Decifrando as

Dietas da Moda
Helena M A Ximenes
Ficha catalográfica:

XIMENES, Helena Maria de Albuquerque.

Decifrando as dietas da moda (E-Book). São Paulo: HX Consultoria, 2020. 1ª ed. 49p: il.

1. Dietas da Moda. 2. Obesidade. 3. Consequências Metabólicas.

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Esse material está registrado como propriedade intelectual da HX Consultoria Acadêmica.

Revisão ortográfica: Karelayne Coelho

Como citar este material:

XIMENES, Helena Maria de Albuquerque. Decifrando as dietas da moda (E-Book). São
Paulo: HX Consultoria Acadêmica, 1ª ed. 2020. ISBN: 9798679295551

CRÉDITOS:
Modelo de apresentação por Slidesgo
Imagens por Freepik e Google Images
 A Dra. Helena M A Ximenes possui
graduação em Nutrição pela
Universidade Estadual do Ceará,
mestrado e doutorado em Ciências
(Fisiologia Humana) pela
Universidade de São Paulo com
estágio em Biologia Molecular na
Universidade Livre de Bruxelas
Sobre a (Bélgica). Realizou pós-doutorado em
autora Bioquímica na Escola Superior de
Medicina de Hannover em e em
Saúde Coletiva na Universidade
Federal do Ceará. Tem mais de 10
anos de experiência com ensino
superior de graduação e pós-
Dra. Helena Ximenes graduação.
Autora de artigos científicos e
capítulos de livros.
É apaixonada por Nutrição e viciada
em conhecimento!
 Sumário

01 Apresentação 2
04 Considerações Finais 39

02 Introdução
Contextualização – Epidemia
3
Referências 43
de obesidade

03 Dietas da Moda
Composição Nutricional
8

Consequências Metabólicas
 Apresentação
Muitas pessoas levam o objetivo de ter corpos perfeitos, de acordo com o
padrão de beleza vigente, a extremos. Dentre as atitudes mais comuns está a
adoção de dietas da moda.

Nesse contexto, várias dietas já surgiram ao longos dos anos para suprir
essa ânsia, dentre as quais estão incluídas: dieta dos pontos, dieta da lua, dieta
da proteína, dieta cetogênica, dieta pobre ou sem carboidrato, dieta sem
glúten, jejum intermitente, entre outras. Todas propondo soluções rápidas e
baseadas em práticas alimentares nutricionalmente desbalanceadas.

Neste E-Book vamos discutir, de forma crítica e baseada em evidências

científicas, as consequências metabólicas das dietas da moda em maior
evidência na mídia.

É objetivo deste livro apresentar as principais

características nutricionais de dietas da moda mais
evidentes na mídia atualmente e discutir suas
consequências metabólicas.

2
 2.
Introdução
2. Introdução
A busca pelo corpo que mais se adeque aos padrões midiáticos ou às
exigências pessoais levam muitos a buscar soluções rápidas que prometem
resultados eficientes e em curto período de tempo. Muitos também buscam a
perda de peso por questões de saúde. No entanto, quanto mais milagrosa a
solução maiores os riscos à saúde1.

Várias dietas já surgiram ao longos dos anos para suprir essa ânsia, dentre
as quais estão incluídas: dieta dos pontos, dieta da lua, dieta da proteína, dieta
cetogênica, dieta pobre ou sem carboidrato, dieta sem glúten, jejum
intermitente, entre outras. Todas propondo soluções rápidas e baseadas em
práticas alimentares nutricionalmente desbalanceadas2.

Em 1976 foi lançado nos Estados Unidos um livro

chamado The Last Chance Diet (A Dieta Última Chance
– tradução livre) o qual propunha uma dieta à base de
uma formulação líquida proteica fornecendo 400
Kcal/dia3 (Figura 1). Cerca de 1,5 milhões de cópias
foram vendidas até um ano após o lançamento e 60
óbitos de sujeitos obesos que seguiam a dieta foram
registrados4 tendo 17 deles sido estudados mais
extensivamente, mostrando importantes alterações em Figura 1- Capa do livro The
funções cardíacas daqueles indivíduos. A autópsia dos Last Chance Diet (A Dieta
pacientes mostrou atrofia miocárdica, como a Última Chance – tradução
encontrada em resposta à caquexia ou jejum total3. livre) lançado nos Estados
Unidos em 1976.
4
 Outras complicações menos severas, 2.1 Contextualização – Epidemia de Obesidade
mas não menos preocupantes,
relacionadas à dietas de muito baixa
caloria incluem fadiga, hipoglicemia, pele Infelizmente, à medida que a prevalência de obesidade aumenta
seca, unhas fracas, vertigem ortostática, significativamente em todo mundo, aumenta também o aparecimento de
constipação, perda de cabelo, propostas dietéticas que prometem resultados rápidos e eficientes na perda de
intolerância ao fria, baixa capacidade de peso.
concentração, perda de libido e
amenorreia4. Em 2015, a prevalência mundial de obesidade era de aproximadamente 39%, o
que representava na época 609 milhões de adultos5. No Brasil o Sistema de
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Telefônico (VIGITEL) mostrou que a prevalência de obesidade aumentou de 15%
em 2010 para 20,4% em 20196,7 A evolução dos dados epidemiológicos globais da
obesidade8 podem ser observados na figura 2.

A obesidade é uma condição

crônica a qual traz complicações que
vão além do comprometimento da
autoestima. Várias patologias estão
associadas à obesidade como diabetes,
doenças respiratórias, doenças
cardiovasculares, depressão, além de
alguns tipos de câncer9.

5
 Evolução dos casos de obesidade no mundo

A- Percentual de obesos em 1975 B- Percentual de obesos em 2014

Sem dados Sem dados

Figura 2- Aumento na prevalência de obesidade ao longo do tempo no mundo. O número de adultos aumentou substancialmente de
1975 (A) a 2014 (B). Adaptado de referência 8.

