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Para alguns setores da sociedade oitocentista comprar uma carteira de cigarros significava não

apenas escolher o fumo mais barato, mas comprar de uma marca que esboçava ideários
políticos de sua preferência. Neste sentido, ao longo do século XIX, quando o consumo de
cigarros passou a ser difundido pelo país, muitos rótulos retratavam as ideias e os movimentos
políticos pertinentes à sua época, como cigarros abolicionistas, cigarros monarquistas e
cigarros republicanos. Conforme aponta Maria Emília Vasconcelos dos Santos (2015, p.158):
“Ocupar-se em dar tragadas diárias podia ser visto como um hábito de lazer e também como
uma forma de expressar posições políticas e valores.” Deste modo, os elementos pictóricos
presentes nos rótulos serviam para indicar não somente informações gráficas sobre seus
produtos, mas para diferenciar e atrair sua clientela a partir dos temas e tensões políticas
coevas. (AGRA JUNIOR, 2011)

Você consegue identificar os símbolos representados nesta carteira de cigarro?

A touca que se encontra no centro do rótulo é um barrete frígio, símbolo-atributo empregado


após a Primeira República Francesa por movimentos republicanos para simbolizar a Revolução,
a Liberdade e a República. (LOPES, 2010). Nas últimas décadas do Brasil Império, o barrete
frígio se tornou um dos principais elementos da propaganda e litografia republicana, à vista
disso, sua posição privilegiada no rótulo indicava prontamente o posicionamento político
defendido pelos proprietários da fábrica de cigarros, corroborado pelo próprio nome da
marca, “Indemnisação ou Republica”. Não eram apenas os ideários da Revolução Francesa que
enchiam os corações, e pulmões, dos embravecidos republicanos, era o ressentimento.
Escravocratas exigiam indenizações por terem perdido mão-de-obra, isto é, pelas pessoas
tornadas livres com a abolição, muitos desses se aproximaram do movimento republicano, que
contava com a participação de abolicionistas, com o anseio de terem suas existências
atendidas, o que não ocorreu mesmo após a Proclamação da República.

Há também outros elementos pictóricos relacionados à elite brasileira. Como um plantador de


cana-de-açúcar em seu habitat e na outra extremidade a representação de Mercúrio, símbolo
do comércio. Assim como, destaca-se a presença de locomotivas cortando os horizontes nas
imagens laterais, uma referência ao progresso e a velocidade, sensibilidades comuns na
segunda metade do século XIX, que pode também ser simbolizada pela própria figura do
Mercúrio.

SANTOS, Maria Emília Vasconcelos. O 25 de março de 1884 e a luta pela libertação


dos escravos em Pernambuco. Clio (Recife), v. 33.2, p. 158-180, 2015.
AGRA JUNIOR, Jarbas Espíndola. Memória gráfica pernambucana: industria e
comércio através dos impressos litográficos comerciais recifenses, 1930-1965.
Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Design, Universidade Federal
de Pernambuco, Recife, 2011.
LOPES, Aristeu Elisandro Machado. A República e seus símbolos: a imprensa
ilustrada e o ideário republicano. Rio de Janeiro, 1868-1903. Tese (Doutorado).
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2010.

"Proclamação da República", por Benedito Calixto, 1893, Pinacoteca Municipal de São


Paulo.
Rótulo de Cigarros da Fábrica Veneza com o lema "Indenização ou República", 1889,
Litografia por Epaminondas & Krauss, Recife. Acervo do Arquivo Nacional.

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