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A sincronia emocional está no centro do que significa ser humano

No mesmo comprimento de onda

O desejo de alinhar nossas mentes e emoções com aqueles que cuidamos, estejam
próximos ou distantes, torna nossa espécie única

Em suas memórias Vento, Areia e Estrelas (1939), Antoine de Saint-Exupéry - autor


da obra O Pequeno Príncipe (1943) - conta a história de seu amigo e colega piloto
Henri Guillaumet. Os dois homens voavam para o serviço francês de correio aéreo
quando eram jovens. Durante um inverno, enquanto estava de serviço na América do
Sul, Guillaumet estava voando do Chile para a Argentina quando uma correnteza
arrastou seu avião para as nuvens mais baixas e entre os picos dos Andes. Ele
circulou por horas em busca de uma brecha nas nuvens através da qual pudesse
escapar com segurança mas foi em vão. Ele ficou sem combustível e foi forçado a
pousar no coração congelado das montanhas. Uma missão de resgate composta apenas
por Saint-Exupéry e outro piloto percorreu incansavelmente a cadeia montanhosa mais
longa do mundo por dias em busca de Guillaumet. Mas procurar um sinal dele naquele
vasto labirinto de neve e gelo era como procurar um diamante nas areias do Saara.
Os habitantes locais ofereceram condolências, mas nenhuma esperança: "Os Andes
nunca devolvem um homem no inverno", disseram com os olhos baixos.

Enquanto isso, Guillaumet se encolheu em uma trincheira de neve sob sacos de


correio por dois dias e noites esperando a tempestade passar. Quando o céu
finalmente se abriu, ele sabia que havia apenas uma saída. Ele começou uma descida
improvável e perigosa a pé, com poucas provisões e sem equipamento de montanhismo,
por um dos ambientes mais inóspitos do planeta. Guillaumet caminhou por cinco dias
e quatro noites pela neve. E ele sobreviveu. Em sua reunião emocionante com Saint-
Exupéry, Guillaumet - emaciado, devorado pelo frio e mal conseguindo falar -
declarou:

"O que eu fiz, eu juro a você, nenhum animal jamais faria".

Saint-Exupéry mais tarde escreveria sobre essa frase que era "a mais nobre já
proferida" e que ela "honra" e "define o lugar do homem no universo".

O que ele quis dizer com isso? Como as ações e palavras de Guillaumet nos situam em
relação aos animais não humanos? De fato, não foi precisamente como um animal que
Guillaumet voltou à vida? Ele mesmo afirmou que suas faculdades racionais o
abandonaram em grande parte devido à fome e à fadiga. O retorno de Ulisses, pode-se
pensar, foi exclusivamente humano, alcançado por meio da astúcia e eloquência
únicas da espécie. Mas a façanha de Guillaumet - não foi a vontade bruta e
obstinada de viver, tão evidente em uma simples bactéria quanto em um ser humano,
que o preservou e o levou adiante quando suas faculdades racionais propriamente
humanas o abandonaram?

Estou sentado nesse momento em uma poltrona na sala de estar, observando a sessão
de brincadeiras de duas criaturas incrivelmente semelhantes. Uma é meu sobrinho de
18 meses, vamos chamá-lo de João. A outra é a melhor amiga de João, nosso querido
animal de estimação da família, uma shitzu atrapalhada chamada Barbie. Uma
variedade de brinquedos está espalhada no chão aos meus pés. Alguns são de João,
alguns são de Barbie, mas a maioria é, bem, de João-e-Barbie. Seria necessário uma
equipe forense para identificar qual baba e marcas de dentes pertencem a quem.
Barbie agarra a bola de tênis com suas mandíbulas. Ela a traz até mim e a coloca
aos meus pés. Ela olha para mim com expectativa, seus enormes olhos castanhos
brilhando e o rabo balançando. João segura um bloco de madeira azul entre suas
mãos. Ele caminha até mim e me entrega. Ele então senta e levanta a cabeça para
olhar para mim, tão expectante quanto Barbie.
À primeira vista, parece haver uma paridade perfeita entre os gestos de Barbie e
João. Ambos são atos comunicativos de solicitação social, envolvendo uma relação
entre um solicitante, um solicitado e um objeto. Ambos exigem um certo grau de
inteligência social. João e Barbie entendem que podem me incentivar a fazer algo
por eles se solicitarem minha atenção da maneira certa. Mas essa semelhança
superficial esconde uma disparidade subjacente entre o comportamento de João e o de
Barbie. Para entendê-lo - e entender as palavras de Guillaumet - devemos mergulhar
mais fundo nas motivações e expectativas por trás dessas ações.