6
 Aliada à preocupação com a saúde devido à obesidade, está a cobrança exercida
pelas mídias por um corpo perfeito. As sociedades ocidentais contemporâneas
vivem um paradoxo midiático no qual a indústria de alimentos bombardeia
cotidianamente os indivíduos com marketing a respeito de alimentos altamente
calóricos, mas que estimulam o prazer gustativo, enquanto a indústria do
entretenimento apresenta modelos de beleza baseados em magreza e corpos
Obesidade no Brasil esculturais10.
(2019)7

Homens: 19,5%

Mulheres: 21%

7
 O resultado dessa realidade tão contraditória é o aumento nos casos de obesidade,
acompanhado pelo preconceito contra pessoas obesas, já que o culto à magreza está
diretamente associado à imagem de poder, beleza e status. E como diz Andrade e Quadro 1- O que diz o Código
Bosi10:
de Ética do Nutricionista
O ideal de corpo perfeito preconizado pela nossa sociedade e veiculado pela mídia leva as
mulheres, sobretudo na faixa adolescente, a uma insatisfação crônica com seus corpos, ora se
(cap. III)13
odiando por alguns quilos a mais, ora adotando dietas altamente restritivas e exercícios
Art. 37 É dever do nutricionista considerar
físicos extenuantes como forma de compensar as calorias ingeridas a mais, na tentativa de
as condições alimentares, nutricionais, de
corresponder ao modelo cultural vigente.
saúde e de vida dos indivíduos ou
coletividades na tomada de decisões das
Nesse contexto, outra indústria surge a das dietas da moda, prometendo condutas profissionais.
resultados milagrosos e rápidos, mas que muitos estudos científicos mostram que
Art. 38 É dever do nutricionista adequar
trazem mais malefícios do que benefícios, dentre eles riscos à saúde, como citado na
condutas e práticas profissionais às
introdução, além do ganho de peso11. necessidades dos indivíduos, coletividades e
serviços visando à promoção da saúde, não
Mais do que nutricionalmente inadequada (como será visto a seguir), essas dietas cedendo a apelos de modismos, a pressões
também representam risco por, normalmente, serem propostas por pessoas leigas no mercadológicas ou midiáticas e a interesses
financeiros para si ou terceiros.
assunto que não conhecem os prejuízos que estas práticas podem promover.
Art. 39 É dever do nutricionista analisar
Por isso, é extremamente importante que profissionais nutricionistas, que por lei criticamente questões técnico-científicas e
metodológicas de práticas, pesquisas e
são os profissionais responsáveis por prescrições dietéticas12, estejam preparados protocolos divulgados na literatura ou
para corrigir esses erros alimentares e propor práticas nutricionais mais saudáveis e adotados por instituições e serviços, bem
seguras. É preciso combater, baseado em evidências científicas modismos na como a própria conduta profissional.
alimentação, o que inclusive faz parte do código de ética profissional da categoria.
(Quadro 1).
8
 3.
Dietas da
Moda
 3. Dietas da
Moda
Práticas alimentares conhecidas
como “modas dietéticas” ou “dietas da
moda” recebem esse status quando se
tornam populares e normalmente têm
caráter temporário, prometendo
resultados rápidos e significativos,
porém com outro ponto em comum
preocupante que é a ausência de
fundamento científico14.
Várias propostas de dietas para perda de peso ou melhoria da saúde já foram
propostas e algumas são descritas.
Uma das principais características dessas dietas é o desbalanço na distribuição
dos macronutrientes. Em minha experiência profissional costumo, há muitos anos,
recomendar a distribuição de macronutrientes o que demostrou ajudar tanto a
reduzir resistência à insulina como a perder peso. Essa distribuição é a atualmente
proposta pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD)15 e pode ser visto na tabela 1.
Normalmente adoto uma redução calórica baseada na avaliação do consumo habitual
do paciente e tal abordagem, junto ao estímulo à atividade física, tem produzido
resultados satisfatórios na perda de peso dos pacientes. À medida que o organismo do
paciente se adapta à restrição promovida, um, pouco mais de restrição vai sendo
adotada ao longo do acompanhamento dele até chegar a um peso satisfatório.
Tabela 1- Distribuição de
macronutrientes proposto pela SBD.
Nutrientes Distribuição Apesar de hoje em dia. a maioria das dietas
(% do VCT) da moda propor maior consumo de gordura
e/ou proteínas e baixo consumo de
Carboidratos 45-60
carboidratos, algumas propostas de perda de
peso já incluíram o consumo de dietas
Proteínas 15-20
hiperglicídicas e hipolipídicas (10-19% de
Lipídios 20-35 gordura), em especial para tratar ou prevenir
doenças cardiovasculares14,16.
VCT – valor calórico total.
10
No entanto, estudos mostraram que esse padrão alimentar na verdade é capaz de
promover ganho de peso, resistência à insulina e dislipidemia16. Além disso, dietas
hipolipídicas trazem o risco de baixo consumo de vitaminas lipossolúveis e de ácidos
graxos essenciais. O que os estudos sobre nutrição e saúde cardiovascular apontam não
é efeito protetor de baixo consumo de gorduras e sim um consumo adequado em
proporção em relação aos outros macronutrientes e maior consumo de gordura de
origem vegetal em detrimento da gordura de origem animal17.

Uma das mais famosas práticas dietéticas atuais, a dieta cetogênica, tem a
característica de ser muito rica em gordura e muito pobre em carboidrato, podendo ter
um teor proteico normal, alto ou baixo (tabela 2)18.

Tabela 2- Composição padrão de dietas cetogênicas18.

Padrões de dieta
Dieta cetogênica clássica
Dieta de Atkins modificada
Dieta cetogênica de muito baixo CHO
CHO – carboidratos; VCT – valor calórico total.
A dieta cetogênica é usada desde os anos
Características nutricionais
1920 para o tratamento da epilepsia não
responsiva a medicamentos e mostra eficiência
CHO < 130g/dia ou <26% do VCT nesse controle tanto em crianças como em
adultos. Um dos mecanismos propostos para
65% de gordura esse benefício19.
30% de proteínas
Apesar de não haver fortes evidências
6% de CHO
científicas sobre benefícios da dieta cetogênica
CHO < 30g/dia em outras condições além da epilepsia, é uma
prática que tem se tornado muito popular
entre quem busca rápida perda de peso.
11
 Já a proposta de jejum intermitente como estratégia alimentar para
beneficiar a saúde surgiu a partir dos estudos em animais que mostraram o
efeito sobre a longevidade da restrição calórica. Alguns estudiosos observaram
que os ratos submetidos à restrição calórica tinham sua alimentação limitada a
somente uma refeição ao longo do dia, permanecendo cerca de 20h em jejum20.
Desde então estudos, tanto em animais como em humanos, vêm sendo realizados
para se determinar se esta prática realmente pode trazer efeitos positivos à
saúde. Um dos efeitos mais defendidos é a perda de peso, mas esse efeito é
observado em qualquer estratégia que promova redução da ingestão alimentar21.

