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Capítulo 6

Homero e A História

“(...) “A Ilíada não é um livro de história”(Hampl), que “Homero é um


mentiroso”(Chadwick), que a realeza de Agamémnon é “uma realeza de direito
poético”(Jachmamn) ou que Ulisses e Telémaco são tão reais quanto o rei e o príncipe
do conto da Gata-Borralheira (Geddes).” (p.227)
“Quanto se diz que os poemas homéricos são, antes de tudo mais, obras de ficção e que
não há qualquer razão para os considerar como testemunhos históricos mais fiéis do que
as tragédias de Shakespeare fornecem um testemunho preciosíssimo sobre as
concepções de poder na Inglaterra isabelina.” (p.227)
“Além disso, a distinção entre “ficção” e história não é pertinente no que respeita à
epopeia tradicional.” (p.227)
“(...), mas têm tendência igualmente para reinterpretar o seu comportamento em função
dos costumes, valores e crenças da sua própria época. Os poemas homéricos ostentam a
marca de todos os séculos de sua longa génese, do passado micénico – até pré-micénico
– até os séculos IV e VIII, que assistiram à composição monumental das duas
epopeias.” (p.228)
“Se conhecêssemos a civilização grega apenas através dos poemas homéricos, seriam
impossível discernir os elementos antigos, os elementos recentes e os elementos antigos
reinterpretados em função de ideias nova;” (p.228)
“Esta coerência não quer dizer que as sociedades que eles descrevem tenham um
modelo histórico único, antigo ou recente: significa, isso sim, que interpretações e
reinterpretações de inúmeras gerações de aedos conseguiriam criar uma amálgama
quase perfeita” (p.228)
A Guerra de Tróia Terá Realmente Acontecido?
“Entre 1932 e 1938, o arqueólogo americano Carl Blegen levou a cabo em Tróia
escavações muito metódicas, cujo resultados apresentou com muita precisão e
prudência” (p.229)
“A cerâmica sugere, assim, que a Tróia VIIa teria coincidido com o período do apogeu
dos palácios micénicos e sua destruição com mais importante vaga de agitação que
afetou os reinos micénicos.” (p.230)
“(...) e Tróia VIIa por um incêndio, mas um incêndio pode perfeitamente ser acidental.
Blegen pensa que os Troianos de Tróia VIIa enterraram inúmeros jarros no chão das
suas casas porque preparavam provisões para aguentar um longo cerco. Acrescenta que
foi descoberta na camada de Tróia VIIa uma ponta de seta e cadáveres que parecem não
ter sido sepultados” (p.231)
“M.I. Finley sublinhou a fragilidade da argumentação de Blegen. Ele recorda, em
primeiro lugar, que, nos casos em que dispomos de crônicas e documentos de arquivo, é
obvio que as tradições épicas fizeram com que a história sofresse importantes
deformações.” (p.231)
“Finley insiste igualmente na diferença de tamanho entre a Tróia de Homero “de ruas
vastas” e a pequena cidadela escavada por Schiliemann e Blegen.” (p.232)

“Sobre esse último ponto, as novas escavações conduzidas por Manfred Korfmann
desde 1982 confirmaram, pelo contrário, a tradição épica. Korfmann e sua equipa
identificaram os vestígios de fortificações que englobam uma cidade muito mais vasta,
maior do que Micenas.” (p.232)

“A tradição épica deforma os acontecimentos que conta, porém parece conservar, pelo
menos parcialmente, o quadro político no qual se desenrolam os feitos cantados.”
(p.232)

“Guerras de cerco e de pilhagem semelhantes à guerra de Tróia da tradição épica


tiveram certamente lugar no final da Idade do Bronze recente, travadas ora por
Micénicos, ora por outros povos” (p.236)