Para Barbie, há apenas um tipo de jogo que importa. Estamos jogando há anos e ela
nunca cansa. Claro, eu mudo um pouco as coisas de vez em quando. Um pouco de
prestidigitação pode fazer Barbie ir para a esquerda enquanto eu lanço a bola para
a direita. Ou eu finjo jogar e escondo a bola atrás das costas, depois imito a
aparência estupefata e ligeiramente irritada de Barbie com minha própria expressão
incrédula. ("Onde foi parar?") Mas suspeito que eu precise mais dessa variedade do
que Barbie. Seu motivo e expectativa são simples. Embora Barbie e eu sejamos velhos
amigos queridos com uma conexão emocional sólida que é reforçada pela sessão de
brincadeiras, há momentos em que sinto que poderia muito bem ser uma máquina de
arremesso de bola.

IMAGEM

O que João quer dizer ao apresentar o bloco para mim? Na verdade, essa ainda é uma
pergunta em aberto. Comparado com as solicitações ritualizadas de Barbie, o pedido
de João parece estar aberto a uma gama muito mais ampla de possíveis respostas. A
partir de seus olhares curiosos, que alternam entre mim e o bloco, e das
vocalizações inquisitivas que ele emite, posso dizer que ele quer que eu faça algo.
Mas o que? Muitas vezes, parece que João está satisfeito apenas em observar minhas
próprias atitudes em relação aos objetos que ele me traz e ao uso espontâneo que
faço deles, como se estivesse perguntando: "Você gosta? O que vamos fazer com
isso?" E em outras vezes, ele parece querer direcionar minha atenção para várias
coisas apenas pela alegria de compartilhar o mundo comigo: "Olha isso! Você vê o
que eu vejo?"

Esse motivo de compartilhamento é especialmente evidente no comportamento de


apontar de João. Com 18 meses, ele é bastante proficiente em apontar e tem grande
prazer em direcionar minha atenção para vários objetos em nosso ambiente
compartilhado. O apontar de João não é apenas para sua própria orientação ou
coordenação. Posso dizer que é para mim porque ele verifica comigo, prestando bem
atenção para ter certeza de que estou focado nos mesmos objetos e eventos
fascinantes que ele está. Mas grande parte do tempo ele não parece querer que eu
faça nada em particular como resposta. Ele apenas quer saber que estou lá com ele,
compartilhando e mostrando interesse na mesma manifestação maravilhosa do mundo
para a qual seus olhos arregalados estão se abrindo cada vez mais a cada dia. "Uau!
Olha só isso!"

Faço algo semelhante, aliás, quando mando mensagem para meus amigos ao redor do
mundo enquanto assisto a uma corrida de Fórmula 1. Eu geralmente insiro algum
comentário perspicaz ou espirituoso para dar a impressão de valor adicionado à
mensagem. Mas, na verdade, eu só quero compartilhar o mundo com eles e saber que
estou compartilhando o mundo com eles. Assim como João, presto bem atenção em um
amigo em outro continente: "Uau - você viu isso?"

Apontar era considerado por muito tempo um comportamento exclusivamente humano. Não
é. Muitos primatas criados em cativeiro aprendem a apontar. Há até algumas
evidências de que os chimpanzés fazem algo semelhante a apontar na natureza, embora
o alcance de aplicações seja limitado e seja discutível se tais comportamentos
devem ser considerados como "apontar". Além da linhagem dos primatas, os corvos, da
inteligente e comunicativa família dos corvídeos, também usam seus corpos para
direcionar a atenção de companheiros de viagem para objetos próximos.

Mas assim como João parece estar buscando algo diferente de Barbie ao compartilhar
seus brinquedos comigo, há características únicas do apontar humano que não são
exibidas por nenhum outro animal. Assim como Barbie com seus gestos solicitando
brincadeira, aqueles chimpanzés criados em cativeiro que aprendem a apontar para
seus cuidadores humanos, apontam quase exclusivamente para fazer com que outros
façam algo por eles. Os psicólogos do desenvolvimento e primatólogos chamam isso de
'apontar imperativo'.

João, por outro lado, aponta para perguntar sobre minhas opiniões e atitudes em
relação ao mundo (chamamos de 'apontar interrogativo'), ou apenas pela alegria de
compartilhar o mundo comigo (chamamos de 'apontar declarativo ou exclamatório').
Ou, se traduzíssemos esses gestos em frases explícitas, Barbie e o chimpanzé
estariam dizendo algo como: "Ei, você, faça algo por mim!", enquanto o bebê muitas
vezes está dizendo: "Ei, você, compartilhe essa experiência comigo!"

Ambas as partes, durante a interação, podem sentir e expressar sua alegria,


excitação ou curiosidade.

