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Adolescências em movimento:

Traços, tramas e riscos

Movimento de Adolescentes do Brasil (MAB)


Instituto PAPAI | Canto Jovem
Apoio
Fundo de População das Nações Unidas - UNFPA; Save the Children/UK; Plan
International; Ministério da Saúde – Área Técnica de Saúde do Adolescente e do Jovem/
MS-ASAJ
Jorge Lyra, André Sobrinho, Cláudia Ribeiro,
Teresa Campos, Leonel Luz e Benedito Medrado
Organizadores

Adolescências em movimento:
Traços, tramas riscos

1ª edição

Recife/PE, 2011
MAB | Instututo PAPAI | Canto Jovem
Recomendamos a reprodução, total ou parcial, desta obra,
desde que não haja fins de lucro e que seja citada a fonte.
Licença: http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.pt

Revisão: Graça Galindo e Ana Roberta Oliveira


Projeto gráfico: Benedito Medrado

A239 Adolescências em movimento: Traços, tramas e riscos / organizado por Jorge


Lyra, André Sobrinho, Cláudia Ribeiro, Teresa Campos, Leonel Luz e Benedito
Medrado. Recife: Instituto PAPAI/MAB/Canto Jovem, 2011, 1ª edição.

204p.; 16 X 23 cm.

ISBN: 978-85-98401-12-6
Inclui referências

1. Política – Democracia – Participação sociais. 2. Mídia – Comunicação –


Linguagem. 3. Gênero – Sexualidade – Raça – Idade. 4. Adolescências e
Juventude. I. LYRA, Jorge, II. SOBRINHO, André, III. RIBEIRO, Cláudia; IV.
CAMPOS, Teresa, V. LUZ, Leonel, VI. MEDRADO, Benedito, VII. Título.

CDU 7124

CIP-Brasil. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação.


Bibliotecário responsável: Thiago Rocha (Instituto PAPAI) CRB 4-1493
SUMÁRIO

Contar a história que nos faz


Jorge Lyra e André Sobrinho........................................................................9

Puxando fios... breve introdução sobre o tema do XII Ena


Cláudia Ribeiro; Ricardo de Castro e Silva e Thiago de Oliveira Andrade . 13

PARTE 1: Questões Éticas, políticas e conceituais

1. Adolescência, juventude, pré-adolescência, adultescência...


Entre modelos culturais ideais e a ruptura com os padrões etários
que (de)limitam lugares
Benedito Medrado...................................................................................... 23

2. juventude e política
Helena Wendel Abramo ........................................................................... 41

3. Entre a cruz e a caldeirinha: Disputas de sentido em torno


das ONG e de suas práticas educativas direcionadas à
População Jovem
André Sobrinho ........................................................................................ 47

PARTE 2: desafios, impasses e perspectivas para o Movimento


de Adolescentes do Brasil

4. Políticas públicas para/com jovens: Tensões no processo


de construção de sujeitos políticos
Jorge Lyra ................................................................................................. 67
5. Olhares críticos sobre protagonismo juvenil e participação
social: Uma releitura dos movimentos sociais de adolescentes
Rita Mendonça ........................................................................................ 81
6. Os Processos educativos no/do ENA 12
André Sobrinho, Camila Leite, Cláudia Ribeiro e Maria Teresa de Arruda
Campos ...................................................................................................101

7. Por que mídia e educação nos movimentos sociais?


Raika Julie Moisés ..................................................................................127

8. Participação social de adolescentes: uma breve reflexão


Leonel Luz..............................................................................................135

9. Conhecimentos sobre direitos sexuais e direitos


reprodutivos entre participantes do XII ENA
Margarita Díaz; Leandro Santos; Maryellen Oliveira; Patricia Possignolo;
Ricardo Azevedo; Rodrigo Correia e Francisco Cabral

10. Perspectivas... os movimentos dos movimentos


Leonel Luz..............................................................................................155

PARTE 3: ArENA: outras palavras

11. Nossa arENA - Ágora em Natal


Ricardo de Castro e Silva.........................................................................161

12. Sociogênese da arENA


Thiago de Oliveira Andrade.....................................................................165

PARTE 4: Depoimentos
Como me senti num debate de perguntas? ..............................179
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Contar a história que nos faz


Jorge Lyra e André Sobrinho

Pelo que eu tenho caminhado e ouvido, fico com a impressão


de que nós fazemos a história que nos faz. Eduardo
Galeano.

Contar uma história é, ao mesmo tempo, reviver na memória as


sensações e sentimentos do que foi vivido, mas também inserir
sensações e sentimentos do que foi maturado, refletido e marcado
como experiência. Por isso ela, a história, deixa de ser meramente um
relato do passado, para também se colocar em movimento.

E é por este caminho que deve ser lido e refletido os textos desta
publicação. Eles contam uma história. Esta história vem sendo inscrita
na memória, nos corpos e nas práticas dos participantes do MAB –
Movimento de Adolescentes do Brasil. Porém, ela vem sendo escrita
há pouco tempo na história deste Movimento, que de tão rica, não
pode deixar de ser registrada, relembrada, maturada nos seus aspectos
filosóficos, políticos, sociais e culturais.

Este livro é resultado deste esforço coletivo entre o MAB, o Instituto


PAPAI e o Canto Jovem. Os textos tomam como referência o XII
Encontro Nacional de Adolescentes, realizado na cidade do
Natal/RN no ano de 2004, cujo tema foi “Nós com Vós(s): Adolescências
e Juventudes tecendo a participação social”. Não nasce desatualizado, mas
recupera a marca ou o retrato de um tempo e nos situa na história em
movimento, provocando re-leituras que renovam compromissos

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enquanto ativistas, estudiosos, adolescentes, jovens, educadores/as


engajados em projetos políticos e pedagógicos de justiça social, de
radicalização da democracia e de direitos humanos.

Dividido em quatro partes, os textos refletem aspectos éticos,


conceituais, pedagógicos, políticos e metodológicos, tomando como
ponto de partida a compreensão de adolescentes e jovens como
sujeitos de direitos, e por isso, presentes na agenda pública. Assim, as
quatro partes do livro percorrem do campo teórico à fala dos sujeitos,
passando pelos diferentes atores que movimentam este debate.

Em Puxando fios... uma breve introdução ao encontro, Cláudia Ribeiro,


Ricardo de Castro e Silva e Thiago de Oliveira Andrade apresentam
os significados múltiplos contidos no título do evento,
particularmente recuperando as representações simbólicas contidas na
idéia de rede, suas tessituras e os “nós” em seus sentidos coletivos e
políticos.

Benedito Medrado em Adolescência, juventude, pré-adolescência,


adultescência... Entre modelos culturais ideais e a ruptura com os padrões etários
que (de) limitam lugares problematiza o modo como concebemos a
institucionalização das idades da vida, particularmente enfatizando as
características da adolescência e juventude na modernidade e, ao
mesmo tempo, o modelo cultural vigente que torna a juventude
objeto de consumo.

O texto Juventude e Política, de Helena Abramo, demarca os processos


históricos nos quais os jovens tiveram importante atuação política,
ressaltando os novos tempos em que as demandas específicas dos e
das jovens, reclamas políticas públicas e apresentam novas formas de
ação coletiva destes sujeitos no espaço público.

Entre a cruz e a caldeirinha: Disputas de sentido em torno das ONG e de suas


práticas educativas direcionadas à População Jovem, André Sobrinho dialoga
com as diferentes orientações ideológicas e os distintos pressupostos
político-pedagógicos que orientam os trabalhos destes atores
políticos.

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Jorge Lyra em Políticas Públicas e jovens: tensões no processo de construção de


sujeitos políticos inicia um relato, partindo de sua posição como
moderador de um dos momentos mais significativos do XII ENA: o
debate de perguntas. Como a atender o convite proposto pelo texto
inicial, de desenrolar os nós (e inevitavelmente produzir outros), o
autor segue abordando os desafios em torno do fortalecimento de um
ator político juvenil, tocando na sua própria experiência como gestor
do Instituto PAPAI.

Olhares críticos sobre protagonismo juvenil e participação social: uma releitura dos
movimentos sociais de adolescentes de Rita Mendonça faz um breve
percurso histórico das conquistas da sociedade brasileira em torno do
direito à participação social e como estas se inscrevem na formulação
do protagonismo juvenil, enquanto proposta pedagógica nas ações
educativas de Programas e Projetos destinados aos adolescentes e
jovens.

Claudia Ribeiro, Camila Leite, André Sobrinho, Teresa de Arruda


Campos, em Processos educativos no/do XII ENA, relata o cuidado
pedagógico com que os e as participantes do XII ENA foram
envolvidos, não apenas como receptores, mas como produtores de
espaços, tempos e vivências, realizadas nos diferentes ambientes e
momentos propostos.

Na esteira do texto anterior, Raika Julia Moisés, no texto Por que mídia
e educação nos movimentos sociais? nos revela as estratégias de
comunicação do ENA 12, consolidadas pelo princípio da
edocumunicação.

Em Participação social de adolescentes: uma breve reflexão, Leonel Luz


apresenta o modo como o MAB em seus encontros, disputa,
conquista, entende e reflete a participação social entre os diferentes
indivíduos e suas nomeações ou identificações: adolescentes, jovens,
educadores, educadoras.

Em seu texto sobre Conhecimentos sobre direitos sexuais e direitos


reprodutivos entre participantes do XII ENA, Margarita Diaz, Leandro
Santos, Maryellen Oliveira, Patrícia Possignolo, Ricardo Azevedo,
Rodrigo Correa e Francisco Cabral traçam um panorama histórico

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sobre os Direitos Sexuais e os Direitos Reprodutivos, recuperando a


inserção deste campo temático na história do MAB. A equipe
produziu uma pesquisa entre os participantes do XII ENA, revelando
as percepções dos presentes no encontro em torno destes direitos.

Leonel Luz retorna para nos dizer em Perspectivas: os movimentos dos


movimentos sobre as diferentes dinâmicas que ocorrem dentro do
MAB, desde a sensação de ser adolescente em contato com diferenças
e diversidades, até a construção dos processos coletivos de reflexão e
ação educativa e política.

ArENA: ágora em Natal de Ricardo de Castro e Silva, como a nos


lembrar novamente o tempo e o espaço nos quais o livro se refere, faz
um relato em torno da ARENA montada no XII ENA, que antes de
ser uma estrutura material, constituiu-se num espaço simbólico e no
qual demos sentido ao estar junto.

Este mesmo espaço simbólico é contado por Thiago de Oliveira


Andrade, no capítulo Sociogênese da Arena. Aqui o autor nos carrega
para um passeio no qual deslumbramos a construção do real e da
realidade, sob a riqueza do pensamento de autores clássicos da
filosofia.

Por fim, os depoimentos dão substância a todas as reflexões do livro.


Marcam a vivência na singularidade de cada um que registrou o que
sentiu.
Boas (re)leituras!

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Puxando fios... breve introdução sobre o tema do XII Ena


Cláudia Ribeiro; Ricardo de Castro e Silva e Thiago de Oliveira Andrade

é preciso pôr os dedos no tecido, puxando alguns de seus fios


e acrescentando outros, inventando, assim, um novo texto.
Derrida, 2004

Nossas perplexidades diante das adolescências e juventudes trazem-


nos novamente para o registro de mais um Encontro Nacional de
Adolescentes (ENA): “Nós com voz(s): tecendo a participação
social”, realizado na cidade de Natal (RN), no período de 20 a 24 de
julho de 2004.1

Nós... quem somos nós? O Movimento de Adolescentes do Brasil –


MAB.2 Nós... muitos eus (caixinhas de surpresa!) que agendamos
compromissos em Natal com vistas a tecer a participação social.
Propusemo-nos a compartilhar, negociar, transitar pelas
possibilidades de comunicação, na direção de outros, de suas dores e
delícias, afetando e sendo afetados e afetadas, imprimindo marcas,
rastros, vestígios; agenciando valores, deslocando sentidos,
ressignificando-os.

1
RIBEIRO, Cláudia; CAMPOS, Maria Teresa de Arruda (Orgs.). Afinal, que paz
queremos? XI Encontro Nacional de Adolescentes. Lavras, MG: Editora UFLA,
2004.
2
RIBEIRO, Cláudia; CAMPOS, Maria Teresa de Arruda. Adolescências e
participação social no cotidiano das escolas: a paz também é a gente que faz.
Campinas: Mercado de Letras, 2002.

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Nós... laços, nós, impedimentos! As significações do “nó” são as mais


diversas. Quando se diz “desfazer um nó“ pode tanto referir-se à
crise, à morte ou à solução, à liberação. Nó tanto significa
constrangimento, complicação, complexidade, quanto ligação entre
dois seres ou no social. A paciência com que se desfaz um nó
representa uma conquista maior do que cortá-lo, o que significa uma
violência:

A possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque,


requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase
impossível nos tempos que correm: requer parar para
pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais
devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar
para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes,
suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a
vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar os
outros, cultivar a arte do encontro, calar-se muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço.3

Cultivar a arte do encontro... Tecer... tessitura... rede! Tecido, fio, tear,


instrumentos que servem para tecer! Todos estes são símbolos do
destino: a lua que tece os destinos; a aranha que tece sua teia; as
Moiras fiandeiras que atam os destinos. As tecelãs abrem e fecham
ciclos individuais, históricos e cósmicos. Tecer, portanto, significa
criar novas formas. O texto é um tecido, “uma composição
heterogênea feita de muitos fios, os quais uma vez entrelaçados
implicam múltiplas camadas de leitura”4.

Tecer... entretecer... entrelaçar... constituem vínculos, conexões em


que nada pode ser definido senão por meio de uma rede de inter-
relações:

Em Roma, a rede era a arma usada por uma certa categoria


de gladiadores: os reciários. Servia para imobilizar o

3
LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Revista Brasileira de Educação, Campinas, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002.
4
NASCIMENTO, Evandro. Derrida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

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adversário, prendendo-o entre as malhas, onde ficava à


mercê do vencedor. Essa arma temível tornou-se o
símbolo, em psicologia, dos complexos que entravam a vida
interior e exterior, cujas malhas são igualmente difíceis de
serem desatadas e desenredadas.5

Tanto no Evangelho quanto nas tradições orientais, os deuses são


dotados de redes para prender os homens. Na tradição iraniana o
homem é quem se arma com uma rede para captar Deus. Enfim, em
todas as representações simbólicas, a rede é considerada objeto
sagrado.

As redes também podem funcionar como redes de poder, que tanto


barram, invalidam, proíbem, interditam, legitimam as estratégias de
saber/poder, como se constituem numa rede produtiva que perpassa
o corpo social:

O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é


que simplesmente ele não pesa só como uma força que diz
não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao
prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo
como uma rede produtiva que atravessa o corpo social
muito mais do que uma instância negativa que tem por
função reprimir.6

A rede que se constitui o MAB, urdindo a participação social, tece o


XII ENA, chamando/clamando por nossas vozes, para
(re)inventarmos a nós mesmos, ao outro, ao mundo!

Para tanto, quantas pessoas puseram-se a pensar... e a pensar...


maneiras de fazer os/as participantes pensarem:

Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no


espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em
torno [...] somos inquilinos de algo bem maior do que o
nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da
existência [...] se nos escondermos num canto escuro

5
CHEVALIER E GHEEERBRANT, 1998. Dicionário dos Símbolos.
6
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal Ltda. 1998

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abafando nossos questionamentos, não escutaremos o


rumor do vento nas árvores do mundo [...] viver, como
talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser
suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente
reprogramada. Conscientemente executada muitas vezes,
ousada.7

Questionar, assim, o que são “nós” para as transformações, os


impedimentos e as possibilidades das transgressões. Questionar os
“nós”, o quem somos, como as vozes individuais ecoam no coletivo e
se articulam para que se faça diferente e diferença na efetivação dos
direitos humanos.

Direitos que perpassam os temas escolhidos para aprofundamentos:


Direitos da Criança e do Adolescente, Direitos Sexuais e
Reprodutivos, Gênero, Enfrentamento às DST/Aids, Meio
Ambiente, Cultura de Paz, Arte-educação e Políticas Públicas.

Temas escolhidos para aprofundamentos que exigiram metodologias


específicas desenroladas na ArEna – que se constituiu num espaço de
encontro com o outro, com o estranho, com o diferente. Configurou-
se como um espaço de formação, na medida em que teve como meta
discutir e interferir na viabilização de projetos de vida e na promoção
do envolvimento destes sujeitos sociais na vida cidadã.

O evento se caracterizou, sobretudo, pela diversidade e singularidade


dos 650 adolescentes, jovens, educadores e educadoras, integrantes de
89 grupos, de 11 estados brasileiros que estiveram presentes. Suas
diferentes realidades e subjetividades em transformação possibilitaram
que, neste ENA, identidades e diferenças fossem confrontadas e
celebradas, entretecidas numa cadeia de significações, entrelaçando
temas.

As metodologias participativas foram decisivas para evidenciar que


uma das maiores conquistas do XII ENA definiu-se pelo fato de
termos criado coletivamente um território lúdico-educativo,
simbolicamente representado por uma arena. Especialmente montada

7 a
LUFT, Lia. Pensar é transgredir. 5 . ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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no centro do local onde o evento ocorreu, a arENA configurou-se


como um espaço de encontros e discussões. Foi nela e com ela que o
convite à complexidade se deu. Inspirados (as) na epistemologia da
complexidade apresentada por Edgar Morin8, buscamos transformar a
arENA em um locus no qual adolescentes, jovens, educadores e
educadoras, envolvidos(as) no trabalho, puderam vivenciar o desafio
da complexidade, com as incertezas da contemporaneidade,
desestabilizando verdades e dicotomias, rompendo padrões pré-
estabelecidos e, principalmente, aprendendo a redimensionar a
construção de conhecimentos:

O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade.


Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há
complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis
constitutivos do todo (como o econômico, o político, o
sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um
tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o
objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo,
o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a
complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade.
Os desenvolvimentos próprios a nossa era planetária nos
confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais
inelutável com os desafios da complexidade” (MORIN,
2001, p. 38)9.

Considerando, portanto, a complexidade e o inesperado, realizamos


um debate, sobre as temáticas do Encontro, estruturado em perguntas
que gerariam perguntas. Ou seja, todos os participantes só podiam se
posicionar fazendo perguntas. Quanto estranhamento!

O inesperado surpreende-nos. É que nos instalamos de


maneira segura em nossas teorias e idéias, e estas não têm
estrutura para acolher o novo. Entretanto, o novo brota
sem parar, não podemos jamais prever como se
apresentará, mas deve-se esperar sua chegada, ou seja,

8
Morin, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: Schmitman, Dor Fried.
Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto Alegre: Artes médicas, 1996.
9
Morin, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez: UNESCO, 2001.

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esperar o inesperado. E quando o inesperado se manifesta,


é preciso ser capaz de rever nossas teorias e idéias, em vez
de deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de
recebê-lo.10

Assim, não cabiam respostas prontas nem fechadas. Mesmo que


alguém quisesse responder ao outro, esta resposta deveria ser em
forma de pergunta. Ao final do debate sugerimos que cada um dos
participantes escrevesse como havia se sentido durante aquela
experiência. Com isto problematizamos a infinidade de possibilidades
que esta vivência gerou no grupo (depoimentos anexos).

Problematizar para nós significa criar e não apenas responder a uma


questão – coerente com a proposta do debate. Neste caso,
problematizar significou criar as infinitas contradições de quem
somos e como agimos para, navegando em meio à criatividade, forçar
novos lances, refazer hipóteses na ludicidade, na arte, no movimento.

E tudo isso desencadeou reivindicações para espalhar nossas vozes


pelo Brasil afora. Dentre abraços nunca dantes abraçados... dentre
abraços abraçados pela primeira vez... Cinco dias inteiros para nós... E
para os nós que isto representou (representa!). Os nós que fortalecem
compromissos, que estreitam laços. E que geram mais e mais
perguntas: qual a responsabilidade na produção de nossos discursos e
experiências? A quê estamos sendo chamados e chamadas? Se espera-
se o fim das injustiças, como produzir algo dentro delas? O
chamamento é para melhorar a qualidade das respostas frente às
injustiças, à produção científica, que tem gerado teses, artigos,
seminários, encontros, aulas e as experiências decorrentes destas
discussões.

Quantas perguntas mais: estamos reforçando injustiças quando


produzimos coisas? Não produzir é uma forma de omissão? Como
nos posicionamos/agimos frente às crianças e adolescentes como
sujeitos de direitos? Quem somos nós? Adolescentes, jovens,
educadores, educadoras. Qual é o nosso desafio? Qual é a medida da
nossa responsabilidade? É a idéia messiânica de salvação? É criar

10
Morin (2001).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

lugares, abrir espaços, sem pretender reduzir o outro à nossa lógica.


Que recursos temos para abrir estes espaços? Espaços pessoais,
profissionais, materiais?

Continuando a infinidade de perguntas... como contribuir para mudar


o estéril debate fundado em binarismos? No universo binário em que
ainda vivemos, ou se é a favor, ou se é contra; questionar –
automaticamente – significa ser contra? Como se muda o regime
político, econômico, social, institucional de produção de verdades?

Expor-se gera riscos, suscita fissuras em idéias hegemônicas. Larrosa


explicita:

O sujeito da experiência é um sujeito “ex-posto”. Do ponto


de vista da experiência, o importante não é nem a posição
(nossa maneira de pormos), nem a “o-posição” (nossa
maneira de impormos), nem a “proposição” (nossa maneira
de propormos), mas a “ex-posição”, nossa maneira de “ex-
pormos”, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de
risco. Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe,
ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se “ex-
põe”. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe
passa, a quem nada lhe acontece, a quem nada lhe sucede, a
quem nada o toca, nada lhe chega, nada o afeta, a quem
nada o ameaça, a quem nada ocorre.11 (p. 21).

Expor-se é um nó! Mas, os nós fortalecem compromissos, estreitam


laços!

Quanta vida rolou e rola por entre a gente. Pensar, sentir, agir...
Escutar pessoas, sotaques diversos, danças, debates, ficar, sonhar,
mesas redondas, grupos de trabalho, oficinas: a vida chamando para
participar!?...

11
Larossa (2002, p. 21).

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parte 1
questões éticas,
políticas e conceituais

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1. Adolescência, juventude, pré-adolescência, adultescência...


Entre modelos culturais ideais e a ruptura com os padrões etários
que (de)limitam lugares
Benedito Medrado12

Afinal, o que é adolescência? O que é juventude? Essas são perguntas


que inevitavelmente se colocam para aqueles e aquelas que se
interessam em pesquisar ou atuar politicamente junto aos
adolescentes e jovens. Alguns têm se limitado apenas em definir uma
faixa etária, adotando alguma escala proposta por organismos
internacionais, como por exemplo, a Organização Mundial de Saúde –
OMS, que define como adolescentes pessoas de 10 a 19 anos, jovens
como pessoas de 15 a 24 anos e pessoas jovens aquelas com idade entre
10 e 24 anos13.
No Brasil, costuma-se empregar também o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei Federal, aprovada em 13 de julho de 1990), que
define como criança, para efeitos do próprio estatuto, pessoas com até
12 anos de idade incompletos, e adolescente como aquelas entre 12 e 18
anos. Nos casos especiais expressos em lei, o ECA pode ser aplicado
também às pessoas entre 18 e 21 anos de idade.14

12
Docente da Universidade Federal de Pernambuço (UFPE); coordenador do
Núcleo de Pesquisas sobre Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE) e
coordenador de projetos no Instituto PAPAI.
13
Fonte: Youth Health for a change a Unicef notebook on programming for
young people’s health and development. New York: Unicef HQ, 1997.
14
Fonte: Estatuto da Criança e do Adolescente, Livro I, Parte Geral, Título 1,
o
artigo 2 , parágrafo único.

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Por sua vez, o UNICEF define como criança todo ser humano até 18
anos, incluindo aí os adolescentes. Restam ainda outros indicadores
jurídicos que nem sempre coincidem e que variam em função do
direito em questão, formatando uma maioridade legal, que não é
adquirida de uma só vez, mas parcialmente, como analisado por
Albertina Costa (1986) e Raymond Montemayor (1986). No Brasil,
por exemplo, a Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público
do Estado de São Paulo nos forneceu, em 1996, um “Quadro sinótico
de evolução das capacidades da pessoa humana, em razão da idade”
assim organizado:
12 anos O ECA reconhece no adolescente (pessoa entre 12 e 18 anos de idade)
capacidade para sofrer as consequências jurídicas da prática de crimes
ou contravenções, admitindo que receba uma sanção jurídica pela
prática de tais fatos, sanção esta chamada de medida sócio-educativa .
12 anos O ordenamento jurídico pela primeira vez reconhece eficácia plena na
manifestação de vontade do adolescente para determinado fim. Assim
é que o artigo 45, parágrafo 2º, da lei nº 8.069/90 (ECA), dispõe que é
imprescindível o consentimento do maior de 12 anos de idade para que
se realize a adoção.
16 anos Os jovens atingem a maioridade civil relativa. Passam a ser assistidos
pelos pais, ao invés de representados, podendo praticar alguns atos da
vida civil, como por exemplo servir de testemunha, testar etc.
16 anos Os jovens têm direito de votar (voto facultativo) - art. 14 , II, “c”, da
Constituição Federal.
16 anos As moças adquirem capacidade núbil - art. 183, XII, do Código Civil.
16 anos Maioridade Penal - os jovens passam a responder pelos crimes que
praticam sujeitando-se às sanções da Lei Penal.
18 anos Os rapazes adquirem capacidade núbil - art. 183, XII, do Código Civil.
18 anos Adquire-se o direito de candidatura ao cargo de vereador - art. 14,
parágrafo VI, “d”, da Constituição Federal.
21 anos Maioridade Civil - Adquire-se a capacidade civil plena, podendo o
jovem praticar todos os atos da vida civil, regendo sua esposa e bens.
21 anos Adquire-se o direito de candidatura aos cargos de deputado federal,
deputado estadual ou distrital, prefeito, vice-prefeito e juiz de paz -
art. 14, parágrafo 3º, VI, “c”, da Constituição Federal.
30 anos Adquire-se o direito de candidatura aos cargos de governador e vice
governador de Estado e do Distrito Federal - art. 14, parágrafo 3º, VI,
“b”, da Constituição Federal.
35 anos Adquire-se o direito de candidatura aos cargos de presidente e vice-
presidente da república e senador - art. 14, parágrafo 3º, VI, “a”, da
Constituição Federal.

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Como é possível perceber, a definição da “idade certa” para aquisição


de responsabilidades e direitos segue padrões de definição complexos
e contextualizados. A idade, embora seja uma variável útil e necessária
para definir responsabilidades jurídicas e para a programação e
implementação de políticas públicas, não é (e não pode ser) tomada
de forma universal, descontextualizada e a-histórica. Um exemplo
claro disso são as reformulações recentes no Código Civil Brasileiro,
que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, no qual a maioridade
civil foi reduzida para 18 anos.
Além disso, a classificação por idade certamente não consegue dar
conta da rede de sentidos que se constrói em torno da complexa
definição das etapas do desenvolvimento humano. A rede de sentidos
que se construiu ao longo da história, por exemplo, sobre a juventude,
não pode ser apreendida a partir, exclusivamente, da delimitação de
faixas etárias, com início, meio e fim claramente definidos. Ou seja, o
modo como se processa a transição entre a infância e a idade adulta,
sua duração e características têm variado, ao longo dos anos e de
cultura para cultura, tanto nas relações sociais cotidianas, como na
forma como os pesquisadores a abordam. Enfim, não existe um único
padrão.

A transição para a idade adulta: polissemia de sentidos


Em Psicologia, a transição entre a infância e a fase adulta tem sido
estudada, principalmente, a partir da noção de adolescência, cuja
construção, como fenômeno da sociedade ocidental contemporânea,
tem suas raízes nas transformações históricas de natureza econômico-
social. Configura-se como herança da Revolução Industrial e adquire
visibilidade ao final do Século XIX, na mesma matriz (para usarmos
um conceito de Hacking, 2001) em que ganha destaque o movimento
de proteção à maternidade e à infância, iniciado no Século XVIII.15

15
Vale a pena ressaltar que não temos a pretensão de apresentar uma revisão
bibliográfica exaustiva de estudos sobre a adolescência numa perspectiva
histórica, mas antes de tudo apresentar principais tendências que marcam o
surgimento dessas discussões.

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No contexto acadêmico, o termo adolescência foi originalmente


proposto pelo psicólogo Stanley Hall, em 1904, no livro
“Adolescence - Its Psychological and its relations to Physiology,
Anthropology, Sociology, Sex, Crime, Religion and Education”.
Nessa obra, o autor define a adolescência a partir de uma abordagem
de base darwinista, propondo que o desenvolvimento da vida humana
se processa de modo semelhante ao desenvolvimento da espécie
humana. Segundo ele, a adolescência seria um “segundo nascimento”,
pois
(...) é então quando surgem os traços humanos mais
elevados e mais completos. As realidades do corpo e da
mente que emergem são completamente novas (...) O
desenvolvimento é menos gradual e mais irregular,
reminiscência de algum período antigo de tempestade e
tormenta, quando se romperam as velhas amarras e
alcançou um nível superior” (Hall, 1915, p. vii).
Hall acreditava que a adolescência, que circularia entre os 12 e os 22
ou 25 anos, seria uma época problemática per si, em virtude das
“tempestades hormonais”, etapa difícil da vida, de preparação e
acesso ao exercício da sexualidade e da plena autonomia social. Ao
mesmo tempo, esse processo é considerado por ele como natural: um
mal necessário para o desenvolvimento humano que atingiria seu
ápice na fase adulta. Um dos legados do trabalho de Hall, segundo o
psicanalista Contardo Caligaris (2000), foi a de ter colaborado para
instauração, pouco a pouco, de uma tendência que hoje leva à
escolaridade obrigatória para além dos 20 anos de idade.
Alguns anos depois, mais precisamente em 1928, a antropóloga
Margareth Mead publicou a obra Coming of Age in Samoa que também é
considerado um marco dos estudos sobre adolescência/juventude.
Seu objetivo era questionar o caráter “natural” ou “fisiológico”
atribuído aos tempos da vida. Mead mostra que os ciclos da vida são,
antes de tudo, uma construção cultural e, portanto, não podem ser
tomados como naturais ou universais e nem todas as épocas, nem
todas as sociedades reproduzem o mesmo padrão. Desta maneira, a
adolescência nas Ilhas Samoa, para ela, não poderia sequer ser
considerada um momento específico da vida.

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No prefácio da edição de 1939, a autora elege algumas perguntas que,


segundo ela, predominavam, naquela época, no mundo científico e
entre o público leitor, a saber: “O que é a natureza humana? Até que
ponto é flexível? O que podemos aprender sobre seus limites e sua
potencialidade estudando sociedades tão diferentes e mais simples que
as nossas?”. Os dados coletados em Samoa mostravam quão flexível e
sensível às influências culturais era esta natureza humana. Segundo
Mead:
Naquela época era importante mostrar que as mudanças
fisiológicas da adolescência não bastavam para explicar o
período de complicação e tumulto por que atravessavam
nossos garotos e sim que a facilidade ou dificuldade dessa
transição deveria ser atribuída a um marco cultural
diferente: em Samoa, a liberdade sexual, a ausência de
responsabilidade econômica e a falta de toda pressão sobre
as preferências; em nossa sociedade, a uma expressão
sexual restringida e postergada, à confusão acerca dos
próprios papéis econômicos, e às correntes antagônicas da
vida moderna entre as quais deve eleger o adolescente
(Mead, 1939-45, p. 11).

Embora, autores como Derek Frieman (1983) tenham criticado o


trabalho de Mead, questionando, inclusive, a condução do seu
trabalho de campo (fragmentado e com precário conhecimento da
língua) e uma suposta idealização de Samoa, poucos ousaram
questionar suas conclusões relativas ao caráter histórico e cultural da
experiência de transição entre etapas da vida.
Assim, admitindo o caráter histórico-social da classificação da vida em
etapas, é necessário pensar nas categorias etárias como conceitos
necessariamente plurais e em permanente evolução, atravessadas por
outras dimensões como classe social, religião, raça e gênero, de tal
forma que a criança, o adolescente, o adulto e o idoso genérico não
seriam mais que uma metáfora, um instrumento de inteligibilidade.
Particularmente, em relação à categoria gênero, Carles Feixa (1998) nos
chama a atenção para o fato de que o acesso à vida adulta não tem o
mesmo significado, nem a mesma dinâmica, para homens e mulheres.
Nesse sentido, a transição juvenil, como geralmente descrita, torna-se

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um fenômeno de identificação com um determinado gênero, ainda


que, como destaca o autor, muitas vezes esse processo tenha sido
analisado exclusivamente a partir de análises sobre a família, a
economia e a ideologia. Isso explica “por qué, hasta fechas muy
recientes, las imágenes sociales predominantes de la juventud, se
hayan asociado inconscientemente a la juventud masculina” (Feixa,
1998, p. 19). No entanto, se buscássemos ampliar a reflexão sobre
categorias etárias, para além da simples referência à idade, seria
possível definir um modelo de classificação e definição universais?
Embalados pelo desafio de garimpar significados em dicionários,16
fizemos um breve levantamento exploratório (portanto, sem intenção
de ser exaustivo17) de verbetes publicados em diferentes dicionários,
elegendo como foco o conceito de adolescência. Trabalhando com
dicionários laicos e específicos, encontramos definições as mais
diversas.
De acordo com esse levantamento, o termo adolescência vem do
latim adolescēre, verbo cujo particípio passado é adulto (adultus). Vale a
pena repetir: “verbo cujo particípio passado é adulto”. Significa, em
linhas gerais, crescer, desenvolver-se, tornar-se maior.
É interessante notar que, na língua portuguesa, a fase adulta, ao
contrário das demais etapas da vida, não possui um substantivo que a
identifique. Infância está para a criança, assim como adolescência para
o adolescente, velhice para o idoso etc. O termo adulto adjetiva
(qualifica) mais que substantiva (especifica); quando o faz é em
relação ao indivíduo, e não ao processo. Não se refere a uma etapa
particular ou a um processo, mas a atributos individuais plenos de
significados (Medrado, 1997). O verbete adulto no Novo Dicionário
Aurélio refere-se “... ao indivíduo que atingiu plena maturidade,

16
Usamos propositalmente o termo significados e não sentidos, para demarcar
uma diferença nítida entre o processo de produção de sentidos, em que este
último não pode ser tomado como substância, e os produtos discursivos que
delineiam, antes de tudo, repertórios linguísticos que usamos para dar sentido
ao mundo.
17
Neste sentido, não incluímos na lista todas as possíveis áreas que contribuem
na definição atual de adolescência/juventude, nem incluímos também a lista de
dicionários que foram pesquisados em que o verbete não constava.

