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EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA DE DIREITO DA 4ª VARA DA FAZENDA

PÚBLICA DA COMARCA DO RIO DE JANEIRO - RJ

Ação popular 0945872-05.2023.8.19.0001


Autores: Gedecy Fontes de Medeiros Filho e outro

O ESTADO DO PARANÁ, pessoa jurídica de direito público


interno, inscrita no CNPJ sob nº 76.416.940.0001-28, e a LOTERIA DO ESTADO 1
DO PARANÁ - LOTEPAR, autarquia inscrita no CNPJ sob nº 76.575.570/0002-52,
por meio do Procurador-Geral do Estado do Paraná, vêm, respeitosamente, perante
Vossa Excelência requerer INGRESSO NO POLO ATIVO da ação popular em
epígrafe e apresentar razões para sua procedência:

1. Dos fatos. Como está devidamente narrado na inicial, a LOTERJ


lançou, em 26/4/2023, Edital de Credenciamento 01/2023, que, conforme item 2.1,

desenvolvimento e exploração dos serviços públicos lotéricos, pelo período de até


cinco anos, de acordo com as exigências e nos limites e condições estipulados por
este Edital, no âmbito territorial do Estado do Rio de Janeiro, definindo
critérios gerais para a exploração comercial, em meio virtual, com acesso
online em dispositivo pessoal ou utilizando aplicativo mobile (Apps), web,
VLT (vídeo Lottery Terminal), POS (Point of Sales) ou Terminais/Totens,

Cuida-se, bem se vê, de credenciamento para exploração do


serviço público de loteria

apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no

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momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de
art. 29, § 1º).

Coerente com o princípio federativo, o art. 2º, § 1º, do Decreto-lei


6.259/1944 e até a lei estadual de regência (cf. infra, item 3), o edital em questão, na
sua versão originária, garantia que apenas apostadores localizados fisicamente no
Rio de Janeiro pudessem realizar apostas nos sites que viriam a ser credenciados.

Ocorre, com a Retificação do Edital de Credenciamento nº 1/2023,


o edital passou a prever o seguinte:
7.1 As Interessadas deverão apresentar, juntamente com o formulário de
requerimento para Credenciamento (Anexo IX deste Edital), os seguintes
documentos de habilitação para participar:
[...]
7.1.6. Qualificação Técnica:
[...]
7.1.6.2. Possui sistema que garante, mediante prévia e expressa 2
declaração e anuência do apostador, que a efetivação das apostas
online sempre será considerada realizada no território do Estado do
Rio de Janeiro, para todos os efeitos e finalidades, inclusive fiscais
e legais;

8.9. Deverá a plataforma apresentar processos definidos que


assegurem prévia e expressa declaração e anuência do apostador de
que a efetivação das apostas online sempre será considerada
realizada no território do Estado do Rio de Janeiro, para todos os
efeitos e finalidades, inclusive fiscais e legais.

9.2 A fase de Prova de Conceito consistirá na apresentação de uma amostra


da comercialização e operação online (meios virtuais) dos serviços públicos
lotéricos objeto deste Processo de Credenciamento; e dar-se-á em ambiente
de homologação, onde serão demonstrados a os requisitos mínimos
especificados neste Edital para fins de homologação da plataforma através da
qual a interessada no Credenciamento ofertará jogos de Apostas Esportivas de
Quota Fixa, com verificação dos seguintes elementos essenciais pela LOTERJ:
9.2.1 Requisitos do Sistema:
[...]
9.2.1.5. Em relação aos requisitos de Localização para Apostas Remotas:
[...]
(iv) o sistema deverá possuir capacidade de controlar e confirmar
que o apostador declara e concorda que a efetivação das apostas
online sempre será considerada realizada no território do Estado do
Rio de Janeiro, para todos os efeitos e finalidades, inclusive fiscais
e legais, independentemente da geolocalização do IP ou do
dispositivo de origem da aposta

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É dizer, a LOTERJ criou, por meio de mero edital, ficção
jurídica de territorialidade: o apostador poderá fazer a aposta em qualquer parte

apostas online sempre será considerada realizada no território do Estado do Rio de