Os bebês geralmente começam a produzir seus primeiros gestos de apontar no final do


primeiro ano. No entanto, dimensões exclusivamente humanas da sociabilidade e
comunicação emergem muito antes disso. Na última década, pesquisadores demonstraram
que o feto no útero já está sintonizando e se familiarizando com o caráter rítmico
da língua que a mãe fala. Ao longo do primeiro ano, os bebês exibem uma atenção
desproporcional aos rostos, ações e fala das pessoas em seu ambiente, em comparação
com estímulos concorrentes.

Nos primeiros meses de vida (alguns até acreditam que começa no nascimento), os
bebês começam a se envolver em trocas dinâmicas de gestos e vocalizações com seus
pais ou cuidadores. Os adultos sorrirão, acenarão, farão sons suaves e rirão para
os bebês, que devolvem as expressões. Os psicólogos do desenvolvimento chamam isso
de "protoconversa" rudimentar. Tem a mesma estrutura dialógica de uma conversa
completa, mas com um conteúdo e alcance de significado muito mais simples. A
protoconversa permite que os bebês e seus cuidadores alinhem seus estados
emocionais. Ambas as partes na troca podem sentir e expressar sua alegria,
excitação ou curiosidade. E por meio da expressão recíproca, eles podem
experimentar que o outro também sente e expressa o mesmo.

No final do primeiro ano, o apontar e outros comportamentos para compartilhar a


atenção permitem que os bebês estendam as interações de protoconversa de face a
face para interações de face a face com o mundo. Quando isso acontece, a conexão
afetiva estabelecida na protoconversa é transferida para o mundo e as coisas que os
bebês e seus cuidadores estão atendendo juntos. Um bebê de 18 meses envolvido em
uma sessão de brincadeira com um adulto e um brinquedo está experimentando o
brinquedo em parte através da lente do relacionamento afetivo que ele já
estabeleceu com o cuidador. Dessa forma, o bebê aprende não apenas que tipos de uso
prático os adultos fazem dos objetos, ele também aprenderá o significado emocional
que esses itens têm para seus usuários. Não estamos apenas sintonizados de uma
forma prática com o mundo, mas, igualmente importante, de uma forma emocional
também. Os seres humanos geralmente têm uma motivação muito grande para manter,
cultivar e expandir essa sintonia emocional compartilhada com nosso entorno. Basta
pensar em assistir a um evento esportivo e torcer pelo mesmo time com seus amigos,
praticar uma religião juntos, compartilhar um passatempo com outros ou até mesmo
fofocar sem compromisso.

As mais profundas características da nossa humanidade podem ter pouco a ver com
nossas habilidades racionais discretas. Por décadas, pesquisadores como Michael
Tomasello vêm desenvolvendo experimentos cada vez mais elaborados e engenhosos para
estudar as semelhanças e diferenças entre comportamento e a cognição humana e de
chimpanzés. O estado da arte é resumido no livro de Tomasello, "Tornando-se humano"
(2018). Quando se trata do nível mais básico de cognição social, estamos aprendendo
que nossos parentes evolutivos mais próximos são muito mais capazes do que se
pensava anteriormente. Assim como os humanos, os chimpanzés podem seguir o olhar de
outros chimpanzés e humanos. Eles têm alguma ideia do que os outros veem e podem
perceber quando a visão de alguém é obstruída por um obstáculo.

Mas quando se trata de emoções e motivações, diferenças mais básicas surgem. Os


chimpanzés não se envolvem nos tipos de interações emocionais prolongadas e íntimas
face a face que os bebês humanos e seus cuidadores participam por meio de suas
protoconversas. Isso pode ser simplesmente um fator de como eles evoluíram para
sintonizar o mundo e seus companheiros chimpanzés e o que eles se sentem motivados
a fazer. Mas é por causa dessa motivação e sintonia básica com o mundo que as
crianças seguem o aprendizado interminável e exaustivo necessário para adquirir
competência na vida cultural e linguística humana. Esta herança fornece as bases
para uma racionalidade mais abrangente.

Aos 18 meses de idade, as habilidades cognitivas de João são, em muitos aspectos,


comparáveis às de um chimpanzé adulto. Mas ao longo dos próximos anos, ele será
atraído cada vez mais para um domínio da vida cultural e linguística humana e
desenvolverá habilidades em controle executivo, autoconsciência, cognição social,
resolução de problemas, memória, imaginação e planejamento que superam em muito o
que qualquer outro animal é capaz de fazer. Geralmente pensamos nessas habilidades
como privadas e individuais.

E se os seres humanos se tornaram tão racionais e linguísticos devido ao tipo muito


especial de emoções sociais que temos?

