo pelo então ministro do Esporte do governo Fernando Henrique Cardoso, e sancionada
sob o nº 9.615/98.
Em virtude da sua abrangência, a Lei Pelé foi sucessivamente alterada e emendada ao longo
dos anos, a fim de atualizar as suas disposições, adaptando-a especialmente à nova realidade
organizacional do esporte de alto rendimento, ainda muito distante das efetivas práticas nacionais.
Essas sucessivas alterações acabaram prejudicando a sistematização interna do próprio diploma
legal, espalhando normas de conteúdos afins por diversos artigos da Lei Pelé e dificultando um
estudo mais organizado dos seus comandos.
De toda forma, podem-se identificar cinco grandes áreas de disciplina estatuídas pela Lei Pelé:
a) Normas fundamentais do esporte – constantes dos Capítulos I a III (arts. 1º a 3º), em
que os conceitos elementares do esporte e os princípios normativos incidentes sobre as
atividades desportivas são positivados em caráter introdutório e como balizas
interpretativas das demais disposições da própria Lei Pelé e de outras normas esparsas
sobre esporte.
b) Sistema Brasileiro do Desporto – normas já esparsas ao longo do texto legal, buscam
organizar o sistema de governança desportiva no País. Será objeto de análise específica
ainda neste módulo, em tópico distinto, mas podem-se identificar as suas regras e os
princípios estampados em algumas seções do Capítulo IV: Seção I (art. 4º); Seção III
(arts. 11 e 12-A); Seção IV (arts. 13 a 24) e Seção V (art. 25), além dos arts. 26 a 27-A,
já inseridos no capítulo que trata da Prática Desportiva Profissional.

43
c) Financiamento público do esporte – este é um ponto que também padeceu com as
sucessivas alterações legislativas, encontrando-se parte disciplinado na Seção II do
Capítulo IV (Recursos do Ministério do Esporte; arts. 5º a 10) e outra parte no Capítulo
VIII, que trata especificamente “Dos Recursos Para o Desporto” (arts. 56 e 57). Tal
objeto será tratado com mais detalhes no Módulo 4.
d) Regramento trabalhista – inserido no capítulo que trata da Prática Desportiva
Profissional, disciplina direitos e obrigações dos atletas profissionais (arts. 27 a 46), tendo
especial ênfase no futebol e constituindo objeto de estudo de tópico do Módulo 3.
e) Ordem desportiva – estabelece as diretrizes gerais para a manutenção da ordem e
disciplina desportivas, distribuindo competências disciplinares, arrolando as sanções
possíveis e traçando as bases para a instituição da Justiça Desportiva. As suas normas estão
mais sistematizadas nos Capítulos VI (arts. 47 a 48-C) e VII (arts. 49 a 55-C). Também
será objeto de análise específica no Módulo 4.

Feito esse quadro e remetidas lições mais específicas a outros módulos deste trabalho, cabe
apreciar, no próximo tópico, as normas fundamentais estatuídas pela Lei Pelé.

Esporte formal e não formal


O art. 1º da Lei Pelé, no seu caput e nos dois primeiros parágrafos, trata de definir as práticas
formal e não formal de esporte, na esteira do atendimento ao princípio da amplitude de que se
tratou na unidade 2.2. Inclui ambas no objeto de disciplina legal do esporte (art. 1º, caput) e as
define da seguinte forma:

Art. 1º [...]
§ 1º A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e
internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade,
aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.
§ 2º A prática desportiva não formal é caracterizada pela liberdade lúdica
de seus praticantes.

Importante destacar a submissão do esporte formal às normas internacionais, vinculando


legalmente o País à autorregulação internacional de cada modalidade, mas abrindo a possibilidade de
que a entidade nacional de administração – cada confederação, federação ou associação nacional –
possa ou não aderir às regras vigentes na respectiva modalidade.

44
Princípios gerais do esporte
A previsão do art. 1º, § 1º, tem interligação com o chamado princípio da soberania, o
primeiro arrolado no art. 2º da Lei Pelé, que lista 12 diferentes princípios gerais e ainda aponta para
cinco outros especificamente aplicáveis ao esporte profissional. Veja-se cada um deles:

a) Princípio da soberania – previsto no inc. I do art. 2º, é “caracterizado pela supremacia


nacional na organização da prática desportiva”. Nesse ponto, a ressalva do art. 1º, § 1º, é
reforçada, garantindo a lei que as regras puramente desportivas de cada modalidade, assim
como as normas editadas por entidades internacionais de administração desportiva, só
prevalecerão no País, caso haja adesão por parte da sua correspondente em âmbito nacional.

Por outro lado, o § 3º do mesmo art.1º, inexistente na redação original da Lei Pelé e
introduzido pela Lei nº 13.322, de 28 de julho de 2016, prevê a inserção do País na esfera
internacional dos direitos e das garantias desportivas: “Art. 1º [...] § 3º Os direitos e
garantias estabelecidos nesta Lei e decorrentes dos princípios constitucionais do esporte
não excluem outros oriundos de tratados e acordos internacionais firmados pela
República Federativa do Brasil”.

Resultada da conversão de uma Medida Provisória editada às vésperas dos Jogos


Olímpicos de 2016, o mote principal da Lei nº 13.322/16 era a adequação da legislação
brasileira ao Código Mundial Antidopagem, como bem ilustra trecho da Exposição de
Motivos da referida Medida Provisória (nº 718, de 16 de março de 2016):

9. Diante desta nova realidade, faz-se necessário adequar a legislação


brasileira a esta evolução, ao Código Mundial Antidopagem e à defesa dos
direitos dos atletas a uma competição limpa e justa, dotando o Brasil de
institutos capazes de fazer frente a estes novos e importantes desafios pelo
esporte livre de dopagem.

Portanto, o § 3º reforça a adesão do Brasil aos ditames da legislação internacional


antidoping, mas, além disso, pela generalidade do seu comando, representa
inequivocamente uma mitigação do referido princípio da soberania, até mesmo em
virtude da vocação transnacional do esporte, já mencionada anteriormente neste trabalho,
não podendo o País pretender viver à margem da efetiva ordem jurídico-desportiva
instituída no cenário global.

45
h) Princípio da autonomia – reproduz, no inc. II, princípio já consagrado na Constituição
da República, definindo tal autonomia como a “faculdade e liberdade de pessoas físicas e
jurídicas organizarem-se para a prática desportiva”.

i) Princípio da democratização – garante “condições de acesso às atividades desportivas


sem quaisquer distinções ou formas de discriminação”. Nesse caso, o objetivo a que se
visa primariamente é assegurar a prática de qualquer modalidade por qualquer pessoa
interessada, iniciativa mais visivelmente percebida nos processos de adaptação para o
chamado paraesporte, proporcionando a integração de pessoas com deficiência no
ambiente esportivo.

Tal movimento de democratização esportiva também guarda relação com as questões de


gênero e orientação sexual e com o combate à discriminação racial/étnica, de modo a
mudar a cultura muitas vezes sexista ou xenófoba que se manifestam não só entre
praticantes, mas também na assistência dos seus eventos. Nesse caso, iniciativas
educacionais junto ao grande público e incentivo à prática de desportos por crianças de
ambos os sexos, buscando combater o estigma associado à pretensa exclusividade de
prática de certas modalidades esportivas representam alguns exemplos entre várias
políticas articuladas em decorrência de tal princípio.

Entretanto, um objetivo secundário se refere à formação do público assistente de tais


eventos, induzindo a preocupação com a acessibilidade de praças desportivas e a
modicidade dos preços de ingressos.

j) Princípio da liberdade – neste caso, embora o Brasil, como será visto mais adiante,
vincule-se, na prática formal, ao chamado modelo europeu do esporte, inserindo-se no
sistema piramidal de governança ali existente, indivíduos e agremiações podem atuar à
margem de tal sistema institucionalizado, ou mesmo instituir um sistema paralelo,
havendo, segundo tal princípio, a clara possibilidade de mesclar-se, no Brasil, o modelo
europeu com aquele norte-americano de governança esportiva.

k) Princípio do direito social – consistente na instituição de um dever estatal de fomento ao


esporte, o que, como seria de senso comum, depende de disponibilidade orçamentária e
deve necessariamente ser lido à luz do princípio constitucional da subsidiariedade estatal.

l) Princípio da diferenciação – reprodução do princípio constitucional do tratamento


diferenciado.

46
m) Princípio da identidade nacional – também replica outro princípio constitucional,
relativo à proteção da manifestação desportiva nacional.

n) Princípio da educação – previsto no inc. VIII do art. 2º, é “voltado para o


desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado
por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional”. Nesse caso, além
de reproduzir, na sua parte final, o correspondente princípio constitucional de prioridade
do desporto educacional, o dispositivo também estabelece diretriz fundamental para a
implementação das atividades relacionadas com essa específica manifestação desportiva.

o) Princípio da qualidade – estabelece um critério meritocrático na avaliação das políticas


e iniciativas desportivas, assim como institui uma obrigação de aprimoramento constante
das instituições e práticas no meio esportivo. Trata-se de corolário fundamental da
própria natureza do esporte, que se associa intrinsecamente à questão do atingimento e
superação de resultados, da busca pela excelência.

Dessa forma, a divisão de recursos públicos e privados pode, por exemplo, condicionar-
se aos resultados obtidos ou a compromissos de atingimento de meta. O princípio
também pode incidir para preservar o caráter competitivo ínsito a qualquer manifestação
esportiva, evitando investidas “politicamente corretas” que eventualmente desnaturem a
efetiva valorização dos vencedores de disputas esportivas em qualquer nível.

Obviamente, há outros objetivos e metas que podem ser valorizados ao lado da


competição pura e simples, como a formação de novos atletas ou mesmo de novas
gerações de público assistente; a associação de práticas desportivas a iniciativas
educacionais e de integração cidadã; ou mesmo a utilização do esporte como ferramenta
de promoção de saúde pública. Nesses casos, a mitigação dos resultados puramente
atléticos é válida, na medida em que a instrumentalização da atividade esportiva seja mais
ou menos aguda.

p) Princípio da descentralização – previsto no inc. X do art. 2º, reproduz o princípio


federativo em âmbito desportivo, buscando harmonia, diferenciação e autonomia para a
organização e funcionamento de entidades desportivas nos diferentes âmbitos federal,
estadual, distrital e municipal.

q) Princípio da segurança – inspira a edição de normas, estatais ou das próprias entidades


de administração desportiva, que preservem a integridade física e moral dos seus atletas.

47
r) Princípio da eficiência – tem estreita relação com o já citado princípio da qualidade e é
explicitamente associado ao “estímulo à competência desportiva e administrativa”, e mais
do que o desenvolvimento do esporte brasileiro “dentro do campo”, tem importante
atuação na modernização da gestão esportiva.

Princípios setoriais do esporte profissional


A exposição até o presente momento abrangeu os chamados princípios gerais do desporto,
inscritos nos incs. I a XII do art. 2º, mas o parágrafo único do mesmo artigo sujeita “a exploração
e a gestão do desporto profissional” aos seguintes princípios específicos:

a) Princípio do caráter empresarial – o próprio texto do parágrafo único afirma que o


desporto profissional se caracteriza como “exercício de atividade econômica”. Portanto,
ainda que as entidades de prática ou de administração desportiva se constituam como
entidades civis, as suas atividades são legalmente qualificadas como de natureza
empresarial, atraindo o regime jurídico próprio das entidades que prestam serviços de
entretenimento no mercado em geral.

b) Princípio da transparência financeira e administrativa – a histórica filiação das


entidades desportivas a um regime nominalmente amadorístico, com finalidades
pretensamente não lucrativas, garantiu, ao longo do tempo, uma série de benefícios legais,
inclusive de natureza fiscal.

Mais do que isso, abrigadas no referido sistema piramidal de governança esportiva, as


entidades de administração desportivas usufruem de um verdadeiro monopólio em um
setor que, ao longo dos anos, ganhou imensa relevância econômica, além do prestígio
social que sempre gozaram.

Tamanho poder e certa distorção no tratamento diferenciado que recebem criou uma
estrutura opaca, que não raro faz mau uso dos crescentes recursos canalizados para o
desenvolvimento do esporte. Dessa forma, a percepção de recursos públicos, por razão
evidente, demanda práticas e sistemas transparentes, viabilizando a fiscalização do
emprego de tais verbas do erário.

Mas também a gestão administrativa deve apresentar uma maior publicidade, expondo-
se ao meio social como um todo e, em especial, à comunidade envolvida na organização
e prática de determinada modalidade – atletas, público, patrocinadores, profissionais
técnicos e árbitros –, viabilizando o controle de uma atividade monopolizada de fato, mas
que não pode “pertencer” a um determinado grupo ou indivíduo.

48
A transparência, neste caso, é ferramenta para o incremento do controle social da
atividade esportiva, criando efetivas condições para o envolvimento comunitário com o
desenvolvimento de cada modalidade.

s) Princípio da moralidade na gestão desportiva – os históricos desmandos dos chamados


cartolas sempre foram um enorme óbice ao desenvolvimento do esporte brasileiro, como
ilustra o olhar estrangeiro sobre a gestão esportiva nacional:

Os norte-americanos chamam seus clubes desportivos de “franquias”. Os


brasileiros jamais tolerariam o uso desse termo. Tem muitas associações com
organizações comerciais, como cadeias de lanchonetes e lavanderias. Em vez
disso, os brasileiros chamam seus times de “clubes”, pois a maioria deles
realmente o é. Eles têm piscinas, restaurantes, quadras de tênis, jardins
cobertos por palmeiras e sócios que pagam mensalidades – lugares para a classe
média passar uma tarde de sábado. Embora paguem seus jogadores, os clubes
mantiveram sua condição de entidades amadoras sem fins lucrativos. Isso
significa que suas contas não estão sujeitas à fiscalização pública, e que seus
executivos não mantêm uma contabilidade legal. Em suma suas diretorias
constituem o refúgio perfeito para pessoas mal-intencionadas. Estas se
tornaram de tal forma integradas ao futebol brasileiro que todos as chamam
pelo apelido: cartolas. Como parte da estrutura amadora do esporte, os
cartolas geralmente não recebem salários. Supostamente trabalham por seu
cavalheiresco amor ao clube. Na prática, contudo, eles muitas vezes “retiram”
do patrimônio do time a recompensa por seus esforços voluntários. 88

Portanto, o patrimonialismo explícito que sempre dominou a gestão dos clubes e das
federações deve necessariamente ceder a práticas estritamente ligadas aos objetivos de
desenvolvimento do esporte, ou até mesmo à geração de lucros a partir da atividade
desportiva. A conduta do gestor esportivo deve aproximar-se daquela de quem
administra recursos públicos, visto que, na própria dicção da Lei Pelé, “a organização
desportiva do País [...] integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado
interesse social” (art. 4º, § 2º), constituindo-se como bem imaterial integrante do
patrimônio comunitário.
Neste sentido, a remissão às lições do Direito Administrativo ilustra as obrigações
impostas pela incidência do princípio da moralidade na gestão desportiva:

88
FOER, Franklin. Como o futebol explica o mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 106.

49
O princípio da moralidade administrativa impõe, além da honestidade, o
cuidado no trato da coisa pública, nas intenções, na qualidade do resultado
obtido. [...] O controle da moralidade reforça o dever de motivação e
explicitação das finalidades [...].89

O dirigente esportivo, por analogia ao gestor público, lida com recursos de interesse social e
deve fazê-lo com retidão de propósitos e voltado para a produção de resultados efetivos para
o desenvolvimento do esporte.

t) Princípio da responsabilidade social dos seus dirigentes – contido no inc. III do parágrafo
único do art. 2º, é verdadeiro desdobramento do princípio da moralidade descrito acima, na
medida em que cobra o cumprimento do papel modelar que a sociedade espera do esporte.
Os dirigentes devem ser os responsáveis primeiros pela custódia dos valores de cidadania,
respeito, tolerância, honestidade e excelência que se espelham na atividade esportiva.
Introduzidos tais princípios específicos pela Lei nº 10.672, de 15 de maio de 2003, desde
então a legislação vem buscando controles mais estritos sobre a atuação dos gestores nessa
área.

u) Princípio do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional –


reprodução do princípio constitucional do tratamento diferenciado, já descrito acima.

v) Princípio de participação na organização desportiva do País – neste caso, o inc. V tem


caráter dúplice. De um lado ressalta a importância e a responsabilidade dos atletas e das
entidades profissionais no desenvolvimento do esporte como um todo, cabendo-lhes liderar
e contribuir efetivamente para o cultivo dos valores ínsitos à prática atlética e para a obtenção
de resultados esportivos e administrativos cada vez mais qualificados.

Por outro lado, havendo na legislação a possibilidade de organização de entidades


profissionais em paralelo aos sistemas institucionalizados, assegura às eventuais ligas e
agremiações profissionais a participação nos sistemas de desporto existentes no País e, dessa
forma, voz ativa na elaboração e implementação de políticas na área do esporte.

Da mesma forma, tomando como premissa a liberdade de iniciativa própria de qualquer


atividade econômica, tal princípio também evita que agremiações que busquem a
profissionalização da sua estrutura sejam impedidas de filiar-se às entidades de administração
ou participar livremente de competições para as quais se habilitem regularmente.

89
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 193, 194.

50
Manifestações do esporte brasileiro
As linhas básicas de ordenação do esporte brasileiro são fechadas no art. 3º da Lei Pelé, nos
seguintes termos:

Art. 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes


manifestações:
I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas
assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a
hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o
desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício
da cidadania e a prática do lazer;
II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as
modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a
integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da
saúde e educação e na preservação do meio ambiente;
III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e
regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade
de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com
as de outras nações.
IV - desporto de formação, caracterizado pelo fomento e aquisição inicial
dos conhecimentos desportivos que garantam competência técnica na
intervenção desportiva, com o objetivo de promover o aperfeiçoamento
qualitativo e quantitativo da prática desportiva em termos recreativos,
competitivos ou de alta competição.
§ 1º O desporto de rendimento pode ser organizado e praticado:
I - de modo profissional, caracterizado pela remuneração pactuada em
contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva;
II - de modo não profissional, identificado pela liberdade de prática e pela
inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de
incentivos materiais e de patrocínio.

Como se vê, tal artigo dispõe sobre as manifestações esportivas, originalmente escalonadas
em três níveis: educacional, participação e rendimento. A primeira, como já visto, conta com a
prioridade no financiamento público das suas atividades e prepara o indivíduo para a prática do
esporte, o autoconhecimento corporal e a imersão nos valores morais e comunitários cuja apreensão
pode ser catalisada pela prática atlética.

51
O avanço no desporto educacional gera o público que se engajará voluntariamente, em
diferentes graus, no chamado desporto de participação, entendido como expressão do direito ao
lazer e fator de integração comunitária e promoção de hábitos de saúde.
Tanto uma manifestação esportiva quanto outra deságuam no desporto de rendimento, para
onde são naturalmente direcionados os indivíduos mais talentosos, que integrarão equipes
profissionais e representarão o País em competições internacionais, cumprindo o objetivo de fazer
o esporte um fator ainda mais ostensivo de fortalecimento de laços comunitários e divulgação de
imagem positiva do País na comunidade internacional.
Não bastasse tanto, as cifras cada vez mais expressivas do esporte como negócio também
justificam o reconhecimento e o incentivo à organização do desporto de rendimento, como setor
vibrante e relevante da economia nacional.
Por fim, o destaque individual obtido pelos atletas de alto rendimento serve como atrativo
para novos praticantes, que pela admiração aos seus ídolos e feitos, buscam emulá-los no
engajamento e na prática das respectivas modalidades esportivas.
Já o desporto de formação é um acréscimo feito pela Lei nº 13.155, de 4 de agosto de 2015,
a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE), diploma com notório objetivo
modernizador da estrutura esportiva, e parece ser uma distinção útil e importante do desporto
educacional, visto que o objetivo, nessa manifestação, é explicitamente preparar um atleta,
afastando-se da instrumentalização da atividade esportiva para fins educacionais. Nesse caso, não
será tão grande a mitigação da competitividade ínsita ao esporte, mas exigida pela pauta singular do
desporto educacional.
Por fim, o mesmo artigo também define o desporto profissional e o não profissional,
afastando a noção de amadorismo absoluto deste último, permitindo o “recebimento de incentivos
materiais e patrocínio”, o que muitas vezes pode ser utilizado como método de burla, gerando
alguma insegurança na remuneração de atletas de alto rendimento, como será visto mais adiante
neste trabalho.