Observe-se que a recente retificação do edital de credenciamento


não alterou as normas atacadas na presente ação. Conforme noticiado, [o] texto
da retificação do edital da LOTERJ manteve a definição de territorialidade, que
permite que a operadora licenciada no Rio de Janeiro possa comercializar
apostas em todo o país e não somente no Estado do Rio de Janeiro. Segundo
entendimento da Autarquia, a efetivação das apostas online será considerada
realizada no território do Estado do Rio de Janeiro, para todos os efeitos e
finalidades, inclusive fiscais e legais 1.

2. Da possibilidade de os Estados explorarem loterias já antes da 3


Lei 14.790/2013. O Supremo Tribunal Federal pacificou o debate sobre a
possibilidade de os Estados explorarem o serviço público de loteria em acórdão
exarado em duas arguições de descumprimento de preceito fundamental ( ADPF) e
uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) assim ementado:

Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental. Ação Direta de


Inconstitucionalidade. 2. Artigos 1º, caput, e 32, caput, e § 1º do Decreto-
Lei 204/1967. Exploração de loterias por Estados-membros.
Legislação estadual. 3. Competência legislativa da União e
competência material dos Estados. Distinção. 4. Exploração por
outros entes federados. Possibilidade. 5. Arguições de
Descumprimento de Preceito Fundamental conhecidas e julgadas
procedentes. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada
improcedente.
(STF, ADPF 492 e 493, ADI 4.986, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal
Pleno, julgado em 30-09-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-292
DIVULG 14-12-2020 PUBLIC 15-12-2020)

2.1. Declarou-se que são incompatíveis com a Constituição


Federal os arts. 1º e 32, caput e § 1º, do Decreto-lei 204/1967, os quais rezam:

Art. 1º A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas


do Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União não

1 <https://bnldata.com.br/loterj-retifica-e-adita-edital-de-apostas-online-e-reabre-o-prazo-de-
credenciamento-por-30-dias/>, acessado em 8/3/2024.

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suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente
Decreto-lei.
...........................................................................................................................
Art. 32. Mantida a situação atual, na forma do disposto no presente
Decreto-lei, não mais será permitida a criação de loterias estaduais.
§ 1º As loterias estaduais atualmente existentes não poderão aumentar as
suas emissões ficando limitadas às quantidades de bilhetes e séries em
vigor na data da publicação dêste Decreto-lei.

Considerou-se em apertada síntese que a loteria é um serviço


público e que o texto constitucional não reserva a exploração deste serviço à União,

aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Con

2.2. Observe-se que a competência legislativa da União foi


exercida tanto por meio do Decreto-lei 204/1967 quanto por meio do Decreto-lei
6.529/1944; este último ainda está em vigor, não tendo sido revogado pelo
4
Decreto-lei 204/1967 nem naquilo que trata da exploração de loterias pelos
Estados, já que o Decreto-lei 6.529/1944 permitiu a continuidade das loterias já
existente, e estas ainda deveriam obedecer às normas gerais federais. Seria, por esta
razão, desnecessário, mas o art. 33 do Decreto-lei 204/1967 deixou claro que tais
regras ainda seguiriam vigentes:

Art 33. No que não colidir com os têrmos do presente Decreto-lei, as


loterias estaduais continuarão regidas pelo Decreto-lei nº 6.259, de
10 de fevereiro de 1944.

Basta ver que assim se pronunciou o Supremo Tribunal Federal


nas já citadas APDF 492, 493 e ADI 4.986:

-se que, ainda hoje, no âmbito dos estados remanescentes, o


diploma legal aplicável, o Decreto-Lei 6.259/1944 continua a permitir
a concessão de atividade lotérica tanto no âmbito da União quanto
no âmbito dos Estados

Ou seja, não houve revogação, nem expressa, nem tácita, das


normas do Decreto-lei 6.529/1944. As normas deste que tratam das loterias
estaduais inclusive a que preconiza a territorialidade (cf. infra, item) precisavam
seguir regulando as loterias estaduais permitidas pelo Decreto-lei 204/1967,
permissão esta que apenas se ampliou, estendendo-se a loterias criadas mesmo
após este último diploma, com a decisão exarada nas APDF 492, 493 e ADI 4.986.

