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As Sociedades Homéricas
A Vida Política
“(...), em suma, a ausência de vida política, é para Homero uma marca de extrema
selvajaria.” (p.197)
“O Catálogo das Naus (Il., II, 484-759) apresenta um mapa político do mundo aqueu
que comporta três níveis:
-Os pequenos burgos (...)
-Os vinte e noves conjuntos políticos correspondentes aos contingentes. São em geral
(mas nem sempre) reinos submetidos a um único rei (...)
-A comunidade pan-aqueia.” (p.197)
“A Grécia de Homero parece, assim, caracterizar-se pela sobreposição de três tipos de
comunidade política, mas essa sobreposição não implica nenhuma organização federal.
O Conselho pan-aqueu não inclui todos os chefes de contingente, mas apenas os reis
que são reconhecidos como os mais poderosos, corajosos ou sábios por todo exército
pan-aqueu.” (p.198)
“As comunidades descritas por Homero já estão subdivididas em fratrias e, talvez, em
tribos.” (p.198)
“As comunidades políticas dos poemas homéricos têm uma assembleia (ágora)e um ou
vários conselhos (variando os membros conforme a situação).
“Os poemas homéricos contam com mais quarenta episódios de reunião, conselho e a
discussão dos anciãos diante da Assembleia. É preciso esperar pela Atenas do século V
para encontrar um conjunto de dados políticos com a mesma riqueza.” (p.199)
“Quando a Assembleia desaprova uma proposta, permanece em silêncio ou murmura. A
desaprovação do povo só é decisiva quanto ele é solicitado a tomar uma iniciativa que
ultrapassa o âmbito de suas obrigações usuais.” (p.200)
“Quer aplauda o um discurso, quer se remeta ao silêncio, a Assembleia nunca vota”
(p.200)
“O sistema político descrito por Homero pode resumir-se na fórmula seguinte: o povo
escuta, os anciãos propõem, o rei dispõe.” (p.200)
O Vocabulário Real
“O título real por excelência coincide frequentemente com o termo anax. A sua
utilização nas tábuas micénicas, designando o senhor do palácio, contribuiu para
reforçar a ideia.
“A maior parte das vezes, anax e o verbo anassein exprimem a ideia de uma autoridade
forte. (...) Mas essa autoridade pode exercer-se tanto num oikos como num reino ou
entre os deuses. Além disso, tal como “senhor”, anax não passa por vezes de um
simples título que sublinha a majestade de um deus ou a importância de um
personagem.” (p.202)
“Ao invés do termo anax, basileus aparece no singular no plural. O título é dado ora a
um indivíduo, ora a um grupo. Basileus não está associado aos deuses, nem mesmo a
Zeus, nem ao chefe de um oikos. O plural coletivo de basileis (vinte e duas ocorrências)
aplica-se sempre a um grupo de anciãos que delibera questões comuns.” (p.202)
“(...) foram utilizadas como argumentos para negar que basileus pudesse significar “rei
soberano”: basileus designaria qualquer notável mais ou menos influente, qualquer
chefe mais ou menos poderoso.” (p.202)
“É de bom-tom declarar que a tradução tradicional de basileus por “rei” deve ser
abandonada.” (p.202)
Os privilégios Reais
“O rei não é o único a receber um quinhão de honra – anciãos, “bravos” e outros mais
podem receber tal honraria – porém, é ele que distribui os privilégios.” (p.206)
Os banquetes reais
“Os aristocratas do mundo homérico passam uma parte do seu tempo em festas. Há
vários tipos de banquetes aristocráticos, nomeadamente o eranos, onde cada um leva a
sua parte, os convites que cada um faz alternadamente, os repastos nupciais e os
banquetes em exéquias. Um rei pode ser o anfitrião ou o convidado num desses
banquetes ou tomar refeição “em família”, unicamente com seus filhos, genros e
escudeiros (...) O banquete real tem caráter político e o rei convida então os anciãos do
povo, em maior ou menor número.” (p.207)
“Os convivas dos banquetes reais não trazem a sua parte e não são obrigados a retribuir
o convite. Mas não é por isso que está ausente toda e qualquer noção de reciprocidade.
(...) As carnes e os vinhos servidos por ocasião dos banquetes reais são apresentados,
ora como dádivas do rei, ora como dádivas do povo. (...) Na concepção homérica do
banquete real, o papel do povo não se limita ao fornecimento do vinho e das vitualhas.
A participação nas refeições reais não é apenas uma vantagem material, é também e
acima de tudo uma honra.” (p.207)
“Na obra de Homero, o temenos designa por quatro vezes o santuário de uma divindade.
Contudo, a maior parte das vezes, essa palavra tem o sentido do domínio privilegiado do
que os reis e certos heróis gozam: de considerável dimensão, esse domínio fica situado
perto da cidade, na região mais fértil do território e inclui geralmente terras com trigo e
vinhedos” (p.208)
Doações e thémistes
“Em todos esses textos, a cobrança junto do povo destina-se a despesas excepcionais ou
reembolsos. Em nenhum destes casos, as doações e cobranças visam aumentar a riqueza
do palácio, mas apenas mantê-la.” (p.210)
“No entanto, os heróis de Homero falam pouco das doações mais ou menos espontâneas
de que os reis beneficiam.” (p.211)
“Cobrar direitos e receber doações são prerrogativas importantes dos reis de Homero.