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expressa em termos de adequada integração social e adequado


controle de suas funções intelectuais e emocionais” (Ferreira, 1975:
41).
Não parece existir, porém, um único parâmetro que caracterize o
“tornar-se adulto”, que consiga dar conta da polissemia do conceito
de adolescência; afinal, como adverte Pierre Bourdieu (1983), em seu
artigo A “juventude é apenas uma palavra”, a divisão da vida por
idades é realmente arbitrária.
Nos verbetes pesquisados, a idade não aparece como o único fator.
Também não é o fator determinante. Os dicionários preferem falar
em “processos” que caracterizam uma transição da infância para a
idade adulta. Contudo, não há acordo em relação aos parâmetros que
marcam essa transição. Em um mesmo dicionário (Diccionario Ideológico
de la Lengua Española), por exemplo, a adolescência é definida na
publicação de 1959 como “edad comprendida entre el término de la
niñez y el comienzo de la edad adulta”. Numa outra edição do mesmo
dicionário, sem data de publicação, a “idade adulta” é substituída pela
“puberdade”. Além disso, os parâmetros utilizados também são de
difícil definição operacional ou verificação prática, tais como
“maturidade”, “completo desenvolvimento”, “virilidade”,
“crescimento somático”.
De fato, Montemayor (1986) reconhece que a adolescência, como
categoria etária, é um conceito polissêmico.18 Ele elege, assim, cinco
componentes que nos permitem uma definição mais abrangente da
adolescência: 1) a idade cronológica, 2) o desenvolvimento biológico,
3) o desenvolvimento cognitivo e psicológico (que inclui a construção
de uma identidade e o desenvolvimento interpessoal), 4) a mudança
de status legal e 5) a possibilidade de participação em eventos da vida
adulta. Porém, esses componentes isoladamente não definem a
entrada no mundo adulto. Como bem destaca Montemayor (1986),
(1) a idade cronológica é um componente socialmente importante
na definição do período adolescente, mas não podemos reduzir a

18
Em relação à notória polissemia do termo adolescência e o caráter relativo de
seu campo semântico, sugerimos um interessante inventário de usos em
MEDINA, L. Garrido (1981) – Notas sobre adolescencia y sociología. Juventud,
Nº 4, Madrid, outubro/dezembro, pp. 99-109.

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adolescência aos anos juvenis e, como vimos anteriormente, é


impossível definir escala e parâmetros numéricos universais.
(2) Do mesmo modo, a puberdade marca biologicamente o início
desse período, mas o término do crescimento biológico não é
geralmente considerado como o fim dessa fase, mesmo porque é
inviável definir a maturidade biológica.
(3) No plano psicológico, muitas habilidades aparecem na
adolescência, mas não é fácil estabelecer claramente o que indica a
entrada na fase adulta. Além disso, a crise supostamente típica da
adolescência pode se apresentar em diferentes momentos da vida
ou nem sequer se processar na forma de crise.
(4) A adolescência é também um conceito jurídico, mas o que
demarca seu início e fim não é legislado, como visto anteriormente,
a partir de um único padrão.
(5) E por último, o conceito sociológico de adolescência baseia-se
na noção de que há parâmetros sociais que regulam quando
determinados eventos sociais podem ser experienciados por um
indivíduo adulto. Contudo, destaca o autor, seu fim não é
simplesmente estabelecido com a conclusão dos estudos, com o
tempo integral no trabalho ou simplesmente com o casamento.
Em linhas gerais, esses cinco componentes, embora nos auxiliem a
delimitar o conceito de modo mais abrangente, não são fixos e
precisam considerar a dinâmica do contexto histórico-social em que
se configuram (Medrado e Lyra, 1999).
Enfim, voltamos ao começo! O único elemento que parece
circunscrever a juventude é a transição da infância para a fase adulta.
Realmente, como destaca a socióloga Marília Sposito (1997), há um
reconhecimento, de certo modo tácito, por parte das pesquisas que
abordam a adolescência/juventude de que a condição de transitoriedade
- da dependência infantil para a plena autonomia adulta - é um dos
elementos fundamentais do conceito desses conceitos.
Porém, existe outra adolescência/juventude que não podemos
esquecer e que rompe definitivamente com a idéia de categoria etária.
Não estamos falando do jovem que conhecemos ou do jovem que
pesquisamos. Não estamos falando da diversidade de sentidos e
significados que circulam no imaginário social sobre juventude e a
partir (ou contra) os quais os jovens se posicionam em suas relações

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cotidianas. Estamos nos referindo à juventude como constructo


linguístico, com os efeitos performáticos que esse constructo pode
gerar. Estamos falando da juventude como desejo. Estamos falando
do “espírito jovem”. Estamos falando daquilo que a indústria
cosmética sabe muito bem comercializar, um produto bem familiar ao
mercado da moda, vendido pela mídia televisiva, impressa, virtual,
pela indústria cinematográfica, valorizado no mercado de trabalho,
nas agências de matrimônio etc. Estamos falando da juventude como
modelo cultural.

Rompendo limites etários: a juvenilização da cultura


Hoje em dia, a juventude se tornou, nas palavras de Caligaris (2000),
mais que uma etapa da vida. Configurou-se, sobretudo, num padrão
sobre o qual os adultos projetam seus desejos e a realização dos seus
sonhos. Por um lado, os rituais, que antes definiam a transição entre
os tempos da vida, não mais existem na maioria das sociedades. Essa
transição depende, portanto, do olhar e do reconhecimento dos “já
desenvolvidos”, os adultos.
Além disso, a autonomia e a liberdade passaram a ser idealizadas,
definidas como valores, cuja realização, seria, antes de tudo, o sonho
dos adultos para os jovens. Como destaca o autor:
(...) esse é o sonho de liberdade por excelência, o sonho que
acompanha qualquer vida adulta contemporânea nas
formas mais variadas, do desejo de férias à tentação de cair
fora. Verifica-se então o paradoxo seguinte: a adolescência
excluída da vida adulta, rejeitada num limbo, acaba
interpretando e encenando o catálogo dos sonhos adultos,
com maior ou menor sucesso” (Caligaris, 2000, 56).
Essa projeção do desejo adulto sobre outras gerações é ainda mais
evidente na relação adulto-criança. Como afirma Fulvia Rosemberg
(1992), a maturidade desde sempre foi definida a partir de parâmetros
adultocêntricos ou centrados no adulto, embasados em uma hierarquia e
subordinação de idade que tende a imobilizar a mudança e a
transformação social e histórica.
O processo de subordinação de idade ocorre também em relação à
chamada terceira-idade. Os vários investimentos da Gerontologia

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tendem a orientar-se por um modelo adultocêntrico e reforçam a idéia


de que a eterna juventude é um bem que pode ser conquistado por
todos (Debert, 1999).
Nesse jogo em que impera o desejo adulto, a adolescência, uma das
formações culturais mais poderosas de nossa época, torna-se o
espelho e o horizonte a partir dos quais os adultos vêem os
adolescentes e pelos quais os próprios adolescentes passam a se
perceber e se posicionar em suas relações cotidianas. A própria
rebeldia e busca de autonomia, para Caligaris (2000), passaram a ser
encenação do ideal básico do adulto de nossa cultura: o sonho de
liberdade, um produto facilmente capturado e vendido pela mídia
globalizada e segmentada por categorias etárias. “Se a adolescência
não existisse”, diz o autor, “os adultos modernos a inventariam (...)
ela é necessária ao bom desempenho psíquico deles” (p. 60).
Assim, as formas da rebeldia jovem são analisadas por Caligaris (2000)
como “ideais adultos”, porque, em nossa cultura, a insubordinação, a
indisciplina, o “romper barreiras”, a aventura, constituem, em última
análise, o ideal cultural dominante. Ao buscar se contrapor à
hegemonia, aos valores tradicionais, os jovens estariam, em tese,
realizando o sonho da sociedade (adulta) contemporânea.
Talvez, nas épocas e sociedades marcadas por claros ritos de
passagem, as habilidades esperadas do “candidato a adulto” fossem
mais explícitas. Tinha-se mais ou menos clara a transição para a fase
adulta. Mas, para que fosse possível uma iniciação à vida adulta, com
uma prova designada, seria necessário que se soubesse o que define
um adulto. Essa definição, na cultura moderna ocidental, fica em
aberto. A definição de adulto como estado pleno de desenvolvimento humano
não é suficiente. Adulto, como diz Caligaris (2000), é aquele que
consegue ser desejável e invejável. Mas, como saber quanto desejo e
quanta inveja é preciso capitalizar para ser reconhecido como adulto?
Como resultado, a juventude tornou-se um tempo de vida cultuado
por adultos e por crianças, emergindo dois fenômenos típicos do fim
dos anos 90 que buscam ampliar os limites dessa fase da vida, por
meio do desejo de antecipação de seu início, marcado pela emergência
da noção de pré-adolescência e o desejo de prolongamento, a partir da
idéia de adultescência. Ambas, formatadas principalmente pela mídia e

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pela indústria estética segmentada por idade, são repertórios que


passaram a fazer parte de alguns contextos sociais e a orientar práticas
e desejos.

Pré-adolescência e adultescência: expressões da “crisis” das


categorias etárias?
A noção de pré-adolescência surgiu originalmente no âmbito da
Psicologia, associada a etapas do desenvolvimento cognitivo. De
acordo com Cabral e Nick (1987), em seu Dicionário Técnico de Psicologia,
a pré-adolescência corresponderia ao período do desenvolvimento
humano entre os 6 e 10 anos de idade. Nessa definição, sugere-se que
vejamos também o verbete “níveis de desenvolvimento”, que é
definido como “divisões mais ou menos arbitrárias do tempo de vida
em termos de idade cronológica, para meros fins de referência nos
estudos em que o desenvolvimento humano esteja em causa” (p. 102).
Parece ser realmente essa a tônica das pesquisas que usam a noção de
pré-adolescência. A escassa literatura científica que localizamos, por
exemplo, não tratava da pré-adolescência como fenômeno, mas
empregava o termo pré-adolescente para definir sua amostra,
compreendida em geral por sujeitos com idade entre 10 e os 13
anos.19

19
ARAUJO, Joseph Ildefonso de (1979) - A linguagem escrita do pré-
adolescente: uma avaliação técnico-linguística de redações de alunos de Volta
Redonda. Rio de Janeiro: PUC/RJ, Dissertação (mestrado), 152p.; CHIAPETTI,
Nilse (1996) – Caracterização do perfil psicossocial de pré-adolescentes
institucionalizados. Estudo com jovens que residem em uma instituição de
internação. São Paulo: USP. Dissertação (Mestrado) em Psicologia Clinica, 167p.
; CUBA DOS SANTOS, Cacilda (1982) - Psicoterapia junguiana de crianças e pré-
adolescentes: contribuição para o estudo de seus fundamentos. São Paulo:
Faculdade de Medicina. Tese (Livre Docência), 170p.; DUARTE, Maria Lucia
Batezat (1995) - Desenho do pré-adolescente: características e tipificação. Dos
aspectos gráficos à significação nos desenhos de narrativa. São Paulo: USP. Tese
(Doutorado) em Artes e Comunicação. 275p.; FUNDACAO GETULIO VARGAS -
Técnica de Rorschach: Atlas e dicionário para crianças e pré-adolescentes. Rio
de Janeiro: FGV, 1983; JAPUR, M. & JACQUEMIN, A (1986) - Psicodiagnóstico de
Rorschach. Estudos dos mecanismos de controle e adaptação intelectual e
afetiva em pré-adolescentes. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v.38, n.1 , p.80-

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Contudo, a popularização da noção de pré-adolescência e a criação de


um mercado específico voltado a esse “segmento populacional”
fizeram emergir para os especialistas que trabalham diretamente com
população infanto-juvenil (outro rótulo de mercado!) a necessidade de
definir essa “etapa da vida”.
Em geral, define-se a pré-adolescência simplesmente como a adoção
“precoce” de comportamentos e estilos de adolescentes mais velhos.
Não se associa, portanto, a transformações físicas – hormonais ou
fisiológicas. Nem a aspectos legais e jurídicos que orientam a
aquisição de direitos e ”passes”. É marcadamente um fenômeno
social moderno (ou pós-moderno), desprovido de significantes
diretos.
A produção acadêmica sobre este fenômeno é ainda incipiente.
Localizamos esse debate, principalmente, em páginas da Internet e em
matérias publicadas por jornais de grande circulação. Por exemplo,
em matéria intitulada Pré-adolescentes inspiram Japão, publicada no Jornal
Folha de S. Paulo, em 30 de junho de 2000, Celso Fioravante comenta
sobre uma exposição internacional de arte, com destaque especial
para o pavilhão japonês cujo tema central era “Cidade das meninas”.
Nessa exposição, abordava-se a vivência de “garotas de 13 anos de
idade” que não conseguiam se reconhecer como crianças, mas ainda
não identificavam nenhum modelo a seguir. ”Essas meninas na pré-
adolescência”, diz ele, “vivem em uma espécie de limbo social, pois
ainda não são aceitas pela sociedade tradicional e também não se
adaptaram totalmente aos valores ocidentais contemporâneos. Sem as
referências sociais históricas, as meninas assumem características
apregoadas pela mídia”.
Outros profissionais passam a definir a pré-adolescência a partir dos
mesmos parâmetros múltiplos e polissêmicos utilizados para definir a
adolescência, buscando traçar fatores biológicos, psicológicos e

98; JAPUR, Marisa (1982) - Psicodiagnóstico de Rorschach: um estudo de


afetividade em pré-adolescentes. São Paulo: USP, Dissertação (Mestrado) em
Psicologia. 118p.; RIBAS, Norma Rejane Santos - Estudo do autoconceito de
escolares pré-adolescentes e adolescentes da Escola Estadual de 1º. Grau
Cicero Barreto - Santa Maria: Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de
Santa Maria. S N, 1994. 72 p.

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sociais. Vejamos, por exemplo, o texto produzido pelo Departamento de


Orientación Escolar da Escuela de Padres da Andaluzia, Espanha,
publicado na Internet20. Nesse texto, define-se como pré-adolescência
o período no qual se operam:
 “mudanças biológicas” – alterações hormonais que, afetariam
os pré-adolescentes física e psicologicamente, principalmente
as garotas;
 “mudanças psicossociais” – transformações contínuas da
“estrutura da personalidade”, “descobrimento do eu” e da
“identidade pessoal”, “primeiras posturas em relação ao
mundo exterior”, ”novas demandas dos adultos – pais, mães,
professores – e principalmente uma grande diversidade de
respostas diante dessas demandas, necessidade de auto-
afirmação, independência e rebeldia;
Em relação às “mudanças psicossociais” o texto vai além, ressaltando
o princípio da transitoriedade para a fase adulta, marcada pela
insatisfação em relação à subordinação e hierarquia de idade.
Existem, entretanto, outros profissionais que rejeitam a própria
existência da pré-adolescência, e se recusam a formular uma definição,
postulando que, na verdade, trata-se apenas de uma “entrada
precipitada na adolescência”. É o caso, por exemplo, do texto
assinado pela sexóloga Rosely Sayão, publicado no Jornal Folha de S.
Paulo, em 13 de julho de 2000, intitulado “Pré-adolescente não
existe”, conforme se pode ver a seguir:
“Como educar os filhos se eles não vêm com manual de
instruções?”, comentava com uma certa dose de irônico bom
humor e angústia uma mãe cheia de dúvidas a respeito de como
proceder com o filho considerado pré-adolescente.
Dúvida é o que não falta aos pais de crianças entre 9 e 12 anos,
chamados agora por esse pomposo nome. "A que tipo de festa um
pré-adolescente pode ir?", "Ele pode sair só com os amigos?",
"Devo deixar meu filho pré-adolescente namorar?" são alguns
exemplos. Até as próprias crianças já se consideram pré-

20
Fonte: http://averroes.cec.junta-andalucia.es/san_hermenegildo/prensa.htm

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adolescentes! E como sabem usar bem esse argumento os


espertinhos quando se trata de conseguir o que querem...
Aqui vale uma reflexão. Eles querem namorar, ir ao shopping só
com a turma, ir a festas dançar no escurinho, e eles querem mais,
muito mais. Querem mesmo? Ou simplesmente foram arrancados à
força da infância e, por isso, acreditam que devem se comportar
dessa forma? Lembro-me da mãe que já esperava uma guerra
quando o filho, um garoto que sabe brigar pelo que quer, pedisse
para ir ao shopping no sábado à tarde com os amiguinhos, perto
dos 11 anos. Para surpresa dela, quando ele fez o esperado pedido
e não ganhou a autorização, reagiu com a maior naturalidade,
aceitando quase de pronto. Por quê? Talvez porque não quisesse ir.
Mas é mais viável para a criança aceitar que não vai fazer isso ou
aquilo porque os pais não deixam do que dizer que não gosta ou
que não quer. Claro que alguns vão, mesmo, querer. Mas nem tudo
o que eles querem é, de fato, o que eles precisam! Uma criança de 9
a 12 anos continua sendo uma criança, mesmo neste mundo que
muda rapidamente, que é moderno e que limita tanto a vida das
crianças. Os pais não podem creditar aos filhos dessa idade uma
responsabilidade que eles ainda não têm condição de exercer.
Cabe aos pais poupar essas crianças de uma entrada precipitada na
adolescência. Dizer não para uma criança que quer se comportar
como adolescente antes da hora pode ser sofrido. Tanto para a
criança como para os pais. Mas é educativo.
Terminar bem a infância é um passo para começar bem a
adolescência. Viver cada fase da vida com equilíbrio: para aprender
isso, as crianças dependem dos pais.

Em linhas gerais, a noção de pré-adolescência, “vendida” pela mídia,


não parece ter a intenção de tornar-se um momento específico do
ciclo de vida. Porém, como fenômeno da sociedade contemporânea,
ele alerta para a emergência de novas sensibilidades e novas posições
de pessoa, principalmente para aqueles (os ditos pré-adolescentes) que
desejam um reconhecimento especial, balizado pela necessidade de
autonomia, pela insatisfação em relação aos padrões etários e pela
idealização de um estilo de vida.
Essa valorização da adolescência/juventude como modelo cultural e o
desejo de permanecer nela por mais tempo aparecem de modo
metafórico em um trailler de um documentário bastante interessante

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

intitulado “surfadventure”. Nele, é apresentada uma modalidade


específica de surfe, na qual o surfista desafia marés violentas e ondas
de altura assustadora. Um dos praticantes grita para a câmera: “EU
NÃO QUERO CRESCER!”.
Autores como Chamboredon (1985) e Boutinet (1995) descrevem
esse processo como resultado de uma gradativa desvalorização da
vida adulta na sociedade contemporânea; como uma resposta
“normal” frente a obstáculos concretos que impedem uma total
autonomia: a falta de emprego, as crises pessoais diante do mundo e
sua variedade cada vez maior de opções, a necessidade de manter-se
continuamente inserido em formações profissionais etc. Sendo a
autonomia o eixo central da vida adulta, o adulto é cada vez menos uma
realidade.
Assim, surge, por exemplo, o desejo de permanecer “eternamente”
vinculado à adolescência, fenômeno batizado recentemente de
adultescência. Este termo, publicado como neologismo em tablóides
britânicos, nasceu junto com o projeto desta pesquisa: em 1997.
Tornado público pela indústria da moda, no final do mesmo ano, a
editora Oxford University já havia reconhecido o termo “adultescent”
(adultescente), incluindo-o em seu banco de dados que mantém um
registro das novas palavras usadas na língua inglesa. O vocábulo
inclusive já foi incluído em “A Glossary for the Nineties” (Um
Glossário para os Anos 90, editora Prion), elaborado por David
Rowan, colunista de comportamento do “The Guardian”, um dos
mais prestigiados periódicos britânicos.
O adultescente seria uma pessoa adulta (particularmente de meia-
idade) que mantém um estilo de vida “próprio” de adolescentes,
aquele que se faz passar por um adolescente, que veste “suas roupas”,
que se arrisca em aventuras “próprias” dos adolescentes, que fala
“sua” língua, que reproduz o “estilo de vida adolescente”. Caligaris,
no artigo “A sedução dos jovens”, publicado na Folha de S. Paulo
(Caderno Mais, 20/09/1998, p. 5-4), dá-nos alguns exemplos ou,
como ele mesmo diz, uma “galeria de retratos”: os carecas de rabinho
e patins, os flácidos tatuados, os avôs do surfe, entre outros.
Em última análise, adultescência e pré-adolescência são fenômenos que
marcam, por um lado, a centralidade da juventude, como modelo

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cultural ideal em nossa sociedade e, por outro, uma ruptura com os


padrões etários que definem posições de pessoa limitadas pela idade.
Percebemos que, atualmente, esses limites entre as etapas da vida
estão, num processo reflexivo típico da sociedade contemporânea,
passando por um processo de destradicionalização progressiva, em
que se torna cada vez mais difícil delimitarmos o início e o fim de
uma etapa e os da etapa subsequente. Torna-se, portanto, importante
analisar estratégias de governamentalidade, para utilizar uma
expressão de Michel Foucault, no contexto da gestão da vida que tem
a idade e a noção de categoria etária como fundamento.

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39
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

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(orgs.). Revista Brasileira de Educação. Número especial: Juventude e
contemporaneidade. São Paulo: ANPEd Nº 5/6, p. 37-52, mai-dez,
1997.

40
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

2. juventude e política21
Helena Wendel Abramo22

Estes dois termos do título, juventude e política, podem estar


relacionados de diferentes maneiras. De certo modo estiveram ligados
a toda a história do Brasil contemporâneo, assim como a de outros
países da América Latina. No século XIX os estudantes, pertencentes
à elite econômica e cultural, se engajaram na luta contra a escravidão e
pela independência do país; ao longo de todo o século XX,
novamente os estudantes, mas agora incluindo também filhos das
classes médias, tiveram presença marcante em todos os processos e
lutas pela modernização e pela democratização da sociedade – nas
décadas de 60 e 70 estiveram dramaticamente mobilizados contra a
ditadura militar (instaurada no país em 1964) e, mais amplamente,
contra os diferentes tipos de autoritarismo social, moral, cultural.
No início deste novo século e milênio, os jovens brasileiros estão,
novamente, mas de modo diferente, fazendo parte de uma equação
que os vincula à política. Desta vez, em torno do debate sobre a
formulação e execução de políticas públicas especificamente dirigidas
para os jovens.
Acontece, no país, um processo acelerado de debate público e
estruturação governamental para a formulação e execução destas
políticas. Se bem já existissem, desde cerca de dez anos atrás, alguns
21
Texto originalmente publicado, versão em espanhol, na revista da Fundación
OSDE, uma organização argentina (www.osde.org.ar/fundacion_osde/).
22
Socióloga, assessora da Comissão de Juventude da Câmara Municipal de São
Paulo e consultora do Projeto Juventude.

41
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

programas e organismos governamentais, principalmente de âmbito


local, foi de 3 a 4 anos para cá que o debate se intensificou e tomaram
corpo iniciativas que propiciaram a proposição de um debate no
plano nacional. Neste último período, cresceu muito o número de
organismos locais no poder executivo dirigidos à juventude
(assessorias, coordenadorias e secretarias municipais); foram
realizadas várias conferências e fóruns para discutir a formação de
agendas de políticas de juventude; foram criadas comissões públicas
no âmbito legislativo para o acompanhamento e proposição de
políticas públicas e estabelecimento de marcos legais para o tema (a
primeira comissão parlamentar de juventude foi instaurada na Câmara
Municipal de São Paulo, em 2001; hoje existem várias em municípios
de diferentes estados e, em 2003, foi criada a Comissão da Câmara
dos Deputados, de âmbito federal).
Em todos esses espaços, é crescente a presença de grupos,
organizações e movimentos juvenis dos mais diversos tipos, trazendo
suas reivindicações e bandeiras de suas comunidades, suas
identidades, suas atuações, suas lutas. E, também, de ONG,
instituições de pesquisas, organismos de apoio, que desenvolvem
informação e reflexão, cooperam em programas, e contribuem para a
abertura de espaços de participação para os jovens.
Um dos temas principais de preocupação pessoal de Lula, já durante a
campanha presidencial, foi o da juventude e, no seu segundo ano de
mandato, foi criado um grupo interministerial - instalando, pela
primeira vez no país, um canal para a articulação dos programas
setoriais dispersos, e para o diálogo com os processos de debate e
formulação em curso. Como resultado, em fevereiro deste ano (2005),
foi criada a Secretaria Nacional de Juventude, e está em processo a
criação de um Conselho Nacional para o diálogo permanente com o
Governo.
A juventude, então, retorna ao cenário como tema de políticas
públicas. Numa relação mais amesquinhada, mais pragmática, menos
desafiadora, generosa e inventiva com a política, há quem afirme, uma
vez que não se trata do engajamento em lutas por grandes processos
de transformação, não se trata de promover um embate contra o
sistema, de questionar as instituições, mas, de certo modo, ao
contrário, demandar do sistema serviços que permitam a sua inclusão,

42
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

ou inserção, ou integração, em termos econômicos, sociais, culturais,


políticos...
Em certa medida, isso faz parte do quadro, que contem, no panorama
geral, os traços de esvaziamento da política, de desgaste dos modelos
de organização política, de crise das perspectivas de transformação.
Mas é preciso atentar para outros elementos do cenário, que
permitem pensar em dimensões inovadoras, de alta intensidade
política, e que revelam desafios fundamentais para as nossas
sociedades e suas possibilidades de transformação.
Um desses elementos é a mudança da composição social dos jovens
no centro do cenário; não são mais somente, nem principalmente, os
jovens estudantes, de classe média e alta, que estão no foco e na arena
da política, mas os jovens dos setores populares, das classes
trabalhadoras, das periferias. Isso constitui uma novidade histórica e
abre muitas possibilidades em relação aos conteúdos, às práticas e ao
alcance da política assim formulada.
Os jovens viraram foco de atenção primeiramente como preocupação
e alarme, no centro de boa parte dos mais graves “problemas sociais”
produzidos pela acentuação da desigualdade e exclusão dos últimos
decênios: vítimas e/ou autores do aumento da drogadição, de doenças
sexualmente transmissíveis, entre elas a AIDS, da gravidez precoce, a
proximidade com a violência, o envolvimento com a criminalidade e
com o narcotráfico, o crescimento chocante de homicídios nesta faixa
etária.

Por outro lado, ganharam visibilidade também pelo aparecimento de


diversos grupos de expressão, principalmente dos setores populares,
que, com atuações e linguagens variadas no plano da cultura, do lazer,
do cotidiano da vida comunitária, da vida estudantil, vieram a público
colocar as questões que os afetam e os preocupam. Questões
referentes à condição juvenil vivida nesta conjuntura: além do
desemprego e da dificuldade de estruturar perspectivas positivas de
vida, a necessidade de lidar com novas formas de exclusão material e
simbólica, com a violência cotidiana e sempre tão próxima; as
possibilidades de circular pelo espaço urbano com as formas próprias
de diversão e expressão, driblando o preconceito geral e a repressão
policial; a busca de desenvolver uma ética pessoal frente aos novos

43
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

imperativos de sucesso e prazer, com os desafios de poder viver


experimentações e situações de prazer preservando sua integridade
física e mental etc.

Paradigmático, no Brasil, deste novo tipo de aparecimento e


expressão juvenil, são grupos culturais como os que se articulam em
torno do Hip Hop (com seus vários eixos de ação, o rap, o grafite e o
break), que fizeram ver (e ouvir) ao país as tensões, contradições,
aspirações e reclamos dos jovens negros e pobres moradores das
periferias das grandes metrópoles, gerando processos de identificação
com milhares em situação semelhante, ao largo dos grandes esquemas
da midia e da indústria de entretenimento.

De forma altissonante, se afirmam como jovens, claramente


localizados numa condição de exclusão, que denunciam, e reivindicam
o direito a participar daquilo que a sociedade ainda cumpre apenas
para poucos. Como deixa claro um trecho de letra do mais famoso
grupo de rap do Brasil, os Racionais: O mundo é diferente da ponte pra cá
(...) eu nunca tive bicicleta ou videogame/ agora eu quero o mundo igual a
Cidadão Kane/ da ponte para cá antes de tudo é uma escola/ minha meta é dez,
nove e meio nem rola (Da ponte para cá).23
A postura e forma de atuação destes grupos ganha muitas e diferentes
direções. Há aqueles que cultivam a violência como recurso de
comunicação e instrumento para negociar espaço social, mantendo
com os canais políticos apenas a intenção de detonação. Há aqueles
que mantem uma relação de denúncia e rejeição da política, vista
apenas nos seus aspectos negativos – por exemplo, são frequentes
músicas com letras de música como esta: vivemos numa sociedade/ onde
não temos direitos/ apenas obrigações/ onde crianças morrem de fome/ enquanto
sustentamos políticos ladrões/ (...) apolítica é nosso maior problema/ nunca
daremos nosso voto/ a qualquer espécie de parasita/ pois qualquer político/ não
passa de mais um carrasco fascista ( A Política, Cavalera).

23
Na cidade de São Paulo, onde vivem os Racionais, boa parte dos bairros
pobres da periferia ficam separados da região central da cidade por dois rios
que cortam a cidade.

44
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Mas também há grupos que buscam transformar suas questões em


demandas por direitos, e procuram participar de alguns tipos de
espaços públicos para apresentar estas demandas e interferir no plano
político, de formas muito variadas, às vezes numa linguagem mais
propriamente cultural, apenas fazendo com que autoridades tomem
conhecimento de suas identidades e questões, às vezes numa
linguagem mais diretamente política. De qualquer forma, a idéia de
que podem desenvolver uma atuação para cobrar direitos vai se
estruturando, o que também é possível de ser ouvido em músicas,
como esta do Pavilhão 924, que aproveita a herança deixada pela
geração anterior, incorporando trecho de música de Bob Marley: vou
seguindo sendo original/ está difícil de se empregar/ qual a solução irmão/ mesmo
assim eu permaneço ativo/ nessa vida eu só preciso de um incentivo/ acredito, sigo,
não desisto/ em nenhum momento/ e vou lutando pelo meu direito/ get up, stand
up, stand up for your rights (Get up, stand up – levante a Kbça).
Alguns desses jovens entram em certos canais de relação com os
poderes públicos para reivindicar espaços e ações voltadas para suas
atividades, tais como centros comunitários e/ou culturais, oficinas de
formação em linguagens culturais, desenvolvimento de programas
específicos de saúde, ação comunitária etc. A apresentação de suas
questões, nos centros de referência de juventude, nas assembléias de
Orçamento Participativo, nos congressos de cidade, nas conferências
municipais convocadas pelos organismos gestores é que foram
tornando visíveis suas demandas específicas, e foi desse modo que a
lógica de suas necessidades singulares alcançou algum grau de
reconhecimento por parte dos outros atores sociais.
A gente gostaria de saber, por exemplo, se existe um projeto que obrigue o poder
público, as escolas públicas, a terem também espaço para o desenvolvimento da
cultura, do esporte, do lazer. Será que não poderia haver um projeto de lei que
mudasse a concepção arquitetônica das escolas? ... que obrigasse as escolas públicas
da prefeitura e do estado a terem anfiteatro e auditório para que os jovens também
pudessem desenvolver cultura, música, teatro e dança? (fala de um jovem
participante do Centro Social Marista – ong que desenvolve
programas para jovens na periferia da Zona Leste de São Paulo – a

24
Pavilhão ( era uma das alas da mais famosa penitenciária de São Paulo, hoje
desativada.

45
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

vereadores da Comissão de Juventude da Câmara Municipal de São


Paulo).
Assim, se a ação de grupos juvenis com uma trajetória e inserção mais
antiga no universo da política, na sua maior parte com quadros
pertencentes às classes médias, tais como as entidades estudantis e as
juventudes partidárias, foram importantes, porque reivindicaram e
pressionaram, para a criação de organismos institucionais nos níveis
executivo e legislativo dos poderes públicos, as demandas dos grupos
juvenis da periferia foram centrais para a montagem de uma pauta
atual e diversificada de políticas para além das tradicionalmente
incorporadas aos programas partidários, como educação e segurança.
E introduzem a perspectiva de que as políticas devem ser formuladas
visando o atendimento dos direitos, na mais pujante tendência dos
movimentos sociais atuais como os das mulheres, os dos negros, os
dos trabalhadores rurais etc.
A presença destes diferentes sujeitos juvenis no palco da nascente
estruturação das políticas de juventude no Brasil traz, assim, desafios
e possibilidades que, dependendo das respostas encontradas, podem
enriquecer e mesmo trazer novas perspectivas para a vida política da
sociedade brasileira. Pode-se esperar a ampliação do debate sobre
direitos, com o aprofundamento da perspectiva da consideração da
diversidade e da singularidade dos múltiplos sujeitos, introduzindo,
assim, novas peças na montagem da imaginação acerca de “um outro
mundo possível”. Deve-se também ser capaz de criar, inventar,
diferentes e múltiplas formas de participação política, para não perder
a contribuição e engajamento destes novos atores que subiram no
palco, o que certamente contribuirá para uma revitalização da
democracia.
Pois a vida política do país tem de contar com a participação destes, e
ainda de muitos outros, jovens. Eles não querem, e não devem, voltar
à invisibilidade.
Eu tenho uma missão e não vou parar/ meu estilo é pesado e faz tremer
o chão/ minha palavra vale um tiro e eu tenho muita munição (cap 4
versículo 3 – Racionais).

