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INSTITUTO EUCAIONAL AZEVEDO

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Uma língua, infinitos usos

Aula 1: Essa língua serve para quê?


Nossa língua é importante em todos os âmbitos da nossa vida. Já pensou em quantas vezes ao dia você se
comunica? Nesta seção, é apresentada a teoria da comunicação.

Da hora em que você acorda até a hora em que vai dormir, quantas vezes se percebe se comunicando com
os outros? Mesmo se vivemos sozinhos, a comunicação com o resto do mundo é de extrema importância.
Seja dando bom dia na hora do café da manhã aos nossos familiares, seja lendo uma notícia em um jornal
digital, ou ainda interagindo em redes sociais, a comunicação é muito presente em nossa vida.

Mais do que presente: é muito necessária. A comunicação humana é um conjunto de ferramentas muito
complexas que a humanidade desenvolveu e que nunca foi visto em nenhuma outra espécie. Ainda que
outros animais se comuniquem de forma simplificada, nenhum sistema de comunicação animal nem se
compara ao refinamento e ao alcance do nosso. E ele nos garante vantagem evolutiva. Afinal, com a
linguagem conseguimos avisar nossos companheiros do perigo, conseguimos nos reunir em grupos de
trabalho e até nos organizar para resistir diante de intempéries da natureza.

De olho nessa complexidade, vários pesquisadores da linguagem humana se debruçaram em tentar mapear
as funções da linguagem, que são muitas. A fábula de Esopo nos lembra da versatilidade e da
importância das línguas naturais: do amor à guerra, tudo construímos e destruímos com a linguagem.

Língua natural (conceito)

1. Língua ou idioma criado naturalmente pelos seres humanos. As línguas naturais surgem como
fenômeno biológico e social por conta da facilidade inata dos seres humanos de aprenderem e
desenvolverem línguas. Exemplos de línguas naturais são idiomas como português, espanhol,
árabe, tupi, nheengatu e libras.
2. Podem ser orais (como português, inglês, japonês) ou de sinais, como libras (língua brasileira de
sinais) ou ASL (americansignlanguage).

Empenhado nessa tarefa, o linguista russo Roman Jákobson (1896-1982) percebeu na linguagem seis
elementos constitutivos que nos ajudam a mapear as diferentes  situações de comunicação, que mobilizam
diferentes funções da linguagem. Veja no esquema esses elementos propostos por Jákobson no que ficou
conhecida como a teoria da comunicação na linguística.
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Os elementos da comunicação são igualmente importantes. Assim, não existe comunicação sem um
emissor (remetente) e um receptor (destinatário). No entanto, também não acontece comunicação sem
contexto. Tudo que falamos ou escrevemos é necessariamente contextualizado. O mesmo se pode dizer
dos demais elementos, essenciais, e que constituem a linguagem humana como ela é.

A língua enquanto vantagem evolutiva


As línguas naturais são um fenômeno biológico e social que frutificou na espécie humana, nas mais
diversas sociedades. Embora elas sejam muito diferentes entre elas — basta comparar a língua portuguesa
ao mandarim ou ao russo —, há também, entre as línguas, muitos pontos em comum. Os linguistas que
têm estudado essa proximidade entre as línguas chamam essas características em comum de  gramática
universal.

Gramática universal (conceito)

1. Conjunto de características gramaticais que une todas as línguas naturais. Exemplo: presença
de sujeito que realiza ações verbais.
2. Algoritmo da linguagem humana, embutido em nossos cérebros desde nascença, que nos habilita a
falar e desenvolver línguas naturais.
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Essa gramática universal, um presente de berço da humanidade, seria um traço genético que explicaria
porque em todas as sociedades humanas, em todos os lugares, surge a linguagem de maneira complexa.
Junto do nosso polegar opositor e de nosso cérebro ultradesenvolvido, a linguagem nos trouxe até os dias
de hoje: à era digital, aos avanços da medicina e da tecnologia, à vida como a conhecemos.

Um canal para chamar de nosso: função fática


Para que todas essas vantagens evolutivas que a língua nos oferece funcionem, precisamos
estabelecer canais de comunicação. Jákobson nos explica que quando a linguagem está focada em testar
ou conferir esses canais, a função fática da língua é ativada. Por canal, entendemos todo o caminho pelo
qual a linguagem precisa passar, desde o emissor até o receptor.

Por exemplo, ao ler esta Unidade de conteúdo, a linguagem viaja desde a CLOE até você por meio de uma
plataforma digital, que exige conexão com a internet. Além disso, você precisa enxergar ou ouvir o
conteúdo em texto e interagir com os recursos. Tudo isso é canal, e precisa estar em funcionamento para
que esta unidade faça sentido para você.
Quando conversamos pessoalmente com alguém, por sua vez, é o  trato vocal e auditivo que precisa estar
funcionando, para o caso de sermos ouvintes: falamos e o outro escuta, então desde nosso diafragma até o
ouvido do outro, todo o canal precisa estar em pleno funcionamento.

Embora isso pareça trivial, é muito comum conversarmos por longos períodos de tempo apenas
para checar o canal ou para mantê-lo ativo. É quando nos comunicamos apenas por educação se o
silêncio nos constrange, como quando encontramos um vizinho no elevador e jogamos conversa fora. A
tirinha brinca com a função fática em ação.

Quando não temos intimidade com nossos interlocutores, fazemos de tudo para não deixarmos o silêncio
nos constranger. Mas a função fática fica ainda mais evidente na comunicação por meios digitais. É o
caso, por exemplo, das videochamadas. No início de toda videoconferência, com ou sem câmera, perdem-
se alguns minutos no vai-e-vem de "vocês estão me ouvindo?", "sua câmera travou para mim" e
"desculpem, meu gato quer invadir a reunião". Esses exemplos mostram a função fática em atividade:
quando checamos a conexão com a internet, a qualidade do som ou do áudio, ou se nosso
compartilhamento de tela está funcionando, estamos garantindo que o canal de comunicação funciona.

A função fática na era digital também pode nos provocar riso. Veja o vídeo sobre o caso do advogado que,
durante uma sessão oficial, apareceu na videoconferência usando um filtro de gatinho. Perceba a função
fática em atividade nesse contratempo que se tornou bem comum conforme as relações digitais se
estreitaram.

O contexto que nos une: função referencial


Ultrapassadas as barreiras de canal que podem atrapalhar a comunicação, nos resta sempre compreender o
contexto: sobre o quê falamos, quando falamos? Uma das funções da comunicação descritas por
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Jákobsoné a referencial, ou seja, aquela que é focada no referente. O referente é o elemento contextual,
que está fora do texto. É o assunto, o tema sobre o qual se conversa.

Voltemos ao exemplo da videoconferência: imagine que você vai participar de uma  mesa redonda sobre
um livro que você leu. Você foi convidado para dar sua opinião sobre o livro e comentar como foi estudá-
lo na escola. No começo da videoconferência, a função fática é ativada até que todos estejam devidamente
conectados e se ouvindo. Na sequência, entra em ação a função referencial: o livro vira o foco e todos os
participantes passam a discuti-lo. Nesse contexto, o livro é o elemento referente, sobre o qual os outros
farão referência ao se comunicarem.

Mesa redonda (conceito)

1. Gênero caracterizado por ser um debate entre um grupo de participantes especialistas em um


assunto em questão e que podem trocar ideias, apresentar contrapontos e discutir temas de
interesse.

É por meio da função referencial que ficamos sabendo do que acontece no mundo. Ela está presente em
diversos gêneros referenciais, exemplos de gêneros discursivos.

Os gêneros discursivos são maneiras de organizarmos aquilo que precisamos falar ou escrever a depender
da situação, e que circulam em nosso cotidiano (na vida pessoal, quando estudamos, quando trabalhamos,
quando vivemos publicamente), como notícia, verbete de dicionário, poema ou carta, que costumam
compartilhar aspectos composicionais, temáticos e relativos a sua função.

Se somos convidados para compartilhar nossa leitura apreciativa sobre um livro, a  mesa redonda é um
gênero discursivo que acomoda bem essa necessidade. Se precisamos de informações sobre uma doença e
sua prevenção, um guia de orientações é uma maneira interessante de organizar as informações.

Assim, os gêneros referenciais entram em cena quando nos propomos a tratar de ou informar sobre fatos
da "realidade referencial", ou seja, o tão famoso "mundo real". Normalmente, veículos midiáticos,
instituições ou mesmo pessoas gozam dessa credibilidade perante a sociedade porque a conquistaram,
mediante pesquisa criteriosa, análises coerentes, debate com colegas de área e assim por diante. Gêneros
como reportagem, notícia, manual de instruções, documentário e infográfico  são bons exemplos de
como a realidade referencial protagoniza gêneros informativos.

Repare na linguagem objetiva do guia, que privilegia as informações transmitidas, com foco no referente.


A função referencial é uma das funções que mais beneficiou a evolução da humanidade: nos mantendo
informados, conquistamos grandes avanços tecnológicos e de melhoria de qualidade de vida para muita
gente.

Conceito chave

As funções da linguagem foram definidas por Jákobson para descrever, no contexto da teoria da
comunicação, as intenções por trás dos diversos usos da língua na comunicação.
A função fática tem como foco o canal de comunicação e costuma ser mobilizada em gêneros orais, como
em conversas de elevador ou no início de videochamadas.
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A função referencial tem como foco o referente da comunicação e tipicamente aparece em gêneros
informativos, como notícia e reportagem.

Aula 2: Palavras que convencem: função conativa


Por meio das palavras, temos o poder de persuadir as pessoas e, com isso, buscar aquilo que queremos.
Nesta seção é explorada a função conativa ou apelativa da linguagem.

A língua que Esopo chama de melhor comida do mundo traz, a quem sabe usá-la, uma vantagem
importante: o poder do convencimento. Usando palavras muitas vezes conseguimos aquilo que queremos.
Desde um pedido doce para o adulto que cuida da gente quando somos crianças, estamos cansados e
queremos um colo, até uma argumentação complexa para discutirmos política com quem pensa diferente,
é a língua que trabalha a nosso favor no convencimento.

Embora vivamos em uma sociedade ainda extremamente violenta, é a ativação da  função conativa ou
apelativa da linguagem que provoca mudanças. Na hora de convencer alguém de alguma coisa, não
adianta partir para a violência, já que a violência não convence, ela impõe.

A função conativa é muito ativada em gêneros que têm por objetivo principal convencer o leitor a adotar
algum comportamento. É o caso dos gêneros publicitários, ou seja, os gêneros típicos da publicidade e da
propaganda. Para entender as diferenças entre ambos os termos, veja exemplos e informações no
infográfico.

Embora
tenham
naturezas
diferentes, a
publicidade
e a
propaganda
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compartilham o interesse em convencer o leitor — ou espectador — a adotar algum hábito, a mudar de
comportamento, a defender uma ideia, a comprar algum objeto ou assinar algum serviço. Em todos os
casos, estratégias de convencimento são usadas, e essa é a principal característica da função apelativa
que tem como foco justamente o receptor. Afinal, se quero convencer meu leitor, preciso conhecê-lo,
entender como ele pensa para adotar as estratégias mais adequadas para conseguir fazê-lo agir como eu
quero.

As linhas e as entrelinhas do convencimento


Algumas estratégias de convencimento são mirabolantes e, outras, mais simples. No entanto, mesmo em
estratégias mais minimalistas podemos identificar traços em comum, que correspondem à função apelativa
ou conativa em ação. De todo modo, essas estratégias envolvem conhecer o leitor, ou o consumidor, para
dialogar com suas necessidades e, assim, convencê-lo a adquirir produtos ou serviços.

Conheçamos um exemplo a partir da análise de um vídeo publicitário que faz campanha em prol do  open
banking, um conceito novo de banco.

Para apresentar um conceito novo ao público consumidor, o banco escolhe ninguém menos do que
um influencer bem famoso há pouquíssimo tempo. A campanha é de 2021, ano em que Gil do Vigor
participou do reality show Big Brother Brasil e quase ficou entre os finalistas, conquistando a simpatia do
público.

De seu lugar de influencer, Gil também é uma novidade e, por ser economista, transmite a segurança e a
simpatia que o público precisa sentir para consumir o produto inovador do banco. Essas características de
Gil estão todas nas entrelinhas do anúncio. Afinal, a parte explícita, o texto propriamente dito, foca nos
benefícios do programa do banco, sem necessariamente exaltar as conexões entre o garoto propaganda e a
mensagem.

Influencer (substantivo)

1. Termo da língua inglesa, a palavra significa "influenciador/a" e designa as pessoas que lançam ou
consolidam tendências, sobretudo no mundo digital.

Uma outra estratégia pertinente na função conativa é transmitir apenas pelas entrelinhas, em um anúncio
publicitário, a mensagem pretendida. Não se faz publicidade direta, do tipo "compre isso" ou "assine
aquilo". Na verdade, apresenta-se um estilo de vida que é vendido como ideal, dos sonhos, e é atrelado a
um produto ou serviço. Por assimilação, se o consumidor utilizar o serviço ou o produto, terá acesso
àquele estilo de vida. Assista à publicidade sobre compras de supermercado por aplicativo e procure
identificar os traços de estilo de vida vendidos no vídeo.
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O casal de atores, casados na vida real, tem interações caricatas, mas típicas do cotidiano de uma família
comum: ambos vão ao supermercado, escolhem frutas e legumes, e discutem sobre como devem fazer
essas escolhas. A solução da compra de supermercado por aplicativo resolve esse problema do casal,
fazendo as escolhas por eles. Assim, sobraria mais tempo para o casal e as discussões a esse respeito
seriam eliminadas. Nas entrelinhas, o anúncio diz: compre você também via aplicativo e resolva esse
problema na sua casa.

Convencer e argumentar
Além dos gêneros publicitários, a função conativa ou apelativa também habita os  gêneros
argumentativos.

Gênero argumentativo (conceito)

1. Texto que tem por objetivo discursivo convencer o interlocutor em relação a um ponto de vista.
São exemplos de gêneros discursivos com esse objetivo: dissertação, artigo de opinião, crônica
argumentativa, editorial, resenha crítica, carta de reclamação ou solicitação, carta do leitor.

O foco, nesses gêneros, também é no receptor, ou seja, em quem lê a mensagem, mas os gêneros
argumentativos costumam ativar concomitantemente a função referencial. Isso porque é comum fazer
menção a fatos, dados e informações do mundo real, dos referentes do mundo, para construir bons
argumentos que sejam sólidos e confiáveis.

Essa interseção nos ajuda a lembrar que as funções da linguagem não são isoladas, não funcionam como
ilhas de intenção. Na verdade, os diversos usos da língua permitem muitos cruzamentos e ativações
concomitantes entre várias dessas funções, a serviço da nossa comunicação que é complexa. Seres
humanos que somos, muitas vezes temos múltiplas intenções ao nos comunicar. Queremos, por exemplo,
convencer e agradar ao mesmo tempo, ou então queremos persuadir e confrontar. Desabafar e emocionar,
e assim por diante. Por isso, é importante um olhar integrativo para as funções, que comumente se
sobrepõem.

Um exemplo de texto que mobiliza as funções conativa e referencial ao mesmo tempo, apresentando um
argumento para o público, é o vídeo campanha da Always, marca de absorventes menstruais. Assista ao
vídeo e reflita: quais são os argumentos apresentados?

Embora esteja em um formato tipicamente publicitário, a propaganda divulga a ideia da igualdade entre os
gêneros feminino e masculino, provocando a reflexão das atrizes: por que, ao encenarem as ações "como
garotas", elas demonstram símbolos de fraqueza? O argumento da campanha se baseia no fato de que
mulheres são tão bem sucedidas quanto homens em todas as áreas e que não deveria existir um peso
pejorativo, negativo, na expressão "fazer como uma garota".

O vídeo é um exemplo dentre tantos. Os gêneros argumentativos transitam em outros campos de


experiências para além do jornalístico-midiático, como o campo da vida pública e de participação social
— gêneros como debate, discurso político, petição e abaixo-assinado entram nesse campo — e gêneros de
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divulgação científica — como vídeo de divulgação científica e artigo científico. Nesses campos, persuadir
também é importante.

Se para viver em sociedade precisamos chegar a consensos, não é possível fazer isso sem o poder do
convencimento. Essa é a importância da função apelativa ou conativa para a comunicação.

Conceito chave

A função conativa ou apelativa é focada no receptor e tem por objetivo convencer ou persuadir, a partir de
estratégias discursivas e multimodais diversas. Dentre os gêneros que tipicamente ativam essa função,
estão os publicitários e os argumentativos.

Aula 3: Comunico, logo sou: função emotiva


A língua tem o poder de externalizar aquilo que sentimos por dentro. Nesta seção, a função emotiva da
linguagem é destrinchada.

Tem dias em que parece que sentimos mais coisas. Acordamos sensíveis ou vivemos grandes emoções.
Estamos felizes ou tristes, e nosso coração comporta mil maneiras de sentir diferentes. Nesses momentos,
se desejamos expressar ao mundo como nos sentimos, não há outra forma que não seja por meio de uma
linguagem.

Desde a expressão corporal — podemos chorar, cantar, dançar e projetar nosso corpo de diferentes
maneiras, voluntárias ou não, para expressar nossos sentimentos — até diferentes linguagens artísticas —
como pintura, desenho, escultura... —, são as diversas linguagens humanas que nos permitem comunicar
ao mundo exterior como nos sentimos.

Quando fazemos isso por meio das línguas naturais, falando ou escrevendo, ativamos a função
emotiva da linguagem, que é focada no emissor, ou seja, em quem fala. Para explorar algumas
características típicas dessa função, ouça o episódio do podcast Não Inviabilize. Neste quadro, Amor nas
Redes, histórias de amor são contadas com foco nas emoções de quem as narra. As emoções das
personagens e da narradora estão em evidência durante todo o episódio.

Deia, a narradora do podcast, interrompe a história algumas vezes porque se emociona, e deixa isso claro
ao ouvinte comentando subjetivamente seu ponto de vista sobre a história que narra. A história de mãe e
filho contada por ela também é bastante subjetiva, já que foi narrada pelo filho, em correspondência com a
Deia. É pelos olhos dele que conhecemos sua jornada e de sua mãe.

Pelo fato da função emotiva trabalhar com foco no emissor da mensagem, um texto que a ativa apresenta
muitas informações sobre esse emissor. É comum conseguirmos capturar não somente suas emoções, mas
dados sobre seu contexto: quem é, onde vive, como pensa, em que período sócio-histórico está inserido e
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assim por diante. Afinal, somos seres contextualizados, sempre, e nossas narrativas em primeira pessoa
revelam essas características sobre nós que só se manifestam se nos comunicamos. "Comunico, logo sou",
diriam os filósofos sobre a importância da linguagem na identificação dos contextos de quem se
comunica.

Cara lavada e sem filtro: exposição na internet


A era digital trouxe para a vida de bilhões de pessoas ao redor do planeta experiências digitais muito
frequentes. No século XXI, ficou comum realizar tarefas diversas que antes aconteciam presencialmente
em ambientes virtuais: de videoaulas a congressos internacionais, as  práticas digitais de
linguagem ampliaram as maneiras com que nos comunicamos digitalmente.

Porém, essencialmente, as funções da linguagem continuam sendo ativadas nesses novos contextos
digitais. Um exemplo de gênero discursivo que ativa a função emotiva e que é típico da era digital é
o textão. Sim, no aumentativo mesmo. Os textões são desabafos comumente postados nas redes sociais.
Cheios de inconformismo, tristeza, revolta ou todos esses sentimentos juntos, os textões
costumam viralizar, levando a pauta de quem desabafou adiante, para debate nas redes.

Viralizar (verbo)

1. Tornar-se metaforicamente viral, ou seja, difundir-se rapidamente pelas redes sociais atingindo
muitas visualizações, compartilhamento e outras métricas de engajamento (como  likes, reposts e
assim por diante).

Conheça um exemplo de textão, publicado originalmente em inglês no Facebook, mas traduzido e


comentado pela revista Universa. Perceba como a autora do textão, emissora da mensagem, se coloca em
primeira pessoa e revela suas experiências e frustrações que, rapidamente, viralizaram e chamaram mais
pessoas ao debate.

É importante destacarmos que a função emotiva, nesse exemplo de textão, é ativada junto da referencial.
Afinal, a autora do texto discute elementos externos a si e à sua percepção enquanto relata sua rotina: fala
das obrigações enquanto mãe, esposa, mulher e profissional. Esses elementos fazem parte dos referentes,
presentes no texto. Ou seja: assim como todas as funções da linguagem, a emotiva costuma ser ativada em
conjunto com outras, de forma inter-relacionada.

Os textões de internet habitam um universo dual: por um lado, podem expor o emissor da mensagem a
milhares de leitores que certamente tirarão suas próprias conclusões e emitirão suas opiniões a respeito do
desabafo. Isso pode ser exaustivo, além de expor a vida privada em um ambiente público digital. Por
outro lado, os textões dão voz e vez a quem, em outros momentos históricos, talvez não pudesse ter um
alcance tão grande. Por conta da maneira com que as redes sociais funcionam, pessoas comuns, que não
são influenciadoras nem celebridades, têm espaço para colocar suas ideias e debatê-las com o mundo.
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Emoção que vira poesia
Outro gênero que costuma ativar a função emotiva é a poesia. Embora a função poética seja mais
predominante nesse tipo de texto, o emissor frequentemente revela seus anseios, suas percepções e leituras
de mundo pelas palavras nos diferentes tipos de poesia. Para explorar um exemplo, ouça a leitura
interpretativa de um poema de Clarice Lispector (1920-1977) na voz da atriz brasileira Fernanda
Montenegro (1929).

A riqueza de ouvir a interpretação do poema de Clarice na voz de uma atriz é justamente a ampliação
das emoções do emissor da mensagem, o eu lírico do poema, que Fernanda Montenegro interpreta.
Assim, pelos gestos, pelo olhar, pela entonação de voz e também por expressões e palavras como  me
tornei intolerável, tenho uma aparente liberdade e estou presa dentro de mim, percebemos o estado
de espírito do emissor.

Eu lírico (conceito)

1. Termo que se usa para se referir à "voz do poema", aquilo que fala na poesia. Embora não seja o
poeta em si, muitas vezes aquele que escreve também usa a voz desse eu lírico para falar de si,
manifestar seus sentimentos ou mesmo contar sua história.

Diferentemente de um textão de redes sociais, na poesia existe muito mais preocupação  estética, ou seja,
um foco muito maior em como a mensagem é transmitida, é configurada. Isso é característico da função
poética, explorada mais adiante.