Normas setoriais do esporte brasileiro


A partir do quadro geral delineado na Lei Pelé, pode-se verificar que o legislador passou a tratar
especificamente de alguns setores da atividade esportiva. Dessa forma, o fenômeno do esporte como
verdadeira indústria levou à sua caracterização como serviço de consumo e à edição de diploma
específico tutelando os direitos da torcida, consubstanciado no Estatuto de Defesa do Torcedor –
EDT (Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003), a ser analisado em pormenores no Módulo 3.
O mesmo estatuto também ostenta normas que afetam a governança desportiva, cujos
parâmetros foram recentemente reforçados pela já citada LRFE, de modo a instituir uma cultura
de racionalidade na administração das entidades desportivas, a ser contemplada mais adiante neste
mesmo módulo.

52
O financiamento público do esporte, como fruto do dever constitucional e legal de fomento
a esta atividade, também foi objeto de disciplina específica, primeiro pela chamada Lei Agnelo-Piva
(Lei nº 10.264, de 16 de julho de 2001), que garantiu o repasse de recursos das loterias federais
para diversas entidades esportivas. Nesse mesmo contexto, a Lei Federal de Incentivo ao Esporte
(Lei nº 11.438, de 29 de dezembro de 2006) estabeleceu as condições para a canalização de recursos
privados para o esporte por meio de renúncia fiscal da União.
Por fim, a ordem desportiva é objeto de regramento quase integral pelo Código Brasileiro de
Justiça Desportiva, instituído pela Resolução nº 29, de 10 de dezembro de 2009, do Conselho
Nacional do Esporte (CNE), órgão do Ministério do Esporte, cuja competência normativa neste
caso foi explicitamente fixada no art. 11, VI, da Lei Pelé.

Governança desportiva brasileira


Como já afirmado anteriormente neste trabalho, o Brasil segue, de modo geral, o modelo
europeu do esporte, estruturando as suas entidades de administração desportivas no sistema
piramidal objeto de exposição no Módulo 1, com a peculiaridade, também já destacada
anteriormente, de que as entidades nacionais são compostas tradicionalmente de federações
estaduais, cuja atribuição de eleger a direção nacional da respectiva modalidade retirou, por muitos
anos, a possibilidade de ingerência das entidades de prática desportiva – clubes e agremiações
variadas – e dos atletas nos destinos do esporte no País.
Mais do que isso, sendo uma atividade que sempre correu à margem de maiores regramentos
estatais, o esporte desenvolveu, como indicado mais acima neste trabalho, uma estrutura opaca de
governança, com notórias malversações de recursos confiados aos dirigentes esportivos, desmandos
e artimanhas diversas para a eternização dos grupos detentores do poder à frente das entidades de
administração desportiva.
A partir da elevação do esporte ao chamado primeiro escalão da Administração Federal,
constituindo-se em ministério ou órgão vinculado diretamente à Presidência da República, quase
que ininterruptamente 1990 e 2016, o Estado brasileiro passou a preocupar-se, ao menos
formalmente, com a indução de práticas modernizantes na gestão esportiva nacional.
Atualmente, o chamado Sistema Brasileiro do Desporto é previsto no art. 4º da Lei Pelé, e
“tem por objetivo garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade.” (art.
4º, § 1º). Compõe-se pelo Ministério do Esporte, o CNE e o chamado Sistema Nacional do
Desporto (SND). Ainda prevê o mesmo artigo que podem ser admitidas entidades relacionadas
com o desenvolvimento da cultura, ciência e especialização técnica no esporte (§ 3º), mas não define
a forma, nem a competência para fazê-lo, revelando-se uma disposição aparentemente inócua.

53
O CNE “é o órgão colegiado de normatização, deliberação e assessoramento, diretamente
vinculado ao Ministro de Estado do Esporte” (art. 11, caput, da Lei Pelé). Tem competências
relevantes entre os oito incisos do referido art.11, tais como aprovar os Códigos de Justiça
Desportiva e o Código Brasileiro Antidopagem, assim como oferecer subsídios técnicos ao Plano
Nacional do Desporto, que deveria ser o documento a nortear as políticas públicas na área.
Entretanto, o órgão, que deveria ser uma instância de composição plural e polo de atração
social para o debate a respeito do esporte nacional, fica a reboque da vontade pessoal do ministro
do Esporte, uma vez que é composto de “vinte e dois membros indicados pelo ministro do Esporte”
(art. 12-A). Um processo mais amplo de escolha e mais independente da linha política do ocasional
titular do ministério incrementaria em legitimidade a sua composição e atrairia mais atenção
pública às suas funções.
Já o SND é formado pelas entidades que efetivamente organizam, promovem e executam as
atividades esportivas no País. Previsto no art. 13 da Lei Pelé, tem uma previsão genérica de
composição, bem como indica explicitamente as entidades de atuação mais destacada na área:

Art.13. O Sistema Nacional do Desporto tem por finalidade promover e


aprimorar as práticas desportivas de rendimento.
Parágrafo único. O Sistema Nacional do Desporto congrega as pessoas
físicas e jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, encarregadas
da coordenação, administração, normatização, apoio e prática do desporto,
bem como as incumbidas da Justiça Desportiva e, especialmente:
I - o Comitê Olímpico Brasileiro – COB;
II - o Comitê Paraolímpico Brasileiro;
III - as entidades nacionais de administração do desporto;
IV - as entidades regionais de administração do desporto;
V - as ligas regionais e nacionais;
VI - as entidades de prática desportiva filiadas ou não àquelas referidas nos
incisos anteriores;
VII - a Confederação Brasileira de Clubes.

O aspecto a ser destacado é o reconhecimento explícito da lei às ligas regionais e nacionais,


às entidades de prática desportiva e à Confederação Brasileira de Clubes, tornando-as destinatárias
das tutelas da legislação brasileira e partícipes ativos da formulação das políticas desportivas.
Como todas as entidades do SND são pessoas jurídicas de Direito Privado, beneficiárias da
autonomia constitucionalmente garantida em caráter específico para o esporte pelo art. 217 da
Carta Magna, a adoção de parâmetros mais modernos de governança só se pode dar por meio de
medidas indutoras, já que as disposições legais não podem compelir as organizações esportivas a
adotarem uma ou outra forma de funcionamento.

54
Dessa forma, o “gancho” que sempre se buscou utilizar nesse esforço de modernização da gestão
esportiva foi o renitente estado falimentar de clubes e federações, que formou, ao longo dos anos,
passivos das mais diferentes naturezas, mas especialmente de índole fiscal, conferindo à União a
possibilidade de atrair adesão às suas iniciativas por meio da estabilização financeira de tais entidades,
ou mesmo da disponibilização de recursos públicos para a expansão das suas atividades finalísticas.
Nesse sentido, foram instituídos, não só na Lei Pelé, mas também na LRFE, requisitos para o
acesso ao custeio público das atividades esportivas, que podem ser divididos em seis grandes grupos:

a) Viabilidade e autonomia financeiras – genericamente prevista no art. 18 da Lei Pelé,


para autorizar isenções fiscais e repasses de recursos federais, busca induzir o equilíbrio
financeiro comumente desprezado pela gestão esportiva nacional. A LRFE detalhou de
modo mais preciso tal requisito, quando tratou da manutenção da entidade no Programa
de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut),
prevendo, a este respeito: (i) restrição antecipação de receitas posteriores ao término do
mandato dos dirigentes (art. 4º, IV); (ii) imposição de metas de redução de déficit (art.
4º, V); e (iii) limitação de despesas com folha de pagamento de atletas (art. 4º, IX).

b) Regularidade fiscal e trabalhista – na esteira do princípio da responsabilidade social já


mencionado acima, bem como da moralidade na gestão, a Lei Pelé já previa tal obrigação
no art. 18, IV, obrigação novamente detalhada na LRFE, no seu art. 4º, VII.

c) Democratização interna – outra preocupação foi com a despersonalização do poder no


âmbito esportivo, induzindo a legislação à renovação periódica dos quadros de gestão por
meio das seguintes exigências para acesso a recursos públicos: (i) limitação de mandatos
e de reeleição (art. 18-A, I e VII, “e”, da Lei Pelé; e art. 5º, IV, “a”, da LRFE); e (ii)
garantia de representação de atletas (art. 18-A, V e VII, “g”, da Lei Pelé; e art. 5º, II e IV,
“b”, da LRFE).

55
Outro aspecto importante é o estabelecimento de garantias mínimas no processo eleitoral,
tal como previsto no art. 22 da Lei Pelé:

Art. 22. Os processos eleitorais assegurarão:


I - colégio eleitoral constituído de todos os filiados no gozo de seus direitos,
admitida a diferenciação de valor dos seus votos;
II - defesa prévia, em caso de impugnação, do direito de participar da eleição;
III - eleição convocada mediante edital publicado em órgão da imprensa
de grande circulação, por três vezes;
IV - sistema de recolhimento dos votos imune a fraude;
V - acompanhamento da apuração pelos candidatos e meios de
comunicação.
§ 1º Na hipótese da adoção de critério diferenciado de valoração dos votos,
este não poderá exceder à proporção de um para seis entre o de menor e o
de maior valor.
§ 2º Nas entidades nacionais de administração do desporto, o colégio eleitoral
será integrado, no mínimo, pelos representantes das agremiações participantes
da primeira e segunda divisões do campeonato de âmbito nacional.

w) Transparência na gestão – tanto a viabilidade financeira, quanto a democratização


interna só se garantem efetivamente com publicidade nos atos de gestão, determinando a
legislação o cumprimento de obrigações de divulgação de informações diversas. Tal dever
já era previsto no inc. IV do art. 18-A da Lei Pelé e foi reiterado na LRFE (arts. 4º, VI e
5º, I), sofisticando-se no nível do detalhamento das informações que deverão constar das
demonstrações contábeis (art. 4º, § 6º) e de dever de garantia de acesso aos documentos
e informações da gestão (art. 18-A, VIII, da Lei Pelé).

x) Mecanismos de controle interno – a legislação também demanda a existência de


diversas instâncias de controle interno da gestão, tais como: (i) conselho fiscal autônomo
(art. 18-A, VI, da Lei Pelé); (ii) instrumentos de controle social (art. 18-A, VII, “b” , da
Lei Pelé); e (iii) prestação de contas periódica (art. 18-A, VII, “f” , da Lei Pelé).

y) Responsabilização pessoal dos dirigentes – a busca tem sido no sentido de instituir o


fim da era irresponsabilidade dos cartolas, exigindo que as entidades de administração
desportiva prevejam: (i) cláusulas de inelegibilidade (art. 23, II, da Lei Pelé); (ii)
afastamento preventivo (art. 23, § 1º, da Lei Pelé); (iii) responsabilização pessoal de
dirigentes em caso de prática de atos ilícitos (art. 27 da Lei Pelé); e (iv) especificação das
hipóteses de caracterização de gestão temerária (arts. 24 a 27 da LRFE).

56
A estreita via em que a legislação pode perseguir as transformações necessárias no panorama
da gestão desportiva é aquela, como visto, da indução, tendo a autonomia desportiva sido
reiteradamente invocada como escudo para manter a impermeabilidade da estrutura da governança
esportiva a uma já muito tardia modernidade.
Outro instrumento que controla o acesso a recursos públicos é o chamado contrato de
desempenho, instituído para vincular os Comitês Olímpico e Paralímpico Brasileiros e as entidades
de administração – federações e confederações esportivas – a parâmetros objetivos de avaliação e
controle. Eis a sua definição legal:

Art. 56-A. É condição para o recebimento dos recursos públicos federais


que as entidades nominadas nos incisos I, II e III do parágrafo único do
art.13 desta Lei celebrem contrato de desempenho com o Ministério do
Esporte, na forma do regulamento.
§ 1º Entende-se por contrato de desempenho o instrumento firmado entre
o Ministério do Esporte e as entidades de que trata o caput, com vistas no
fomento público e na execução de atividades relacionadas ao Plano
Nacional do Desporto, mediante cumprimento de metas de desempenho.

Tal contrato se constitui de algumas cláusulas essenciais, listadas no § 2º do mesmo artigo


citado acima, pelas quais se exige: (i) especificação de plano de trabalho (inc. I); (ii) fixação de metas,
com os respectivos prazos (inc. II); (iii) critérios objetivos de avaliação (inc. III); (iv) relatório
periódico de execução do contrato (inc. IV); (v) prestação de contas periódica (inc. IV); (vi)
existência de regulamento de contratação por parte da entidade esportiva (inc. V); (vii) publicação
do extrato do próprio contrato de desempenho (inc. VI); e (viii) publicação do demonstrativo de
execução físico-financeira do programa de trabalho (inc. VI).
Não bastasse tanto, o art. 56-B reproduz boa parte dos requisitos arrolados acima, exigindo
que a governança interna das entidades que pretendam firmar contrato de desempenho se adéque
às boas práticas internacionais.
Entretanto, é importante ressaltar que tais exigências têm o potencial de surtir efeito concreto
com os chamados “esportes olímpicos”, na prática, todas as modalidades, com exceção do futebol.
A enorme de massa de recursos financeiros privados que giram em torno do futebol, muito
desproporcional à quantidade disponível para todas as demais modalidades, acabam por tornar a
CBF e as suas filiadas pouco suscetíveis à pressão financeira exercida pela União neste caso.
Como já antecipado neste mesmo item, a situação falimentar de grande parte dos clubes
brasileiros, cujo passivo é majoritariamente de natureza fiscal, acabou por criar uma janela de
oportunidade, redundando no supramencionado Profut, cuja contrapartida pela adesão é
justamente um regime especial de parcelamento de débitos fiscais, previsto no art. 6º da LRFE.

57
A fiscalização do cumprimento dos requisitos para a permanência de um clube no Profut foi
atribuída à Autoridade Pública de Governança do Futebol (Apfut), instituída pelo art. 19 da LRFE:

Art. 19. Fica criada, no âmbito do Ministério do Esporte, a Autoridade


Pública de Governança do Futebol – APFUT, sem aumento de despesa,
com as seguintes competências:
I - fiscalizar as obrigações previstas no art.4º desta Lei e, em caso de
descumprimento, comunicar ao órgão federal para fins de exclusão do Profut;
II - expedir regulamentação sobre procedimento de fiscalização do
cumprimento das condições previstas nos incisos II a X do caput do art.4º
desta Lei;
III - requisitar informações e documentos às entidades desportivas
profissionais; e
IV - elaborar e aprovar o seu regimento interno.
§ 1º A APFUT contará com a participação de representantes do Poder
Executivo federal e da sociedade civil, garantida a participação paritária de
atletas, dirigentes, treinadores e árbitros, na forma do regulamento.
§ 2º Na fiscalização do cumprimento das obrigações de que trata o inciso
I do caput deste artigo, a APFUT poderá fixar prazos para que sejam
sanadas irregularidades.
§ 3º O apoio e o assessoramento técnico à APFUT serão prestados pelo
Ministério do Esporte.
§ 4º Decreto do Poder Executivo federal disporá sobre a organização e o
funcionamento da APFUT, inclusive sobre os procedimentos e ritos
necessários ao exercício de sua finalidade.

Como se vê, “pegando os clubes pelo bolso”, a Administração Federal investe na tentativa de
criar um ambiente de modernidade, havendo exigências detalhadas e rigorosas para a manutenção
dos clubes no programa de parcelamento de dívidas fiscais em questão, tendo-se instituído um
colegiado com uma pretensão plural, em que se garantiria a efetividade das previsões da LRFE.
Contudo, mais uma vez, concentra-se muito poder na própria Administração Federal, na
medida em que, havendo 10 integrantes na Apfut, cinco são oriundos da própria União – três
representantes do Ministério do Esporte, um do Ministério da Fazenda e um da Casa Civil (art. 2º,
I a III, e § 2º, do Decreto nº 8.642, de 19 de janeiro de 2016), e oito são indicados pelo próprio
ministro do Esporte, sendo os outros dois indicados pelos titulares das duas outras pastas
ministeriais mencionadas acima (art. 2º, §§ 4º e 6º, do Decreto nº 8.642/16).
Como mérito, a Apfut, se conduzida com seriedade de propósitos pela Administração
Federal, poderá constituir-se em um órgão de controle estrito sobre a governança das entidades
aderentes ao Profut, assegurando o desenvolvimento da cultura de transparência, responsabilidade
e eficiência muitas vezes ignoradas pela cartolagem nacional.

58
MÓDULO III – DIREITO EMPRESARIAL
DO ESPORTE

Apresentação
Traçado um panorama geral sobre o regramento global e nacional do esporte nos dois
primeiros módulos deste trabalho, cumpre agora iniciar a análise do seu papel como verdadeira
indústria, setor econômico de crescente relevância e que demanda a instituição de instrumentos
jurídicos compatíveis com as suas especificidades. Nesse sentido, é útil a remissão às considerações
de Mark James sobre a natureza cambiante das relações jurídico-desportivas:

Na medida em que o Esporte tornou-se mais comercializado, muitas das


relações que existem em seu âmbito tiveram quem ser reavaliadas. [...]
Práticas que eram consideradas normais dentro do Esporte, mas que jamais
seriam reputadas legais em outros setores, foram questionadas,
normalmente em benefício dos atletas. Malgrado estas transformações, os
tribunais sempre usaram um certo grau de pragmatismo na sua abordagem
de casos envolvendo o Esporte; não é porque a prática é incomum que ela
será automaticamente declarada ilegal. Se um motivo jurídico satisfatório
para a existência de tal prática puder ser sustentado, os Tribunais já
mostraram boa-vontade em considerar que o Esporte é diferente e têm
adotado uma interpretação mais pragmática e benevolente ao Esporte. 90

90
JAMES, Mark. op. cit. p. 233.
Neste módulo, serão apresentadas as singularidades das formas societárias desportivas, o aparato
jurídico existente em torno da organização de eventos desta natureza, assim como as peculiaridades
das relações de trabalho firmadas entre as entidades de prática desportiva e os seus atletas.

Direito societário desportivo


Na medida em que o esporte vai-se consolidando como um relevante setor da economia, ou
ao menos uma parte importante da chamada indústria do entretenimento, a peculiar simbiose entre
os seus agentes principais precisa ser plenamente compreendida, de modo a se refletir sobre a
estrutura societária adequada para o seu pleno desenvolvimento. Nesse sentido, a passagem
doutrinária abaixo sintetiza a singularidade da posição das entidades desportivas no mercado:

O negócio do esporte coletivo profissional exige a organização das equipes


em ligas. 91 Ligas organizam um conjunto de localidades 92 que proveem um
mercado primário para o produto coletivo; tais ligas provem a moldura em
que times se encontram para produzir jogos; elas estruturam jogos em
temporadas, playoffs e finais. Consumidores preferem jogos organizados
entre times competindo por galardões, 93 títulos de divisão ou um lugar nos

91
Aqui entendida a liga como a entidade que organiza um determinado torneio, tal como explicitado no item 1.4 deste trabalho.
92
Funcionando no sistema de franquias, em que os times se alocam em uma cidade específica, de acordo com os
interesses econômicos da liga, as localidades mencionadas na citação se referem justamente às cidades-sede das
grandes ligas norte-americanas.
93
No original, pennants, literalmente traduzido por galhardetes, remetendo à tradição das equipes norte-americanas de
ostentar, nos seus respectivos estádios, galhardetes indicativos de cada título de divisão, conferência ou da própria liga,
conquistados pelos seus times. Importante assinalar que as ligas norte-americanas usualmente se dividem em duas
conferências, e cada conferência se compõe de algumas divisões. A conquista de cada uma delas é celebrada em maior
ou menor escala, dependendo da modalidade considerada, como um título.