46
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

3. Entre a cruz e a caldeirinha: Disputas de sentido em torno das


ONG e de suas práticas educativas direcionadas à População
Jovem.
André Sobrinho25

Pesquisas no Brasil nas últimas duas décadas26 revelam a


intensificação da participação das ONG na esfera pública, abordando
o seu surgimento no interior dos Movimentos Sociais27, ou a sua
relevância no campo da chamada “Sociedade Civil Organizada”. São
inúmeras as abordagens que ora se articulam, ora se enfrentam; as
referências conceituais de Sociedade Civil se interpelam na disputa de
significados, sendo comum visualizarmos acalorados debates que
buscam recuperar o seu sentido, lançando mão de sua dimensão

25
Sócio-fundador da ONG Canto Jovem/RN e Coordenador Geral do XII
Encontro Nacional de Adolescentes.
26
Trabalhos de Landim (1993; 1996; 1998; 1999; 2004); Haddad (2002) Scherer
Warren (1999; 2002; 2004.2005) para citar alguns exemplos.
27
Utilizamos o conceito de Movimentos Sociais, conforme compreende a
socióloga Scherer Warren (1999), para quem: “um movimento social são formas
de ações coletivas reativas aos contextos histórico-sociais nos quais estão
inseridos (...) é um conjunto mais abrangente de práticas sócio-político cultural
que visam a realização de um projeto de mudança, resultante de múltiplas redes
de relações sociais entre sujeitos e associações civis”. A autora, por sua vez,
compreende as ONG como: “agrupamentos coletivos com alguma
institucionalidade, as quais se definem como entidades privadas com fins
públicos e sem fins lucrativos (...)”.

47
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

filosófica28 e atualizando-as de acordo com a realidade social


contemporânea.
Nesse campo temático em que gravitam os estudos em torno dos
Movimentos Sociais, Sociedade Civil e ONG, uns se assentam na
perspectiva de atualização dos conceitos marxistas, trazendo outros
referenciais teóricos na linha da cultura e da subjetividade; dos
processos de individuação do sujeito; na dialética entre as micro-
relações do cotidiano e as estruturas sociais mais amplas. Outros,
porém, buscam manusear os conceitos de forma menos otimista,
tratando de recuperar suas origens, relacionando-os com as
tradicionais estratégias revolucionárias, e até denunciando as ONG,
por exemplo, como mais um instrumento do capitalismo para conter
o conflito de classes.
Algumas dessas análises dão conta de descrever a trajetória histórica
do termo “ONG”, numa tentativa de diferenciar as práticas que estão
colocadas sob o mesmo arcabouço jurídico-legal de “organizações
privadas de interesse público”. Ou seja, de um modo geral, esses
estudos expressam um ponto de partida importante que revela como
em um mesmo tipo associativo, podem ser encontrados distintos
pressupostos políticos e ideológicos que interferem diretamente na
ação social dessas entidades; nas suas relações institucionais,
especialmente com o Mercado e o Estado. Entretanto, ainda é
recorrente a homogeneização que o termo ONG evoca, tornando
nebuloso o que elas reproduzem ou trazem de propostas que
contribuem no desenvolvimento das instituições sociais e políticas; o
que pretendem de mudanças estruturais através dos seus “projetos”; e
como atuam objetivamente no enfrentamento às desigualdades.

ONG e sociedade civil: apontamentos históricos


O registro de um papel preponderante de organizações da sociedade
civil sem fins lucrativos, remonta do século passado, precisamente

28
Na tradição filosófica, encontramos sínteses significativas da idéia de
sociedade civil em Hegel, na sua filosofia idealista e em Marx na filosofia
materialista.

48
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

entre as décadas de 20 e 4029, no período em que políticas sociais no


Brasil, se confundiam com a filantropia exercida por entidades
religiosas, principalmente nas áreas de saúde e assistência social,
chanceladas por sucessivos governos, cujos ocupantes saiam de uma
burguesia agroindustrial, e na década de 30 pelo governo autoritário,
no Estado Getulista30. Esse mesmo Estado além de legitimar essas
entidades, também repassava recursos públicos, mediante convênios e
doações, sendo elas prestadoras de serviço para os mais
“necessitados”, ou seja, aqueles à margem das políticas estatais. Nota-
se que a relação dessas entidades com o Estado se pautava pelo
aspecto colaborativo. Essa configuração filantrópica tinha um papel
fortemente consolidado pelos valores da época, destacando-se as
concepções religiosas da igreja católica, na sua tendência mais
tradicionalista. Se por um lado, havia repressão e estratégias de
cooptação por parte do Estado para conter a oposição ao regime31,
por outro lado, essas entidades assistenciais faziam o papel de
“inclusão” dos pobres, por meio da ajuda humanitária ou da criação
de espaços de lazer.
É conhecido o histórico da formação do Estado brasileiro de “cima
para baixo”, e nesse período, alcança um patamar significativo de
interferência nas relações institucionais da sociedade civil e de setores
econômicos, dos quais se beneficiavam as elites da ocasião. Isto quer
dizer, que havia certo “peso” do Estado na sociedade civil e no
mercado, que demarcará fortemente o papel daquele na construção de
novos processos políticos e sociais de entidades associativas,
colocando-as ao seu redor. Landim (2002, p. 23) afirma:

29
Essas organizações eram mais conhecidas como “entidades assistenciais”. O
termo ONG ainda não está exposto nesse período.
30
Período em que o presidente Getulio Vargas governou o Brasil entre 1930 a
1945, ocasião em que o país viveu profundas transformações sociais e
econômicas, além de mudanças na ordem política.
31
O presidente Vargas, por exemplo, mantinha uma relação dúbia com os
sindicatos: ao mesmo tempo em que os permitia existir e davam-lhes garantias
em termos de direitos trabalhistas, sufocava qualquer iniciativa maior de
contestação ao seu poder.

49
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

(...) na formação social brasileira, a sociedade foi ‘criada’


pelo Estado – um Estado de corte autoritário,
patrimonialista, corporativista -, correspondendo a uma
sociedade civil débil, subordinada, tardia, assim como tardia
foi a constituição do mercado.
Portanto, essas características estarão presentes nos pressupostos que
orientam os investimentos estatais em políticas sociais, o que nos leva
a perceber a opressão institucionalizada pelo aparato estatal as
chamadas “minorias” das classes populares, como mulheres, negros e
jovens. Ou seja, para esses indivíduos, qualquer tipo de ação social
estava pautada por uma concepção de assistência, caridade ou “ajuda”
e, caso houvesse qualquer tipo de resistência destes sujeitos, de forma
organizada ou não, que questionasse as estruturas do regime, o
Estado operava com seus instrumentos repressivos.
Não é por acaso que é desta época, mais precisamente na segunda
metade da década de 20, que surge uma legislação que orienta as
ações estatais para a população jovem32, conhecida como o código de
menores, refletindo tanto a concepção de infância daquele período,
como a mentalidade nas relações de classe, gênero e raça de uma
época em que pesavam de forma mais contundente as fronteiras
explícitas entre negros e brancos, homens e mulheres, ricos e pobres,
somando a elas, a inexistência de uma noção mais ampliada de
Direitos, especialmente para crianças e jovens. Afinal, estes não eram
considerados trabalhadores e trabalhadoras formais (muito embora
trabalhassem), ou seja, no bojo do movimento social mais
consolidado, que demandava direitos trabalhistas, crianças e jovens,
eram invisíveis.

ONG nas continuidades e rupturas históricas


Podemos considerar que “ONG” enquanto categoria social e política
na configuração associativa no Brasil se afirmam em outro período
histórico e percorre outro caminho daquele que acabamos de
32
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) compreende população
jovem, indivíduos inseridos na faixa etária entre 10 a 24 anos. O governo
brasileiro entende juventude, indivíduos entre 15 a 29 anos. Para os objetivos
deste texto, utilizo estes dois marcos.

50
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

descrever sucintamente. Entretanto, o que ainda é semelhante ao


período anterior acima descrito é o peso relativo do Estado sobre as
instituições.
Trata-se do período da ditadura militar, nas décadas de 60 e 70, num
contexto internacional de intensas tensões nas relações políticas e
econômicas, quando a América Latina é palco de disputas ideológicas
entre os valores do capitalismo e do socialismo. Do ponto de vista do
poder político na esfera Estatal, a história nos conta que a orientação
capitalista sob o comando dos Estados Unidos, interferiu fortemente
na conformação dos regimes ditatoriais na região, liderada por
militares que se ocuparam de afastar e reprimir a interferência das
concepções socialistas na sociedade.
Em paralelo, movimentos de resistência se ergueram, alguns com
certa espontaneidade e ingenuidade, outros atuando na
clandestinidade e com táticas de guerrilha, mas todos intensamente
reprimidos pela ditadura. Dentre esses grupos, é importante destacar
os que foram inspirados pelos processos educativos de educação
popular, cujo símbolo maior é a figura do educador pernambucano
Paulo Freire33.
Um ator que favoreceu a ampliação desse método nas comunidades
brasileiras e trouxe importantes elementos para a organização
comunitária, foram as chamadas comunidades eclesiais de base,
orientadas pelos princípios de uma ala progressista da Igreja Católica,
a teologia da libertação, se desenvolvendo especialmente no Nordeste,
região que sempre se destacou pelos piores indicadores sociais.
No Sudeste, além da influência da Educação Popular, existia o
Movimento Estudantil na luta contra a ditadura, em que jovens das
universidades, oriundos em sua maioria da classe média, enfrentam o
regime, seja por mobilizações nas ruas ou na aliança com os
movimentos culturais da época. Destaca-se nessa aliança a criação dos
Centros Populares de Cultura (CPCs) nas universidades brasileiras.

33
Paulo Freire elaborou um método de educação para jovens e adultos, na
intenção de torná-lo revolucionário, buscando a fonte para a autonomia e a
libertação nas práticas pedagógicas, baseados em estímulos à conscientização
dos oprimidos, por meio da percepção da opressão na realidade concreta de
suas vivências no cotidiano.

51
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Mesmo assim, poucas referências e estudos dão conta de explicitar


qual a participação de jovens das camadas populares na construção
desses e de outros processos de resistência, ou seja, análises que
revelem a participação ativa desses jovens na condução de iniciativas
de oposição e não apenas nas suas presenças em mobilizações.
De qualquer forma, parece ser sob a influência desses grupos de
resistência, especialmente os dois últimos, que se desenvolve um tipo
de coletivo formado por intelectuais de esquerda, que passam a atuar
sistematicamente em grupos comunitários de “base”, na qualidade de
assessoria e apoio à organização popular, em geral com o intento de
“conscientizar” as classes subordinadas. Inferimos a afirmação de que
é nessa configuração que se encontra de forma embrionária o
surgimento do que hoje conhecemos como as “ONG cidadãs”, ou de
defesa de direitos34. Importante observar que a atuação desses
coletivos nessa ocasião, era realizada sob muita pressão política,
muitas vezes não havendo uma divulgação maciça de seus trabalhos.
Francisco de Oliveira (Apud Landim, p. 18) observa:
As ONG surgem como um dado novo da complexidade da
sociedade, (...) são um ‘lugar’ de onde fala a nova
experiência, de onde não podia falar o Estado, de onde não
podia falar a Academia, de onde só podia falar (...) uma
experiência militante. (Oliveira, 1997)
Percorrendo a segunda metade da década de 70 e início dos anos 80,
começa a se desenhar à abertura política, especialmente provocada
pelos Movimentos Sociais, que nessa conjuntura, trazem à cena não
apenas a luta pela democracia e a liberdade de expressão, mas também
o deslocamento da atenção dada pela esquerda tradicional de um
sujeito histórico da luta (as classes), para o surgimento de sujeitos

34
Em que pese esta contextualização em torno das diferentes práticas,
considerando este universo difuso de atuação de ONG, estamos dando ênfase
àquelas que se autodenominam pertencentes a um campo de “ONG de
desenvolvimento” ou “ONG de Defesa de Direitos”. Esta denominação
encontra-se nos marcos normativos da Associação Brasileira de Organizações
Não-Governamentais (ABONG – www.abong.org.br).

52
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

sociais35 que demandam novos Direitos, com destaque para o


movimento feminista, negro, e de luta pela terra. Os coletivos de
intelectuais e militantes de esquerda, bem como pessoas das
“comunidades”, que integravam os centros de assessoria e apoio se
constituem como ONG, recebendo como herança traumática da
ditadura, um relativo distanciamento e enfrentamento ao Estado e
realizando experiências localizadas de educação, cultura e
participação. Nesse período, cresce uma relação com as chamadas
ONG internacionais, que mobilizam recursos em seus países de
origem, para financiar ações de intervenção social ou “projetos de
desenvolvimento” na América Latina.
No seio das demandas por novos Direitos, começa a existir uma
especial atenção por parte de atores políticos, sobre a realidade dos
meninos e meninas de rua nas grandes cidades, tomando forma uma
agenda específica para tratar dos Direitos da Criança e do
Adolescente. A culminância em torno desta agenda refletiu-se na
institucionalização do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990,
que ao substituir o antigo código de menores e sua doutrina de
situação irregular, instaura um marco legislativo, normativo, político e
pedagógico orientado por uma doutrina de proteção integral.
É fundamental considerar que o desenvolvimento de novas formas
associativas, como ONG cidadãs, não ocultou a ação das entidades
assistenciais, que adaptaram suas iniciativas aos códigos e linguagem
provocada pelas novas configurações de ação coletiva. Dagnino
(2006) fala de “confluência perversa” ou de uma crise discursiva que
homogeneíza vocabulários e obscurece as diferenças de sentido e de
projetos acerca da cidadania, da participação e da democracia. Neste
caso particular, podemos incluir também os projetos político-
pedagógicos dos diferentes atores aqui mencionados.

35
Utilizamos aqui a noção de sujeito proposta por Scherer Warren (1999):
“Sujeito social refere-se à relação de responsabilidade e de auto-criatividade
positiva, não destrutiva, que o individuo estabelece consigo mesmo e com a
sociedade em que vive (...)” Ainda: “O sujeito é a vontade de um individuo de
agir e de ser reconhecido como ator (...), tornando-se o agente de uma obra
coletiva...”. (Touraine Apud Scherer Warren).

53
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

É nesse caminho, que o debate acerca dos direitos de crianças e


adolescentes, é adicionado às práticas dessas entidades, e as novas
instituições que se formam sob as mesmas concepções, porém
denominando-se ONG, passam a “atender” os meninos e meninas
em situação de rua, ingressando e trazendo elementos de suas
experiências ao movimento mais amplo em defesa de crianças e
adolescentes. Portanto, temos um conjunto de atores sociais, que em
que pese suas diferentes concepções e visões de mundo, promovem
ações para o mesmo “público” e circula no mesmo campo de atuação
política.

Racionalidade econômica e o “setor social”.


Na década de 90 assistimos a uma proliferação das ONG, tanto
surgidas no interior dos movimentos sociais, as quais se destacam
pelo caráter político e pedagógico de suas atuações com sujeitos e
demandas bem específicas, como as que aparecem para prestar
serviços ao Estado, num contexto em que os governos adotam
medidas de transferência de responsabilidades para a sociedade civil.
Nesta década se intensificam os acordos econômicos de ajuste fiscal
dos Estados Nacionais; a flexibilização das leis trabalhistas e os
pagamentos de dívida externa, reduzindo a capacidade do Estado na
implementação de políticas sociais.
Nesta conjuntura, revelam-se as disputas teórico-políticas em torno
do conceito de Sociedade Civil. Para os favoráveis da descentralização
do Estado na execução de Políticas Sociais, o chamado “terceiro
setor” ou “setor social” (que se confunde no discurso com sociedade
civil) teriam as condições de executar melhor as políticas públicas. Por
outro lado, o esvaziamento do sentido de Sociedade Civil em sua
acepção mais filosófica, encontra em autores marxistas
contemporâneos, relativo enfrentamento. É comum evocar-se o
pensamento de Gramsci36 em torno do conceito. Nogueira (2003, p.
187) opera nessa perspectiva, quando observa que:

36
Antônio Gramsci: teórico marxista, cientista político e comunista italiano
(1891 – 1937)

54
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

(...) a tradição associada a Gramsci permaneceu vendo a


Sociedade Civil como “parte orgânica” do Estado, como
âmbito dotado de especificidade, mas somente
compreensível se integrado a uma totalidade histórico-
social, as correntes mais recentes tenderam a tratar a
sociedade civil como uma instância separada do Estado e
da economia, um reino à parte, potencialmente criativo e
contestador, visto ora como base operacional de iniciativas
e movimentos não comprometidos com as instituições
políticas e as organizações de classe, ora como espaços
articulados pelas dinâmicas da ‘esfera pública’ e da ‘ação
comunicativa’.
A crítica de Nogueira quando destaca as abordagens que tratam
sociedade civil como “um reino à parte” parece se referir ao formato
a priori com que essas análises delimitam a Sociedade Civil, numa
tríade juntamente com outros dois “atores”, o Estado e o Mercado.
Não haveria mais centralidade no Estado, este é um mero ator, assim
como os outros dois. Ou seja, na compreensão deste autor, a
afirmação estabelecida que considere essas três instâncias de forma
distinta, não se coaduna com o tratamento dado por Gramsci à
Sociedade Civil, entendendo-a como parte orgânica do Estado, da
qual estariam preservadas as individualidades, tendo, porém, um
campo de unicidade na medida em que são também espaços de
construção de hegemonia para a disputa à direção do Estado.
A crítica mais contundente, passa pelo uso de sociedade civil como
um terreno virtuoso de práticas “externas” ao Estado, localizadas
num “setor público não-estatal”, e se relacionando com àquele de
uma forma parcial e contraditória, despolitizando os mecanismos de
poder, dominação e controle envolvidos nessas inter-relações. O
discurso do Estado como um mero ator, ante os outros dois, segundo
os Marxistas, contribui para aumentar o arsenal de argumentos que
defendem o Estado mínimo. A responsabilidade recai sobre a própria
sociedade civil e a lógica de mercado que lhe escapa e ao mesmo
tempo transversaliza, se afirma com mais vigor.
No seio deste ponto de vista, encontramos as duras criticas a noção
de “terceiro setor”, que se confunde com sociedade civil, sob a
perspectiva acima mencionada. Para elas, a idéia de “terceiro setor”
sugere um terreno harmônico do associativismo multicultural, aonde

55
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

são realizadas experiências localizadas. Sendo assim, na observação


empírica, O “social” parece ser mais bem cuidado por este “setor”, e
aos outros dois, Mercado e Estado, caberia cuidar do Econômico e
do Político, respectivamente. O Estado transfere responsabilidades do
“social” para a sociedade civil; as empresas investem no “social”,
criando os institutos e as fundações empresariais, ou os mecanismos
de premiação e transferências de recursos para o “terceiro setor”. O
Social se fragmenta e o referencial marxista que compreende a
Economia, a Política e o Social como uma totalidade orgânica, se
dilui.
Direcionando o olhar para a perspectiva teórica dos Novos
Movimentos Sociais, em que pese às críticas formuladas pelos
marxistas, encontramos subsídios que podem também gerar
importantes debates para compreender, a partir deste enfoque, as
práticas das ONG.
De um modo geral, essas análises partem do pressuposto da
ampliação do sentido da política, para além dos campos institucionais
de Estado, Partidos, Mercado. A vida cotidiana, a subjetividade, a
cultura e o desenvolvimento da democracia nos planos micro e macro
da vida social, são algumas categorias geradoras de indicadores que
permitem ampliar o alcance de visão na busca de apreender as novas
tramas tecidas pelas relações humanas na modernidade.
Explicitamente está registrado a construção de novos sujeitos
demandando Direitos e reconhecimento, mas implicitamente, o
suposto colapso do papel da classe trabalhadora como sujeito
histórico da mudança do sistema, que seria confirmado pela própria
experiência histórica concreta.
Em geral, as abordagens sobre os Novos Movimentos Sociais se
assentam na crença da capacidade dos indivíduos em redimensionar
as suas inter relações, operando com mais autonomia na criação e
reprodução do social. Segundo Touraine (Apud Scherer Warren,
1999): “É pela relação ao outro como sujeito que o indivíduo deixa de ser um
elemento de funcionamento do sistema social e se torna criador de si mesmo e
produtor da sociedade”.
Ou seja, o “peso” das estruturas na definição de papéis pré-
estabelecidos é relativizado, e dessa forma, no agir coletivo, haveria

56
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

uma ampliação do espectro da luta política que não se limita à esfera


econômica, mas no modo como as pessoas “pensam” e “agem”,
gerando novos valores. As utopias de igualdade, solidariedade e
respeito às diferenças, tem uma função de “estado de arte”, uma
espécie de busca constante, a despeito dos conflitos que se dão nas
práticas políticas. A relação com o Estado se redimensiona: ainda
existem resquícios de um distanciamento/conflito, porém no
processo democrático, novas relações se desenham, e os Movimentos
Sociais atuam no sentido de mobilização e conscientização, abrindo
diálogo com o Estado na formulação de políticas. Nesse campo, se
registra uma espécie de institucionalização dos Movimentos, a
mediação com o Estado se dá pela capacidade propositiva, que por sua
vez, precisa estar cada vez mais profissionalizada.
Nesse sentido, dado o alcance desses novos paradigmas sobre a
produção da sociedade, em um contexto de surgimento de uma
“Sociedade Civil Planetária” e ampliação de novos Direitos, as ONG,
são colocadas como coletivos importantes, verdadeiros elos na
constituição de redes de solidariedade (Scherer Warren, 1999).

Adolescência e juventude: diferenças conceituais e práticas


educativas.
Em um esforço de compreender os diferentes pressupostos político-
pedagógicos contidos nas práticas educativas com a juventude das
ONG, lançamos uma perspectiva de compreensão de Dina
Krauskopf (apud Abramo, 2005) 37, que recupera um conjunto de
sistemas de abordagens sobre juventude no plano das políticas
especialmente na América Latina, em quatro tipos: 01) a juventude
como período preparatório; 02) a juventude como etapa problemática;

37
Helena Abramo no texto - o uso das noções de adolescência e juventude no
contexto brasileiro - faz uma significativa análise abordando as concepções e
práticas difusas direcionadas aos adolescentes e aos jovens distintamente. Por
motivo de espaço neste texto não nos será possível detalhar a abordagem da
autora. Porém, recomenda-se a leitura. O texto está contido na publicação
denominada - Adolescências e Juventudes: Referências conceituais - e está
disponível no site da Ação Educativa: www.acaoeducativa.org.br

57
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

03) o jovem como ator estratégico de desenvolvimento; 04) a


juventude cidadã como sujeitos de direitos.
Essas abordagens, entre outros elementos, se cruzam ao reconhecer
que as políticas de juventude, como as práticas sociais com esses
sujeitos, são referenciadas a partir da educação, sendo esta o campo
principal de atuação dos esforços institucionais, seja como forma de
integração, controle e/ou “inserção” na vida social, ou ainda na
perspectiva de formação que considere os jovens como “atores
estratégicos” de um desenvolvimento cujos contornos já estão
previamente estabelecidos, ou seja, aos jovens caberia se inserir nele,
reproduzi-lo e desenvolvê-lo (sem questionar os fundamentos).
Por outro lado, para o Projeto Juventude38, tratar da categoria
Juventude no âmbito das políticas e das práticas sociais, significa
reconhecer que a faixa etária acima dos 18 anos na atualidade,
apresenta características históricas e necessidades diferenciadas. Dessa
forma, convencionou-se tratar do tema, pensando nas singularidades
da condição juvenil no mundo contemporâneo, ao mesmo tempo,
valorizando sua diversidade. O termo Juventudes no plural passa a ser
constantemente acessado; seu significado pressupõe que há
reconhecimento sobre esta pluralidade, e no plano do discurso
“politicamente correto”, fica implícito que as práticas educativas
consideram tal perspectiva.
O fato de existir um relativo reconhecimento das especificidades no
interior das juventudes, nos dá poucas pistas sobre em que medida
esta compreensão afeta as práticas formativas das ONG e os lugares
naturalizados nessas relações educativas, que são resultantes da noção
corrente e eternizada de jovens como sujeitos em formação, ou seja, a
idéia ainda recorrente e inscrita nas práticas, da juventude como fase
de preparação para a vida adulta.

38
O Projeto Juventude se constituiu em um amplo diagnóstico que incorporou
consultas aos governos e sociedade civil em diferentes regiões e resultou numa
pesquisa que buscou retratar a realidade da juventude brasileira, com vistas a
subsidiar a elaboração de propostas para as políticas de juventude. Foi
desenvolvido pelo Instituto de Cidadania a partir de 2003.
www.projetojuventude.org.br

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Práticas educativas e o Protagonismo Juvenil


Um conceito bastante difundido nos últimos tempos, especialmente
entre as ONG e organismos multilaterais, e que nos parece sustentar
com sucesso o ponto de vista de jovens como atores estratégicos, tem
sido o “protagonismo juvenil”. Essa perspectiva, que se coloca como
possibilidade de uma prática pedagógica, tornou-se um parâmetro,
pelos quais os atores políticos envolvidos com as questões juvenis,
podem fomentar experiências de participação da juventude na
sociedade.
Segundo o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa:
O protagonismo juvenil emerge como alternativa válida e
eficaz para possibilitar aos adolescentes identificar,
incorporar e vivenciar, através de ações concretas, os
valores que lhes permitirão encontrar-se consigo mesmos e
com os outros, na dimensão da solidariedade e do serviço
desinteressado à causa do bem comum. (COSTA, 2000, p.
112).
É válido considerar que no conteúdo explicativo do protagonismo
juvenil surgem importantes considerações sobre cidadania,
participação e o respeito ao desejo do adolescente/jovem no
planejamento, execução e avaliação de suas “ações protagônicas”,
enquanto “sujeito da ação”. Contudo, inserido que está em um
ambiente sócio-cultural informado por práticas econômicas de
mercado, as quais, entre outras coisas, esvaziam o sentido político-
ideológico de ações direcionadas à mudança estrutural, a forma como
essas práticas se inscrevem no campo da educação, revelam as normas
e valores sociais hegemônicos que atribui aos indivíduos um poder ou
uma posição social de aparente liberdade e autonomia, ocultando as
representações simbólicas que sustentam a estrutura social de
dominação (Bourdieu 2003).
Levando em conta que a educação não está dissociada dos valores
sociais hegemônicos, mas antes tem um papel-chave na reprodução
das concepções vigentes (Rodriguez, 2004), é possível identificar no
interior das práticas educativas que utilizam o protagonismo juvenil,
que pouco se problematiza sobre a noção de conflito. As ações
empreendidas para os jovens protagonistas parecem estar

59
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

previamente estabelecidas, e apenas a atuação prática está no centro


da atividade pedagógica/ política, sem considerar o grau de relevância
da participação dos jovens em atividades autônomas, constituídas
pelo seu próprio desejo, ou ainda, sua participação mais ativa na
mobilização de recursos e na constituição dos “projetos” das ONG
em que estão inseridos.
Se nessa perspectiva, a ação é o que dá qualidade a participação, o
movimento reflexivo sobre o contexto social e político em que esta
prática se insere, parece ficar em segundo plano. Giroux (1983, p 56)
na sua proposta de uma pedagogia radical na escola, recupera a
importância de processos reflexivos nas atividades pedagógicas:
É importante que estudantes aprendam o que uma dada
sociedade tem feito deles, como ela os une material e
ideologicamente às suas leis e à sua lógica, e o que é preciso
afirmar ou rejeitar em suas próprias histórias a fim de
começar o processo de luta pelas condições que lhes darão
as oportunidades de uma existência autodirigida. (...)
Aliás, sobre a questão de existência autodirigida, que nos remete ao
conceito de autonomia, outras problematizações são recorrentes de
análise. Em linhas gerais, ocorrem bastante comum no discurso das
ONG, os referenciais da pedagogia de Paulo Freire, ao tratar deste
tema. Porém, os educadores envolvidos em práticas educativas com
jovens, reconhecem a complexidade da questão e as indefinições
sobre o que seria um processo formativo que gere autonomia dos
sujeitos. Na relação educativa, parece difícil encontrar pistas do que
seria uma formação na autonomia, posto que na própria prática
pedagógica, se evidencia lugares cristalizados nas relações geracionais
de poder, que se expressa na relação entre educador e educando.
Tommasi (2005, p. 13) ao analisar essa questão com educadores de
ONG, conclui:
Mesmo quando não queremos e explicitamente negamos a
identidade de educador, o costume faz com que os jovens
considerem todo e qualquer organizador de projeto com o
qual entram em contato como um “educador”. E, nessa
relação educador-educado, é difícil escapar da visão
tradicional de educador como aquele que “sabe” e
transmite seus conhecimentos e aprendizados para os

60
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

educandos. Difícil escapar de certa “infantilização” dos


jovens, de tratá-los como seres que, por estar em processo
de formação, são ainda desprovidos de saberes socialmente
válidos e, portanto, incompletos, incapazes por enquanto
de agir com consciência e responsabilidade e escolher seus
caminhos de vida de forma autônoma.
Desestabilizar esses lugares se coloca como um desafio para
educadores/as, em torno de que outras posições podem ocupar na
relação educativa, tomando como base uma proposta menos
hierarquizada e categorizada, ou seja, mais ampla de formação
humana. Para Melucci (Apud Tommasi, 2005, p.14) Um adulto que não
se coloca simplesmente num lugar que se situa além da adolescência, mas se faz
questionar por ela, é um adulto que nunca terminou de se confrontar com a
instabilidade e a indefinição. E que, portanto pode se colocar em relação com o
potencial e com o risco da mudança que os jovens lhe propõem.
De um modo geral percebe-se que é nas tensões entre o que está
estabelecido e o que pode ser transformado, fruto da reflexão sobre a
prática educativa, que se cria um ambiente em que se permite falar no
grau de capacidade dos sujeitos em “desestabilizar” os lugares que
cada um ocupa na relação educativa. Provocar essa ambiência
contribui para avançar no entendimento de que um processo de
formação humana, não se efetiva nos momentos em que existe uma
pauta ou roteiro com pretensões de educação para a cidadania e/ou
“inserção dos jovens na vida social” 39, mas que qualquer processo
formativo, cada vez mais necessita estar assentado nas experiências
concretas vividas pelos sujeitos. Como nos diz Carrano (2003),
O processo formativo ocorre através de inúmeras práticas
que se dão entre a continuidade e a descontinuidade, a

39
A idéia de “inserção social” é bastante comum entre os escritos sobre
juventude e acaba informando também os programas e políticas
governamentais. Pessoalmente, observo que a imagem que se apresenta é que
a inserção social seria uma espécie de “portal” para um “mundo de
possibilidades”, no qual ao completar esta travessia, teria-se uma posição mais
afirmativa dos jovens, sobretudo na transição para a fase adulta com a adoção
de novas responsabilidades. Esse signo interfere significativamente na
construção dos conteúdos das práticas educativas que tomam a juventude
como preparação à vida adulta.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

previsibilidade e a aleatoriedade, a homogeneidade e a


heterogeneidade; ou seja, no próprio movimento da vida e
da práxis social. Em conjunto com mecanismos e ritos
formalizados e concebidos para gerar aprendizagens,
vivemos quotidianamente situações que não foram
intencionadas para serem educativas, mas que,
efetivamente, geram efeitos educativos.