•A troca do uso da glicose por ácidos graxos e corpos

Os defensores do
intermitente propõem que a prática
jejum
elicita respostas celulares conservadas
ao longo da evolução (respostas
celulares adaptativas) que incluem:
melhora do controle glicêmico,
aumento da resistência ao estresse e
redução ou inibição da inflamação. Os
possíveis mecanismos responsáveis
pelos benefícios metabólicos
relacionados ao jejum intermitente
são20:
Troca cetônicos resulta na redução do quociente
metabólica respiratório, indicando maior flexibilidade metabólica
e eficiência da produção de energia.
•A privação de nutrientes e outras causas de estresse
Estímulo à promovem autofagia
•É um processo adaptativo celular em resposta a
autofagia estresse no qual a célula degrada seus próprios
componentes, sejam organelas ou proteínas.
• Células respondem ao jejum intermitente engajando em
Resistência respostas coordenadas de adaptação ao estresse (aumento
ao estresse de defesas antioxidantes, reparo de DNA, controle de
qualidade de proteínas, biogênese mitocondrial)
12
 A seguir temos a descrição de algumas dietas que já surgiram como modismo (Tabela 3 e Figura 3).

Tabela 3- Características de algumas dietas da moda.

Dieta Características

Dr. Atkins Dieta proposta por um médico, Robert Aktins, em 1970. É uma dieta hiperproteica, com alto teor de lipídios, pobre
em carboidratos. Além disso, é muito pobre em fibras alimentares e ácido ascórbico. Por ser rica em gordura
saturada, eleva rapidamente os níveis séricos de colesterol, triglicérides e ácido úrico. O excesso de proteínas
também induz aumento do índice de filtração glomerular, pelo aumento também dos níveis de ureia e creatinina
no sangue.
Dieta da Lua Recomenda que, a cada mudança de fase da lua, consuma-se uma dieta líquida por 24h. A alimentação líquida é
carente de proteínas e, dependendo dos alimentos consumidos, também de lipídios, sempre com um valor
energético reduzido. Como ocorre uma redução calórica brusca, há grande perda de água, reposta pelos alimentos
consumidos, mas também de massa muscular. Há perda ponderal, mas não por perda de tecido adiposo, pois o
tempo de restrição energética é muito curto. A dieta é carente em diversos nutrientes e não mudará hábitos
alimentares. Portanto, não deverá corrigir definitivamente o excesso de peso.
Dieta da Sopa Preconiza o consumo somente de sopa preparada com vários legumes, predominantemente repolho, três vezes ao
dia, por uma semana. Similar à dieta da lua em composição, porém com o agravante de se utilizar a dieta líquida
continuamente por um tempo maior, o que, possivelmente, espolia as reservas corporais de ferro.
Dietas low carb Dieta rica em proteínas e gordura (em especial gordura saturada) com baixo (até 10gg/dia) ou muito baixo (20-
40g/dia) consumo de carboidratos

13
 Tabela 3 (continuação) - Características de algumas dietas da moda.

Dieta Características

Dieta sem Dieta sem glúten é orientada normalmente para pessoas com doença celíaca e alergia ou intolerância ao glúten
glúten (composto proteico presente em cereais como o trigo), mas que tem sido adotada por pessoas sem os problemas
de saúde citados e que acreditam que terão benefícios à saúde como perda de peso ao deixar de consumir
alimentos fontes de glúten. São normalmente menos restritivas.
Jejum Preconiza algumas horas de jejum ao longo do dia com diferentes formatos e diferentes propostas de consumo
intermitente alimentar. Detalhes descritos na Figura 3.
Dieta Se baseia na teoria de que os genes humanos pararam de evoluir há 10.000 anos,, na Idade da Pedra, e , por isso, a
Paleolítica genética humana seria otimizada por este tipo de dieta. O consumo alimentar inclui vegetais frescos, frutas,
carnes magras, frango, peixe, ovos, tofu, castanhas e sementes e proíbe cereais, legumes, grãos e lácteos. Propõe
cardápios caros, promove perda de peso que dura em média 2 meses e efeitos colaterais devido à deficiência de
nutrientes como o cálcio.
Dieta do tipo Nesta proposta, baseada em observação de um único profissional, portadores de tipo sanguíneo O deveriam
sanguíneo realizar exercícios físicos intensos e consumir maior quantidade de proteína animal, além de restringir cereais,
pães e leguminosas; os do tipo A deveriam adotar dieta vegetariana; os do tipo B deveriam consumir alimentação
mais variada, mas sem milho, trigo-sarraceno, lentilhas, amendoim e sementes de gergelim; já os tipo AB
deveriam seguir os benefícios e restrições propostos para os tipos A e B.
Fonte: Referências 14, 18, 21-23.

14
 5:2 24 h 8:16 ou 12:12

• Comer • Nenhum • Consumir

normalmente 5 ingestão alimentação
dias/semana alimentar por durante 8h ou
• 2 dias de jejum 24h por 1-3 dias 12h do dia e
com consumo da semana ficar 16h ou 12h
de 500-600 sem se
Kcal/dia ou 25% alimentar
da necessidade

Figura 3- Características de técnicas para jejum intermitente.. Fonte: Referência 21.

15
 De forma geral, essas dietas são desbalanceadas, deficientes em vários nutrientes
justamente por propor um consumo calórico muito restritivo. Atualmente, as dietas
mais procuradas na internet para perda de peso são as dietas com baixo teor de
carboidratos (low carb), o jejum intermitente e dietas detox23.

Em princípio, todas elas têm a proposta de serem usadas por curto período de
tempo, mas algumas pessoas acabam exagerando e seguem essas práticas muitas
vezes por anos.. Além disso, as dietas normalmente são propostas por pessoas que não
têm o conhecimento adequado sobre Nutrição e saúde.