Conceito chave

A função emotiva tem como foco o emissor da mensagem, e é pela sua ativação que conhecemos o estado
de espírito, as emoções e impressões de quem fala ou escreve. Em geral, ela aparece em gêneros como
relato pessoal, textão de desabafo e poemas.

Aula 4: Língua é legado: função metalinguística


A língua também serve para falar sobre a própria língua e para ensinar as próximas gerações. Conheça a
função metalinguística da linguagem.

Os seres humanos são animais bastante diferentes dos outros em um aspecto específico: nosso cérebro
funciona de maneira a nos permitir pensar sobre as coisas e nós sabemos que pensamos. Pensamos
conscientemente. Para alguns importantes filósofos, como René Descartes (1596-1650), é o fato de que
pensamos que comprova nossa existência, a única coisa inquestionável segundo o filósofo, que resumiu
parte de suas ideias publicadas na marcante obra Discurso sobre o método, publicado originalmente em
1637:

Penso, logo existo. (DESCARTES, 1637).


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Para o filósofo, que cunhou o método cartesiano, devemos sempre desconfiar da realidade. Nada pode ser
assumido à primeira vista, e é pela investigação que descobrimos as verdades objetivas. Por isso, a
presença do pensamento é, para ele, a única evidência que comprova a própria existência.

Método cartesiano (conceito)

1. Proposta investigativa do filósofo René Descartes (1596-1650) que prevê etapas organizadas para
investigação do mundo, em busca de evidências.
As etapas do método são:
a. Não tomar nada como certo até encontrar evidências suficientes;
b. Dividir problemas complexos em problemas menores para resolvê-los um a um;
c. Ordenar os problemas, organizando-os do mais simples ao mais complexo, em busca de
evidências;
d. Organizar, enumerar e ponderar sobre as conclusões tomadas.

Se podemos perceber nossos pensamentos, isso é uma evidência de que pensamos de maneira autônoma,
separada dos outros seres. Por isso, existimos em nossa individualidade. Essa conclusão bastante
complexa de Descartes pode despertar em nós a curiosidade pelo funcionamento da mente humana, que
pensa e sabe que pensa e, da mesma forma, usa a língua e sabe que a usa.

As línguas naturais nos ajudam a representar nossos pensamentos, tanto para os outros quanto para nós
mesmos. Quantas vezes você já pensou em voz alta ou precisou anotar seus pensamentos para organizá-los
melhor? Isso acontece porque a língua de fato nos ajuda a estruturar pensamentos e essa é uma grande
riqueza que nossa mente nos oferece. A língua, que é um produto biológico e social exclusivo da
humanidade, nos permite pensar melhor.

Quando usamos a língua justamente para refletir sobre a própria língua, ou seja, sobre o código que
usamos para nos comunicar, dizemos que está ativa a função metalinguística. O prefixo meta, nessa
expressão, significa justamente esse aspecto autorreflexivo: a língua que serve para falar sobre ela mesma.

Espantados com nossa própria língua


Pensar sobre a função metalinguística é um convite para uma viagem pelo funcionamento das línguas
naturais. Afinal, essa função é filosoficamente importante: a humanidade desenvolve as línguas naturais,
as transforma naturalmente, pensa sobre elas e as passa adiante. Nós produzimos e usufruímos da língua,
bem como as ensinamos para as próximas gerações, e a função metalinguística tem papel fundamental
nisso.

Esta seção de conteúdo que você lê, neste momento, mobiliza a função metalinguística. Usamos aqui a
língua portuguesa, uma das línguas naturais humanas, para comentar fenômenos da própria língua; no
caso, as diferentes funções da linguagem.

Na escola, somos expostos a muitos textos que mobilizam essa função. É assim que aprendemos
formalmente sobre nossa língua. Aprendemos a refletir sobre ela, a conhecer suas categorias, seus limites
e como podemos melhor usá-la para nos expressar artisticamente, textualmente e assim por diante. Porém,
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mesmo quem não frequenta a escola aprende as línguas naturais. Embora tenhamos muitos ganhos em
aprender a refletir sobre nossa língua nas aulas de língua portuguesa, nós já chegamos à escola sabendo
falar português. Mesmo quem não tem o privilégio do acesso à educação formal, mas vive
numa comunidade lusófona, aprende português. Como esse aprendizado funciona?

Comunidade lusófona (conceito)

1. Comunidade dos países que têm a Língua Portuguesa como língua oficial. Estados-membros:
Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe, e Timor-Leste. Em todos esses lugares falam-se outras línguas naturais, além do
português.

Na verdade, quando "aprendemos" a língua, ainda bebês e crianças, estamos vivendo um processo
chamado pelos linguistas de aquisição da linguagem. Assista a um vídeo animado que explica esse
processo. Esse vídeo é um exemplo de texto que ativa a função metalinguística. Observe suas
características, para além do conteúdo.

Linguista (substantivo)

1. Cientista da linguística, que estuda as linguagens humanas e, dentre elas, as línguas naturais;
2. Cientista que tem por objeto a língua, a fala e a linguagem.

Os linguistas que se debruçam sobre a aquisição da linguagem, durante a infância, apontam com
curiosidade para o fato de que mesmo sem instruções diretas sobre como a língua funciona, a criança
aprende. Os adultos até apresentam algumas correções — como quando ensinam às crianças os verbos
irregulares, dizendo "não é 'sabo', é 'sei" — mas, no geral, a criança aprende sozinha os detalhes da língua
por observação.

Um exemplo disso é a posição do pronome que em sentenças interrogativas. Ele pode variar bastante de
posição no português brasileiro, mas algumas posições são proibidas, são  agramaticais, o que não
significa estar "incorreto" gramaticalmente, mas sim que não fazem sentido para nenhum falante. Veja na
lista exemplos gramaticais e agramaticais de frases interrogativas com o pronome que:

1. O que você quer?
2. Você quer o quê?
3. O que que você quer?
4. O que é que você quer?

Mas nunca: O você quer quê?

Esse detalhe do posicionamento do quê na frase é um dentre milhares de conhecimentos gramaticais que
simplesmente adquirimos, sem ninguém precisar nos ensinar. Ainda assim, muito do conhecimento que
temos sobre a língua vem da nossa educação formal e do nosso contato com falantes mais proficientes,
com a leitura de livros e consumo de outras obras importantes, como filmes, peças de teatro e assim por
diante.
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Língua que ensina
Como a língua serve para ensinar, é esperado que existam vários gêneros discursivos típicos da
metalinguagem e das aulas de língua portuguesa. É o caso de capítulos de livro didático ou unidades de
conteúdo, de quizzes sobre gramática, de resumos e fichamentos sobre tópicos gramaticais, e de verbetes
em um glossário, entre outros. Leia o verbete de dicionário para o termo "leitor proficiente" e repare no
uso das palavras, que pressupõem um leitor que as compreenda, para explicar o significado da própria
expressão leitor proficiente. O uso de termos e expressões linguísticas e ligadas à educação,
como texto, saberes, situações de interação linguística e prática letrada deixam em evidência o caráter
metalinguístico do texto. Além disso, o verbete fala sobre estratégias de leitura, e o leitor precisará
justamente dominar algumas delas para conseguir compreender o texto.

No verbete, lemos a seguinte passagem, que é uma síntese poderosa da função metalinguagem em
atividade:

Leitor proficiente é aquele que não só decodifica as palavras que compõem o texto escrito, mas também
constrói sentidos de acordo com as condições de funcionamento do gênero em foco, mobilizando, para
isso, um conjunto de saberes (sobre a língua, outros textos, o gênero textual, o assunto focalizado, o autor
do texto, o suporte, os modos de leitura). No processamento do texto, portanto, são articulados os
elementos linguísticos que compõem a materialidade desse texto e o contexto de produção e de leitura.
Dito de outro modo: o leitor deve considerar: quem escreveu o texto? para quem? com que finalidade?
para circular onde? E, ao mesmo tempo, pensar: para que vou ler o texto? o que preciso saber para
entendê-lo? o que espero encontrar? (MATA, CEALE)

Esse trecho explica como um texto é processado pela mobilização dos elementos linguísticos. Inclusive
esse mesmo texto, o verbete que explica como os textos funcionam, também funciona dessa maneira.
Assim como o leitor proficiente, do qual o trecho fala, é provavelmente o próprio leitor que, de fato, lê o
verbete. A confusão em potencial de discutir metalinguagem deixaria Descartes bastante animado e certo
da própria existência, pensando muito...

Poéticas: manifestos metalinguísticos


Há espaço para a função metalinguística também na arte. Muitos são os poemas que falam sobre o fazer
poético, sobre como é, para o poeta, a arte de escrever como ofício. Esses poemas mobilizam outras
funções, como a poética e a emotiva, mas a metalinguística tem um lugar de honra guardado ali. São
poemas que discutem e enaltecem o fazer do poeta. É o caso de Poética, de Manuel Bandeira (1886-1968).

Poemas assim nos lembram que a língua é muito mais do que um fenômeno biológico. Ela é a porta de
entrada do nosso corpo para o mundo da arte, da fantasia, dos sonhos e da poesia. Na língua também
reside a poesia do mundo, que transborda de palavra em palavra.

Conceito chave

A função poética da linguagem tem como foco a mensagem, a partir de uma preocupação estética e
artística. Comumente, vemos a função poética mobilizada em poemas e em prosa poética.
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Aula 5: Vida e arte jogam mímica: função poética


A língua é fonte rica de arte, de beleza e de prazer estético. Nesta seção, conheça a função poética da
linguagem.

A mesma língua que serve para convencer, para argumentar, para discutir filosofia, e para transmitir
informações e notícias também guarda uma função artística. Afinal, é usando a língua que poetas e
escritores em todo o mundo criam obras de arte que marcam gerações. Quando o foco do uso da língua
está na mensagem e em seus aspectos estéticos, a função poética da linguagem é ativada.

Você já teve a experiência de ler um poema ou uma prosa poética e se sentir transportado para outra
realidade? A beleza das palavras na poesia costuma nos tocar profundamente e, às vezes,
provoca catarse em quem a experimenta.

Prosa poética (conceito)

1. Texto escrito ou falado em prosa, não em versos, mas com preocupação poética e estética,
observada pela presença de figuras de linguagem (de som, palavra, sintaxe ou pensamento), de
ritmo, de rimas e outros mecanismos que configuram ao texto caráter poético, apesar de estar
estruturado como texto corrido, organizado em parágrafos.

Catarse (substantivo feminino)

1. Sensação de identificação e forte emoção diante de obras de arte.


2. Sensação de limpeza, de renovação e leveza que atingimos diante da contemplação de obras de arte
de qualquer natureza.

Essa emoção forte que a arte nos provoca costuma ser fruto de muito trabalho por parte do artista. Poetas e
escritores se dedicam a seu ofício, e não simplesmente escrevem o que lhes ocorre. Assim como um
artesão, uma escultora, um tecelão, quem escreve poesia também lapida seu objeto que, nesse caso, são as
palavras. Seja em versos ou em prosa, a função poética tem a ver com esse cuidado maior com a
ordenação de palavras, com sua sonoridade, com o ritmo de leitura, com as figuras de linguagem que são
mobilizadas e, de modo geral, com a estética.

Ouça a leitura do Poeminha do Contra, de Mário Quintana (1906-1994) e perceba a escolha de palavras
do poeta, sobretudo no verso final. Enquanto ouvimos esse poema, é possível imaginar como o poeta diria
essencialmente as mesmas coisas sem o cuidado estético com seu poema.

Quando Quintana opõe passarão, o verbo passar no futuro do presente, e passarinho, o animal, o poeta


está brincando com a sonoridade próxima dessas palavras. Passarão lembra o aumentativo de passarinho.
O jogo de sons se completa quando pensamos no significado de passarinho: aquilo que, livre, voa longe.
Então, por esse jogo de palavras e sons, Quintana transmite sua mensagem de forma poética: os obstáculos
da vida mudam e deixam de atrapalhar enquanto o eu lírico permanece solto e livre.
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Poesia que extrapola a língua
A função poética pode ser ativada pela composição de diferentes elementos  multissemióticos que juntos
constroem a estética do texto.

Multissemiótico (adjetivo)

1. Característica de textos que reúnem elementos de linguagens diversas, como imagens, ícones,
desenhos, sons, texturas etc., construindo sentidos pelas conexões entre essas linguagens. Esses
sentidos são estudados pelo campo linguístico da semiótica.

Um exemplo disso é a poesia concreta, que conta com aspectos da diagramação e mancha da palavra no
papel (ou da letra no fundo, quando publicada digitalmente) para compor os sentidos poéticos do poema.
Conheça exemplos do escritor Paulo Leminski (1944-1989) disponíveis em um acervo permanente do Itaú
Cultural.

O poeta se preocupa com a escolha das palavras, jogando com seus sons, como fica claro no uso
de parecer, em Pareça e desapareça, com seus diferentes sentidos, e na proximidade sonora e visual entre
as palavras alguma, lua, água, no primeiro poema concreto. Nesse caso, a disposição das palavras na
página também interfere no sentido do poema, bem como os outros elementos visuais que aparecem nessa
poesia. Na mesma página, é possível aproveitar outros poemas de Leminski, poeta que ficou conhecido
por jogos de sons e palavras, e por abusar da função poética em suas composições.

A poesia e o sertão estão em tudo


João Guimarães Rosa (1908-1967) foi um dos mais renomados escritores em Língua Portuguesa do Brasil.
Figurando entre os escritores do modernismo brasileiro, ele se consagrou
publicando contos e romances que logo passaram a habitar a lista de clássicos.

Modernismo (substantivo)

1. Movimento artístico e cultural da primeira metade do século XX, inaugurado pelo evento
conhecido como a "Semana de Arte Moderna", em 1922. O modernismo propunha novas ideias e
modelos para a arte brasileira, defendendo nossa cultura e nossa língua.

Clássico (adjetivo ou substantivo)

1. Produto cultural (livro ou filme, por exemplo) eleito pela elite cultural e intelectual de uma
sociedade como sendo uma grande referência artística, que marca época.
2. Uma obra de arte que tem traços atemporais, ou seja, pode ser lida em qualquer época e continua
produzindo sentidos e tendo relevância (Calvino, 1991).
3. Relativo ao que segue a tradição da chamada antiguidade clássica, ou seja, às culturas gregas e
latinas da antiguidade.

Guimarães Rosa ficou muito famoso por ativar a função poética mesmo em seus textos em prosa. Ele
usava muito o recurso dos neologismos, ou seja, de palavras novas, criadas por ele, às quais ele atribuía
novos significados brincando com os sons e o formato das letras. Por sua preocupação grande com a
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estética de seus escritos, trechos da obra de Guimarães Rosa são ótimos exemplares de prosa poética, em
que podemos ver a função poética da língua ativa. Leia um pequeno excerto de  Grande Sertão: Veredas,
romance considerado sua obra-prima e publicado, originalmente, em 1956.

Diadorim e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se diferenciava dos outros — porque
jagunço não é muito de conversa continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e
desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si. De nós dois juntos, ninguém nada não falava.
Tinham a boa prudência. Dissesse um, caçoasse, digo — podia morrer. Se acostumavam de ver a gente
parmente. Que nem mais maldavam. E estávamos conversando, perto do rego — bicame de velha fazenda,
onde o agrião dá flor. Desse lusfús, ia escurecendo. Diadorim acendeu um foguinho, eu fui buscar
sabugos. Mariposas passavam muitas, por entre as nossas caras, e besouros graúdos esbarravam. Puxava
uma brisbisa. O ianso do vento revinha com o cheiro de alguma chuva perto. E o chiim dos grilos
ajuntava o campo, aos quadrados. Por mim, só, de tantas minúcias, não era o capaz de me alembrar, não
sou de à parada pouca coisa; mas a saudade me alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o rastro
dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza. Sei como sei. Som como os sapos sorumbavam.
Diadorim, duro sério, tão bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria boca; mas era um
delém que me tirava para ele — o irremediável extenso da vida. Por mim, não sei que tontura de vexame,
com ele calado eu a ele estava obedecendo quieto (ROSA, 2001, p. 45).

A inventividade de Rosa com as palavras deu origem a pérolas como desmisturam, lusfús, brisbisa, ianso,
chiim e assim por diante. Rosa compunha seus textos com esses neologismos e palavras já conhecidas,
dando ritmo e peso às passagens e comunicando que ele acreditava que no sertão, tema recorrente em sua
obra, cabia o mundo inteiro.

Se Rosa tivesse optado por manter seu romance meramente descritivo ou narrativo, sem apelar para as
construções poéticas que marcam sua obra, será que seus livros teriam sido tão consagrados?
Provavelmente, a recepção da obra seria outra. O romance Grande Sertão: Veredas é um exemplo disso:
os leitores apaixonados pelo livro não o leem só pelo enredo, só para saber o que acontece depois. Sua
leitura é prazerosa em si só porque nos transporta para uma vida ao mesmo tempo imaginada por Rosa e
tão real que nos toca profundamente o peito.

Dizem que a arte imita a vida e que a vida imita a arte. Realmente, muitas são as obras de arte que
dialogam diretamente com nossas emoções e sensações — e que mobilizam a função emotiva também —
ou que dialogam com referentes contextuais, elementos da própria realidade, flertando com a função
referencial. Porém, há aquelas obras que vão além das experiências da vida. Elas  transcendem. E quando
isso acontece, a grandeza e a riqueza de nossa língua, como uma fonte inesgotável de emoção, se
sobrepõem a suas funções menos catárticas que a poética.

Conceito chave

A função poética da linguagem tem como foco a mensagem e sua configuração estética. Essa função é
ativada em poemas e em prosa poética, dentre outros gêneros, e é marcada pelo cuidado com ritmo, rima,
sonoridade e elementos multissemióticos que compõem os sentidos.
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Aula 6: Uma língua cheia de funções


A língua tem muitas funções imprescindíveis para a vida em sociedade. Retome as seis funções da
linguagem passeando pelos gêneros que tipicamente as acompanham.

Na tradicional fábula de Esopo, uma metáfora é proposta para entendermos a complexidade e a riqueza
das línguas naturais humanas: o próprio órgão, a língua, é proposto como sendo a melhor comida do
mundo e a pior comida do mundo. A partir dessa metáfora, é possível refletir sobre todos os usos que as
línguas naturais, como a língua portuguesa, têm em nossa vida.

Pensando sobre a riqueza de usos da língua e de outras linguagens, Jákobson propôs seis funções da
linguagem que dão conta das principais necessidades humanas. No mapa mental interativo, explore as
características de cada uma e os gêneros que costumam mobilizá-las.

Conexões e interdependências
Embora as funções da linguagem sejam bem delimitadas dentro da abordagem de Jákobson, elas não são
fixas, ou seja, elas são fluidas, se sobrepõem e se interconectam. Comumente, mais de uma função é
mobilizada ao mesmo tempo.

Em um poema, é possível vermos ativadas a função poética e a emotiva. Em um anúncio publicitário,


podemos aferir a função conativa e a poética, e assim por diante. Afinal, os usos da língua serão tão
variados quantas forem as situações comunicativas, ou seja, os momentos em que necessitamos da
linguagem.

Diante desses múltiplos usos, percebemos que precisamos nos comunicar para viver em sociedade. Sem as
funções da linguagem, não seria possível estabelecer diálogos produtivos e construir, colaborativamente,
uma sociedade. Além disso, as funções nos empoderam para que usemos a língua ao nosso modo.
Conforme damos nosso tom à maneira de usar a língua, revelamos quem somos por meio daquilo que
comunicamos. E ainda, é pelo uso da língua que somos capazes de resguardar, para as próximas gerações,
o legado do nosso conhecimento.

Conheça mais detalhes a respeito de gêneros digitais como meme e textão, e reflita sobre as funções de
linguagem que se mobilizam nos diferentes exemplares dos gêneros.

Assista ao filme O enigma de KasparHauser, a respeito de uma criança que cresceu sem linguagem e
reflita: quais as potenciais consequências de viver de forma isolada das outras pessoas, por ausência de
linguagem? Para se inspirar, navegue por uma resenha a respeito do filme.
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Para se comunicar de forma mais clara, assertiva e pacífica, conheça a Comunicação Não Violenta, ou
CNV, uma abordagem comunicativa que pretende conectar as pessoas por seus sentimentos e necessidades
compartilhadas em prol de uma comunicação efetiva e pacífica. Pensando na importância da
intencionalidade em toda situação de comunicação, a CNV pode ser uma ferramenta interessante para o
melhor uso da língua.

Expedição 19 - A língua está viva entre normas e variações

Aula 1: Língua, normas e gramáticas


Língua, código, gramática, norma... no dia a dia, esses conceitos se misturam, mas cada um deles tem
seu próprio significado e lugar na linguística!

Linguística (substantivo feminino)

1. Ciência que estuda a linguagem humana como um complexo sistema que engloba aspectos sonoros
(os sons das línguas), gráficos (as escritas) e de sentido (como damos sentido aos sons e às
escritas).
2. A língua analisada como estrutura.

A língua é mais do que código


A língua é objeto de estudo de diversas áreas do conhecimento; hoje em dia, boa parte delas está
subordinada à linguística. Mas o que é a língua em si? Desde a fundação da linguística, na primeira
metade do século XX, compreende-se a língua como um complexo sistema: é heterogênea, mas
organizada por convenções sociais; apresenta certa unidade, mas é repleta de variações.

Já um código pode ser mais simples, ordenado, constante e, talvez, mais planejado. Por exemplo, o código
Morse e a brincadeira “Língua do P” são formas de codificar as modalidades oral e escrita de línguas já
existentes. O código Morse transforma letras, algarismos e sinais de pontuação em trios de traços e
pontos; a “Língua do P”, por outro lado, decompõe as palavras em sílabas sonoras, acrescentando um “pê”
ao pronunciá-las.

Durante muito tempo, considerou-se que para aprender a ler e escrever bastava conhecer um código que
representava a fala. Conhecia-se, então, as letras, as sílabas e logo seria possível ler e escrever. Mas essa
forma de entender a modalidade escrita (e a leitura) pode ser muito simplista.
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A língua é mais que gramática
A gramática é uma das áreas que compõem o todo da língua, é responsável por estruturar e ordenar
pequenas partes, como sons falados ou letras da escrita, mas também as diferentes classes de palavras em
frases, orações, períodos e textos.