ONG e Jovens: Percepções Sobre Mediação


Colocar o tema da mediação ao final deste texto, reflete o desejo de
deixá-lo aberto para o aprofundamento em outras oportunidades
sobre algumas questões aqui levantadas. Partimos do pressuposto
colocado por Pessanha (no prelo) que trata da mediação social como
categoria dinâmica e nesta perspectiva de análise, desembaraça-se da
reificação, sinalizando constantemente sua historicidade com forte
incidência nos planos micro e macro da vida social.
As ONG parecem ter um papel importante, uma vez que se colocam
de forma consciente ou não, como mediadoras de processos,
enquanto representantes de diferentes camadas da população, em
geral, marginalizadas ou violadas em seus Direitos específicos.
Na atualidade do debate sobre pluralismo cultural e suas implicações
subjetivas e objetivas, a mediação ganha novos contornos, sobretudo
no surgimento dos chamados Novos Movimentos Sociais, que forjou
novos sujeitos (e Direitos) no espaço público. Nesse momento, se
redimensiona a função de mediação, sobretudo nos assuntos de
representatividade e representação; na relação dos sujeitos entre si; e
particularmente entre sujeitos e Estado, na medida em que são
demandados para este último, o reconhecimento e a afirmação desses
novos Direitos.
Determinadas questões que se colocam quando se pensa na função de
mediação neste campo são: Afinal, quem é legitimo para falar sobre
determinado grupo ou coletivo? Ou ainda, como se constrói essa
legitimidade dos mediadores? Dado que as desigualdades históricas
produziram capacidades diferenciadas nos indivíduos a partir de suas
posições de classe, gênero, raça e geração, como se “traduz” as
necessidades das classes populares nos mecanismos de linguagem que

62
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

diferenciam o saber popular e técnico? (sendo este último o mais


comum quando se observa os mecanismos propositivos ao Estado:
diagnósticos, políticas públicas, marcos legais, orçamento público
etc.), Será que nesse processo de construção de legitimidade e na
atuação prática de mediadores, não se constrói outros tipos de
relações de poder e dominação?
Ainda com Pessanha (no prelo) estamos vendo que a prática de
mediadores é tributária de um pensamento em que toda mudança
social poderá ocorrer a partir de um trabalho educativo. Razão pela
qual se vêem como portadores da função pedagógica (ou missão,
termo muito comum nas ONG) destinada a mudar comportamentos
e visões de mundo. O que não aparece nesta visão é que ao
naturalizá-la, o que é posto como emancipação, pode vir a tornar-se
aprisionamento ou quem sabe, manutenção de uma ordem. Surgem
então, tensões entre as aspirações e a realidade de suas práticas.
Riscos e ambiguidades estão presentes, especialmente no campo das
ONG que atuam sob a perspectiva dos Novos Movimentos Sociais. É
que para essas ONG, pensar sobre suas abordagens formativas pela
profundidade deste novo paradigma, especialmente na noção de
sujeito de direito que lhe é inerente, parece exigir uma reconstrução
que pode tender a negar sua própria legitimidade enquanto
mediadores sociais. Ou seja, repensar sob que princípios, por vezes
contraditórios, balizam o caráter formativo na prática, exige
direcionar um olhar a respeito de: Quando e por que é necessário falar
sobre, com ou pelos jovens? Em que medida, quando, como e em quais coletivos,
eles podem e devem falar por si mesmos?
É certo que questões como estas só poderão temperar a disputa de
sentido, para aqueles e aquelas comprometidos com a radicalização da
democracia. É uma aposta de que, especialmente as ONG cidadãs ou
de defesa de direitos, conscientes de seu papel político, educativo e
cultural, podem estabelecer tantas arenas quanto forem necessárias
para emergir essas e outras interrogações, com vistas a qualificar seu
discurso e efetivá-lo em práticas concretas de transformação e
mudança social.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

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Estúdios sobre Juventud-JOVENes, Ano 9, n. 22, enero-jun, México:
Centro de Investigación y Estúdios sobre Juventud, Instituto Mexicano de la
Juventud.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

parte 2
desafios, impasses e
perspectivas para o
Movimento de
Adolescentes
do Brasil

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

4. Políticas públicas para/com jovens: Tensões no processo de


construção de sujeitos políticos
Jorge Lyra40

As reflexões a que me proponho neste capítulo foram desenvolvidas


em debates travados nos últimos anos, em diferentes experiências de
pesquisa e/ou ação política sobre/com/para adolescentes, jovens e
educadores.
Essas inquietações ficaram mais fortes no XII ENA - Encontro
Nacional de Adolescentes, realizado entre os dias 20 e 24 de julho de
2004 em Natal, Rio Grande do Norte, durante uma atividade que
denominamos de “Arena”, na qual fui um dos facilitadores da
discussão. Ao invés de “fazer uma fala”, ou seja, fazer uma exposição,
dizer o que pensava para os adolescentes resolvi utilizar uma técnica
de fazer provocações para o público (aproximadamente 400 pessoas,
entre adolescentes, jovens e educadores), devolvendo as perguntas
feitas por eles com outras perguntas, com vistas a reconhecer e
compartilhar o potencial transformador que os próprios sujeitos
constroem nos processos políticos, o poder construído por todos e
todas. Vale assinalar que este objetivo estava na minha cabeça e a
reação do público foi muito interessante, pois as pessoas ficaram
muito incomodadas com a minha postura e exigiam que eu “falasse”,
que eu dissesse o que eu tinha para dizer, que eu fizesse a minha
parte, ou seja, quais eram as minhas opiniões sobre o tema da

40
Coordenador geral do Instituto PAPAI e integrante do Comitê Gestor do
Movimento de Adolescentes do Brasil (MAB)

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

adolescência e da juventude. Mas, seria este o meu “único” lugar, meu


“único” papel naquela arena?
A partir de então, fiquei pensando: como se dá este processo de tutela
e autonomia na ação pedagógica? Em que momento sentimos que os
discursos são construídos coletivamente? Como compartilhamos as
autorias dos processos de construção de sujeitos políticos? É mérito
dos educadores? Quais as habilidades e competências dos
adolescentes e jovens? Parafraseando João Cabral de Melo Neto em
"Morte e Vida Severina": qual é a parte que cabe a cada um neste
latifúndio?
Voltei do encontro com estas questões muito fortes em minha cabeça
e coração, e tornei a discuti-las na oficina Metodologias de trabalho com
Juventude e Adolescência com o enfoque de Gênero e Juventude, que tinha como
objetivo “possibilitar espaços de construção de diálogos entre
entidades, explicitando suas convergências temáticas e metodológicas
em suas ações junto aos jovens e adolescentes”, durante o Fórum
Social Nordestino que aconteceu no dia 27 de novembro de 2004, em
Recife, a convite das educadoras Joana Santos e Simone Ferreira (SOS
Corpo – Instituto Feminista para Democracia). Resolvi sistematizar
estas experiências neste texto, a partir da transcrição41 de uma “fala
livre”, e para melhor compreensão dos/as leitores/as42, resolvi editar
o relato tentando manter os sentimentos do discurso daqueles
momentos.
A estratégia metodológica da oficina seguiu a dinâmica do Programa
“Roda Viva”. Fomos expondo nossas idéias a partir de cinco grandes
temas e, no centro, uma coordenadora que exerceu o papel de
entrevistadora dos convidados. Depois tivemos algumas reações da
platéia às nossas falas.

Apresentação dos convidados/as

41
Agradeço a Ana Roberta Oliveira pelo cuidado e pela qualidade da transcrição
das fitas, pois o texto chegou às minhas mãos quase editado.
42
No decorrer do texto estaremos usando a grafia padrão da língua portuguesa,
que toma a desinência plural masculina (os) para generalizar os casos em que os
sujeitos são representados por homens e mulheres.

68
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Nós trabalhamos com adolescentes e jovens, particularmente, aqueles


que são pais, desde o início do Instituto PAPAI43, uma ONG
feminista, focando, particularmente, os homens, homens jovens e
adolescentes.
Neste campo de trabalho com os jovens participamos também do
Movimento de Adolescentes do Brasil – MAB44, uma rede que
trabalha com adolescentes, jovens e educadores. Atualmente, o
trabalho que temos desenvolvido envolve três temas principais: saúde
e direitos reprodutivos, sexualidade e prevenção de HIV/Aids e a
violência de gênero. Nestes trabalhos temos um grupo semanal com
jovens, um grupo sistemático de formação de lideranças juvenis, ou
melhor, de formação de grupos de jovens.

A juventude e sua entidade


Para responder sobre o perfil dos jovens que nós trabalhamos, a meu
ver esta também não é uma resposta rápida e simples, pois passamos
por uma auto-reflexão, e consideramos que temos trabalhado com
diferentes jovens e adolescentes. O primeiro deles são os estagiários,
meninos e meninas, alunos de graduação, de várias áreas: Design,
Biblioteconomia, Psicologia, Enfermagem, Ciências Sociais, Letras,
Contabilidade etc. que também são jovens. Eles têm em torno de 20 e
poucos anos, idade em que entram na universidade. Uma condição
para poder ser estagiário do PAPAI é estar na universidade. Esses são
os primeiros jovens com os quais nós trabalhamos - fazendo um
processo de formação contínua em gênero e saúde.
Outros jovens com os quais o PAPAI trabalha estão vinculados à
diversidade dos temas que trabalhamos e locais com os quais
estabelecemos parceria. Temos três programas: um deles é o
Programa de Saúde e Direitos Reprodutivos, que trabalhamos direto
com pais adolescentes e jovens, desenvolvido no Núcleo do
Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD), do Centro de Saúde

43
Instituto PAPAI - Rua Mardônio de A. Nascimento, 119 - Várzea – Recife/PE -
CEP 50741-380 - Tel/fax: (81) 3271 4804 - E-mail: PAPAI@PAPAI.org.br *
Website: http://www.PAPAI.org.br
44
http://www.mab-online.com.br

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Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco –


CISAM/UPE, em parceria com o Serviço Público de Saúde, com o
serviço de pré-natal para as adolescentes grávidas. Fazemos uma
busca ativa no próprio corredor do hospital, convidando-os. Estes
adolescentes e jovens que têm em torno de 15 a 24 anos, e estão na
sala de espera, enquanto as parceiras/namoradas/mães adolescentes
estão sendo atendidas. Nós, inclusive, ironizamos, dizendo que “eles
estão na sala de espera à espera de ninguém”. Eles não são pacientes
do hospital, eles não são clientes.
Outro programa é o de Violência de Gênero, no qual trabalhamos em
parceria com uma escola pública da periferia do Recife, no bairro em
que o PAPAI está localizado, a Várzea, são todos homens jovens, e
temos trabalhado com eles a temática de gênero, além de oferecer a
sua formação como multiplicadores e como lideres juvenis. Depois eu
volto a este ponto, pois temos uma crítica em relação a essa questão
de liderança.
As idades deles gira em torno de 15 a 24 anos, e, obviamente, como
alunos de escola pública, estão, em geral, fora da faixa escolar
correspondente, mas também há os que já terminaram o terceiro ano
do Ensino Médio. Aqui entramos em outra polêmica: qual é o
enfrentamento que temos quando eles terminam o 3º ano, essa
questão da entrada no mercado de trabalho e a Universidade. Qual é
o lugar dos homens em nossa sociedade? É uma coisa bastante
complexa essa história, inclusive por que estamos falando de homens,
jovens, pobres e negros (mesmo que eles não necessariamente, se
reconheçam como tais).
Um terceiro programa é o de Sexualidade e prevenção de
DST/HIV/Aids. Ele é realizado em Camaragibe, uma cidade ao lado
de Recife, numa comunidade chamada Alberto Maia, tendo uma outra
lógica, um pouco menos institucional, mais comunitária. O trabalho
começou com homens adultos, trabalhando a questão da prevenção
de HIV/Aids, o auto-cuidado e o cuidado pelo outro, como isso
acontece, ou não. Deste trabalho com homens adultos tivemos como
desdobramento o trabalho com adolescentes e jovens.
Para desenvolver este projeto, temos feito uma parceira com a
associação de moradores, o posto de saúde local, e também com as

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

escolas. Há todo um trabalho de formação deles como


multiplicadores, incluindo a distribuição de preservativos na própria
comunidade, realização de atividades educativas. A proposta desta
atividade visa facilitar o diálogo e o acesso aos preservativos na
comunidade. A faixa etária destes homens jovens vai dos 15 aos 24
anos.
Como eu havia falado, o trabalho com adolescentes e jovens vem
desde o início da Instituição, a partir das experiências de pesquisas, a
pesquisa do mestrado em Psicologia Social que eu fiz, o mestrado e o
doutorado de Benedito Medrado e a dissertação de Pedro
Nascimento, antropólogo, que também fez o trabalho dele com
homen em Camaragibe/PE. Um diferencial do nosso trabalho é que
as ações foram consequências de reflexões teóricas, reflexões
conceituais, e que como desdobramento iniciamos um trabalho
político, de ativismo. Nós entramos no contexto político depois, tem
várias críticas, ou reflexões que temos feito a partir desse olhar da
produção de conhecimento que estarei compartilhando neste texto.
Para fechar a minha fala dessa rodada, quero destacar uma questão
importante, que é o lugar que ocupamos, o lugar do qual falamos, de
organização da sociedade civil, de movimento social organizado. Nas
ações com adolescentes e jovens, não queremos ocupar o lugar do
Estado. Nesse sentido, não temos a pretensão de atingir uma grande
população, de trabalhar com muitos adolescentes. Nossa proposta é
contribuir através da formação de lideranças, no fortalecimento de
grupos de jovens que podem estar fazendo a diferença, na reflexão e
na ação do trabalho com adolescentes e jovens. A média de
participantes é em torno de 25 adolescentes e jovens, e trabalhamos
na formação e formulação de “modos de fazer”, de ”elaboração de
metodologias”, de ”modelos de ação”, e não na prestação de serviços
para esta população. Esse lugar pertence ao Estado.

Metodologias da ação política e educativa com juventude.


Como havia colocado anteriormente, o PAPAI é uma ONG
feminista. Nesse sentido, a metodologia também parte do princípio e
da discussão que vem do Movimento de Mulheres e do Movimento
Feminista, dando embasamento para poder guiar o que nós fazemos.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Quando trabalhamos com os homens, não pensamos apenas em


grupos só de homens ou um movimento masculinista – ou masculista
(MEDRADO & LYRA, 2002). Trabalhamos a partir do avanço e de
lições trazidos pelo movimento de mulheres, movimento feminista e
também do movimento gay, ao tentar repensar o lugar do homem em
nossa sociedade. Questionar o machismo, o lugar patriarcal atribuído
e incorporado pelos homens colocou em xeque este mesmo lugar.
Esses princípios são também empregados nos trabalhos junto aos
adolescentes e jovens.
Na estrutura da instituição temos o envolvimento dos jovens em
diferentes níveis. Adotando metodologias participativas, por exemplo,
em algumas situações empregamos o teatro como expressão, como
linguagem. Porém, neste processo de participação, não significa que
os adolescentes e jovens participam de tudo, e nem em todos os
momentos.
Temos feito uma discussão, uma reflexão crítica sobre a noção de
protagonismo juvenil como paradigma nas relações entre educadores
e adolescentes e jovens. Utilizando a metáfora do teatro, de que o
protagonista não está sozinho no palco. Para os adolescentes e jovens
estarem em cena, precisam de uma série de coisas, o iluminador, o
carregador das caixas, o diretor, uma determinada estrutura para
poder estar no palco, “estar em cena”. Nós, então, fazemos uma
reflexão da relação educador-adolescente, educador-jovem, pensada
como uma troca, uma conversa, um diálogo – e não, os adolescentes e
jovens, “os protagonistas” falando sozinhos no palco, falando o que
bem quiserem, como se nós educadores não tivéssemos nada a dizer
também. No meu entender, adotando esta prática, “falaciosa”,
acabamos não conseguindo avançar muito em nossas práticas
pedagógicas.
Também temos trabalhado a idéia de participação social. Como os
adolescentes e jovens podem se tornar sujeitos de direitos e sujeitos
políticos, para tentar repensar a própria concepção de adolescência e
de juventude que construímos em nossa sociedade (CALIGARIS,
2000; FEIXA, 1998; LEVI & SCHMITT, 1996). Ao mesmo tempo,
adotar esta perspectiva é bastante difícil, porque os autores
consideram a adolescência e a juventude como uma fase de transição:
transição entre a infância e o mundo adulto (CHAMBOREDON,

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

1985; DEBERT, 1999; HALL, 1915). Nessa fase de transição, como


conseguimos construir como sujeito de direitos um ser, um sujeito em
transição?
Como é o processo de fortalecimento dos adolescentes e dos jovens
nesse momento de transição? Como constituímos a fala destes
sujeitos? Temos tentado empregar duas formas diferentes de
trabalhar. Como eu havia colocado, com os jovens pais, utilizamos a
metodologia do grupo de sala de espera, que também foi utilizado
bastante no início do movimento de mulheres.
Nestas ações não realizamos a formação dos jovens pais como
ativistas, o que temos mais neste caso é um espaço de reflexão,
inclusive nós estamos todas as segundas-feiras no CISAM, mas os
jovens mudam a cada encontro. Outra modalidade que realizamos são
as oficinas de formação, formação de liderança, fortalecimento de grupos
de jovens. Estes trabalhos direto com os grupos são feitos em
parceria com as instituições. Neste caso, adotamos um princípio
fundamental nas ações junto aos homens, ir aonde os homens estão, e não
esperar que eles cheguem até o PAPAI. Temos uma ação propositiva,
atuando em locais onde estes homens se encontram, desenvolvendo
atividades através de parcerias, seja na escola, no serviço de saúde, na
comunidade, na roda de dominó, no quartel do Exército.
A participação dos adolescentes e jovens na elaboração e na realização
das atividades ocorre de diferentes maneiras, seguindo os seis eixos
nos quais o PAPAI organiza seu trabalho: 1) intervenção social, 2)
pesquisa, 3) capacitação de profissionais, formação de estagiários e
dos adolescentes e jovens como lideranças, 4) articulação política, 5)
comunicação através da mídia e campanhas públicas, formulação de
material educativo e 6) coleta e sistematização de informações sobre
gênero, saúde e masculinidades.
No trabalho com os jovens eu estou focando nos grupos contínuos,
de formação de lideranças, que tem coisas que são muito delicadas,
muito complexas e difíceis mesmo, porque é uma relação de poder,
de nós, adultos, com os adolescentes e com os jovens.
É uma relação de subordinação, de hierarquia de idade
(ROSEMBERG, 1992), que precisa ser discutida. Por que? Não
podemos desconsiderar os processos e fazer um discurso organizado,

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

um discurso legal, um discurso bonito, mas falacioso, de que “os


jovens com os quais estamos trabalhando são jovens do PAPAI!”.
Não são! Nós sabemos que não são, inclusive por que o PAPAI não é
uma Instituição de jovens, tem pessoas com pouca idade, mas não é
de jovens/ para jovens/ com jovens. Somos, na verdade uma ONG
de profissionais, pois a principal condição para estar na equipe é ter
passado por uma formação continuada que vai da graduação à pós-
graduação. Nós temos um trabalho diretamente feito com os jovens, e
discutido com os jovens.
Trabalhar a partir de uma metodologia participativa não é fácil,
porque, ao mesmo tempo que fazemos um trabalho de
fortalecimento, de “empoderamento”, esse sujeito está em um
processo de transição, de formação e, quando eles estão mais
amadurecidos já não são mais adolescentes, são jovens, ou já viraram
adultos, ou pelo menos estão enfrentando desafios do mundo adulto.
Inclusive, temos discutido muito sobre quais os riscos de formar
líderes, pois muitas vezes se estabelece uma lógica muito
individualizada.
No amadurecimento do nosso trabalho, temos ultimamente
fortalecido a ação dos grupos de jovens, com nome próprio,
identidade própria, e instaurado processos coletivos de
“desenvolvimento institucional” para que as iniciativas daí
decorrentes não fiquem focadas em pessoas, mas que estejam inscritas
em sujeitos coletivos.
Atualmente temos dois grupos de jovens no PAPAI: o Grupo Atuação
e o Grupo Homens Jovens de Camaragibe. Neste processo de trabalho há
momentos muito tensos. Por que? Em nossa cultura “adultocêntrica”
estamos acostumados a estabelecer processos de tutela, dos
educadores com os adolescentes e jovens. Principalmente, na relação
de execução dos projetos que são da Instituição, que são do PAPAI,
nós desenvolvemos com eles, mas os projetos não são deles. Para
construirmos a autonomia, é preciso ter iniciativa, responsabilidade, e
nesse sentido, enfrentamos grandes dificuldades. De um lado, eles se
colocam numa posição cômoda, a de serem tutelados, e de outros, é
rebeldia total, e busca de independência.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Temos discutido bastante com eles e com a própria equipe do PAPAI


sobre esse processo, e é preciso ter muito cuidado em saber qual é o
momento em que cada um está, qual o momento que cada um pode
estar atuando nessa relação. Vale destacar que, no processo de
formação política nós não nascemos prontos. Mesmo nós,
educadores, não nascemos nem estamos prontos, mas estamos o
tempo todo nos questionando, discutindo, tentando repensar e
redesenhar nossos posicionamentos.
Um outro ponto importante a ser destacado, é que ao trabalharmos
com adolescentes, temos feito a crítica à noção de adolescente como
problema social, como “aborrescente” (Medrado & Lyra, 1999; Stern
& Garcia, 1996). A nossa expectativa, de pai, mãe, adulto,
profissional, geralmente é pensar o adolescente e o jovem como
incapaz, pois este está em processo de formação e depois chegará a
ser adulto. Sem falar na promessa da plenitude na fase adulta. E,
quando nós chegamos nela, nos perguntamos: “bom, mas cadê o que
prometeram para a gente?”. Lidamos o tempo todo com os
adolescentes como “é, ele vai chegar lá, ele vai chegar lá, ele vai ser
alguma coisa”.
Criticamos essa noção, pensando tanto a criança, desde bebê até o
adolescente e o jovem como sujeitos com potencial e capacidade de
estar numa relação de discussão e de diálogo que abre canais de
comunicação, que tem capacidade e habilidade para dialogar e
construir juntos.
É possível dialogar de maneira mais interessante. Na construção do
saber, temos adotado esta perspectiva crítica, temos trabalhado neste
processo, que é lento, nós começamos com esses adolescentes e
jovens como grupo de reflexão, no decorrer do processo foi se
transformando em grupo de formação de lideranças, e aí podendo
trabalhar com eles, discutir com eles a questão do poder, da
autonomia. Pensá-los, hoje em dia – como eu falei, com dificuldades -
, mas começar a pensá-los como parceiros com os quais a gente
trabalha. Com todas as tensões e conquistas das relações de parceria.
E como parceiros, voltamos a discutir os princípios, com quem
fazemos, ou não, parcerias, que valores são negociáveis e os que são
inegociáveis. Mesmo com esses grupos que, de certa maneira, nós
formamos e constituímos.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Também temos pensado sobre qual é a nossa parcela nesta


construção deles como sujeitos políticos. A Instituição tem uma
pequena parcela do tempo da vida deles, e esse tempo é maior do que
o pequeno tempo que a gente trabalha diretamente com eles, mesmo
os que estão há dois ou três anos, trabalhando conosco. Se eles têm
entre 20 e 24 anos, eles têm pelo menos 20 anos vivenciando outras
histórias, outros espaços, com outros atores, outras redes com os
quais eles convivem. Este é um aspecto para diminuir a nossa
expectativa e nossa onipotência como Instituição, e pensar o que
podemos fazer juntos.

As relações de poder como elemento constituinte da ação


pedagógica - dimensão geracional, de gênero, do afeto e a
construção de saber.
Temos discutido fortemente com o movimento de adolescentes e
com o movimento de jovens, como são seus momentos,
posicionamentos e processos. Quando pensamos nos adolescentes,
com autonomia relativa, e o movimento de jovens - que tem outro
tempo de vida, outro tempo de história - os marcadores de idade, por
exemplo, são elementos bem interessantes para se discutir e pensar.
Ao mesmo tempo, temos colocado os homens jovens, e eles mesmos
têm buscado se expor ao diálogo com outros temas, outros
movimentos, outras iniciativas de ação política, entre elas: a
Conferência de Saúde (municipal e estadual), Conferência de Direitos
da Criança e Adolescente, Conferência de Políticas Públicas para as
Mulheres, Conferência de Igualdade Racial, participação na passeata
do movimento gay e lésbico. Isso envolve, é claro, momentos de
discussão, oficinas de formação e reflexão para poder chegar nestes
espaços e entender o que estamos fazendo, pois é óbvio que nós,
homens, temos uma formação machista, uma formação homofóbica,
uma formação sexista (Medrado, 2002). No nosso entender, temos de
fazer uma discussão, uma reflexão, para poder chegar nos espaços
públicos, ocupar a cena pública de maneira propositiva, conscientes e
alicerçados numa missão de transformação social e política.
Temos trabalhado na Instituição, e também com os jovens, a partir de
uma Carta de Princípios, que foi formulada por toda a equipe,

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

destacando cinco elementos chave da nossa relação: a autonomia, o


respeito, o cuidado, a transparência e o humor. Esses elementos
constituem a Carta de Princípios do Instituto PAPAI. A partir deles
nós trabalhamos qualquer situação que a equipe de trabalho enfrenta
em seu cotidiano e, também temos trabalhado esses mesmos
elementos com os jovens e adolescentes. Este ponto é muito
importante quando falamos de relações de poder, e ao trabalhar a
questão de gênero, também temos discutido, em outras palavras, a
partir destes indicadores, as relações de subordinação e hierarquia de
gênero, de orientação sexual, de idade, de classe social, e de
raça/etnia.
Inclusive, para nós é mais recente a reflexão e a incorporação das
questões de raça e etnia. Se olharmos o material produzido pelo
PAPAI com a participação e fotos deles próprios, vemos a cor da
maioria deles. Nós trabalhamos com homens jovens pobres e negros,
e boa parte deles são afro-descendentes, mesmo que não se
reconheçam como tal e não tenham uma identidade racial. Todavia,
seria leviano só acrescentar uma vírgula e dizer que estamos
trabalhando as questões do racismo e da igualdade racial. Não dá!
Estamos tentando fazer um trabalho de sensibilização e de reflexão
iniciando pela própria equipe do PAPAI e, a partir daí poder haver a
incorporação desta discussão e o trabalho junto com os jovens.
O debate sobre classe social passa pelo mesmo processo, pois temos
clareza de que trabalhamos com as questões de gênero e de geração, e
outros marcadores que vão sendo inscritos aos poucos, porque
também vão desenhar, de maneira diferente, essas relações de poder.

Considerações finais
Uma vez me perguntaram por que eu trabalhava justamente com
adolescentes e jovens. Tem aquela noção, aquela idéia, que as pessoas
comentam: “ah, é porque eu tenho o espírito jovem! Eu quero
permanecer jovem!”. Eu respondi: “olha, eu sou adulto, e gosto de ser
adulto”. Esse é um aspecto que devemos pensar, pois não deveríamos
estar trabalhando com adolescentes em busca do espírito da
juventude. O lugar do qual eu falo, é o de adulto, eu-sou-adulto,
como eu sou homem, como eu sou uma série de outras coisas.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Acredito que é muito importante questionar qual é a nossa intenção,


qual é o nosso projeto, projeto político para/com os adolescentes e
jovens!
É do lugar de adulto que eu falo. E também falo de uma Instituição
de adultos. O PAPAI é uma Instituição de adultos, pois a equipe de
trabalho é constituída por adultos e profissionais (em formação ou
com formações variadas). Ao trabalhar com adolescentes e jovens,
temos muitas vezes trabalhado com, por, pelos adolescentes e jovens.
Porque também este é um elemento do processo de auto-reflexão e
autocrítica, e de crítica ao campo que denominamos de políticas de
juventude.
Na construção deste campo de políticas para juventude, há uma
crítica muito boa desenvolvida na tese de doutorado do Benedito,
intitulada Tempo ao tempo: a gestão da vida em idade que aponta o perigo
de uma outra falácia que estamos construindo, a de responsabilizar os
adolescentes e jovens pela transformação de situações que não foram
eles que construíram. (MEDRADO, 2002).
Esta idéia de que as políticas devem ser formuladas e implementadas
“com”, em certa medida com as políticas neo-liberais, de Estado
mínimo e de políticas compensatórias e não estruturais “des-
responsabiliza” o Estado da suas parcela das ações que devem ser
realizadas. Inclusive, há a defesa que os jovens teriam uma voz plena,
uma voz garantida, “as vozes em suas mãos” – nome do projeto do
Banco Mundial para a juventude, na medida em que os adolescentes
ou os jovens estão do lado de cá, ou seja, estão falando. Como se pelo
simples fato de ter adolescentes presentes estaríamos garantindo uma
fala legítima, uma fala pura, de adolescentes e de jovens. No nosso
entender, isto é um grande equívoco do campo com o qual nós
trabalhamos.
Temos de considerar que a “fala pública”, “o lugar público”, “o
sujeito político” não se constrói apenas pela existência humana de,
por exemplo, sermos adolescentes, ou mulheres, ou negros, ou
homossexuais! Passa, na verdade, pelo processo de aprendizagem e de
formação, sempre duvidando do que se está fazendo, sempre
discutindo, repensando, problematizando e, colocando uma série de
dúvidas deste suposto “lugar do saber”, deste lugar do poder.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Inclusive, neste debate, não tivemos adolescentes nem jovens que


fizeram perguntas. Os adolescentes e jovens estão na platéia, têm o
microfone aberto para fazer perguntas. Mas não o fizeram, não
ocuparam o seu lugar! Mas que lugar é este?
E aí é um grande nó mesmo, essa questão da autonomia e da tutela. É
um grande nó, porque nós somos homens e mulheres de bom
coração e muito boa vontade. E é difícil mesmo. É difícil, mas se
conseguimos trazer esta questão para a cena, trazer esta questão para
a mesa, acredito que conseguimos avançar. Não tenho respostas não,
mas é preciso se questionar, é preciso pensar.
Finalizando minha fala, eu digo, não vamos para o céu, primeiro
porque não temos o céu garantido com o fato de estarmos
“trabalhando pelo social”; segundo por que não estamos em busca do
céu, e nem do inferno, nós queremos mesmo é transformar a
sociedade, transformar o aqui e o agora. Todos e todas juntos!

Bibliografia45
CALLIGARIS, C. A Adolescência. São Paulo: Publifolha, 2000
CHAMBOREDON, J. C. Adolescence et post- adolescence: la juvénisation.
Remarques sur lês transformations recentes dês limites de la définition
sociale de la jeunesse. In: MORVAN, O.; LEBOVICI, L. (orgs.) - Adolescence
terminée = adolescerce interminable. Paris: PUF, 1985, p. 13 – 28.
DEBERT, G. G. A Reinvenção da velhice: socialização e processos de
reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo: Fapesp, 1999.
FEIXA, C. El reloj de arena: Culturas juveniles en México. México: Causa
Joven, Centro de Investigación y Estudios sobre la Juventud, 1998.
HALL, S. G. Adolescence: its Psychology and its relations to - Physiology, Sociology,
Sex, Crime, Religion and Education. New York: Appleton Century Crofts, 1915.
LEVI, G. e SCHMITT, J. C. História dos Jovens. São Paulo: Editora Schwarcz,
1996.

45
Para que pudéssemos apresentar as leituras (citadas ou não) a partir do qual
formulamos este texto, optamos pelo formato de bibliografia, ao invés de
referências bibliográficas.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

LYRA, Jorge. Paternidade Adolescente: uma proposta de intervenção. 1997,


182f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo.
MEDRADO, Benedito. Tempo ao tempo: a gestão da vida em idade. 2002,
123p.Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo.
MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. A adolescência “desprevenida” e a
paternidade na adolescência: uma abordagem geracional e de gênero. In:
SCHOR, Néia; MOTA, Maria do Socorro F. T.; CASTELO BRANCO,
Viviane (orgs.). Cadernos Juventude, saúde e desenvolvimento. Brasília: Ministério
da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, 1999. p. 230-248.
MEDRADO, Benedito; LYRA, Jorge. Produzindo sentidos sobre o
masculino: da hegemonia à ética da diversidade. In: ADELMAN, Mirian;
SILVESTRIN, Celsi. (Org.). Coletânea Gênero Plural. Curitiba: UFPR, 2002. p.
63-76
MONTEMAYOR, R. Boys as fathers: coping with the dilemmas of
adolescence. In: LAMB, Michael E. e ELSTER, Arthur. (eds.). Adolescent
fatherhood. Hillsdale. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1986. p.1-
18.
NASCIMENTO, Pedro. ‘Ser homem ou nada´: diversidade de experiências e
estratégias de atualização da masculinidade hegemônica em Camaragibe/PE.
1992. Dissertação (Mestrado em Antropologia Cultural) – Programa de Pós-
graduação em Antropologia Cultural, Universidade Federal de Pernambuco,
Recife, Pernambuco.
ROSEMBERG, F. Relações de gênero e subordinação de idade: um ensaio.
In: CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA
SOCIAL- ABRAPSO, [200-?]. São Paulo. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
STERN, C. e GARCÍA, E. Hacia un nuevo enfoque en el campo del
embarazo adolescente. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE
AVANCES EN SALUD REPRODUTIVA Y SEXUALIDAD, 1996.
Anais… México: [S.l.], 1996.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

5. Olhares críticos sobre protagonismo juvenil e participação


social: Uma releitura dos movimentos sociais de adolescentes
Rita Mendonça46
O que ficou é que devemos praticar a paz, começando por nós
mesmos, porque é a partir de mim que minha casa pode mudar,
minha rua, meu bairro, minha cidade, nosso Brasil e nosso
mundo. O homem que morre lutando é um vencedor, você
também pode! Não podemos apenas falar ou escrever, precisamos
praticar. (Gabriela S. G., 16 anos. Natal/RN)
O depoimento acima, extraído do relatório do IV Encontro Potiguar
de Adolescentes - EPA47, convida-nos a refletir sobre a nossa
participação social como sujeito de direitos e deveres. E ao mesmo
tempo, tal relato demonstra o avanço de novas posturas dos
adolescentes no enfrentamento de demandas sociais marcadas pela
violência, exclusão, desigualdades e injustiças sociais, rumo à
construção de uma cultura de paz48.
46
Psicóloga; mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte; sócia-fundadora da ONG Canto Jovem.
47
O IV Encontro Potiguar de Adolescentes – EPA – foi realizado em Natal/RN, no
ano de 2001, com o propósito de promover uma cultura de participação social
para a ação comunitária entre os adolescentes potiguares. Tal Encontro teve o
apoio do Fundo de População das Nações Unidas e do Ministério da Justiça.
48
De acordo com Feize Milani (2003, p. 31), “Construir uma Cultura de Paz é
promover as transformações para que a paz seja o princípio governante de
todas as relações humanas e sociais. São transformações que vão desde a
dimensão dos valores, atitudes e estilos de vida até a estrutura econômica e
jurídica, as relações políticas internacionais e a participação cidadã, pressupõe
trabalhar de forma integrada em prol de grandes mudanças na humanidade –

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Diante disso, tomando por base o pensamento expresso pela


adolescente Gabriela, pretende-se, aqui, discutir e analisar o
protagonismo juvenil e seus significados políticos, pedagógicos e
sociais, rumo a um estudo da participação dos adolescentes como
sujeitos sociais nos movimentos e programas destinados a este
segmento. Para este propósito, a seguir, iniciaremos fazendo um
percurso social que auxiliará na definição deste termo.

Protagonismo juvenil e participação social: percursos e


definições.
O debate acerca da participação social teve seu marco histórico no
processo de redemocratização do País, período em que o Brasil
vivenciou um novo contexto social marcado pelo fim do ciclo militar
e pela aprovação da Carta Magna, a Constituição Federal, em 1988, a
qual assegurou o estado de direito, garantindo a participação da
sociedade na elaboração, controle e fiscalização de políticas públicas.
Em 1990, durante a Convenção Internacional dos Direitos da
Criança, das Nações Unidas, o Brasil assumiu o compromisso de
realizar um reordenamento jurídico e institucional para assegurar à
infância e à adolescência os direitos à sobrevivência, ao
desenvolvimento, à proteção e à participação. Nesse mesmo ano foi
promulgada a Lei 8.069/90 - o Estatuto da Criança e do Adolescente
– ECA, que veio regulamentar a Norma Constitucional, assegurando
que as crianças e os adolescentes sejam sujeitos de direitos e deveres.
Com este dispositivo legal, o modelo democrático deixou de ser
apenas representativo para tornar-se participativo.
Este contexto histórico de abertura democrática possibilitou ampliar
as discussões sobre os espaços de inclusão dos adolescentes na
condição de sujeitos de direitos e deveres, assegurando-lhes a
participação social nos espaços de discussão, proposição e deliberação
de políticas públicas.

justiça social, igualdade entre os sexos, eliminação do racismo, tolerância


religiosa, respeito às minorias, educação universal, equilíbrio ecológico e
liberdade política”.