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(De qualquer sorte, se tivesse havido uma aparente revogação tácita por
incompatibilidade que apenas seria o caso se não se permitisse o funcionamento nem mesmo
das loterias estaduais já existentes , esta teria sido levada a cabo por normas consideradas
contrárias à Constituição atual e à de então, como reconheceu esta Corte, o que significa que
a revogação não se teria operado, por nula2).

3. Do serviço público de loteria e da territorialidade já antes da


Lei 14.790/2013. O Supremo Tribunal Federal reconheceu que a loteria é um serviço
público (item 3.1); desta natureza (item 3.2) e de lei nacional (item 3.3) confirmada
por lei local (item 3.4) decorre que sua exploração, já antes do advento da Lei
14.790/2023, devia se circunscrever aos limites territoriais do ente federativo.

3.1. Quanto à natureza da exploração de loterias, o Ministro


Relator assim se pronunciou no voto condutor das ADPF 492 e 493, ADI 4.986:

de controle abstrato é que a doutrina enquadra as loterias como típicas


5
atividades de serviço público. Desde 1932, como visto, o legislador não
hesita em atribuir um regime jurídico de Direito Público a essas
atividades. A previsão consta ainda expressamente do Decreto-Lei
6.259/44 e do próprio Decreto-Lei 204/67, que é discutido nestas ações
de controle abstrato.
Por esse motivo, parece-nos, no todo, acertada a afirmação do Ministro

que se refere à natureza jurídica da atividade lotérica, legem habemus


a
coerência com a posição doutrinária prevalente, que no Brasil a
atividade de exploração de loterias é qualificada desde muito
tempo, e até o presente, como serviço público
Roberto. op. Cit., p. 264).

caput, da Lei 13.756/2018 (redação originária):

2 A doutrina, tratando do efeito repristinatório decorrente de declaração de inconstitucionalidade


a mais recente é
inválida e cai, desaparece, junto com ela, a incompatibilidade e, consequentemente, o efeito
A repristinação no âmbito do controle
de constitucionalidade nas ordens jurídicas portuguesa e brasileira (Dissertação). Faculdade de
Direito, Universidade de Coimbra. Coimbra, p. 44. Disponível em
<https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/85723/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o.pdf>, acessado
em 8/3/2024).

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Art. 29. Fica criada a modalidade lotérica, sob a forma de serviço
público exclusivo da União, denominada apostas de quota fixa, cuja
exploração comercial ocorrerá em todo o território nacional.

3.2. Serviço público que é, ele há de ser prestado no âmbito


territorial do ente federativo: no caso da União, em todo o território nacional;
no caso dos Estados, apenas nos limites de cada um de seus territórios.

Com efeito, em razão do sistema federativo, os Estados atuam


nos seus limites territoriais, sob pena de se invadir a esfera de atuação outro Estado
ou da União, em afronta ao art. 18, caput, da Constituição Federal:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do


Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Em parecer já consagrado, a doutrina de há muito já tratava da


territorialidade na prestação de serviço de loteria: 6

a exploração lotérica tem de


conformar-se ao princípio da territorialidade, ou seja, ao campo de
incidência da competência da pessoa de direito publico interno, que a
institui 3

Esta Corte Suprema já assentou o seguinte:

pessoa jurídica central da Federação (ainda que por lei ordinária, tão-
somente), qualquer das duas unidades estatais periféricas (Estado-
membro ou Distrito Federal), pode concorrer com ela, União Federal.
Pode, no território de cada qual delas, competir com o Governo
Central pela preferência dos apostadores. Desde que se utilize das
mesmíssimas normas federais de regência do tema, com adaptações
apenas de ordem mecânica ou linear; isto é, adaptações ditadas pelas
naturais diferenças de organização administrativa de cada uma dessas
pessoas federadas perif
(STF, ADI 2847, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado
em 05-08-2004, DJ 26-11-2004 PP-00026 EMENT VOL-02174-01 PP-00112
RTJ VOL 00192-02 PP-00575, voto-vista do Ministro CARLOS AYRES
BRITTO)