Em estudo realizado na cidade de São Paulo com praticantes de academia,

apresentou a seguinte realidade sobre fonte de orientações para dietas da moda,
como foco em perda de peso24:

Mídias
digitais
Amigos
Personal
trainer
16
3.1 Composição Nutricional das Dietas da Moda
Avaliação Análise
Pesquisadores coletaram cardápio de 7
● A proposta na primeira fase é consumir
dias de livros e sítios de internet e, a
somente 20g/dia de carboidrato e na
partir desse levantamento, realizaram a segunda fase aumenta para 25g/dia.
análise dietética da composição ● Padrão alimentar que propõe consumo de
nutricional. Além disso, o padrão 45 ou 100g de carboidratos por dia
alimentar foi também avaliado segundo somente (para manutenção).
o Índice de Qualidade da Dieta (IQD)., ● Deficiente em algumas vitaminas, em
importante preditor de risco especial, vitamina C..
cardiovascular associado à alimentação. ● Deficiente em fibras (pode prejudicar
saúde do intestino grosso).
Resultados ● Bom consumo de gordura insaturada, mas
não o suficiente para compensar os riscos
Baixo consumo de associados ao alto consumo de gordura
Apresentou saturada e trans.
A Dieta Atkins23 baixo IQD
frutas e cereais
● Pelo baixo IQD e as considerações acima,
pode ser qualificada como uma
alimentação de alto risco cardíaco.
Alto consumo de Alto consumo de
carne vermelha castanhas e gordura
vegetal 17
 Avaliação Análise
Foram selecionados 5 cardápios de
● Além da inadequação na oferta calórica e
diferentes sítios da internet ou blogs
na distribuição de macronutrientes, a
propondo a adoção do jejum
quantidade de micronutrientes também
intermitente e 6 refeições de cada
foi muito abaixo do que recomenda a DRI
foram avaliadas quanto à composição
(média dos cardápios). Ex.:
nutricional

Resultados Ca (mg) 202,04 ± 100,36

Calorias variaram de
622 – 1560,36Kcal
K (mg) 1376,78 ± 482,84

Outras dietas low carb22 CHO média de 21,25%*

Fe (mg) 6,38 ± 1,97

● A quantidade média de fibras foi de 6g,

PTN média de 21,7%*
bem abaixo do recomendado para
adultos saudáveis de 20-25g/dia.
● Apesar de a maioria das vitaminas
Lipídios média de 57,05%*
também estarem abaixo das DRI,
vitamina A e B12 estavam acima do
*média de percentual baseado nos dados fornecidos recomendado.
pelo artigo 18
 Avaliação Análise
Foram selecionados 5 cardápios de
● Além da inadequação na oferta calórica e
diferentes sítios da internet ou blogs
na distribuição de macronutrientes, a
propondo a adoção do jejum
quantidade de micronutrientes também
intermitente e duas refeições de cada
foi muito abaixo do que recomenda a
foram avaliadas quanto à composição
DRI. Ex.:
nutricional.
Resultados Ca (mg) 320,03 ± 294,61

Calorias variaram de
229 – 869Kcal
K (mg) 1307,99 ± 898,87

CHO média de 58%*

Fe (mg) 2,75 ± 1,28

Jejum
PTN média de 23,4%* ● A quantidade média de fibras foi de 10g,
Intermitente22 bem abaixo do recomendado para
adultos saudáveis de 20-25g/dia.
Lipídios média de 18,6%* ● Apesar de a maioria das vitaminas
também estarem abaixo das DRI,
*média de percentual baseado nos dados fornecidos
vitamina A e C estavam acima do
pelo artigo recomendado.
19
 Avaliação Análise
Foram selecionados 5 cardápios de
● Além da inadequação na oferta calórica e
diferentes sítios da internet ou blogs
na distribuição de macronutrientes, a
propondo a adoção do jejum
quantidade de alguns micronutrientes
intermitente e duas refeições de cada
também foi muito abaixo do que
foram avaliadas quanto à composição
recomenda a DRI, enquanto outros
nutricional.
estavam acima como Ca, Fe e Se. Ex.:
Resultados
Calorias variaram de Ca (mg) 1035,76 ± 143,02
877 – 1750,25Kcal

K (mg) 2237,63 ± 988,73

CHO média de 57,02%*
Dietas sem glúten22
Fe (mg) 13,66 ± 2,98
PTN média de 18,2%*
● A quantidade média de fibras foi de 10g,
bem abaixo do recomendado para
Lipídios média de 24,78%* adultos saudáveis de 20-25g/dia.
● Apesar disso, a maioria das vitaminas
utilizadas estavam acima do
*média de percentual baseado nos dados fornecidos
pelo artigo recomendado como vitamina A e C.
20
 3.2 Consequências Metabólicas das Dietas da Moda
Segundo vários consensos médicos e
nutricionais, baseados em fortes evidências
cientificas, a perda de peso eficiente e
segura incluem duas estratégicas básicas:
diminuir a ingestão calórica e aumentar o
gasto energético25,26. Além disso, tratar
doenças de base e investigar uso de drogas
que possam promover ganho de peso
também devem fazer parte desse
tratamento.
Como as orientações das diretrizes
para perda de peso incluem importantes
mudanças de hábitos, o que já representa
um grande desafio para muitos, e exige
tempo, em especial para se ter um efeito
duradouro da perda de peso. Tudo isso
causa ansiedade e frustração. Por este
motivo, a procura por dietas que prometem
resultados rápidos em curto tempo é tão
alta.
Dietas da moda e perda de peso
As dietas da moda, em sua maioria, propõem redução da ingestão calórica e,
portanto, são capazes de promover perda de peso. Mas entre os problemas que
podem causar estão o aumento do risco de doenças cardiovasculares, síndrome de
deficiência de nutrientes, a impossibilidade de manter a perda de peso a longo
prazo, entre outros.
Revisão sistemática investigando o efeito sobre perda de peso de dietas da
moda, mostrou que dietas como a do Dr. Atkins (baixo teor de carboidratos)
mostrou capacidade de promover redução de peso similar à intervenção padrão de
redução calórica no período de 12 meses, mas estudos com 24 meses de
seguimento mostraram que a dieta Atkins apresentou maior risco de promover
reganho do peso corporal27.
Outra prática bem defendida atualmente, o jejum intermitente, também
mostra resultados similares à redução calórica padrão na perda de peso e na
melhora na sensibilidade à insulina, em testes clínicos20. Mas os estudos são ainda
escassos e o número de participante é considerado muito baixo28.
21
O Mercado da Perda de Peso

A demanda pelo corpo perfeito (segundo critérios midiáticos) ou pela perda

de peso por motivos de saúde, levou à criação de um mercado altamente
lucrativo, o mercado da perda de peso.

Somente na América do Norte, no ano de 2013, foram movimentados cerca

de 66 bilhões de dólares29. Globalmente estima-se que esse mercado chegue a
gerar mais de 200 bilhões de dólares no ano 2025.