82
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

No mesmo período em que o País vivia seu processo de


redemocratização, observava-se, notadamente sob os auspícios da
Organização das Nações Unidas – ONU, a promoção de ampla
discussão e a aprovação de recomendações e planos de ação que
visavam nortear as políticas públicas e sociais destinadas aos
adolescentes, em diversas regiões do mundo. Destaca-se, por
exemplo, a Conferência Internacional de População e
Desenvolvimento – CIPD, realizado no Cairo, Egito, em 1994, na
qual recomendou-se aos Governos o envolvimento ativo da
juventude no planejamento, implementação e avaliação das atividades
que tenham impactos diretos sobre sua vida.
O Fórum Mundial da Juventude do Sistema das Nações Unidas,
realizado em 1998, na cidade de Braga, Portugal, aprovou o Plano de
Ação de Braga para a Juventude, com o objetivo de promover a
participação dos jovens no processo de desenvolvimento humano.
Segundo a Carta de Braga (Banco Mundial do Brasil, 2004, p.107), “os
jovens estão construindo a liderança democrática, a sociedade civil e o
capital da sociedade para o século XXI”. O propósito era demonstrar
que os jovens não são obstáculos, mas “recursos valiosos para o
desenvolvimento”.
Em 2001 realizou-se a quarta sessão do Fórum Mundial da Juventude
do Sistema das Nações Unidas, visando enfatizar e fortalecer o plano
de ação de Braga. Nela foram discutidas e aprovadas as “Estratégias
de Dakar para o empoderamento da juventude no mundo”.
Na busca de implementar as recomendações contidas nesses
documentos no Brasil, vários segmentos do governo e da sociedade
civil organizada implementaram estratégias de mobilização e
empoderamento da juventude, as quais significaram importante
avanço no que diz respeito às novas concepções de políticas para a
juventude. Tal avanço demonstra que outros parâmetros para o
trabalho com os adolescentes estão sendo construídos, permitindo
que eles, hoje, representem a maior ‘fatia’ dentre os cidadãos
interessados em temas relacionados à participação, elaboração e
discussão de políticas públicas (ANDI, 2004).
O crescimento de forma acelerada das experiências de grupos e dos
movimentos sociais com adolescentes em todo o território nacional é

83
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

notório, ora inspirado na Conferencia do Cairo, que defende os


direitos sexuais e reprodutivos, ora no Estatuto da Criança e do
Adolescente etc. Os adolescentes, atualmente, assumem as mais
diferentes formas de atuação, seja no campo da saúde sexual e
reprodutiva, no do meio ambiente e direitos humanos, com ações de
assistência social, entre outros.
No entanto, apesar dessa expressiva atuação juvenil, quase não
existem estudos sobre as práticas sociais e educativas realizadas pelos
adolescentes, visto que a maioria dos estudos com adolescentes e
jovens está voltada para a explicação de comportamentos
estereotipados, como drogadição, violência, gravidez não-planejada e
outros. (ABRAMO, 2000; CALAZANS, 1999). Logo, as novas
formas e os novos temas por meio dos quais os adolescentes e jovens
vêm se colocando na cena pública requerem mudanças no olhar que
se lança sobre eles.
Segundo Carrano & Peçanha (2003), é preciso conhecer e
compreender o caráter social e educativo das práticas coletivas dos
jovens, pois o processo destas práticas merece uma maior
compreensão das formas e conteúdos, considerando o contexto de
adversidades em que estão inseridos estes sujeitos sociais.
Nesse caminho, em que os jovens desenvolvem e criam várias formas
e conteúdos de participação, percebe-se, ainda, o avanço das
propostas de protagonismo juvenil, estimulando os adolescentes a se
engajarem em diversos tipos de movimentos sociais e,
particularmente, em programas de saúde sexual e reprodutiva. É a
atuação dos adolescentes, ou seja, sua ação protagônica, nesses
programas, que configura o objeto particular do presente capítulo, no
qual também se busca apreender alguns dentre os diversos
significados emprestados ao termo protagonismo.
Vale ressaltar, assim, a concepção de protagonismo elaborada a partir
de uma ampla discussão sobre as experiências e práticas pedagógicas
com adolescentes, como as realizadas pela Fundação Odebrecht, em
1988 (COSTA, 2000). As reflexões, discussões e os diálogos entre
adolescentes, jovens e educadores auxiliaram a construção do
conhecimento sobre o tema do protagonismo juvenil. No contexto
daquela experiência, afirma Costa (idem, p.20) que “O termo

84
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

protagonismo, em seu sentido atual, indica o ator principal, ou seja,


agente de uma ação, seja ele um jovem ou um adulto, um ente da
sociedade civil ou do Estado, uma pessoa, um grupo, uma instituição
ou um movimento social”.
O protagonismo pode ser realizado por diversos atores sociais,
gestores e até mesmo instituições, em suas atuações diversas como
canais e possibilidades de participação social. Compreende-se, assim,
que tal conceito é amplo e abrangente e não está limitado à atuação
apenas, do adolescente. Costa (2000), ao descrever o processo
político-pedagógico, desencadeador do protagonismo juvenil, toma
como referência um tipo particular de protagonismo, que é aquele
desenvolvido pelos adolescentes e, ainda, faz um recorte mais
específico, que é o daqueles na faixa etária entre 12 e 18 anos de
idade, de acordo com a legislação brasileira (ECA, Lei 8.069/90).
Ao fazer este recorte etário, ele destaca que o ponto de delimitação
compreende o significado que o adjetivo “juvenil” imprime ao
substantivo “protagonismo”. Nesse contexto, defronta-se, mais uma
vez, com a ambiguidade das categorias ‘jovem’, ‘juventude’,
‘adolescente’ e ‘juvenil’. De acordo com Calazans (2000, p.46),
Enquanto as ciências sociais tendem a privilegiar a categoria jovem, a
psicologia e estudos na área da educação fazem uso da categoria
adolescente. Os estudos de natureza demográfica e epidemiológica,
por seu turno, utilizam-se de cortes de idade, segundo os
alinhamentos sugeridos pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Portanto, adotamos tanto os termos adolescentes, adolescências,
adolescência quanto juvenil, jovens e juventude, na medida em que
compreendemos que sejam termos socialmente construídos, e assim
trazem a marca das pessoas concretas a que se referem.
Voltando a Costa (2000), o adjetivo ‘juvenil’ remete à condição das
diferentes adolescências, situadas em diferentes fases de transição.
Nelas, deverão compor uma trajetória pessoal constituída de estudo,
trabalho, participação em grupos, entidades e movimentos de diversas
naturezas, junto com seus pares, outros adolescentes, e as demais
pessoas com quem se relacionam. Pode-se, assim, considerar que o
protagonismo juvenil é uma conquista mais geral dos adolescentes,

85
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

enquanto luta pela expressão individual e coletiva, de participação nos


espaços sociais e públicos, antes restrita aos adultos.
No âmbito, ainda, da participação social dos adolescentes,
acrescentem-se as considerações de Ricci (2002) que, ao citar Maria
Eleonora Rabello, destaca que seu conceito de protagonismo prioriza
o universo das artes cênicas, na medida em que ela considera que
protagonista é a personagem principal de uma peça dramática, pessoa
que desempenha ou ocupa o primeiro lugar em um acontecimento.
Assim, para ela, o protagonismo representa a atuação dos jovens nos
movimentos sociais, no sentido de intervir e buscar transformar a
sociedade.
Os citados autores visam, assim, se apropriar dessa palavra e do
simbolismo a ela atribuído, para estabelecer a relação entre a ação
pautada no protagonismo e um processo pedagógico com os
adolescentes, voltado ao direito à participação, à deliberação e
inclusão nos espaços sociais, educativos e comunitários (Costa, 2000;
Ricci, 2002). Eles ainda ressaltam que o protagonismo juvenil
relaciona-se, basicamente, com a preparação para a cidadania. Nesse
sentido, destacam que
Qualquer projeto que tenha por objetivo incentivar ou promover o
protagonismo juvenil parte do princípio de que o adolescente ou
jovem possui a capacidade política de um cidadão. A cidadania
pressupõe direitos universais, de onde emerge um ser político, que
decide sobre o seu destino e o de sua coletividade (Ricci, 2002, p. 1).
Publicação sobre protagonismo juvenil demarca claramente um
conceito e uma definição que remete à ação e à prática, em
decorrência de uma proposta, também, de educação para a cidadania,
corroborando com os postulados até o momento apresentados. De
acordo com o texto,
O protagonismo juvenil é um tipo de ação de intervenção no
contexto social para responder a problemas reais, onde o jovem é
sempre o ator principal. É uma forma superior de educação para a
cidadania, não pelo discurso de palavras, mas pelo curso dos
acontecimentos. É passar a mensagem da cidadania, criando
acontecimentos, onde o jovem ocupa uma posição de centralidade.
O protagonismo significa, tecnicamente, o jovem participar como
ator principal em ações que não dizem respeito à sua vida privada,

86
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

familiar e afetiva, mas a problemas relativos ao bem comum, na


escola, na comunidade ou na sociedade mais ampla. Outro aspecto
do protagonismo é a concepção do jovem como fonte de iniciativa,
que é ação; como fonte de liberdade, que é opção; e como fonte de
compromissos, que é responsabilidade.49
Assim, ressalta que a ação protagônica remete à atuação conjunta
entre adolescentes, educadores, gestores e sociedade. Trata-se,
portanto, menos de uma atuação ‘para’ os jovens e mais ‘com’ os
jovens. No primeiro sentido está implícita uma prática pedagógica que
considera o sujeito um agente passivo e receptor; enquanto no outro
se identifica o pressuposto da inclusão social pela busca da igualdade
de direitos e pelo exercício dos deveres. Esta última perspectiva
aponta para o adolescente na condição de sujeito da ação,
reconhecendo-o como sujeito criativo, construtivo e solidário.
Sob esse prisma, podemos alertar que a atuação do adolescente não é
simplesmente uma atuação solitária e isolada, mas sim uma interação
com o todo, ou seja, implicado com as demandas da instituição, dos
educadores, da comunidade, da família e dele mesmo.
O protagonismo juvenil pode estar associado ao termo ‘participação
social’, este último na acepção que lhe atribui Sobrinho (2003)
enquanto possibilidade de fortalecer a democracia e contribuir na
resolução de problemas que envolvem as comunidades, ou qualquer
espaço que envolva pessoa ou grupos, pautado primeiro, no desejo.
Afirma ele que, “Quando escuto a palavra participação, logo associo a
um desejo! Uma vontade de compartilhar, trocar, interferir, decidir,
fazer parte. Tudo isso junto também de responsabilidade, ou seja, de
compromissos com aquilo que participo”. (SOBRINHO, 2003, p. 12).
Ele destaca, ainda, que há várias formas de participar da sociedade.
Nela, projetos e sonhos podem ser realizados no encontro com
parceiros, somando esforços e dividindo desafios.
Nos últimos tempos, outros termos foram sendo associados ao
protagonismo juvenil. Um deles, o termo “empowerment” - que em uma
tradução aproximada da língua portuguesa denomina-se
‘empoderamento’ -, foi utilizado pelas Agências de Cooperação
Internacional. Esse termo, inclusive, veio contribuir com a ampliação

49
www.protagonismojuvenil.org.br, em 02/10/04

87
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

e fortalecimento do significado do que já se entendia como


protagonismo juvenil. O Fundo de População das Nações Unidas
(UNFPA, 2002) dele se valeu com o propósito de caracterizar os
poderes demonstrados pelos adolescentes para atuar nos espaços
públicos, sociais e comunitários. Embora não seja encontrado no
dicionário Aurélio (1986), o termo ‘empoderamento’ tem vários
significados e implicações, absorvidos do movimento social. Dentre
eles, destaca-se a referência à pessoa carregada de informação,
orientação e conhecimento, consequentemente pessoa com poder
para atuar, comprometer-se, lutar e participar do enfrentamento das
questões sociais e educacionais diversas.
Na atuação do UNFPA junto aos movimentos sociais no Brasil,
nesses últimos tempos, foi comum observar a utilização do termo
empoderamento como referência à atuação de segmentos distintos da
sociedade: o empoderamento dos jovens na defesa da saúde sexual e
reprodutiva; jovens empoderados para atuar na escola; programa de
empoderamento dos jovens etc.
Também no contexto das ações do UNFPA foi observado a
emergência do termo “advocacy”, que significa advogar ou defender os
direitos e deveres, referindo-se à difusão e defesa dos direitos
(UNFPA, 2002).
Tanto no entendimento que se tem de empoderamento quanto de
advocacy supõe-se a educação para a cidadania, a socialização de
informações, a luta pelo acesso aos serviços públicos de qualidade e a
participação na tomada de decisões dentro de um processo de
diagnóstico, do planejamento e da execução de políticas públicas e/ou
programas sociais. O centro dessas estratégias, assim como do
protagonismo, é o incremento do poder das pessoas e/ou
determinado grupo ou comunidade para a posse de conhecimentos, a
manifestação dos seus próprios pensamentos e a interferência no
destino do projeto de vida coletivo e pessoal.
Diante disso, consideramos que tanto a expressão protagonismo
juvenil quanto participação social dos adolescentes estão implicadas
com os termos ‘empoderamento’ e ‘advocacy’, por tratarem dos
aspectos relativos à questão da gestão participativa como focos de
discussão de um novo processo democrático e fator marcante para

88
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

romper com o autoritarismo, subordinação e alienação das pessoas na


sociedade.
É importante assinalar que, para efeito deste estudo, os termos
protagonismo juvenil e participação social dos adolescentes são
sinônimos, eles se completam e estão contidos um no outro.
Portanto, não são diferentes nem opostos, mas atendem a um mesmo
propósito, qual seja o da educação e ação pautada na cidadania.
O conceito de protagonismo juvenil, ao ser legitimado na
Constituição Federal através de diversas formas, especialmente como
uma condição do Estado Democrático e de Direito, rompe com uma
postura pedagógica paternalista, assistencialista ou manipuladora, que
sempre esteve presente na educação tradicional e conservadora, como
indica o pedagogo pernambucano Paulo Freire (1987).
A relação entre a educação e democratização da cultura apresentada
por Freire (1996) demonstra a dimensão humanista, o sentido
transcendental da relação educador-educando, o esforço criador e re-
criador dos participantes dessa relação como sujeito e não mero e
permanente objeto. De acordo com ele,
Somente um método ativo, dialogal e participante poderia gerar a
criticidade, a democratização, a liberdade e autonomia dos sujeitos.
A partir daí, começaria a favorecer em maior ou menor medida o
aprendizado da cooperação, da participação social e do diálogo nas
práticas institucionais, fundamentais para que os jovens se
percebam como cidadãos, que implica um processo de participação
democrática entre o educador, educando e comunidade. (Freire,
1996, p. 83).
Costa (2000), assim como Freire (1996), também expressa,
claramente, essa diferença entre a condução pedagógica de
participação cidadã e os velhos paradigmas na condução da educação
manipuladora. De acordo com ele,
Se queremos transmitir valores às novas gerações, não devemos nos
limitar à dimensão dos conteúdos intelectuais transmitidos através
da docência. Devemos ir além. Os valores devem ser, mais do que
transmitidos, vividos, através de práticas educativas e no curso dos
acontecimentos. Como educadores, precisamos nos fazer presentes
na vida dos educandos, de forma construtiva, emancipatórios e
solidária. Educar (...) é criar espaços para que o educando possa

89
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

empreender ele próprio a construção do seu ser, ou seja, a


realização de suas potencialidades em termos pessoais e sociais.
(Costa, 2000, p. 47)
Esta concepção pedagógica sinaliza para o rompimento do tabu e do
preconceito em relação à atuação e participação do adolescente nos
debates públicos e nas deliberações de soluções para o enfrentamento
dos problemas sociais, como expressos em depoimentos do tipo: “Os
adolescentes ainda não estão preparados”, “Eles são tão infantis!”,
“Ah! Só podia ser adolescente!...”
Para Costa (2000), a proposta pedagógica que visa o protagonismo
juvenil vai além de uma ação preventiva em relação à moralidade e
legalidade vigentes. Trata-se de um processo de construção de
cidadãos mais autônomos, críticos e autodeterminados, de uma
sociedade mais democrática, solidária e aberta. Neste sentido, visto
que as ações pressupõem distintos momentos, como iniciativa,
planejamento, execução, avaliação e apropriação dos resultados, ele
considera que há diferentes níveis de protagonismo em cada um deles.
Ao mesmo tempo, busca apontar as formas de relação educador-
educando em cada ação, de modo que se observam “degraus” de
participação do adolescente na perspectiva do protagonismo. De
acordo com ele,
Os degraus de participação são: 1 – Participação manipulada: Os
adultos determinam e controlam o que os jovens deverão fazer
numa determinada situação; 2 – Participação decorativa: Os jovens
apenas marcam presença em uma ação, sem influir no seu curso e
sem transmitir qualquer mensagem especial aos adultos; 3 –
Participação simbólica: A presença dos jovens em uma atividade ou
evento serve apenas para mostrar e lembrar aos adultos que eles
existem e que são considerados importantes. A participação é, ela
mesma, uma mensagem; 4 – Participação operacional: Os jovens
participam apenas da execução de uma ação; 5 – Participação
planejadora e operacional: Os jovens participam do planejamento e da
execução de uma ação; 6 – Participação decisória, planejadora e
operacional: Os jovens participam da decisão de se fazer algo ou não,
do planejamento e da execução de uma ação; 7 – Participação decisória,
planejadora, operacional e avaliadora: Os jovens participam da decisão,
do planejamento, da execução e da avaliação de uma ação; 8 –
Participação colaborativa plena: Os jovens participam da decisão, do

90
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

planejamento, da execução, da avaliação e da apropriação dos


resultados; 9 - Participação plenamente autônoma: Os jovens realizam
todas as etapas; 10 –Participação condutora: Os jovens, além de realizar
todas as etapas, orientam a participação dos adultos. (COS, 2000, p.
180 e 181).
Assim, o protagonismo juvenil representa uma proposta educativa de
trabalhar com o adolescente, considerando a necessidade de
mudanças na cultura das pessoas, das organizações - com ênfase na
escola - e no contexto sócio-comunitário em que empreende suas
ações.
Ao mesmo tempo em que estão lutando por justiça nos espaços
sociais, os adolescentes estão lapidando o que carregam consigo
enquanto pessoas singulares, como desejos, crenças, gestos,
experiências, valores, certezas, incertezas e sonhos. Segundo Alves
(2002, p.38), “É do sonho que nasce a dança e nasce a luta. Melhor
guerreiro é o que sonha mais... Aqueles que partilham sonhos dão as
mãos e caminham juntos. E esse é precisamente o início da política,
que poderia ser definida como a arte de administrar os sonhos de um
povo”.
Esta relação entre o sonho e a política demonstra a dinâmica da ação
do protagonismo, visto que ele não pode ser reduzido a elaborações
cognitivas. Ao tratar dessa perspectiva de trabalho com jovens há que
se considerar a dimensão subjetiva que eles manifestam, suas emoções
e afetos, seus desejos. Não obstante, para não cair em idealismos e
subjetivismos, também se faz necessário compreender como o
protagonismo aparece e se constitui no interior de um sistema social.
Maturana (1999) assinala que um sistema social é formado por seres
vivos que interagem entre si, e a partir dessas interações constroem-se
uma rede de ações coordenadas na qual eles se realizam a si próprios.
A compreensão deste pensamento coloca a participação do indivíduo
como um processo coletivo e dinâmico.
As interações sociais dos adolescentes possibilitam o pensar e o fazer
coletivo em um processo contínuo de relações, que em verdade
constituem uma rede de saberes e práticas. Os espaços onde os
adolescentes transitam tornam-se bastante significativos para

91
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

entendermos como, onde e quando se processa a contribuição da


ação de protagonismo juvenil em uma proposta político-pedagógica.
A seguir, detalharemos a experiência de participação social dos
adolescentes no seu movimento organizado, a qual constitui objeto
privilegiado de atenção neste estudo.

Participação juvenil: experiências, ações e movimentos sociais.


No nosso trabalho junto ao movimento social organizado de
adolescentes temos observado que o sentimento de pertencimento a
determinado grupo, programa e/ou projeto mobiliza o seu pensar e o
sentir para o fazer. Neste processo, percebe-se que a interação com o
outro possibilita estabelecer novos caminhos, valores e
conhecimentos. Ao mesmo tempo, mobiliza diferentes identidades,
potencialidades e limites, oportunizando recorrentes transformações e
construções, dentro de um processo dinâmico e cheio de vitalidade.
Destacamos a atuação do Movimento de Adolescentes do Brasil –
MAB -, que é uma rede constituída, a partir de 1996, por grupos de
jovens e educadores de diversas áreas de atuação, comprometidos
com a participação social, o exercício da cidadania e a inclusão social,
para o desenvolvimento de projetos, programas e/ou ações locais,
regionais e nacionais e/ou internacionais.
A missão do MAB é favorecer a intervenção e inserção social, política
e cultural dos adolescentes na comunidade. Os princípios norteadores
deste movimento são a participação efetiva dos adolescentes, a
construção coletiva do conhecimento, a parceria entre adolescentes e
educadores, a prática da convivência solidária e afetiva, o respeito à
diversidade, bem como a socialização das informações e das
experiências alcançadas. O MAB é suprapartidário e não tem caráter
religioso. Sua finalidade consiste em articular e promover o
intercâmbio, assim como apoiar ações de construção da cidadania nas
áreas de educação, saúde, saúde sexual e reprodutiva, sexualidade,
meio-ambiente, direitos, valores humanos, violência, prevenção ao
uso indevido de drogas, arte e cultura, lazer, formulação de políticas
publicas, dentre outras. (Ribeiro C. & Campos, M., 2004).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

O MAB tem aproximadamente 60 grupos filiados, oriundos de várias


regiões do Brasil, sendo compostos por membros de organizações
não-governamentais e instituições ou grupos informais, cada um com
diferentes estratégias de ação, mas tendo em comum a compreensão
da importância do trabalho com adolescentes, os quais são
considerados enquanto sujeitos de transformação com vistas a uma
sociedade melhor, mais justa e com qualidade de vida.
Segundo Ana Serra50, no prefácio do livro “Afinal, que paz
queremos?” MAB cumpre um dos compromissos mais importantes
que a sociedade pode ter a favor dos adolescentes e jovens, que é
ajudá-los a canalizar suas energias de forma produtiva e positiva, para
que possam, gradualmente, se tornar autônomos, participando de
decisões que afetam suas vidas, suas famílias e a sua comunidade,
cumprindo o seu papel de “ator-chave” no processo de
desenvolvimento deles mesmos e da sociedade. (Serra, 2004).
O número significativo de ações realizadas nas cidades brasileiras por
grupos organizados de adolescentes, jovens e educadores revela o
compromisso desses atores com o exercício da defesa e a promoção
dos seus direitos e deveres. A realidade desses grupos se constitui em
uma grande diversidade no que se refere, além dos aspectos étnico,
racial, de gênero, político e ideológico, também no que diz respeito às
questões culturais, sócio-econômicas e demográficas. As interações
afetivas, educativas, políticas e sociais que têm lugar nos Encontros de
Adolescentes, seja no âmbito municipal, estadual ou nacional,
possibilitam registrar experiências enriquecedoras que simbolizam
uma nova prática pedagógica e política de participação social com
vistas ao protagonismo juvenil.
O Encontro Nacional de Adolescentes – ENA -, organizado pelo
MAB e constituindo marco privilegiado da sua ação, é o espaço
privilegiado de participação para os grupos, instituições e organização
das diferentes regiões do Brasil. Ele tem o objetivo de promover a
atuação dos jovens e educadores, protagonistas sociais, contribuindo
para a discussão e a elaboração de novas estratégias de ação social e

50
Psicóloga e psicoterapeuta de adolescentes. Foi presidente do Conselho
Regional de Psicologia da Reg. 01. Desde 1994 é consultora técnica/especialista
da Área de Saúde do Adolescente e do Jovem/Ministério da Saúde.

93
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

política. Até o momento foram realizados 12 encontros nacionais, em


lugares e épocas diferentes, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do
Norte, para conhecer, discutir e propor estratégias de ação que
incentivem a participação juvenil. Estas oportunidades nos mostram
que é possível uma construção coletiva com a participação efetiva dos
adolescentes nos processos e nas tomadas de decisões.
Ao analisarmos os temas discutidos nos Encontros Nacionais, como
revela o quadro abaixo, observamos a evolução dos debates no
contexto das demandas dos adolescentes, as quais desembocam em
uma discussão sobre a participação social. Esse tema é importante
visto expressar a busca dos adolescentes por um efetivo exercício da
cidadania, de modo que sua discussão implica em enfrentar questões
desafiadoras a respeito do direito de ocupar o espaço legitimado de
participação social.

Quadro 1: Temas dos Encontros Nacionais de Adolescentes (1991-


2004)
ENCONTROS ANO LOCAL TEMAS
I ENA 1991 Campinas - SP “Por que orientação sexual?”
II ENA 1992 Campinas – SP “Conversando sobre paixão, sexo,
droga e rock’n roll”
III ENA 1993 Campinas – SP “Brasil, mostra a sua cara!”
IV ENA 1994 Campinas – SP “Adolescência, sonho e realidade”
V ENA 1995 Campinas – SP “Eu, adolescente, eu corpo, eu
humano, eu brasileiros, eu
masculino/feminino.”
VI ENA 1996 Campinas - SP “Adolescência, desejo e
transformação”
VII ENA 1997 Uberlândia – MG Idem
VIII ENA 1998 Rio Claro – SP “Adolescente, movimento e vida.”
IX ENA 1999 Porto Alegre – RS “Também depende de nós.”
X ENA 2000 Salvador - BA “Vem voar com a gente. Direito
não e utopia.”
XI ENA 2002 Lavras – MG “Afinal, que paz queremos?”
XII ENA 2004 Natal – RN “Tecendo e construindo a
participação social”
Fonte: (Ribeiro & Campos, 2002, p. 136)

94
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

O XII ENA constituiu-se como um espaço privilegiado para discutir,


experimentar e avaliar novos processos que possam ampliar os
saberes e as práticas numa ação político-pedagógica mais estruturada e
sistematizada. O objetivo principal deste Encontro foi “contribuir
para a promoção da participação juvenil nas ações de intervenção
social e das políticas públicas, possibilitando a discussão e viabilização
de projetos de vida que os e as adolescentes querem para si e para o
seu coletivo”. (MAB, 2004, p. 3). No que diz respeito ao referendo da
importância do ENA para os adolescentes, registramos o depoimento
da psicóloga Ana Serra, membro da equipe técnica da Área de Saúde
do Adolescente, do Ministério da Saúde, a qual afirma que,
O ENA é a mostra preciosa das diferentes adolescências e
juventudes, de suas diferentes culturas e da própria compreensão do
mundo. Põem em evidência as experiências vividas pelos
adolescentes e jovens que são fundamentais no aprendizado da vida
e na construção dos seus projetos de futuro, canais do sentido de
suas existências (Serra, 2004, s/p).
Nossa prática em programas de atendimento voltados ao público
juvenil atesta que o envolvimento criativo e organizado dos
adolescentes vem contribuindo para as reflexões sobre a educação
participativa, que pressupõe diálogos e luta por cidadania51.
Ressaltamos que a promoção do diálogo, nestes espaços de busca de
participação, tem se mostrado um relevante caminho de
implementação da participação social dos adolescentes na resolução
de seus problemas e angústias.
Em se tratando da temática do diálogo, tão presente nas ações e redes
de interlocução do Movimento de Adolescentes, recorremos a Paulo
Freire, que cultivou saberes necessários a pratica participativa, a fim
de iluminarmos os sentidos que o termo pode assumir. Para Freire
(1987, p. 79),
o diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo,
para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. Por
isto, o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em

51
Para Leonardo Boff (2000) cidadania significa a capacidade de um povo e dos
cidadãos de moldarem seu próprio destino, em consonância com o destino
comum da humanidade e da terra.

95
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao


mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um
ato de depositar idéias a serem consumidas pelos permutantes.
Nesse Movimento, em rede, está se construindo um diálogo entre
adolescentes e seus pares, envolvendo a sociedade e os gestores
públicos para avançar no processo de participação social,
considerando que este é um desafio permanente a ser enfrentado
pelos adolescentes. Durante o ENA, registrou-se que todos estão
ainda aprendendo a andar nesse caminho.
Neste sentido, as experiências e saberes que foram partilhados no XII
Encontro permitiram construir um Relatório de Proposições
(MAB, 2004), elaborado nos grupos de discussão, a partir das
reflexões críticas sobre a prática dos adolescentes. Ele contempla a
proposição de diretrizes para a elaboração de políticas públicas para a
juventude, as quais também ratificam outras já existentes, como
aquelas aprovadas no Fórum Mundial da Juventude, anteriormente
citado, cujo foco é a promoção da participação social em diversas
áreas de políticas públicas no Brasil.
Em relação aos Encontros Estaduais de Adolescentes, o Rio Grande
do Norte vem se destacando por ser o estado brasileiro que lançou o
desafio de colocar em prática a mobilização dos grupos de
adolescentes protagonistas, constituídos em diferentes municípios.
Em 1999, foi realizado o I Encontro Potiguar de Adolescentes – EPA
–, em que participaram quatrocentas pessoas. Em decorrência dos
resultados alcançados neste primeiro Encontro, como a articulação de
diversos setores institucionais, mobilização social de adolescentes e
discussão com atores sociais e gestores públicos, foi possível reeditar
esta experiência entendida como espaço aglutinador e propositivo. O
quadro abaixo apresenta a evolução dos Encontros, tanto sob o
ponto de vista do número de participantes quanto em relação ao
aprofundamento dos eixos temáticos.

96
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Quadro 2: Encontros Potiguares de Adolescentes – EPA (em Natal)


por númeo de participantes

Ano Encontro Tema Nº de Partic.