3 TÁCITO, Caio. Loteria estadual. Limites de emissão de bilhetes. Autonomia estadual. Disponível
em <https://pge.rj.gov.br/comum/code/MostrarArquivo.php?C=ODE4OA%2C%2C>, acessado
em 8/3/2024.

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3.3. E mais, já havia, ao tempo dos fatos, norma legal expressa,
editada no âmbito de competência da União para legislar sobre loterias (CF, art. 22,
caput, XX): cuida-se do art. 2º, § 1º, do Decreto-lei 6.259/1944 (ainda em vigor: cf. supra,
item 2.2)4:

Art. 2º Os Governos da União e dos Estados poderão atribuir a exploração


do serviço de loteria a concessionários de comprovada idoneidade moral
e financeira.
§ 1º A loteria federal terá livre circulação em todo o território do país,
enquanto que as loterias estaduais ficarão adstritas aos limites do
Estado respectivo.

Veja-se, aliás, que no acórdão das ADPF 492 e 493 e ADI 4.986 a
Corte Suprema cita parecer que já cuidava desta limitação decorrente do sistema
federativo e de lei expressa [itálico no original; destaques acrescidos]:

na vigência dessas sucessivas consolidações do direito federal, 7


sobrevive sempre o princípio da convivência entre a loteria federal e as
loterias estaduais, apenas prescritos, quanto a estas, a limitação da
eficácia ao seu território e o requisito formal de ratificação, pela
autoridade federal, em face do regime de exploração por concessionários
(TÁCITO, Caio. Loterias Estaduais (criação e regime jurídico). Pareceres.

3.4. A legislação local do Estado do Rio de Janeiro obedeceu,


aliás, à normal legal nacional. O art. 1º do Decreto-lei estadual 138/1975 é claro sobre
a extensão territorial da exploração da loteria naquele Estado:

Art. 1º - O serviço de Loteria no Estado do Rio de Janeiro será


explorado pela Loteria do Estado do Rio de Janeiro LOTERJ, na
qualidade de sucessora do Departamento Autônomo de Loteria do Estado
do Rio de Janeiro LOTERJ e da Loteria do Estado da Guanabara LOTEG,
sucessão que se opera na conformidade do disposto no § 1º, do art. 12, da
Lei Complementar nº 20, de 01 de julho de 1974.

Ou seja, a LOTERJ pode explorar concretizando a competência


material do Estado do Rio de Janeiro o serviço público de loteria dentro do Estado.
Ela não pode extrapolar, nesta exploração, os limites territoriais do ente federativo
ao qual está vinculada.

ter sob sua guarda, procurar colocar, distribuir ou lançar em circulação bilhetes de loteria
estadual fora do território do Estado respectivo

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4. Da reiteração da previsão pela Lei 14.790/2023. Tudo quanto até
aqui se expôs, portanto, já conduzia à necessidade de a ré se submeter ao princípio
da territorialidade ao exercer sua competência material para explorar o serviço de
loteria.

A Lei 14.790/2023 veio apenas confirmar esta necessidade. Esta


lei, que revogou o art. 1º do Decreto-lei 204/1967 tipo pelo Supremo Tribunal
Federal como não recepcionado pela Constituição Federal , expressamente
autorizou os Estados a explorarem loterias, ao inserir o art. 35-A na Lei 13.576/2018,
cujo caput assim dispõe:

Art. 35-A. Os Estados e o Distrito Federal são autorizados a explorar, no


âmbito de seus territórios, apenas as modalidades lotéricas previstas na
legislação federal.

Tal dispositivo, como se vê, já incorporou o princípio da


8
territorialidade. Os § 4º do mesmo artigo é ainda mais incisivo:

Art. 35-A. [...]