60
jogos da pós-temporada. 94 Como constantemente lembrado pelo Comissário
Pete Rozelle aos proprietários dos times da NFL, “se você não pertencesse a
uma liga e só tivesse times disputando scrimmages95 uns contra os outros, você
não poderia esperar muitas pessoas querendo assisti-los.”96

Portanto, embora o esporte se calque na disputa entre as diversas equipes, o esporte profissional,
atividade que se constitui na grande parcela da chamada indústria esportiva, demanda que os adversários
em campo sejam parceiros, sócios, fora dele, como bem destaca Andrew Zimbalist:

Diferentemente de negócios desenvolvidos em outros setores, equipes


profissionais de uma determinada liga, ao mesmo que competem umas contra
as outras, cooperam entre si. O sucesso de uma liga é afetado, em alguma
extensão, pelo grau de incerteza do resultado das suas disputas e das suas
competições ou, dito de outra forma, pelo grau de equilíbrio entre suas
equipes. 97

Diante disto, impõe-se analisar dois graus de organização societária no esporte: aquele referente
às equipes – entidades de prática desportiva –, e o relativo às chamadas entidades de administração
desportiva – ligas, federações, associações e confederações.

Organização societária de entidades de prática desportiva


Ao redor do mundo, a comercialização do esporte tem induzido a transposição do modelo
empresarial para as diversas equipes. Quase universal nos Estados Unidos da América, dado o caráter
comercial tradicionalmente conferido ao esporte profissional naquele país, a organização das equipes
como empresas se espraiou para a Europa, especialmente no âmbito do futebol, onde tal modelo é

94
A pós-temporada, nas grandes ligas norte-americanas, é o primeiro objetivo a ser alcançado em cada ano de
competição, já que representa a passagem, após a temporada regular, onde se joga em um sistema similar aos chamados
pontos corridos, para a etapa de jogos eliminatórios que levarão à disputa do título da liga respectiva.
95
Referindo-se a um discurso do Comissário da Liga de futebol americano (National Football League), a menção às
scrimmages denota um elemento básico do esporte: a chamada linha de scrimmage é o traço fictício que atravessa o
campo no seu eixo longitudinal, separando as equipes em disputa. É sobre ela que a bola é repousada antes do início da
jogada e é ela que serve de referência para a contagem das jardas necessárias à manutenção da posse de bola. Sendo o
futebol americano um esporte de disputa essencialmente territorial, a disputa pelo avanço ou não da linha de scrimmage
é um elemento crucial na determinação da vitória. Portanto, o Comissário busca contextualizar a potencialização que a
organização de uma liga proporciona: se não houvesse tal produto coletivo – a liga –, o esporte se reduziria a aleatórias
disputas pela linha de scrimmage, e não por um prêmio singular: o título representado pela conquista de uma Divisão, da
Conferência ou mesmo pelo êxito no Superbowl.
96
DANIELSON, Micheal. Overview of the professional model. In: ROSNER, Scott R.; SHROPSHIRE, Kenneth L. The business of
sports. Sudbury: Jones & Bartlett, 2011, p. 53.
97
ZIMBALIST, Andrew. Sport as a business. In: ROSNER, Scott R.; SHROPSHIRE, Kenneth L. op. cit. p. 12.

61
especialmente disseminado na Inglaterra, que tem usufruído de gigantescos aportes de recursos
financeiros pela pura e simples compra do controle das empresas em que se transformaram os clubes
tradicionais daquele país.
Aliás, esse sistema de controle individual sobre uma determinada equipe também é muito comum
nos Estados Unidos, em que as franquias das grandes ligas muitas vezes se identificam com o seu próprio
“dono”.
Neste sentido, tais equipes se constituiriam no que poderia ser qualificado no Brasil como uma
empresa familiar, normalmente organizada sob a forma de uma sociedade por quotas de
responsabilidade limitada, ou ainda uma sociedade anônima de capital fechado, em que o controle da
quase totalidade das quotas pertenceria a um só indivíduo ou, no máximo, a um grupo familiar restrito.
Uma exceção relevante nesse quadro é o caso do Green Bay Packers, tradicionalíssima equipe de
futebol americano, um dos maiores vencedores do Superbowl e identificado com o técnico que dá nome
ao próprio troféu principal da NFL, Vince Lombardi. Ao contrário dos demais times da liga em questão,
o Green Bay Packers, embora seja uma sociedade empresarial, tem o seu controle pulverizado por
milhares de indivíduos, quase sempre residentes da pequena cidade de Green Bay, que mantêm a sua
participação societária como uma demonstração de vínculo com a comunidade, que tem na equipe um
dos seus maiores – senão o maior – orgulhos.
Na outra ponta do espectro, encontra-se a estrutura societária tradicional no Brasil, e também
existente em alguns países da Europa: a organização sob a forma de associação civil sem fins lucrativos.
Amplamente prevalente no Brasil, tal modelo também se faz presente, por exemplo, nos dois gigantes
do futebol espanhol, Real Madrid FC e FC Barcelona.
Nesse caso, as equipes se constituem como clubes, cuja natureza jurídica é justamente a de
associação civil, tendo um quadro de associados que periodicamente elegem um corpo dirigente não
remunerado, que exerce o poder de administração do clube por um mandato pré-determinado.
Tal modelo de organização societária é muito propenso à politização da gestão interna dos clubes,
confundindo a administração do esporte profissional com as demandas de cunho social dos seus
associados, muitas vezes preocupados com a limpeza da piscina ou com a “necessidade imperiosa” de se
reforçar a equipe de bocha da mesma agremiação.
Nesse sentido, é emblemática a perplexidade externada por Pedro Trengrouse:

As organizações esportivas nasceram para promover iniciativa amadora que


nos últimos 30 anos se transformou num negócio multimilionário, sem
qualquer evolução significativa nos estatutos que as governam, tampouco na
legislação que as regula. Faltam democracia, transparência e controle social.

62
[...] Por que o diminuto quadro social dos clubes ainda dá as cartas na gestão
do patrimônio das suas torcidas? Pode o presidente do Flamengo, que
representa 40 milhões de torcedores e administra quase R$ 400 milhões/ano,
ser eleito com apenas 1.414 votos?98

Diante disto, indaga-se: qual é o modelo societário mais adequado? A presença de Real
Madrid e Barcelona do mesmo lado em que estão os falidos clubes brasileiros mostra que não há
resposta correta. A estrutura societária de uma equipe depende das suas finalidades e do seu modelo
de financiamento.
A adoção de modelos de capital fechado se mostra eficiente quando a organização tem, nos
seus associados ou no seu controlador, uma grande fonte de recursos. Os “donos” de clubes ingleses
ou das franquias das ligas norte-americanas são as garantias de suporte financeiro, ainda que se
provido em bases pouco racionais do ponto de vista econômico, como novamente destaca a lição
de Andrew Zimbalist:

Esses aspectos singulares das ligas esportivas levam aos proprietários dos
times a se comportar diferentemente dos donos de outros negócios? O
preeminente cronista esportivo Leonard Koppett (1973, p. 11),
escrevendo 30 anos atrás na New York Times Magazine, sugere que sim:
“Proprietários de times não são empresários comuns. Para começar, lucro
não é o motivo primário para tal proprietário. Qualquer homem com os
recursos para adquirir um time das grandes ligas pode encontrar meios de
fazer melhores investimentos por dólar. Seu retorno em termos de prestígio
social [...] Um homem que toca um negócio de $ 100 milhões anuais é
geralmente anônimo aos olhos do grande público; um homem que detém
até mesmo uma parcela de um clube esportivo que arrecade $ 5 milhões
num ano é uma celebridade. Sua foto e seus comentários são
repetidamente publicados em jornais, conhecidos em cada canto de sua
comunidade [...] Isto não significa, obviamente, que clubes esportivos não
busquem lucros [...] mas o mote principal é ter um time popular e
vencedor [...] e aquela motivação acarreta importantes diferenças do
comportamento empresarial ‘normal’”.

98
TRENGROUSE, Pedro. Novos modelos para um novo futebol. Prefácio na obra de MARTINS, Fernando Barbalho. Futebol:
manual de (re)montagem. op. cit. p. 26.

63
Para confirmar, muitos economistas concordam com esta perspectiva.
Peter Sloane, no seu conhecido artigo sobre o futebol inglês, afirma: “É
bastante evidente que diretores e cotistas investem dinheiro em clubes de
futebol não por causa de expectativas de ganhos pecuniários, mas por
razões psicológicas como a ânsia de poder, o desejo de prestígio, à
propensão à identificação com o grupo e ao sentimento de lealdade de
grupo que lhe é relacionada” (SLOANE, 1971, p. 134). 99

Já modelos de capital aberto se destinam a facilitar a captação de recursos no mercado em


geral, tornando os clubes mais atrativos para investidores. O problema com uma certa “excessiva”
comercialização das estruturas societárias dos clubes é o risco da perda de identidade com a
comunidade que lhe deu origem. Decisões de cunho estritamente comercial podem levar o clube –
ou a franquia, nos esportes norte-americanos – a excluir o segmento populacional que
tradicionalmente lhe apoia, em troca de maiores perspectivas de receitas com os chamados
matchdays, ou até mesmo a trocar de cidade-sede, como habitualmente ocorre com as equipes das
grandes ligas norte-americanas. 100
A manutenção das agremiações como sociedades civis sem fins lucrativos é até mais
consentânea com os reais objetivos de um clube esportivo, bem destacados na citação de Andrew
Zimbalist, acima. Entretanto, os crescentes custos para a formação e manutenção de uma equipe
competitiva torna a busca por recursos financeiros um aspecto crucial na gestão de tais entidades.
Nesse sentido, a politização interna dos clubes tradicionais, especialmente no Brasil, é um fator de
afastamento de investidores e de enfraquecimento incessante dos seus times.
O verdadeiro abismo gerencial que se abriu entre a realidade do esporte brasileiro –
especialmente o futebol – e os grandes centros do esporte mundial demanda uma guinada nos
modelos societários das entidades de prática desportiva. A primeira tentativa feita no sentido de
implementar tal transformação foi a chamada Lei Zico (Lei nº 8.672/93), já citada anteriormente
neste trabalho, cujo texto possibilitou aos clubes se transformarem em empresas:

Art. 11. É facultado às entidades de prática e às entidades federais de


administração de modalidade profissional, manter a gestão de suas
atividades sob a responsabilidade de sociedade com fins lucrativos, desde
que adotada uma das seguintes formas:
I - transformar-se em sociedade comercial com finalidade desportiva;

99
ZIMBALIST, Andrew. op. cit. p. 12.
100
É emblemático o episódio do Baltimore Colts, que pretendendo que a prefeitura lhe estendesse favores fiscais para a
construção de um novo estádio, chantageou a cidade com a ameaça de mudança de sede. Como a municipalidade não
cedeu à chantagem, o proprietário do time, de um dia para o outro, mudou toda a sua estrutura para Indianápolis,
levando até mesmo as traves do campo de jogo!

64
II - constituir sociedade comercial com finalidade desportiva, controlando
a maioria de seu capital com direito a voto;
III - contratar sociedade comercial para gerir suas atividades desportivas.

Em que pese ao ímpeto reformador daquela iniciativa legislativa, o efeito concreto de tal
comando normativo foi quase nulo. Revogada pela Lei Pelé, a atual norma geral do desporto
brasileiro, além de reproduzir previsão semelhante (art. 27, § 9º), 101 cria mecanismos que, embora
não obriguem a conversão das agremiações esportivas em sociedades empresárias, estendem o
regime próprio destas àqueles clubes e entidades que atuem profissionalmente.
De fato, ainda que o art. 26 afirme que “atletas e entidades de prática desportiva são livres
para organizar a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade”, o artigo seguinte estatui
claramente no seu § 13:

Art. 27. [...]


§ 13. Para os fins de fiscalização e controle do disposto nesta Lei, as
atividades profissionais das entidades de que trata o caput deste artigo,
independentemente da forma jurídica sob a qual estejam constituídas,
equiparam-se às das sociedades empresárias.

Portanto, ciente da dificuldade de financiamento do esporte nacional de alto rendimento,


o legislador estreitou os parâmetros de funcionamento das entidades de prática desportiva,
criando mecanismos que induzam uma moldura societária que garanta transparência, controle
e responsabilidade.
Tratados em caráter preliminar na unidade 2.4 deste trabalho, cumpre detalhar os requisitos
de governança que deverão constar dos atos constitutivos de qualquer entidade de prática desportiva
que pretenda ter amplo acesso a fontes de financiamento das suas atividades, ainda que a
modalidade societária não seja de índole empresarial.

Estruturação dos órgãos estatutários da entidade


Neste caso, a composição dos órgãos executivos, fiscais e deliberativos do clube, agremiação
ou empresa que opere uma equipe esportiva deve atender aos objetivos de democratização interna
preconizados pela legislação. Eis as diretrizes para a obtenção de recursos da Administração Federal:
a) limitação de mandato do seu dirigente máximo em quatro anos, com só uma recondução
(art. 18-A, I, da Lei Pelé);
b) previsão estatutária de alternância nos cargos de direção (art. 18-A, VII, “e”, da Lei Pelé);

101
É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo
um dos tipos regulados nos arts.1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.

65
c) representação de atletas nos órgãos e conselhos competentes para a aprovação de
regulamentos de competições (art. 18-A, V, da Lei Pelé);
d) representação de atletas na direção da entidade (art. 18-A, VII, “g”, da Lei Pelé) e
e) participação dos atletas na eleição para os cargos da entidade (art. 18-A, VII, “g”, da Lei Pelé).

Mecanismos de transparência
Além do dever genérico de divulgação de dados econômicos e financeiros (art. 18-A, IV, da
Lei Pelé), as entidades desportivas deverão instituir procedimentos e mecanismos que assegurem o
acesso de todos os associados às informações relativas à sua prestação de contas, assim como a
publicação dos seus dados gerenciais em sítio eletrônico (art. 18-A, VIII, da Lei Pelé).
Sistemas de controle interno
A legislação institui a obrigação de existência de conselho fiscal autônomo (art. 18-A, VI, da
Lei Pelé) e instrumentos de controle social (art. 18-A, VII, “b”, da Lei Pelé), além do dever de
sujeição das contas da entidade à apreciação do referido conselho fiscal e à aprovação de conselho
de direção (art. 18-A, VII, “f”, da Lei Pelé).
No âmbito específico do futebol, o esforço legislativo de aprimoramento da governança
societária das entidades desportivas traduz-se, no momento em que esta apostila está sendo revisada,
na tramitação de dois projetos de lei perante o Congresso Nacional, um já aprovado pela Câmara
dos Deputados (o PL nº 5.082/2016) e aguardando apreciação pelo Senado Federal, e o outro (o
PL 5.516/2019) originado no mesmo Senado Federal e que, provavelmente, será discutido em
conjunto com aquele proveniente da Câmara dos Deputados.
Importante assinalar que o PL 5.082/2016 foi substancialmente alterado na sua tramitação,
tendo o seu substitutivo muito pouco da concepção original, sendo grande parte das suas previsões
reeditadas no PL 5.516/2019.
Tanto a redação original do PL 5.082/2016 quanto o PL 5.516/2019 concentram os seus
esforços na criação da Sociedade Anônima do Futebol (SAF), espécie societária que induziria
requisitos ainda mais rigorosos de transparência e profissionalização da gestão das entidades de
prática de futebol profissional.
Com efeito, das quatro formas de constituição de uma SAF, três envolvem a participação
efetiva de um clube na sua forma tradicional de associação civil, seja pela sua transformação integral
em SAF, seja pela transferência dos seus ativos e direitos relacionados à prática do futebol
profissional para a nova SAF, ou ainda pelo estabelecimento de uma parceria com terceiro (pessoa
natural ou jurídica) e a consequente criação de SAF que formalize e concretize tal parceria. No PL
5.516/2019, de origem no Senado Federal, esta última possibilidade não foi contemplada.

66
Na esteira dessas premissas, que revelam o principal objetivo dos PLs, justamente a
modernização da estrutura societária dos clubes tradicionais de futebol profissional, os textos
legislativos buscam disciplinar a sucessão e a distinção de obrigações entre clubes e SAFs, o
compartilhamento de propriedade intelectual relativa à prática do futebol e a forma de utilização
das instalações esportivas do clube pela SAF, caso tais bens não tenham sido empenhados na
subscrição do capital social da nova sociedade.
A preservação da identidade social, cultural e esportiva de associações centenárias é preservada
pela instituição de Golden share, a chamada “ação ordinária classe A”, detida pelo clube que deu
origem à SAF e que lhe confere direitos especiais de veto na deliberação das seguintes matérias:
a) negociação de bens imóveis ou de propriedades intelectuais do clube ou por ele utilizados
para integralização do capital social;
b) reorganização societária ou cessão de ativos relacionados à gestão do futebol;
c) dissolução, liquidação ou extinção da SAF;
d) falência ou recuperação judicial da SAF;
e) alteração do nome da agremiação esportiva;
f) modificação de símbolos, escudos, marca, alcunha, hino ou cores da agremiação esportiva e
g) mudança de estádio ou de sede territorial da agremiação esportiva.

Os dois PLs também instituem salvaguardas à lisura das competições e à integridade das
próprias SAFs, estabelecendo:
 os deveres de informação para quem detenha participação relevante no capital de social
de SAF;
 a obrigatoriedade de ações nominativas, para coibir ocultação de investidores e lavagem
de dinheiro; e
 a proibição de duplo controle de SAF’s que participem da mesma competição.

A elevação dos padrões de governança e de profissionalismo na gestão são o claro objetivo de


outra série de dispositivos, que preveem:
 o número mínimo de membros independentes do Conselho de Administração, de
instalação e de funcionamento obrigatórios;
 a obrigatoriedade de funcionamento permanente de Conselho Fiscal;
 a exigência de dedicação exclusiva para membros da Diretoria das SAFs;
 a vedação de cumulação de cargos no clube e na SAF a ele relacionada e
 a obrigatoriedade de auditoria independente e publicação de informações relevantes da
SAF.

67
Como estímulo à conversão dos clubes ao novo modelo, mais uma vez a legislação busca
incentivos financeiros, normalmente atrelados à redução do passivo monumental acumulado pelos
clubes ao longo dos anos.
Neste caso, são três as medidas: a instituição de um programa de refinanciamento fiscal
(REFUT), a possibilidade de dedução no imposto de renda pela adesão a Programas de
Desenvolvimento Educacional e Social (PDEs), em que as despesas comprovadamente realizadas
em projetos de tal natureza podem ter o triplo do seu valor deduzido do lucro tributável apurado,
e, finalmente, a instituição da chamada Debênture-Fut, título mobiliário com tratamento tributário
favorecido no imposto de renda, para captação de recursos no mercado.
A grande convergência entre a redação original do PL 5.082/2016 e o PL 5.516/2019 se deve,
como foi antecipado, à amplíssima revisão do texto do primeiro projeto, na sua discussão na Câmara
dos Deputados, que se transformou numa peça com grande ênfase em favores fiscais para os clubes.
Com efeito, a discussão do chamado clube-empresa restringe-se a quatro artigos, onde se abre
todo o leque de espécies societárias para a conversão, afrouxando-se de forma expressiva os requisitos
de governança, tanto pelo menor detalhamento do funcionamento do clube-empresa quanto pelo
abrandamento ou pura e simples supressão de diversas exigências de transparência e
profissionalismo da sua gestão.
Para além de tais quatro artigos, o substitutivo do PL 5.082/2016 cria um regime de
tributação simplificada para o futebol (Simples-Fut), que ainda permite dedução dos custos com o
futebol feminino e com projetos sociais do valor dos tributos devidos; institui novo programa de
refinanciamento fiscal; e cria vantagens trabalhistas para os clubes-empresa.
Também permite uma automática recuperação judicial dos clubes que se converterem ao
regime empresarial e, ao mesmo tempo, exclui a penhorabilidade das propriedades intelectuais dos
clubes, excluindo talvez os ativos mais valiosos de tais agremiações de qualquer negociação atinente
aos seus gigantescos passivos.
Como estão ainda em tramitação ambos os PLs destacados, é importante relembrar o que já
foi afirmado acima: a adoção de uma ou outra forma societária não é garantia de sucesso.
Endossando tal entendimento, impõe-se a remissão à abalizada avaliação de César Grafietti, autor
de alentado estudo sobre os modelos de clube-empresa em discussão no Brasil:

As discussões sobre o clube-empresa são um passo na direção de buscar


soluções novas para velhos problemas. Contudo, é preciso ficar claro que
se transformar em empresa não é uma mudança mágica, que fará clubes
quebrados se transformarem em máquinas de fazer dinheiro e conquistar
títulos. Há riscos, que precisam ser corretamente mensurados e avaliados.
Precisamos passar de fase e ter condições de debater sobre nossas estruturas
societárias, com regras que evitem os riscos regulatórios e que possibilitem
mudança na estrutura de gestão.” (GRAFIETTI, 2020, p.69)

68
No caso dos instrumentos de controle social, a regulamentação da Lei Pelé positivou tal
exigência na instituição de representação, em órgãos consultivos da entidade, da comunidade ou
grupo social envolvido nos projetos financiados por recursos públicos.