1999 I EPA Sexualidade e Cidadania 400
2000 II EPA Unidos pela Paz 500
2001 III EPA Voluntariado Jovem, construindo a Paz 600
2002 IV EPA Paz em ação, preconceito não. 700
2003 V EPA Jovens em ação, certeza de participação 700
Fonte: Canto Jovem (2004).
Como ressaltado anteriormente, ao se tratar dos ENA’s, também nos
EPA’s foi possível perceber o avanço das discussões acerca da
participação juvenil, refletindo um processo de debate propositivo.
Em relação a ele, destacamos um trecho da Carta de Intenções,
elaborada pelos adolescentes, durante o III EPA:
(...) Percebendo a necessidade de participação dos adolescentes
quanto a questões sociais e evidenciando-se o ser cidadão como
responsável em mudanças relevantes, procuramos elaborar
propostas para viabilizar transformações eficazes, melhorando a
qualidade de vida dos jovens, de forma harmoniosa e completa,
proporcionando a formação de cidadãos no sentido pleno da
palavra. No âmbito educacional, percebemos a maior necessidade
de capacitação dos educadores, assim como a participação efetiva
dos jovens realizando um trabalho conjunto de tal forma que
evidencie a divulgação do ECA (...). (Canto Jovem, 2001).
A posição dos adolescentes revela que este espaço de encontros e
diálogos entre os jovens e educadores se constitui como um processo
de aprendizado, troca de saberes e atuação dos jovens na defesa dos
seus direitos. Tal postura, observada tanto nos ENA quanto nos
EPA, expressam o estágio de empoderamento alcançado pelos
adolescentes através dessas experiências enriquecedoras.
Ernesto Rodriguez (2004, p. 21), ao se pronunciar sobre o
empoderamento dos jovens, diz que,
Temos que ter consciência de que para que os jovens possam ter um
protagonismo importante nas políticas públicas, eles têm que se
empoderar intensivamente para saber como fazer as coisas, para

97
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

saberem discutirem adequadamente, com quem toma decisões em que


tipo de assunto porque senão a batalha estará perdida antes de
começar.
O desafio é legitimar a participação dos adolescentes em um contexto
social, econômico e político tão desfavorável ao seu desenvolvimento.
É significativo ressaltar que não se trata de supervalorizar o espaço de
participação social nem o protagonismo juvenil, mas sim de analisá-
los em profundidade, percebendo as construções significativas a que
os adolescentes podem chegar, tanto em sua prática social e
individual, quanto em sua prática pedagógica e política. Tais
construções formam e transformam esses adolescentes, jovens e
educadores, criando e re-criando novos valores e ações.
Assim, busca-se a construção do conhecimento a partir da concepção
de como se dá este próprio conhecimento, ou seja, de como operam
os adolescente em suas interações contínuas, dentro de um processo
de ação, reação, intervenção, concessão, experimentação, resistência,
revelação e diálogos. Desta forma, em rede, o entrelaçamento das vias
possibilita a constituição de nós. As conexões e relações de
reciprocidade devem ser pensadas na interação de seus muitos
caminhos – no diálogo entre eles, na possibilidade de infinitas trocas e
circulação de saberes e informações cujo sentido não se pode precisar;
a rede estabelece conexões as mais variadas. É nesta perspectiva que
tentamos capturar a rede do Movimento de Adolescentes no Brasil e
sua interface com os movimentos estaduais e municipais, para
participação ativa na vida política da sociedade.
Ribeiro (2004) nos convida a refletir sobre as relações que ocorrem
nesses espaços de encontros dos adolescentes e todas as variações
contextuais na/da intervenção nessas relações, destacando a
complexidade de cada ser humano interagindo com seus pares, em
contextos diversos. Ao mesmo tempo, ela sinaliza que,
As incertezas, as indeterminações, os fenômenos aleatórios
desse/nesse espaço/tempo fizeram com que as relações e os fatos
fossem imprevisíveis. Aspectos subjetivos, tais como sentimentos e
emoções, as relações de poder, a cultura, as relações sócio-
econômicas estão presentes no espaço Encontro Nacional de
Adolescentes e nas relações interindividuais e de grupo. Não há

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

dúvida de que, tudo o que aconteceu, interferiu para mudar


histórias de vida (Ribeiro, 2004, p. 4)
Como podemos perceber, essas experiências de crescimento dos
movimentos sociais, com enfoque no protagonismo juvenil e
participação, chamam atenção para a necessidade do olhar complexo
na busca por explicação do fenômeno, pois é importante demarcar
estes novos projetos sócio-políticos gestados na sociedade. Também é
preciso estar atento para perceber que projetos são estes, para onde
caminham, que novas formas de fazer político configuram, que novos
traços trazem para a participação na vida coletiva como militância:
participação simbólica, decorativa, manipuladora ou colaboradora e
autentica. Não basta incluir ou pertencer a um grupo, mas aprender a
sonhar, pensar e re-criar a própria história.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

6. Os Processos educativos no/do ENA 12


André Sobrinho, Camila Leite, Cláudia Ribeiro e Maria Teresa de Arruda
Campos

Melucci (2001) explicita que os movimentos sociais nas sociedades


complexas funcionam como
redes submersas de grupos, de pontos de encontro, de
circuitos de solidariedade que diferem profundamente da
imagem do ator coletivo politicamente organizado. Trata-se
de uma transformação profunda do modelo organizativo
que se apresenta como uma estrutura qualificante e
específica das formas emergentes do conflito em sociedades
de alta complexidade (p. 15).
Portanto, sutilmente, o movimento social em rede vai penetrando nas
diversas áreas sociais. Pressionam participação coletiva assegurando a
mobilização. Deste modo reconhecemos o MAB, que, por meio de
suas ações, vem possibilitando a formação continuada de lideranças
juvenis; o fortalecimento dos grupos existentes de adolescentes e
jovens em diversas cidades, que com o decorrer do trabalho tornam-
se grupos de referência; a formação de novos grupos a partir da
participação em eventos e a construção de uma rede de grupos de
educadores, educadoras, adolescentes e jovens que contribui para a
promoção da participação juvenil, possibilitando a discussão e
viabilização de projetos de vida individuais e coletivos.
O desafio que atualmente está colocado para o MAB diz respeito à
reflexão sobre nossas principais conquistas e dificuldades, que estão
atreladas ao fato de construirmos um espaço de aprendizagens

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

múltiplas e de exercício constante da democracia. Que contornos e


texturas geram a parceria entre adolescentes, educadoras e
educadores? De que modo estamos construindo conhecimentos
coletivamente, reconhecendo e valorizando nossas diversidades?
Como o MAB pode apresentar um novo jeito de produzir
conhecimento e de reconhecer o espaço e a participação de jovens e
adolescentes como sujeito de direitos e autores de suas histórias e da
história desse tempo?
Nesse texto, não pretendemos dar respostas a estas questões, mas ao
menos levantar algumas pistas, a partir da experiência vivida no XII
ENA.
Inspirados nas idéias de Paulo Freire, os processos educativos
construídos no XII ENA fundamentam-se na educação dialógica e
problematizadora, na qual “o educador já não é o que apenas educa,
mas o que, enquanto educa, é educado em diálogo com o educando
que ao ser educado, também educa”. Desta forma, ambos tornam-se
agentes fundamentais dos processos educativos que são construídos
nesse diálogo problematizador. No entanto, para garantir esse diálogo
é fundamental basear-se em uma metodologia participativa, na qual
todos e todas tenham como exercer seu direito de participação.
Apesar da própria estrutura do Encontro prever a participação de
todos e todas, buscamos no XII ENA, fortalecer ainda mais esse
princípio, já que para nós, a construção dos processos educativos está
intimamente ligada aos modos de participação. Para isso, optamos por
criar uma Comissão Pedagógica que se dedicasse especialmente à
garantia dos espaços de participação de todos e todas no ENA.
Afinal, é a participação que nutre a educação dialógica.
Composta por educadores e jovens dos grupos e instituições
organizadoras do evento em parceria com educadores do MAB (de
outros grupos, instituições e cidades do Brasil), a Comissão
Pedagógica visava articular as intenções pedagógicas do Encontro
com os espaços de participação. Sendo assim, esta Comissão se
dedicou a elaborar estratégias que garantissem o cumprimento dos
objetivos pedagógicos de cada uma das atividades previstas e
realizadas durante toda a programação do XII ENA, prevendo a
participação de cada um dos agentes.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Contudo, pudemos perceber que foi na relação dialética das intenções


pedagógicas com o modo como cada agente participou do Encontro
que se deram os processos educativos. Ou seja, os processos
educativos não foram “embalados a vácuo”, foram experimentados
na convivência e no diálogo entre adolescentes, educadores e jovens
durante todos os momentos do evento.
Para Freire (1996) uma das tarefas mais importantes da prática
educativo-crítica é propiciar condições em que todos e todas,
educador-educando, educando-educador, ensaiem a experiência de
assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante
comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos.
Acreditamos que durante o XII ENA mais do “ensaiar”, pudemos
vivenciar esse “assumir-se”, do qual se refere Freire.
Sendo assim, destacamos algumas atividades, planejadas pela
Comissão Pedagógica, que se tornaram fundamentais para a
organização do Encontro e garantia das intenções pedagógicas:
reuniões com educadores e educadoras, reuniões com relatores e
relatoras dos grupos de discussão, reuniões com os grupos de origem,
“barraco”, danças circulares, ginásticas harmônicas, feiras, festa,
oficinas e mostra artística. Acreditamos que esses momentos
configuram-se como territórios férteis ao desenvolvimento dos
processos educativos.

Reunião com educadores e educadoras


A solidariedade social e política de que precisamos
para construir a sociedade menos feia e menos
arestosa, em que podemos ser mais nós mesmos, tem
na formação democrática uma prática de real
importância (Freire, 1996: 47).
Sentados em círculos, educadoras e educadores, se encontravam para
conversar sobre o que estávamos vivenciando no Encontro. Espaço
de partilha e troca, especialmente dedicado à reflexão sobre o
desenvolvimento das atividades e as dificuldades enfrentadas no dia,
para juntos e juntas descobrirmos novas possibilidades de atuação.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Essas reuniões ocorriam diariamente e tinham como objetivos


integrar e acompanhar os “CombENAdos” entre os e as participantes
no primeiro dia do evento. Os combENAdos estavam presentes em
uma lista que todos e todas os participantes deveriam conhecer para
aprimorar a convivência no XII ENA. Muitos itens presentes neste
documento já vinham de outras negociações das quais estabeleceu-se
como “regra” em todos os ENAs. Como exemplo, o não consumo de
bebidas alcoólicas e também os horários de todos e todas estarem nos
alojamentos, bem como a separação dos dormitórios dos meninos e
meninas. Em virtude da vinda de muitos grupos novos que nunca
participaram de ENAs, bem como a presença de uma grande
quantidade de jovens (acima dos 18 anos), os combENAdos foram
amplamente debatidos durante o evento. Muitos não concordavam
com alguns termos enquanto outros queriam mantê-los. Contudo, foi
mantido um diálogo que resultou nos encontros constantes entre
educadores e educadoras para integrar numa proposta única,
viabilizando o cumprimento dos “combENAdos”(abaixo).
Concluímos, contudo, que essa situação nos faz pensar sobre a
importância da construção coletiva, da elaboração dos consensos,
como forma de garantir o princípio democrático de participação e de
compromisso do que é firmado. Por outro lado, há que se reconhecer
toda a construção cultural da relação de autonomia, cuidado e
formação por que passam adolescentes e jovens, e como essa relação
eclodiu no ENA que fundamentalmente é um encontro de/ com/
para adolescentes, sendo pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
até os 18 anos. Os combENAdos também serviram como
instrumento de reflexão mais ampla sobre a relação entre
adolescentes, jovens e educadores/ as.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

CombENAdos
01. Os participantes do encontro deverão Para adolescentes,
permanecer no local do evento durate toda a jovens e educadores
programação do encontro; em alojamento
02. Todos os participantes deverão manter uma
1. O horário de silêncio
relação de confiança mútua;
está previsto p/ as
03. Os participantes deverão zelar por seus
22h;
objetos pessoais, assim como pelos objetos
2. O horário de
dos demais participantes;
despertar será 6h
04. A organização do encontro não se
para todos os
responsabilizará pela perda de qualquer
participantes;
objeto dos participantes durante o encontro;
3. Caso haja outra
05. Os aparelhos celulares deverão permanecer
estrutura de
desligados no período de realização das
alojamento, a saída
oficinas, debates e atividades de integração;
para o evento será
06. Todos os participantes do encontro são
diariamente às 7h30.
responsáveis pelos alojamentos e demais
O retorno está
instalações do local de realização do
marcado para às 19h
encontro;
(salvo casos em que a
07. Não será permitido o consumo de bebidas
programação se
alcoólicas, ou qualquer outra substância
prolongue além
psicoativa, por parte de nenhum dos
desse horário, sendo
participantes do encontro;
responsabilidade dos
08. Todos os participantes devem ter uma
participantes atenção
atitude voltada a preservação do meio-
aos horários
ambiente (conservação, higiene do local, etc.)
combinados de
09. Todos deverão ter uma atitude ética junto
retorno);
aos participantes do encontro;
10. Os participantes do encontro devem respeitar 4. Os participantes que
as instruções e orientações em comum requisitaram
acordo no processo de construção do XII ENA; alojamento no ato da
11. Os participantes do encontro devem estar inscrição deverão
atentos ao cumprimento dos horários da trazer roupas de
programação, cama e banho
12. As instituições participantes do encontro (lençol, colchonete,
deverão proporciopnar condições toalhas etc.) para sua
satisfatórias de higiene, segurança, melhor acomodação
alimentação e alojamento.
13. Todos os participantes deverão permanecer
com a identificação (crachá) visível durante
toda a programação do encontro

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Contudo, as reuniões dos educadores e educadoras também se


configuravam como espaço de encontro, no qual pudemos nos
conhecer e aprender sobre as diferenças vividas em nossos grupos,
em outros cantos e de formas tão diferentes e criativas. Trocamos
folderes, ouvimos sotaques diversos, confirmamos nossa crença e
confiança na juventude, ajustamos “combinados”, refletimos,
repartimos tarefas como colocar limites mais claros, o que significou
um amadurecimento desse grupo. Cabe ressaltar que os
“combinados” não estavam elencados apenas para adolescentes, mas
para todos e todas participantes e foram fundamentais para o
andamento do Encontro.

Com todas estas possibilidades, estar com os educadores e as


educadoras foi mais que estarmos reunidos e reunidas com as pessoas
responsáveis pelos grupos estávamos com as pessoas que dão alma,
energia e facilitam que a moçada avance em seus propósitos nas mais
diferentes cidades deste país. Profissionais remunerados, profissionais
voluntários, professores e professoras de escolas públicas, de escolas
particulares, pessoas que coordenam grupos de igrejas, de escolas, de
ONG, de adolescentes, de jovens, de cidades grandes, de cidades
muito pequenas, beira-mar, montanha, interior, sertão, gente com
muita condição econômica e gente muito pobre. Estar com estas
pessoas nos confirmou que, a partir das dificuldades vividas em um
grupo tão diverso e heterogêneo, que os processos educativos
realizados coletivamente são fundamentais ao desenvolvimento de
nossas ações que, em última instância, visam à construção de uma
sociedade mais participativa, solidária, justa e feliz.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Grupos de Discussão – GD
O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com
seu gesto a relação dialógica em que se confirma como
inquietação e curiosidade, como inconclusão em
permanente movimento na História. (Freire, 1996: 154).
Após realizar um levantamento de quais são as áreas de trabalho em
que atuam os grupos do MAB, identificamos sete grandes campos de
atuação, são eles: Direitos Humanos/ Direitos da Criança e do
Adolescente; Gênero; Direitos Sexuais e Reprodutivos; Cultura de
Paz; Arte-educacão; Meio Ambiente; Enfrentamento as DST/ Aids.
Optamos então, por organizar os Grupos de Discussão a partir dessas
áreas. Acreditando que, desta forma, possibilitaríamos que todos
aqueles que trabalham em uma área específica poderiam se juntar para
pensar coletivamente sobre questões que para nós tornavam-se
imprescindíveis: “quem somos”; “como agimos”; “o que pensamos
em participação social” e “o que pensamos em Políticas Públicas”
dentro de cada uma dessas áreas.
Sendo assim, no XII ENA, os GDs, divididos por áreas específicas,
foram pensados como espaços, especialmente dedicados à reflexão
sobre os modos como os diferentes grupos, que compõe o MAB,
trabalham, se organizam, se caracterizam e se posicionam frente ao
tema da participação social e da construção de políticas públicas.
Queríamos com isso, identificar o que tem de diferente e de
semelhante entre as atuações dos grupos em cada área, para
reconhecer as limitações e possibilidades de atuação do Movimento.
Para tal, foi aberta a inscrição para os grupos filiados ao MAB e
grupos convidados, facilitarem os GDs. O critério adotado foi a
experiência prévia do grupo no tema em que estava propondo
coordenar. Assim, os GDs foram coordenados por grupos de
referência nos campos temáticos. Cada eixo temático tinha, no
máximo, três salas e seus participantes se reuniam diariamente. Os
GDs, facilitados por adolescentes e/ou jovens e/ou educadores/as,
tiveram uma carga horária de 06 horas durante os três dias,
intercalados por outros momentos de vivência. A seguir, tabela com
as áreas de trabalho, número de salas e grupo responsável.

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GD Grupo Responsável
Arte e Educação Escola Pernambucana de Circo/ PE
Grupo Rumo/Centro de Voluntariado de Rio
Cultura de Paz Claro/ SP
Direitos da Criança e do Adolescente Centro de Voluntariado – Rio Claro/SP
Direitos da Criança e do Adolescente TABA/SP
Direitos Sexuais e Reprodutivos Reprolatina/SP
Direitos Sexuais e Reprodutivos Curumim/PE
Direitos Sexuais e Reprodutivos Reprolatina/SP
Enfrentamento as DST/AIDS Centro de Voluntariado – Rio Claro/SP
Enfrentamento as DST/AIDS TABA/SP
Gênero Reprolatina/SP
Gênero Instituto Papai/PE
Meio Ambiente TUMM/SP

Vale ressaltar, que foi a primeira vez que os GDs aconteceram desta
forma, o que sem dúvida, trouxe-nos muitos aprendizados.
Verificamos que a proposta pensada para os GDs era um tanto
quanto ousada, difícil de ser realizada, principalmente porque
reunimos no ENA, não apenas os grupos filiados ao MAB (que de
alguma forma já se conhecem e partilham alguns princípios), mas
também outros grupos, que estavam chegando pela primeira vez no
Encontro, com características e concepções diferentes. Essa
diversidade trouxe, por um lado, uma riqueza muito grande para os
GDs, afinal, quando reunimos visões distintas sobre um mesmo tema
ampliamos a possibilidade de discussão, por outro, um problema real
chamado tempo. Quando previmos os GDs não contávamos com a
presença de grupos novos, pensamos que com 6h de trabalho fosse
possível discutir as questões centrais, dentro daquele determinado
tema. Mas na prática percebemos que o tempo foi curto para tanta
coisa. Além do mais, as questões propostas também não eram
simples, exigiam um grande nível de reflexão e investimento dos/das
adolescentes, jovens e educadores/as.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Outros aspectos marcaram o desenvolvimento dos GDs, um deles,


diz respeito ao fato de que nem todos os grupos que coordenaram as
atividades tinham clareza do que se pretendia com o Grupos de
Discussão. O que fez com que, em alguns GDs, dedicassem muito
tempo à reflexões sobre a área em si, ao invés de trabalhar com as
quatro questões propostas (“quem somos”; “como agimos”; “o que
pensamos em participação social” e “o que pensamos em Políticas
Públicas”) dentro da área. Outra questão a ser reavaliada no
desenvolvimento dos GDs, foi o fato de, em alguns casos, os
facilitadores terem confundido o GD com oficina ou grupo de
trabalho. Ou seja, acabaram levando dinâmicas e atividades que não
privilegiavam o debate e a discussão.
Contudo, a experiência dos Grupos de Discussão foi bastante
significativa. Primeiro porque percebemos que nem sempre aquilo
que a gente planeja acontece da forma que esperávamos. O
movimento vivo do Encontro fez com que novas possibilidades de
aprendizagens fossem construídas na relação entre os participantes.
Nos aproximamos mais uns dos outros, reconhecendo as experiências
de cada grupo dentro de cada área, podendo identificar o que temos
de semelhante e de diferente nos nossos modos de pensar e agir.
Desta forma, realizaram-se os processos educativos no XII ENA, de
forma dinâmica e intrínseca a experiência de convivência com a
diversidade.
Por fim, vale destacar que cada GD teve que eleger um relator
(adolescente ou jovem), que pudesse ao final do encontro, sentar
junto com os outros relatores, para redigirem um documento síntese,
sobre o que havia sido produzido nos GDs, ou seja: “quem somos, o
que fazemos e como nos posicionamos com relação a participação
social e a políticas públicas”.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Reunião com relatores e relatoras dos GDs


Inacabado e consciente de seu inacabamento, histórico,
necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser
de opção, de decisão. (Freire, 1996: 124).
Com o objetivo de construir um documento síntese sobre as questões
norteadoras dos GDs, sugerimos que cada grupo elegesse um
representante, que relatasse os principais pontos debatidos no seu
GD. A intenção primeira era que esses relatores e relatoras
construíssem um documento único do XII ENA que, não só
apresentasse a síntese das discussões, mas se posicionasse frente aos
temas, indicando proposições para a construção de políticas públicas.
No decorrer do processo de trabalho, percebemos que seria muito
difícil alcançar esse objetivo, na medida em que os GDs não tiveram
tempo para debater todas as questões. Entretanto, avaliamos que não
podíamos perder a oportunidade de apresentar o debate sobre os
temas realizado pelos participantes do ENA, afinal eram 600
adolescentes, jovens e educadores de vários lugares do Brasil e
também estávamos em época de eleição, ou seja, momento fértil para
a discussão política. Sendo assim, os relatores e relatoras dedicaram-se
a escrita de um documento que apontasse as discussões de cada GD,
servindo como suporte aos grupos participantes do Encontro, para
que estes mobilizassem debates com os candidatos de suas cidades, na
busca por espaços de construção coletiva de políticas públicas para a
adolescência e juventude.
O grupo de relatores se reuniu em três momentos. Foi muito
interessante verificar a seriedade e o compromisso das pessoas
envolvidas, em sua maioria jovens, que com empenho e criatividade
conseguiram em pouco tempo elaborar o documento chave do ENA
a ser apresentado para todos e todas participantes do evento.
Nessas reuniões, percebemos a complexidade dos trabalhos realizados
e o quanto era diverso o espaço ENA. As dúvidas consideradas
muitas vezes como preliminares, apresentavam níveis de
profundidade tanto no seu aspecto de formação dos e das
adolescentes presentes quanto na sua constituição enquanto sujeitos
políticos. Este tema surge cada vez com mais intensidade: como esses
encontros contribuem para a formação política dos participantes?

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Como podemos exercitar nossos posicionamentos políticos perante


as demandas de nossas cidades, perante a garantia dos nossos
direitos?
Neste sentido, a experiência do grupo de relatores e relatoras
deflagrou que os processos educativos do ENA se tornam cada vez
mais espaços de formação política. Nesse caso, os relatores e relatoras
foram estimulados a formularem questões que pudessem vir a
contribuir com a construção de políticas públicas.
Vale sublinhar, que este documento síntese, produzido pelos relatores
e relatoras, foi usado em várias cidades no debate direto com os/as
candidatos/as a prefeito/a e a deputados estaduais. Segue o
documento na íntegra.

Proposições do XII ENA – Natal: Diálogo entre o poder


público e os movimentos sociais

Cultura de paz
 Capacitação de professores (as) para que passem a exercer a sua
função de educar e não apenas passar a matéria.
 Criação de novos cursos profissionalizantes e um programa de
incentivo ao primeiro emprego.
 Apoio do poder público aos grêmios estudantis e às escolas para
manterem uma proposta de participação dos e das adolescentes e
jovens.
 Incluir a metodologia de oficinas nas aulas.
 Incluir e qualificar os professores e as professoras para utilizar os
parâmetros curriculares.
 Criação de espaços jovens, incluindo formação para os (as)
adolescentes.
 Apoiar os Encontros Municipais de Adolescentes destinando
recursos e disponibilizando espaços públicos.
 Apoiar, com recursos, as iniciativas de adolescentes e jovens que
realizam ações pela Cultura de Paz.
 Incluir o tema Cultura de Paz na grade curricular das escolas.
 Facilitar o acesso a cursos pré-vestibulares, públicos.
 Apoiar grupos culturais
 Incluir crianças e adultos na formação da Cultura de Paz

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Trabalhar com temas que geram a violência: preconceito,


discriminação, desigualdades sociais, entre outros.
 Desenvolvimento de projetos lúdicos para crianças
 E a Cultura de Paz na mídia? Realização de debates sobre
adolescência, mídia e Cultura de Paz.
 Incentivar o cooperativismo e empreendedorismo dos jovens – infra-
estrutura, e subsídio.
 Garantia de espaço para adolescentes colocarem suas questões na
Câmara Municipal.
 Participação de adolescentes nas diferenças instâncias do governo
municipal.
 Incentivo ao voto aos 16 anos.

Meio Ambiente
 Capacitação de profissionais, adolescentes, jovens e educadores(as)
para atuar na questão do meio ambiente pensando os “porquês”, e o
como fazer a análise dos resultados.
 Colocação de latões de coleta seletiva em espaços públicos (praças,
unidades básicas de saúde, fóruns, departamentos municipais,
escolas, universidades, etc). Discussão sobre aterrar o lixo no lixão
separando os hospitalares. Colocar mais lixeiras nas ruas.
 Limpeza das ruas pós-campanhas eleitorais, retirando outdoors,
faixas, panfletos, bandeiras, etc.
 Evitar o uso de descartáveis.
 Realizar, durante todo o ano, campanhas para redução da produção
de lixo.
 Leis municipais proibindo o uso da água para a lavagem das calçadas.
 Mutirões de limpeza dos rios.
 Prefeitura dar o exemplo da coleta seletiva e coleta de lixo.
 Desenvolver nas escolas projetos de educação ambiental na educação
infantil, ensino fundamental e médio e nas universidades.
 Que as empresas reaproveitem a sobra de materiais.
 Cobrar taxas de quem ultrapassar da média do consumo de água para
que aos poucos, conscientizem-se e reduzam o consumo da mesma.
 Geração de empregos para adolescentes em espaços de reciclagem e
artesanatos.
 Mobilizar a sociedade civil organizada, através dos grupos de grafites,
para combater a pichação que gera a poluição visual.
 Temas discutidos a serem desenvolvidos: 1. Cuidado com a água:
conservar as nascentes, os mananciais e os lençóis freáticos;
reaproveitamento da água; aproveitamento e consumo na casa;

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regulamentar as empresas para a revitalização e a economia;


reaproveitamento da água, melhorando o tratamento desta antes de
voltar aos rios; 2. Cuidar dos manguezais; 3. Evitar queimadas; 4.
Reflorestamento; 5. Poluição Visual; 6. Mídia – apoio de divulgação
de campanhas; 7. Envolvimento da zona rural com a zona urbana; 8.
Como trabalhamos: realizando campanhas de sensibilização/
conscientização, mutirões, panfletos informativos e projetos diversos;
9. evitar queimadas; 10. Fauna e Flora

Arte e Educação
 Criação do conselho municipal de cultura e do fundo de apoio a
cultura com participação de adolescentes e jovens.
 Criar um sistema de divulgação dos mecanismos de apoio a cultura,
bem como as suas formas de utilização/ aproveitamento.
 Capacitação dos professores da rede publica de ensino em arte e
educação como proposta pedagógica.
 Criação de um conselho de arte educadores com orçamento
participativo
 Garantir espaço gratuito na mídia para divulgação de eventos
culturais locais.
 Promoção e divulgação, preferencialmente, da cultura local.
 Incentivar a diversidade das manifestações culturais.

Enfrentamento das DST/AIDS


 Distribuição organizada, sem limitação de quantidade, de
preservativos masculinos. Distribuição de preservativos femininos
ou subsidio para a compra.
 Ampliação do programa de saúde da família no município.
 Ampliação de locais de distribuição de preservativos.
 Capacitação de professores e professoras e implantação de
programas de educação/orientação sexual nas escolas.
 Realização de campanhas preventivas as DST/AIDS, o ano todo.
 Fiscalização da compra e distribuição de medicamentos para
pessoas com HIV+ e de kits para exame de rotina.
 Capacitação dos e das profissionais de saúde para melhoria do
atendimento ao e as adolescentes nas Unidades Básicas de Saúde.
 Utilizar, nos programas de prevenção, uma metodologia lúdica para
atrair os e as adolescentes.
 Estimular movimentos de juventude e divulgar os resultados dos
trabalhos realizados.
 Rever a maneira de cadastros para retirada de preservativos.

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 Capacitar os profissionais que fazem a distribuição de preservativos,


para darem informações de uso.
 Buscar maneiras de atrair os (as) adolescentes para as unidades
básicas de saúde.
 Ter nas unidades básicas de saúde uma sala reservada para os
adolescentes.
 Haver dentro do governo uma diretriz de juventude.
 Quebra das patentes dos medicamentos para tratamento de
HIV/AIDS.

Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos


 Capacitação para profissionais da saúde no trabalho com
adolescentes em saúde sexual reprodutiva.
 Capacitação para profissionais de educação no trabalho com
adolescentes em Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.
 Capacitação para adolescentes e jovens multiplicadores/as no
trabalho com adolescentes, em saúde sexual e reprodutiva.
 Implantação de trabalhos sistematizados na área de Sexualidade nas
escolas, pois esta temática é um dos temas transversais, apresentado
nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
 Promoção, prevenção e atendimento em saúde sexual e reprodutiva,
de qualidade e específica para adolescentes, mantendo sigilo e
confidencialidade como acordado em Cairo/1994 e Cairo/1999.
 Participação efetiva dos (as) adolescentes em conselhos municipais
de saúde, de direitos e nas instâncias que dizem respeito a eles e a
elas.
 Integrar os programas de saúde com os programas de educação.
 Criação de programas de educação para profissionais da mídia, que
discutam o uso da imagem dos (as) adolescentes.
 Assegurar os Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos como
Direitos Humanos
 Assegurar a informação e oferta de anticoncepção de emergência
como estratégia para a redução de gravidez não planejada.
 Viabilizar a revisão de leis punitivas ao aborto apoiando a
mobilização do movimento de mulheres em favor da criação de
uma lei federal que legalize o aborto.
 Assegurar o atendimento imediato, humanizado e com qualidade á
mulher que esta em processo de abortamento independente da
causa do aborto seguido de um atendimento psicológico.
 Divulgar os Direitos Sexuais e Reprodutivos nos meios de
comunicação (TVs, rádios, jornais) comunitários ou não.

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 Divulgar, através de bate papos educativos em escolas, associações


e grupos de jovens, para despertar o interesse sobre os Direitos
Sexuais e Reprodutivos.
 Elaborar documentos para que as autoridades garantam os direitos
sexuais e reprodutivos dos e das adolescentes.
 Participação do (da) adolescente no processo de implantação dos
direitos exigidos
 Criar espaços de atuação dos (das) adolescentes dentro das unidades
básicas de saúde.
 Incluir, no ECA, os Direitos Sexuais e Reprodutivos dos e das
adolescentes.

Direitos da Criança e do Adolescente


 Incluir a voz dos adolescentes na reformulação do ECA
 Garantia de espaços em fóruns permanentes, onde os Direitos da
Criança e do Adolescente sejam discutidos com a participação dos e
das adolescentes, jovens, educadores e educadoras.
 Garantia da participação continua dos e das adolescentes nos
Conselhos Municipais.
 Garantia da formação continuada de profissionais, adolescentes e
jovens protagonistas na questão dos Direitos da Criança e dos
Adolescentes na saúde, cultura, educação, lazer e trabalho.
 ONG utilizar a mídia para esclarecer o público em geral
 Trabalhar com comunicadores em particular, discutindo juventudes
e adolescências em foco não depreciativo.
 Participação dos e das adolescentes em redes ligadas ao tema.
 Incluir no currículo escolar o tema da política e do ECA
 Criação dos Centros Municipais de Juventude
 Tema a ser desenvolvido: como trabalhar com crianças,
adolescentes e família vítimas da violência.

Gênero
 Criação da Secretarias Municipais de Adolescência e Juventude
para tratar temas estratégicos e específicos;
 Capacitação de profissionais envolvidos em saúde, educação e
políticas sociais para atendimento específico nas áreas de gênero,
saúde, sexualidade e combate da violência;
 Garantia de verbas direcionadas a políticas publicas para os/as
jovens e o/a adolescentes contemplando as questões de gênero
 Criação de espaços na saúde, atendimento específico para crianças
e adolescentes, que garantam um recorte de gênero;

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 Facilitar entrada de ONG que trabalham com gênero;


 Campanha de diminuição da violência contra a mulher com
incentivos a denuncia dos agressores e o trabalho de prevenção;
 Distribuição de preservativo para jovens e adolescentes em locais
informais (bar, clube, eventos, etc);
 Participação de adolescentes e jovens na elaboração do orçamento
público garantindo o recorte de gênero;
 Inserir os homens adolescentes e jovens nos programas de saúde
da família e PACS;
 Capacitação de adolescentes e jovens para atendimento específico
para os adolescentes e jovens nas questões de gênero, sexualidade,
saúde e prevenção e combate da violência;
 Conscientizar a população sobre as diferenças de gênero e a
diversidade sexual através de campanhas públicas.
 Garantia da participação dos e das adolescentes no processo de
elaboração do orçamento publico para adolescentes e jovens.
 Incluir na educação infantil as questões de gênero.

Reunião com os Grupos de Origem (GO)


Afinal, o espaço pedagógico é um “texto” para ser
constantemente “lido”, interpretado, “escrito” e
“reescrito”. Neste sentido, quanto mais solidariedade exista
entre o educadores e educandos no “trato” deste espaço,
tanto mais possibilidades de aprendizagem democrática se
abrem. (Freire, 1996: 109).
Uma das características do ENA é a diversidade dos grupos, de
diversos lugares do Brasil, que participam do evento. Um dos
objetivos do encontro é possibilitar a mistura, a integração e a troca
entre adolescentes, jovens e educadores/as desses diferentes grupos.
No entanto, avaliamos que se torna necessário que os/as
adolescentes, jovens e educadores/as do mesmo grupo tenham
momentos específicos na programação do evento para se
encontrarem e conversarem sobre o que estão vivenciando. Assim,
surgem as reuniões dos Grupos de Origem.
Estar junto, conversar sobre o que ocorreu nas diferentes atividades
do ENA, partilhar sensações, descobertas, aprendizados, sentimentos
e desafios com os outros componentes do seu próprio grupo, e,
especialmente, pensar em como o que estava sendo discutido no
evento pode ser relacionado com as ações e com a missão do grupo

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

na cidade de origem. Assim foram os momentos dedicados ao


encontro dos GOs, com lugar específico e reservado na programação
do XII ENA, tornaram-se muito importantes para o processo
educativo do Encontro. Não só porque contribuíram ao
fortalecimento dos próprios grupos e de suas reflexões, mas também
porque, fundamentalmente, possibilitaram que cada grupo fizesse
uma avaliação contínua a respeito do que estava sendo vivenciado no
encontro.
Nesse sentido, os GOs configuraram-se como momentos
imprescindíveis a dimensão formativa do encontro, na medida em que
adolescentes, jovens e educadores dedicaram-se a experiência
individual e coletiva de cada participante no evento, assim como
avaliaram as limitações e conquistas de cada atividade realizada no XII
ENA.

Oficinas artístico-pedagógicas
Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos
põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos,
acrescentando a ele algo que fazemos (Freire, 1996: 35).
Foi promovido pela organização do XII ENA, sob a coordenação da
comissão pedagógica, um workshop sobre arte-educação com os
facilitadores/as convidados/as para ministrar as oficinas de arte, em
sua maioria artistas e arte-educadores/as de organizações de Natal e
do Rio Grande do Norte. Alguns/as já são colaboradores/as do
Programa de Arte-educação da Organização Não-governamental
Canto Jovem.
Para facilitar essa atividade, foi convidada uma arte-educadora do
Instituto de Arte TEAR, Ong filiada ao MAB, com vasta experiência
no campo da arte-educação. O workshop teve a duração de 08h e a
partir dela desenhamos a integração da proposta da realização das
oficinas artísticas com a temática e outras atividades do Encontro.
A possibilidade de reunir, previamente, os diversos arte -
educadores que desenvolveram oficinas de arte no XII ENA
configurou-se como uma experiência bastante significativa. Em
primeiro lugar, porque o workshop funcionou como espaço de
encontro e integração entre todos os agentes (diferentes arte -

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

educadores, artistas e responsáveis pela equipe pedagógica do


ENA). Em segundo, porque pudemos reconhecer e valorizar a
diversidade dos trabalhos desenvolvidos por cada um dos arte-
educadores presentes. Esta oficina teve a preocupação de discutir as
concepções de arte-educação e participação social e de refletir
coletivamente a respeito do lugar da arte e da produção cultural das
juventudes. (Camila Leite, facilitadora da oficina).

As oficinas de arte facilitadas por este grupo, ocorreram no terceiro


dia do evento e foram importantes na totalidade dos resultados do
XII ENA. Com a dimensão do lúdico, junto a proposta de arte-
educação, as oficinas possibilitaram a compreensão das diferentes
linguagens pelas quais se manifestam a participação social dos/das
adolescentes, jovens e educadores/as brasileiros/as. Alem disso,
fortaleceu o espaço de afetividade e o clima de confiança entre os
participantes no grupo.