No interior da língua, a gramática está ao lado do léxico, o conjunto de palavras, a totalidade do


vocabulário da língua e a semântica, que é, em síntese, como (e porque) se estabelecem os significados e
sentidos de palavras e textos variados de uma língua.

No interior de uma mesma língua, é possível que existam uma infinidade de gramáticas, porque as pessoas
(grupos e comunidades) não ordenam e estruturam a língua de uma mesma maneira.

É possível perceber isso quando falamos de variedades regionais da língua portuguesa. Por exemplo, em
algumas regiões do país, o pronome tu é usado com frequência para indicar a segunda pessoa singular do
discurso, mas mesmo entre aqueles que usam tu há aqueles que conjugam os verbos ou usam pronomes
possessivos relacionados à terceira pessoa do singular para indicar essa pessoa do discurso. Dessa forma, é
possível perceber as duas construções:

I. Tu queres que eu veja teu carro.


II. Tu quer que eu veja seu carro.

O que se percebe, no entanto, é que dentro de um mesmo grupo regional haverá a escolha de uma ou outra
forma, nunca das duas, pois se estabeleceu uma organização gramatical própria, que prefere uma das
formas à outra. Assim, no entorno da grande Porto Alegre, por exemplo, será mais comum ouvir a
primeira variação (I), enquanto no entorno do grande Rio de Janeiro, a segunda (II). Ou seja, não há
modelo certo ou errado, mas aquele mais convencional.

Tipos de gramática e seus estudos


No Brasil, em 1959, foi instituída por uma portaria do Governo Federal uma Nomenclatura Gramatical
Brasileira (NGB), que distinguia (e planificava) os principais tópicos (e seus devidos nomes) para os
estudos da gramática, que se confundia com o estudo da língua nas universidades, nas escolas e, também,
nas publicações didáticas. Essa Nomenclatura foi um importante passo para tornar a gramática do
português mais próxima do que se observava no Brasil. A partir dela, depois de anos, surgiram muitas
gramáticas que podem ser divididas em dois grandes grupos:

Conceito chave

Gramática prescritiva é aquela que registra uma intersecção da norma-padrão e da norma culta em livros
e serve de referência para publicações e para o ensino da língua.

Gramática reflexiva geralmente parte dos usos da língua, como leitura de gêneros textuais variados (em
geral, escritos) para a análise de elementos gramaticais. É possível que a finalidade das gramáticas
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reflexivas seja a afirmação da norma-padrão ou norma culta, mas também há aquelas que investigam as
diversas possibilidades das variantes da língua.

A língua é mais do que norma


Segundo o linguista Marcos Bagno, a ideia de norma se relaciona com dois conceitos: o de normal e o de
normatividade. O conceito de normal diz respeito àquilo que é banal, comum e, em alguns contextos,
àquilo que é de uso cotidiano. O conceito de normatividade, por outro lado, parece ir no sentido de uma
regra, aquilo que deve ser estabelecido como uma régua, que delimita (e marca) o que está “dentro” e
“fora”, “válido” e “inválido”, “certo” e “errado”.

A ideia é que a norma está para a língua assim como a regra está para um jogo. Com isso, do mesmo modo
que sem regras não é possível jogar, sem a norma não é possível, por exemplo, articular pensamento e
sentimentos, construir projetos ou fazer arte.

Para o linguista Ataliba Teixeira de Castilho, a ideia de norma, enquanto normatividade, está mais
associada a uma “língua culta”, porque, historicamente, essa variedade tem mais influência sobre os
mecanismos de manutenção e difusão do ensino da língua (como as escolas, as universidades, as
publicações etc.). As outras variedades da língua também têm suas normas, mas no sentido do que é usado
normalmente ou cotidianamente. Acesse o site a seguir para ouvir as diferentes vozes do português
brasileiro. Além das formas diferentes de entonar a língua, há também construções únicas de cada região:

Norma-padrão, norma culta e norma gramatical


Existe, então, apenas uma norma? Nos estudos da língua, é comum ouvir os termos "norma-padrão",
"norma culta" e "norma gramatical". Esses termos, no entanto, não se referem às mesmas coisas, ou seja,
não são sinônimos. Cada uma dessas normas tem uma história e, de certa forma, uma finalidade, que está
ligada a um contexto e aos interesses de uma classe social dominante economicamente.

Norma culta é sinônimo de cultura letrada, ou seja, dá preferência à modalidade escrita e a registros
formais (a escrita tem registros informais, mas eles não são considerados aqui). Por essa razão, a norma
culta é aquela que, ainda hoje, é usada em diversos setores da sociedade, além da escola e das
universidades, no direito, em parte da cultura (sobretudo aquela chamada de erudita), na política, nas
publicações, na televisão e em outros espaços de exercício da cidadania. Por isso ela também se confunde
com uma norma de prestígio (de privilégio). Nesse contexto, o inculto, o iletrado, é desconsiderado.

Por sua vez, a norma gramatical, como afirma o professor Ataliba Teixeira de Castilho, sempre vem em
um segundo momento, como registro que intersecciona elementos de uma norma padronizadora e de uma
norma de prestígio. Seu intuito é ser tanto referência como conservadora das tradicionais escolhas
linguísticas das elites, por isso essa norma também é chamada de “gramática tradicional”.

O que são erro, desvio e inadequação?


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Quando a língua é compreendida pelo viés da normatividade, então tudo aquilo que foge a ela é julgado
como um erro. A norma estabelece as formas que são compreendidas como válidas e corretas, e o que foge
disso são exceções. Mas se as exceções não são também abrangidas no corpo da norma, costuma-se
classificá-las como erros, desvios ou inadequações.
Podemos classificar, para facilitar o entendimento, o que diferencia erro, desvio e inadequações,
considerando a história do estudo da língua:

• O conceito de inadequação diz respeito a um juízo de valor associado à norma culta. Se o falante (ou
quem escreve) não realiza as formas consagradas e prestigiadas da língua, ele não está adequado. Essa é
uma forma de incluir ou excluir os falantes da língua de um grupo consagrado de prestígio social.
• A ideia de desvio está mais associada à norma-padrão; como essa norma se estabelece como referência
para o estudo das variações da língua, tudo o que não está dentro desse padrão é considerado um desvio.
• O erro parece estar mais ligado à norma gramatical, que foi (e ainda é) usada nas escolas, nas provas de
acesso ao Ensino Superior e nos concursos como maneira de classificar os falantes da língua. Dessa
forma, quem “acerta” as classificações, as estruturações e as organizações dessa norma gramatical está
certo, quem difere delas está errado.

Lembrando que essa classificação foi feita apenas para facilitar o entendimento, porque, na prática — e
nas situações sociais em que as variações da língua entram em conflito com as normas, ou com as regras
—, erro, desvio e inadequações são usados como sinônimos para desqualificar os usuários da língua que
os realizam.

Aula 2: Português brasileiro e português europeu


A língua portuguesa é falada oficialmente por 280 milhões de pessoas, em 9 países e 4 continentes:
Europa, África, América e Ásia. A maioria dos falantes é brasileira.

O mito do português europeu "único"


O português nasceu de uma variação do galego, língua falada em uma pequena, mas persistente
comunidade ao norte da Espanha. O galego foi apropriado principalmente como língua do dia a dia das
pessoas que cruzavam a região Norte de Portugal, depois chegou ao porto de Lisboa e depois ao mundo.
Esse percurso e o contato com as línguas do sul (algumas sob influenciada do árabe), fixadas por mais de
mil anos na península Ibérica, mudaram completamente o galego. Por volta do século XIV, o português já
era uma língua bastante autônoma em relação ao idioma falado ao norte.

Assim, vemos que a língua está sempre em movimento de mudança; não fosse isso, não haveria o
português, e Portugal não seria o mesmo. Mesmo hoje, há variações regionais em Portugal: o português do
norte, o português lisboeta e o português do sul, os quais se distinguem por diferentes sotaques e formas
de apresentação.
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No vídeo, perceberemos as variações das palavras do português em Portugal e no Brasil, as quais são
essenciais para os estudos da língua. Afinal, quem fala melhor o português? Geralmente o senso comum
aponta que os portugueses falam melhor o português, porque originalmente essa língua é deles! Mas seria
o português de Lisboa, o do norte ou o do sul?

A gramática do português: Portugal e Brasil


O Brasil, desde a década de 1960, dispõe de uma Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), um
documento sobre como devemos organizar e chamar os elementos que compõem os estudos da gramática.
Em Portugal, a normativa gramatical é quase 10 anos mais nova (1967) e varia em relação à NGB.

Por exemplo, a norma brasileira considera o futuro do pretérito um tempo verbal, enquanto a portuguesa o
classifica como modo condicional. Na prática, o que muda é a perspectiva, não o objeto: como tempo, o
futuro do pretérito subordina-se ao modo indicativo; como modo, não se subordina a outro modo.

As gramáticas do português editadas em Portugal têm abordado a classificação brasileira e, com isso,
incomodado muitos estudiosos portugueses. Veja uma questão sobre futuro do pretérito/modo condicional
em um fórum de dúvidas de língua portuguesa de um site universitário de Lisboa:

Segundo a Nomenclatura Gramatical Brasileira, é um tempo.


Segundo a Nomenclatura Gramatical Portuguesa, de 1967, editada pelo Ministério da Educação
Nacional, é um modo.
Pergunto: que autoridade têm os gramáticos portugueses para irem contra o que está aprovado
oficialmente?
Para nós, portugueses, o condicional é um modo. (CIBERDÚVIDAS DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1998)

As diferenças de classificação gramatical representam também a tradição linguística (ou dos estudos da
língua) de cada país e não correspondem necessariamente à experiência dos usuários da língua. Com isso,
pode-se afirmar que há de fato uma única língua portuguesa, porque se observa apenas a norma-padrão,
construída para representar uma única maneira de compreender e realizar a língua, não correspondendo a
uma variante em uso.

Variações sonoras do português brasileiro


O português brasileiro tem algumas particularidades de pronúncia, entonação e prosódia. E esses
elementos não são únicos em todo o país. Em geral, o português brasileiro prefere  sílabas vocálicas,
portanto, fala-se com clareza as vogais e, em alguns casos, acrescenta-se vogal em sílabas mudas,
sobretudo no interior da palavra. Já em Portugal, certas vogais desaparecem na fala: "menino", perde a
vogal e na oralidade, e "advogado" ganha a vogal e depois do d “mudo”.

Em Portugal, esse fenômeno, chamado de paragoge, também acontece em algumas sílabas terminadas
em r; os verbos, por exemplo, podem ganhar uma vogal extra: "morrer" e "por favor" podem ser lidos
respectivamente como “morrere” e "por favore". Seja no Brasil ou em Portugal, esses fenômenos não
ocorrem em todos os casos.
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No Brasil, algumas sílabas tônicas são lidas de forma aberta, e em Portugal, de forma fechada. Por
exemplo, a palavra "caráter" é a mesma para ambos os países, mas ouvidos atentos notam que ela pode ser
pronunciada de maneiras diferentes.
Segundo especialistas, a grande diferença entre o português sul-americano e o europeu é a construção das
vogais nasais. A nasalização do português brasileiro ainda é objeto de estudo, percebe-se que apesar das
variedades regionais, sociais etc. elas são constantes. Especula-se que parte dessa construção tem origem
nas línguas indígenas que, por sua vez, concretizavam-se na Língua Geral a expressão de palavras em
português cuja nasalidade era mais marcante.

A pronúncia brasileira das palavras "cama", "Coimbra" e "muito" mostra que as sílabas  ca-, co-, mu- são
nasalizadas (isto é, o aparelho nasal é acionado durante a realização). Isso, porém, não ocorre no
português europeu nem no português africano. Temos, assim, nesses países, as mesmas sílabas, porém
com distinções sonoras.
Veja um pouco mais sobre isso no vídeo a seguir.

As Grandes Navegações e a ocupação colonizadora dos territórios dominados por Portugal contribuíram
de forma significativa para a disseminação do português. Hoje, a língua portuguesa é oficial em 9 países:
Brasil, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, Timor Leste e
Portugal (e várias ilhas pelo caminho). Essa distribuição não foi homogênea, nem mesmo sincrônica,
acontecendo de formas diferentes em cada lugar. Para saber mais, veja o vídeo a seguir.

Ritmos e sotaques: sociedade e história


Em face de acontecimentos sociais, históricos, culturais, políticos e econômicos, o português brasileiro
teve diferentes momentos de fixação, como a tomada da costa pelos portugueses, ainda no século XVI,
especialmente no Nordeste e no Sudeste. As primeiras vilas estavam tanto na Bahia e em São Paulo como
em Pernambuco e no Espírito Santo. Mas foi no Sudeste que se iniciou as entradas e bandeiras,
empreendimento realizado pelos Bandeirantes com intuito de avançar pelo interior em busca de pedras
preciosas, ouro e pau-brasil. Com isso, o português popular do século XVI se estabeleceu no país,
contando inclusive com a ajuda dos padres jesuítas, fundadores das vilas que mais tarde tornaram-se
cidades e centros de catequese.

Nesse contexto, surge a variante caipira, que está distribuída desde o norte paranaense, pelo interior
paulista até Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. Esse sotaque, embora estigmatizado socialmente, é
um achado arqueológico, pois expressa o português que havia se formado no final da Idade Média e
chegado ao continente americano nas caravelas. O caipira interagiu muito com as vozes indígenas e com o
castelhano. Hoje, reconhece-se a distinção entre o caipira (Sudeste) e o sertanejo (Centro-Oeste, com
exceção de Brasília).

Considerando os ciclos econômicos e imigratórios para o Brasil, percebemos a relação do caipira com
outras vozes: no século XVI, o grande foco foi a cana-de-açúcar no interior do Nordeste, a qual coexistia
com a permanente ocupação da costa; assim, temos duas ou três variantes bem distintas nessa região: costa
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norte, nordestino, além do recifense e do baiano (na Bahia, reconhece-se uma variedade entre os sotaques
de Salvador, Ilhéus e Porto Seguro e o do interior desse estado).

No século XVIII, o interior de Minas Gerais (e a costa fluminense) teve uma explosão demográfica, o que
atraiu muitos europeus; era o Ciclo do Ouro. Esse período de aproximadamente 100 anos moldou a forma
de falar o português nessas regiões. No interior de Minas, o mineiro teve amplo contato com o caipira,
com o sertanejo e com as vozes do sul do país. E na costa, o falar se aproximou mais do baiano e das
vozes da costa, formando o fluminense.

Pela proximidade maior com os espanhóis e, depois, com os imigrantes italianos, alemães e poloneses, o
Sul (exceto o interior paranaense) teve uma condição insular, em que o português pouco remete ao caipira
ou ao modelo da costa.

Nesse contexto, os sotaques baiano e nordestino influenciaram de modo decisivo as variantes faladas hoje
no Norte e no Distrito Federal. Foram dessas regiões que saiu a maioria da população que ocupa esses
espaços. No Norte, as tradições linguísticas indígenas são presença fundamental; em Brasília, nota-se a
permanência do fluminense e do carioca. Saiba mais sobre a difusão da língua portuguesa no vídeo a
seguir.

Aula 3: Variedades da língua: estigma e prestígio


As variedades do português brasileiro têm história e relação com as comunidades, suas identidades e
culturas. Mas porque elas são estigmatizadas?

As variações linguísticas como representação de segmentos da


sociedade
No português brasileiro, “advogado” ou “adevogado” são formas variantes de se falar uma mesma palavra,
assim como no português europeu é aceitável dizer “vivere” ou “viver”. Do mesmo modo, é possível que
em alguma região se fale "bergamota" e em outra "mexerica" ou, ainda, "tangerina". É também possível
realizar construções complexas como “Tu sabes que eu adoro esse assunto”, “Tu sabe que eu adoro esse
assunto” ou “Você sabe que eu adoro esse assunto”. Todas elas têm a mesma intenção e efetividade de
comunicação, pois ambas as normas, culta e popular, são igualmente variações.

Há quem diga que “Tu sabe...”, “adevogado” e “mim ajuda" não existem. É importante considerar, no
entanto, que essas estruturas não representam uma variedade culta da língua nem estão de acordo com a
norma-padrão. E, sobretudo, não são adotadas pela variedade de prestígio e sua norma-culta. Na nossa
sociedade, apenas a variedade culta é considerada mais adequada, correta ou sem desvio. Isso se dá porque
a variedade dita culta é aquela efetivamente utilizada nas atividades consideradas mais privilegiadas:
como na educação, nas publicações, mas também no direito e na medicina.
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A partir dessa perspectiva, nota-se que a relevância social pertence apenas àqueles que dominam uma
variedade de prestígio, que está entrelaçada com os interesses econômicos e sociais sobretudo de quem
vive nos grandes centros urbanos.
Isso evidencia que até mesmo o título de “variedade culta” ou “norma culta” está carregado de estereótipo:
culto é quem tem acesso ao livro, à educação formal, à universidade, à cultura letrada (e erudita) em geral.
Porém, durante séculos, apenas uma pequena parcela da sociedade teve acesso a esses espaços e, portanto,
houve pouquíssimo acesso às variantes cultas da língua no dia a dia.

Assim, surge um estigma, um estereótipo, de que quem usa variedades populares da língua é inculto,
pouco inteligente e ignorante, e não se trata apenas de ter ou não ter uma educação formal, mas de não ter
educação. Será que não existe uma cultura popular, arte, literatura, saberes e conhecimentos que não são
aqueles oriundos de uma cultura letrada? Para refletir a respeito dessas questões, leia a entrevista do
professor Marcos Bagno, “A língua como instrumento de poder”:

Norma-padrão: entre a convenção, a política e o cânone


A língua representa e carrega em si nossas comunidades, quem somos e o que somos; por isso, é possível
perceber em seu interior uma série de conflitos.

A norma-padrão não é uma variedade da língua, uma vez que não é estabelecida na vivência da língua. Ela
surge, em geral, de convenções da modalidade escrita, que se estabelece como patamar ou referência para
os usos oficiais da língua (incluindo a educação e as publicações).

Qual é a função social da norma-padrão? A normatização da língua (ou seja, o processo de regular a
língua) não é uma ideia contemporânea. Desde o final da Idade Média, com a formação dos chamados
Estados modernos, surgiu a necessidade de padronizar a língua. Isso deu impulso para a criação de uma
norma-padrão da língua.

Na Europa, isso aconteceu porque era uma forma de suprimir (ou mesmo excluir) variedades populares (e
regionais) da língua, na tentativa de fortalecer poderes centralizados ou garantir uma maior dependência
das comunidades a uma única capital. Isso ganhou muito impulso depois do Iluminismo, nos séculos XVII
e XVIII.

Em que contexto surge o conceito de norma-padrão no Brasil? Desde o século XVI, a língua mais
difundida era a Língua Geral, uma mescla popular das línguas indígenas tupis-guaranis. Na escrita, a
Língua Geral adotava o alfabeto do português; com ela era realizada a catequese dos povos indígenas
pelos jesuítas, mas também o comércio, a organização do cotidiano. No século XVIII, para afirmar o
poder da Coroa (inclusive sobre os jesuítas), a Língua Geral foi banida. Com isso, passou-se a usar
formalmente e oficialmente o português. Já no século XIX, outra preocupação surgiu: a de garantir a
perpetuação de uma língua que atendesse aos interesses de manutenção de uma elite intelectual emergente
no Brasil após a Independência.
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Especialistas, contudo, não acreditam que isso tenha a ver diretamente com um projeto de identidade
nacional, nem mesmo de um afastamento de Portugal, uma vez que o modelo usado para essa
normatização foram os materiais escritos portugueses da época, sobretudo de autores literários, da estética
romântica. Com isso, a norma culta era aquela que, ao mesmo tempo, suprimia os avanços linguísticos
nacionais (que paradoxalmente vinha da própria intelectualidade da época) como também os avanços da
linguagem oral da população brasileira (em geral, iletrada).

A norma-padrão também é um privilégio? De certa forma, porque está mais próxima de uma cultura
letrada, que no Brasil, era para poucos. Essa ideia de aproximação de uma norma-padrão e privilégios
econômicos (que incluíam a educação e as publicações) deu origem ao mito de que norma culta é
sinônimo norma-padrão, mas não é.

A grande parte da população, que não tinha condições econômicas para acessar a educação básica (o
direito ao ensino gratuito é bastante recente, ainda da segunda metade do século XX), passou a viver sob o
estigma do preconceito linguístico. O maior deles é acreditar que quem não conhece a norma-padrão é
inculto, ou seja, não tem conhecimentos, saberes ou inteligência. As infinitas variantes chamadas
populares são, ao contrário disso, carregadas de saberes, arte, musicalidade, potência argumentativa e,
como explorou-se aqui, história. Assista ao vídeo para entender um pouco mais sobre as comunidades que
valorizam suas identidades linguísticas justamente para preservação de suas histórias e culturas.

Aula 4: As palavras do português brasileiro


A língua portuguesa utilizada no Brasil tem um conjunto próprio de palavras que também variam
socialmente no tempo, no espaço e nas situações.

O léxico do português brasileiro e do português europeu


O léxico é um conjunto imaginário de palavras. Ele pode ser muito geral, como o léxico do português
brasileiro, ou muito específico, como o léxico da medicina cirúrgica cardíaca. No primeiro caso, temos um
conjunto imaginário de todas as palavras possíveis da língua portuguesa no Brasil e, no segundo caso,
temos apenas as palavras que remetem à disciplina de cirurgia cardíaca.

Ao assistir ao vídeo, você conheceu melhor algumas palavras do léxico, conhecido popularmente como
vocabulário. Mas o interessante do conceito de léxico é que ele não se prende apenas às palavras oficiais,
aceitas por um “vocabulário oficial” ou dicionário. O léxico se aplica tanto àquelas palavras novas
inventadas no dia a dia por razão de necessidade, de mudanças sociais ou, até mesmo, por conta da
tecnologia, como também se aplica às palavras que são rechaçadas ou evitadas por serem utilizadas por
grupos específicos da sociedade, em situações consideradas não convencionais ou, até mesmo, por serem
associadas a variantes que não tem o mesmo prestígio da “língua culta”.

A história das palavras no português brasileiro


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A língua muda. Ela é dinâmica e heterogênea. Isso implica que o léxico também mude e mude
completamente de um momento para outro. Algumas palavras, porém, são verdadeiras peças da
antiguidade da língua.

Nas regiões em que se falam os dialetos caipira e sertanejo, é comum ouvir palavras como "morgando",
"estrebuchar" e "lenga-lenga". Elas representam palavras muito antigas da própria língua portuguesa e dos
primeiros contatos com as diversas línguas indígenas dos povos que vivem no Brasil.