Tais estimativas consideram os seguintes componentes deste mercado:

O que podemos observar é uma grande influência da

indústria alimentícia em promover seus produtos
obesogênicos e do outro lado uma indústria da beleza e
saúde prometendo resultados milagrosos para perda de
peso com resultados pouco eficientes.
22
Dietas da moda e riscos à saúde
Uma das principais características das dietas da moda é a de serem
desbalanceadas em relação à distribuição dos nutrientes, sendo a maioria pobre em
carboidratos e ricas em proteínas e/ou gorduras, ou simplesmente muito pobre em
calorias, o que significa muito pobre em todos os nutrientes. É compreensível que ao
serem desbalanceadas em macronutrientes, o sejam também em micronutrientes e
fibras. Dependendo do tempo em que o indivíduo segue essas propostas, síndromes
de deficiência de nutrientes podem se instalar.

Dietas ricas em proteínas, por exemplo, são normalmente pobre em fibras

alimentares e ao proporcionar mais aminoácidos para fermentação bacteriana no
intestino grosso pode trazer um ambiente mais insalubre mudando a composição da
microbiota intestinal em 2-4 dias da mudança na dieta30. Além disso, dieta pobre em
fibras está relacionada com vários riscos de doenças intestinais como síndrome do
intestino irritável, diverticulite, constipação e câncer22.

Dietas com muita restrição calórica (de 1200 Kcal ou menos) não conseguem
alcançar as recomendações mínimas de micronutrientes para indivíduos adultos, o
que pode trazer consequências metabólicas importantes, por exemplo: deficiência de
sódio e potássio (pode promover desequilíbrio eletrolítico e comprometer atividade
cardíaca e nervosa); deficiência de iodo (pode causar hipotiroidismo), deficiência de
magnésio (pode causar problemas neurológicos, cardiovasculares e gastrointestinais);
deficiência de zinco (pode comprometer o sistema imunológico)22.
23
 A inadequação no consumo de vitaminas também pode trazer prejuízos à saúde como anemia, comprometimento
do sistema imunológico, problemas de pele, sintomas neurológicos, entre outros problemas22.

Outros importantes efeitos de dietas da moda como

as que promovem cetogênese, por exemplo, é o risco de
cetoacidose devido ao aumento da síntese de corpos
cetônicos que são substâncias ácidas. Para corrigir a
acidez aumentada do corpo, os rins devem atuar no
equilíbrio acidobásico e produzir mais urina, se o
indivíduo não se hidratar de forma adequada pode
desenvolver desidratação e outros efeitos colaterais
incluem: hipoglicemia, sonolência, constipação, perda
de peso, vômitos, refluxo gastroesofágico, febre,
hieperlipidemia, dentre outros31,32.

Outro efeito importante das dietas de moda se

refere ao risco de desenvolvimento de transtornos
alimentares tanto no sentido da anorexia nervosa ou
bulimia quanto da compulsão alimentar33,34.

24
 Alguns outros efeitos têm sido relacionado à prática do jejum intermitente, seja por causa da produção de corpos
cetônicos ou pela ausência de nutrientes como a glicose que é essencial para células como as hemácias que não têm
mitocôndrias para usar ácidos graxos ou corpos cetônicos como fonte energética. Alguns desses efeitos estão listados
abaixo35-38:

Risco de
hipoglicemia em Flutuações de
Distúrbios do sono
DM2 usando humor
hipoglicemiantes

Aumento de
estresse oxidativo
Flutuações de peso
(oxidação de AG
usa mais O2)

Apesar de alguns estudos experimentais mostrarem efeitos benéficos do jejum intermitente na perda de peso e em
parâmetros metabólicos de animais, um estudo recente com ratas mostrou que a prática desta dieta apresentou
resultados contrários ao que vem sido defendido por alguns autores (Figura 4)39.

25
 • Ilhotas pancreáticas mostraram
Ratas foram submetidas a 12 semanas maior produção de EROS e mais
de jejum em dias alternados apoptose
(24h de jejum completo seguido de 24h • Ratas apresentaram menor peso
de alimentação livre) • Apresentaram maior massa adiposa
e menor massa muscular

Figura 4- Resposta de ratas a 12 semanas de jejum intermitente (referência 39). EROS – espécies reativas de oxigênio.

Outros efeitos preocupantes do jejum intermitente estão descritos abaixo40,41:

Outras Ativação de vias orexígenas no hipotálamo que pode levar a

preocupações comportamentos compulsivos por comida
sobre o jejum
intermitente Mostrou efeitos deletérios em camundongos com
hipercolesterolemia
incluem:
Aumento de adiposidade

Estado Redox alterado em diferentes tecidos (redução de

estresse oxidativo no coração, mas não em outros tecidos)

Não recomendado para indivíduos em desenvolvimento ou

gestantes, devido aos déficits nutricionais.
26
 Além de tudo o que já foi citado, duas questões sobre dietas
cetogênicas é o fato de poderem promover um alto consumo de gordura
saturada, o que está relacionado a vários mecanismos de doenças. Além
disso, alguns protocolos encontrados na mídia para adoção do jejum
Resist Insulina
intermitente propõem que os indivíduos podem comer o que quiserem Glicemia jejum
nos horários em que é permitido se alimentar. Isso mostra, o quanto é Colesterol total HbA1c
arriscado seguir planos alimentares propostos por leigos. LDL-col Variabilidade glicêm
Medicamentos
HDL-col
Triglicerídeos hipoglic
Segundo Goulart42, o consumo de alimentos com altas taxas de Dieta
gorduras saturadas e trans, de sal e de açúcar é a causa de, pelo menos, 14 cetogênica
milhões de mortes ou de 40% de todas as mortes anuais por doenças
crônicas não transmissíveis (DCNT).