Organização societária de ligas e entidades de administração desportiva


Neste âmbito, cumpre reiterar afirmação já feita anteriormente neste trabalho: a submissão
tradicional do Brasil ao modelo europeu do esporte gerou para as entidades de administração do
desporto – federações e confederações esportivas – um verdadeiro monopólio de fato, o que serviu,
ao longo da história, para alimentar os desmandos mais variados, combatidos na forma de indução
de processos modernizantes em tais entidades, tal como descrito na unidade 2.4 deste trabalho.
Exigências para a obtenção de recursos federais similares àquelas das entidades de prática
desportiva foram fixadas para as federações e confederações, mas buscou-se, principalmente, além
de tal estruturação orgânica, que o processo eleitoral também fosse objeto de disciplina por parte
da Lei Pelé, que no seu art. 22, também transcrito na unidade 2.4 acima, garantiu, objetivamente:
(i) direito de defesa para a impugnação do direito de participar da eleição; (ii) publicidade da eleição;
(iii) idoneidade do sistema de votação; (iv) limite entre os valores atribuídos aos votos de cada
categoria de associados; e (v) reconhecimento das agremiações participantes das principais
competições – primeira e segunda divisões nacionais – como integrantes do colégio eleitoral.
Outro aspecto relevante é a concomitante abertura para que um modelo misto se instaure no
Brasil, criando-se um espaço para a constituição de ligas (art. 20, caput, da Lei Pelé), garantindo-se
a sua independência em relação às federações e confederações esportivas (art. 20, § 5º, da Lei Pelé)
e a filiação simultânea dos clubes e agremiações a estas e aquelas (art. 20, § 4º, da Lei Pelé),
buscando-se mitigar, desta forma, o monopólio factual referido acima e, por conseguinte, reduzindo
o poder de intimidação que a ameaça de exclusão do sistema de filiação desportiva gerava nos clubes
que buscassem um sistema mais racional e eficiente de organização das suas atividades.

Organização de eventos
As diversas competições esportivas, desde os torneios mais simples até os megaeventos que o
mundo testemunha a cada dois anos, como os Jogos Olímpicos e as Copas do Mundo de Futebol,
são, ao mesmo tempo, plataformas comerciais e meios de difusão do esporte.
Uma síntese adequada da importância dos eventos esportivos para o desenvolvimento dessa
indústria é dada pela Ciência da Administração:

69
O consumidor de esportes contrata um serviço ou compra um produto
com base naquilo que lhe foi prometido e nas expectativas que lhe foram
criadas. Sendo assim, é preciso ficar continuamente atento sobre se o que
lhe está sendo entregue corresponde exatamente às expectativas criadas.

No caso de eventos esportivos, em que o consumo baseia-se


exclusivamente em experiências e sensações, atender às expectativas do
consumidor torna-se particularmente fundamental. Se houve a divulgação,
por exemplo, de que a comercialização de ingressos de um evento esportivo
terá início em determinado dia, horário e local, é fundamental que isso seja
rigorosamente cumprido, caso contrário, produzirá insatisfação nos
consumidores, comprometendo a credibilidade da oferta. 102

Além das questões de comercialização dos ingressos em si, aspecto que durante muito tempo
era – e ainda o é em certa medida – crucial para o sucesso financeiro de uma competição, há
inúmeros elementos que cercam a realização de qualquer evento esportivo, desde a segurança das
instalações até a contratação de patrocínios e de direitos de transmissão.
A organização de eventos esportivos, sob o ponto de vista jurídico, se calca em duas frentes
distintas: a primeira é de natureza obrigacional privada, materializando-se em um feixe considerável
de contratos; enquanto a segunda interage de forma intensa com os ramos do Direito
Administrativo, na medida em que inúmeros licenciamentos são necessários, em especial naqueles
eventos de grande porte.
Analisando a estrutura jurídica dos eventos esportivos, David Becker lista diversas espécies de
contratos que podem ser firmados para a organização de uma competição atlética que tenha
repercussões públicas:
 contratos de gestão de evento;
 contratos de transmissão;
 contratos de merchandising;
 contratos de participação;
 contratos de programas de souvenir;
 contratos de aluguel de instalação esportiva;
 contratos de bilhetagem;
 contratos de patrocínio;
 contratos de hospitalidade e
 contratos de sede de evento. 103

102
BLANCO, Lucio da Silva. Gestão de eventos esportivos. In: MATTAR, Michel Fauze; MATTAR, Fauze Najib (Orgs.). Gestão
de negócios esportivos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013, p. 257.
103
BECKER, David. The essential legal guide to events. Cape Town: Dynamic Publishing, 2007.

70
Tais contratos podem envolver partes estrangeiras ou se sujeitarem a padrões preestabelecidos
pelas entidades internacionais de administração do desporto envolvido no evento, gerando questões de
Direito Internacional Privado, quanto à aplicação de regras de outros ordenamentos jurídicos.
A miríade contratual que sempre está por trás de eventos esportivos traduz, em larga medida, a
multiplicidade de atores neles envolvidos: clubes, entidades de administração desportiva,
patrocinadores, redes de comunicação detentoras dos direitos de transmissão, jornalistas credenciados,
público, atletas, pessoal de apoio, administradores e operadores da arena esportiva, e outro sem-número
de prestadores de serviços e fornecedores de produtos relacionados ao evento em si, aos clubes e às
demais entidades envolvidas no espetáculo.
Do outro lado, quanto maior o público, maior a necessidade de segurança e maior o impacto do
evento na cidade que o sedia. Nesse sentido, são diversas as licenças, permissões e autorizações a serem
obtidas para a regular realização de uma competição pública, havendo enorme variação de órgãos
públicos envolvidos, dependendo da legislação local sobre a realização de eventos.
Essa intrincada teia de vínculos jurídicos e obrigações públicas e privadas assumidas pelos diversos
agentes envolvidos na realização de um evento esportivo se desdobram em três esferas de
responsabilidade: cível, criminal e administrativa, demandando um intenso trabalho preventivo tanto
no âmbito jurídico, quanto naquele operacional.
A atuação preventiva em eventos dessa natureza se consolida na atividade de gerenciamento de
risco, assim definido pela doutrina:

Gerenciamento de risco é o processo de identificação e controle de riscos. É


um processo amplo que reflete boa prática na indústria. Geralmente, o
processo envolve a identificação de riscos potenciais, e a avaliação da
probabilidade e da gravidade de tais riscos. Tal etapa é seguida pela avaliação
de que medidas poderiam ser razoavelmente adotadas para controlar tais
riscos, reduzindo-os ou eliminando-os. Obviamente, nem todos os riscos
podem ser controlados, e aí o papel dos seguros é crucial.

A importância do processo de gerenciamento de risco se reflete nos benefícios


que dele resultam. Sob um ponto de vista negocial, ele inspira confiança na
operação bem-sucedida do evento. Mais importante, um gerenciamento de
risco efetivo ajuda no controle das responsabilidades jurídicas que podem
decorrer de um evento. Há vários deveres de diligência e de garantia de que
os organizadores de eventos não ajam abaixo de um padrão de cuidado e
prevenção. [...] Para além disso, há sanções que podem ser aplicadas por
entidades de administração do desporto, resultando não somente em multas,
eliminação, perda de pontos ou até mesmo rebaixamento.104

104
NAIDOO, André. Event management. Londres: Informa Professional Academy, 2015. p. 48. Tradução livre.

71
Nesse sentido, uma cuidadosa redação dos contratos é crucial, mas também é imperiosa a
atenção, no Brasil, ao rigoroso regime estabelecido pelo EDT, instituído pela Lei nº 10.671/03.
Com efeito, o EDT se constitui em reconhecimento do impacto econômico detido pelo
esporte, e da incontornável necessidade de sujeição dos clubes e das federações aos ditames que
disciplinavam a oferta em massa de serviços e produtos em outros setores comerciais. É na esteira
desta premissa que o EDT entrou em vigor, sendo editado claramente com base na competência
do art. 24, V, da Constituição da República, que confere à União a prerrogativa de disciplinar o
consumo e a defesa do consumidor, consolidando o esporte de desempenho – em especial, mas não
exclusivamente o futebol – como importante ferramenta econômica, a merecer consistente
disciplina jurídica, que permita o resguardo da sua possibilidade de desenvolvimento, com frutos
para toda a sociedade.
Analisando-se o âmbito de incidência do EDT, verifica-se que o art. 2º estabelece:

Art. 2º Torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer


entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de
determinada modalidade esportiva.
Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se a apreciação, o
apoio ou o acompanhamento de que trata o caput deste artigo.

Tal dispositivo legal apressa-se em dar a mais larga definição do sujeito da defesa preconizada
pelo EDT, identificando como torcedor qualquer pessoal que se insira em uma das três atividades
descritas pelo tipo legal: apreciação, apoio e associação, meios de filiação que externam grau
crescente de comprometimento individual com a entidade desportiva, configurado nas esferas
emocional, material e jurídica.
A primeira delas traduz a grande parte da torcida nacional, expressando a identificação
subjetiva, de conteúdo emocional ou estético com determinada entidade de prática desportiva,
revelada pela admiração e a contemplação das suas realizações, sem maiores repercussões de
natureza material.
No outro extremo, ao prever a associação como meio de identificar o torcedor, o EDT
estende a sua tutela não só àqueles que compõem o quadro social da entidade de prática desportiva,
mas também a uma categoria de associados recentemente introduzida na realidade dos clubes
brasileiros: o sócio-torcedor, normalmente caracterizada por uma filiação com direitos restritos,
normalmente, em troca de contribuição pecuniária, a preços diferenciados ou preferência para
aquisição de ingressos.
No ponto médio dessas duas caracterizações está o chamado apoio, que exige a exteriorização
de algum ato concreto, objetivamente aferível, no sentido de contribuir para o desenvolvimento das
ações da entidade desportiva, não sendo necessário, entretanto, que tal ato tenha natureza econômica.

72
Nada obstante, o ato mais frequentemente aferível de apoio é justamente a aquisição de ingresso
para o comparecimento a algum evento esportivo envolvendo a sua agremiação de preferência, ou
seja, tanto no que diz respeito ao referido apoio, quanto à própria associação, o ato mais comum de
exteriorização de tal enquadramento como torcedor é o comparecimento ao estádio.
Embora não só esse tipo de atividade seja enquadrável como torcida para os fins legais, é o
mais relevante para a análise encetada neste tópico, na medida em que se busca apreciar a incidência
do EDT sobre a gestão dos eventos esportivos.
Ao lado da qualidade do espetáculo e dos serviços a ele associados, um ponto central da
atuação de um gestor de eventos esportivos deve ser a garantia da segurança de cada um dos
torcedores presentes ao equipamento em que estes vierem a ocorrer, estendendo-se a
responsabilidade a um amplo feixe de destinatários, como deixa bem claro o art.1º-A do EDT:

Art. 1º-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do


poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou
entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores,
inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de
qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos
eventos esportivos.

A questão da violência, talvez o maior problema do esporte brasileiro há algum tempo, é


fixada como responsabilidade de todos os envolvidos, permanente ou eventualmente, com a
realização dos eventos desportivos, na esteira do que preceitua o próprio art.144 da Constituição
da República:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos [...]. (grifo aditado)

A partir desta premissa, percebe-se que os responsáveis pelo evento esportivo devem tomar
todas as providências para salvaguardar a segurança dos torcedores que a ele comparecerem. Tal
dever de cuidado é positivado com mais detalhes no art. 14 do EDT, que atribui ao mandante da
partida – agremiação que detém o controle da sede em que se realizará a competição –, 105 as
seguintes obrigações:
 solicitação prévia de presença de forças públicas de segurança dentro e fora do local de
realização do evento (inc. I);

105
O EDT estabelece um critério até mais abrangente, como se percebe do art.15 do referido diploma legal: “O detentor
do mando de jogo será uma das entidades de prática desportiva envolvidas na partida, de acordo com os critérios
definidos no regulamento da competição”.

73
 comunicação às autoridades públicas a respeito dos detalhes do evento pretendido – local,
horário de abertura, capacidade e expectativa de público (inc. II) e
 alocação de orientadores e serviço de atendimento ao público (inc. III).

O dever de cuidado se concretiza em outros comandos expressos do EDT:


 contratação de seguro de acidentes de pessoais para cada torcedor portador de ingresso
(art. 16, I);
 disponibilização de estrutura de socorro médico (art. 16, III e IV) e
 implementação de planos de ação para segurança, transporte e contingências (art. 17).

Além da instituição de tais deveres, a capacidade de público de cada equipamento esportivo


também suscita a obrigação da instalação de uma infraestrutura material mínima, também com
vistas à preservação da segurança dos torcedores, como uma central de monitoramento por imagem
(art. 18) e monitoramento específico das catracas de ingresso ao estádio (art. 25).
Importante assinalar que, nos seus quase 15 anos de vigência, o EDT sofreu algumas
alterações, sendo as duas mais destacadas aquelas promovidas pelas Leis nº 12.299, de 27 de julho
de 2010, e nº 13.155/15, esta última que instituiu o Profut.
Tais diplomas legais buscaram incorporar as novas tendências de gestão do esporte como
atividade econômica, observando, inclusive, os problemas especificamente verificados no desporto
brasileiro. Um bom exemplo é a inserção do art. 2º-A, que definiu a figura da torcida organizada,
atribuindo-lhe deveres de cadastro, a fim de que seja preservado o importantíssimo papel de
mobilização do público em geral desempenhado por tais entidades, mas expurgando-se das suas
fileiras os conhecidos marginais que protagonizam as cenas dantescas que afastam os torcedores
comuns dos estádios.
Na esteira de tal inovação, o dever de transparência imposto à organização das competições
esportivas foi estendido à divulgação da “relação dos nomes dos torcedores impedidos de
comparecer ao local do evento esportivo” (art. 5º, § 1º, VI), de modo a explicitar a efetiva
divulgação dos indivíduos que cumprem penas alternativas ou acessórias de banimento de estádios.
Ainda no âmbito da responsabilidade imposta aos torcedores no sentido de colaborar com a
preservação da segurança, verifica-se que a Lei nº 12.299/10 também introduziu o art. 13-A ao
EDT, estabelecendo “condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo”, entre
as quais estão:
 não portar objetos que possibilitem a prática de atos violentos (inc. II);
 consentir com revista pessoal (inc. III);
 não portar artefatos ou sinais, ou entoar cânticos ofensivos, discriminatórios ou xenófobos
(incs. IV e V);
 não arremessar objetos ou invadir o local de competição (incs. VI e IX);
 não portar ou utilizar engenhos pirotécnicos (inc. VII) e
 não incitar ou praticar atos de violência (inc. VIII).

74
Além da preocupação elementar, relativa à segurança, o EDT ainda busca o aprimoramento
das condições de assistência a eventos esportivos, criando um arcabouço jurídico que tenta induzir
um padrão mais elevado de serviços na indústria desportiva, criando a obrigação de venda
antecipada de ingressos (art. 20) com lugar marcado (art. 22) e preço impresso no respectivo tíquete
(art. 24). Também institui obrigações relativas a esquemas especiais e condições mínimas de
oferecimento de serviços de transporte (arts. 26 e 27) e de alimentação e higiene (arts. 28 e 29).
Importante assinalar que, enquadrada como uma relação de consumo, a presença a um evento
esportivo deve ocorrer isenta de danos ou vícios no serviço ali oferecido, sob pena da instituição de
responsabilidade solidária entre o mandante do jogo, a entidade responsável pela organização da
competição e os seus respectivos dirigentes (art. 19 do EDT).

Direito do Trabalho Desportivo


O último aspecto a analisar nas relações do que este curso convencionou chamar de Direito
Empresarial do Esporte são os vínculos de natureza trabalhista, formados em especial, mas não
somente com atletas, estendendo-se cada vez mais a outros agentes dessa indústria, como treinadores
e gestores executivos.
Nesse sentido, o contexto em que os detentores da força de trabalho desportivo obtiveram
crescente valorização é bem explicitado por Andy Gray:

Os últimos vinte anos testemunharam um expressivo desenvolvimento na


área da representação de jogadores e atletas. Isto pode ser atribuído
parcialmente às consequências advindas do representativo precedente fixado
no Caso Bosman, o que resultou num reforçado poder econômico para os
jogadores de futebol profissional, que obtiveram o reconhecimento de seu
“passe livre” quando encerrados os respectivos contratos. Nada obstante, os
desdobramentos foram ainda mais além, talvez por conta do aumento da
percepção da categoria quanto às oportunidades comerciais mais amplas
para as personalidades esportivas mais proeminentes, que passaram a poder
desenvolver fontes significativas de receitas extracampo. 106

Em meio a esse cenário, os atletas profissionais passaram a contar com maior poder de
negociação, resultando em uma escalada dos ganhos, tanto dos seus empregadores, os clubes,
quanto derivada de premiação em esportes individuais ou de publicidade associada às suas
respectivas imagens.

106
GRAY, Andy. Representing the athlete/player. Londres: Informa Professional Academy, 2014, p. 12. Tradução livre.

75
No Brasil, esse processo foi reforçado pela edição da já citada Lei Pelé, que extinguiu a figura
do “passe”, vínculo desportivo que prendia o atleta ao clube, como se aquele fosse efetiva
“propriedade” deste último, restringindo a sua liberdade profissional.
Anteriormente visto como uma relação trabalhista absolutamente sui generis, o contrato de
trabalho desportivo passou a contar com uma regulamentação legal mais próxima da realidade dos
demais trabalhadores brasileiros e, por que não dizer, mais consentânea com as balizas
constitucionais das relações de emprego.
Por outro lado, enquanto o futebol apresenta uma longa e consolidada trilha na
profissionalização das suas atividades, as demais modalidades não contam com a mesma estrutura
econômica e operacional, o que demandava a distinção entre dois mundos quase que absolutamente
distintos, ao menos no Brasil.
Nesse sentido, a Lei Pelé buscou definir os limites da competição profissional, para estabelecer
os limites dentro dos quais haverá uma incidência mais aguda da legislação trabalhista:

Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar
a atividade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os
termos desta Lei.
Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta
Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais
cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo.

Portanto, a relação empregatícia ocorrerá, a princípio, para atletas que participem de


competições profissionais, ou seja, aquelas que obtenham renda a partir da sua realização, mas isso
não é suficiente. A relação com o seu empregador exige o cumprimento de um requisito formal,
qual seja, a fixação de uma remuneração com base em contrato de trabalho desportivo, modalidade
especial de contrato de trabalho em que haja necessariamente a previsão de cláusulas indenizatória
desportiva e compensatória desportiva.
A formalidade de tal elemento é incontornável e essencial à formação do vínculo entre o atleta
e a agremiação que conta com os seus serviços, como bem aponta a doutrina especializada:

Por contrato formal, como previsto na Lei, deve-se entender “contrato


escrito”, no qual são pactuados os direitos e obrigações, que serão levados
para registro na entidade de administração do desporto. Não se registra
um contrato verbal, então todos os contratos de atletas, sejam eles
profissionais ou não profissionais, devem ser celebrados por escrito com
as entidades contratantes.