§ 4º A comercialização e a publicidade de loteria pelos Estados ou pelo
Distrito Federal realizadas em meio físico, eletrônico ou virtual serão
restritas às pessoas fisicamente localizadas nos limites de suas
circunscrições ou àquelas domiciliadas na sua territorialidade.

Tanto assim que a novel lei vedou a exploração pelos Estado e o


Distrito Federal de loteria que abranja o território e a população fisicamente
localizada nos limites da circunscrição de mais de 1 (um) ente federativo (mesmo
art. 35-A, § 6º c/c § 5º).

Tudo isto insista-se já decorria das normas anteriores. Não


houve inovação no direito quanto necessidade de os Estados respeitarem a
territorialidade no explorarem o serviço de loteria.

5. Da extrapolação dos limites territoriais em caso de aposta


online em qualquer lugar do Brasil. E o que ocorre, in casu, é precisamente a
extrapolação da competência material do Estado do Rio de Janeiro, ao permitir a
LOTERJ que qualquer terminal do Brasil faça a operação de aposta online.

5.1. Conforme art. 5º, II e I da Lei 12.965/2014, terminal é o

sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala

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mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a
comunicação de dados entre terminais por meio de di

Isto significa que um terminal de qualquer lugar do país pode,


em princípio, acessar site de aposta credenciado pela LOTERJ. Isto em princípio
porque, por variadas razões, a tecnologia pode restringir o acesso conforme
localização do usuário. É o que a miúdo ocorre em razão de restrições de licença,
como se dá com os licenciamentos por região feitos por plataformas de streaming.

Ora, a territorialidade da competência material dos Estados é


precisamente uma razão lícita e imperativa para se fazer uso de tecnologias que
restrinjam o acesso de usuário conforme a localização geográfica. Era o que faziam
as seguintes disposições originárias do Edital de Credenciamento 01/2023 lançado
pela LOTERJ ao depois alteradas pelas disposições atacadas na presente ação :

7.1.6.2. Declarações próprias de que a Interessada, para o pleno 9


cumprimento do objeto do certame:
[...]
e) Possui sistema de geolocalização que garante a efetivação das
apostas online somente no território do Estado do Rio de Janeiro;

8.9. Deverá a plataforma apresentar processos definidos de


geolocalização que impeçam operações de apostas fora dos limites
territoriais do Estado do Rio de Janeiro, mediante bloqueio de
acesso.

9.2.1.5. Em relação aos requisitos de Localização para Apostas Remotas:


[...]
(iv) o método de geolocalização deverá possuir a capacidade de
controlar se o raio de precisão da fonte de dados de localização está
permitida sobrepor ou exceder as zonas de segurança definidas ou
o limite permitido;

E é, também, o que fez o autor LOTEPAR no Termo de


Referência vinculado ao Edital de Credenciamento nº 001/2023 5:

adotar medidas para restringir a atuação de operadores não


autorizados no território do Estado do Paraná, assim como deverão
utilizar ferramentas de geolocalização e ou cercas
georreferenciadas (GPS) para localização do apostador

5 Disponível em
<https://www.loteriasdoparana.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/20
23-05/25_-_03.anexoitermodereferencia_v3.pdf>, acessado em 8/3/2024.

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5.2. Ao alterar as previsões originárias do edital de
credenciamento que estabeleciam a necessidade de emprego de tecnologia para o
controle da territorialidade real; e ao substituí-las por disposições que criam um
controle apenas aparente de territorialidade, que se torna em territorialidade
ficta, a LOTERJ faz tábula rasa do princípio constitucional federativo, da norma
geral do art. 2º, § 1º, do Decreto-lei 6.259/1944 e mesmo do 1º do Decreto-lei
138/1975 do Estado do Rio de Janeiro.