Mas muitos psicólogos do desenvolvimento, seguindo o trabalho pioneiro de Lev


Vygotsky, acreditam que essas emoções dependem da internalização de maneiras
culturais e sociais de pensar, especialmente aquelas codificadas na linguagem.
Durante a pré-escola e os primeiros anos escolares, as crianças eventualmente
passam a usar a fala que ouvem ao seu redor. Eles a usam primeiro como uma fala
autodirecionada, mas ainda audível, e depois a internalizam ainda mais em um
monólogo interno subvocal. Por mais privada que nossa narrativa interna possa
parecer para nós, devemos reconhecer sua origem na fala externa. Até mesmo o nosso
pensamento interior mais secreto carrega a marca da orientação da criança em
relação aos outros e seu intenso desejo de participar de uma maneira de vida
socialmente única aos seres humanos.

Filósofos e cientistas há muito debatem por que os seres humanos alcançam,


individual e coletivamente, habilidades cognitivas tão únicas e impressionantes. A
maioria propôs que somos de alguma forma basicamente diferentes de outros animais
em nossa posse de razão ou linguagem. Essa visão foi afirmada por Aristóteles, que
definiu o ser humano como o animal que possui logos - o poder da razão ou da fala.
Mais recentemente, Noam Chomsky argumentou de maneira influente que os seres
humanos devem ter desenvolvido uma adaptação básica para a linguagem. Mas essa
visão tem sido criticada por muitos pensadores, incluindo Tomasello. Nessa história
venerável de pesquisa e especulação sobre o excepcionalismo humano, muito menos
atenção tem sido dada até recentemente às maneiras pelas quais os seres humanos são
afetivamente especiais.

Mas e se a maneira primária pela qual somos únicos, e uma das causas últimas de
nossas notáveis capacidades racionais e linguísticas, apresentar-se como a maneira
única pela qual somos emocionalmente atraídos uns pelos outros e pelo mundo? E se
os humanos se tornaram tão racionais e linguísticos por causa da maneira muito
especial de interagirmos e sentirmos emocionalmente? Como poderíamos mudar nossa
compreensão de nós mesmos, nossos relacionamentos e responsabilidades uns com os
outros, nossos companheiros animais e nosso planeta se percebêssemos que a base da
singularidade humana não reside em nossa capacidade de raciocínio, mas em nossa
capacidade de empatia? Se percebêssemos que somos o animal muito especial que somos
por causa de nossas maneiras muito especiais de cuidar um do outro - um cuidado que
projetamos no mundo não humano? O animal racional que usou sua razão para causar
estragos no planeta e em seus habitantes. Poderia o animal empático começar a
desfazer parte desse mal?

Estão 20 graus Celsius abaixo de zero e o vento cortante rasga as roupas de


Guillaumet. Ele está abandonado nos Andes. Seus pés estão inchados, seu rosto está
queimado pelo gelo. Sua mente começa a traí-lo. Ele não consegue pensar claramente
e está se tornando esquecido. Se ele tira a luva por um momento para usar a mão,
ele percebe mais tarde que a largou lá trás e precisa voltar para pegar. Cada passo
é uma agonia, pois seus músculos se contraem e se apertam. Ele cai e cai e cai
novamente. A cada vez, ele percebe que sua vontade animal de viver o abandonou. O
sono o chama com uma cama e cobertor de neve dos quais ele sabe que nunca se
levantaria. A morte seria uma misericórdia. Tudo o que ele tem que fazer para
encontrar a paz é ficar caído, fechar os olhos e deixar ir.

O que levantou Guillaumet e o motivou a continuar lutando uma guerra aparentemente


interminável e sem esperança contra os elementos? Foi a voz de sua esposa, soando
clara como um clarim, vinda de além do oceano para perfurar o véu nevado da morte e
induzir um momento de lucidez em seus pensamentos combalidos. "Se minha esposa
ainda acredita que estou vivo, ela deve acreditar que estou de pé", pensou
Guillaumet consigo mesmo. E ouvir a voz dela, vendo a si mesmo em seus olhos,
coração e mente, foi o suficiente para erguer Guillaumet em seus pés, mesmo quando
ele já estava pronto para a morte e além de seus limites. Cada passo desafiante
dele era uma resposta a esse chamado. Ele foi levantado e levado adiante a partir
de uma fonte humana que é mais primordial e definidora de quem somos do que as
façanhas ardilosas e a habilidade retórica de um Odisseu.

O feto, como vimos, antes do nascimento já ouve e sente a voz muito real de sua mãe
chamando-o para o mundo. Em um caso como o de Guillaumet, uma voz imaginada pode
até mesmo nos alcançar além da morte e nos chamar de volta ao mundo dos vivos. Ser
humano é ser abordado por essas vozes, uma vida inteira e mais - e ser movido por
elas.

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