(...) aquele que tiver a força e a impunidade pode extorquir doações.” (p.211)
“O rei, como qualquer chefe de família, celebra em sua casa sacrifícios destinados a
assegurar à sua família a proteção dos deuses, mas, na comunidade política a que
preside como basileus, ele tem também a função de velar pelo cumprimento de todos os
ritos em honra dos deuses.” (p.211)
“A qualquer momento, desde que considere útil ao interesse geral, o rei pode decidir
fazer oferendas, libações ou sacrifícios excepcionais. Assim, Agamémnon, para que
cesse a peste enviada por Apolo, oferece ao deus duas hecatombes, uma no exército
aqueu, a outra junto de Crise (Il,I, 308-317).” (p.211, 212)
“A ausência do rei não implica a suspensão dos sacrifícios periódicos.” (p.212)
“Anciãos e arautos estão associados ao rei na celebração do culto e podem substituí-lo,
se necessário.” (p.212)
A Guerra
“No campo de batalha, o rei ou o chefe supremo do exército tem o direito de vida e de
morte sobre todos aqueles que desobedecem.” (p.214)
“O poeta insiste (...) O destino de todo exército depende frequentemente da aristie de
um só, ou seja, da excelência que se manifesta pelos grandes feitos.” (p.214)
“O melhor guerreiro do exército troiano é Heitor, aquele que mais vitórias obtém, é
incontestavelmente Heitor, o chefe supremo. No exército aqueu, pelo contrário, Aquiles,
Pátroclo, Diomedes e Ájax lideram mais vezes as tropas do que Agamémnon. O papel
guerreiro de um herói não está ligado à sua posição social nem ao seu poder. Depende
de seu valor pessoal e do favor divino” (p.215)
“Além das grandes batalhas na planície que envolvem todo o exército, a guerra
homérica implica cercos, vigias e missões de espionagem.” (p.215)
“Nem todos os reis homéricos têm uma ideia tão exigente do seu dever militar. (...), a
verdade é que a sua atividade guerreira propriamente dita varia bastante consoante os
indivíduos” (p.215)
O Exercício da Justiça
“No mundo homérico, a atividade judiciária faz nessa altura parte da vida cotidiana,
servindo-lhe de referência temporal (...)” (p.215)
“A justiça é privilégio de um pequeno grupo de aristocratas, que se confunde, segundo
parece, com o os “anciãos”, dos “conselheiros” dos basileis. O exercício da justiça está
ligado ao direito de empunhar o ceptro.” (p.216)
“Podem ser escolhidas como árbitros outras pessoas que não o rei; (...) No entanto, o rei
encontra-se em uma situação privilegiada para resolver as contendas devido ao seu
prestígio e, sobretudo, devido ao ser poder. A sentença de um rei tem mais
probabilidades de ser respeitada do que a de qualquer outra pessoa.” (p.216)
A Ideologia Real
“As duas qualidades fundamentais do mundo homérico, aquelas que asseguram maior
prestígio a um rei ou um herói, são a coragem no combate e a sabedoria no conselho”
(p.220)
“Agamémnon, maior rei entre os aqueus, não é nem o mais corajoso nem o mais
inteligente: há um desfasamento muito claro entre o nível do rei suas qualidades. Falta a
Agamémnon a energia moral. Assim que a batalha parece correr mal, fala em abandonar
Tróia e regressar ao mar (Il, IX, 26-28;XIV, 65-81).” (p.220, 221)
“Heitor, o chefe supremo do exército troiano, tem defeitos menos flagrantes que
Agamémnon. Ele é o melhor guerreiro de Tróia, acumulando assim a superioridade de
Agamémnon e de Aquiles. Não mostra a cupidez insaciável do rei de Micenas e não
comete injustiças contra heróis notáveis. Contudo, tal como acontece com Agamémnon,
falta-lhe perspicácia.” (p.221)
“Se aproximarmos os dois temas, frequentemente desenvolvidos n’A Ilíada, dos erros e
defeitos do rei, por um outro, e da partilha dos dons do céu, por outro, encontramo-nos
uma presença de uma verdadeira teologia da imperfeição real.” (p.223)
“Os reis e os chefes militares d’A Ilíada, por mais imperfeitos que sejam, não veem a
sua autoridade rejeitada por esse motivo.” (p.223)
“A Odisseia apresenta-nos um quadro diferente da ideologia real. Os reis que ela evoca,
longe de oferecerem esta mescla defeitos e virtudes que caracteriza os reis imperfeitos
d’A Ilíada, são reis maus – no sentindo mais forte do termo, reis que maltratam os seus
laoi – ou então reis dotados de todas as virtudes.” (p.224)
“A vitória final de Ulisses manifesta de forma estrondosa o apoio dos deuses à linhagem
de Arcésio, mas é também e sobretudo o triunfo de um indivíduo excepcional. Ulisses
derrota os adversários em todos os aspectos – pela coragem, pelo valor atlético, pela
resistência e pela inteligência” (p.225)