Que a territorialidade se tornou ficta decorre claramente das


novas disposições e é confirmada pela resposta que a LOTERJ forneceu ao
questionamento 4 de pedido de esclarecimento feito em razão da alteração dos
itens originários do edital:

ificação do Edital de Credenciamento a LOTERJ previu que


a efetivação das apostas online sempre será considerada realizada 10
no território do Estado do Rio de Janeiro, para todos os efeitos e
finalidades, inclusive fiscais e legais.
Em se tratando do mercado lotérico e modalidades em ambiente virtual
não há ultrapassagem de limite territorial, uma vez que não há o
deslocamento do Credenciante e nem do apostador, até porque a
comercialização considera-se feita in loco.
À vista das normas atualmente vigentes e da leitura das decisões

TRIBUNAL FEDERAL, é possível concluir que o limite territorial para


exploração dos produtos lotéricos não é de qualquer forma ofendido pela
comercialização de produtos virtuais por credenciados LOTERJ
juridicamente fixados e vinculados ao Estado do Rio de Janeiro,
especialmente porque prevalece o dever de declaração, sob
responsabilidade pessoal do apostador, de que a aposta se
considera realizada dentro dos limites do Estado do Rio de Janeiro,
para todo e qualquer fim

Ou seja, não é que a LOTERJ negue o princípio da territorialidade


em si tanto que o item 2.1 do edital, neste ponto inalterado pela Retificação do
Edital de Credenciamento nº 1/2023, diz expressamente que o credenciamento é
no âmbito territorial do Estado do
Rio de Janeiro
tem fundamento nenhures na legislação.

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O bloqueio territorial é a única forma de garantir efetivamente a
territorialidade. É a interpretação atualizada às novas tecnologias que se há de
fazer do art. 57, caput, do Decreto-lei 6.259/1944:

Art. 57. As repartições postais não farão a remessa de bilhetes, listas, avisos
ou cartazes referentes a loterias consideradas ilegais ou os de loteria de
determinado Estado, quando se destinem a outro Estado, ao Distrito
Federal ou aos territórios.

Conforme bem anota a doutrina, ao tratar de aposta online em


loteria:

contratos eletrônicos reconhecidos pelo ordenamento jurídico, é


fundamental para as Loterias estaduais e distrital, sob pena de

não ultrapasse o limite territorial da Unidade Federativa 6

11
Tudo a demonstrar, portanto, que é preciso invalidar os novéis
redação dada pela Retificação do Edital de
Credenciamento nº 1/2023 , e seus correlatos no Termo de Referência, e impor às
credenciadas pela LOTERJ que impeçam, por meios tecnológicos apropriados de
bloqueio territorial, apostas online por usuários que se encontrem fora dos limites
territoriais do Rio de Janeiro.

6. Da necessidade de liminar. Mais que isto: é preciso que se


suspendam desde já tais novéis regras, com consequente retorno às condições
originárias, conforme pleiteado na inicial da presente ação.

6.1. Com efeito, a probabilidade do direito se afigura clara: os


fatos narrados estão fartamente documentados por provas oficiais como os
editais referentes ao procedimento de credenciamento , e o direito que se lhe
aplica não demanda grandes digressões.

Que uma ficção de territorialidade que decorrerá de mera


declaração do usuário, o qual se verá obrigado a fazê-la para poder efetivar as
apostas online criada por edital possa se sobrepor ao princípio federativo e ao art.

6 BRASIL, Roberto. Direito das loterias no Brasil conceitos e aspectos jurídicos. Belo Horizonte:
Forum, 2019, p. 77.

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2º, § 1º, do Decreto-lei 6.259/1944 (ou mesmo ao art. 1º do Decreto-lei 138/1975 do Estado
do Rio de Janeiro) é evidentemente uma inversão da pirâmide normativa.

O que se vê é que está a ocorrer usurpação da competência


material tanto da União quanto dos Estados inclusive, claro, do autor , já que
apenas aquela pode prestar o serviço de loteria em todo o território nacional, e
cada um dos Estados podem prestar o mesmo serviço nos seus territórios.