ArENA e barraco
A liberdade amadurece no confronto com outras
liberdades. (Freire, 1996: 119).
Uma das maiores conquistas do XII ENA definiu-se pelo fato de
termos criado coletivamente um território lúdico-educativo,
simbolicamente representado por um arena. Especialmente montada
no centro do local onde o evento ocorreu. A ARENA configurou-se
como um espaço de encontros e discussões. Cada detalhe deu ao local
um charme especial: arquibancada coberta, areia no centro, almofadas
coloridas por todo lado, som de boa qualidade, gente alegre e com
compromisso. Com estes ingredientes, o debate, a troca de
experiências e de opinião entre as pessoas presentes – adolescentes,
jovens e adultos – foi rico em conteúdo, em respeito e em
criatividade.
Foi nela e com ela que o convite à complexidade se deu. Inspirados
na epistemologia da complexidade apresentada por Edgar Morin
(1996) buscamos transformar a ARENA em um locus no qual, os
adolescentes, jovens, educadores e educadoras, envolvidos(as) no
trabalho, puderam vivenciar o desafio da complexidade, com as
incertezas da contemporaneidade, desestabilizando verdades e

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

dicotomias, rompendo padrões pré-estabelecidos e, principalmente,


aprendendo a redimensionar a construção de conhecimentos. Uma
das atividades realizadas consistiu-se em um debate, sobre a temática
do Encontro, estruturado em perguntas que geram perguntas. Ou
seja, todos os participantes só podiam se posicionar fazendo
perguntas. Não cabiam respostas prontas nem fechadas. Mesmo que
alguém quisesse responder ao outro, esta resposta deveria ser em
forma de pergunta. Ao final do debate sugerimos que cada um dos
participantes escrevesse como havia se sentido durante aquela
experiência. (ver anexo I – depoimentos)
Cabe destacar o número infinito de possibilidades que se
apresentaram para as interações educativas e afetivas entre
adolescentes, jovens e educadores no espaço da ARENA. Ou seja,
naquele cenário não ocorreram apenas programações fechadas e
rígidas. A informalidade, a arte e a expressão escaparam dos
participantes. Momentos informais nos quais os adolescentes e jovens
se reconheciam no outro e também na diferença. A comunicação
racional das discussões temáticas que provocara embates foi
equilibrada por outras formas de comunicação pelo corpo, pela
danças, pela arte, trazendo sentimentos e sensações de prazer que
favoreceu o conjunto do encontro.
Uma das atividades programadas que ocorreu na ARENA foi a
discussão sobre as políticas públicas para juventude, debate que tem
ocorrido com muita intensidade no país, fomentado pelos
movimentos sociais, em particular pelo movimento de juventude,
além de agências de cooperação, organizações não-governamentais,
pesquisadores/ as e o próprio poder público, sobretudo nas esferas
do legislativo e executivo. Nessa oportunidade, procurou-se destacar
entre os/ as participantes do ENA, as especificidades e necessidades
no interior das próprias juventudes, ou seja, os cortes etários que
necessitam de políticas específicas, como é o caso de jovens acima
dos 18 anos, que não estão cobertos por nenhum marco jurídico na
legislação brasileira, assim como estão os adolescentes em relação ao
Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesse momento, foi
explicitado o processo de construção dessas políticas, a partir de
estudos e pesquisas como o Projeto Juventude; a produção de
conhecimento de agências de cooperação como o Fundo de

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

População das Nações Unidas; e as intervenções que as organizações


sociais tem provocado para a elaboração e monitoramento de
políticas públicas, bem como o necessário compromisso de instancias
do governo em compreender as especificidades das políticas, em
especial no campo da saúde, como exemplificado pela área de saúde
do adolescente e do jovem no Ministério da Saúde.
A ARENA foi palco também de um diálogo sobre participação social
de adolescentes, tema central do XII ENA. Destacou-se nesse
momento a participação em diferentes dimensões: subjetiva, social,
cultural e política. Todas elas interdependentes, buscando favorecer o
exercício da participação social, e da capacidade de articulação de
adolescentes e jovens. Encontramos confluência nesse debate, ao ser
registrada a própria experiência do MAB e dos grupos filiados com
conhecimentos tão peculiares, a partir dos diferentes contextos onde
estão inseridos, e de que forma, essas participações mudam os sujeitos
numa dimensão pessoal e coletiva em relação às suas comunidades, e
mais amplamente na troca a partir de redes sociais constituídas.
Necessário enfatizar a compreensão do indispensável diálogo entre
diferentes atores, sejam eles jovens ou adultos. Os debatedores deste
tema foram jovens e adultos profissionais. Nessa discussão, procurou-
se enfatizar a participação social como compromisso coletivo e não
necessariamente de um sujeito “protagonista”. A partir daí, revela-se
uma teia de relações que permite o fortalecimento das subjetividades,
que dialoga com diferentes situações e pessoas e permite a costura de
mudanças mais estruturantes na atuação de grupos em suas
comunidades.
Assim, com o acúmulo de todos os processos coletivos nos grupos
que ocorreram no XII ENA, citados acima, estava preparado o
terreno para a realização do “barraco”, ou seja, o momento em que
compartilharíamos as reflexões dos debates e a produção dos grupos
de discussão que organizaram uma agenda de reivindicações nos
encontros diários. O “Barraco” se propôs então, ao debate
democrático, buscando novos paradigmas, e ao mesmo tempo
pensando novas estratégias que possibilitasse a coerência entre o falar,
o pensar e o agir, como explicitado no capítulo dos desdobramentos
do XII ENA.

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Abertura
Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a
condição, entre nós, para ser. (Freire, 1996: 36).
A abertura do evento, na noite do dia 20/06, ocorreu no auditório do
Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET/ RN. A presença
maciça de adolescentes, jovens e educadores/as inscritos/as no ENA
deram um colorido especial ao espaço, entre ritmos e tambores, num
clima de celebração de muitos encontros e reencontros.
Coordenado por um casal de jovens, a cerimônia de abertura iniciou-
se com o Hino Nacional, momento emocionante de valorização da
identidade brasileira. Para Ribeiro e Campos (2002) “A identidade ‘ser
brasileiro’ não pode ser compreendida fora de um processo de produção simbólica e
discursiva. Vivenciamos que o ‘ser brasileiro’ não tem nenhum referencial natural
ou fixo, não é um absoluto que existe anteriormente à linguagem e fora dela”.
Nesse contexto, diferentes linguagens expressaram o sentimento de
identidades constituídas pelas experiências pessoais e coletivas que ali
se encontravam, que estavam em movimento, entrelaçadas pela
apropriação e pertencimento ao ENA e ao MAB. Uma das tantas
formas de expressão e construção simbólica dessas identidades foi
apresentada na forma de música e dança: O grupo vocal “Musicanto”,
com repertório da MPB, e o Grupo “Raízes” de dança popular
apresentando a dança típica potiguar, a “Araruna”. Logo após, houve
o registro das autoridades presentes e os agradecimentos da
organização do evento.
Na oportunidade aconteceu o lançamento do Livro “Afinal, que paz
queremos”, escrito por adolescentes, jovens e educadores/ as,
relatando a experiência da participação no XI Encontro Nacional de
Adolescentes, ocorrido na cidade de Lavras/ MG em 2002. Momento
especialmente dedicado à partilha dos conhecimentos construídos
coletivamente pelo MAB. Quando os processos educativos ganham
texturas vivas, materializadas nos relatos das experiências e
aprofundamento das reflexões suscitadas a partir do encontro.

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ENArt
O mundo não é. O mundo está sendo (Freire, 1996: 85).

Com o intuito de valorizar e apresentar a cultura potiguar, os ritmos,


cores e danças foi realizado na noite do dia 21/07, o “ENART”.
Coordenado pela comissão de cultura e lazer, o ENART contou com
diversas apresentações artísticas nas modalidades de teatro, dança,
musica, poesia e capoeira. O cenário foi a Arena e a maioria das
apresentações, interagia diretamente com os /as participantes.

Festa das tribos


É na minha disponibilidade permanente à vida a que me
entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção,
curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo
em minha relação com o contrário de mim. (Freire, 1996:
152).
Como já dissemos anteriormente, os processos educativos
construídos no ENA, não ficam restritos aos momentos de debate,
reflexão e discussão, mas perpassam todas as atividades do Encontro,
inclusive os momentos de festa e confraternização. Desta forma, vale
ressaltar que a “Festa das Tribos”, realizada na terceira noite do
evento, teve o objetivo de favorecer o (re) conhecimento das
diferentes culturas do país, presentes no XII ENA. Assim, foi
sugerido aos participantes que viessem “estilizados” com as roupas
típicas de sua região. Uma estrutura especial foi montada para a festa,
que ao som de todos os ritmos, possibilitou maior integração entre
os/ as participantes, que com a criatividade aguçada, fizeram muitas
“festas” dentro da festa.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Feira das juventudes


Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e
solidário, não é falando aos outros, de cima para baixo,
sobretudo como se fossemos os portadores da verdade a
ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas
é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente
quem escuta pacientemente o outro, fala com ele. (Freire,
1996: 129).
Sempre houve nos ENAs um momento específico na programação,
no qual os participantes socializam as questões discutidas no evento
com os moradores da cidade sede. Seja através de passeatas, evento
público, debates, mostras de trabalhos ou feiras a intenção pedagógica
deste momento é garantir que o conhecimento construído
coletivamente não fique restrito aos participantes, mas possa alcançar
outras pessoas, a começar por aquelas que vivem na região onde está
sendo realizado o evento. Outro aspecto que caracteriza essa atividade
pública é a dimensão comunitária das nossas ações. Afinal, a grande
maioria dos grupos participantes do encontro visa o desenvolvimento
local e comunitário, na crença de que as transformações que se fazem
necessárias em nossa sociedade exigem o envolvimento de todos e
todas buscando na diversidade formas de ação conjunta para garantia
aos Direitos Humanos.
Desta forma, como parte da proposta de integrar a comunidade local
com os e as participantes do evento e de exercitar a ação local
comunitária, foi montada a “Feira das Juventudes”, que aconteceu no
penúltimo dia do XII ENA, no largo da rua Chile, bairro da Ribeira,
espaço tradicional e cultural da cidade. Em um evento aberto à
comunidade de Natal, foram montados stands, nos quais alguns
grupos apresentaram seus trabalhos e as temáticas discutidas no XII
ENA. Além dessa exposição aconteceram também apresentações
culturais e show de encerramento, com grupos da cidade que
promovem a cultura popular, por meio de várias linguagens como o
teatro, a dança e a música.
O processo educativo desta Feira se materializou na organização de
cada um dos grupos (ao montarem stands para apresentar seus
trabalhos) e também na organização coletiva de todos os e as

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participantes do evento na ocupação de um espaço público,


tornando-o palco de diversas manifestações artísticas. Tanto aqueles
que se apresentaram como aqueles que assistiram, participaram da
confraternização intrínseca a este momento do Encontro. A
integração das diferentes juventudes através de suas diversas
expressões possibilitou a valorização do encontro e da diversidade,
fortalecendo o aspecto público e cultural do encontro.

Considerações finais

Com o objetivo de constituir ambientes de encontro com o outro,


com o estranho, com o diferente, visando discutir as adolescências e
as juventudes, o XII ENA configurou-se, como um espaço de
formação na medida em que teve como meta discutir e interferir na
viabilização de projetos de vida, promoção do envolvimento e
inserção cada vez maior destes sujeitos sociais na vida cidadã.

O Encontro se caracterizou, sobretudo, pela diversidade e


singularidade dos 650 adolescentes, jovens e educadores, integrantes
de 89 grupos, de 11 estados brasileiros que estiveram presentes. Suas
diferentes realidades e subjetividades em transformação possibilitaram
que neste ENA identidades e diferenças fossem confrontadas e
celebradas, entretecidas numa cadeia de significações, entrelaçando os
temas: direitos da criança e do adolescente, direitos sexuais e
reprodutivos, gênero, enfrentamento às DST´s/Aids, meio ambiente,
cultura de paz, arte-educação e políticas públicas.

Para tanto, metodologias educativas que tinham em seu princípio


pedagógico a participação, foram certamente um dos maiores ganhos
do encontro, como tem sido nas atividades desenvolvidas pela rede de
grupos do Movimento de Adolescentes do Brasil. No entanto,
sabemos que há sempre mais na interação entre sujeitos tão diversos,
e que a participação como princípio se torna algo constantemente
perseguido e (re) construído, na mesma medida em que se apresentam
as surpresas das/ nas vivências, nas relações de poder em todas as
suas dimensões, emergidas, sobretudo em atividades reflexivas no
coletivo que voluntária ou involuntariamente, de forma consciente ou

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

não, provocou o reconhecimento das classificações sociais a que


estamos submetidos nessa sociedade moderna. Deste modo, na
hierarquia das idades, de gênero, de raça, e nas diferenças regionais,
para citar algumas delas presentes no Encontro evidenciou-se a
necessária articulação entre a redução das desigualdades ocasionadas
por essas hierarquias, nas formas que elas se apresentam nas
subjetividades e na sociedade, com o compromisso de cada grupo
participante em dar continuidade às reflexões e ações produzidas. E
isso só pôde ser possível na experimentação e no processo educativo
constantemente cuidado e elaborado durante o XII ENA.
Foi por meio da construção e dinamização de todos estes espaços e
momentos realizados, que acreditamos ter contribuído ao
fortalecimento dos “nós” que fortalecem essa rede; do “Nós”,
sujeitos coletivos; do “Vós”, outros sujeitos, pessoas e instituições
comprometidas com a democracia; da Voz, que fala, que liberta, que
expressa inquietudes, mas também que produz novos discursos e
enriquece a linguagem das Adolescências e Juventudes que tecem a
participação social.

Referências bibliográficas
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1970.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1996.
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Bomfim. Rio de Janeiro: Vozes. 2001.
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Vivencia y Convivencia: teoria social para una era de la
informacion. Madri: Editorial Trotta, 2001.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

MORIN, Edgar. Epistemologia da complexidade. In: Schmitman,


Dor Fried. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. Porto
Alegre: Artes médicas, 1996.
RIBEIRO, Cláudia e CAMPOS, Teresa. Adolescências e Participação
Social no cotidiano das escolas: “A paz também é a gente que
faz”. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2002.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

7. Por que mídia e educação nos movimentos sociais?


Raika Julie Moisés

Antes de responder a pergunta acima e relembrar a experiência de


mídia e educação vivenciada no XII Encontro Nacional de
Adolescentes, em Natal-RN, em julho de 2004, como exemplo, é
preciso que se pense em um conceito que defina, na teoria e na
prática, o que é, como funciona e quais as perspectivas de uma mídia
educativa.
A idéia principal de trabalhos que unem educação e comunicação é
desenvolver e fortalecer a prática comunicativa em espaços
educativos, ou vice-versa. Valorizando não só o resultado final, mas a
construção coletiva, a ação participante, a visão de mundo individual e
o poder de crítica que cada um carrega consigo.
Além disso, práticas como esta – principalmente em movimentos
sociais, em escolas ou em qualquer outro espaço que permita ao
cidadão o exercício da cidadania, do respeito e da liberdade – visam a
construção ou o despertar da crítica e da autotransformação,
permitindo a todas as pessoas que sempre receberam todo tipo de
informação sem questionar, a oportunidade de dialogar e de trazer a
sua realidade para o espaço que cerca o coletivo, o todo. Acreditar
nestas possibilidades não é utopia, é coragem.
Foi acreditando nestes princípios que a Equipe de Comunicação do
XII ENA, desenvolveu uma rede educomunicativa que teve início
antes do encontro (virtualmente), se fortaleceu durante o ENA e até
hoje rende bons frutos, não só na visualização do resultado final do

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

trabalho, mas também na valorização do processo de realização e de


aprendizagem.
Os recursos não eram muitos, mas havia muita criatividade e muita
vontade de se fazer concreto e realizável, o que coincidia com os
princípios do Movimento de Adolescentes do Brasil. Na verdade, a
equipe funcionava como um divisor de tarefas, porque os mais de 300
participantes do encontro tinham voz e nós com o veículo de
comunicação.
A única cobrança concreta feita pela coordenadora geral da equipe, a
jornalista Fátima Ribeiro, carinhosamente chamada de Tatinha, era o
compromisso com o que nós nos propusemos, com o que nos estava
sendo oferecido e com o que esperávamos despertar não só nos
nossos leitores, mas em nós mesmos. O veículo que proporcionava
descontração também despertava, questionamentos e análise do que
se vivenciava durante os cinco dias de encontro.
O jornal, assim como a rádio, era um espaço de informação, prestação
de serviço e de troca. Troca de recados, de horários, de atividades e,
essencialmente, de experiências. Ainda que todos não se vissem
fisicamente no encontro, no jornal todos se encontravam e viam ali,
um pouquinho da sua região, dos seus costumes, do seu sotaque e o
que, dentre tantas outras coisas, tinha a oferecer ao encontro e aos
seus participantes.
Dentro do contexto dos movimentos sociais, a prática
educomunicativa, apesar de apresentar dificuldades, como em
qualquer outro espaço aonde venha a ser desenvolvida – pois além de
ser uma prática recente, envolve metodologias que embora estejam
interligadas, há pouco tempo é que começaram a se encontrar na
mesma esfera – oferece um desenvolvimento do campo de
convergência e produção de saberes, pensado como uma via dupla,
tanto no sentido da educação para a comunicação, como da
comunicação para a educação.
Surge também, a necessidade educacional de pensar a formação de
militantes, de alunos, professores e cidadãos que, por tantas vezes,
foram sentidos/pensados/agidos e agora assumem a condição de
sentir/pensar/agir por si próprios, para desenvolver uma participação
eficaz e crítica na, e da, “sociedade de comunicação”, tenham em vista

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

a multiplicação, não apenas dos saberes e da crítica, mas da mediação


e circulação do que é vivenciado.
A mídia-educação nos movimentos sociais é uma ferramenta de
aproximação de quem critica, mas que oferece argumentos. De quem
questiona, mas busca, coletivamente, resposta. De quem vê a
cidadania, antes de qualquer coisa, como uma prática da liberdade, do
desenvolvimento de si e do próximo e do anseio para que os laços, as
redes, as teias sejam capazes de diminuir os abismos sociais.

Assessoria de imprensa e comunENA


A Assessoria de Comunicação do XII Encontro Nacional de
Adolescentes enfrentou grandes dificuldades para divulgar e abrir
espaço na mídia para o encontro. A comunicação ficou a cargo do
Canto Jovem e House Cultura e Cidadania, em parceira agência
ANDI/ (RN) e Ong Auçuba de Comunicação (agência ANDI/ PE).
A principal preocupação da organização foi não expor apenas o
evento em si, mas sim as temáticas propostas e a mobilização juvenil.
Inicialmente havia a intenção de contratar-se um profissional de
comunicação para responsabilizar-se pela comunicação do evento. Os
recursos, contudo, não permitiram essa contratação e dessa forma os
trabalhos de assessoria começaram com certo atraso. Dessa forma, foi
coordenada pelo Canto Jovem, tendo a frente um jovem estudante
universitário de comunicação.
A Assessoria trabalhou a mídia local e espaços de comunicação das
Organizações da Sociedade Civil. Foram enviados 2 releases antes do
evento e 1 após (em anexo). Os releases foram enviados para mídia
local de Natal, incluindo contatos de jornais impressos, rádios e
emissoras de televisão. Enquanto isso, a Companhia TERRAMAR,
agencia ANDI da cidade, se responsabilizou na divulgação do evento
na mídia dedicada as Organizações da Sociedade Civil, garantindo
espaços nos principais sites do Brasil. A ONG Pernambucana Auçuba
de Comunicação contribuiu significativamente no registro audiovisual
e dos depoimentos.
Os principais meios de comunicação da cidade de Natal receberam
ainda um press-kit que continha:

129
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Pasta temática (com recortes de imagens e textos relacionados


a juventude);
 Release;
 Folder;
 Panfleto;
 Listagem dos Palestrantes.

Durante todo o encontro um núcleo de comunicação, o ComunENA,


trabalhou na comunicação interna e externa. Participaram do núcleo
16 pessoas, todos participantes do evento.
O ComunENA publicou 3 edições do jornal impresso dedicado a
cobertura geral do evento. O núcleo criou ainda espaços alternativos
para comunicação interna: o MurENA, espaço mural no qual eram
expostas fotos e curiosidades, e o Comunex, caixas de sugestões
dispostas por todo o local de realização. Com apoio da ONG
Auçuba, o ComunENA realizou também a filmagem de todo o
encontro, com entrevistas de participantes e palestrantes e cobertura
geral.
Paralelo ao ComunENA havia também a rádio ENAhz. A rádio
contou com uma equipe de 7 pessoas e foi o principal meio de
comunicação interna sendo responsável pela integração dos
participantes.
O XII ENA obteve 41 inserções na internet, 9 inserções nas TV´s
locais e 8 inserções em jornal impresso, conforme descrito a seguir:

130
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Mídia espontânea | Televisão e Rádio


TV Assembléia Pública 22 jul Cobertura do evento e
entrevista com Diego
Morais, assessor de
imprensa
TV Cabugi Globo 20 jul Bom Dia RN Entrevista com André Luíz
Sobrinho, coordenação do
XII ENA
Globo 21 jul RN TV 1° e 2° Cobertura do evento
Edições
TV Ponta Negra SBT 22 jul Jornal do Dia Cobertura do evento e
entrevista de 3 jovens
participantes
TV Universitária Pública 16 jul TVU Notícias Entrevista com Diego
Morais sobre o XII ENA
19 jul TVU Notícias Entrevista com Cláudia
Ribeiro, educadora do MAB
20 jul TVU Notícias Sonora com Diego Morais
sobre o XII ENA
22 jul TVU Notícias Entrevista com a socióloga,
coordenadora do Projeto
Juventude, Helena Abramo

Internet
abong.org.br Julho Agenda XII Encontro Nacional de
Social Adolescentes
adolec.org Julho Capa XII Encontro Nacional de
Adolescentes
agenciadoradio.com.br 15 de Mídia e Encontro Nacional de
julho Conselhos Adolescentes marca
aniversário do Estatuto em
Natal
Agenda21natal.com.br 27 de Boletim XII Encontro Nacional de
julho Informativo Adolescentes
agne.com.br 23 de Jornais Jovens de todo o País
julho discutem políticas públicas
no RN
aids.gov.br 22 de Releases Encontro Nacional de
julho Adolescentes em Natal

131
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Internet (cont.)
andi.org.br 19 de Pauta 600 adolescentes se
julho encontram em Natal
para discutir
participação juvenil na
sociedade
apraco.com 29 de Últimas XII Encontro Nacional de
julho Notícias Adolescentes
atarde.com.br 29 de Notícias Jovens discutem
julho políticas públicas
augeeducacional.com.br 14 de Últimas XII Encontro Nacional de
junho Notícias Adolescentes
brasildefato.com.br 5 de Últimas XII Encontro Nacional de
agosto Notícias Adolescentes
bsbnews.com.br 30 de Principal Jovens de quatro
julho regiões brasileiras
discutem Rede Nacional
de Adolescentes
ciaterramar.org.br 23 de Pauta ONG discute direitos
julho sexuais no XII ENA
conexaoaprendiz.org.br julho Capa XII Encontro Nacional de
Adolescentes
acontecerá em Natal
dnonline.com.br 20 de Cotidiano Natal sedia XII Encontro
julho Nacional de
Adolescentes
educar.com.br 14 de Últimas XII Encontro Nacional de
junho Notícias Adolescentes
fundabrinq.org.br julho Agenda XII Encontro Nacional de
Adolescentes
Girassolidario.org.br julho Agenda e XII Encontro Nacional de
Eventos Adolescentes
guiarioclaro.com.br julho Capa RC participa de Encontro
Nacional de
Adolescentes
jc.uol.com.br Julho Nacional Pesquisa da Unesco
mostra que sexualidade
é tema prioritário para
jovens

132
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Internet (cont.)
jornaldamidia.com.br 29 de Eventos Jovens de todo o país
julho discutem políticas
públicas
Jovenslideres.hpg.ig.com.br junho Agenda XII ENA - Encontro
Nacional de
Adolescentes
lavras.mg.gov.br 5 de Conquistas de um
agosto grande trabalho EBA
gera novos projetos
mab-online.com.br junho Capa XII Encontro Nacional de
Adolescentes
matraca.org.br 26 de Clipping Sexualidade dos jovens
julho Diário brasileiros é pesquisada
pela Unesco
noolhar.com/opovo julho Brasil Sexualidade de jovens
está sendo debatida
hoje
portaldosol.com.br 15 de Notícias Natal sedia XII Encontro
julho Nacional de
Adolescentes
protagonismojuvenil.org.br julho Capa Encontro Nacional de
Adolescentes
radiobras.com.br 30 de Brasil Agora Jovens discutem
julho políticas públicas
redesaude.org.br julho Informativo XII Encontro Nacional de
Adolescentes (ENA)
rets.rits.org.br 14 de Eventos XII Encontro Nacional de
julho Adolescentes
rn.gov.br 21 de Natal sedia Encontro
julho Nacional de
Adolescentes
saude.gov.br 22 de Notícias Adolescentes se
julho encontram em Natal
sercomtel.com.br 23 de Brasil Agora Jovens de todo o país
junho discutem políticas
públicas em Natal
setor3.com.br julho Agenda XII Encontro Nacional de
Adolescentes (ENA)

133
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Internet (cont.)
terra.com.br junho Brasil Jovens de todo o país
discutem políticas
públicas em Natal
ufla.com.br julho Contato XII Encontro Nacional de
Adolescentes
ultimosegundo.ig.com.br 23 de Brasil Jovens de todo o país
junho discutem políticas
públicas em Natal
unfpa.org.br junho Evento em XII Encontro Nacional de
Destaque Adolescentes – ENA
unisol.org.br 14 de Notícias Encontro reunirá
junho adolescentes
para discutir
participação social
uol.com.br/omossoroense 3 de Capa Encontro
junho

134
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

8. Participação social de adolescentes: uma breve reflexão


Leonel Luz

Quando no XII Encontro Nacional de Adolescentes (ENA), nos


propomos a discutir os princípios e conceitos do MAB e discuti-los
na ótica da participação e das Políticas Públicas é porque
consideramos estas estratégias importantes de ação e transformação.

É importante situar esta participação. Participação aqui tem uma idéia


de tomar parte, fazer parte, para intervir. Sendo assim, a sociedade é
da sociedade, bem como os seus rumos. Isso não significa tirar
responsabilidades do Estado, muito pelo contrário, significa
reconstruir seu papel a partir dos anseios desta sociedade. O rumo da
história depende da correlação de diversas forças e precisamos
organizar as nossas. Participar é neste sentido um jeito de se apoderar
desta sociedade e de se empoderar para a atuação.
Portanto, a participação de que falávamos não diz respeito nem à
idéia do voluntarismo antigo, apolítico, assistencial, pontual e nem
mais modernamente do Protagonismo Juvenil. Este último trouxe
grandes avanços a discussão e idéias inovadoras em relação a
participação, entretanto acreditamos na juventude (e em cada um de
seus membros) não só como atores, mas também como autores da
história e de ações. Além disso na participação em que acreditamos
não há principais (protagonistas) e coadjuvantes, todos tem o seu
papel histórico e ele interfere no coletivo.

135
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

A participação que propomos junta o voluntarismo, o protagonismo e


agrega a coletividade, nos seus atores (e autores) e nos objetivos da
discussão. Participar é discutir o mundo e buscar jeitos de interferir
nos seus destinos.
Esta discussão tem de ser ampla, para ser profunda e transformadora.
Para isso, ela não se encerra em nós mesmos e vê cada um dos
problemas que discutimos como algo inerente a um tipo de sociedade
que vivemos, das suas características políticas, econômicas, históricas,
antropológicas. E tem a ousadia de construir uma nova sociedade que
só será possível quando da interferência nestes aspectos amplos que
nos constituem.
A nossa participação (não uso nossa para dizer que é exclusiva, mas
sim que é a que adotamos crê na parceria entre adolescentes e
educadores, cada um com seu papel e tem como primeiro objetivo ser
educativa, agregar a este adolescente conhecimentos e práticas que
permitam interferir, ao longo de sua vida, na sociedade. Como a
prática educativa visa a autonomia, emancipação do indivíduo sem ser
individual, pois da mesma maneira que os problemas e a alienação são
coletivas, a solução e a emancipação também.
Também há o objetivo de conviver em grupo e da descoberta deste
tipo de organização. Não sou mais só eu. E sim meu grupo, do qual
eu sou parte e não dono. Neste grupo, se constitui a arena na qual
colocarei minhas idéias junto com outras como se num grande
caldeirão e neste sopão de debates e questionamentos sairão
construções coletivas.
Nos anos 90, muito foi avançado em relação aos direitos das crianças
e dos adolescentes, e para a definição deste como sujeito no mundo.
A participação cresceu e espaços foram criados a partir da atuação
destes e da reivindicação destes espaços. Alguns foram ocupados e
muito bem, outros nem tanto. O fato é, a disputa de poder está
colocada e nenhum espaço, tal qual as políticas públicas cairão do céu
para adolescentes. Estas, depende da organização e da pressão. Só
assim haverá mudança e reconhecimento. Este mundo não está para
os adolescentes, quem se propõe a mudar?

136
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

9. Conhecimentos sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos


entre participantes do XII ENA
Margarita Díaz; Leandro Santos; Maryellen Oliveira; Patricia Possignolo;
Ricardo Azevedo; Rodrigo Correia e Francisco Cabral

Um pouco de história
Os termos “direitos sexuais” e “direitos reprodutivos” são de origem
recente, mas o seu conteúdo tem raízes profundas que estão
relacionadas com os conceitos de liberdade, autonomia,
autodeterminação, integridade pessoal e saúde, ou seja, eles são
elementos fundamentais dos direitos humanos, e como tal são
também inalienáveis, indivisíveis e universais, ou seja, todos tem que
ser garantidos, promovidos, defendidos e exercidos juntos, não há
como respeitar apenas um deles, se não o seu conjunto.
Todavia, é importante deixar claro que ainda que os direitos humanos
sejam reconhecidos há mais tempo, e embora a sexualidade e a
reprodução como atividades humanas existam desde o início da
humanidade, a concepção de direito relacionada a ambas surgiu
somente na década de 60. Primeiro foram reconhecidos os direitos
reprodutivos e, posteriormente os direitos sexuais.
Também é importante ressaltar que a origem dos dois conceitos:
“direitos reprodutivos” e “direitos sexuais”, é diferente. A etimologia
do termo “direitos reprodutivos” provém dos grupos de mulheres e
não de um marco de referência institucional. O conceito de direitos
reprodutivos está vinculado à luta pelo aborto seguro e legal, e pelo
direito de escolha anticoncepcional (DÍAZ, CABRAL E SANTOS,
2004).

137
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

O conceito de “direitos sexuais” é o resultado de mudanças políticas e


culturais das sociedades e tem sido formulado por duas frentes: de um
lado, pelas fortes reflexões feministas vinculando sexualidade,
reprodução, desigualdades e iniquidades entre os sexos,
principalmente nos movimentos dos Estados Unidos, Europa e
América Latina, que levaram à formulação do conceito de
autodeterminação sexual. O outro surgiu dos movimentos das
comunidades gays e lésbicas, principalmente dos Estados Unidos, que
vêm lutando contra a discriminação (Corrêa, 2004).
Não existe um consenso mundial sobre o conceito, razão pela qual
muitos estudiosos ainda os denominam como conceitos em
construção, mas as diversas aproximações definem os direitos sexuais
e os direitos reprodutivos como “todos aqueles direitos básicos das
pessoas que se vinculam com o exercício livre da sexualidade e da
reprodução humana, independente da idade, condição social, raça e
religião” (Valdivia, 2004).
De acordo ao processo evolutivo dos direitos humanos, essa
definição vem incorporando progressivamente diversos acordos
conseguidos através dos debates que têm acontecido nos diversos
foros nacionais e internacionais, e que consideramos de fundamental
importância destacar (Gysling, 1994):
 A Conferência sobre Direitos Humanos, realizada em Teerã,
Irã que, em 1968, estabeleceu que a decisão sobre o número
de filhos e o espaçamento entre eles constitui um direito dos
casais.
 Em 1974 foi realizada, em Bucareste, na Romênia, a
Conferência de População, na qual se reconhecem dois
elementos centrais: o direito de casais e indivíduos
determinarem o número de filhos e seu espaçamento e o
papel do Estado na garantia desses direitos, incluindo-se a
informação e o acesso a métodos de controle da natalidade.
 Em 1975 realizou-se, no México, a Conferência Mundial do
Ano Internacional da Mulher, que deu início ao Decênio da
Mulher, no qual se reconheceu o direito à integridade física e
às decisões sobre o próprio corpo, o direito a diferentes
orientações sexuais e os direitos reprodutivos, entre eles a
maternidade opcional.

138
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Em 1979 a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou o


documento principal do Decênio da Mulher: “A Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
Contra a Mulher”. Entre as medidas propostas, incluem-se
várias relacionadas com a saúde reprodutiva, como o direito à
igualdade de homens e mulheres nas decisões sobre
reprodução e a responsabilidade compartilhada em relação aos
filhos.
 Conferência Internacional sobre População e
Desenvolvimento (CIPD) realizada em 1994 no Cairo, onde
pela primeira vez a saúde sexual e reprodutiva e os direitos
reprodutivos, passaram a constituir os aspectos principais de
um acordo central sobre desenvolvimento de população. O
consenso de Cairo destaca o seguinte:
o Reconhece o papel central que tem a sexualidade e as
relações entre homens e mulheres no que se refere à saúde
e aos direitos da mulher.
o Afirma que os homens deveriam assumir responsabilidade
pelo seu próprio comportamento sexual, sua fertilidade, a
transmissão de doenças de transmissão sexual e o bem-
estar de suas companheiras e filhos e filhas que procriam.
o Define os serviços de saúde sexual e reprodutiva e chama
a prover os serviços de informação integrais de boa
qualidade para todos e todas, incluídos os e as
adolescentes (Matamala, Osório, 1996).
 No Cairo não houve consenso para que os direitos sexuais
ficassem definidos e explicitados de forma separada, então
eles foram incluídos e considerados nos direitos reprodutivos,
mas sem destaque.
 4ª Conferência Mundial da Mulher, realizada em 1995, em
Beijing, (Pequim), onde se avançou no sentido de reconhecer
o direito das mulheres de manejar e decidir sobre sua
sexualidade (direito sexual). Outro ponto que também não
obteve consenso no Cairo foi o relacionado com a legislação
sobre o aborto e que foi retomado em Beijing, onde o acordo
obtido foi a recomendação para que os governos revisassem
as legislações que penalizam as mulheres.

139
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 A plataforma de ações que foi adotada por 189 delegações


participantes dessa Conferência reafirmou a definição de
saúde reprodutiva e estabeleceu em seu parágrafo 96 que
(DÍAZ, CABRAL E SANTOS, 2004):

Direitos sexuais
Como bem destaca o informativo Direitos sexuais e reprodutivos e saúde
das mulheres do Health, Empowerment, Rights & Accountability,52 a
igualdade entre mulheres e homens no que diz respeito à relação
sexual e à reprodução requer respeito mútuo, consentimento e divisão
de responsabilidades pelos comportamentos sexuais e suas
consequências.