É comum, por exemplo, que locais (ruas, cidades, lagos, parques etc.) recebam nomes indígenas como
Ibirapuera, Goiás ou Inhotim. Eles são marcas da permanência da língua indígena no vocabulário do
português brasileiro.

Veja um caso curioso. A palavra "jaqueta" tem origem na palavra inglesa  jacket e é o nome dado à peça de
vestuário. Até algum tempo, essa mesma peça era chamada de "japona", "casaco" ou "blazer" (que
também é de origem estrangeira). É provável que usar uma dessas palavras denuncie o contexto de quem
fala ou até mesmo cause estranhamento. Quem seria capaz de identificar o que é uma japona?

O uso de algumas palavras também desaparecem devido às mudanças tecnológicas. O cocheiro e o coche
deram lugar ao taxista e ao táxi; hoje temos também os motoristas de aplicativo (eles não dirigem
aplicativo, mas é por meio deles que os encontramos!). Mouse, DVD, widescreen, drive e app são palavras
que foram agregadas muito recentemente ao português, mas não constituem necessariamente uma variação
temporal da língua. Um dos exemplos mais vistos é o da palavra "você". Ela era um pronome de
tratamento bastante cotidiano, "vossa mercê", que gradualmente foi sendo modificado — tanto na
oralidade quanto na escrita: vossa mercê; vossuncê; vosmecê; você; vc (na escrita, geralmente em
ambiente virtual); cê (na oralidade). Mesmo a troca de tu por você pode ser uma variação histórica
bastante significativa no português brasileiro.

Os espaços das palavras do português brasileiro


O léxico brasileiro também é bastante variável de lugar para lugar do país. Há muita brincadeira quanto a
isso nas redes sociais: para uns é biscoito, para outros bolacha; seria mandioca, maniva, macaxeira ou
aipim? Pão francês, pão de sal ou cacetinho?
É importante, contudo, que os vocábulos regionalizados não sejam usados para estereotipar as pessoas ou
dar a elas uma qualidade pré-determinada que elas, de fato, não têm: será que todo gaúcho fala “guri”,
“bá” (contração de barbaridade) ou “tchê”? Da mesma maneira, não é todo baiano que fala “oxente”,
“mainha” etc. Quando relacionamos a um usuário determinado perfil linguístico por conta de sua origem
(geográfica ou social), podemos entrar no campo do preconceito linguístico.

É bastante difícil, em alguns casos, definir o que é uma variação histórica ou regional. Por exemplo, em
algumas regiões, termos das várias línguas indígenas e africanas permanecem em uso desde a época da
colonização, porém, em outros casos, esses termos foram substituídos por outros.
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E, na sua região, quais são as palavras que caracterizam o modo de falar local? Que palavras desse falar
têm origem estrangeira, africana ou indígena?

Os jargões, por sua vez, estão intimamente ligados às áreas profissionais, aos chamados nichos técnicos,
como os termos médicos citados anteriormente. A tecnologia impôs uma série desses termos ao português
corrente, mas nem todos eles são jargões propriamente ditos, porque já são adotados por uma grande
camada da população; outros, porém, podem ser completamente desconhecidos para a maioria das
pessoas.

Aula 5: Um pouco de ortografia


A ortografia do português brasileiro já variou historicamente — e por conta de acordos ortográficos —, e
ela também carrega em si as marcas da dinâmica da língua.

Escrevendo no português brasileiro

IKIMEDIA COMMONS (PUBLIC DOMAIN)

Você viu uma reprodução de um jornal no final do século XIX. Das mais significativas mudanças entre a
forma como usamos hoje a ortografia e a forma como aparece nesse jornal temos o uso do h antes í, que
distinguia a sílaba tônica. Também temos os n dobrados, talvez uma herança do latim, e o uso do
apóstrofo entre a preposição de e o pronome este para marcar a contração dessas duas palavras. Nenhuma
dessas regras se aplica hoje em dia, são peças de museu. Mas é possível perceber, com isso, que mesmo a
mudança ortográfica tão radical não impede o leitor de reconhecer as palavras (o léxico está intacto), de
modo que podemos compreender facilmente a mensagem.
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Brasil, Portugal e o Acordo Ortográfico
Para manter uma certa padronização, sobretudo nas publicações, Brasil e Portugal tentaram sucessivos
encontros para estabelecer uma ortografia própria, em 1931, 1940/1945, 1955 e 1971; com exceção desta
última, poucos resultados foram obtidos.

Em 1990, os países falantes de língua portuguesa, em especial Portugal e Brasil, criaram um acordo
ortográfico, que determinava como algumas palavras seriam escritas nos países que comporiam a
novíssima Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O acordo levou quase 20 anos para
entrar em vigor no Brasil, o que aconteceu em 2009.

Ainda hoje, algumas questões do acordo incomodam linguistas, sobretudo pelo fato de o acordo tentar
tornar linear a história (e a cultura) inscrita na língua por meio de sua ortografia. Mas questões práticas
como as regras do uso do hífen, que causam bastante confusão, também aparecem como uma crítica. Para
saber mais, leia a matéria a seguir.

Classificação das palavras


No Brasil e em Portugal, classifica-se as palavras por conta de sua tonicidade. Ou seja, a posição da sílaba
tônica das palavras determina sua classificação. No Brasil, as palavras podem ser:

• Oxítonas, quando a sílaba tônica é última sílaba da palavra.


• Paroxítona, quando a sílaba tônica é a penúltima sílaba.
• Proparoxítona, quando a sílaba tônica é a antepenúltima sílaba.

Em Portugal, por sua vez, a nomenclatura de cada classe é diferente: agudas (oxítonas), graves
(paroxítonas) ou esdrúxulas (proparoxítonas).
Algumas palavras dessas classes podem receber acento, assim como os monossílabos tônicos. Os acentos
oficiais são o agudo (´) e o circunflexo (^). O acento grave (`) é usado apenas na contração da
preposição a com o artigo a (ou com os pronomes aquele(s), aquela(s)). Curiosamente, no acordo
ortográfico de 1971, entre Portugal e Brasil, excluiu-se o uso do acento grave em outras circunstâncias.

Acentuam-se:

• Oxítonas terminadas em a(s), e(s), o(s): cipó, capô, ninguém etc.


• Paroxítonas terminadas nas consoantes -l, -r, -n (no plural, ficam sem acento), -x; as palavras terminadas
nas vogais i(s) e u(s); nas nasalizações -ão(s), -um(s), -on(s) e nos ditongos e hiatos -ei(s), -ua(s), -ie(s), -
ao(s) e -ia(s).
• Proparoxítonas são sempre acentuadas (exceto palavras de origem estrangeira que não são acentuadas).
• Os monossílabos tônicos terminados da mesma maneira que as oxítonas acentuadas também recebem
acentos.
• Formas verbais como vê, lê, crê também recebem acento. E é possível usar acentos para distinguir
formas verbais: tem (singular) e têm (plural), por exemplo.
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O curioso caso do ditongo e do hiato
Em Portugal e nos outros países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), há uma forma
diferente da forma brasileira de classificar as palavras como ditongos ou hiatos. Por exemplo:

in-de-pen-dên-cia (no Brasil)


in-de-pen-dên-ci-a (no Portugal e demais países da CPLP)

Quanto ao exemplo apresentado, no Brasil, forma-se um ditongo, já nos outros países falantes do
português, forma-se um hiato (-i-a); ou seja, nesse último caso as duas vogais não se encontram na mesma
sílaba. Isso é uma constante em casos semelhantes, mas, como se observa, não causa qualquer
modificação no uso da acentuação.

Aula 6: Língua: normas, gramáticas e variações


A língua é um fenômeno complexo, mas compreender suas normas, gramáticas e variações, embora
desafiador, é fundamental no combate a preconceitos e discriminações.
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O que é a língua?

IMAGEM: FREEPIK. EDIÇÃO: CLOE

A língua é um sistema complexo, heterogêneo, convencional e arbitrário.

Normas
A norma é um conjunto de regras de uso da língua estabelecido convencionalmente pela sociedade. Nos
estudos da língua, é comum diferenciar as seguintes normas:

• Norma-padrão: não é uma variedade da língua, mas um conjunto de regras e modelos de uso
preestabelecidos a partir – principalmente – de textos escritos.
• Norma culta: é estabelecida a partir da chamada “língua culta”, isto é, uma variedade da língua que é
aceita socialmente, tem mais prestígio e medeia interações sociais de maior prestígio (como estudo,
publicações etc.).
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• Norma gramatical: em geral, é estabelecida depois das demais normas. É uma aproximação da norma
culta à norma-padrão. É aquela que rege, particularmente, a educação da língua.

Gramáticas
A gramática é o que organiza e estrutura a língua desde suas partes menores, como sons e letras, até textos
complexos. Ela pode ser internalizada, assim, todos os falantes da língua, em qualquer variante, seguem
uma gramática.
Gramática também se refere ao estudo dedicado à organização e à estruturação da língua. Há várias
modalidades de gramática, divididas em três tipos básicos:

• Gramática normativa: é aquela que apresenta a norma gramatical (ligada à norma culta e a norma-
padrão).
• Gramática reflexiva: é aquela que estuda as utilizações da língua (ela pode ser usada para afirmar
modelos da gramática normativa).
• Gramática de uso: é aquela que, em geral, estuda o funcionamento da língua, evitando modelos e
padronizações das normas padrão e culta.

Variações da língua
A língua viva e em uso muda porque a sociedade, as comunidades e as representações culturais mudam.
As variações ficam evidentes na língua a partir do léxico, da semântica (sentidos dos textos), da
gramática, da fonética e da ortografia.

As variações são:

• Regionais: a língua pode variar de região para região (ou até mesmo dentro da mesma região, do mesmo
estado), de acordo com sua ocupação e outros fatores demográficos.
• Históricas: a língua varia ao longo do tempo, por conta das interações com outras línguas, dos
acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais. E, também, por atualizações nos sistemas
convencionais de ensino e regulação da língua.
• Sociais: fatores sociais, como educação, acesso à cultura letrada, aprofundamento da cultura oral (e das
diversas identidades religiosas, étnicas etc.), podem motivar variações da língua significativas.
• Situacionais: a cada situação, usa-se a língua de maneiras diferentes, que podem divergir da norma-
padrão ou da norma-gramatical; gírias de grupos e jargões profissionais também podem marcar variações
situacionais específicas de “nichos” específicos da sociedade.

O Museu da Língua Portuguesa reabriu em 2021. Nesse evento, os curadores Moacir dos Anjos e Fabiana
Moraes propõem uma visita virtual da exposição Língua solta, que mostra obras, objetos e imagens que
representam como a língua faz parte de nossas vidas.
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Literatura

Expedição 6 - Epopeias clássicas: o herói em construção

Aula 1: A jornada de Dom Quixote


Heróis têm marcado poderosamente a literatura. Esta seção traz uma relação entre o personagem  Dom
Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616) e a literatura épica.
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Quando um indivíduo empenha-se na conquista de um objetivo que se considera impossível, costuma-se
dizer que está lutando contra moinhos de vento, ou seja, está lutando em vão, em uma luta que já nasce
perdida. Essa menção aos moinhos de vento retoma uma narrativa marcante da literatura e um dos
personagens mais queridos do imaginário mundial: Dom Quixote.

Dom Quixote de la Mancha é uma das narrativas inesquecíveis da literatura. Dom Quixote, em seus
esforços em vencer gigantes imaginários e sua ética inabalável, atrai leitores desde o século XVII. A obra
foi publicada originalmente com o nome O engenhoso fidalgo Dom Quixote de la Mancha, em 1605 e é
dividida em duas partes, publicadas em anos diferentes, 1605 e 1615, respectivamente.

Dom Quixote e a jornada do herói


A história narrada em Dom Quixote pode ser analisada a partir da estrutura proposta pelo mitólogo Joseph
Campbell (1904-1987), em seu célebre livro O herói de mil faces. Após analisar diferentes narrativas,
desde a Antiguidade até as histórias contemporâneas, Campbell estabelece muitos pontos em comum nas
histórias analisadas, quando se relacionam com a figura de um herói. A partir dessas análises, depreende-
se que há uma jornada implícita em comum, denominada jornada do herói.

Conheça um panorama do enredo de Dom Quixote a partir da perspectiva proposta pela jornada do herói.
A jornada possui uma estrutura de 12 ou 17 itens. No entanto, nem todas as narrativas acomodam-se
perfeitamente a esse modelo. Nesse caso, você pode conhecer o enredo da obra associado a seis itens da
estrutura teórica.

Miguel de Cervantes cria um personagem tão apaixonado pelas novelas de cavalaria, que perde a razão.
Sua paixão pelos heróis e suas conquistas maravilhosas o levam confundir o limiar entre realidade e
ficção. Desse modo, Quixote acredita que é um forte cavaleiro e que pode repetir as conquistas de seus
personagens favoritos. Dom Quixote relaciona-se diretamente com textos que já existiam, ainda que seja
para parodiá-los.

Paródia (substantivo feminino)

1. Versão cômica ou crítica de uma composição literária ou musical, releitura. A paródia sempre
estabelece relação de intertextualidade com a obra original.

No caso de Dom Quixote, a paródia incide sobre as novelas de cavalaria, em uma relação intertextual.
Intertextualidade é a relação que se estabelece entre os textos, quer seja pela sua estrutura ou pelo
conteúdo que veiculam. As novelas de cavalaria surgiram na Europa e tiveram grande repercussão no
século XV, e traziam histórias de heróis que passavam por muitas dificuldades para encontrar o seu amor.
Esses heróis eram movidos pela espiritualidade cristã e demonstravam uma ética voltada para a coragem,
para a abnegação e para a busca de um amor idealizado.
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Em Dom Quixote, há a narrativa de um protagonista que já não é jovem, não demonstra ter força física e o
que acredita ser um cavalo de guerra não passa de um cavalo magro e frágil, um pangaré. O confronto
entre o imaginário do protagonista e a realidade é evidenciado no desenho do personagem Sancho, seu
amigo, que o acompanha em sua travessia. Veja o que ocorre no capítulo VIII, famoso por narrar a luta
contra os moinhos de vento:

— Quais gigantes? — disse Sancho Pança.

— Aqueles que ali vês — respondeu o amo — de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas
léguas.

— Olhe bem Vossa Mercê — disse o escudeiro — que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e os
que parecem braços não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós.

— Bem se vê — respondeu D. Quixote — que não andas corrente nisto das aventuras; são gigantes, são;
e, se tens medo, tira-te daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual
batalha. (CERVANTES, 2002, p. 59-60)

Quixote acredita que aproximadamente trinta moinhos de vento são gigantes desaforados dispostos a
batalhar contra ele. É Sancho quem revela que as percepções do amigo acerca da realidade são ilusórias.
Essas contradições trazem um tom humorístico à história, por isso, a obra é considerada tão relevante.
Trata-se da paródia mais importante da história, porque questiona e põe fim à era das grandes novelas de
cavalaria.

Em Dom Quixote de la Macha, Cervantes questiona a figura do herói e propõe um novo olhar para essa
categoria, a partir do reconhecimento de sua humanidade e de suas fraquezas.

A conexão entre as histórias que o cinema e os livros da atualidade veiculam fica mais clara quando se
compreende um panorama dos heróis ao longo das épocas. Dom Quixote questiona o herói das novelas de
cavalaria que, por sua vez, inspiram-se nos heróis das epopeias greco-romanas da Antiguidade. Essa
realidade leva à compreensão de que as histórias não nascem "no nada".

A intertextualidade nas artes


A literatura é uma rede de conexões e de intertextualidades ao longo do tempo, de textos que se
aproximam e se afastam de modelos já conhecidos. Os processos de intertextualidade são constantes na
história e não se limitam à literatura. Obras de arte e do entretenimento têm recorrido a esse recurso para
produzir suas obras. Por isso, ao interpretar um texto, é preciso verificar suas referências. É uma releitura
com objetivos de sátira, como em uma paródia? Será o caso de uma homenagem ou pretende criticar a
abordagem da obra original?

Ouça a canção "Bom conselho", de Chico Buarque, atentando às intertextualidades constantes entre os
versos da canção e os ditados populares brasileiros. Quais seriam as intenções do artista ao propor essa
construção paralela?
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Na letra da canção, os conselhos manifestos pelos ditados populares estão diferentes, invertidos. Há uma
intertextualidade evidente, construída a partir dos opostos. Atente ao contexto histórico dessa canção.
"Bom Conselho" foi composta em 1972, período em que o Brasil vivia sob a Ditadura Civil-Militar, que
perdurou no país por vinte e um anos (1964-1985). Nesse período, alguns artistas, estudantes e outros
grupos da sociedade dedicaram-se a obras que manifestavam discordância ao regime. Como esse período
foi marcado pela censura das artes e da imprensa, as canções eram compostas por meio de cifras, em que
os significados pretendidos pelo autor ficam subjacentes a um texto mais simbólico.

Nos dois primeiros versos, há uma inversão do ditado popular:

Se conselho se fosse bom, não se dava, vendia.

No último verso da primeira estrofe, apresenta-se a inversão do ditado:

Quem espera sempre alcança.

Percebe-se, portanto, um tom desesperado no eu lírico dessa canção. Ele diz que dará um conselho, de que
a dor não vai passar se ficarem esperando, nada vai mudar se não saírem da inércia. Essa perspectiva
relaciona-se com o contexto da Ditadura Civil-Militar. Chico Buarque utilizou a intertextualidade com os
ditados populares para expressar como se sentia em relação ao contexto político em que vivia e ainda
convoca o leitor a pensar uma saída urgente já que, como disse, não se pode esperar.

Toda a canção desenrola-se em estrutura semelhante, jogando com os provérbios e convocando o leitor a
uma mudança urgente, em busca de uma reação popular. Perceba que, neste caso, a intertextualidade parte
de um artista brasileiro lidando com a censura, imposta por uma ditadura. Interpretar as relações entre os
textos e perceber seus significados implícitos demanda uma compreensão mais cuidadosa da obra.

No caso da interpretação de Dom Quixote de la Macha, essa interpretação cuidadosa de sua


intertextualidade viria a constatar a paródia das novelas de cavalaria e até uma crítica à situação política
que a Espanha enfrentava no início do século XVII. Atentar às intenções das relações entre os textos faz o
leitor estabelecer interpretações lúcidas a respeito deles.

Aula 2: Ilíada: início da literatura ocidental


O embate entre gregos e troianos ganha leitores em todas as épocas. Esta seção traz o poema
épico Ilíada e estabelece uma relação entre a obra e a literatura épica.

Quando uma obra ou um prato culinário é aprovado por todos, costuma-se dizer que eles "agradam a
gregos e troianos", ou seja, pessoas muito diferentes são capazes de se unir na aprovação desse produto.
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Essa frase faz referência a inimigos ferrenhos: gregos e troianos, em um conflito narrado em uma obra
clássica: Ilíada.

Ilíada é uma narrativa de guerra e uma das produções literárias mais importantes da história. Seus versos
são atribuídos a Homero, o maior poeta da Grécia Antiga, embora essa autoria seja controversa, por falta
de documentação precisa. Parte da crítica literária especializada questiona a existência do autor, enquanto
outras linhas de pesquisa sugerem uma autoria múltipla dos poemas atribuídos a ele. De toda maneira, há
o legado inquestionável de Ilíada e Odisseia para a literatura. Os poemas serão abordados a partir de suas
relações com a sociedade grega, a partir da investigação desses ecos.

Ilíada: origens e temas


Homero teria vivido no século VIII a.C., data em que o poema teria origem. No entanto, dada a forte
tradição oral vigente, seus versos somente vieram a ser registrados mais tarde, no século V a.C. O poema é
considerado o início da literatura ocidental no mundo. Quando o registro escrito foi produzido, a partir dos
cantos repetidos pelos artistas ao longo dos tempos, os versos foram organizados em 24 cantos e 15.693
versos. Essa é a estrutura em que o poema está organizado até hoje.

A natureza oral da poesia épica marca a ligação das pessoas com as histórias e com os mitos que ouviam,
e que os representavam como povo. Isso quer dizer que as histórias também constroem identidades,
também revelam traços da cultura e da autoestima de um povo. Por isso, saber se Homero realmente
existiu como autor único não é mais relevante que analisar os impactos dos poemas épicos na construção
identitária do povo grego.

Os grandes poemas épicos da Antiguidade Clássica trazem personagens conhecidos e celebrados até hoje,
como Aquiles (em Ilíada) e Ulisses (em Ilíada e Odisseia). A coragem demonstrada por eles, além da
força, das habilidades para a guerra e da maneira como enfrentaram seus desafios, inspirou leitores ao
longo dos séculos e segue atraindo o olhar do público.

Veja o gif do filme Troia (2004) e perceba a postura e o figurino do personagem, como um verdadeiro


guerreiro, olhando a paisagem à sua frente. Ali está Aquiles observando as naus de seu povo, organizadas
em meio à guerra contra a cidade de Troia.

O audiovisual tem buscado representar os fatos narrados pela epopeia clássica. Nesse caso, observa-se a
narração de Ilíada em um filme produzido pelos EUA e países europeus, que contou com grande
circulação. A partir dessa realidade, pode-se dizer que a poesia épica nunca ficou obsoleta.

Enredo e atemporalidade
A história narrada pelos cantos da Ilíada aborda o último ano da guerra entre Grécia (Aqueus) e Troia.
Mesmo em se tratando do último ano da guerra, o poema não chega ao final da batalha, que somente será
concluída em alguns cantos de Odisseia. O foco do primeiro canto está em abordar o conflito entre
Aquiles e Agamenon, principalmente em explorar o sentimento da ira. Os dois personagens são do mesmo
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povo e são líderes de partes diferentes do exército. Ambos se desentendem após uma disputa pelos ganhos
de uma das batalhas. Veja o que diz um trecho do primeiro canto:

Canta-me a Cólera — ó deusa! — funesta de Aquiles Pelida,


[…] Cumpriu-se de Zeus o desígnio
desde o princípio em que os dois, em discórdia, ficaram cindidos,
o de Atreu filho, senhor de guerreiros, e Aquiles divino. (NUNES, Trad. 2009)

A palavra "cólera" carrega significados relacionados à raiva, rancor, ódio. Percebe-se, portanto, já no
Canto I de Ilíada o enfoque nas cargas sentimentais dos personagens em meio à guerra, em detrimento da
narração das ações das batalhas. Embora existam cenas de ação, a prioridade da obra está em verificar
como os personagens se sentem em meio a elas e como se relacionam com os deuses para lidarem com
seus conflitos.