Apesar dos efeitos benéficos da dieta cetogênica em pacientes

epilépticos, na perda de peso e melhora da função cognitiva em alguns Peso
Massa gorda
PA sistólica
PA diastólica
pacientes com Alzheimer43, efeitos indesejados já foram descritos como Massa magra
esteatose hepática não alcoólica e resistência à insulina18. Sintomas Inflamação
Esteatose?
relatados em crianças epilépticas seguindo dieta cetogênica incluem:
letargia, desidratação, suscetibilidade a infecções, constipação e vômitos,
efeitos relacionados aos altos níveis de corpos cetônicos, mas que Figura 5- Efeitos associados à dieta cetogênica. Adaptado de
sumiram em 2-3 dias após início da dieta. Já em humanos os efeitos referência 31.
adversos observados foram gastrointestinais, musculares e
neurológicos19. Outros efeitos associados à dieta cetogênica podem ser
vistos na figura 5.
27
 Uma observação importante a se fazer em relação à dieta cetogênica é a de que os
benefícios propostos para a funcionalidade cerebral são baseados em modelos experimentais
e escassos testes clínicos em seres humanos já com alguma alteração funcional como
epilepsia, bipolaridade e demência18,19,43. Isto deveria ser considerado ao se recomendar esse
tipo de prática alimentar para sujeitos saudáveis e sem alterações de funcionalidade
neuronal. Figura 6- Estimativa de uso diário de glicose pelo cérebro e hemácias,
mostrando que esse consumo pode chegar a cerca de 153g/dia44,45.
É importante lembrar que o metabolismo considerado normal no cérebro envolve a
utilização de glicose como principal fonte energética e que distúrbios nesse metabolismo
estão por trás do mecanismo de algumas alterações patológicas 43,44.

Hemácias
Além das células cerebrais, outras células também Cérebro
Um indivíduo de
dependem da glicose para produção de energia de forma Pesa cerca de 2% do
70Kg tem
peso corporal. Numa
ainda mais essencial, como as hemácias as quais, por não aproximadamente
pessoa de 70Kg pesaria
possuírem mitocôndrias, dependem totalmente do 2,5Kg de
1,4Kg. O uso de glicose
metabolismo anaeróbico da glicose para produzir hemácias que
70Kg é estimado em cerca de
utilizam em torno
energia (Figura 6)45. 5,6mg/min a cada 100g o
de 40g/dia de
que daria um consumo
glicose.
diário de 113g de
O fornecimento de glicose para essas células é tão
glicose/dia.
importante que, mesmo na ausência de alimentação, o
organismo trabalha no sentido de manter a glicemia
constante (Figura 7)45,46.
28
 Glicogenólise e Neoglicogênese
De 4 a 8-12h após
uma refeição
Glicemia

A partir de12h
Glicogenólise de jejum
Ácidos graxos Neoglicogênese
energia Cetogênese

Glicemia
Corpos cetônicos

Figura 7- Mobilização de combustíveis energéticos após o estado absortivo (a partir de 4h após uma refeição) e no jejum. Tais eventos
respondem a um perfil hormonal onde predomina glucagon, cortisol e catecolaminas45,46.

29
 A manutenção da glicemia mesmo na ausência de alimentação pode ser observada no quadro 246. Mesmo após dias sem
alimentação a glicemia é mantida às custas, inicialmente, da glicogenólise (quebra do glicogênio armazenado) acompanhado da
proteólise muscular que fornecerá aminoácidos para a neoglicogênese, já a lipólise fornecerá substratos energéticos para os
tecidos que conseguem oxidar ácidos graxos45,46.
Toda essa orquestração metabólica é
Quadro 2 – Parâmetros sanguíneos em diferentes estados metabólicos. regida, especialmente pelo glucagon e
Absortivo Pós-absortivo Jejum cortisol que estimulará também a liberação
Parâmetros de catocolaminas45,47.
(até 3-4h após (de 4-12h após
sanguíneos
refeição) refeição)
É importante ainda ressaltar que
3 dias 5 sem
também em resposta a dietas sem
Glicose (mM) 6,7 4,4 3,6 3,6 carboidratos, ou com consumo insuficiente
deste nutriente, contendo proteínas, estas
Ácidos graxos (mM) 0,3 0,6 1,5 1,4
irão ser desviadas para a síntese de glicose.
Acetoacetato (mM) 0,01 0,013 0,4 1,3 A importante participação das proteínas na
manutenção da glicemia é o que,
Alanina (mM) 0,8 0,34 0,32 0,14
provavelmente, explica a perda de massa
Insulina (mcU/mL) 100 15 7 6 magra que ocorre em resposta a dietas
Glucagon (pg/mL) 80 100 150 120 muito restritas em calorias e longos
períodos de jejum.
Fonte: referência 47.

Uma alteração hormonal importante que acontece em resposta a jejum e dieta cetogênica é a diminuição de níveis
sanguíneos de hormônios tireoidianos, provavelmente devido ao aumento dos níveis plasmáticos de corpos cetônicos48.

30
 Hipotiroidismo se desenvolveu em cerca de 17% de pacientes epilépticos tratados com dieta cetogênica49. Apesar deste
efeito ser mais evidente em longos períodos de exposição à esta dieta, é mais um cuidado que deve ser tomado por quem decide
seguir esta prática.

Outro ponto a se considerar durante a adoção de dietas que

elevem a produção de substâncias ácidas como os corpos cetônicos,
é o controle acidobásico do organismo. O pH normal do sangue gira
em torno de 7,4 e é extremamente importante manter esse valor
para que as funções orgânicas se mantenham de forma constante e
saudável50.

De forma muito simplificada, a quantidade de íons H+ circulante, o que determina o valor do pH, é mantida sob controle
principalmente por tamponamento exercido pelo bicarbonato (HCO3-). Em situações de desequilíbrio no controle
acidobásico, por exemplo quando há excesso de produção de ácido lático (metabolismo da glicose) ou de corpos cetônicos
(aumento da oxidação de ácidos graxos ou ausência da inulina), é possível haver aumento da produção de H+ 50.

Nesse contexto, dois sistemas são essenciais, o urinário e o respiratório. O

bicarbonato pode ser produzido em vários sítios, mas seu balanço orgânico depende
da função renal. Cerca de 90% do bicarbonato filtrado pelos rins é reabsorvido pelos
túbulos renais. O tamponamento de H+ pelo bicarbonato gera água e CO2 o qual
precisa ser excretado pela respiração50. Portanto, se expor a uma situação na qual
haverá aumento de substâncias ácidas circulando no sangue, exige um bom
funcionamento dos rins e dos pulmões para manter o equilíbrio acidobásico do
organismo. O desequilíbrio do controle acidobásico pode levar ao desenvolvimento
de alcalose ou acidose.
31
 Alguns parâmetros bioquímicos são utilizados para a avaliação da presença de acidose (Quadro 3). Esses parâmetros
incluem valores sanguíneos de pH, pressão arterial de CO2 (PaCO2), concentração de H+ e de HCO3- e a concentração de sódio
(Na+) e cloro (Cl-) para cálculo do ânion gap50,51.
Quadro 3 – Parâmetros sanguíneos
O ânion gap representa os principais ânions normalmente não medidos
para diagnóstico de acidose.
no plasma, ou seja, albumina, sulfato (SO4-2) e fosfato (HPO4-2). e é calculado
com a seguinte fórmula50: Parâmetros Valores
sanguíneos normais*
pH 7,35-7,45
Valores de ânion gap acima do normal indicam a presença de ânions não
mensurados, que podem ser ácido lático ou corpos cetônicos, sem significar Íons H+ 40±2 nmol/L
acidose, mas valores acima de 20 mEq/L, independente do valor de pH
HCO3- 25 mEq/L
sanguíneo e de HCO3-, indicam acidose metabólica50.
PaCO2 35-45 mmHg
Um estudo com sujeitos obesos submetidos a dieta cetogênica de muito Ânion gap 12±2 mEq/L
baixa calorias (600-800 Kcal/dia com oferta diária de <50g de carboidratos)
Fonte: referências 50 e 51.
por 4 meses mostrou que não ouve desenvolvimento de acidose, apesar do *Pode variar de acordo com o laboratório.
aumento de corpos cetônicos no plasma52.