76
Ainda hoje, em muitas modalidades, não são registrados contratos, mas
fichas de cadastro. O próprio ato de registro leva diferentes nomes, como
inscrição, vínculo ou filiação, e é feito de diferentes formas por sistema on-
line ou mero carimbo e assinatura. 107

No âmbito do futebol, a CBF só aceita a filiação de determinado atleta profissional


mediante a apresentação de contrato-padrão assinado por este e a respectiva agremiação
contratante. Eventualmente, o modelo de contrato de trabalho desportivo pode contar com
inúmeros anexos estendendo além das previsões mínimas a disciplina da relação entre as partes,
mas o formulário-padrão apresentado pela entidade de administração do desporto deve ser
observado como requisito mínimo.
Igual exigência é formulada, por exemplo, pela Premier League, competição futebolística mais
prestigiada e aparentemente mais rica da atualidade, em que clubes e atletas também devem seguir
um padrão contratual instituído pela liga que administra o certame.
Outro elemento essencial do contrato de trabalho desportivo, na legislação brasileira, é o
estabelecimento das mencionadas cláusulas indenizatória e compensatória, ambas mencionadas no
art. 28 da Lei Pelé.
A cláusula indenizatória é devida à agremiação contratante nas hipóteses de transferência do
atleta para outra entidade de prática desportiva ou de retorno do atleta para outra entidade distinta
da contratante original, dentro do prazo de 30 meses da cessação das atividades do referido atleta.
Já a cláusula compensatória é devida pelo clube ao atleta nos casos de rescisão contratual
provocada por inadimplemento salarial, descumprimento de outras condições do contrato de
trabalho ou pela dispensa imotivada do atleta.
Estabelecidos esses elementos mínimos, cumpre destacar que o § 4º do art. 28 remete a
disciplina do contrato de trabalho desportivo às normas gerais da legislação trabalhista, com ressalva
das peculiaridades constantes da própria Lei Pelé.
Em outras palavras, o contrato de trabalho desportivo forma vínculo empregatício regrado,
em linhas gerais, pelas normas ordinárias de índole trabalhista, sendo derrogado em pontos
específicos, a saber:
 possibilidade de alojamento compulsório do atleta em preparação prévia para partidas –
concentração –, limitando-se a três dias consecutivos por semana (art. 28, § 4º, I);
 possibilidade de ampliação do prazo contratual de atleta cedido à seleção nacional (art. 28,
§ 4º, II);
 repouso semanal remunerado concedido preferencialmente em dia seguinte à participação
do atleta em competição (art. 28, § 4º, IV);

107
CAÚS, Cristiano; GÓES, Marcelo. Direito aplicado à gestão do esporte. São Paulo: Trevisan, 2013, p. 73.

77
 férias anuais coincidentes com o recesso das atividades desportivas da respectiva
modalidade (art. 28, § 4º, V);
 possibilidade de suspensão do contrato de trabalho em virtude de impossibilidade de
atuação do atleta por ato da sua própria responsabilidade (art. 28, § 7º) e
 prazo determinado para contratação – mínimo de três meses e máximo de cinco anos
(art. 30).

Além de tais derrogações específicas, a Lei Pelé também institui explicitamente um rol de
deveres para o clube e o atleta, nos seus arts. 34 e 35. Para o primeiro, o art. 34 lista como
obrigações:
 registro do contrato de trabalho desportivo na entidade de administração da modalidade
desportiva em questão (inc. I);
 oferecimento de condições necessárias à participação nas competições, incluindo
treinamento (inc. II) e
 submissão dos atletas a exames médicos necessários à prática desportiva (inc. III).

Já o art. 35 arrola os deveres dos atletas:


 participação em jogos, treinos e outras atividades “com a aplicação e dedicação
correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas” (inc. I);
 preservação da sua condição física e submissão aos exames médicos e tratamentos
necessários à prática desportiva (inc. II) e
 observação das regras técnicas e disciplinares da modalidade de que participa (inc. III).

Outra peculiaridade do contrato de trabalho desportivo diz respeito à remuneração em


virtude do direito de arena, assim disciplinado no art. 42 da Lei Pelé:

Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena,


consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a
captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a
reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo
desportivo de que participem.
§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por
cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos
audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes
distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do
espetáculo, como parcela de natureza civil.

78
A definição dessa parcela está bem delineada na obra já citada de Caús e Góes:

a importância paga a título de direito de arena decorre da utilização da imagem


do atleta em sua atividade principal, que se dá durante a partida de futebol.
Embora não seja paga pelo empregador, é devida em razão do contrato
especial de trabalho desportivo e da prestação pessoal de serviços do atleta.

O direito de arena é o valor recebido pelo atleta em decorrência de


participação em evento ou espetáculo desportivo e não pela utilização do
uniforme do clube em que atua, com os patrocínios estampados, como alguns
podem pensar.108

No momento da revisão desta apostila, encontra-se em vigor a Medida Provisória 984, de 18 de


junho de 2020, que alterou a redação do art. 42, § 1º, passando a veicular o seguinte texto:

“Art.42. Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena


sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de
negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão a transmissão, a
retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo,
do espetáculo desportivo.
“§1º. Serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais
participantes do espetáculo de que trata o caput, cinco por cento da receita
proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, como
pagamento de natureza civil, exceto se houver disposição em contrário
constante de convenção coletiva de trabalho.”

A norma agora prevê a distribuição “aos atletas profissionais participantes”, em contraposição


à anterior previsão, que estabelecia que o referido percentual seria repassado “aos sindicatos de atletas
profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo”.
Fica evidente que a MP buscou retirar o intermediário no repasse dos recursos em questão,
permitindo o pagamento direto, pela entidade detentora do direito de arena, do percentual legalmente
destinado aos seus próprios empregados. Além de expressar maior lógica econômica, suprimindo os
custos de transação associados ao repasse de valor a ser posteriormente distribuído entre terceiros, a nova
redação do § 1º atende à atual tendência de supressão de receitas automaticamente garantidas a
sindicatos profissionais, iniciada com a Reforma Trabalhista promovida pela Lei nº 13.467, de 13 de
julho de 2017.

108
Idem. p. 213.

79
Em que pesem os propósitos identificados e a manutenção da atribuição de natureza civil à
rubrica em questão, há questões relevantes a serem observadas caso a caso, tais como a necessária
observância de acordos e de convenções coletivas já firmadas e em vigor, atos jurídicos perfeitos que
não poderiam ser alcançados pela nova norma, além do risco de formação de passivo trabalhista, na
medida em que a distribuição de recursos diretamente por parte do empregador dos atletas pode
descaracterizar a referida natureza civil preconizada pela MP.
Por fim, outra peculiaridade do regime trabalhista desportivo é o reconhecimento explícito
da legislação ao papel de formação profissional exercido pelos clubes, que muitas vezes investem
largas somas em dinheiro para o desenvolvimento de atletas desde a mais tenra idade.
Com o fim do chamado “passe”, constatou-se a possibilidade de se criar um incentivo
negativo nesta área, desestimulando-se clubes menores, tradicionalmente formadores de talentos
que “abastecem” os clubes de primeira linha. Mais do que isso, considerando-se o atual papel de
“fornecedor de mão de obra” – ou “pé de obra”, como já destacado por alguns setores da imprensa
especializada – detido pelo Brasil, a Lei Pelé evoluiu para garantir direitos aos clubes formadores de
atletas, a fim de que obtenham alguma compensação pela contratação cada vez mais precoce dos
seus atletas das categorias de base ou apenas recém-promovidos à equipe profissional.
Nesse contexto, o art. 29 outorga ao clube formador o direito a firmar o primeiro contrato,
assim como, nos seus §§ 7º a 11, o direito de preferência na sua primeira renovação contratual.
Adicionalmente, o art. 29-A institui o chamado mecanismo de solidariedade, assim disciplinado:

Art. 29-A. Sempre que ocorrer transferência nacional, definitiva ou


temporária, de atleta profissional, até 5% (cinco por cento) do valor pago
pela nova entidade de prática desportiva serão obrigatoriamente
distribuídos entre as entidades de práticas desportivas que contribuíram
para a formação do atleta, na proporção de:
I - 1% (um por cento) para cada ano de formação do atleta, dos 14
(quatorze) aos 17 (dezessete) anos de idade, inclusive; e
II - 0,5% (meio por cento) para cada ano de formação, dos 18 (dezoito)
aos 19 (dezenove) anos de idade, inclusive. [...]
§ 3º O percentual devido às entidades de prática desportiva formadoras do
atleta deverá ser calculado sempre de acordo com certidão a ser fornecida pela
entidade nacional de administração do desporto, e os valores distribuídos
proporcionalmente em até 30 (trinta) dias da efetiva transferência, cabendo-
lhe exigir o cumprimento do que dispõe este parágrafo.

Como se vê, a condição de clube formador deve ser atestada pela entidade de administração
do desporto, sujeitando-se as agremiações que gerem categorias de base ao enquadramento
obrigatório às exigências baixadas pela mesma Lei Pelé, no § 2º do seu art. 29:

80
 fornecimento de treinamento esportivo e complementação educacional aos atletas (inc. I);
 vínculo desportivo entre atleta e agremiação igual ou maior que um ano (inc. II, “a”);
 inscrição do atleta em competições oficiais (inc. II, “b”);
 provimento de assistência educacional, psicológica, médica e odontológica (inc. II, “c”);
 provimento de alimentação, transporte (inc. II, “c”);
 garantia de convivência familiar (inc. II, “c”);
 manutenção de alojamento e instalações desportivas adequadas (inc. II, “d”);
 manutenção de corpo de profissionais especializados (inc. II, “e”);
 compatibilidade entre a formação atlética e o programa de escolaridade (inc. II, “f” e “i”);
 gratuidade da formação para o atleta (inc. II, “g”);
 assunção dos custos de formação por parte da agremiação formadora (inc. II, “g”) e
 participação anual em competições de pelo menos duas categorias organizadas pela
respectiva entidade de administração do desporto (inc. II, “h”);

Como se vê, a lista de requisitos é extensa e de complexo atendimento, sendo ainda muito
reduzido o número de clubes que logram atendê-la integralmente.
Em paralelo aos ajustes estritamente trabalhistas firmados entre clubes e atletas, é largamente
disseminada no meio desportivo a remuneração destes últimos por meio de contratos de
licenciamento de direitos ao uso de imagem, lastreados nos arts. 87 e 87-A da Lei Pelé:

Art. 87. A denominação e os símbolos de entidade de administração do


desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido
desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos
mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território
nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou
averbação no órgão competente.
Parágrafo único. A garantia legal outorgada às entidades e aos atletas
referidos neste artigo permite-lhes o uso comercial de sua denominação,
símbolos, nomes e apelidos.

Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido
ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação
de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de
trabalho desportivo.

Nesse caso, é cada vez mais comum o acesso à fonte de receitas extracampo. Clubes podem
fazer uso da imagem de atletas para obterem patrocínios ou realizarem campanhas de divulgação
das suas próprias marcas, disciplinando as circunstâncias em que a imagem ou o nome do atleta
poderão ser veiculados para tais fins.

81
De acordo com critérios de planejamento tributário, é quase unânime a utilização de pessoas
jurídicas controladas pelos próprios atletas como licenciada original dos direitos de uso da sua imagem,
cabendo a essa empresa o sublicenciamento para clubes ou mesmo patrocinadores individuais.
Sendo essa prática disseminada não só no Brasil, os diversos entes fiscais nacionais fecharam,
ao longo do tempo, o cerco para os eventuais abusos em tal planejamento tributário, limitando o
alcance de tais ajustes, o que resultou, por exemplo, na emenda à Lei Pelé, feita pela Lei nº
13.155/15, que inseriu parágrafo único ao mencionado art. 87-A, nos seguintes termos:

Art. 87-A. [...]


Parágrafo único. Quando houver, por parte do atleta, a cessão de direitos
ao uso de sua imagem para a entidade de prática desportiva detentora do
contrato especial de trabalho desportivo, o valor correspondente ao uso da
imagem não poderá ultrapassar 40% (quarenta por cento) da remuneração
total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo
direito ao uso da imagem.
Mais do que a eventual burla tributária, ainda há que se considerar a não rara utilização do
chamado “direito de imagem” como meio de contornar as imposições de natureza trabalhista,
reduzindo encargos incidentes sobre o contrato e reduzindo os valores das parcelas inerentes à
relação empregatícia, conduta à qual se atribui nulidade absoluta, nos termos do art. 45, § 2º, do
Regulamento da Lei Pelé (Decreto nº 7.984, de 8 de abril de 2013):

Art. 45. O Direito ao uso da imagem do atleta, disposto no art.87-A da


Lei nº 9.615, de 1998, pode ser por ele cedido ou explorado, por ajuste
contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições
inconfundíveis com o contrato especial de trabalho esportivo. [...]
§ 2º Serão nulos de pleno direito os atos praticados através de contrato
civil de cessão da imagem com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar
as garantias e direitos trabalhistas do atleta.

Portanto, a jurisprudência sobre o tema aponta a necessidade do contrato de licenciamento


do direito ao uso da imagem de atleta corresponda a uma real e efetiva utilização de tais direitos,
empregando-se a imagem do desportista em atividades de interesse econômico ou social do clube
contratante.

82
MÓDULO IV – DIREITO ADMINISTRATIVO
DESPORTIVO

Apresentação
Como já destacado na unidade 1.4 desta apostila, o monopólio de fato – e, segundo o modelo
europeu de governança desportiva, de direito – conferido às entidades internacionais de
administração do desporto, acaba qualificando o Direito Desportivo como uma disciplina
transadministrativa, recaindo na definição já transcrita, da lavra de Diogo de Figueiredo Moreira
Neto: “a disciplina jurídica das relações assimétricas de poder, que se institucionaliza
consensualmente fora e além do Estado”. 109
Em outras palavras, o Direito Desportivo revela uma faceta publicista, constituindo-se em
uma expressão de Direito Administrativo, na medida em que sujeita entidades privadas e indivíduos
aos ditames emanados das entidades de administração desportiva de hierarquia territorial mais
elevada, nos moldes descritos na unidade 1.5 desta apostila. Nesse sentido, é elucidativa a lição de
Guilherme Campos de Moraes:

e talvez recaia[m] aqui os aspectos mais significativos, estão o modelo


organizacional, os procedimentos adotados e as ferramentas de controle e
supervisão que operam no sistema desportivo, seguidores de fórmulas típicas
de direito administrativo, quando não diretamente submetidas a ele. Os
exemplos nessa seara são inúmeros e vão desde a figura dos servidores
públicos ou de funções delegadas, em seu aspecto organizacional; a utilização
cada vez mais frequente de princípios como o devido processo legal e da

109
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Introdução ao transadministrativismo. Op. cit. p. 339.
ampla defesa, tanto nos regulamentos desportivos, quanto nas sentenças do
CAS, em seu aspecto processual; e os mecanismos de controle e revisão da
administração pública, em seu aspecto jurisdicional. 110

Já expostas considerações a respeito da governança desportiva, este módulo será dedicado à


discussão do aspecto especificamente disciplinar, traçando breves linhas sobre a organização da
Justiça Desportiva brasileira, entidade constitucionalmente consagrada, assim como apresentar a
regulação específica da questão do doping, aspecto sujeito a uma normatização e padronização
internacional mais aguda.
O outro lado do chamado Direito Administrativo Desportivo diz respeito à intervenção do
Estado no esporte. Com eventos de envergadura cada vez maior e necessidade de financiamento e
articulação social também mais ampla, o esporte interage de forma intensa com o poder público,
beneficiando-se dos seus mecanismos de fomento, os quais, no entanto, podem facilmente ser
desvirtuados para fins meramente político-partidários ou, mais grave, para a exaltação de opções
ideológicas contrárias à própria essência do esporte.
Este módulo também tratará de propor limites à intervenção estatal no esporte, sugerindo
critérios que norteiem a interação entre poder público e entidades desportivas.

Justiça Desportiva e combate ao doping


Considerando as três dimensões sociais de que trata Manoel Tubino – educacional,
participação e de desempenho –, 111 verifica-se que em todas elas há motivações e objetivos elevados
associados à prática desportiva, seja “oferecendo aos educandos as oportunidades de decisões na
própria organização das atividades [...] como também situações de juízo crítico, autoavaliação”
(esporte-educação), 112 seja proporcionando interações intersubjetivas entre os participantes,
“tornando-os ativos e com mais possibilidades de percepção do conceito de obrigação social, e
consequentemente mais agentes de seu próprio destino” (esporte-participação), 113 ou ainda, na
dimensão denominada esporte-performance, “[t]raz consigo os propósitos de novos êxitos
esportivos, a vitória sobre adversários nos mesmos códigos, e é exercido sob regras preestabelecidas
pelos organismos internacionais de cada modalidade”. 114

110
MORAES, Guilherme Campos de. Lex sportiva: entre a esfera a pública, a autonomia privada e a necessidade de
accountability. Rio de Janeiro: Multifoco, 2016, p. 126.
111
TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, 2011, p. 35-42.
112
Ibid. p. 36, 37.
113
Ibid. p. 39, 40.
114
Ibid. p. 40, 41.

84
Pelas diversas abordagens propostas acima por uma das maiores referências doutrinárias do
esporte brasileiro, constata-se que a atividade desportiva sempre aponta para balizas de
autocontenção pessoal, observância de padrões de conduta e inserção comunitária dentro de regras
preestabelecidas. Em outras palavras, o signo da disciplina é algo que perpassa o próprio
fundamento do esporte.
Nesse sentido, calcado o esporte na ideia de disputa agonística segundo regras iguais para
todos os participantes, é impositiva a existência de um sistema de repressão às eventuais infrações a
tais regras, tanto pela inerente tendência individual à transgressão, quanto pela crescente
mercantilização da atividade esportiva, especialmente aquela de alto desempenho, em que as
recompensas materiais são enormes incentivos à burla das normas de conduta dentro e fora do
campo de jogo.
A intensa comercialização dos eventos esportivos e a monetização dos diversos aspectos de cada
modalidade, transformando cada atleta em uma potencial superestrela de projeção mundial magnífica
a necessidade de um sistema disciplinar que sirva de contrapeso aos incentivos à burla, preservando a
essência do movimento que reviveu o esporte como uma atividade socialmente relevante.
Essa contextualização histórica é importante para situar os valores protegidos pelo sistema
disciplinar esportivo:

Voltando às origens, é nítida a influência de pensamentos aristocráticos na


organização do desporto contemporâneo. Pierre de Coubertin, o pai do
Movimento Olímpico moderno, possuía o título de Barão, não sendo o
único nobre entre os diversos envolvidos no nascimento do Comitê
Olímpico Internacional.

A criação de regramentos de muitas modalidades, inclusive, ocorreu em


instituições de ensino, como é o caso do Futebol, do Rugby e do Futebol
Americano. Esse ambiente educado sob as mais rígidas regras do
cavalheirismo fez nascer um movimento que visava muito mais do que à
simples realização de eventos esportivos.

O olimpismo traz em si a proposta de criação de um novo estilo de vida,


alicerçado na “alegria do esforço”, que podemos entender pelo bem-estar
gerado pela atividade física e esportiva, e no respeito mútuo. 115

115
FACHADA, Rafael Terreiro. Direito desportivo: uma disciplina autônoma. Rio de Janeiro: Autografia, 2017, p. 77, 78.

85
A indeclinável obrigação de preservar os valores essenciais do esporte por meio de um sistema
que imponha o cumprimento das regras de cada modalidade, assim como o espírito de fair play,
que é base ideológica de qualquer disputa esportiva, associa-se, neste caso, às aspirações de
autonomia e autorregulação já referidas no Módulo 1 desta apostila, induzindo a formação de um
sistema jurisdicional especializado, a chamada Justiça Desportiva.
O que se vê, portanto, é a instituição de um corpo de normas e instituições que imporão o
cumprimento de regras estabelecidas como condição essencial para a adesão a uma determinada
atividade desportiva, revelando mais uma vez a natureza tipicamente publicista desta face do Direito
Desportivo, estabelecendo relações de sujeição aos praticantes e demais sujeitos e entidades
vinculados a qualquer modalidade atlética.
A Justiça Desportiva, como meio de efetivação das sanções disciplinares aos indivíduos e
agremiações que infrinjam as regras do jogo, ou mesmo as normas que viabilizam a própria prática
do desporto nos seus diferentes níveis, pode apresentar-se, segundo o mesmo autor citado acima,
em dois modelos distintos: o arbitral e o administrativo, 116 sendo o primeiro constituído por
tribunais formados ou indicados segundo a autonomia contratual das partes envolvidas em
determinada atividade esportiva, enquanto que o segundo “apresenta-se pelos órgãos criados pelas
federações nacionais ou internacionais a partir de seus estatutos ou outro ato jurídico”. 117
No Brasil, a Justiça Desportiva acabou ganhando estatura constitucional, com a promulgação
da Carta de 1988:

Art. 217. [...]