Recorre-se aos deuses para buscar socorro e alívio para suas dores, para buscar vingar suas derrotas e até
para ferir os inimigos. Essa característica da poesia épica marca a obra e também relaciona-se com as
ideologias do povo grego. O comportamento dos deuses, por sua vez, assemelha-se aos humanos. Não há a
idealização de uma ética imaculada, mas as instabilidades, erros e sentimentos como a raiva e a
compaixão são igualmente acolhidos pelos outros deuses, pelos personagens e também pelo público. Não
se percebe, portanto, diferenças do ponto de vista moral entre deuses e seres humanos.

A guerra de Troia começou por conta do sequestro da grega Helena, considerada a mulher mais bonita do
mundo. Helena era esposa do rei de Esparta, Menelau, e cunhada de Agamenon, seu irmão, e foi raptada
pelo príncipe troiano Páris. O exército aqueu (grego) decreta guerra para exigir o resgate de sua rainha.

Note que, ao centro do quadro, iluminada pelas cores claras está representada a figura de Helena. Perceba
a cor de seu cabelo, como contrasta com as cores escuras do restante do quadro. Helena olha para trás,
como em uma tentativa de comunicação com o mundo que deixa.

O artista Giordano Luca mescla algumas correntes artísticas. Dentre elas, está evidenciada a busca pela
valorização da épica grega, pela revitalização da literatura grega da antiguidade. Há fatores humanos e
heroicos que continuam a atravessar os tempos, o que pode ser percebido quando um artista representa
uma história narrada cerca de 2400 séculos antes de sua época.

O final de Ilíada não coincide com o final da guerra. Aquiles reconcilia-se com Agamenon apenas no
Canto XIX, quando se juntam para a grande batalha contra os troianos. Há um outro guerreiro, do lado de
Troia, que é muito importante para a obra: Heitor. Ao contrário de Aquiles, Heitor é equilibrado e
profundamente ético. Como parte dos propósitos da guerra, Heitor mata Pátroclo, o melhor amigo de
Aquiles, no Canto XVI, deixando o herói grego inconsolável. Na grande batalha, há a expectativa pelo
duelo entre Heitor e Aquiles, que o mata e envergonha o cadáver do inimigo, para vingar o amigo. No
último canto, Príamo, pai de Heitor, implora o corpo de seu filho a Aquiles, para que possam realizar um
enterro digno e assim acontece. O final do livro é o ofício fúnebre de Heitor, feito por Príamo, seu pai,
após liberação generosa de Aquiles.
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O final melancólico do poema reforça a tese de que o foco de Ilíada não estava em narrar as intensas
batalhas de uma guerra e sim tratar dos sentimentos humanos que são aflorados em meio à guerra. O
conflito em torno do cadáver de Heitor serve em grande medida para tratar do caráter de Príamo e de
Aquiles. Após desonrar o cadáver, acaba cedendo-o ao pai. Observa-se uma mudança de comportamento,
tão contraditória quanto humana. A épica trata sempre sobre seres humanos. Utiliza os grandes feitos,
lutas, vitórias e derrotas para sempre voltar a falar do ser humano, por isso, universal e atemporal.

Conceito chave

Epopeia é uma obra escrita em versos que narra os feitos de um herói que atravessou uma jornada de
perigos e aventuras com ética e garra, cujos feitos são rememorados pelas pessoas ao longo do tempo.

Ilíada é o primeiro documento literário da história ocidental, do século V a.C., poema épico atribuído a
Homero. Trata-se de uma narrativa de guerra entre gregos, representados pelo herói Aquiles e troianos,
representados pelo herói Heitor.

Aula 3: Odisseia: o retorno de Ulisses


A palavra odisseia tem sido relacionada a jornadas longas e desafiadoras. Esta seção trata do poema
épico Odisseia e reconstitui as origens literárias do termo.

Você já deve ter ouvido a palavra odisseia em algum contexto comunicativo, ligado a um universo de
esforço e conquista após um longo caminho percorrido com diversos obstáculos ou reviravoltas. É
possível verificar essa palavra associada à longa travessia de Ulisses, também chamado de Odisseu pela
nomenclatura romana. Observe no infográfico as etapas e distâncias percorridas da viagem de Odisseu.

Na leitura do infográfico, pode-se notar pelo acompanhamento das informações organizadas pelos
números que a travessia de Ulisses (ou Odisseu) ao voltar para casa não foi fácil. Precisou passar por
muitas etapas, por diferentes lugares e enfrentou lutas contra pessoas, contra seres mitológicos e contra a
natureza.

Os significados das palavras são possíveis porque existem referências comuns em uma sociedade
comunicativa. Porém, nem todos os falantes têm acesso às origens dos significados das palavras. Essa
realidade se aplica ao caso da obra Odisseia. Nem todo falante da língua portuguesa conhece a obra,
porém, a maioria deles acessa os significados decorrentes dela, porque as influências da poesia épica
ultrapassam os limites do próprio texto e conseguem chegar até as palavras que a sociedade utiliza em seu
cotidiano na atualidade.

Odisseia: contextos
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O poema épico Odisseia é uma continuação da Ilíada, ambos atribuídos a Homero. A data de sua
elaboração também é aproximada, século VIII a.C. Assim como no primeiro poema, apesar de narrar
algumas lutas e cenas de ação, o foco de Odisseia é abordar os sentimentos e a ética dos personagens em
meio à volta de Ulisses para sua casa, depois de fazer parte da Guerra de Troia ao lado dos gregos. Sua
intenção é voltar para a cidade de Ítaca, onde sua esposa Penélope aguardava-o ansiosamente com seu
filho Telêmaco.

Odisseia é uma narrativa de aventura. O poema começa a narrar a história em um modelo chamado  in
media res (no meio das coisas, em latim), ou seja, não há uma introdução para os acontecimentos, o
personagem principal já aparece em meio a um conflito. Trata-se de um enredo não linear, porque não
segue uma estrutura cronológica. Esse modelo literário foi inspirador para outras obras consagradas,
como Os Lusíadas, do escritor português Luís Vaz de Camões (1524-1580), já no século XVI.

Odisseia: enredo
Em meio à viagem de retorno para Ítaca, Ulisses fica perdido e acaba ficando prisioneiro de uma ninfa por
7 anos na ilha de Calipso. Nesse intervalo, em sua casa, sua esposa é cortejada por vários pretendentes
para casamento, já que seu marido é dado como morto. Penélope recusa as propostas, porque acredita no
retorno de seu marido. Como não consegue argumentar com seu pai, que ordena um novo casamento,
acaba criando uma estratégia para ganhar tempo e fugir de seu compromisso: promete casar-se assim que
finalizar a produção de um manto funerário para seu sogro. Ao longo do dia, tecia o manto aos olhos de
todos, porém, todas as noites, desmanchava secretamente seu trabalho, para que nunca pudesse finalizá-lo.
Seu plano perdura por alguns anos, até ser desmascarada por uma serva.

Quando Ulisses consegue ser libertado, precisa enfrentar a fúria dos mares, regidos pelo deus Poseidon,
um de seus inimigos. Telêmaco sai em busca do pai enquanto ele ainda estava cativo na ilha. Após longa
jornada, retorna a Ítaca e encontra seu pai na casa de um amigo em comum. Planejam o retorno à casa, já
que teriam que lidar com os pretendentes de Penélope.

Ulisses decide chegar como um mendigo. Seu plano era verificar como estariam as intenções de Penélope
a seu respeito, além de sondar o terreno dos pretendentes, já que pretendia matá-los. Penélope finalmente
propõe uma batalha para escolher seu último pretendente: quem conseguir dobrar o arco e flecha de
Ulisses, teria sua mão. Nenhum candidato consegue, então, o próprio Ulisses curva o arco, revelando sua
identidade e partindo para a execução de seus últimos inimigos.

Penélope e as questões de gênero em Odisseia


A espera de Penélope pelo seu marido por vinte anos pode disparar uma gama de significados,
especialmente ligados aos papéis destinados às mulheres na poesia épica, o que leva ao questionamento se
esses modelos se sustentam até a atualidade. Conheça o quadro Penélope e seus pretendentes, de John
William Waterhouse (1849-1917). Perceba como os traços do artista colocam a personagem em evidência,
ao centro.
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Enquanto os pretendentes são representados com presentes, na margem da tela, Penélope trabalha,
empreende em seu plano de se livrar de um segundo casamento, ao centro. Estaria o artista conferindo
protagonismo a essa figura feminina? Em que medida Penélope exerce astúcia e inteligência?

O enredo desenrolado em Odisseia revela uma sociedade com papéis de gênero bastante definidos.
Enquanto os homens são destinados à guerra, ao comércio, às atividades de grande reverberação social, as
mulheres são representadas como esposas, mães, servas ou como seres míticos, como deusas e sereias.
Ainda nesses últimos casos, esses seres míticos femininos reproduzem muitos estereótipos ligados às
mulheres, como a delicadeza, a beleza, a submissão e a rivalidade feminina.

Por um lado, Penélope parece demonstrar submissão e passividade quando levada a escolher um
pretendente. Não há um enfrentamento das ordens do pai, nem dos desejos do filho. O poder sobre ela
passa do marido para seu pai, cabendo-lhe apenas obedecer.

Por outro lado, para compreender um texto, é preciso analisá-lo com as lentes de sua época, por isso, ainda
que a sociedade grega da Antiguidade demonstre uma estrutura pouco flexível em relação aos papéis de
gênero, cabe refletir sobre o plano inteligente e astuto de Penélope e sobre a maneira como conseguiu lidar
com o poder que se abatia sobre ela. Pense bem: não era inteligente medir forças com o pai (lembre do
contexto histórico), então, ela propõe um pacto, um combinado. Essa atitude não parte de uma
personagem submissa e passiva, e sim de uma mulher que sabe planejar e guiar o seu destino em meio às
circunstâncias que se apresentam.

Veja como as interpretações da espera ativa de Penélope são complexas. Não se trata de esperar e torcer
pelo melhor e sim de interferir para que o destino aconteça da maneira que decide. Há uma linha de
pesquisa, em que se insere o filósofo francês Jean Bollack (1923-2012), que propõe que as ações de
Penélope são meticulosamente planejadas e executadas e que suas atitudes definem inclusive o desfecho
da obra, porque é ela quem garante o sucesso da matança de seus pretendentes, pela hipótese dela já saber
da identidade de Ulisses, estando ele ainda vestido de mendigo.

Cabe refletir também sobre os papéis de liderança das deusas. Na mitologia grega, a ideia de divindade se
alinha a homens e mulheres, que não têm uma ética admirada por todos, mas aproximam-se dos seres
humanos em seus pensamentos e comportamentos. Em uma de suas tentativas para voltar a Ítaca, Ulisses e
seus marinheiros precisam enfrentar uma figura mítica feminina: as sirenes, metade pássaro, metade
mulheres. Observe a representação sobre esse momento da narrativa, atentando à estratégia de Ulisses
para lidar com o "problema".

A tela denominada Ulisses e as sereias (1891), do pintor inglês John William Waterhouse (1849-1917),


traz Ulisses ao centro, amarrado, para que pudesse resistir aos encantos das sirenes (também chamadas de
sereias em algumas versões) e os marinheiros com os ouvidos tapados. Nesse caso, a figura feminina está
associada à sedução, a uma força capaz de ludibriar e conspirar para prejudicar os homens.

Essa construção ideológica associada à figura feminina repete-se ao longo da história, em muitas
narrativas e estende-se até a atualidade. Quem nunca se deparou com uma personagem feminina em
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novelas ou séries que são construídas como pessoas que usam a beleza e sedução para conseguir
benefícios ou para prejudicar alguém? Por outro lado, figuras como Penélope, com sua inteligência
estratégica, também reverberam até os dias de hoje.

Aula 4: Eneida e a epopeia greco-romana


As inspirações heroicas das epopeias gregas já renderam frutos no Império Romano. Esta seção dedica-se
em explorar a obra Eneida, de Virgílio.

A importância histórica e política de Eneida


Uma das características marcantes das epopeias é inspirar povos inteiros com suas histórias de superação e
de coragem manifestadas pelos heróis. Foi o que ocorreu com o processo de assimilação das epopeias
gregas feito pelo Império Romano.

Eneida é chamada de epopeia latina, por pertencer ao contexto histórico do Império Romano. Pode-se
relacioná-la, também, à literatura greco-romana, uma vez que é fruto das influências das epopeias gregas.
A Grécia Antiga — civilização responsável por muitas referências do conhecimento humano ocidental e
palco das duas grandes epopeias Ilíada e Odisseia — foi dominada pelo Império Romano em 146 a.C.
Esse império era conhecido por assimilar a cultura dos povos em meio às dominações. Por isso, a épica
grega foi assimilada pela cultura latina e não apagada de sua cultura, como já ocorreu em outros
momentos da História, em processos de colonização, por exemplo. Assimilar significou, nesse contexto,
incorporar aspectos culturais dos povos dominados para engrandecer e construir um imaginário coletivo
de valorização da própria cultura.

Por isso, Eneida é uma obra diferenciada em vários aspectos. Como havia essa pretensão de construção de
um imaginário heroico do povo romano, o poeta Virgílio (70-19 a.C.) foi convidado a escrever um poema
épico, aos moldes dos gregos, para construção de um herói que estabelecesse a fundação mítica de Roma.
Portanto, Eneida é uma obra de encomenda e tinha grandes objetivos políticos, uma vez que daria um
poema épico para um império, o que garante mais autoestima a esse regime. Imperadores poderiam
propagar que o povo romano poderia encontrar-se com um herói próprio, um dos seus, poderia espelhar-se
nos feitos e no caráter de Eneias e poderia dizer que possui todas as honras de uma literatura épica em seu
favor, como os gregos já obtinham.

Enredo e construção do herói


A narração de Eneida inicia-se in media res, como nas epopeias gregas. Não há um elemento introdutório,
com apresentação de personagens e situações iniciais. Há um conflito em andamento. Eneias (também
chamado de Enéas), protagonista, é filho da deusa Vênus, equivalente à Afrodite para os gregos, e do
mortal Anquises. No início do poema, sofre um naufrágio após voltar da cidade de Troia, arrasada pela
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guerra. É abrigado em Cartago e envolve-se com Dido. Um momento importante para a construção do
protagonista como herói ocorre quando narra para Dido a fuga de Troia incendiada, carregando seu pai
nos ombros. Dessa forma, vê-se o caráter do herói trabalhado, como um indivíduo que valoriza os laços
familiares e usa sua força física para salvar seu pai, ainda que se coloque em risco. A abnegação de Eneias
é uma marca da literatura de Virgílio. Atente à tela do pintor renascentista Federico Barocci (1535-1612).

Observe a ambientação da cena retratada na tela. Pode-se notar fumaças representadas nas laterais. As
cores quentes predominam na construção imagética, o que pode ser relacionado às chamas da cidade e às
emoções vividas pelas personagens. Apresenta-se Eneias com seu pai já idoso em seus ombros, ao centro,
em evidência. As figuras laterais também fogem ao lado do herói, contando com sua proteção e auxílio.
Perceba como a interpretação do artista evidencia a figura de Eneias como herói tradicional. Ele parece
forte, corajoso, ético, responsável. Vale lembrar que, nesse período da História (século XVI), havia uma
prática comum de retomar os valores greco-romanos, voltados à valorização do ser humano como centro
da cultura, por isso, obras do período renascentista retratam as cenas das epopeias greco-romanas com
tanta frequência.

O deus Júpiter, o equivalente a Zeus para os gregos, ordena que ele parta para que possa fundar uma nova
cidade, na região do Lácio, que pudesse substituir Troia, devastada após a guerra. Essa região estava
localizada, na época do poema, na península itálica e é conhecida na atualidade como Itália. Eneias
abandona Dido e sai em busca de seu chamado, demonstrando sua honra ao atender aos chamados dos
deuses. Antes de chegar à região do Lácio, Eneias aporta em outra região próxima para preparar as honras
fúnebres de seu pai, Anquises.

Nesse momento, outras características heroicas de Eneias são desenhadas, alinhadas ao respeito absoluto
pela memória do pai. Em um momento posterior, ao precisar de um conselho sobre a fundação de Roma,
decide descer ao reino de Hades, submundo em que ficam os mortos, e recebe de Anquises a confirmação
de que deve fundar Roma e o prenúncio das glórias que essa região experimentaria pela história. Esse
trecho da Eneida conecta-se com as mitologias gregas, porque outros personagens também desceram ao
Hades para diferentes objetivos. Orfeu vai ao mundo dos mortos resgatar o seu amor, Eurídice, Ulisses
recebe a visita de um personagem morto, que foi transportado do Hades para a Terra. Após esse encontro
com o pai, Eneias sente-se fortalecido para empreender seus objetivos e chega à região do Lácio após
dificuldades na navegação.

É importante considerar que o herói Eneias não anda sozinho. O propósito de chegar à região do Lácio e
fundar a cidade de Roma foi planejado pelos deuses para que os cidadãos troianos sobreviventes da guerra
pudessem ocupá-la, a fim de fundar uma nova cidade, como referência de resistência e heroísmo.

Quando Eneias chega ao Lácio, seus companheiros de viagem estão com ele, os quais foram guiados por
ele. Chegando à região, são recebidos pelo rei Latino, que oferece sua filha em casamento, o que não
agrada a Turno, apaixonado por ela. Após alguns conflitos entre Turno e os troianos, há a preparação para
a batalha final entre ele e Eneias, que é ferido, mas vence mediante o auxílio da deusa Vênus.
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É possível estabelecer ligações simbólicas entre o enfrentamento de Turno, um habitante local do Lácio, e
Eneias, um habitante de Troia. Pode-se dizer que o autor inscreve uma relação de embate entre o universo
físico, manifestado na figura de Turno e o universo mítico (metafísico), manifestado na figura de Eneias,
que prevalece sobre o primeiro. A ideia proposta é de que a ascendência mítica prevaleceria sobre a
ascendência terrena dos romanos. Esse posicionamento da epopeia é a maior contribuição de Virgílio para
o Império Romano que encomenda uma origem mítica e heroica, a fim de conferir honras e glórias a seu
sistema de governo.

Aula 5: Conceitos da Poética de Aristóteles


Muito se tem refletido sobre as naturezas da literatura. Afinal, o que é literatura? Nesta seção, é
apresentada a obra Poética, de Aristóteles como base dessa reflexão.

As histórias narradas pela literatura na atualidade levam o púbico a refletir sobre suas múltiplas
características. É possível acessar críticas literárias em sites e plataformas de ampla circulação. Esses
textos e vídeos dispõem-se em avaliar se o herói foi construído de forma tradicional ou não, se o conflito
foi bem relacionado com o desfecho e em que medida houve uma reprodução dos textos literários já
produzidos e analisados desde a Antiguidade, entre inúmeras outras demandas.

Não é de hoje que nos ocupamos em pensar a literatura. A teoria literária, que tem como objetivo estudar a
literatura como fenômeno, origina-se em uma obra chamada  Poética, atribuída ao filósofo grego
Aristóteles.

A obra, escrita por volta do ano de 330 a.C., é fundamental para compreender a literatura como um texto
estético, ou seja, escrito com objetivos que ultrapassam o da mera comunicação de informações, mas
ocupa-se em cuidar da forma como essas informações são veiculadas.
Aristóteles aborda três gêneros em sua obra, estabelecendo uma análise comparativa entre os gêneros
literários. A Poética é considerada uma obra fragmentada, muitos dos seus registros originais são
irregulares, com lacunas de informações perdidas com o tempo. Por isso, estudiosos dedicam-se em
analisar os conceitos que o filósofo defendia em sua teoria literária, apesar dessa irregularidade.

Imitação (mímesis)
Aristóteles entende que a literatura nasce da imitação da natureza. Esse conceito é denominado  mímesis.
Pode-se pensar que a mera imitação dos fatos da natureza seriam apenas uma cópia e não teriam a
grandeza de uma obra de arte. Porém, na perspectiva aristotélica, a  mímesis não é uma reprodução fiel dos
fatos, mas uma produção criativa a partir deles. Leia o trecho da obra, atentando à reflexão do autor sobre
a relação do ser humano com as representações do mundo e como o prazer na relação com a arte se dá
pela apreciação técnica dessas representações, e não pelo conteúdo representado em si.
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A representação é natural aos seres humanos desde a infância, e é por ela que eles se diferenciam dos
outros animais. Pois, o ser humano é o mais mimético de todos [os seres] e seus primeiros aprendizados
se fazem através da representação. E todos os homens obtêm prazer das representações. […] É por isso
que as pessoas têm prazer em contemplar imagens, porque contemplando-as elas aprendem e inferem o
que cada coisa é, por exemplo, “isto é tal coisa”. Até porque, se eles por acaso nunca viram o objeto
representado, não é a representação que lhes trará prazer, mas a técnica, a cor ou algum outro elemento.
(ARISTÓTELES, 2008, 1448b 4-24)

A natureza atuaria como um elemento inspirador, o ser humano cria um universo a partir dela, em
processo de imitação criativa, criando realidades que a própria natureza não é capaz de fornecer. Essa
perspectiva difere da de Platão (427-347 a.C.), outro filósofo, que dizia que a arte era tão afastada da
realidade, que perdia o valor. Para Aristóteles, o prazer da fruição da obra de arte estaria, exatamente, em
ter contato com essa imitação da natureza, ainda que deformada pela criação humana.

Origens da poesia
Aristóteles discorre sobre o gênero poético e o associa a uma gama de textos, desde a poesia épica da
antiguidade até textos filosóficos e escritos de medicina. O filósofo verifica que os textos analisados têm a
métrica do verso como um denominador comum, ou seja, a quantidade de sílabas desses versos é medida
pelo autor. Ainda assim, traz uma diferenciação entre os escritos ficcionais e os demais, atribuindo aos
ficcionais maior grandeza literária. Portanto, nem todo escritor de versos com sílabas contadas deveria ser
chamado de poeta, de acordo com Aristóteles. A origem da verdadeira poesia estaria na  mímesis, em
imitar criativamente a natureza e não em produzir textos de caráter científicos ou informativos.

