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Maçonaria e Revolução Francesa: uma

influência relativa
Tradução J. Filardo

Os iniciados não provocaram a Revolução Francesa. Eles estavam até mesmo


divididos quanto ao caminho a tomar. Mesmo assim, seus valores são
encontrados nas novas ideias: tolerância, liberdade, abolição de privilégios.
Uma lenda imputa aos maçons uma pesada responsabilidade na Revolução e no
Terror. Nascida desde 1792 sob a pena do Abade Lefranc (Le Voile levé pur les
curieux), popularizada em 1797 no meio da contra revolução pelo Abade Barruel
(Memoires pour servir a l’histoire du jacobinisme), continuada no século XX por
Augustin Cochin (La Révolution et la Libre Pensée) e subjacente ainda nas
representações deste período, ela coloca em evidência o pretenso grande número
de revolucionários maçons, a importância de seu simbolismo nas imagens
revolucionárias e as temáticas desenvolvidas pelos revolucionários. Esta lenda é
totalmente infundada.
Em 1789, os irmãos são menos de 50.000, repartidos em 700 lojas. Os vínculos
que os unem são tênues e mesmo o Grand Orient de France, a menos passageira
das obediências dirigida por Philippe d’Orléans tem uma fraca influência sobre
as lojas afiliadas. Os próprios maçons têm as reações mais variadas diante dos
episódios da Revolução: o duque de Luxemburgo emigra a partir de 1789,
Chaumette se torna um dos Enraivecidos, o mais visível durante o Terror;
Buonarroti, o irmão de armas de Babeuf é maçom, assim como Joseph de
Maistre, uma das grandes vozes da história contra revolucionária no início do
século XIX. Isso se explica por uma maçonaria muito disparatada – social,
filosófica, politicamente: em 1789, as lojas podem reagrupar militares,
eclesiásticos, aristocratas, artesãos…

EM 1794 NÃO RESTAM MAIS QUE TRÊS LOJAS EM PARIS

Para muitos, as sessões (reuniões) são uma forma de sociabilidade viril que
marca uma integração social e não uma escolha ética. Outras fórmulas, muito
mais significativas politicamente existem como a Sociedade dos Amigos dos
Negros, ou abrem a partir de 1788 alguns irmãos em torno de Condorcet ou de
Brissot. Durante os primeiros anos da Revolução, todos os estudos realizados
sobre as lojas, em Paris e na província (Arras, Lille, Tolouse, por exemplo)
mostram uma redução de suas atividades. Se algumas ainda são constituídas
(duas em 1793), muitas delas são fechadas, como em Puy, em Moissac antes de
1792 ou em Lyon em 1793. Outros espaços de socialização são abertos: clubes,
assembleias eleitorais que retomam práticas fraternais. Com tal concorrência, a
maçonaria perde seu interesse. Mesmo em Paris, não restam em 1794 mais que
três lojas.

É verdade, o irmão Barere se esquece de entregar um relatório à Convenção em


favor da supressão das obediências, mas está-se longe do complô maçônico
denunciado nesta “história desesperadora” segundo a bela expressão do
especialista em literatura Gerard Gegembre, nascida da contra revolução. Pode-se
ter a passagem do “maçom revolucionário” para o “revolucionário maçom”
segundo o historiador Daniel Ligou: as lojas subsistentes são, com frequência,
utilizadas pelos revolucionários como local de difusão de suas propostas. Isto
sendo a impressão geral é bem a de um desaparecimento das lojas.

Será necessário aguardar o dia seguinte à reação termidoriana (julho de 1794)


para assistir ao seu renascimento, sobre as bases sociais e filosóficas antigas
renovadas: em um primeiro momento, ao menos até a Restauração, as sociedades
filantrópicas tiveram uma atividade mais significativa que as lojas novas,
transformadas em espaços de reunião que reuniam principalmente os burgueses
voltarianos.

