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A TOMADA DE DECISÃO COMO ARTE: COMO FAZER ESCOLHAS EM CONDIÇÕES PANDÊMICAS

Este texto gira em torno [ou a favor] de uma afirmação jurídica que fora ancorada e
consolidada ao longo de uma disciplina de graduação do curso de Direito da FGV Direito Rio, i.e
Direito da Pandemia. Para tanto, busca-se, de um lado, manipular a realidade de um [e por um] ponto
de vista – a chamada afirmação jurídica – e, de outro lado, trazer reflexões quanto à temática
exposta.
De início, é fundamental apontar a afirmação jurídica para, então, dar seguimento ao texto e
já apresentar os apontamentos e argumentos que conduzem o leitor para o norte deste trabalho.
A pandemia da Covid-19 quebrou o paradigma de tomada de decisão na atividade estatal.
Em outras palavras, os fundamentos do processo de tomada de decisão estatal foram profundamente
atacados. É preciso redefinir um novo paradigma de tomada de decisão para situações-problemas que
sejam, majoritariamente, eventos de incerteza.
Se o ponto acima apresentado é, per se, a partida e o norte deste escrito, é melhor, antes de
seguirmos em frente, parar um pouco e deixar esse fundamento bem sólido.
Imagine um cenário hipotético, porém ilustrativo de uma situação-problema de mortes ou alto
índice de acidentes no trânsito. Estruturamo-nos como sociedade e estabelecemos o Estado, também,
para resolvermos situações como esta. Com isso, o Estado (personificado) precisa tomar uma decisão
frente a essa situação-problema. Tal caminho de processo de tomada de decisão perpassa pelos
seguintes pontos: (i) análise do problema; (ii) definição do objetivo; (iii) tomada de decisão; (iv)
administrar e gerenciar as consequências derivadas dessa tomada de decisão.
De volta ao cenário hipotético: em uma situação de mortes ou alto índice de acidentes no
trânsito, este é o problema. Faz-se necessário identificá-lo como problema 1. Uma vez superada esta
fase, estabelece-se o objetivo da tomada de decisão: garantir a segurança das pessoas ou salvar
vidas. Mais adiante, a decisão: criar regra de limite de velocidade e realizar a fiscalização. Com
isso, naturalmente, as consequências serão a redução de mortes e diminuição do índice de acidentes.
Este esforço empregado por parte do Estado num cenário hipotético é prioritariamente
orientado para o passado2. Ou seja, busca-se: confiança, previsibilidade e estabilidade.
Porém, como tomar decisões sem referenciais ex ante? A pandemia da Covid-19 demonstrou
que a tomada de decisão é uma operação criativa, nas palavras de Carlos Ari3, “pintar quadros e não
revelar fotografias”. Pintar quadros exige escolha no presente orientada com base em resultados
futuros, em outras palavras, em um raciocínio consequencialista4.
A estrutura de um raciocínio consequencialista apresenta duas dimensões: (i) descritiva –
análise empírica, confiabilidade das prognoses; e (ii) normativa – consistência interno com certos
critérios. No entanto, segundo Fernando Leal5, existem diversos problemas intrínsecos a esta
estrutura, tanto atreladas à dimensão descritiva, quanto normativa.
1
É preciso delimitação do escopo do problema através de questionamentos: “Qual é o problema e por que isso é um problema? Qual o
contexto no qual o problema se insere? Qual a natureza do problema e suas consequências? Qual são as causas ou indutores do
problema? Qual a extensão ou magnitude do problema, isto é, onde ele ocorre, com que frequência, qual é a extensão dos grupos
afetados? Qual a evolução esperada do problema no futuro caso nada seja feito?”
2
ARGUELHES, Diego Werneck; FALCÃO, Joaquim; SCHUARTZ, Luis Fernando. Jurisdição, incerteza e Estado de Direito. Revista
de Direito Administrativo, v. 243, p. 79-112, 2006.
3
SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça; Direito administrativo para céticos. 2ª ed. São Paulo: Direito GV / Malheiros, 2014,
p. 205.
4
A estrutura de um raciocínio consequencialista, como descrito por Fernando Leal, pressupõe: (i) análise da realidade; (ii) indicação
das alternativas de decisão; (iii) indicação das consequências atreladas a cada alternativa de decisão – prognose; e (iv) ordenação das
consequências com base em determinado critério. LEAL, Fernando. Consequenciachismo, principialismo e deferência: limpando o
terreno. Dilema é, de fato, meramente aparente. Disponível em:< https://www. jota. info/stf/supra/consequenciachismo-
principialismo-e-deferencia-limpando-oterreno-01102018>. Acesso em 06 dez. 2021.
5
LEAL, Fernando. Inclinações pragmáticas no direito administrativo: nova agenda, novos problemas. O caso do PL
349/15. Transformações do Direito Administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias. Rio de Janeiro: FGV, 2017.
Os problemas da chamada dimensão descritiva são, pelo menos, dois: (i) os argumentos em
efeito dominó que geram uma extensão [imensurável] das cadeias de consequências e (ii) a
insuperável assimetria entre o presente futuro e futuro presente – o que imaginamos não
necessariamente não se realizará.
Com isso, como criar prognoses confiáveis? Como superar tais problemas?
Por outro lado, os problemas da dimensão normativa não são poucos: (i) identificação de um
critério de valoração; (ii) determinação de sentido desse critério escolhido; (iii) comensurabilidade
entre diferentes critérios de valoração; (iv) resolução de conflitos entre os critérios de valoração.
O cenário parece não apresentar nenhuma melhora, pelo contrário, parece apenas demonstrar
que o processo de tomada de decisão envolvendo a pandemia da Covid-19 não encontra saída pois as
incertezas são demasiadamente grandes. Não haveria, então, como fazer o controle da atividade
estatal num ambiente de condições de incerteza radical proporcionado por um vírus.
A tomada de decisão é, de fato, uma arte.
Portanto, é preciso esforço imaginativo para propor caminhos de solução como escolher cores
para pintar um quadro.
O primeiro caminho seria recorrermos apenas a princípios?
Parece simplório. Como bem nos lembra Carlos Ari 6, “quanto mais vago é o princípio, maior
o seu potencial para produzir razões multidirecionais. Usar princípios envolve um ônus necessário.”
Porém, justificar decisões com base em princípios significa, assim, recorrer invariavelmente a um
raciocínio consequencialista7.
O segundo caminho, como aponta Adrian Vermeule, perpassa por três estratégias na tomada
de decisão, a saber, maximizante, otimizante e satissuficiente8. São ferramentas úteis, porém não
terão muito valor se usadas sem um fim bem delimitado.
Em terceiro lugar, existem algumas alternativas bem descritas na literatura 9,10: (i) exigir que
tomadores de decisão recorressem (sempre que possível) a dados ou juízos técnicos para sustentar
suas prognoses; (ii) obrigar o tomador de decisão a selecionar critérios para ordenação de
consequências e a justificar sua preferência por certa alternativa em casos em que critérios diferentes
possam ser aplicáveis; (iii) impor ônus de determinação do sentido dos critérios de valoração
utilizados; (iv) prever mecanismos de vinculação para a solução de casos futuros; (v) levar a sério a
condição humana (tendo em vista que vivemos imersos em racionalidade limitada11).
A pandemia da Covid-19 não tirou a discricionaridade estatal para resolver problemas. Basta
reconsiderarmos que é preciso pintar quadros e não revelarmos fotos. É preciso quebrar velhos
paradigmas a fim de construirmos um novo modelo processo de tomada de decisão mais eficiente.