§ 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às
competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça
desportiva, regulada em lei.
§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados
da instauração do processo, para proferir decisão final.

Como se vê, a jurisdição esportiva foi explicitamente salvaguardada pela ordem constitucional
atualmente vigente, excepcionando até mesmo a cláusula de inafastabilidade do controle judicial.
No plano infraconstitucional, a Justiça Desportiva é disciplinada em dois pontos da Lei Pelé.
O primeiro, no art. 23, quando institui como requisito mínimo de estatuto de entidade de
administração do desporto a previsão de um Tribunal de Justiça Desportiva (inc. I); e, no segundo,
mais extenso, todo um capítulo do referido diploma legal (Capítulo VII, compreendendo os arts.
49 a 55-C).

116
Idem. p. 109.
117
Idem. p. 110.

86
Nada obstante às linhas gerais de estruturação e funcionamento da Justiça Desportiva
estabelecidas no referido Capítulo VII da Lei Pelé, o diploma de maior relevância para a
administração diária da jurisdição desportiva é o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD),
norma única que estabelece padrão de organização dos órgãos julgadores, processamento de
demandas e tipos infracionais para todos os esportes.
Mais peculiar que a uniformidade absoluta materializada no CBJD é o fato de que ele é
instituído por meio de uma Resolução do CNE, órgão colegiado do Ministério do Esporte (Resolução
CNE nº 29, de 10 de dezembro de 2009). Em outras palavras, é um ato normativo de terceiro grau,
inferior à lei e a um decreto, que estabelece as infrações imponíveis a particulares e o procedimento a
ser observado para a apuração da responsabilidade disciplinar de entidades e pessoas privadas.
Trata-se de exemplo claro do que o Professor Wladimyr Camargos chama de colonização da
Justiça Desportiva, que pressupõe a autonomia do esporte como uma concessão do Estado. 118 Ainda
assim, é interessante constatar que há doutrina que defende a Justiça Desportiva brasileira como
hipótese de sistema jurisdicional desportivo sui generis, afastado, obviamente, do modelo arbitral,
mas também não plenamente subsumido ao padrão administrativo:

Vemos, desde já que, apesar da Lei Pelé garantir que o órgão é autônomo
e independente, este posicionamento não está completamente correto. O
Tribunal de Justiça Desportiva é dependente da entidade de administração
do desporto; contudo, apresenta-se realmente autônomo em relação a esta,
uma vez que sua criação não deriva da vontade da entidade e não se
caracteriza como órgão interno, não podendo, ainda, sofrer em suas
decisões qualquer tipo de influência. Resumamos da seguinte forma: caso
não existisse a entidade de administração do desporto, não existiria o
Tribunal, mas uma vez que existe a primeira, existe o segundo
obrigatoriamente, e não há possibilidade de ingerência sobre suas decisões.
Tendo em vista todos os pontos apresentados, não nos parece crível ter a
Justiça Desportiva brasileira uma natureza arbitral ou administrativa;
sustentamos, pois, sua natureza sui generis. 119

Feita essa breve digressão, o CBJD estabelece os princípios gerais de interpretação das normas
disciplinares, organiza a Justiça Desportiva propriamente dita, regula o processo disciplinar
desportivo e tipifica as infrações em espécie. Veja-se cada um desses aspectos.

118
CAMARGOS, Wladimyr. Pela descolonização da justiça esportiva: o anteprojeto de lei geral do esporte e o fim da
“autonomia tutelada no esporte”. In: VARGAS, Angelo (Coord.). Direito desportivo: temas transversais. Rio de Janeiro:
Autografia, 2017.
119
FACHADA, Rafael Terreiro. op. cit. p. 112.

87
Princípios do processo disciplinar desportivo
O art. 2º do CBJD arrola 18 diferentes princípios a reger a interpretação e a aplicação do
próprio diploma em questão. Muitos deles são a reprodução de princípios gerais de Direito
Processual ou Direito Público, por exemplo, a ampla defesa (inc. I), o contraditório (inc. III), a
impessoalidade (inc. V), a moralidade (inc. VIII) e o devido processo legal (inc. XV).
Para esta análise, cumpre destacar sete de tais princípios:

a) Princípio da celeridade – corolário da própria previsão constitucional que limita a


afastabilidade da jurisdição ordinária ao prazo de 60 dias, a celeridade impõe prazos
curtíssimos não só para a prática de atos processuais, como para o próprio exercício de
representação perante os órgãos da Justiça Desportiva. Além disso, a higidez e a segurança
das competições desportivas sujeitas a essa jurisdição especializada dependem de uma
solução rápida para os conflitos de natureza disciplinar, evitando que punições sejam
transpostas de uma edição para outra de determinado certame ou que situações individuais
de atletas denunciados onerem indevidamente as suas respectivas agremiações, na
eventualidade de uma absolvição perante o tribunal desportivo competente.

b) Princípio da independência – embora mantidos pela entidade de administração do


desporto que gere a modalidade no território de jurisdição de cada tribunal, os órgãos da
Justiça Desportiva têm a sua independência assegurada, ao menos formalmente, por
expressa previsão contida no art. 52 da Lei Pelé: “órgãos integrantes da Justiça Desportiva
são autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada
sistema”. Além dessa previsão, tal independência foi erigida à condição de direito difuso
do torcedor pelo seu respectivo Estatuto de Defesa (Lei nº 10.671/03): “Art. 34. É direito
do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício das suas funções, observem
os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da
independência”.

Eventual prova de ingerência da entidade de administração do desporto sobre os seus


órgãos da Justiça Desportiva daria ensejo à nulidade da decisão, conforme preceitua o
art. 36 da mesma lei.

Mais do que isso, abalizada doutrina aponta o próprio CBJD como esteio para assegurar
a referida independência da Justiça Desportiva:

88
Muito se questiona acerca da independência e autonomia da Justiça
Desportiva, estando a mesma sob a dependência financeira das Federações
e Confederações.

Tais questionamentos não merecem ser acolhidos, pois o vínculo é


meramente financeiro, não dependendo os Tribunais de seus resultados
para que recebam sue fomento prestado pelas entidades. Esta obrigação é
legal! Esteja a entidade fomentadora satisfeita ou não com as decisões
proferidas pelos Tribunais desportivos, são obrigadas a promover o repasse
dos recursos para a manutenção e funcionamento da Justiça Desportiva.

Inclusive, se a entidade deixa de prover os órgãos da Justiça Desportiva de


recursos humanos e materiais necessários, ocorre a suspensão de seu
presidente, até que a obrigação esteja devidamente cumprida. Inteligência
do art. 226 do CBJD.120

Endossando a interpretação do autor citado acima, eis a dicção do referido tipo


infracional:

Art. 226. Deixar a entidade de administração do desporto da mesma


jurisdição territorial de prover os órgãos da Justiça Desportiva dos recursos
humanos e materiais necessários ao seu pleno e célere funcionamento
quando devidamente notificado pelo Presidente do Tribunal (STJD ou
TJD), dentro do prazo fixado na notificação.
PENA: suspensão do Presidente da entidade desportiva, ou de quem faça
suas vezes até o integral cumprimento da obrigação.

z) Princípio da oficialidade – o Tribunal atua na maioria das vezes por provocação da


própria Procuradoria da Justiça Desportiva, regulada no Capítulo IV do CBJD (arts. 21 e
22). Embora seja possível a representação por parte de atletas ou agremiações que se
considerarem prejudicadas, o mais usual é ver-se que os processos são instaurados por
denúncia da referida Procuradoria, que se constitui como órgão do próprio Tribunal, na
medida em que os seus membros são “nomeados pelo respectivo Tribunal” (art.21, in fine).

120
FERRARO, Leonardo. A independência da justiça desportiva. In: VARGAS, Angelo (Coord.). op. cit. p. 164.

89
aa) Princípio da oralidade – a fim de atender à celeridade constitucionalmente imposta ao
processo desportivo, os processos na Justiça Desportiva se desenvolvem de forma oral,
especialmente no primeiro grau, em que os atos de defesa são concentrados na sessão de
julgamento, apresentando-se defesa verbal, junto com a exposição das provas admitidas
pelo Tribunal.

bb) Princípio da tipicidade desportiva – tratando-se de direito sancionador, a


responsabilidade disciplinar de atletas, dirigentes, membros de comissão técnica e
agremiações se calca na previsão específica de condutas repelidas pelo ordenamento
desportivo. Embora muitas infrações contenham um tipo mais aberto, incide no caso a
exigência de prévia tipificação da ação ilícita para autorizar a imposição da sanção
pretendida no caso concreto.

cc) Princípio pro competitione – descrito normativamente como “prevalência, continuidade


e estabilidade das competições” (inc. XVII do art. 2º), tal princípio é assim descrito pela
doutrina jusdesportiva:

quis o legislador da norma desportiva privilegiar os resultados obtidos no


campo de jogo, evitando-se manobras, artifícios, imperfeições
regulamentares ou de textos legais dos quais possa advir algum prejuízo à
competição e ao seu real e único escopo: o critério técnico como fim maior
das competições.121

dd) Princípio do fair play – traduzido como “jogo limpo”, trata-se de princípio fundamental
não só da Justiça Desportiva, mas do esporte em si mesmo, sendo magistralmente
definido por Rafael Terreiro Fachada:

Assim, o princípio do jogo limpo tem por característica a busca de um


resultado honesto e democrático, visando a inibir atuações internas ou
externas indevidas que possam macular o resultado final ou gerar uma
animosidade entre os partícipes, o que resultaria no fim da credibilidade e,
consequentemente, no fim de seu interesse social. 122

121
CAÚS, Cristiano; GÓES, Marcelo. op. cit. p. 121.
122
Op. cit. p. 78, 79.

90
Organização da Justiça Desportiva brasileira
Objeto do Capítulo I do CBJD, a Justiça Desportiva brasileira se organiza em órgãos
instalados em cada uma das entidades de administração do desporto. Em outras palavras, em cada
uma das federações estaduais de cada uma das modalidades esportivas, há um Tribunal de Justiça
Desportiva (TJD).
Além de tais órgãos em âmbito estadual, as competições regionais – interestaduais – e nacionais
se sujeitam à jurisdição da entidade nacional de administração do desporto, razão pela qual cada uma
das confederações nacionais ostenta um Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).
Em ambos os níveis jurisdicionais, os tribunais se organizam de modo similar: têm um Pleno
com competência predominantemente recursal, e Comissões Disciplinares compostas de cinco
auditores (os “juízes” da Justiça Desportiva), que funcionam como primeira instância de julgamento.
Tanto no STJD, quanto no TJD, o Pleno é composto de nove membros dotados de mandato
determinado e indicados pela respectiva entidade de administração de desporto, pelas agremiações
que participem de competições da primeira entidade; pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
por representantes dos árbitros e por representantes dos atletas (arts. 4º e 5º).
Já os auditores das Comissões Disciplinares, também detentores de mandato, são nomeados pela
votação majoritária de cada respectivo Pleno, a partir de indicação dos integrantes deste último órgão.

Processo desportivo
Regido pelo Título III do CBJD, o processo desportivo compreende um procedimento
sumário, que é a regra geral para a apuração da responsabilidade disciplinar de indivíduos e
entidades sujeitas à jurisdição de determinado Tribunal Desportivo (arts. 73 a 79), assim como
procedimentos especiais, por exemplo, transação disciplinar desportiva; inquérito; impugnação de
partida, prova ou equivalente; mandado de garantia, que exerce a função análoga à de um mandado
de segurança; reabilitação e revisão (arts. 80 a 119-A).
O processo sumário, hipótese mais comum de atuação na Justiça Desportiva, inicia-se com a
denúncia, usualmente apresentada pela Procuradoria da Justiça Desportiva, que se calca quase
sempre na súmula da partida ou da prova, embora seja cada vez mais comum a formulação de
denúncias com base em veiculação de imagens que atestem a ocorrência de infração, apesar de a
súmula não se referir ao episódio.
Apresentada a denúncia, o processo é distribuído ao auditor relator, e é designada sessão de
julgamento, para a qual o denunciado é intimado a comparecer e lá realizar a sua defesa, de modo
oral, produzindo, também naquele mesmo ato, todas as provas necessárias à instrução da sua tese.
O julgamento é proferido no mesmo ato, por votos motivados dos auditores integrantes da
Comissão Disciplinar. As razões de decidir só serão consignadas em voto escrito caso haja
requerimento de alguma das partes.

91
Infrações em espécie
Por fim, o CBJD tipifica as infrações que sujeitam atletas, árbitros, membros de comissão
técnica e agremiações às penas disciplinares, dividindo-as em cinco grandes grupos:
a) Infrações relativas à administração desportiva, às competições e à Justiça Desportiva
(arts. 191 a 219) – tratam de cumprimento de obrigações legais e regulamentares
impostas especialmente às entidades de prática desportiva, aí incluído o dever de
efetivamente disputar partidas e provas da competição em que está inscrita (arts. 203 e
204). Também abarcam os tumultos e desordens de torcedores no local da partida
(art. 213), assim como alcançam atletas, especialmente no art. 216, que apena a formação
de vínculo simultâneo com mais de uma entidade de prática desportiva
b) Infrações referentes à Justiça Desportiva (arts. 220 a 231) – visam a garantir a
efetividade das decisões e o próprio desenvolvimento dos processos desportivos,
compreendendo aí o descumprimento de decisões da Justiça Desportiva (art. 223) e o
recurso à Justiça Comum (art. 231), entre outros tipos infracionais.
c) Infrações contra a ética desportiva (arts. 234 a 243-G) – aqui, trata-se de falsidades
de todo gênero (arts. 234 a 236); atos de corrupção em geral (arts. 237 a 239, 241 e
242); aliciamento de atletas (art. 240); influência indevida em resultado de partida (arts.
243 e 243-A); constrangimento, incitação à violência e prática de atos infamantes (arts.
243-B a 243-G).
d) Infrações relativas à disputa de partidas, provas ou equivalentes (arts. 249-A a 258-
D) – dizem respeito a atos que infrinjam de modo mais severo as regras do jogo.
Normalmente, traduzem atos desleais ou violentos na disputa agonística, ou conduta
desrespeitosa em relação a adversário, à arbitragem ou ao público assistente.
e) Infrações relativas à arbitragem (arts. 259 a 273) – visam à disciplina das equipes de
arbitragem, exigindo o cumprimento de deveres de apuro técnico ou disciplinar (arts. 259,
260, 261-A, V e 267), de compromisso profissional (art. 261-A, I a III), de registro formal
de ocorrências (arts. 261-A, IV, 263, 266) e de condução da partida (arts. 269 e 273).

Combate ao doping
Como decorrência da hipercomercialização do esporte, os incentivos existentes para a burla
às regras do jogo são cada vez maiores, sendo talvez a utilização de substâncias e métodos
incompatíveis com a igualdade que deve permear a disputa agonística, a maior chaga a ameaçar a
integridade do esporte no mundo.
A alteração cada vez mais frequente de resultados testemunhados por milhões de
telespectadores em todo o mundo é o sinal mais eloquente do risco que o doping traz para a
integridade do esporte e a tradução mais acabada da quebra do princípio fundamental do fair play.

92
Nesse sentido, a doutrina mais uma vez apreende de forma precisa o fundamento para o
combate ao doping:

Estas são regras tradicionais de conduta desportiva concebidas para


salvaguardar a essência da atividade esportiva. [...]

Frequentemente essas regras são concebidas com o propósito de atingir um


ou ambos objetivos abaixo:
(a) equilíbrio competitivo
(b) integridade da competição. [...]

A segunda base para regras de conduta desportiva é o imperativo de


preservação da integridade da competição. Regras que buscam impedir
participantes de obter uma vantagem indevida ou de dilapidar os valores
tradicionais do esporte são muito comuns. [...]

O exemplo mais proeminente são as regras antidoping redigidas para


proibir o uso de métodos e substâncias que aumentem artificialmente o
desempenho de um competidor.123

O prejuízo provocado pela prática do doping atingiu níveis tão drásticos que culminaram na
criação da Agência Mundial Antidoping – World Anti-Doping Agency (Wada) –, com o papel de
coordenar o combate internacional ao doping, constituindo-se tal entidade em singular exemplo de
organização que congrega entidades desportivas privadas e autoridades públicas nacionais, de modo
a assegurar o poder de polícia necessário à implantação de medidas preventivas relativamente a
práticas cuja proscrição é pretendida pelo mundo do esporte.
Com o desenvolvimento da Wada, fundada em 1999, foi possível a adoção de um Código
Mundial Antidoping em 2004, cuja adoção passou a ser requisito de adesão a federações
internacionais que pretendam manter-se ou ingressar no Movimento Olímpico, exigindo-se de
atletas e agremiações o compromisso de observância dos seus termos, que estabelece, em linhas
gerais, cinco padrões para a atuação no combate ao doping:
 normatização e padronização de testes antidoping;
 credenciamento de laboratórios capacitados para realização de tais testes;
 listagem de substâncias e métodos proibidos;
 fixação de isenções terapêuticas às proibições listadas e
 proteção à privacidade dos atletas. 124

123
GRAY, Andy. The sports regulatory regime and sports rights. op. cit. p. 30, 31.
124
MORAES, Guilherme Campos de. op. cit. p. 112.

93
Dos cinco padrões acima arrolados, o de maior destaque é a listagem de substâncias proibidas,
atualizada anualmente, a qual busca a identificação de produtos que: (i) influenciem diretamente
na performance atlética; (ii) influenciem indiretamente na performance atlética; (iii) mascarem a
utilização de outras substâncias proibidas; e (iv) reflitam a utilização ilegal de drogas sociais. Este
último ponto ainda é muito controvertido nas análises das normas antidoping. 125
A imposição de sanções quando da verificação de alguma de tais substâncias proibidas se calca
em três fundamentos: (i) integridade da competição, já descrita acima; (ii) saúde do atleta, buscando
a Wada a preservação da integridade física, psicológica e social do atleta exposto ao uso eventual ou
permanente desse tipo de substâncias; e (iii) legalidade, sendo inadmissível que o modelo de
comportamento estabelecido por atletas de alto desempenho possa ser conspurcado pela utilização
de substâncias proscritas nas legislações nacionais. 126
Importante assinalar que a evolução da legislação antidoping tem-se aproximado cada vez
mais da responsabilidade objetiva integral, prescindindo, há muito tempo, da prova de culpa do
atleta denunciado e afastando, de forma crescente, as hipóteses de excludente de ilicitude,
admitindo erros ou omissões involuntárias no controle do consumo de substâncias proibidas tão
somente como atenuantes, jamais como exculpantes em tais casos.

Intervenção estatal no esporte


Esta unidade corresponde em grande parte a uma palestra ministrada no IV Congresso de
Direito Administrativo do Estado do Rio de Janeiro, em 2011, e já veiculada publicamente por
meio de artigo incluído em obra coletiva decorrente daquele evento acadêmico. 127
Como já destacado anteriormente nesta apostila, a matriz normativa do esporte no
ordenamento jurídico brasileiro está no art. 217 da Constituição de 1988, instituindo o fomento a
esta atividade como dever do Estado, no âmbito da Ordem Social. 128 A ênfase originalmente social
na abordagem jurídica do esporte é destacada com precisão no extrato de Martinho Neves Miranda,
já transcrito em passagem anterior:

importa sublinhar que a disciplina constitucional dessa matéria enfoca


primordialmente o desporto nas suas manifestações capazes de
proporcionar melhores condições de vida para as pessoas, apresentando-se,
sobretudo, como fator de desenvolvimento da própria sociedade.129

125
GRAY, Andy. op. cit. p. 71.
126
Idem. p. 70.
127
FREITAS, Daniela Bandeira de; e VALLE, Vanice Regina Lírio do (Coords.). Direito administrativo e democracia econômica.
Belo Horizonte: Fórum, 2012.
128
Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um [...].
129
Op. cit. p. 12.