O simbolismo e a cultura revolucionária são maçônicos? A afirmação também é


duvidosa. Nem a divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, nem sem dúvida
as árvores da Liberdade não estão propriamente vinculadas à maçonaria. É certo
que o triângulo, o olho, o nível estão presentes na iconografia revolucionária; é
verdade, tais imagens de 1789 mostram a reunião de três ordens em frente a um
templo. Difícil, entretanto, ver ali outra coisa que uma lembrança de referências
comuns daqueles que fazem a opinião, na medida em que não existe ideologia
maçônica – menos ainda ao final do século XVIII que hoje. A presença de tais
referências é, de toda forma, menos obsedante que aquelas das referências às
civilizações romana e grega. A “Saúde e Fraternidade” jacobina tem origem de
fato nas duas fontes, da Antiguidade e da maçonaria.

Assim, a ideia segundo a qual os procedimentos das assembleias revolucionárias


encontram suas raízes no ritual maçônico é globalmente falsa: eventualmente,
certas sociedades patrióticas puderam retomar práticas fraternais. Mas, os
revolucionários se inspiraram, sobretudo nas assembleias paroquiais ou em
fórmulas da jovem república americana para organizar as assembleias mais
importantes. A cultura pré- revolucionária não é, portanto essencialmente
maçônica.
A IDEIA DO “COMPLÔ MAÇÔNICO” NÃO TEM QUALQUER
FUNDAMENTO

Quanto à ideia de um projeto maçônico – ou seja, anticristão – que a Revolução


viria a concretizar, fora os fedores ideológicos nauseabundos que pode exalar o
tema do “complô maçônico”, ela repousa menos ainda sobre bases
concretas. Não existe qualquer unidade ideológica na maçonaria ao final do
século XVIII à qual alguns religiosos e católicos muito ardentes sejam afiliados,
ou mesmo a que aderem os partidários entusiastas da monarquia – vê-se mal
como um complô homogêneo teria podido ser urdido ali contra a monarquia
católica, tanto que nenhuma fonte vem a aventar esta ideia. O enfraquecimento
da maçonaria durante o período 1789-1793 a torna impotente para uma ação
coerente. As atas das sessões são assim muito excepcionalmente propostas
políticas precisas. O “partido Orleanista” com frequência ligado às obediências,
levando em conta o status de Philippe d’Orleans não se exprime nem no quadro
das lojas nem por meio dos irmãos. Enfim, o conjunto de medidas tomadas pelos
revolucionários, desde a abolição de privilégios até o aumento de preços e de
salários se inscrevem nas lógicas políticas exteriores à maçonaria, seja o
liberalismo ou o dirigismo estatal.

Enfraquecimento rápido de 1789 a 1793; “jacobinização” das lojas sobreviventes


durante o Terror; ressurreição tímida por vezes aburguesada e secularizada do
Termidor ao Brumário: tais foram as três épocas da maçonaria durante uma
Revolução que ela sofreu, que a transformou e da qual ela não passou de um
figurante eventualmente visível, mas menor e silencioso.

A DIVISA DA REPÚBLICA

A divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” é compartilhada pela República e


pelo Grande Oriente de França. Desta comunidade, tirou-se uma lenda: a que
transforma os maçons nos arquitetos da Revolução, veiculada pelas obras
aparentemente sérias no início do século XX, tais como a obra de Gustave Bord,
La Franc-maçonnerie en France. Ele repete assim as teses do complô maçônico,
caras ao abade Barruel. A divisa será adotada pela IIa. República em 1848, e no
ano seguinte pelo Grand Orient de France.

Durante a revolução, o tríptico jamais aparece como divisa do Estado, mesmo se


tal regime o pode escolher, e mesmo se o clube dos Cordeliers se coloque sob a
fórmula “A liberdade, a Igualdade, a Fraternidade ou a Morte”.

Os termos Liberdade e Igualdade são com frequência associados à União e à


Constituição. E a fraternidade é um valor invocado por muitos clubes, como os
Jacobinos. Do lado dos maçons, somente algumas lojas, com frequência
militares, de tradição escocesa, parecem ter colocado certas de suas sessões sob
este tríptico. Estas três noções são muito presentes na literatura do Século das
Luzes, particularmente em Voltaire. Elas fazem parte da bagagem dos
reformadores iluminados que, com frequência, se encontravam na maçonaria. A
integração ao patrimônio republicano e depois maçom, foi preparada pela
Revolução, moldada nos diferentes círculos da oposição à Restauração, e depois
sob a Monarquia de Julho. Elas ultrapassam o meio maçônico.

(Olivier Coquard – http://www.historia.fr/ – Abril 2012 – pag. 41)

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