6
SUNDFELD, Carlos Ari. Princípio é preguiça; Direito administrativo para céticos. 2ª ed. São Paulo: Direito GV / Malheiros, 2014,
p. 205.
7
LEAL, Fernando. Inclinações pragmáticas no direito administrativo: nova agenda, novos problemas. O caso do PL
349/15. Transformações do Direito Administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias. Rio de Janeiro: FGV, 2017.
8
Maximizante: análise estática. Tomador de decisão escolhe a ação que produzirá as melhores consequências ao caso em tela; busca
pela melhor resposta disponível, considera todos os aspectos do caso. Impensável para o Estado. Otimizante: análise dinâmica. Quando
se opta pela ação que é a melhor em relação as limitações, levando em consideração os custos diretos e os custos de oportunidade da
tomada de decisão. Busca pela melhor resposta, considera os custos envolvidos para obter mais informações. Satissuficiente é a
estratégia de escolha que se satisfaz com a primeira resposta suficiente. Não precisa ser a melhor.
9
LEAL, Fernando. Inclinações pragmáticas no direito administrativo: nova agenda, novos problemas. O caso do PL
349/15. Transformações do Direito Administrativo: consequencialismo e estratégias regulatórias. Rio de Janeiro: FGV, 2017.
10
LEAL, Fernando. Consequencialismo, racionalidade e decisão jurídica: o que a teoria da decisão e a teoria dos jogos podem
oferecer. PINHEIRO, Armando Castelar; PORTO, Antônio J. Maristrello; SAMPAIO, Patrícia Regina Pinheiro (Coords).
Direito e Economia: Diálogos. Rio de Janeiro: FGV Editora, p. 85-113, 2019
11
Todo o conjunto de limitações do ambiente e da racionalidade humana (capacidade para obter e processar informações) que
impedem que alcancemos respostas ideais sempre. SIMON, Herbert A. Bounded rationality. In: Utility and probability. Palgrave
Macmillan, London, 1990. p. 15-18.

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