94
Reforça essa constatação a remissão do § 3º do mesmo artigo ao lazer, 130 já previsto como um
dos direitos sociais arrolados no art. 6º da Carta da República. 131
Entretanto, ao lado do caráter social, tem-se constatado a cada ano, desde a promulgação do
atual texto constitucional, uma crescente expressão econômica associada às atividades desportivas.
Com efeito, lendo-se obra publicada em 1995, constata-se que a arrecadação de US$ 700 mil com
a primeira ação consistente de marketing esportivo em uma final de campeonato brasileiro de
futebol era saudada como um marco relevante ocorrido 11 anos antes:

Nos jogos finais da Copa Brasil de 1984, quando jogaram Fluminense e


Vasco, o Banco Nacional colocou sua logomarca nos uniformes de ambos
os times. Quarenta e nove emissoras dos sistemas Globo e Bandeirantes e
onze emissoras regionais transmitiram os dois jogos finais. Dessa forma, o
Banco Nacional obteve um retorno publicitário extraordinário.

Foram comercializados dezessete outdoors no campo, ao preço de US$ 2,5


mil por cada partida. O uso da marca do patrocinador nas camisas dos
jogadores rendeu a cada clube US$ 28 mil. Pelos direitos de transmissão
dos dois jogos pela TV, cada clube recebeu outros US$ 28 mil.

Somando-se tudo, as finais da Copa Brasil de 1984 geraram negócios no


valor de US$ 700 mil. Foi realmente um marco na história do marketing
esportivo, em especial no futebol.132

A disparidade de cifras que se percebe pela simples memória do noticiário recente chega a ser
constrangedora. Os valores que envolvem não só a transferência de grandes estrelas do desporto
mundial – como Neymar, que gerou o pagamento de mais de R$ 1 bilhão do Paris Saint Germain
ao Barcelona –, mas também os montantes pagos pelos direitos de transmissão, também na casa dos
bilhões, mas de dólares, para o caso da National Football League, entidade que gere a competição
mais conhecida de futebol americano, ou mesmo os acordos de patrocínio, que também geram
milhões para as agremiações que associam as suas imagens a marcas comerciais.

130
Art. 217. […] § 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.
131
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifos aditados)
132
MELO NETO, Francisco Paulo. Marketing esportivo. Rio de Janeiro: Record, 1995, p. 18.

95
A quantidade de recursos e o potencial gerador de empregos diretos e indiretos do mercado
desportivo são celebrados como cada vez mais promissores, circunstância atestada diariamente por
simples vista-d’olhos, leitura apressada ou audição descompromissada de qualquer veículo de
imprensa, 133 como se vê em passagem de artigo jornalístico veiculado em 2002:

Uma política de esportes para o Brasil não deveria vê-lo apenas como meio
de integração social, como no governo passado. Deveria ter como objetivo
principal integrar o Brasil, que tem 175 milhões de habitantes, nesse
negócio mundial de mais de US$ 400 bilhões por ano, capaz de criar
milhões de empregos e de juntar a 11ª economia mundial ao desempenho
de Cuba, que tem 11 milhões de habitantes. [...] O uso do dinheiro
público para a promoção do esporte deveria ter uma justificação básica: a
criação de riquezas e de um importante mercado de trabalho. 134

A efetiva relevância econômica do esporte acabou consagrada em sede legal, como apontam
o novo texto da multicitada Lei Pelé (Lei nº 9.615/98) e o EDT (Lei nº 10.671/03), uníssonos em
caracterizar o esporte como atividade econômica. 135
A duplicidade que passa a caracterizar o esporte – elemento poderoso de promoção tanto
social, quanto econômica – impõe, especialmente na atual quadra histórica do Brasil, ainda maiores
cautelas na apreciação da atuação estatal no meio desportivo, já que, enquanto em um campo a
intervenção do Estado pode ser muito bem-vinda, na outra há preceitos constitucionais explícitos
contendo a liberdade de ação administrativa.

Segmentação legal do esporte no Brasil


A primeira baliza para o Estado no campo esportivo já é dada pelo próprio texto
constitucional, que delimita claramente o terreno do fomento estatal preconizado no já citado art.
217 da Carta Cidadã, estatuindo em três dos quatro incisos do mesmo dispositivo legal:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não


formais, como direito de cada um, observados: [...]

133
Embora a crença seja séria e fundamentadamente questionada por significativa corrente de economistas, como
relatam Simon Kuper e Stefan Szymanski em instigante livro recém-publicado no Brasil (Soccernomics. Rio de Janeiro:
Tinta Negra, 2010, p. 227-244 – Capítulo 12: Felicidade. Por que sediar uma Copa do Mundo é bom para você?).
134
RAMOS, Jorge apud MOREIRA ALVES, Marcio. Esporte e emprego. In: O Globo: Rio de Janeiro, 19 nov. 2002, p. 4.
135
O parágrafo único do art. 2º da Lei Pelé afirma textualmente: “A exploração e a gestão do desporto profissional
constituem exercício de atividade econômica”, enquanto que o art. 3º do EDT registra que, “para todos os efeitos legais,
equiparam-se a fornecedor [...] a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática
desportiva detentora do mando de campo”.

96
II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto
educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não
profissional;
IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

Além de já antecipar, em 1988, a possibilidade de distinta categorização do desporto


profissional, o que acabou confirmado quando da sua classificação como atividade econômica pelos
diplomas legais já citados, a Constituição da República buscou privilegiar um propósito específico
da atividade esportiva: a sua integração com a educação e os valores que podem ser difundidos e
consolidados a partir da inserção do esporte no cotidiano dos estabelecimentos de ensino.
Em paralelo, também consentiu a Constituição com o financiamento público do desporto de
alto rendimento, extremando outra espécie de atuação esportiva.
Na esteira de tal posicionamento, a Lei Pelé consagrou o que hoje se pode chamar de
tripartição dos segmentos esportivos brasileiros:

Art. 3º. O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes


manifestações:
I - desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas
assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a
hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o
desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício
da cidadania e a prática do lazer;
II - desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as
modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a
integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da
saúde e educação e na preservação do meio ambiente.
III - desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e
regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade
de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com
as de outras nações.

A segmentação acima apontada não é aleatória, como demonstra José Ricardo Rezende:

Diante da natureza e finalidade das manifestações desportivas podemos


imaginar uma pirâmide e dizer que na base, temos o desporto educacional
(passagem por um processo de aprendizagem e iniciação esportiva), que
indica o direito de todos em ser educado para a prática dos mais diversos

97
esportes, ou seja, conhecer seus fundamentos e, mais que isso, seu próprio
corpo (possibilidades e limitações), contribuindo para sua formação
integral, desenvolvimento motor e sensorial, e, logicamente, para a
utilização do esporte como meio de lazer.

Na posição intermediária, temos o desporto de participação que, como o


próprio nome diz, remete a uma utilização do desporto (aprendido na fase
educacional) para fins de integração com outros indivíduos
(sociabilização), através da participação em eventos e atividades esportivas
diversas, buscando ainda a promoção da saúde (utilização como
instrumento de qualidade de vida e combate ao sedentarismo) e educação
(valendo-se dos aspectos positivos do desporto, como: disciplina,
cooperação, respeito ao próximo, senso de grupo, etc.).

Já no topo, com finalidade diversa e antagônica, o desporto é encarado sob


a ótica do rendimento (desporto de rendimento), da busca incessante por
resultados, pela vitória e conquista de títulos, da quebra de recordes,
perfazendo o espetáculo esportivo, objeto de entretenimento do público
em geral (contemplação). Nesse universo encontram-se os atletas
profissionais e não profissionais, selecionados com base no desempenho
técnico (aptidão), consorciado com padrões físicos, biológicos e
psicológicos, ou seja, em condições de suportar o treinamento intenso e o
estresse do ambiente competitivo.136

Os distintos propósitos de cada atividade esportiva específica acabam por suscitar diferentes
abordagens por parte da Administração Pública e sinalizar os valores a serem privilegiados quando da
intervenção estatal no esporte, especialmente à luz das prioridades fixadas na Constituição de 1988.

136
REZENDE, José Ricardo. Nova legislação de direito desportivo: preparando o Brasil para a Copa 2014 e Olimpíadas 2016.
São Paulo: All Print, 2010, p. 49, 50.

98
Formas de atuação estatal na área esportiva
Sendo a função executiva uma “atividade estatal remanescente”, 137 residual, há um “vasto
campo de competências” 138 que podem ser genericamente agrupadas em quatro categorias de
atuação estatal, 139 tal como definido na obra de Marcos Juruena Villela Souto: “A função de
administrar comporta, basicamente, a polícia administrativa, a responsabilidade pela prestação dos
serviços públicos, o ordenamento econômico e o ordenamento social”. 140
O exercício de poder de polícia e a prestação de serviços públicos se ligam de forma menos
intensa com a atuação estatal no esporte, razão pela qual esta exposição se concentrará
principalmente nas atividades de ordenamento social e econômico.

a) Ordenamento social – o ordenamento social se dá, na dicção do já citado professor


Diogo de Figueiredo Moreira Neto, na forma de ações regulatórias, fiscalizatórias e
sancionatórias, 141 assim conceituado pelo doutrinador em questão:

função administrativa que disciplina relações jurídicas não econômicas,


com a finalidade de preservar a dignidade da pessoa humana, pela proteção
de valores culturais e da qualidade da vida, para a realização concreta, direta
e imediata dos princípios constitucionais. 142

Observando-se tais vertentes de atuação social, verifica-se que pouquíssimo há para


contemplar de efetiva intervenção estatal com tal viés, não havendo nada muito além do
que a regulamentação dos profissionais de educação física e a consequente sujeição da
categoria à fiscalização e eventual sanção do respectivo conselho profissional.

Entretanto, caso se tragam as iniciativas de fomento para o âmbito de apreciação das


funções de ordenamento social, atendendo, assim, à divisão quadripartite postulada por
Marcos Juruena, constata-se que o esporte pode ser alcançado tanto pelas medidas de
planejamento, quanto pelos aspectos social e institucional da função de fomento.143

137
Curso de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 24.
138
Idem.
139
Destacando que o Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto ainda acrescenta a estas categorias o Fomento, que
trata autonomamente na sua obra já citada acima.
140
Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 5.
141
Op. cit. p. 480.
142
Idem.
143
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. op. cit. p. 514.

99
A primeira de tais funções de fomento é o planejamento, assim definido na obra do
professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

O planejamento estatal nada mais é que a utilização dessa técnica social de


concentração de poder em condições de ser eficientemente aplicado pelo
aparelho administrativo do Estado, para a racionalização de sua própria
atividade em benefício da sociedade, concentrando os meios que dela retira
para alcançar essas finalidades. 144
Esta racionalidade, no entanto, não pode ser imposta no seio de um Estado Democrático,
devendo ser meramente indutora para o meio privado, enquanto que o setor público se
torna jungido aos seus preceitos. 145 Dois exemplos típicos deste meio de atuação são o
Plano Nacional do Desporto (PND), figura introduzida no art. 5º da Lei Pelé pela Lei
nº 12.395, de 15 maios de 2003, e o interessante trabalho de desenvolvimento do Índice
de Desenvolvimento do Esporte (IDE), realizado no âmbito da Superintendência de
Desportos do Estado do Rio de Janeiro (Suderj). 146

A primeira figura mencionada acima determina, nos termos do citado art. 5º da Lei
Pelé, 147 a aplicação dos recursos do Ministério do Esporte, conforme dispuser o PND.
Embora ainda não regulamentado, o referido plano poderá estabelecer diretrizes objetivas
para o dispêndio de recursos federais na área desportiva.

Já o IDE é assim definido por Sérgio Tavares Ferreira na aludida obra:

Trata-se basicamente de uma análise situacional que envolve a organização


das informações fundamentais para a produção de parâmetros capazes de
nortear intervenções num determinado contexto, diminuindo
significativamente a margem de risco das ações futuras. A proposta
desenvolve-se em duas frentes, apresentando num primeiro momento o
georreferenciamento correlato a estrutura temática do esporte no Estado,
identificado a rede composta por iniciativas, instalações e instituições que

144
Op. cit. p. 516.
145
Neste sentido afirma o autor já citado acima, na mesma, p. 516.
146
O mencionado trabalho foi consolidado em obra de título similar, capitaneada por Carla Tavares, Vice-Presidente
Executiva de Esporte: Índice de desenvolvimento do esporte: mapeamento e gestão no estado do Rio de Janeiro, 2010.
Rio de Janeiro: LGN Editora, 2010.
147
Art. 5º Os recursos do Ministério do Esporte serão aplicados conforme dispuser o Plano Nacional do Desporto,
observado o disposto nesta Seção.

100
representam a distribuição espacial de fenômenos diretamente envolvidos
com a sua manifestação. Contudo, este recorte encontra limites no sentido
de organizar ações prioritárias, considerando que para melhor se conhecer
e planejar o local onde se vive a dimensão analítica que esta etapa nos
permite, embora fundamental, é insuficiente.

É na constatação desta demanda que se desenvolveu, numa segunda frente de


estudos, o Índice de Desenvolvimento do Esporte (IDE), uma medida
comparativa composta por variáveis e dimensões que permitem a análise dos
fatores que favorecem ou limitam o avanço do setor em cada cidade,
constituindo-se como forte recurso de gestão governamental ao identificar,
não só a situação geral em que se encontra uma determinada região, mas seus
pontos mais fortes, bem como os mais vulneráveis. Este aspecto qualifica
significativamente a classificação municipal decorrente de sua aplicação,
inspirando decisões capazes de assegurar a eficácia, a eficiência e a efetividade
de programas, projetos, convênios e parcerias, além de outras possibilidades
que envolvam o processo de administração voltado para a garantia dos direitos
sociais relacionados à alocação de bens e recursos, públicos e privados, que
encontrem na temática do esporte o destino adequado.148

Além do planejamento descrito acima, o fomento, como já afirmado, pode desdobrar-se


em duas vertentes no campo social. Aquele social propriamente dito, que decorre da
previsão genérica do art. 217 da Constituição da República, anteriormente citado, assim
como as previsões especificamente arroladas na legislação infraconstitucional, nos moldes
do que ocorre, por exemplo, no art. 7º da Lei Pelé, que determina a destinação dos
recursos federais para áreas de inegável relevância social. 149

Já o fomento institucional se vincula à ideia de desmonopolização do poder, veiculada


pela sempre precursora lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

O conceito de que o público é o campo de ação do Estado, mas não mais


seu monopólio, domina o Direito Político contemporâneo.

148
Op. cit. p. 9.
149
O referido artigo arrola, em oito incisos, os seguintes objetos de aplicação de fomento federal: desporto educacional
(inc. I); desporto de rendimento, quando da representação do país em competições internacionais (inc. II); desporto de
criação nacional (inc. III); capacitação de cientistas e técnicos esportivos e de professores de educação física (inc. IV);
apoio à pesquisa, documentação e informação (inc. V); instalações esportivas (inc. VI); assistência à adaptação do ex-
atleta profissional ao mercado de trabalho (inc. VII); e desporto para pessoas portadoras de deficiência (inc. VIII).

101
Especificamente na área da administração pública, a revolução da ciência
e da tecnologia e, em especial, o desenvolvimento da comunicação, estão
abrindo novos canais de participação da sociedade, que, por sua vez, se
torna cada vez mais consciente e demandante. [...]

A utilização da descentralização social por meio de entidades intermédias


com personalidade de direito privado, não obstante virem a ter sua
constituição orientada por iniciativa do Poder Público e submetida a
modelos estatutários oficialmente preconizados, acrescenta as vantagens
peculiares ao aproveitamento mais intenso da sinergia social no trato de
problemas complexos. 150

Nesse sentido, são inúmeros os exemplos de atuação concertada do Estado junto a


entidades privadas que promovem atividades esportivas, devendo-se atentar, entretanto,
para as iniciativas que deturpam os instrumentos próprios da colaboração, utilizando-se
de tais figuras para a mera transferência de recursos públicos para verdadeiros entes
empresariais travestidos de entes intermédios. Tal assunto será abordado mais adiante.

ee) Ordenamento econômico – a equiparação do esporte profissional à atividade de


exploração econômica, já mencionada acima, não é mero exercício de criatividade
legislativa, mas reflexo da sua ascensão neste cenário, como já era destacado em 1997:

O futebol, para se modernizar, precisa ser analisado como um todo. Se os


jovens de hoje se divertem com o computador (“navegando” pela
Internet), com a Fórmula 1 e “curtem” os jogos da NBA, em vez do
futebol, não será pelo fato de esses esportes acompanharem a evolução da
tecnologia e do marketing? O futebol precisa ser tratado como um produto
que está à venda e, como tal, deve atender às preferências do consumidor,
cuidar da qualidade e da imagem (embalagem).

Para que o futebol não pare no tempo, os seus dirigentes devem procurar
uma agência de publicidade para cuidar do “produto” e fornecer o
diagnóstico do problema com base em pesquisas de opinião pública. Para
organizar o futebol e o transformar em produto top de linha, devemos
conduzi-lo profissionalmente em todas as áreas. 151

150
Op. cit. p. 537, 538 e 541.
151
BRUNORO, José Carlos; AFIF, Antonio. Futebol 100% profissional. São Paulo: Gente, 1997. p. 21.

102
Embora o foco da análise fosse o futebol, vê-se a menção a outras modalidades esportivas –
automobilismo e basquete, sintomaticamente referidos pelas suas marcas –, ficando clara a
abordagem que trata tais atividades como um “produto” a ser “vendido” a uma clientela
ávida por novidades.

Essa nova cultura de gestão do esporte o levou, de modo inarredável, ao meio econômico,
tornando-o um dos braços da indústria que mais cresce no planeta: aquela do entretenimento. Ao
travar contato com essa nova realidade, a atuação estatal pode pautar-se segundo uma de três
categorias propostas por Luís Roberto Barroso, que sintetiza as diversas classificações aventadas por
inúmeros administrativistas na seguinte tríade: disciplina, fomento e atuação direta. 152
O primeiro campo de atuação econômica se traduz pela edição de leis, que, no caso do
esporte, são as já citadas Lei Pelé e EDT, que disciplinam de modo incisivo o desempenho de
atividades esportivas de cunho profissional.
Já o fomento é assim definido pelo referido professor:

De outra parte, o Estado interfere no domínio econômico por via do


fomento, isto é, apoiando a iniciativa privada e estimulando determinados
comportamentos. Assim, por exemplo, através de incentivos fiscais, o
Poder Público promove a instalação de indústrias ou outros ramos de
atividade em determinada região. Do mesmo modo, a elevação ou redução
da alíquota de impostos – notadamente os que têm regime excepcional no
tocante aos princípios da legalidade e anterioridade, como IPI, importação,
IOF – é decisiva na expansão ou retração de determinado segmento da
economia. Igualmente relevante, no fomento da atividade econômica, é a
oferta de financiamento público a determinadas empresas ou setores do
mercado, mediante, por exemplo, linha de crédito junto ao BNDES.153

Não é difícil encontrar exemplo de iniciativas esportivas que bebem de cada uma das fontes
listadas no escólio acima transcrito.
A última modalidade de intervenção estatal no esporte como atividade econômica se traduz
na atuação direta, seja pela prestação de serviços públicos – normalmente traduzida na operação de
instalações desportivas, majoritariamente públicas, quando tomado o quadro daquelas de maior
capacidade –, seja pela atuação direta, por meio da constituição de inúmeras equipes que disputam
competições de primeira linha das principais modalidades esportivas nacionais.

152
Modalidades de intervenção do Estado na ordem econômica. Regime jurídica das sociedades de economia mista.
Inocorrência de abuso de poder econômico. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 395. t. 1.
153
BARROSO, Luís Roberto. op. cit. p. 396.