A tragédia
Para Aristóteles, a tragédia era o melhor tipo de representação artística. Seus critérios eram ligados a
ações e eventos em que as pessoas se envolviam. Por isso, quando observou as tragédias, analisou os
personagens principais dessas narrativas. Eram pessoas que tinham bom caráter, indivíduos honrados e
éticos, que estavam envolvidos em eventos difíceis, o que acabava levando-os ao sofrimento e à dor. Essa
experiência dolorosa dos personagens bons reproduziria no leitor sentimentos puros de justiça, piedade e
solidariedade. Por isso, era um gênero mais valioso que os demais. Leia o que diz a obra sobre os
sentimentos emanados pelas tragédias:

Daqueles que são atingidos pela desgraça sem o merecer devemos compartilhar a pena e ter compaixão.
(ARISTÓTELES, 2008, 1386b 12-13)

Pode-se perceber que um dos critérios utilizados pelo filósofo para definir o que separa a boa literatura das
demais é moral. Nesse período, o pensamento filosófico se apresenta como um instrumento pedagógico do
público. A figura do filósofo atua como um sábio, um professor a quem as pessoas devem seguir como
exemplo. Quando diz que o leitor "deve compartilhar pena e compaixão" ao se deparar com os
sofrimentos em uma tragédia, encontra-se uma proposta de educação moral, que visa guiar o
comportamento das pessoas diante da vida, em relação àquilo que julgam certo e errado.
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Catarse
Outro conceito difundido pela Poética é a catarse. Para Aristóteles, um indivíduo tem uma experiência
catártica quando passa por um processo de purificação, por meio da leitura e do envolvimento com o
enredo das tragédias. Esse conceito associa-se à tragédia porque o enredo proposto por essas obras, ao
explorar as vulnerabilidades e nobrezas do ser humano, provoca no próprio texto e também público uma
experiência de intensa catarse, de limpeza dos males, como um prêmio ao leitor que sofreu junto com os
personagens e por isso deve ser recompensado. Essa sensação de recompensa revigoraria o leitor e seria
capaz de ajudá-lo a se tornar uma pessoa melhor.

Mythos, peripeteia e anagnorisis
Os conceitos de mímesis, catarse e mythos atravessam a análise de todos os gêneros literários observados
por Aristóteles. A organização sequencial dos fatos em uma narrativa é denominada  mythos e deve ser
pensada para alcançar o belo. Uma relação é possível com o conceito atualizado de enredo. Para
Aristóteles, o mythos era dividido em dois fatores: a peripeteia, ou peripécia no conceito atual, e
a anagnoris ou o reconhecimento. Essa estrutura é a principal força que move os leitores às emoções e
aos aprendizados morais inseridos nas tragédias.

A peripécia caracteriza-se por uma mudança repentina nos rumos de um personagem, em geral, que passa
a viver de maneira oposta, por alguma razão. O reconhecimento caracteriza-se pela tomada de
conhecimento de um personagem ou de um fato, categorias em que se havia ignorância sobre algo
importante até então. Dessa forma, o mythos é construído de forma potente, para guiar os leitores
à catarse pretendida.

Percebe-se, mais uma vez, o caráter moral e educativo que Aristóteles atribui à literatura. Essa concepção
estende-se à atualidade em alguns momentos. Parte do público considera até hoje que um bom texto
literário precisa educar os leitores ou que um bom filme é aquele que arrebata as emoções do espectador,
quando se pode sair emocionado e recompensado do cinema. Esses conceitos que parecem atuais estão
originados em uma obra de 330 a.C. Pode-se reconsiderar a validade desses conceitos e em que medida se
aplicam às obras de arte atuais. Porém, deve-se reconhecer a grandiosidade da Poética que consegue
atravessar tantos séculos e permear toda a crítica de arte ao longo da história.

Explore o mapa-mental sobre os conceitos principais da obra Poética, de Aristóteles.


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BY-NC-SA 2.0; FLATICON/FREEPIK. EDIÇÃO:

Os conceitos de mímesis, catarse e mythos atravessam a análise de todos os gêneros literários analisados


por Aristóteles, por isso não estão alinhados ao lado dos gêneros.

Conceito chave

Poética, do filósofo grego Aristóteles, obra escrita entre 335 a 323 a.C., é considerada o início da teoria
literária no mundo. Seus conceitos sobre a literatura e sobre como o ser humano é envolvido pelas obras
marcam a crítica literária até o momento atual.

Tragédia é o principal gênero literário analisado por Aristóteles, por narrar o sofrimento de personagens
bons e éticos, desenvolvendo empatia no leitor, que pode conduzi-lo a um processo de purgação de seus
males, ou seja, uma purificação de tudo o que é indesejável em si mesmo. Esse processo é
denominado catarse.

Comédia é considerada um gênero inferior, por narrar ações menos nobres dos indivíduos, para provocar
o riso dos leitores.

Poesia é diferenciada de todos os outros gêneros pela técnica de escrita, pela medida de seus versos.

Epopeia narra a saga de heróis éticos e bons, com versos métricos, por isso, trata-se de uma mistura da
tragédia com a poesia.
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Aula 6: Origem e natureza da literatura


Desvendar a natureza da literatura sempre ocupou espaço na Filosofia. Esta seção retoma as principais
obras da épica greco-romana e suas conexões através do tempo.

Ulisses ou Odisseu?
Como parte da política de assimilação cultural em meio à dominação da Grécia pelo Império Romano, a
poesia épica grega foi recontada, transformando os nomes originalmente gregos em versões latinas. Por
isso, Ulisses transforma-se em Odisseu, Zeus em Júpiter, Afrodite em Vênus, e assim por diante. As
abordagens das epopeias clássicas são greco-romanas. A epopeia grega é a origem da literatura e do
pensamento crítico ocidental. No entanto, há uma contribuição fundamental das produções romanas para o
que se entende hoje como literatura.

O que é uma epopeia?


O conceito de epopeia advém dos grandes poemas épicos greco-romanos e se perpetua até a atualidade.
Narrar grandes empreendimentos de personagens heroicos, corajosos e éticos vem atraindo os leitores
desde a antiguidade.

As epopeias eram poemas narrativos. Normalmente, associa-se narração a textos em prosa, mas, na


Antiguidade, as epopeias foram escritas em versos que, por sua vez, foram organizados em cantos. Essa
característica remonta a ligação da poesia greco-romana com a música. Esses poemas foram escritos para
serem cantados e reproduzidos pelos povos, como uma reafirmação de seu imaginário coletivo de
valorização da própria cultura, considerando suas origens ficcionais, relacionadas à mitologia.

Em Ilíada, uma narrativa de guerra, a divisão é marcada por 24 cantos e mais de 15.000 versos,
em Odisseia, seguem os 24 cantos, com menos versos, 12.000. Ambos começam in media res, em meio a
uma ação protagonizada pelo herói, ainda assim, os nomes dos heróis (Aquiles e Ulisses, respectivamente)
são mencionados logo no primeiro canto, assim como a invocação dos deuses. Em  Eneida, com as
considerações da literatura romana de assimilação da épica grega, o herói Eneias também é mencionado já
no primeiro canto, que também começa in media res, como em suas inspirações. A obra de Virgílio possui
12 cantos e 10.000 versos.

Na obra Poética, de Aristóteles, o vínculo entre os valores morais e literatura também é percebido ao


explorar o que considera uma literatura de valor. A tragédia é gênero mais valorizado, porque considera
que os valores morais que partem da identificação do leitor com os sofrimentos do protagonista educa o
leitor. Esse imaginário, embora seja muito antigo, sustenta-se em grande medida até a atualidade. Muitas
vezes, a identificação do público com os personagens se dá por meio da admiração por seus valores
morais e da compaixão por seus sofrimentos. Nota-se, também, uma tendência em compreender o valor da
literatura a partir de uma serventia pedagógica.
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Observe o mapa mental com os principais dados explorados nesta unidade acerca das características da
poesia épica greco-romana.

As poesias épicas greco-romanas também atuaram na educação do povo. A associação das obras ao ideal
ético que se idealizava, materializado em seus heróis, levou os poemas a ultrapassar os limites que
conhecemos hoje, que separam ficção da vida real. O comportamento dos heróis era almejado pelos povos
do passado e até hoje as produções literárias lutam para desassociar seus protagonistas dessas poderosas
figuras dos heróis greco-romanos.

Troia é considerada uma cidade lendária, narrada pelas palavras de Homero. No entanto, especula-se a
veracidade desses relatos, principalmente, por meio de investigações arqueológicas, iniciadas no século
XIX. Neste TED, você pode conhecer os detalhes dessa busca pela cidade de Troia.

Será que a literatura pode criar novas associações para um herói? Conheça a entrevista do escritor Antonio
Torres, membro da Academia Brasileira de Letras, à TV Sesc sobre esse assunto.

Enquanto, na Antiguidade, as epopeias estavam ligadas às ações dos personagens, hoje, na literatura
contemporânea, o heroísmo é revisto e desassociado de um comportamento idealizado. A luta do
protagonista estaria ligada à sua própria sobrevivência, em meio às hostilidades de sua própria mente —
como em um romance psicológico — ou às vivências cotidianas. É o caso da obra  Sobrevivendo no
Inferno, de Racionais MC's. Nessa obra, lançada em 1997, os rappers paulistas trazem um retrato fiel e
franco da realidade vivida na periferia da cidade de São Paulo. Esse álbum é considerado o principal
exemplar do rap brasileiro. A obra está disponível em livro e em seu formato original, em áudio, com 12
faixas.
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Expedição 2 - Reinventando os clássicos: leitura como prática social

Aula 1: O que é crítica literária?


Há espaço para todos na crítica literária? Esta seção apresenta o conceito de clássico na literatura e propõe
a crítica literária como um conjunto de ferramentas.

Um dos papéis da escola na educação das pessoas é contribuir com a expansão do  repertório cultural. Na
escola, somos apresentados a um universo de produções artísticas: livros, filmes, exposições de arte,
instalações, poemas, músicas e assim por diante. Essas referências que vamos coletando ao longo dos anos
de escolarização complementam, pouco a pouco, as referências que nós mesmos vamos construindo na
vida pelo contato com as pessoas: as músicas que nossa família escuta aos fins de semana, os filmes a que
assistimos com nossos amigos, as playlists que estão em alta em determinadas épocas do ano.

É comum que, às vezes, tenhamos resistência frente a formas novas de arte. É muito mais fácil gostarmos
daquilo que é familiar, que já conhecemos. Quando diante do novo, estranhamos sua forma, seu conteúdo
e as emoções e sentimentos que desperta em nós. Por isso, é tão importante que tenhamos muito contato
com a arte na escola, afinal, temos essa experiência de estranhamento diante do novo com a mediação
do(a) professor(a) e com a participação dos colegas.

Da mesma forma que para nós a leitura de um livro escrito no Brasil do século XIX pode causar
estranhamento, ritmos musicais contemporâneos como o funk podem ser desaprovados por quem não está
habituado a eles. E não há nada de errado nisso: o estranhamento é o primeiro passo fundamental para nos
conectarmos com uma manifestação artística. Primeiro estranhamos e então, depois, aprofundando o
contato, apreciamos e decidimos o que nos agrada, o que desagrada, e quais efeitos de sentido podemos
aproveitar daquela leitura. Partindo dessas impressões é que as pessoas que atuam como  críticas de
arte constroem suas apreciações.

Embora a ideia de uma pessoa que é crítica literária possa parecer distante, algo reservado para pessoas de
altíssima escolaridade e adeptas apenas da cultura erudita, a crítica de arte na verdade permeia nossas
vidas sempre que estranhamos ou reagimos a qualquer contato com a arte.

A imagem de críticos literários, de arte, esportes e até de gastronomia é construída socialmente e, muitas
vezes, temos acesso a essa imagem por meio de filmes, séries e programas de TV a que assistimos. Por
conta disso, associamos à figura dos críticos aspectos como rigor e refinamento, mas, muitas vezes, outros
aspectos ainda mais subjetivos como amargura e até maldade. Para entender como essa imagem, associada
aos críticos pela mídia, se constrói, assista à reflexão acerca do papel do crítico gastronômico no
filme Ratatouille, da Disney.

Erudito (adjetivo masculino)
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1. Aquilo que é elitizado ou considerado refinado, mais interessante e mais complexo pela elite. Esse
conceito é subjetivo e muda de sociedade a sociedade de acordo com o que é valorizado
culturalmente.
2. Que tem alto grau de escolaridade. Alguém que estudou muito. pel do crítico na construção narrativa d

A reflexão sobre o crítico em Ratatouille nos apresenta alguns aspectos objetivos que fazem parte do


trabalho do crítico de arte, como:

 relação de parceria entre crítico e autor da obra, sem antagonismo ou hostilidade, de forma aberta e
buscando diálogo;
 paixão e interesse pela arte que se critica;
 certa dose de confronto, fugindo de uma análise passiva e meramente técnica, desafiando a obra no
sentido de, dentro de seu contexto, questionar sua relevância e suas perspectivas.

O vídeo nos mostra como Anton Ego, o crítico em Ratatouille, ora foge ora se atém a esses princípios
técnicos tão importantes para seu trabalho.

Ao mesmo tempo que os estereótipos de um crítico de arte são reforçados no filme, também são
questionados: afinal, o crítico de arte, assim como o artista, é um ser humano e, como tal, é sujeito a
emoções, sentimentos e necessidades. Além disso, por compartilhar emoções, sentimentos e necessidades
com o artista, a arte os conecta e faz sentido. Assim como os críticos que estudam especificamente para
isso, todos nós somos seres humanos e nos conectamos porque compartilhamos também de emoções,
sentimentos e necessidades. Por isso, que a arte fala conosco.

Porém, cada obra de arte provoca tipos de emoção diferentes. Há aquelas de que gostamos e que nos
emocionam, como nossa música preferida ou um filme com acontecimentos impactantes. Outras parecem
não nos tocar tanto e, mesmo quando tentamos bastante, não conseguimos sentir tanto. É como se em cada
um de nós habitasse um crítico de arte que faz escolhas de acordo com o contexto em que vive. É natural
que gostemos mais daquilo a que estamos habituados e que, de alguma forma, corresponde ao momento
sócio-histórico em que vivemos.

Você já ouviu a expressão popular “No meu tempo é que era bom”? Ela costuma ser dita por quem
estranha uma forma de arte que não é familiar para si e a compara com outras formas, típicas de sua
infância ou juventude. Quando somos jovens, durante a adolescência, essa sensação de identificação de
valores, gostos e ideais se torna ainda mais forte. Comumente, é nessa época da vida que intensificamos a
convivência com nossos grupos de amigos, com idades semelhantes e, de acordo com estudos em
psicologia, começamos a desenvolver nossa personalidade em conjunto com nossos amigos.

Kathleen Stassen Berger, especialista em desenvolvimento humano, em seu livro intitulado  O


desenvolvimento da pessoa, lista aspectos da relação entre adolescentes quando fazem amizade e vivem
em grupo: os adolescentes se ajudam mutuamente para lidar com as mudanças do corpo na fase da
puberdade; oferecem apoio uns aos outros para lidar com os desafios do cotidiano; eles colaboram para a
formação dos valores e aspirações de cada um, já que servem como um grupo de discussão e avaliação dos
valores que eles formaram em casa; e, por fim, eles participam da formação da identidade uns dos outros.
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É como se, durante essa fase, fôssemos todos espelhados: somos espelhos dos nossos colegas, que, por sua
vez, nos espelham de volta e, juntos, construímos nossa personalidade. Essa época nos marca muito e
atribuímos à arte que consumimos, nesse momento, um valor sentimental grande. Quando mais velhos nos
deparamos com novos valores traduzidos em estilos artísticos diferentes e nos pegamos falando: “no meu
tempo é que era bom”.

A arte atemporal
Embora cada geração tenha seus gostos e preferências em relação ao consumo de arte, o que também é
influenciado por inúmeros fatores sócio-históricos, como faixa de renda, escolaridade, região geográfica e
outros, há algumas obras de arte que são eleitas como clássicas e, de certa forma, atemporais.

Clássico (substantivo ou adjetivo masculino)

1. Produto cultural (livro ou filme, por exemplo) eleito pela elite cultural e intelectual de uma
sociedade como sendo uma grande referência artística, que marca época.
2. Uma obra de arte que tem traços atemporais, ou seja, pode ser lida em qualquer época e continua
produzindo sentidos e tendo relevância (Calvino, 1991).

Porém, essa “eleição” das obras de arte que são consideradas clássicas não é uma eleição de verdade. Na
realidade, é uma pequena parcela da população que costuma selecionar de forma indireta, nas entrelinhas,
o que é considerado clássico.

A elite intelectual, que habita as universidades, que costuma ser composta por pessoas brancas — em
geral, homens — é que define quais obras são dignas de serem consideradas clássicas. A escolha é indireta
porque não há uma lista de clássicos divulgada e atualizada, com indicações explícitas do que é e não é
considerado uma obra clássica. O que acontece é que as obras clássicas ganham muito mais atenção
da academia, sendo alvo de pesquisas e estudos e sendo distribuídas para consumo da população nas
escolas, por exemplo.

O pensador italiano Italo Calvino (1923-1985) refletiu longamente sobre a importância dos clássicos, e
essa reflexão culminou em um capítulo introdutório que é uma grande referência nos estudos das obras
literárias clássicas, por ser de leitura acessível e por trazer diversos exemplos interessantes. Assista ao
vídeo que traz os pontos principais do capítulo elementar de Calvino. do capítulo do crítico

A partir da leitura de Calvino e da contextualização do papel dos críticos na arte, fica o convite para que
cada um de nós, exploradores dos clássicos e de todas as obras de arte produzidas pela humanidade, sinta
que temos o poder e o direito a formar nossas próprias opiniões.

Gêneros de crítica literária: a resenha


Diante da vontade, ou da necessidade, de formular opiniões sobre obras de arte, podemos lançar mão
de gêneros discursivos típicos da apreciação e da réplica. É o caso da resenha. A resenha é um gênero
que pode versar sobre livros, filmes, contos, crônicas, esquetes, exposições de arte, entre outras
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modalidades artísticas. É versátil e comporta em si elementos composicionais típicos de resumos, mas
também muito característicos porque a resenha é opinativa. Explore o gênero a partir da leitura de uma
resenha sobre o clássico brasileiro Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1892-1953).

Na resenha, a autora apresenta uma breve síntese da obra e a situa como um clássico da literatura
brasileira. Depois, em uma seção separada, ela apresenta as reflexões pessoais sobre a obra e intercala sua
apreciação com trechos citados diretamente. Assim, vai construindo seu argumento a respeito da leitura e
de seus efeitos de sentido.

As resenhas são importantes ferramentas de crítica literária e podem contribuir com a formação leitora de
quem ainda está se acostumando a ler os clássicos. No caso de  Vidas Secas, por exemplo, a leitura da
resenha pode inspirar o leitor a se aprofundar na obra de Graciliano Ramos e, quem sabe, até produzir sua
própria resenha para estabelecer diálogo com outros leitores.

Conceito chave

Os clássicos são obras consideradas atemporais, muito relevantes para a sociedade e, normalmente,


produzidas e selecionadas pela elite intelectual e financeira de determinado período sócio-histórico. Já
as resenhas são gêneros discursivos que apresentam uma breve síntese de uma obra de arte seguida de
comentários apreciativos e críticos, finalizando com um convite à leitura da obra.

Aula 2: Quem é o autor literário no Brasil?


Por que a maioria dos autores literários brasileiros é composta por homens brancos? Nesta seção,
discutem-se o papel de autoria e a crítica do jovem na literatura.

Quando você pensa em uma pessoa que escreve e publica livros, como essa pessoa é? Quais são suas
características físicas e psicológicas? Embora existam escritores e escritoras de todas as raças, crenças e
regiões do Brasil, estamos muito habituados a um certo estereótipo de autor literário no Brasil. Em geral,
eles se parecem entre si: são homens brancos e idosos. Talvez até os imaginemos de óculos, vestidos
formalmente, falando um português rebuscado, com ar importante. Se você não conseguiu imaginar essa
visão de autor, veja a fotografia do poeta brasileiro Manuel Bandeira (1886-1968). Ele pode representar
essa ideia de autor estereotipado.

Essa ideia de autor estereotipado, “padrão”, é comum para muitas pessoas. E o perfil da maioria dos
autores brasileiros explica por que é essa a imagem que nos vem à cabeça quando pensamos em autores
literários. Confira a reportagem publicada na Revista Cult que traz os dados de uma importante pesquisa
científica a respeito desse perfil e da importância da representatividade na arte.

A leitura dos gráficos publicados na reportagem evidencia que, assim como a maior parte dos autores
literários é composta por pessoas brancas, também é essa a característica das personagens que aparecem
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na literatura. Isso faz sentido, afinal, é comum que os autores escrevam sobre realidades que conhecem e,
enquanto pessoas brancas, escrevem sobre essas vivências específicas.

Também fica evidente o predomínio de autores homens, passando de 70% em todos os períodos estudados
pela pesquisa. E, correspondendo a isso, a maior parte das personagens também é do sexo masculino.
Quando olhamos a distribuição de personagens como protagonistas ou narradores, considerando sexo e
etnia, a discrepância fica ainda maior e o gráfico revela uma predominância absoluta de homens brancos
protagonizando e narrando a literatura brasileira nos períodos estudados.

Não fica tão difícil entender, a partir disso, por que nos vêm à mente pessoas como Manuel Bandeira
quando pensamos em escritores literários. Porém, esse cenário tem mudado e, para que a história de mais
pessoas seja representada na literatura, é preciso mudar mais ainda.

Juventude e literatura
Embora a maior parte das obras literárias consideradas clássicas tenha sido escrita, no Brasil, por homens
brancos adultos ou idosos, a juventude tem ganhado muito espaço no cenário artístico e literário brasileiro,
sobretudo as juventudes das periferias dos grandes centros urbanos brasileiros. Um movimento literário
chamado de slam tem tomado conta desses espaços da periferia. Assista a um exemplo de slam e repare na
interpretação que vai além da escolha de palavras: passa pela postura corporal, pela entonação, pela
imposição de voz e pelas expressões faciais da poeta. Todos esses elementos reforçam a indignação da
poeta diante dos problemas sociais denunciados em seus textos.

Slam ou batalha de rima é uma manifestação de poesia pertencente à literatura marginal que é vivida
principalmente pela juventude. E esses jovens que participam dos eventos de slam não apenas produzem
arte, como também apreciam e criticam, participando de rodas de conversa, comentando os poemas que
ouvem durante os eventos e reagindo com aplausos, gritos e encorajamento. Eles criam comunidades
literárias que organizam saraus e eventos de conversa e debate acerca da arte. Assim, a poesia marginal dá
espaço para que a crítica literária ganhe novos contornos e mais representatividade.