6.2. O risco de dano é evidente.

O Estado do Rio de Janeiro alterou o edital de credenciamento


precisamente para se transmudar em uma espécie de polo de vanguarda de apostas
online, operando como se da União se tratasse única que pode atuar em toda a
extensão do território brasileiro. Veja-se a seguinte notícia veiculada na imprensa:

de apostas estão vislumbrando as operações estaduais como uma 12


alternativa ao atraso da regulamentação das apostas de quota fixa do
governo federal. Além disso, a retificação no Edital de
Credenciamento da LOTERJ, que alterou o entendimento sobre a
efetivação das apostas online realizadas no Estado do Rio de
Janeiro, permitirá aos licenciados comercializar apostas em todo o
território nacional.

pelo BNL na última quinta-feira (10). O valor da outorga fixa de R$ 5


milhões pelo prazo de cinco anos e a alíquota de 5% do GGR.
As vantagens que poderão ser implementadas no marketing a partir de
uma licença oficial para operação de várias modalidades lotéricas, mas em
especial de apostas esportivas.
A possibilidade de operar nacionalmente, mesmo que seja por um curto
período devido aos questionamentos que virão pelo novo entendimento
sobre a efetivação da prestação do serviço como definido pela lei federal
-se prestado, e o imposto devido, no local
do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local de

Mesmo com os riscos de questionamentos, uma operação


licenciada nacionalmente permitirá a amortização do valor da
outorga em um curto período de tempo de operação, dependendo
somente do apetite do investidor 7

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8/3/2024.

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Esta exploração em todo o território nacional causa prejuízo à
União e aos demais Estados, já que desviam apostadores potenciais, e, com
isto, os recursos derivados da loteria, para o Estado do Rio de Janeiro. Não
será ocioso dizer que a loteria, suposto tratar-se de serviço público impróprio
porque decorrente apenas da qualificação legal, e não de sua natureza , gera
recursos importantes para que os entes federados desenvolvam políticas
públicas, de interesse público primário.

De fato, no atual estado do direito positivo, os recursos de


apostas revertem para a seguridade social, educação, saúde, segurança pública,
cultura, desportos e outros programas e fundos.

No Estado do Paraná, a destinação está regulada pela Lei


estadual 20.945/20218:

Art. 6º O produto da arrecadação da exploração do serviço estadual de 13


loteria será destinado:
I - a ações e serviços relacionados à Segurança Pública;
II - a ações e serviços públicos voltados à habitação popular;
III - ao financiamento de ações e programas do Governo Estadual que
versem sobre a concretização dos demais direitos sociais previstos no
Título VI da Constituição do Estado do Paraná;
IV - à manutenção da LOTEPAR.
V - ao Fundo Estadual de Assistência Social. (Incluído pela Lei 21231 de
14/09/2022)
VI - ao Fundo Estadual dos Direitos da Mulher. (Incluído pela Lei 21370 de
21/03/2023)

Portanto, o ato antifederativo questionado já está a ocasionar


danos aos entes federativos, em especial às políticas públicas que estes
desenvolvem. O que, considerando a probabilidade do direito, autoriza a que se
conceda tutela de urgência de natureza antecipatória.

7. Pedidos. Diante do exposto, o Estado do Paraná e a LOTEPAR


pedem, em razão de serem diretamente afetados pelo ato atacado na presente ação,
o ingresso no feito no polo ativo, bem como a concessão da medida liminar e, ao
final, a procedência da ação.

8 Disponível em
<https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/pesquisarAto.do?action=exibir&codAto=258052&
indice=1&totalRegistros=1&dt=13.11.2023.9.21.52.508>, acessado em 8/3/2024.

Rua Paula Gomes,145 - São Francisco - 80510-070 Curitiba/ PR - 41 3281-6300 www.pge.pr.gov.br


Nestes termos,

p. deferimento.

Curitiba, datado e assinado eletronicamente.

LUCIANO BORGES
Procurador-Geral do Estado do Paraná

Felipe Barreto Frias


Procurador do Estado do Paraná
OAB/PR 48.160

14

Rua Paula Gomes,145 - São Francisco - 80510-070 Curitiba/ PR - 41 3281-6300 www.pge.pr.gov.br

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