“O acontecimento exato em torno do qual se cristalizou o ciclo troiano permanece


incerto. É possível que a tradição épica grega tenha imaginado a guerra de Agamémnon
e Menelau para recuperar a bela Helena a partir de três elementos reais: a vasta Tróia, a
hegemonia de Micenas e as inúmeras expedições de pilhagem levadas a cabo por
Micénicos na Anatólia. Nem sequer se pode excluir a hipótese de que os aedos gregos
se tenham apropriado de uma guerra de Tróia cantada inicialmente por aedos orientais,
modificando as circunstâncias, os beligerantes e o desfecho da guerra segundo as suas
conveniências.” (p.237)
A Civilização Material
“As primeiras escavações de Schiliemann em Micenas, em particular as do círculo A,
revelaram artefatos excepcionais espantosamente semelhantes a objetos descritos com
grande minúcia por Homero (...) Algumas pessoas concluíram, a partir destas revelações
espetaculares, que a tradição épica tinha conservado uma recordação precisa da
civilização material do mundo micénico e, até, do início do período micénico.” (p.237)
“Os confrontos sistemáticos dos textos homéricos e dos dados arqueológicos foram
efetuados inúmeras vezes.” (p.238)
“(...), mas suas descrições, que permitem visualizar perfeitamente as armas, as roupas,
os trípodes e os vasos, têm poucos pontos em comum com as notas de um catálogo de
museu. Além disso, o poeta evoca mais do que descreve e suas evocações nem sempre
são realistas.” (p.238)
“(...), a incineração dos mortos é uma regra quase geral. Há, contudo um texto que é
muitas vezes considerado uma alusão à prática de inumação.” (p.238)
Sociedades Homéricas e Sociedades Históricas
Os carros
“Os carros tinham uma grande importância do mundo micénico. Asseguravam
comunicação rápidas e permitiam ao palácio controlar o território e intervir rapidamente
no caso de perigo. Não temos qualquer prova direta de uma batalha de carros no mudo
micénico (...)” (p.240)
“Os aedos dos períodos seguintes sabiam que os grandes guerreiros dos tempos heroicos
dispunham de carros, mas já não faziam ideia de que pudessem ser usado para fins
militares. (...) Por isso, supuseram que os heróis utilizavam simplesmente como meio de
transporte para se deslocarem de um extremo ao outro do campo de batalha, mas que
saltavam para o chão para combaterem.” (p.240)
A organização econômica
“Em contrapartida, a tradição épica não conservou qualquer lembrança do sistema
econômico micénico nem do papel central de cobrança e redistribuição que os palácios
desempenhavam.” (p.240, 241)
“Se Homero nunca fala de escribas nem de contabilidade, não é porque queria
dissimular aspectos poucos heroicos da sociedade micénica, mas sim porque não tem
qualquer noção sobre eles” (p.241)
“(...), o palácio micénico é um grande centro de produção que controla uma parte
apreciável da atividade econômica do reino e opera importantes cobranças de imposto, o
palácio homérico não passa de um oikos aristocrático, mais que os outros, mas da
mesma natureza” (p.241)
Os costumes matrimoniais
“O casamento homérico e o casamento grego clássico apresentam determinado números
de pontos em comum. Em ambos os casos, trata-se de uma transação entre dois homens,
o pai e o futuro marido; (...), nas epopeias homéricas, é o futuro marido que paga hedna
ao pai da noiva, ao passo que na época clássica é o pai que paga um dote(proix).”
(p.242)
“Os costumes matrimoniais descritos por Homero de forma muito coerente
correspondem, sem dúvida, a uma realidade da época do poeta. (...) O que é certo que se
passou de uma sociedade em que a mulher era considerada riqueza e outra em que é
considerada encargo” (p.242)
A vida política
“1) O mundo homérico as cidades gregas arcaicas e clássicas têm inúmeros pontos
comuns.
O vocabulário político é em grande parte o mesmo (nomeadamente, damos, laoi,
agora, gerontes, boulé). Duas instituições fundamentais das cidades gregas – a
Assembleia e o Conselho – desempenham um papel importante nas comunidades
homéricas.
Em contrapartida, há quem tenha duvidado da existência de reis na Grécia na
época da composição dos poemas homéricos.” (p.243)
“Na época clássica, está comprovada a existência de uma figura com o título de
basileus em trinta cidades e duas federações, sendo o basileus quase sempre um
magistrado dotado de atribuições religiosas: ele intervém, nomeadamente, nos cultos
mais antigos e secretos da cidade.” (p.244)
“Uma análise de fontes antigas, independentemente de Homero, leva a reconhecer a
existência de reis em muitas ethne e cidade embrionárias dos séculos IX e VIII a.C. É
por conseguinte verossímil que os autores d’A Ilíada e da Odisseia se tenha inspirado
nos reis do seu tempo para descreverem as atribuições e comportamento de
Agamémnon, Príamo e Alcínoo.” (p.245, 246)

“A realeza homérica e a realeza arcaica apresentam igualmente inúmeros pontos de


convergência. Também nesse aspecto, o vocabulário é praticamente o mesmo (...) Os
privilégios reais são muitas vezes os mesmos (...) Os reis homéricos são padres, chefes
militares e juízes: os documentos de que dispomos sobre os reis arcaicos mostram-nos
exercendo atividades religiosas, militares e judiciárias.” (p.246)
“As cenas políticas das epopeias são muitas vezes apresentadas de forma alusiva, o que
fornece um argumento suplementar: o poeta contenta-se com alusões porque a cena é
família ao publico. (...) Uma cena obscura para nós, como o julgamento representado no
escudo de Aquiles (Il, XVIII, 497-508), era provavelmente clara para o ouvinte de
Homero, pois fazia parte da vida cotidiana da agora.” (p.246)
“A Odisseia parece ter a marca de uma fase muito mais aguda do conflito entre os reis e
certos aristocratas. A conciliação das exigências opostas do rei e do basileus parece ter-
se tornado mais difícil.” (p.247)
“3) A história política da Idade das Trevas grega continua ser bastante misteriosa. A
teoria atualmente em voga pressupõe o desaparecimento total das estruturas micénicas,
uma dispersão duradoura da população em pequenos grupos de caráter pré-político –
famílias mais ou menos alargadas, lugares isolados, bandos de companheiros – e,
finalmente o súbito aparecimento da polis. Podem levantar-se várias objecções a este
esquema” (p.247, 248)
“É provável que o fim das estruturas palacianas tenha dado origem a diversas formas
políticas (...), o aparecimento das cidades gregas corresponderia simultaneamente a um
agrupamento de comunidades mais pequenas (aquilo a que se chama de sinecismo) (...)”
(p.248)

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