Literatura marginal (conceito)

1. Movimento literário brasileiro surgido em meados dos anos 1970 para lutar contra a repressão e a
censura da ditadura militar, tendo como expoente a Geração Mimeógrafo, com poetas como
Cacaso.
2. Literatura que não é hegemônica, que não circula nas mídias tradicionais e que não é conhecida por
toda a população, muitas vezes desvalorizada por ser produzida e circular na periferia.

Ouça os primeiros 20 minutos do episódio de podcast de entrevista com a poeta Rafa Black, do cenário de
poesia marginal de Roraima. Essa entrevista revela a preocupação estética, cultural e apreciativa que os
artistas jovens do slam desenvolvem a respeito da sua arte. A poeta também explica a diferença entre o
slam, as batalhas, os saraus e outros eventos desse cenário.
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Os gêneros da apreciação literária
Para romper com a ideia de que, no Brasil, só fazem literatura e crítica literária os homens brancos adultos
ou idosos, a juventude tem buscado cada vez mais espaço não somente enquanto produtora de arte mas no
campo da crítica. Mais e mais estudos e pesquisas acerca da poesia marginal da juventude têm sido
publicados, o que colabora para que, indiretamente, essas obras de arte passem a circular mais perto da
elite intelectual, pleiteando o título de literatura canônica, e não marginal.

Canônico (adjetivo masculino)

1. Que pertence ao cânone, ou seja, ao acervo do que é considerado clássico e tradicional.


2. Mesmo que regra ou dogma eclesiástico, ou seja, ligado à instituição da Igreja.

Assim, a juventude literária entra na cena da crítica embarcando na produção de  gêneros discursivos de
apreciação literária.

Gênero discursivo (conceito)

1. Formas de nos comunicar, de falar, de nos expressar, que circulam em nosso cotidiano (na vida
pessoal, quando estudamos, quando trabalhamos, quando vivemos publicamente).
2. Formas relativamente estáveis de organização do discurso que costumam ser reconhecidas por
todos, como notícia, verbete de dicionário, poema ou carta, que costumam compartilhar aspectos
composicionais, temáticos e relativos a sua função (Bakhtin, 1979).

Um gênero que tipicamente está associado à apreciação literária — e de outras formas de arte também —
é o artigo científico. Às vezes, associamos a ciência apenas às áreas do conhecimento de exatas e ciências
da natureza, como física, química, biologia, medicina. Mas, na verdade, as ciências humanas também são
válidas, seguem o método científico e contribuem muito com avanços importantes da sociedade —
inclusive tecnológicos.

Na área da literatura, muitos são os artigos científicos, dissertações e teses que tratam de manifestações
artísticas e literárias, e eles contribuem com o mapeamento da sociedade do ponto de vista da literatura,
permitindo que entendamos como podemos transformar nosso mundo em um lugar melhor.

Método científico (conceito)

1. Conjunto de procedimentos organizados que permitem que uma hipótese de pesquisa


seja testada para ser confirmada ou refutada. O método científico é replicável, permitindo que
diferentes cientistas conduzam pesquisas semelhantes e complementares, estabelecendo diálogo
entre elas.

Veja um exemplo de artigo científico publicado a respeito do slam e, a partir de uma leitura geral, olhando
apenas as características principais, identifique suas partes constitutivas, como:

 Título descritivo, detalhado;


 Resumo (muitas vezes em português e em inglês, sendo também chamado abstract);
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 Divisão em subtítulos que seguem o método científico (objetivos, metodologia, resultados,
discussão, considerações finais);
 Referências bibliográficas organizadas;
 Linguagem que tende para a neutralidade, menos opinativa e mais informativa e descritiva.

Opinião e literatura: resenhas e ensaios


Além dos textos de divulgação científica, outros dois gêneros são típicos da apreciação literária:
a resenha e o ensaio. Ambos costumam ser publicados em revistas especializadas em literatura ou, no
universo digital, em blogs e vlogs dedicados a isso. Há também versões em áudio, os podcasts literários,
que podem até contar com mais de um interlocutor em formato de roda de conversa.

A principal característica desses gêneros é o caráter opinativo do texto. Autores de resenhas e ensaios
costumam compartilhar sua visão a respeito das obras de arte que são objetos do texto, deixando essa
opinião implícita ou explícita. Enquanto a resenha tem o objetivo de sintetizar a obra e recomendá-la a
outros leitores, o ensaio se aproxima mais do artigo científico, porque flerta com reflexões mais filosóficas
e acadêmicas sobre as leituras, mas sem o rigor científico que um artigo exige.

Esses gêneros também costumam habitar o campo jornalístico-midiático: costuma haver espaço destinado
à opinião em jornais e revistas sobre temas gerais, e, nesses espaços, são publicadas resenhas e ensaios. É
o caso do ensaio de Josi de Paula sobre o slam enquanto literatura e resistência. O ensaio começa
informativo e, mais ao final, revela as reflexões e opiniões da autora sobre a manifestação da juventude.

Além de trazer transcritas algumas das poesias slam, a autora traz imagens e links de referência a respeito
de poetas do movimento. No último trecho do ensaio, intitulado  O Slam Negritude: batalha de poesia
afrocentrada, a opinião da autora se revela, bem como sua conversa com o leitor.

A reflexão crítica que encerra o ensaio deixa, no leitor, ao mesmo tempo o gosto da opinião da autora e a
curiosidade por explorar mais o gênero. Assim, o ensaio cumpre seu papel na apreciação literária e na
construção de comunidades leitoras.

Assim, a juventude poeta vai transformando a imagem do autor de literatura que temos. Compare a
fotografia de Manuel Bandeira com a fotografia dos jovens poetas que abre o ensaio de Paula. Essa
transformação promove representatividade e contribui para a construção de uma literatura mais atual e
diversa.

Aula 3: A resenha literária visita os clássicos


Você já ouviu falar de Maria Firmina dos Reis? Esta seção explora o gênero resenha partindo da análise
da obra Úrsula, da primeira romancista negra brasileira.
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Quanto mais um livro é discutido em gêneros de apreciação literária, como as resenhas, mais ganha
espaço na academia e circula entre as pessoas. Assim, algumas obras que antes passavam despercebidas
ganham atenção e recebem outro olhar quando são objeto de estudo. É o caso da obra de Maria Firmina
dos Reis (1822-1917), escritora brasileira maranhense considerada a primeira romancista negra brasileira.
Embora a obra de Maria Firmina tenha ficado conhecida durante sua vida, ela ficou apagada e não foi
considerada uma escritora dos clássicos da nossa literatura durante muito tempo.

Mais recentemente, a academia de estudos literários tem aberto cada vez mais espaço para pesquisar e
investigar a literatura produzida por pessoas não brancas em nosso país. É o caso da obra de Maria
Firmina que, em domínio público, hoje ganha muitas republicações. Seu livro mais conhecido é  Úrsula,
publicado em 1859, quarenta anos antes da publicação de Dom Casmurro, de Machado de Assis (1839-
1908). Embora quatro décadas separem esses livros, muitas características sociais que Machado, também
negro, denunciou em seus livros aparecem na denúncia de Maria Firmina.

Explore as páginas de Úrsula na publicação gratuita das Edições Câmara (clique em “E-book”). Mais
especificamente, passeie pelo capítulo "E escrava", a partir da página 173 da edição. Repare na linguagem
adotada por Maria Firmina e nas palavras que usa para descrever as pessoas escravizadas no Brasil da
época, ainda antes da abolição da escravatura.

Maria Firmina falava sobre as pessoas escravizadas com propriedade, de seu lugar de fala enquanto
mulher negra no Brasil. Assim, fez um retrato inédito de pessoas nessa situação em sua obra, atribuindo
voz e vez a essas personagens, ainda que, em Úrsula, elas não fossem as protagonistas da história.

Em um salão onde se achavam reunidas muitas pessoas distintas, e bem colocadas na sociedade e depois
de versar a conversação sobre diversos assuntos mais ou menos interessantes, recaiu sobre o elemento
servil.

O assunto era por sem dúvida de alta importância. A conversação era geral; as opiniões, porém,
divergiam. Começou a discussão.

— Admira-me, disse uma senhora, de sentimentos sinceramente abolicionistas; faz-me até pasmar como
se possa sentir, e expressar sentimentos escravocratas, no presente século, no século dezenove! A moral
religiosa, e a moral cívica aí se erguem, e falam bem alto esmagando a hidra que envenena a família no
mais sagrado santuário seu, e desmoraliza, e avilta a nação inteira!

[…] Por qualquer modo que encaremos a escravidão, ela é, e sempre será um grande mal. Dela a
decadência do comércio; porque o comércio, e a lavoura caminham de mãos dadas, e o escravo não pode
fazer florescer a lavoura; porque o seu trabalho é forçado. Ele não tem futuro; o seu trabalho não é
indenizado; ainda dela nos vem o opróbrio, a vergonha; porque de fronte altiva e desassombrada não
podemos encarar as nações livres; por isso que o estigma da escravidão, pelo cruzamento das raças,
estampa-se na fronte de todos nós. Embalde procurará um dentro nós convencer ao estrangeiro que em
suas veias não gira uma só gota de sangue escravo…

[…] O escravo é olhado por todos como vítima — e o é. O senhor, que papel representa na opinião
social? O senhor é o verdugo — e esta qualificação é hedionda. (REIS, 1859, p. 175-176)

Verdugo (substantivo masculino)
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1. Pessoa que executa pena de morte, carrasco, algoz.
2. Pessoa má, que maltrata e inflige sofrimento e penas corporais aos outros.

Maria Firmina convida seu leitor a olhar para a escravidão já a partir do olhar abolicionista. Desde quando
começou a ser considerada uma escritora clássica, relevante para a construção da literatura brasileira, tem
ganhado cada vez mais relevância.

Ainda nessa edição, é possível navegar pelos textos de apresentação da obra, que revelam, na visão dos
especialistas em literatura Ana Maria Haddad Baptista e Danglei de Castro Pereira, aspectos de apreciação
literária em forma de ensaios, abrindo as portas aos leitores que chegam para conhecer o livro.

Maria Firmina trazida para a contemporaneidade


As resenhas, típicas da apreciação de obras literárias, ganharam versões digitais no universo da internet.
Assim, é comum encontrarmos podcasts e vídeos específicos que oferecem resenhas completas e que
apresentam os mesmos elementos composicionais das resenhas escritas. Assista a um exemplo de resenha
a respeito do livro Úrsula.

Esta resenha apresenta aspectos fundamentais, típicos do gênero, como:

 Breve resumo da obra resenhada;


 História resumida da vida da escritora;
 Características composicionais marcantes da obra;
 Diferenciais da obra em relação a outras do mesmo período;
 Opinião da autora da resenha a respeito da obra;
 Convite ao público para conhecer o livro.

Não é comum que as resenhas revelem os momentos de clímax e o desfecho das histórias, ou seja, é um
gênero que não costuma divulgar spoilers.

Clímax (substantivo masculino)

1. Ponto alto de uma narrativa, momento-chave, ápice do conflito narrativo.


2. Momento de mais alta energia ou com grandes acontecimentos.

Desfecho (substantivo masculino)

1. Fechamento do conflito narrativo, momento da narrativa que marca o fim da história.

Multimodalidade e resenhas
As resenhas no mundo digital, em formato de post em blog ou vídeo em vlog, ganham
recursos multimodais que não participam das resenhas escritas, tipicamente publicadas em revistas
acadêmicas ou jornais.

Multimodalidade (substantivo feminino)
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1. Características de textos que são construídos a partir de linguagem verbal e linguagem não verbal:
imagens, ilustrações, vídeos, GIFs, figurinhas, links externos, áudios etc. São típicos do mundo
digital e permitem uma leitura elástica, construindo relações de intertextualidade a partir das
indicações e links que o compõem.

Nessas resenhas, como é o caso do exemplo assistido, é possível mesclar imagens, trechos de vídeos,
GIFs, links e outros, mantendo o conteúdo mais dinâmico. Os links, por exemplo, cumprem um papel de
transformar as resenhas em hipertextos, ou seja, uma resenha leva a outra, que conduz a outro texto, que
encaminha para o texto original, e assim por diante.

Hipertexto (substantivo masculino)

1. Informações escritas organizadas de forma que o leitor consiga escolher diferentes caminhos,
navegando por entre blocos de informações em diferentes ordens, sem estar preso a um caminho
único. Exemplo: leitura de um fio de postagens no Twitter.
2. Maneira de apresentar informações em uma tela de vídeo de forma de um elemento apareça
destacado e esse destaque indique um caminho mediante um clique, um link.

Isso, por um lado, pode deixar o material mais atrativo para quem é adepto da cultura digital. Nesse
ambiente, os fanáticos pela leitura são chamados de bookworms, expressão que pode ser traduzida
livremente como minhocas de livros, fazendo alusão ao movimento da minhoca de ir devorando a terra
como quem, metaforicamente, devora os livros.

Por outro lado, os múltiplos caminhos de leitura podem confundir o leitor que não está habituado ao
mundo digital. Além disso, é comum que esses ambientes sejam poluídos por propagandas diversas,
anúncios em GIFs e vídeos que também podem incomodar ou distrair o leitor.

De toda forma, são opções de leitura muito acessíveis e que contribuem para que autores antes apagados,
como a Maria Firmina dos Reis, se popularizem e conquistem seu merecido espaço na literatura brasileira.

Aula 4: Os novos clássicos literários


Há espaço para os novos clássicos na literatura? Nesta seção, o gênero apreciativo ensaio é explorado a
partir da discussão do novo clássico brasileiro Torto Arado.

Abrir espaço dentre as obras consideradas clássicas, na literatura, não é tarefa fácil. Escritores e escritoras
brasileiros não hegemônicos e não brancos têm tido cada vez mais reconhecimento na área da crítica
literária. Em parte, isso acontece por conta da lei 10.639, de 2003, que torna obrigatório o ensino de
cultura afro-brasileira e africana nas escolas. Por conta disso, foi necessário um esforço por parte dos
professores, sobretudo das áreas de linguagens, e das instituições que os formam (as universidades), para
que esses autores passassem a integrar as listas de leitura típicas do ambiente escolar.
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Assim, diversas obras importantes para a construção da literatura brasileira começaram a ser reconhecidas
pelo público leitor em geral. É o caso de escritores como Maria Firmina dos Reis, Carolina Maria de
Jesus, Conceição Evaristo e Lima Barreto. A presença de escritores negros dentre os clássicos impulsiona
a produção cultural por parte de artistas negros, que se veem representados e potentes.

Nesse cenário em que desigualdades históricas começam a ser discutidas em busca de uma reparação —
embora ainda estejamos longe de identificar paridade de raça na lista de clássicos da literatura —, surgem
novos autores não brancos, como Itamar Vieira Junior (1979), que, em 2019, lançou o romance  Torto
Arado, que tem sido considerado um novo clássico da literatura do nosso país. O livro recebeu três
prêmios literários: o Prêmio Jabuti, o Prêmio Oceanos e o Prêmio LeYa (em Portugal), em 2020 (os dois
primeiros) e em 2018 (o último). Nascido em Salvador, o escritor tem uma trajetória na academia. É
graduado em Geografia e doutor em estudos étnicos e africanos, ou seja, especialista na questão racial e
étnica no Brasil.

Apesar de seu histórico na academia, Torto Arado tem encantado leitores pela qualidade literária. O
romance se passa no sertão da Bahia, na região da Chapada Diamantina, em uma época incerta. Entre
diversas temáticas tipicamente brasileiras, o autor denuncia o trabalho em condições análogas à
escravidão, que persiste até hoje no país. Para conhecer mais sobre a obra e sobre o autor, assista à
entrevista com o autor na TV Senado. TV SENADO/YOUTU

Itamar é um escritor brasileiro contemporâneo que teve como referência os grandes romances brasileiros
no século XX, como Vidas Secas, de Graciliano Ramos. O autor comenta essa “reverência” de sua obra
em relação à literatura brasileira, deixando evidente a intertextualidade entre as obras e
demarcando Torto Arado como um novo clássico. Assim, ele corrobora o que o pensador Italo Calvino
fala sobre a literatura clássica. Para Calvino, ler um clássico é sempre  reler um clássico, porque há entre
os clássicos muito diálogo. Reconhecemo-los em outras obras. Quem lê  Torto Arado reconhece, nas
personagens diversas, características de sertanejos emblemáticos da literatura brasileira, como Fabiano,
de Vidas Secas (Graciliano Ramos), e Riobaldo, de Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa).
Sobre sua obra, Itamar Vieira Junior define:

Esse livro é uma espécie de declaração de amor à terra e aos trabalhadores que vivem dela. (VIEIRA
JUNIOR, 2020)

Declarando sua referência ao sertão baiano e aos clássicos que construíram as referências para sua obra,
Itamar Vieira Junior instiga o leitor a conhecer a obra e a apreciá-la. Uma excelente maneira de fazer isso
é dialogando com ela, a partir de gêneros que permitem a expressão da liberdade crítica, como o ensaio.

Liberdade e crítica literária: o ensaio


Obras como Torto Arado ganham o status de clássicas porque mexem com o leitor. Fazem com que quem
lê sinta vontade de conversar sobre o livro, interagir com outros leitores e emitir sua opinião. Isso pode
acontecer de diversas formas: em rodas formais ou informais de conversa, em clubes do livro ou por meio
de gêneros de apreciação e réplica literária, como resenhas e ensaios. Isso se dá dessa forma porque
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resenhas e ensaios podem dialogar umas com as outras, assim como os livros que as inspiram também
viram referências para novos livros.

Para investigar o gênero ensaio, conheça um exemplo a respeito do livro de Itamar Vieira Junior.

João Peçanha, autor do ensaio, é acadêmico da área de estudos literários, mas produz um texto menos
formal quando comparado a um artigo científico. Esta é uma característica marcante do ensaio: ele flerta
com a crítica literária acadêmica e pode trazer referências aos teóricos da área, mas se concentra mais em
trazer opiniões e interpretações do leitor. Veja um trecho do ensaio que traz uma abordagem mais
científica.

O protagonismo feminino

A professora da UnB, Regina Dalcastagné, fez uma extensa pesquisa com livros da literatura brasileira e
chegou a algumas conclusões assustadoras. Segundo ela, a maioria dos romances escritos por autores e
autoras nacionais apresentam mais ou menos as mesmas constantes. São elas: protagonistas brancos,
homens, classe média, urbanos, heterossexuais etc. Ou seja, reafirmam um status quo que inibe a
aparição de outras formas de existir no nosso país.

O protagonismo feminino também poderá ajudar a dar voz a problemas tão antigos quanto a descoberta
do fogo. Isso inclui o combate à violência contra a mulher, o feminicídio, e outras aparições ainda menos
exemplares, tais como a misoginia e o arcaico machismo estrutural de nossa cultura.

Quando vozes antes caladas são escutadas, a sociedade sempre melhora, porque se torna mais diversa e
democrática. (PEÇANHA, 2021)

Citando a pesquisa publicada na Revista Cult a respeito da falta de protagonistas mulheres na literatura, o
autor do ensaio exalta essa característica em Torto Arado.

O ensaio compartilha, com a resenha, outros aspectos: também esboça um resumo da obra sem revelar o
clímax e o desfecho e procura estabelecer relações entre a obra e aspectos do contexto sócio-histórico de
produção e publicação. Assim, o ensaio provoca leituras profundas e multifacetadas de uma mesma obra.

Aula 5: Leitura que se faz em grupo


Como experimentar a literatura em grupos? Esta seção explora os gêneros roda de leitura e mesa-redonda,
a partir do estudo de obras de Jarid Arraes.

É muito comum gostar das mesmas manifestações artísticas que pessoas da nossa idade. Embora haja
diferentes tribos urbanas culturais entre os jovens, há gostos em comum que se explicam pela maneira
com que socializamos e também por conta do nosso contexto sócio-histórico.

Tribo urbana (conceito)
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1. Agrupamento de jovens em torno de hábitos, gostos musicais e artísticos, ideologias políticas e
valores éticos e culturais. Exemplos de tribo: otakus, skatistas, rappers, clubbers.

Dessa forma, surge o prazer de dividir o consumo de obras de arte em grupo. Sejam sessões de filme com
os amigos, sejam tardes ouvindo música com companhia, sejam passeios culturais, como visita a museus e
a exposições de interesse — essas são atividades instigantes e que contribuem para a formação de
repertório de leitura de mundo.

Existem atividades em grupo que também podem ser feitas para explorar a literatura. Um exemplo é
a roda de leitura. Uma roda de leitura é composta por pessoas que leram ou pesquisaram um artista ou
uma obra e, a partir da leitura, compartilham livremente suas opiniões e impressões.

As rodas de leitura costumam evoluir para clubes do livro, grupos mais ou menos formais de pessoas que
combinam os ritmos de leitura para discutir, em roda, suas impressões e opiniões sobre o que leram.
Conheça um passo a passo para montar seu próprio clube de leitura com seus amigos.

Leitura e amizade
Artistas contemporâneos costumam ser uma fonte de inspiração para jovens que querem escrever ou
trabalhar como artistas de modo geral. Para organizar leituras em roda, uma boa opção é investigar
escritores e escritoras que, também jovens, começam a abrir espaço dentre os clássicos da literatura
brasileira.

É o caso da poeta Jarid Arraes (1991-), de Juazeiro do Norte, Ceará. Jarid vem construindo uma sólida
carreira escrevendo cordéis e outros gêneros discursivos, como contos. Acesse a página da escritora na
internet e veja imagens recentes de Jarid. Ela não lembra em nada os autores que costumamos associar aos
clássicos, como Manuel Bandeira. Jarid é negra e nordestina e encanta o país com uma literatura
regionalista que honra suas origens, reverenciando outros escritores nordestinos tão abundantes na lista de
clássicos brasileiros.

Cordel (substantivo masculino)

1. Manifestação poética típica de algumas regiões do nordeste, cujo nome vem da tradição de expor
poemas em cordões. É comum que o texto, em versos e com rimas, seja acompanhado de
ilustrações ou xilogravuras (técnica artesanal de impressão).

Conto (substantivo masculino)

1. Gênero discursivo narrativo característico por ser curto e por, em poucas páginas, arrebatar o leitor
com o clímax e o desfecho da narrativa.

Link

Leia um cordel da escritora a respeito da amizade e identifique, durante a leitura, traços que apontam para
a contemporaneidade de Jarid, como a escolha de palavras.
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No poema, Jarid louva a característica da amizade de ser livre de preconceitos. Além disso, fala de outros
aspectos, típicos da contemporaneidade, como o reconhecimento da diversidade.