Comparando os resultados de seu estudo com uma coorte que investigou cetoacidose em pacientes diabéticos, os autores
mostraram que a média máxima de corpos cetônicos nos sujeitos da pesquisa chegou a 1.0 ± 0,6 mmol/L com ânion gap de 13,5
± 2,2 mEq/L, enquanto nos diabéticos com cetoacidose o valor médio de corpos cetônicos foi de 5,4 ± 1,2 mmol/L e ânion gap de
30,3 ± 7, 9 mEq/L. Os autores, por isso, propõem que a adoção de dieta de muito baixa caloria cetogênica por 4 meses é segura
em relação ao controle acidobásico52. No entanto, chamo a atenção para o fato do estudo ter sido realizado com somente 20
indivíduos. Alguns autores destacam que, em resposta ao tipo de dieta testada, os valores plasmáticos de corpos cetônicos
podem chegar a 8 mmol/L53, o que tem que ser visto com cuidado quanto ao risco de acidose.
32
 Infelizmente, muitos dos estudos que se propõem a investigar o efeito das dietas cetogênicas na perda de peso não incluem
dados sobre estado acidobásico dos participantes. No entanto, alguns trabalhos foram publicados, ao longo dos últimos anos,
relatando casos de cetoacidose em sujeitos não diabéticos em resposta a dietas cetogênicas, como pode ser visto na tabela 4.

Tabela 4- Descrição de estudos relatando cetoacidose em sujeitos não diabéticos.

Tipo de Característica do Dados de diagnóstico para acidose Causa da acidose Referência
Estudo sujeito
Relato de Mulher obesa de 40 Sintomas: náusea, vômitos, dispneia A paciente vinha seguindo a
caso anos Sangue: ânion gap 26 mmol/L (normal: 10-14), dieta do Dr. Atkins há um mês 54
-hidroxibutirato 390 g/ml (normal: 0-44)
Relato de Mulher com sobrepeso Sintomas: fraqueza, xerostomia e dor Era vegetariana e 22 dias antes
caso de 53 anos abdominal da internação estava
55
Sangue: ânion gap 28 mEq/L (normal: 1-12), consumindo somente carne e
acetona 4,9 mmol/L (normal: 0-0,6) ovos para perder peso
Relato de Mulher com 31 anos Sintomas: tontura, desidratação, fadiga, 2 semanas de adoção de dieta
caso lactante no 4º mês pós- respiração curta e vômitos de baixa caloria e cetogência
parto pH 7,128 (normal: 7,35-7,45), corpos cetônicos para perder peso 56
na urina (4+), hipotiroidismo TSH 56.71 mIU/L
(normal: 0.27–4.20 mIU/)
Relato de Homem 31 anos Sintomas: fraqueza, febre, desequilíbrio de 1 semana seguindo dieta com
caso função renal baixo teor de carboidratos
57
Sangue: ânion gap 20,75 mEq/L (normal: 1-12),
bicarbonato 9,2 mEq/L (normal: 25),

33
Tabela 4- Descrição de estudos relatando cetoacidose em sujeitos não diabéticos (cont.).
Tipo de Característica do Dados de diagnóstico para acidose Causa da acidose Referência
Estudo sujeito
Relato de Mulher saudável de 42 Sintomas: náusea e vômitos A paciente vinha seguindo
caso anos Sangue: pH 7,21 (normal: 7,35-7,45), uma dieta pobre em
58
bicarbonato 9,2 mEq/L (normal: 22-26), carboidrato e rica em proteína
e gordura há 2 dias

Os dados apresentados na tabela 4 mostram o quão possível é a ocorrência de efeitos colaterais importantes de dietas com
baixo teor de carboidratos, mesmo em indivíduos sem complicações de saúde. O que a maioria dos autores dos estudos
supracitados sugere é que a investigação sobre o hábito alimentar recente seja incluída na investigação clínica em serviços de
urgência médica para os casos de acidose.

Um ponto crítico nas dietas que propõem um alto consumo proteico e baixo consumo de carboidratos é o fato de alguns
aminoácidos também serem potentes secretagogos de insulina59,60, no entanto, na ausência de carboidratos dietéticos o
organismo, para se defender de hipoglicemia, o organismo acabará por desenvolver resistência ao hormônio.

Portanto, dietas que propõem consumo excessivo de proteínas também têm seus riscos metabólicos, além da sobrecarga
hepática e renal. Estudos populacionais têm também relacionado o consumo excessivo de proteínas e o desenvolvimento de
diabetes tipo 2 (DM2).

34
 Estudo Europeu prospectivo (coorte) incluindo 8 países e mais de 16.000
participantes acompanhados por uma média de 12 anos, buscou estimar a relação
entre a incidência de DM2 e o consumo de proteína na dieta e encontrou como
resultados61:

✓ A ingestão total de proteína apresentou associação positiva com maior

incidência de DM2
✓ Maior associação com consumo de proteína de origem animal (especialmente
carne)
✓ Associação confirmada em mulheres, especialmente obesas, e não em homens

Os mecanismos propostos para a relação entre alto consumo de proteínas e

incidência de DM2, incluem:

AA de cadeia ramificada
A proteína da dieta também
(leucina, isoleucina, valina),
estimula secreção de insulina Altos níveis de AA plasmáticos
tirosina e fenilalanina são
(pode promover são preditores de DM2
associados à maior incidência
hiperinsulinemia)
de DM2

Ressaltando, por meio desses dados, que não somente uma alimentação rica em carboidratos, mas também em proteínas
pode estimular secreção de insulina. Na verdade, a ausência de carboidratos na alimentação rica em proteínas pode também
promover resistência à insulina. 35
Riscos associados à flutuações de peso
Ao longo dos anos algumas hipóteses sobre a origem genética da obesidade
surgiram e conhecê-las pode ser um importante instrumento na compreensão de
como práticas alimentares muito restritivas ou que promovam mudança metabólica
na utilização de fontes energéticas podem estar relacionadas com o conhecido efeito
de peso flutuante (weight cycling), popularmente chamado efeito iô-iô, comumente
encontrado em praticantes de dietas da moda para perda de peso62.