103
Subsidiariedade no esporte
O princípio da subsidiariedade encontra três locais privilegiados para a sua consagração na
ordem constitucional brasileira: a preservação da autonomia federativa, o respeito à livre iniciativa
econômica e a preservação das formas participativas de exercício democrático, como bem atesta o
articulado trabalho de Marianna Montebello Willeman, que delimita a figura desta forma:

A subsidiariedade apresenta caráter dúplice, comportando aplicação


simultaneamente negativa e positiva. O aspecto negativo do princípio
revela-se ao preconizar que aquilo que pode ser exercido pelo indivíduo ou
por sociedades menores não deve ser confiado a sociedades de maior
envergadura, nem tampouco ao Estado. Por sua vez, seu aspecto positivo
é evidenciado na medida em que os grupos maiores têm a obrigação de
suprir eventuais deficiências dos menores, prestando assistência aos atores
insuficientes, estimulando, coordenando, fomentando, suplementando e
suprindo, se necessário, a iniciativa pessoal. 154

À luz de tal desenho é que se podem propor limites e vetores de atuação estatal no esporte.
Será a preservação da iniciativa individual e dos entes sociais, no âmbito de cada localidade que
pautará cada intervenção administrativa, sempre se resguardando o verdadeiro valor cultural
espontânea e historicamente desenvolvido pelo esporte, tal como ilustra preciosa passagem literária:

A inovação da esquerda antiglobalização é seu apego ao tradicionalismo: a


preocupação de que gostos e tendências globais venham a sufocar as
culturas nativas. Evidentemente, o futebol não é a mesma coisa que Bach
ou o budismo. Mas frequentemente provoca um sentimento mais
profundo que a religião e, tal como esta, é uma parte do tecido
comunitário, um repositório de tradições. Durante o regime franquista, o
Atlético de Bilbao e o Real Sociedad eram os únicos espaços em que o povo
basco podia expressar seu orgulho cultural sem ir para a cadeia. Em cidades
industriais inglesas como Coventry e Derby, os clubes de futebol ajudaram
a aglutinar pequenas comunidades em meio a uma poluição opressiva. 155

154
WILLEMAN, Marianna Montebello. O princípio da subsidiariedade e a Constituição da República de 1988. In: PEIXINHO,
Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2001, p. 483.
155
FOER, Franklin. Como o futebol explica o mundo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, p. 9, 10.

104
A espontaneidade e a autonomia alcançadas pelo esporte em território nacional revelam a
necessária reverência do Estado à capacidade de auto-organização social neste campo, diretriz
antecipada no cotejo da Constituição com a já mencionada segmentação esportiva promovida pela
multicitada Lei Pelé.

a) Subsidiariedade no desporto de participação – das três expressões desportivas arroladas


pelo também já citado art. 3º do referido diploma legal, a única que não tem fomento ou
previsão de atuação estatal expressa no art. 217 é aquela de participação, assim definida
na doutrina nacional:

Considerando que esta manifestação prioriza fundamentalmente a


finalidade de prevalecer mais ao entretenimento, ao lazer, à recreação e à
integração social pelas vivências lúdicas desportivas (prática não formal –
desporto lazer), do que qualquer outro objetivo, além da sua possibilidade
de atuar como meio de educação, promoção da saúde e de valores sociais
(cooperativismo, disciplina, ética, respeito pelos adversários,
determinação), configura-se como a expressão máxima do esporte como
“direito de cada um”, previsto no art. 217 da Constituição Federal. 156

Nesse caso, a atuação individual e a auto-organização das comunidades locais que darão
o tom da prática desportiva de participação, devendo o Estado se abster de intervir
diretamente ou fomentar a introdução de entidades privadas de maior parte no espaço do
lazer informal de cada sujeito. Aqui, quando muito, o papel do Estado se dará pela
construção e manutenção de instalações esportivas adequadas, e mesmo assim naqueles
locais em que o associativismo clubístico que caracteriza a história desportiva brasileira já
não tiver suprido tal necessidade. 157

ff) Subsidiariedade no desporto educacional – já o desporto educacional e aquele de


rendimento obtiveram menções específicas no texto constitucional, como já visto
anteriormente neste trabalho. A primeira delas é aquela que determina a observância da
“destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e,
em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento” (art. 217, II).

156
REZENDE, José Ricardo. op. cit. p. 49.
157
Justamente na esteira da lição de Marianna Montebello Willeman, que só concebe um desdobramento positivo da
aplicação do princípio da subsidiariedade quando inexistente a capacidade da comunidade menor em prover às suas
necessidades em determinada área. Tal premissa pode até mesmo se revelar no inc. I do art. 217 da Carta Republicana,
que assegura a “autonomia das [...] associações, quanto a sua organização e funcionamento”.

105
O regramento constitucional mereceu reiteração e maior detalhamento em sede de lei
ordinária, na medida em que a Lei Pelé, em primeiro lugar, indica, logo no primeiro
inciso do seu art. 7º, o desporto educacional como destinação dos recursos federais
aplicados ao esporte, fazendo-o sem qualquer condicionamento.

A opção preferencial pela vertente educacional do esporte se reforça quando se retroage ao


artigo anterior, que, ao estabelecer nova disciplina para os repasses federais aos estados e
municípios, limita de forma intensa as possibilidades de dispêndio de tais verbas. Veja-se:

Art. 6º. Constituem recursos do Ministério do Esporte: [...]


II - adicional de quatro e meio por cento incidente sobre cada bilhete,
permitido o arredondamento do seu valor feito nos concursos de
prognósticos a que se refere o Decreto-lei nº 594, de 27 de maio de 1969
e a Lei nº 6.717, de 12 de novembro de 1979, destinado ao cumprimento
do disposto no art.7º;
[...]
§ 2º Do adicional de 4,5% (quatro e meio por cento) de que trata o inciso
II deste artigo, 1/3 (um terço) será repassado às Secretarias de Esporte dos
Estados e do Distrito Federal ou, na inexistências destas, a órgãos que
tenham atribuições semelhantes na área do esporte, proporcionalmente ao
montante das apostas efetuadas em cada unidade da Federação, para
aplicação prioritária em jogos escolares de esportes olímpicos e
paraolímpicos, admitida também sua aplicação nas destinações previstas
nos incisos I, VI e VIII do art.7º desta Lei. (grifos aditados)

Além dos jogos escolares, óbvia e diretamente relacionados à inserção do esporte no


sistema nacional de ensino, a limitação da aplicação dos repasses às atividades referidas
nos três incisos acima resulta no seguinte espectro de investimento dos Estados com
recursos de origem federal: desporto educacional (inc. I); instalações esportivas (inc. VI)
e desporto para portadores de deficiência (inc. VIII).

O que se percebe é que, das quatro destinações possíveis para tais verbas federais, duas se
ligam diretamente à conjunção esporte-educação, ferramenta poderosa na construção de
um sistema de ensino forte e no desenvolvimento de um universo de seleção mais amplo
para os níveis mais elevados da prática atlética, nos moldes das maiores potências olímpicas
mundiais. Isso sem contar a possibilidade de que as aludidas instalações esportivas sejam
construídas ou ampliadas nas dependências de estabelecimentos de ensino.

106
Portanto, na esteira da prioridade constitucionalmente estabelecida, a ausência de
qualquer condicionamento na aplicação de recursos para o esporte no âmbito do seu
desenvolvimento em escolas ou outros estabelecimentos de índole educacional demonstra
claramente a opção por fomentar, de modo irrestrito, a potencialização da educação por
meio do esporte, indo até mesmo ao encontro da prioridade constitucional dada à
educação pela prioridade orçamentária consagrada no art. 212 da Carta Magna. 158

Outra forma bastante conhecida de atuação nesta vertente educacional é a colaboração com
as entidades extraestatais, as denominadas Organizações Não Governamentais (ONGs), que
se multiplicam todos os dias. Esse exemplo de fomento social se concretiza habitualmente
por meio da figura do convênio, o qual, infelizmente, tem-se prestado a reiteradas distorções
do verdadeiro papel do Estado e o seu parceiro privado em casos que tais.

O que se tem visto com frequência é a mera terceirização de recursos públicos para a
execução indireta de funções que eventualmente poderiam ser realizadas pelo próprio
Estado ou ao menos se sujeitariam à disputa por parte dos agentes econômicos que atuam
no florescente mercado desportivo.159

Em outras palavras, mais do que a já suficientemente grave violação ao dever de licitar, a


deturpação do propósito dos convênios administrativos no setor do esporte acaba por
minar o desenvolvimento de um mercado de fornecedores de serviços já razoavelmente
estabelecido no País.

Nesse sentido, em vez de se esconder atrás de ONGs de fachada, os empresários esportivos


poderiam constituir-se como sociedades de prestação de serviços de treinamento,
educação e gestão esportiva, aumentando o grau de competitividade em tal campo e
conferindo maior transparência à utilização do esporte como ferramenta educacional pelo
poder público e pela iniciativa privada.

158
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte
e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
159
Neste ponto, cabe rememorar advertência feita por este autor em obra conjunta com Flávio de Araújo Willeman
(Direito administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 118): “Como traços distintivos dos contratos administrativos,
os convênios administrativos se caracterizam por materializarem uma soma de esforços para a consecução de objetivos
comuns às partes convenentes. Em outras palavras, não há a contraposição de interesses comum aos contratos, em que
uma parte pretende a obtenção de recursos pecuniários e a outra o adimplemento de uma obrigação de fazer ou de dar
alguma coisa, havendo uma verdadeira troca entre as partes. Já no convênio, os interesses são convergentes, ambas as
partes buscam a realização de determinada finalidade concreta (ex.: educação de menores carentes, assistência social a
idosos, recuperação de dependentes químicos). Neste sentido, forma-se uma parceria para colaboração, não para mera
delegação da execução de um serviço de interesse público a um particular”.

107
Aqui, mais uma vez se vê a incidência do princípio da subsidiariedade, mas já na fronteira
entre o social e o econômico, na medida em que a malversação do fomento institucional
no âmbito social acaba por inviabilizar o pleno desenvolvimento autônomo da atividade
econômica encetada pelos agentes privados.

Traduzindo em miúdos: a intervenção indevida do Estado, privilegiando um


determinado sujeito ou uma entidade privada, acaba por inibir a atuação econômica
nascida nas comunidades de menor alcance.

gg) Subsidiariedade no desporto de rendimento – se de um lado os abusos relatados acima


denotam a prioridade incondicionada que o desporto educacional desfruta no
ordenamento jurídico, o esporte de rendimento também mereceu contemplação por
parte do Constituinte, mas como uma delimitação a priori – “e, em casos específicos, para
a do desporto de alto rendimento” –, concretizada no nível infraconstitucional pela
dicção do inc. II do art. 7º da Lei Pelé:

Art. 7º. Os recursos do Ministério do Esporte terão a seguinte destinação:


[...]
II - desporto de rendimento, nos casos de participação de entidades
nacionais de administração do desporto em competições internacionais,
bem como as competições brasileiras dos desportos de criação nacional;

Como se vê, o fomento público do desporto de rendimento só se justifica sob o prisma


social quando este se configurar como expressão da identidade nacional, instrumento de
galvanização do sentimento patriótico e de comunhão entre os espectadores brasileiros.

Aqui, a consolidação de um sentimento nacional é papel próprio do ente federativo


maior, configurando-se claramente hipótese de não incidência do princípio da
subsidiariedade, podendo-se dizer o mesmo no que tange à promoção ampla das
modalidades de criação nacional, que merecem igual divulgação nacional, função
tipicamente atribuível ao nível federal da Administração Pública.

Contudo, mesmo neste campo estreito de atuação do Estado no financiamento do esporte


de alto rendimento, haverá que se ter em mente que ainda remanesce espaço para a
operação do princípio da subsidiariedade no que diz respeito à limitação do apoio estatal
àquelas modalidades que não logram autossustentabilidade financeira.

108
Já são categóricos os modelos de autonomia econômica das maiores confederações
esportivas, em especial a de futebol – CBF –, pela consolidação histórica da modalidade
como esporte profissional e, mais recentemente, a do voleibol – Confederação Brasileira
de Voleibol (CBV) –, que pelo paradigmático modelo de gestão acabou por adquirir
meios de receita e um equilíbrio administrativo-financeiro que serve de exemplo para os
demais esportes.

Em ambos os casos, é evidente que a necessidade de financiamento ou fomento público


de qualquer ordem é quase inexistente. Nesse ensejo, considerando a profissionalização
que alcança tais modalidades de modo amplo, e outros esportes em casos pontuais, passa-
se a analisar a incidência da subsidiariedade no esporte como atividade econômica.

Já abordados os diversos exemplos que demonstram claramente a comercialização do


esporte, a sua transformação em produto de consumo e meio de entretenimento –
regiamente – remunerado, aqui incide claramente o art. 173 da Constituição da
República, que determina a abstenção do Estado no campo econômico, razão pela qual
já soam aberrantes os inúmeros exemplos de instituição de equipes desportivas
profissionalizadas por parte de várias prefeituras em todos os rincões do País.

O Brasil desenvolveu o seu esporte com base na organização de clubes e associações, além
de contar com uma rede de estabelecimentos de ensino privados que podem
tranquilamente atender à demanda de criação e manutenção de equipes de alto
rendimento, usual e crescentemente compostas de atletas remunerados para o
desempenho exclusivo da atividade esportiva.

Aqui, parece que a atuação direta do Estado no meio esportivo econômico é


absolutamente incompatível com o ordenamento normativo até agora apresentado.

De outra banda, o recente momento nacional, que se pautou pelo esforço de estruturação
de condições para sediar os dois maiores eventos esportivos do planeta em sequência,
revela uma gama de ações de financiamento público a uma série de instalações urbanas e
esportivas relacionadas à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos.

Aqui, para invocar uma figura tipicamente esportiva – “a bola é dividida” –, de um lado,
há a corrente que defende essas oportunidades como meio de potencialização do
desenvolvimento social do país e das cidades que receberão tais eventos, assim como
relacionam tais investimentos à criação de condições para o florescimento de uma
indústria esportiva brasileira de relevo mundial.

109
Nesses casos, o fomento público estaria plenamente justificado, desde que o tal “legado”
tivesse efetivamente se concretizado, constatação sobre a qual pairam sérias dúvidas.

No sentido oposto, fica importante ponderação feita por autores já citados anteriormente
neste trabalho:

Sempre que um país se candidata a hospedar uma edição da copa do Mundo


ou dos Jogos Olímpicos, seus políticos profetizam “bonança econômica”. Eles
evocam hordas de visitantes consumistas, a publicidade gratuita das cidades
anfitriãs para os telespectadores do mundo, os benefícios a longo prazo de
todas as estradas e todos os estádios que serão construídos. Não espanta que
quase todos os países desejem receber esses eventos. A disputa para sediar a
Copa do Mundo de 2018 é a mais acirrada de todos os tempos.

Na verdade, sediar torneios esportivos de modo algum deixa um país rico. O


motivo pelo qual os países são tão ansiosos para sediar é completamente
diferente: sediar deixa sua população feliz. Mas, estranhamente, os candidatos
a anfitriões não parecem compreender seus próprios motivos.

O filme de 1989 Campo dos Sonhos é uma história sentimental de redenção


estrelada por Kevin Costner no papel de um fazendeiro de Iowa. Filho de um
fanático por baseball, quando criança ele sonhara ser um astro do esporte.
Quando adulto, ouve uma voz dizer a ele par construir um campo de baseball
em seu milharal. “Se você construir ele virá” é o bordão do filme. A moral:
construir estádios onde eles não existem é edificante e bom para você. Desde
então essa ideia original americana se espalhou para o futebol na Europa.

Há nos Estados Unidos uma pequena indústria de “consultores” que existem


para fornecer justificativas econômicas para a frase: “Se você construir, ele
virá”. Em qualquer cidade dos Estados Unidos, em qualquer momento,
alguém está planejando construir um novo estádio esportivo excepcional. O
grande prêmio para a maioria das cidades norte-americanas é hospedar um
time da liga principal, preferencialmente uma franquia da NFL, mas se não
for possível, baseball, basquete ou, caso nada mais dê certo, hóquei no gelo ou
pelo menos futebol. Abrigar uma “franquia” de esporte americano tem muito
a ver com sediar uma Copa do Mundo. Tanto a franquia quanto a Copa do
Mundo são feras que se movem. Seus donos e organizadores geralmente estão
dispostos a se mudar para qualquer cidade ou país que ofereça a eles o melhor
negócio.

110
Nos Estados Unidos, donos de times esportivos normalmente exigem que
os contribuintes da cidade anfitriã banquem um estádio, com
estacionamentos lucrativos. Tudo isso é então repassado ao dono da
franquia, que também fica com o dinheiro que ganha vendendo ingressos.
Cerca de setenta novos estádios e arenas de ligas principais foram
construídos nos Estados Unidos nos últimos vinte anos. Custo total: 20
bilhões de dólares, dos quais cerca de metade com recursos públicos. Em
Nova Orleans, por exemplo, o contribuinte pagou pelo Superdome, mas
não por diques melhores. 160

O ceticismo dos autores aponta claramente um questionamento impositivo: se o esporte,


por meio dos seus agentes privados, movimenta tantos recursos, por que o Estado é o
habitual financiador de tais grandes projetos?

Há, na esteira do que preconiza a referida obra literária, a necessidade de se terem dados
efetivamente comprováveis do retorno de tal financiamento público – direto e por meio
de incentivo – na forma de empregos, aquecimento da indústria esportiva e dos demais
setores direta e indiretamente envolvidos com as obras e as posteriores atividades
desenvolvidas em tais arenas, e – por que não? – no efetivo incremento do bem-estar
populacional em decorrência da oferta de espetáculos esportivos, pois, como contrapõem
os mesmos Kuper e Szymanski, mais adiante no seu interessante livro:

Portanto, sediar não o deixa rico, mas o deixa feliz. O que leva a uma
pergunta: se os países querem sediar torneios de futebol (e cidades norte-
americanas querem ser sedes de times das grandes ligas) como parte de sua
busca da felicidade, por que não dizem isso? Por que o trabalho de disfarçar
seus argumentos com economia falsa?

A resposta é que os políticos levaram muito tempo para descobrir a


linguagem da felicidade. Até há pouco tempo, os políticos europeus
falavam principalmente de dinheiro. Qualquer coisa que servisse apenas
para deixar as pessoas felizes era descartado com a expressão de desprezo
“o fator sentir-se bem”, como se a política estivesse acima dessas
trivialidades. [...]
Mas aos poucos ficou claro que nos países ricos mais dinheiro não fazia as
pessoas mais felizes. Robert Kennedy foi um dos primeiros a perceber isso.

160
KUPER, Simon; SZYMANSKI, Stefan. op. cit. p. 227, 228.

111
Ele observou em março de 1968, três meses antes de ser assassinado, que o
produto interno bruto “mede tudo [...] exceto o que faz a vida valer a pena”.
[...]

Uma Copa do Mundo é um tipo de projeto comum que quase não existe
nas sociedades modernas. Vimos que o simples fato de acompanhar uma
seleção na Copa do Mundo impede algumas pessoas muito isoladas de
cometer suicídio. Se participar de um torneio cria coesão social, sediar
um cria ainda mais. Os habitantes do país anfitrião – e certamente os
homens – passam a se sentir mais ligados a todos ao seu redor. Ainda
mais, ser anfitrião pode aumentar a autoestima do país e fazer as pessoas
se sentirem melhor com elas mesmas. 161

Ora, se não servir para isto, coesão social e felicidade individual, valores ínsitos à essência
da prática desportiva, para que serve o Estado?

161
Idem. p. 239, 240.

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PROFESSOR-AUTOR
Fernando Barbalho Martins é mestre em Direito Público, pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, LLM em Direito Desportivo, pela De Monfort University (Leicester, Reino Unido),
e possui MBA em Gestão e Marketing Esportivo, pela Trevisan Escola de Negócios. Sócio fundador
de Caldas Barbalho Advogados (desde 2000), é Procurador do Estado do Rio de Janeiro também
desde 2000 e ex-Procurador Federal (1998 e 2000). É ainda autor de Futebol: manual de
(re)montagem (Aperj, 2015), Direito Administrativo, em coautoria com Flávio de Araújo Willeman
(Impetus, 2015) e Do direito à democracia (Lumen Juris, 2007). Fernando recebeu o Prêmio
Destaque Acadêmico (FGV/2010) pelo desempenho no Programa de Pós-Graduação em Direito.

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