Em uma roda de conversa, esse é um exemplo de poema que poderia disparar discussões sobre outras
referências na literatura a respeito da amizade, um tema que habita os clássicos tanto quanto o amor
romântico.

Leitura em grupo na academia


Outro formato interessante para leituras em grupo são as mesas-redondas. Elas têm um aspecto mais
acadêmico e, para participar de uma mesa-redonda, os participantes  planejam sua fala, como em uma
espécie de seminário. Cada pessoa tem um tempo pré-determinado para falar, entre 10 e 20 minutos, e
nesse período expõe suas opiniões, reflexões e provocações. Cada participante fala em sequência e, ao
final, a audiência tem a oportunidade de fazer perguntas.

As mesas-redondas também costumam contar com autores e escritores comentando suas próprias obras.
Conheça um exemplo assistindo a um trecho da mesa organizada pela editora Companhia das Letras em
um evento chamado #JornadasAntirracistas, em prol da equidade de raça na literatura. Dessa mesa,
participa a escritora Jarid Arraes. Por ter acontecido durante a pandemia do coronavírus, em 2020, a mesa
foi totalmente on-line, o que significa que cada participante falou de sua própria casa. Esse formato pode
permitir que pessoas conversem sobre livros estando em qualquer parte do mundo.

Para abrir o espaço de fala de Jarid, há a presença de uma mediadora, Adriana Couto, que faz uma
introdução ao evento e apresenta os participantes. Na sequência, Adriana convida cada participante a falar
sobre um tema escolhido, com fala planejada, e sempre em relação a assuntos que são pertinentes ao
tópico geral do evento.

A mesa reverencia escritores negros contemporâneos que seguem abrindo o espaço na literatura brasileira
para a contribuição não branca e para a ampliação da representatividade. Jarid, comentando sobre sua
obra Heroínas negras brasileiras, que conta a história, em forma de cordel, de mulheres fortes do Brasil,
explica que, se hoje é escritora, deve isso a mulheres como Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de
Jesus, grandes escritoras negras brasileiras, assim como ela.

Mesas como essa são muito comuns nos meios acadêmicos, em universidades, tanto na graduação quanto
na pós-graduação. Elas são importantes momentos de socialização de leitura e também de divulgação do
trabalho de artistas e pesquisadores. No caso de uma mesa digital, esse alcance é ainda maior. Se em uma
mesa-redonda presencial, algumas centenas de convidados conseguem participar e aproveitar o conteúdo,
em uma mesa digital, milhões de pessoas podem ter acesso à discussão, que pode ser acessada diversas
vezes.

E, diante de debates entre artistas e escritores negros, sob a luz do conhecimento acadêmico e teórico,
milhões de jovens negros e negras brasileiras passam a se enxergar na figura do escritor literário
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brasileiro. Não somente imaginamos autores que se parecem com o Manuel Bandeira, mas passamos a
abrigar e entender, no nosso imaginário coletivo, que pessoas negras também pertencem a esse espaço.

Imaginário coletivo (conceito)

1. Conjunto de ideias, valores, símbolos, conceitos, memória, expressões pertencentes a uma


sociedade, a uma comunidade em uma época específica. Um exemplo de elemento presente no
imaginário coletivo são os arquétipos de heróis, tão frequentes nas histórias produzidas e
consumidas em várias partes do mundo.

O poder da representatividade
A literatura contemporânea tem contribuído para ampliar as discussões sobre  diversidade e um dos
aspectos que contribui para isso é a representatividade de pessoas que não pertencem a grupos
hegemônicos, em geral, compostos por pessoas brancas, heterossexuais e de camadas mais altas da
sociedade. Contudo, pessoas desses grupos não representam toda a população. Pelo contrário: o povo
brasileiro é muito diverso e tem encontrado, hoje, na literatura, suas vozes mais bem representadas do que
nunca.

Um exemplo disso é o conto “Dentinho meio quebrado”, de Jarid Arraes. O protagonista do conto é um
adolescente bissexual que vive desafios comuns a todos os adolescentes, como dificuldades na escola e
dores de amor. Leia o conto e reflita: como você organizaria uma roda de leitura para ler esse conto, com
seus colegas de escola? De que forma você compartilharia suas impressões sobre a leitura?

O conto de Jarid dá voz a um protagonista LGBTQIA+, o que não é tão comum na literatura brasileira,
rica em protagonistas, narradores e autores homens, heterossexuais e brancos.

LGBTQIA+ (sigla)

1. Sigla que diz respeito a lésbicas, gays, bissexuais, pessoas transgêneras, comunidade  queer,
intersexuais, assexuados e outros grupos que se entendem fora do padrão de gênero binário
(homem-mulher) e da orientação sexual heterossexual. O grupo representa a comunidade ampla
que luta por seus direitos à saúde, à segurança e à existência.

É enorme a importância de escritoras como Jarid Arraes, ocupando seu espaço enquanto mulher negra na
literatura e dando voz a pessoas antes apagadas da literatura, como é o caso de pessoas bissexuais. Quando
artistas assim ganham espaço dentre os clássicos, a literatura inteira ganha com a diversidade cultural que
passa a integrá-la e toda a população, que pode se beneficiar de retratos mais fiéis, contemporâneos e
diversos da realidade, amplia seus horizontes.

Aula 6: Ler enquanto prática social


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Nesta seção, são retomadas as práticas da roda de leitura e mesa-redonda, além dos gêneros apreciativos
resenha, ensaio e artigo.

Toda leitura é também um diálogo: autor e leitor conversam, mesmo que em silêncio, e constroem juntos
os significados que sairão desse encontro literário. Quando lemos os  clássicos, estamos diante de
diálogos atemporais, estabelecidos entre diversas obras e autores. Assim, como postula o pensador Italo
Calvino, ler uma obra clássica é sempre relê-la à luz dos contextos sócio-históricos atualizados.

Apesar de a riqueza artística e literária dos clássicos ser inegável, a luta por mais equidade na literatura
tem desbravado caminhos para o surgimento de novos clássicos que dão voz e vez a autores não
hegemônicos: mais autores e autoras negros, periféricos e de origem não branca participam do diálogo
literário.

Quando escolhemos nossas leituras, porém, nem sempre conseguimos fugir do que é  canônico. Confira
dicas para expansão do repertório e para conhecer leituras de mundo diferentes e expandir horizontes.

O direito à opinião sobre a arte: ensaio, resenha e artigo


Estabelecer diálogos com as obras de arte que consumimos significa apreciar essas obras para,
então, replicar, a partir de nossas opiniões e impressões, gêneros discursivos como a  resenha e o ensaio,
os quais ganham espaço quando a intenção comunicativa é explicitar pontos de vista sobre a arte.

Embora o ensaio seja mais acadêmico e também mais livre, permitindo que o autor traga reflexões
profundas sem tanto rigor quanto um artigo científico, tanto ensaio quanto resenha compartilham
elementos composicionais:

 Breve sinopse da obra referenciada;


 Minibiografia do autor da obra comentada;
 Marcas explícitas e implícitas de ponto de vista do autor;
 Opiniões e apreciações a respeito da obra;
 Uma recomendação positiva ou negativa, um convite ao leitor para também explorar a mesma
obra.

Além desses gêneros, artigos científicos de crítica e teoria literária e artística também são importantes
gêneros de apreciação e réplica, mas, em geral, têm um tom mais  neutro, menos opinativo e mais
relacionado aos conceitos e investigações das ciências humanas e sociais.

A partir de gêneros como esses, as obras ganham espaço e passam a participar do cenário intelectual de
debates artísticos. Assim, obras de novos autores contemporâneos começam a, indiretamente, habitar o
universo das leituras clássicas.

A apreciação coletiva: roda de conversa e mesa-redonda


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Também há espaço para a crítica literária em gêneros colaborativos, como a roda de conversa, a qual é
uma conversa mais informal entre algumas pessoas que leram a mesma obra. As rodas de conversa
costumam fazer parte de clubes de leitura e também são uma atividade muito frequente na escola.

Em ambientes mais formais, ganha destaque a mesa-redonda, que, diferentemente da roda de conversa,
exige fala planejada em torno de um tema delimitado. A mesa-redonda é típica das universidades, livrarias
e editoras e costuma reunir especialistas, curiosos e até os próprios artistas para debater.

Em todos esses exemplos, desde a escolha dos clássicos até a livre manifestação da opinião a respeito
deles, um aspecto se repete e fica marcado: ler está longe de ser uma prática isolada. Leitores não são
ilhas, mas leem em comunidade. Mesmo quando leem sozinhos, consomem o livro e, só nesse ato, já
dialogam com o artista. Quando consomem materiais de indicação, resenhas, blogs, podcasts e vlogs sobre
aquilo que leem, estão adentrando comunidades leitoras que dão ânimo, motivação e repertório para
seguirmos desbravando, criando e prestigiando os clássicos, em eterna renovação.
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APLICANDO OS CONJUNTOS NUMÉRICOS NO DIA A DIA

Voltando o olhar para os conjuntos numéricos Nesta seção será feito um


resgate dos conteúdos que envolvem os conjuntos numéricos, suas características
e operações, o uso da reta numérica, notação científica e árvore de possibilidades.
Os números estão por toda a parte e são usados no dia a dia em processos de
contagem ou em organização de tarefas e, por possuírem características
particularidades, nos permite agrupá-los em conjuntos. Na linguagem
matemática, identificamos um conjunto utilizando uma letra maiúscula. Por
exemplo, o conjunto dos quatro primeiros números pares que pode ser
representado por A = {2, 4, 6, 8}. Repare que nessa representação foi estipulada
uma característica que é muito importante para a construção de um conjunto: ser
um número par e estar entre os quatro primeiros. Os conjuntos numéricos
estudados nesta Unidade de conteúdo foram apresentados individualmente e
estão reunidos em um conjunto maior chamado de conjunto dos números reais
representado pela letra . O conjunto dos números reais surge então da união dos
números dos seguintes conjuntos: .

N, Z, Q, I

Relembre, através da representação apresentada na imagem, como são


organizados todos os conjuntos numéricos.
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Para agrupar números que guardem entre si características semelhantes, utiliza-se as


operações de união e interseção. Estas operações são representadas respectivamente através
dos sinais e e é através delas que podemos fazer a associação entre elementos de dois ou
mais conjuntos. Nas imagens, há duas representações. Uma que caracteriza a união entre
dois conjuntos A e B e outra que se refere a uma interseção entre dois conjuntos
representados através do formato de cubos.
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É interessante lembrar que, para todas as formas de representações numéricas,


utilizam-se os conceitos de reta numerada e de plano cartesiano alinhados aos números reais.
No plano cartesiano, cada par ordenado determina a existência de um único ponto e a
distância entre dois pontos garante a existência de um segmento de reta. Com a construção
dos segmentos de retas formados por pontos não lineares é que surgem as construções das
figuras geométricas poligonais. Nas imagens, estão representados os formatos numéricos
para cada um dos conjuntos em que estão inseridos e a algumas representações através da
reta numérica.
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Muitas vezes, em trabalhos científicos, é necessário representar números que representam
quantidades muito grandes ou muito pequenas. E, desta forma, é necessário transformá-los
em uma notação científica. Para isso, é necessário passar o número para a forma decimal
deixando apenas um algarismo (diferente de zero) antes da vírgula e colocar no expoente
representado pela base dez, o algarismo que represente o número de casas que foram
necessárias para transformar o número; este algarismo será positivo se o número diminuiu,
mas se aumentar o algarismo do expoente será negativo. Para a representação em notação
científica, usa-se uma base 10 e um expoente que pode ser negativo ou positivo. O número
que antecede a base deve variar entre 1 e 10. Veja alguns exemplos:

São inúmeras as situações do mundo real que podem envolver os conjuntos numéricos, como
por exemplo combinações de resultados em campeonatos esportivos, peças de roupas etc.
Nestes casos, faz-se necessário visualizar previamente as combinações de possíveis
resultados. Essa visualização pode ser feita através da árvore das possibilidades, que é um
instrumento matemático que facilita principalmente a resolução de problemas envolvendo
arranjos, permutações e combinações.

MEDINDO MEU MUNDO ENTENDENDO O MUNDO POR MEIO DE MEDIDAS

Representar atributos e comparar as coisas é uma necessidade humana. É possível usar


a matemática para entender e manipular números a fim de melhorar sua utilidade. Nesta
unidade, recursos matemáticos foram retomados com o objetivo de ler medidas, representá-
las e interpretá-las por meio da representação de números muito grandes ou muito pequenos
de forma simplificada. Conteúdos já conhecidos — como potenciação, unidades de medidas
básicas, múltiplos e submúltiplos das unidades, além de regras de proporcionalidade direta,
indireta e regra de três simples e composta — serviram como ferramentas para compreender
a forma com que as grandezas se derivam e formam novas possibilidades de medição. Por
meio da reescrita com aproximação de valores e utilização da base 10, foi possível perceber e
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comparar medidas através da sua ordem de grandeza, informação importante quando se
tratam de medidas muito pequenas ou muito grandes, compostas de diversos algarismos.
Veja este resumo com alguns conceitos centrais relacionados a medidas.
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A interpretação foi apresentada como um fator importante na compreensão das


representações das medidas e até mesmo para que as medições contenham menos
variações. A dimensão de todas as coisas existe independentemente de um observador,
mas só há sentido em manipular matematicamente as grandezas se precisamos
interpretá-las. O papel do ser humano está na análise crítica do significado de todos
esses números nas atividades antropológicas e na nossa evolução como sociedade. Antes
de existir a necessidade de construção de grandes navegações devido ao comércio e de
projetarem grandes navios de transporte de passageiros e cargas, não era necessário
medir distâncias marítimas. Antes dos grandes telescópios, também não precisávamos
medir distâncias espaciais e representá-las com recursos matemáticos. Tudo sempre
teve suas dimensões mesmo que a humanidade não conhecesse. Conforme a interação
entre o ser humano e a natureza e suas próprias invenções foram evoluindo, criou-se a
necessidade de interpretar e representar as grandezas e suas escala para coisas muito
grandes e muito pequenas. Assim, as grandezas também passaram a ser relacionadas
para que outras relações derivadas fossem compreendidas e comparadas de forma mais
simples.

Estatística: a matemática a serviço de todos De que quadro estatístico você quer fazer
parte? Serão retomados os conceitos abordados sobre estatística, desde o início do
planejamento de uma pesquisa, passando pela coleta de dados e consequente análise desses
dados, até a forma de apresentação dos elementos pesquisados.

Essas informações são oriundas de uma pesquisa realizada para investigar o que está
acontecendo pelo mundo a título de obesidade e, com as respostas tabuladas e gráficos
adequados a cada situação, criar estratégias para a melhoria desse cenário. A Estatística é o
campo da Matemática responsável por coletar informações sobre uma determinada
população, a fim de poder caracterizá-la. Toda e qualquer estimativa é feita através de
processos estatísticos, portanto, essa disciplina é bastante utilizada em diversos ramos da
atividade humana e em diferentes áreas, como a Geografia, a Economia e a Medicina, por
exemplo. Quando o assunto é a realização de uma pesquisa estatística, tem que se definir
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primeiro o objeto do estudo que será realizado. A seguir, é necessário definir como essas
informações serão coletadas. Feito isso, analisa-se a população e a amostra que serão
estudadas.

População e amostra Portanto, população diz respeito ao objeto do estudo estatístico, e


pode se referir não só a pessoas, mas como a alimentos, tipos de esportes, animais de
estimação ou até mesmo a times de futebol. Já a amostra é a parcela da população que será
estudada, ou seja, é um subconjunto da população. Tipos de variáveis Ao dar início a
qualquer estudo estatístico, os pesquisadores irão investigar sobre alguma característica de
uma população ou de uma amostra. Essa característica recebe o nome de variável, pelo fato
de não ser uma constante e de poder assumir diferentes valores. Essas variáveis podem ser
classificadas em quantitativas ou qualitativas. As variáveis quantitativas são aquelas que
podem ser expressas por valores numéricos. Caso esses valores sejam números inteiros,
caracteriza-se variáveis quantitativas discretas. Esse tipo de variável é, na maioria das vezes,
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proveniente de uma contagem. Já se a representação numérica foi feita através de números
reais (como o caso das porcentagens, das frações e dos números decimais), tem-se uma
variável quantitativa contínua. Por sua vez, as variáveis qualitativas expressam uma
qualidade ou uma característica e não são representadas numericamente. Medidas de
tendência central e medidas de dispersão Para representar o conjunto de dados de uma
população ou amostra através de um único número, utilizam-se as medidas de tendência
central, a saber, a média, a moda e a mediana. Média: é o resultado da soma de todos os
valores coletados dividido pela quantidade de valores que foram observados; Moda: é o valor
que apareceu mais vezes nas respostas obtidas; Mediana: indica exatamente o número que se
encontra à mesma distância do primeiro e do último valor analisado (estes devem estar
dispostos em ordem crescente ou decrescente). Se a quantidade de valores for par, a mediana
será a média dos dois centrais. 3 / 7 Utilizam-se também as medidas de dispersão caso intuito
seja analisar o grau de variabilidade dos dados de um conjunto de valores. As principais
medidas de dispersão são a amplitude e o desvio. Amplitude: é a diferença entre o maior
valor obtido nas pesquisas e o menor; Desvio: é a diferença entre um dos números de um
conjunto e a média desse conjunto. Organizando os dados em tabelas No processo de uma
pesquisa estatística, logo após a coleta de informações, o passo seguinte é organizar esses
dados para que haja uma melhor visualização e consequente compreensão das informações.
Nesse sentido, as tabelas são ferramentas excelentes. Uma tabela é formada por segmentos
horizontais e verticais que originam suas linhas e colunas, respectivamente. A interseção
entre uma linha e uma coluna origina uma célula.

Gráficos: outra forma de representação das informações Os gráficos são uma


excelente ferramenta para a representação de dados estatísticos. São largamente utilizados
por permitirem uma visualização fácil e rápida dos resultados de uma pesquisa, além de
resumir as informações. Por essa razão, sempre aparecem em jornais, revistas e artigos
científicos. Nesse sentido, destacam-se os gráficos de barras, colunas, linhas e setores,
existindo um gráfico mais adequado para cada tipo de situação.
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As tabelas podem apresentar dados de maneira individual (onde cada um aparece à medida
que é apontado como resposta) ou em dados agrupados em classes, o que facilita a
interpretação das informações. Distribuição de frequência: uma tabela diferente 4 / 7
Quando o objetivo é resumir as informações que estão contidas num conjunto de dados,
pode-se construir uma tabela de frequência para um conjunto de observações da variável de
interesse. Para que essa tabela seja construída, deve-se definir entre apresentar os valores na
forma de frequência absoluta ou relativa.

Frequência absoluta e frequência relativa Frequência absoluta: é o número de vezes que uma
determina variável assume um valor; Frequência relativa: apresenta os dados obtidos na
pesquisa na forma percentual; esse percentual é feito através da divisão entre o valor de uma
determinada categoria e o total dos entrevistados.

Resumindo tópicos da Estatística Fechando os conceitos trabalhados na Unidade, confira as


seguintes sistematizações.
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Conjuntos numéricos: representações e operações Diversos conjuntos,


manifestações diversas Como os conjuntos estão inseridos no cotidiano? Nesta seção, serão
resgatados os principais conceitos, operações e aplicações relacionados aos conjuntos
numéricos. A ideia de conjunto é bastante intuitiva. Qualquer agrupamento de objetos,
ordenados ou não, é um conjunto. Os números utilizados diariamente também seguem esse
padrão. A Matemática organiza esses números em conjuntos numéricos, e é a partir deles
que conseguimos quantificar e classificar elementos do cotidiano. Eles se manifestam nas
mais diversas áreas do conhecimento: esporte, lazer, economia, saúde, por exemplo. Os
conjuntos foram e ainda são peças fundamentais no desenvolvimento da Ciência da
Computação, por exemplo. A principal característica a ser destacada é que,
independentemente da área de aplicação, as coleções de números são classificadas de acordo
com as suas propriedades. Os principais conjuntos numéricos são os seguintes: naturais,
inteiros, racionais, irracionais, reais e complexos. Os números naturais são provavelmente os
mais utilizados no dia a dia, e surgiram da necessidade natural de contar. Eles podem ser
vistos, por exemplo, em placas de veículos e números de telefones. Nesse conjunto, pode ou
não ser incluído o número zero. O conjunto dos números naturais é representado da seguinte
forma: Já o conjunto dos números inteiros é formado ao acrescentar números negativos ao
conjunto dos números naturais. Para a representação desse conjunto, há algumas variações,
considerando o sinal dos valores que se deseja representar ou até mesmo se o zero estará
incluído. De forma geral, é representado por: O conjunto dos números racionais é formado
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por qualquer número inteiro, além de todos os números decimais finitos e das dízimas
periódicas simples e compostas. Já o conjunto dos números irracionais pode ser definido
como o conjunto dos números que não podem ser escritos em forma de fração. Nele,
encaixam-se todos os números decimais infinitos, isto é, que não formam dízimas periódicas
e as raízes não exatas. Por fim, o conjunto dos números reais é aquele que reúne todos os
conjuntos numéricos mencionados. É a união de , , , que forma o conjunto dos números reais,
. Existe ainda um conjunto menos conhecido, o dos números complexos. Esse conjunto
surgiu da necessidade de calcular raízes de números negativos, cujos resultados não se
encaixam no conjunto dos reais. A partir desse N = {0, 1, 2, 3 … } N = ∗ {1, 2, 3 … } Z =
{... − 3, −2, −1, 0, 1, 2, 3, ...} N Z Q I R 2 / 3 problema, o conjunto dos números complexos
foi construído e tem propriedades bem importantes. Uma aplicação de todos esses conjuntos,
utilizada a todo tempo, são as relações binárias. Na Matemática, as relações binárias
ocorrem, como o nome diz, quando elementos de dois conjuntos se relacionam. Dessa
definição, surge uma palavra muito importante para a Matemática: função. As relações
binárias e as funções são utilizadas cotidianamente para explicar fenômenos como a variação
da altura de uma pessoa com a idade, a velocidade de um carro em um intervalo de tempo ou
a quantidade de frutas que nascem em uma árvore. Os exemplos são inumeráveis.

A imagem resume a construção dos conjuntos e retoma algumas de suas operações, como
união, interseção, diferença e a definição de pertinência. Ter esses conceitos em mente é
indispensável no estudo dos conjuntos numéricos.
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