Algumas das hipóteses genéticas propostas são63,64:

O gene poupador O gene de fuga Termogênese

•Os proponentes sugerem •Propõe que ao descobrir o •Nesta hipótese os autores

que o homem moderno é fogo e desenvolver armas defendem que, após as
descendente de pré- para se defender de grandes migrações de
históricos que tinham predadores, os populações, aqueles que
maior capacidade antepassados do homem se estabeleceram em
genética de armazenar moderno sofreram regiões tropicais ou com
energia e, por isso, adaptação genética que clima mais quente
sobreviveram aos levou à redução da perderam a capacidade de
períodos de escassez de habilidade física de fugir se adaptar ao frio, o que
alimentos, muito comum e desenvolveram uma exigiria um gasto
antes da descoberta da capacidade maior de energético maior, e
agricultura. reserva de energia. tiveram suas taxas
metabólicas diminuídas.

36

Figura 8- Representação esquemática da hipótese do gene poupador
(ou de economia) que defende que o homem moderno é descendente
de antepassados pré-históricos que sobreviveram aos períodos de
escassez de alimentos por terem maior capacidade de
armazenarem energia no corpo. Segundo esta hipótese o ambiente
moderno obesogênico aliado à maior capacidade de
armazenamento de gordura, geneticamente determinada, seriam os
principais motivos para a epidemia global de obesidade.
A flutuação de peso se refere aos constantes períodos
de perda de peso em resposta a dietas e reganho do peso
após o retorno à alimentação rotineira65.
Alterações metabólicas importantes em sujeitos que
passam por perda de peso rápida é a redução na taxa
metabólica basal que pode promover um reganho de peso
rapidamente. Tal redução provavelmente se deve à perda
de massa magra o que levaria à redução do gasto
energético66.
Considerando a frequência com que o reganho de peso
acontece após a adoção de dietas por curto período de
tempo, fica fácil entender o motivo pelo qual a hipótese do
gene poupador é uma das mais aceitas64 Segundo essa
hipótese, o fato de ficar muito tempo sem se alimentar ou
consumir dietas com muita restrição calórica (menos de
800 Kcal/dia) frequentemente levaria à ativação de genes
que promoveriam maior armazenamento de energia no
corpo.
Apesar dos impactos negativos da obesidade, alguns
estudos têm apontado também efeitos deletérios da
flutuação de peso na saúde cardiovascular.
37
 Flutuações de
Os estudos mostrando riscos peso
cardiometabólicos da flutuação de peso
são ainda contraditórios, a depender da
metodologia usada e da população
estudada. Mas os efeitos mais
observados são flutuações da pressão
arterial, da taxa cardíaca, da atividade
simpática e dos níveis circulantes de Flutuações de
Flutuação na taxa de
pressão arterial e Ganho de peso Flutuações de glicose
glicose, lipídios e insulina. As variações filtração glomerular
taxa cardíaca e lipídios
de forma repetitiva desses padrões
parece exercer um estresse adicional no
sistema cardiovascular (figura 9)65.

Além desses fatores, uma meta- Aumenta carga Dano Aumento de Dano vascular
análise recente investigando a relação cardíaca glomerular adiposidade e RI e RI
entre perda de peso e câncer
endometrial mostrou haver um maior
risco de deste tipo de câncer em
mulheres que reportaram flutuações de
peso ao longo da vida67. Risco de doença cardiovascular, doença renal e diabetes

Figura 9- Riscos cardiometabólicos relacionados às flutuações de peso.

38
 4.
Considerações
finais
Considerações finais
Como pode ser observado a partir dos dados citados, não somente
a quantidade que é consumida de alimentos, mas também a qualidade
de que se consome é importante determinante da saúde.

A alimentação balanceada em nutrientes, oferecendo uma maior

quantidade de gorduras insaturadas e garantindo um bom consumo
de fibras, é responsável por promover vários benefícios à saúde como
redução de inflamação sistêmica, garantia de uma boa sensibilidade à
insulina, perda e manutenção de peso, entre outras68 (Figura 10).

Muitos dos trabalhos defendendo o uso do jejum intermitente, por

exemplo, apontam que seus resultados benéficos são muito similares
aos encontrados em resposta a uma alimentação com restrição
calórica sem a presença de jejum. Portanto, uma restrição calórica
mantendo o balanceamento dos nutrientes é, ainda, uma opção mais
segura para perda e manutenção de peso.

40
 Anti-inflamatório
• Menor consumo de gorduras saturadas e trans
• Consumo adequado de micronutrientes
• Consumo de fibras alimentares
• Consumo adequado de gorduras vegetais
• Menor consumo de carne vermelha e doces (açúcar)
Pró inflamatório
• Alto consumo de carboidratos refinados
• Alto consumo de gordura saturada e trans
• Baixo Consumo de AGI
• Deficiência de micronutrientes
• Deficiência de Fibras alimentares

Figura 10– Resumo sobre os diferentes componentes alimentares que definem um padrão alimentar como anti-inflamatório ou pró
inflamatório.

41
 Vale ressaltar que para nenhuma das dietas da moda aqui
discutidas, não existem evidências suficientes científicas fortes o
bastante para suas indicações com segurança.

Mas é preciso ficar atento para as atualizações das pesquisas e,

quem sabe, alguns dos benefícios propostos por algumas práticas
alimentares possam realmente trazer, de forma segura, proteção à
saúde.

No momento, o que ainda é comprovado como seguro e eficiente

para perda de peso e proteção da saúde42,43,68, pode ser observado na
seguir:

• Praticar atividade física regularmente

• Fazer escolhas saudáveis

-Alimentação saudável
-Parar de fumar
-Dormir bem
-Adotar hábitos que ajudem a administrar estresse
-Reduzir consumo de álcool

42
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