O que são e quais são os direitos sexuais?


Direitos sexuais são direitos a uma vida sexual com prazer e livre de
discriminação. Eles incluem os direitos:
 de viver a sexualidade sem medo, vergonha, culpa, falsas crenças e outros
impedimentos à livre expressão dos desejos.
 de viver a sua sexualidade independente do estado civil, idade ou condição
física.
 a escolher o/a parceiro/a sexual sem discriminações; e com liberdade e
autonomia para expressar sua orientação sexual se assim desejar.
 de viver a sexualidade livre de violência, discriminação e coerção; e com o
respeito pleno pela integridade corporal do/a outro/a.
 praticar a sexualidade independente de penetração.
 a insistir sobre a pratica do sexo seguro para prevenir gravidez não
desejada e as doenças sexualmente transmissíveis, incluindo HIV/AIDS.
 à saúde sexual, o qual exige o acesso a todo tipo de informação, educação
e a serviços confidenciais de alta qualidade sobre sexualidade e saúde
sexual.
Fonte: SOS CORPO – GÊNERO E CIDADANIA. Conversando sobre direitos sexuais
e reprodutivos. Série saúde preventiva. Disponível em: www.soscorpo.org.br

52
Hera: Health, Empowerment, Rights & Accountability. Empoderamento das
Mulheres. In: Direitos sexuais e reprodutivos e saúde das mulheres. Idéias para
ação. New York, USA: Hera, s/d

140
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

O que são e quais são os direitos reprodutivos?


O informativo Direitos sexuais e reprodutivos e saúde das mulheres do
Health, Empowerment, Rights & Accountability53 destaca que Os
direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já
reconhecidos em leis nacionais sobre direitos humanos e em outros
documentos consensuais e se ancoram no reconhecimento do direito
básico dos indivíduos de decidirem livre e responsavelmente sobre o
número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a
informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais
elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva.

Quais são nossos direitos reprodutivos?


 individual de mulheres e homens em decidir sobre se querem, ou não,
ter filhos/as, em que momento de suas vidas, e quantos/as filhos/as
desejam ter.
 de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção
ou violência.
 de homens e mulheres participarem com iguais responsabilidades na
criação dos/as filhos/as.
 a serviços de saúde pública de qualidade, e acessíveis, durante todas as
etapas da vida.
 à adoção e ao tratamento para a infertilidade.
Fonte: SOS CORPO – GÊNERO E CIDADANIA. Conversando sobre direitos sexuais
e reprodutivos. Série saúde preventiva. Disponível em: www.soscorpo.org.br
Os direitos reprodutivos e os direitos sexuais são inseparáveis, já que
garantem o livre exercício da sexualidade e a autonomia para as
decisões das pessoas no que se refere à vida sexual e à reprodução,
bem como o assumir as responsabilidades dessas decisões.
Pensamos que para se conseguir o pleno exercício dos direitos sexuais
e dos direitos reprodutivos é necessário, em primeiro lugar, que as
pessoas conheçam os seus direitos, que haja relações igualitárias entre
homens e mulheres, que as mulheres tenham autonomia e

53
Hera: Health, Empowerment, Rights & Accountability. Empoderamento das
Mulheres. In: Direitos sexuais e reprodutivos e saúde das mulheres. Idéias para
ação. New York, USA: Hera, s/d

141
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

autodeterminação, que se empoderem, ou seja, que possam tomar


decisões sobre sua própria vida, seu corpo, sobre sua vida sexual e
vida reprodutiva. Além disso, que as pessoas possam exercer os seus
direitos cidadãos, e que haja um marco político e jurídico que respalde
esses direitos. Isto significa que o exercício desses direitos pressupõe a
realização de uma série de ações tanto no âmbito individual, quanto
no social.
Os eventos internacionais realizados 5 e 10 anos após Cairo e Beijing
mostraram as conquistas obtidas, mas também os desafios a serem
superados, e uma das conclusões foi a de que “muito ainda precisa ser
feito”, e, portanto, recomendou-se fortalecer as ações que promovam
e garantam o exercício dos direitos sexuais, dos direitos reprodutivos
e para a diminuição das desigualdades e iniquidades de gênero .
Nesta publicação, focalizaremos o primeiro aspecto mencionado
sobre o exercício de qualquer direito, que é, no nosso entender, o
conhecimento sobre esse direito, e neste caso, os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos.

Antecedentes
A equipe da Reprolatina (jovens e educadores/as) que participaram na
elaboração desta pesquisa, desde 1996, ainda como grupo IRSSA
(Instrutores de Referência à Saúde Sexual do Adolescente) do
município de Santa Bárbara d’Oeste/SP, atuou e ainda atua na
formação de Adolescentes Agentes Voluntários/as de Saúde (AAVS).
Esse programa era parte do Projeto de Melhoria da Qualidade de
Atenção em Saúde Reprodutiva em parceria com a Secretaria
Municipal de Saúde, e com o apoio da Organização Mundial da Saúde
(OMS). O grupo IRSSA, originário da área da saúde, foi o 1º grupo a
trabalhar diretamente com saúde sexual e reprodutiva dentro dos
Encontros Nacionais de Adolescentes (ENA) e posteriormente
dentro do Movimento de Adolescentes do Brasil (MAB) e em suas
atividades, preconizando a importância de se estabelecer uma
integração efetiva entre as áreas da saúde e da educação, tendo o/a
adolescente como protagonista, mas considerando a parceria entre
adolescentes e adultos como fundamental nesse processo.

142
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Após três anos, os coordenadores do grupo IRSSA criaram a


Reprolatina, que é uma ONG sem fins lucrativos fundada em 28 de
Maio de 1999, e que está sediada na cidade de Campinas/SP.
A Reprolatina tem como um dos seus objetivos a idealização de
programas e atividades para diminuir as desigualdades de gênero,
proteger e promover a saúde, a saúde sexual, a saúde reprodutiva, os
direitos sexuais e os direitos reprodutivos, e desde o início de sua
participação nos ENA e no MAB tem contribuído com diversas
atividades educativas e de pesquisa sobre esses e outros temas
relacionados à saúde, à sexualidade, à saúde sexual e saúde
reprodutiva, sempre desde a perspectiva de gênero, dos direitos
sexuais e dos direitos reprodutivos. Por exemplo:
1997 – VII ENA “Adolescente comunicador e semeador”
Uberlândia/MG
 Grupo de Trabalho de Adolescentes Agentes Voluntários/as de
Saúde (AAVS) que tinha como objetivo sensibilizar os/as
participantes para a importância do trabalho integrado entre
educação e saúde, construir o perfil de um/a adolescente agente
voluntário de saúde e determinar quais as funções e qual papel de
um/a AAVS. Nesse GT foi realizada uma pesquisa para conhecer
a percepção dos/as participantes do ENA sobre o que seria um
AAVS.
 “Informação já tenho, e agora?”, que tinha por objetivo refletir
sobre os riscos que adolescentes e jovens correm por não colocar
em prática as informações que já possuem, refletir sobre a
importância de se usar as informações disponíveis para cuidar de
si e elaborar estratégias para conseguir que os/as adolescentes
usassem essas informações.

1998 – VIII ENA “Adolescente movimento e vida” Rio Claro/SP


 Grupo de trabalho de Adolescentes Agentes Voluntários/as de
Saúde (AAVS) cujos objetivos foram: discutir por quê e para quê
os/as adolescentes deveriam atuar como AAVS, e elaborar
estratégias para divulgar esse trabalho. Foi realizada uma pesquisa
para conhecer a percepção dos/as participantes do ENA sobre o
que seria um AAVS.

143
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Oficina “Gênero e Sexualidade”, cujos objetivos eram: discutir o


papel do homem e da mulher no contexto atual; refletir sobre as
desigualdades existentes entre ambos e como isto afeta a vida de
mulheres e homens em todas as idades; refletir sobre a construção
da sexualidade e dos papéis de gênero em nossa sociedade e
refletir sobre o papel do/a adolescente na reconstrução de novos
papéis de gênero, e da sexualidade.

1999 – IX ENA “Também depende de nós” – Porto Alegre/RS


 Grupo de trabalho Adolescente Agente Voluntário de Saúde
(AAVS): “Diminuindo a Vulnerabilidade dos/as adolescentes”,
cujos os objetivos foram: discutir o conceito de vulnerabilidade;
identificar os fatores que contribuem para a vulnerabilidade
dos/as adolescentes à gravidez e às DST/HIV-Aids; identificar
ações que diminuam essa vulnerabilidade; e elaborar mensagens
para os/as adolescentes.
 Oficina “Uma vezinha só”, cujos objetivos foram: refletir sobre as
consequências de uma relação sexual sem proteção; identificar os
sentimentos vivenciados por adolescentes homens e mulheres no
caso de uma gravidez não planejada; identificar as causas e razões
que levam os/as adolescentes a iniciarem sua vida sexual sem
proteção; pensar sobre o que fazer para evitar uma gravidez e/ou
uma DST/Hiv-aids; e praticar o uso da camisinha.
 Oficina “Gênero e Sexualidade”, cujos objetivos foram os
mesmos do ano anterior com a diferença que neste ENA essa
oficina foi aplicada especificamente para adolescentes de escolas
de Porto Alegre que trabalhavam o tema de sexualidade, não
envolvendo nenhum adolescente de grupos participantes do
ENA.
 Oficina “O não vale a pena”, cujos objetivos foram: refletir sobre
algumas situações de risco vivenciadas pelos/as adolescentes;
refletir sobre a tomada de decisões e as pressões do grupo;
praticar como e quando dizer não; e refletir sobre a valorização de
si mesmo e de seu próprio projeto de vida.
 Oficina “Gênero e Saúde Sexual e Saúde Reprodutiva” para
educadores/as cujos objetivos foram: discutir o papel do homem

144
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

e da mulher no contexto atual; refletir sobre as desigualdades


existentes e como isto afeta a vida de mulheres e homens em
todas as idades; refletir sobre a construção da sexualidade e dos
papéis de gênero na nossa sociedade; e refletir sobre o papel do/a
educador/a na reconstrução de novos papéis de gênero e da
sexualidade.

2000 – X ENA “Vem voar com a gente - Direito não é utopia” –


Salvador/BA
 Grupo de trabalho “Gênero e Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos”, cujos objetivos foram: conhecer e refletir sobre os
direitos sexuais e reprodutivos; conceituar saúde e refletir sobre
como manter uma boa saúde; refletir sobre o conceito de saúde
sexual e saúde reprodutiva; refletir sobre o conceito de gênero, as
desigualdades entre gêneros e como essa situação afeta o exercício
desses direitos; identificar estratégias para mudar essa situação; e
refletir sobre como se proteger e garantir seus direitos,
respeitando os direitos do próximo.
o Como parte das atividades desse GT, os participantes
realizaram uma pesquisa na qual entrevistaram adolescentes e
educadores/as, participantes do ENA, com o objetivo de
saber como era o conhecimento deles sobre os direitos
sexuais e os direitos reprodutivos. Foram entrevistadas 106
pessoas, 86% eram adolescentes e 19.8% eram educadores/as.
Por tratar-se de um exercício prático do GT, não houve um
rigor metodológico na seleção da amostra, entretanto a
pesquisa mostrou que 40% dos/as adolescentes respondeu
nunca ter ouvido falar dos direitos sexuais e dos direitos
reprodutivos e entre os que tinham respondido conhecer
esses direitos, 45% não conseguiu mencionar pelo menos um
direito sexual e/ou direito reprodutivo.
 Mini curso de “Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos” para
adolescentes e educadores/as cujos objetivos foram: refletir sobre
a construção da sexualidade e o papel do corpo nessa construção;
refletir sobre a construção dos papéis de gênero, as relações de
gênero e sua influência na saúde sexual e na saúde reprodutiva;
revisar os conceitos de sexualidade, gênero, saúde sexual e saúde

145
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

reprodutiva, direitos sexuais e direitos reprodutivos e


“empoderamento”; e reconhecer os direitos sexuais e os direitos
reprodutivos como marco ético que potencializa a equidade entre
mulheres e homens em relação à sexualidade e reprodução, e que
garante as condições para que ocorra o “empoderamento” e a
auto-determinação das mulheres nesses dois componentes da vida
humana.
 Oficina “Eu sei!!! Eu uso???” – cujos objetivos foram: refletir que,
apesar de termos muitas informações de como se prevenir das
DST/HIV-Aids, de uma gravidez não planejada, não as usamos
em nosso benefício e do/a parceiro/a, e corremos riscos;
elaborar, através de dramatização, cenas em que o/a adolescente
usa e não usa a informação que tem, e por que usa, e por que não
usa; e discutir estratégias para conseguir que os/as adolescentes
consigam usar as informações que têm para a prevenção e
promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva.
2002 – XI ENA “Afinal, que paz queremos” – Lavras/MG
 Grupo de trabalho “Homens e mulheres construindo a paz com
igualdade a partir dos direitos sexuais e reprodutivos” cujos
objetivos foram: conceituar saúde e refletir sobre como manter
uma boa saúde; refletir sobre o conceito de saúde sexual e saúde
reprodutiva e os compromissos que garantam o exercício dos
direitos sexuais e dos direitos reprodutivos; conhecer e refletir
sobre os direitos sexuais e os direitos reprodutivos; refletir sobre
o conceito de gênero, as desigualdades entre gêneros e como essa
situação afeta o processo de paz em cada indivíduo; identificar
estratégias para mudar essa situação, promovendo um mundo
mais igualitário, portanto mais pacífico; refletir sobre o como se
proteger e garantir seus direitos, respeitando os direitos do
próximo e assegurando a todas as pessoas um mundo de paz; e
elaborar um manifesto com base no que foi discutido, para ser
levado às autoridades, como uma forma de estar cobrando
soluções para a paz e a saúde dos/as adolescentes brasileiros/as.
 Oficina “Homens e mulheres construindo um mundo melhor:
Relações de Gênero e Sexualidade”, cujos objetivos foram: refletir
sobre as diferenças entre homens e mulheres; refletir e

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

compreender como são construídos os papéis de gênero;


identificar as desigualdades geradas a partir dos papéis de gênero;
refletir sobre as consequências dessas desigualdades para a saúde
sexual, a saúde reprodutiva e a vida de homens e mulheres; e
refletir e propor estratégias para a mudança dessas desigualdades.
As avaliações do trabalho realizado pela equipe de educadores e
jovens da Reprolatina ao longo desses anos, nesses encontros,
mostraram que a maioria dos/das adolescentes e educadores/as, que
participaram e participam, tinham necessidade de aprofundar o
trabalho em relação à sexualidade, precisavam de informações
corretas e atualizadas sobre os componentes da saúde sexual e da
saúde reprodutiva, como por exemplo os métodos anticoncepcionais.
Além disso, necessitavam conhecer, discutir e refletir sobre os
conceitos de gênero, direitos sexuais e direitos reprodutivos, e suas
implicações no exercício desses direitos, do autocuidado, da
prevenção e da promoção da saúde sexual e da saúde reprodutiva,
bem como no próprio projeto de vida de adolescentes e jovens, e,
porque não dizer dos próprios educadores/as . Outra questão
importante levantada foi a necessidade dos grupos de jovens que
estão atuando de terem materiais específicos sobre esses temas para
poderem replicar e disseminar as oficinas que vivenciaram e o
conhecimento adquirido.
No XII ENA: “Nós com voz(s)”, ocorrido em Natal - RN, a equipe
da Reprolatina preparou diversas atividades com o objetivo de
promover e divulgar os Direitos Sexuais (DS) e os Direitos
Reprodutivos (DR): a) Exposição de painéis e materiais informativos
durante o evento; b) a coordenação de 3 grupos de discussão (GD),
dois sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos e um sobre gênero.
Os GD sobre direitos tinham também o objetivo de formar
multiplicadores da oficina para promover e divulgar os direitos
sexuais e os direitos reprodutivos nas suas respectivas cidades, então
também receberam um kit multiplicador/a); c) Criar uma rede de
adolescentes, jovens e educadores/as na promoção, defesa e exercício
dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos. d) Pesquisa para avaliar
o conhecimento de adolescentes, jovens e educadores sobre os
direitos sexuais e os reprodutivos, cujos resultados são apresentados
nesta publicação.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Sobre a pesquisa
Objetivos: Conhecer o que os adolescentes, jovens e educadores/as
participantes e presentes no XII ENA, pensam e sabem sobre os
direitos sexuais e reprodutivos, para identificar as necessidades de
atualização no interior do MAB, e também para contribuir com a
promoção deles.
Metodologia: A pesquisa consistiu na aplicação de um questionário
auto-respondido pelos/as adolescentes e educadores/as participantes
do XII ENA. O questionário foi desenhado para avaliar
conhecimentos e atitudes de adolescentes, jovens e educadores/as,
sobre os Direitos Sexuais e os Direitos Reprodutivos.
Preparação do questionário: Foi elaborado e pré-testado com jovens um
questionário, anônimo, com perguntas de escolha múltipla, e algumas
perguntas sobre dados gerais, tais como idade, sexo e categoria
(estudante ou educador/a). Junto ao questionário foi incluída uma
carta que explicava os objetivos da pesquisa, o caráter voluntário e
anônimo dela, e colocava os/as responsáveis à disposição para
qualquer dúvida.
Distribuição e Aplicação dos questionários: Os/as responsáveis pela
pesquisa, jovens da Reprolatina e seus/suas Educadores/as, se
dividiram em diversas funções desde a elaboração dos questionários,
distribuição e até mesmo coleta dos mesmos. No primeiro dia do
ENA, na reunião de coordenadores de grupos de discussão, foi dada a
orientação necessária e foram entregues os questionários para que eles
os distribuíssem nas respectivas salas. No segundo dia, uma das
pessoas da equipe da Reprolatina circulou pelas salas para garantir que
todas e todos tivessem a oportunidade de responder o questionário.
Aspectos Éticos: Atendendo às normas éticas de pesquisas com seres
humanos, foi preparado um consentimento informado para garantir o
direito e a voluntariedade da participação (CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE). Esse consentimento informado devia ser
assinado pela pessoa e, no caso de ter menos de 18 anos, deveria ser
assinada também, pelo pai, mãe ou responsável. Alguns dias antes do
ENA esse consentimento informado foi enviado via e-mail para que
as/os adolescentes menores de 18 anos pudessem levar a autorização

148
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

assinada pelos seus pais. A orientação antes da entrega dos


questionários a adolescentes, jovens e educadores/as foi a de que
todas as pessoas que fossem respondê-lo deveriam estar cientes da
sua utilização para os fins da pesquisa, e que portanto, confirmavam
sua voluntariedade na participação dela, que estavam cientes de que
qualquer identificação pessoal não seria possível, que também
poderiam deixar de responder alguma pergunta se assim o desejassem,
e que poderiam esclarecer suas dúvidas antes mesmo de assinar o
consentimento e durante a pesquisa.
População e amostra: A pesquisa foi aplicada na população de
participantes do ENA. Foram repartidos 500 questionários e se
receberam 227 respondidos. A coleta dos questionários foi no dia
seguinte, após sua distribuição, e foi coletado novamente sala a sala
no intervalo dos Grupos de Trabalho, individualmente com o/a
coordenador/a de cada grupo presente no evento, e com cada
participante. Os questionários foram digitados por um dos jovens e a
análise foi feita pela equipe de jovens junto com os/as profissionais
da Reprolatina.
Alguns resultados
Dos 227 questionários respondidos, 184 eram estudantes, 37
educadores e seis não especificavam se eram de estudante ou de
educador, por isto não foram considerados na análise.
Antes de entrar na análise das respostas, fizemos uma comparação de
alguns dados entre os estudantes e educadores, que participaram e
não participaram da pesquisa, para testar se a amostra era
representativa da população de participantes do ENA. A distribuição
por sexo na amostra do estudo, 55,6% de mulheres e 44,4% de
homens, é muito parecida à distribuição por sexo do total de
participantes do ENA, 51,5% mulheres e 48,5% homens, e mostra
uma tendência já encontrada em outros estudos, no sentido de que a
taxa de resposta por mulheres é mais alta que em homens, apesar de
as diferenças não terem significação estatística. No que diz respeito à
porcentagem de educadores na amostra (16,7%) também foi parecida,
embora um pouco menor que na população total do ENA (19,8%),
mostrando uma leve tendência, não estatisticamente significativa, no

149
Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

sentido de que a taxa de resposta foi um pouco maior entre os


estudantes.
O mais importante é que não há diferenças significativas entre a
amostra do estudo e a população do ENA, o que dá validade ao
estudo.
A primeira análise foi comparar os conhecimentos entre homens e
mulheres e a diferença foi muito pequena, não sendo estatisticamente
significativa (p>0,05), embora nos estudantes, a porcentagem de
homens que responderam menos de 30% das perguntas de forma
correta tenha sido maior.
Tabela 1. Porcentagem de acertos no bloco de perguntas sobre direitos
sexuais e reprodutivos.
Porcentagem de acertos Homens Mulheres TOTAL
Acertos entre 0-30% 8,6 2,9 5,4
Acertos entre 31-60% 21,0 23,3 22,3
Acertos entre 61-90% 56,8 53,3 57,1
Acertos em 91% ou mais 13,6 16,5 15,2
p=0,38
Por essa razão e porque o número de educadores foi relativamente
pequeno, a análise foi feita comparando dois grupos: estudantes
(homens e mulheres) e educadores (homens e mulheres).
A tabela a seguir compara a porcentagem de acertos de estudantes e
educadores.
Tabela 2. Porcentagem de acertos no bloco de perguntas sobre direitos
sexuais e reprodutivos
Acertos Estudantes Educadores TOTAL
Acertos entre 0-30% 5,4 0,0 4,5
Acertos entre 31-60% 22,3 5,4 19,5
Acertos entre 61-90% 57,1 70,3 59,3
Acertos em 91% ou mais(*) 15,2 24,3 18,7
(*) Nesta categoria todos responderam corretamente todas as perguntas (100%), p= 0,03

Os resultados totais mostram que 24% do total dos participantes


obtiveram uma porcentagem de respostas corretas de 60% ou menos e
que só 18,7% acertaram todas as perguntas.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Comparando entre estudantes e educadores, observamos que 5,4% dos


estudantes teve 30% ou menos de acertos, enquanto que nenhum
educador ficou nessa faixa de acertos, estando sempre acima de 31%.
Por outro lado, a porcentagem de pessoas que acertaram todas as
perguntas foi mais alta entre educadores que entre estudantes (24,3%;
15,2%) respectivamente. Estas diferenças não são muito acentuadas,
mas são estatisticamente significativas, mostrando que, entre os
participantes do XII ENA, os educadores conheciam melhor que os
estudantes os direitos sexuais e os direitos reprodutivos.
A análise mostrou que, em uma pergunta, a porcentagem de acertos foi
menor de 50%, tanto em estudantes quanto educadores: A pergunta
sobre o Brasil ter assinado compromissos de cumprir a agenda da
conferência do Cairo, em que somente 42,6% dos estudantes e 48,6%
dos educadores responderam corretamente. Numa pergunta, sobre se é
estupro qualquer relação com uma menina de menos de 14 anos,
63,0% dos estudantes e 80,6 dos educadores responderam certo.
Houve cinco perguntas em que estudantes e educadores acertaram
acima de 75%, como mostra a tabela 3:
Tabela 3. Perguntas em que mais de 75% de estudantes e
educadores acertaram.
Pergunta Estudantes Educadores Total
Direito de exigir relações sexuais 92,4 100 93,6
Médico tem que manter sigilo 77,3 97,3 80,7
Condições em que o aborto é permitido 83,1 81,1 82,7
Direito do sexo sem penetração 78,9 86,5 80,2
Autorização do marido para o uso de MAC 78,8 83,9 79,6
Em quatro delas, os educadores tiveram uma porcentagem de acertos
maior e essa diferença foi muito alta na pergunta sobre o sigilo
médico. Só numa pergunta, a que diz respeito às condições em que é
permitido legalmente o aborto, os estudantes tiveram uma
porcentagem levemente maior que os educadores.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Considerações finais
Já se passaram 10 anos desde Cairo e estamos completando 10 anos
desde a IV Conferência das Mulheres em Beijing, e, sem dúvida,
podemos celebrar muitos avanços, mas também podemos dizer que
ainda temos um longo caminho para percorrer. Existe uma opinião,
mais ou menos generalizada, de que os direitos sexuais e os direitos
reprodutivos não são muito conhecidos e, consequentemente, são
desrespeitados com frequência. As escolas, em geral, ainda não
incluíram a perspectiva de gênero, os direitos sexuais e nem os
direitos reprodutivos nos seus currículos, e adolescentes e jovens têm
poucas oportunidades de conhecê-los também fora da escola, porque,
embora os governos, incluindo o brasileiro, tenham se comprometido
a implementar a plataforma de ações de Cairo e a de Beijing, esses
compromissos assumidos não têm sido cumpridos na velocidade
desejável para uma mudança de cultura que implique no exercício e
garantia desses direitos para todas as pessoas. Além disso, se
avaliarmos como está essa situação dos direitos sexuais e dos direitos
reprodutivos na população jovem, podemos ver que está ainda mais
deficiente, já que os indicadores mostram que existe um número alto
de adolescentes que não estão exercendo os seus direitos de decidir se
querem ou não ter filhos, não estão tendo acesso à anticoncepção,
não estão exercendo o direito de ter relações sexuais sem violência,
estão vulneráveis às DST e a Aids, enfim seria demasiado longo
enumerar a lista de direitos que estão sendo lesados. Sem equívocos,
poderíamos dizer que adolescentes e jovens muitas vezes não são nem
sequer considerados como sujeitos de direitos.
O MAB é um movimento de adolescentes, jovens e educadores
engajados na luta por conseguir melhores condições de vida para
adolescentes e jovens, que vem participando em diversos foros de
discussão, e nos últimos encontros tem definido como prioritária a
questão dos direitos e das políticas públicas que garantam a
adolescentes e jovens o exercício desses direitos. Além da Reprolatina,
outros grupos como o grupo Curumim e PAPAI também trabalharam
oficinas e realizaram diversas ações de promoção dos direitos sexuais
e dos direitos reprodutivos no último ENA, realizado em Natal.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Por todo esse histórico exposto anteriormente, era esperado que o


conhecimento dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos nos
grupos participantes do MAB, deveria ser alto, entretanto, mesmo
sendo relativamente alto, chama a atenção que entre os/as jovens e
educadores que responderam o questionário e participaram das
oficinas havia um grande desconhecimento do tema, e analisando
outras perguntas do questionário, que não são motivo dessa
publicação, podemos afirmar que mesmo entre jovens e educadores,
que responderam com um alto índice de acertos, há uma necessidade
de atualização e aprofundamento sobre o tema.
Com base nos resultados nessa pesquisa e na experiência das oficinas
ENA, ao longo desses anos, pensamos que seria necessário definir o
papel do MAB na agenda nacional sobre os direitos sexuais e os
direitos reprodutivos e fortalecer as ações de formação e capacitação
de multiplicadores jovens e educadores entre os grupos do MAB, para
contribuir de fato na implementação da plataforma de ações de Cairo
e Beijing, principalmente no que se refere às ações especificas para
jovens no campo desses direitos, de gênero, da saúde sexual e da
saúde reprodutiva.

Referências bibliográficas
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nº 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Disponível em:
http://www.aids.gov.br/rescns.htm, 2004.
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DESENVOLVIMENTO. Cairo + 5: o caso brasileiro. Comissão
Nacional de População e Desenvolvimento. Brasília, DF. 1999. 107 p.
CORRÊA, S. From reproductive health to sexual rights: achievements and
future challenges. Disponível em:
http://www.hsph.harvard.edu/organizations/healthnet/reprorights/
docs/correa.html, 2004
DÍAZ, M.; CABRAL, F.; SANTOS, L. Os direitos sexuais e
reprodutivos. In: RIBEIRO, C.; CAMPUS, M.T.A. (ed.). Afinal, que
paz queremos? Lavras: Editora UFLA, 2004. p 45-70

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

GYSLING, J. Salud y Derechos Reproductivos: Conceptos en


Construcción. In: VALDÉS, T. e BUSTOS, M. (Ed.). Sexualidad y
reproducción: hacia la construcción de derechos. CORSAPS/FLACSO.
Santiago, Chile: Salesianos, 1994. p. 13-26.
MATAMALA VIVALDI, M. I.; OSORIO, P. M. Objetivos y modelo
educativo del curso-taller salud de la mujer, calidad de la atención y
género. Salud de la Mujer, calidad de la atención y género. Manual Guía para
la realización del Curso-Taller Salud de la Mujer, Calidad de la Atención y
Género. Colectivo Mujer, Salud y Medicina Social. Santiago, Chile:
Ediciones LOM Ltda. 1996. p. 15-18.
VALDIVIA, V.B. ¿Qué son los derechos sexuales? Nuestras
informaciones 2000-2003 - Salud sexual y reproductiva. Conferencia
electrónica MODEMMUJER.MEX, 2004.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

10. Perspectivas... os movimentos dos movimentos


Leonel Luz

O Movimento de Adolescentes do Brasil vem, nos últimos anos,


conciliando uma bonita descoberta organizacional, buscando se
estruturar, e a prática da promoção da saúde para adolescentes e
jovens. Uso termo promoção da saúde aqui, não para restringir o
movimento a ações ligadas a área de saúde (médica), mas pelo
contrario, ampliando ao máximo nosso raio de ação e entendo a
saúde do adolescente como uma complexa teia que envolve questões
da organização da sociedade, da política e da economia, questões
antropológicas, históricas e culturais da possibilidade da luta da
sociedade por garantir uma saúde plena e a busca pela felicidade, e
inserir o adolescente nesta discussão toda.
Neste processo, desde 2001 o MAB discute a sua institucionalização
(concretizada no início de 2005). Na discussão da institucionalização,
o mais pautado era a preocupação com os movimentos do
movimento. Não ‘engessar’ as tomadas de decisão no MAB foi um
compromisso que todos assumiram antes de decidirem por
institucionalizá-lo. Como ser instituição sendo movimento e sendo
rede? Como interferir e crescer sem ser instituição? Oficializar as
decisões, criar gestão, tudo isso dificulta o envolvimento?
Somado a isso, o MAB enfrenta a dificuldade, típica de um
movimento que pretende ser nacional, e que parte da vontade do seus
integrantes em constituir este movimento e não de uma verba ou de
algum projeto. Enfrenta o dilema de se comportar como rede, ou
como movimento. E se desafia de novo ao construir uma nova forma

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

de organização, que vai além da simples discussão e troca, típica das


redes e não admite verticalizar a relação dos seus membros. Não se
limita a firmar bandeiras de luta imutáveis e inquestionáveis, como
alguns movimentos, mas levanta algumas de outros movimentos e
outras próprias, pois entende que os problemas não estão isolados
uns dos outros, e que a mudança de fato, depende de não ver nada
isolado. Isso tudo faz do nosso, um movimento constante de
informações, trocas, reflexões, sem logicamente, se tornar vago,
eclético, ou uma metamorfose constante, sem posições, estamos
enraizados nos nossos princípios e propósitos e as posições partem
deles.
De mais importante na evolução do MAB está o paradigma que o
movimento construiu e, que hoje é alienável e está incorporado a
nossa prática, que é a construção coletiva de conhecimentos (e
decisões) com adolescentes, jovens e adultos. Nós poderíamos dizer
que este processo é mais rico, é mais produtivo, mais aprendemos a ir
além, e dizer que ele só se justifica e só se legitima se for construído
com os adolescentes. E de paradigma, esta verdade passa a ser um
valor, um principio de todas as movimentações do movimento. Não é
só chamar pra conversa os adolescentes, mas no nosso movimento
eles estão decidindo a necessidade da conversa, como ela vai
acontecer, quando, por que e também estão fazendo parte dela. Este
tem que ser sempre um critério de avaliação do movimento, pois esta
é sua característica primordial, nosso ponto de partida.
Coletividade é outro princípio importante e com ele a vontade (mais
do que a necessidade) de construir (mais do que conviver) com as
diferenças. É ver na diferença entre você e o outro a possibilidade de
construir algo mais rico, exatamente porque ele tem coisas que você
não tem e você tem outras que ele não tem, e que juntos podem ser
completos. Utópico, sim. Existem divergências, sim. Mas se os
princípios e propósitos são comuns elas se tornam fortalezas. E são
os princípios e propósitos que definem quem está e quem não está
conosco e com qual papel.
Esta construção gera outra grande característica: Convivência afetiva e
solidária. Solidariedade no sentido não de sentir pena do outro e doar
pra ele o que me sobra (essa é a caridade) e sim, no sentido de olhar
pro outro e se juntar com ele pra lutar, pelo que é seu, pelo que é dele,

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

pelo que é dos dois, pelo o que é de outros, pela sociedade em que
acreditam. É somar à luta. A afetividade é o que nos garante o tesão
de fazer coisas juntos. É como se fosse um elo que nos ligasse uns
nos outros para enfrentar a construção cotidiana da luta. O MAB
acredita no encontro como força transformadora. O encontro de uma
pessoa com outra. Ter contato, ver de perto, falar, tocar, conhecer e
crescer. Não desprezamos a evolução do mundo virtual (aliás,
precisamos dele pra construir o movimento), mas acreditamos que o
encontro é motivador e fundamental. É não se perceber sozinho no
mundo. Este encontro não são só os municipais, regionais ou
nacionais que fazemos, mas o encontro de todos os dias. Com o
colega de sala, com o mendigo na rua, com o profissional, com
pessoas, com as quais nos encontramos todos os dias. Elas tem algo a
nos fazer e a nos acrescentar.
Outra coisa muito importante é a visão que se tem deste ‘ser
adolescente’. Que raiva que eu, Leonel, sempre tive de ser tratado
como ‘menor’, sem conhecimento, como alguém que não podia
contribuir. Com o avanço nos anos 90 das discussões acerca da
participação juvenil e do protagonismo juvenil (termo que
questionamos, mas esta é uma outra história), virou senso comum que
os adolescentes tinham que fazer parte dos fóruns que falavam de
adolescência. E em quantos eu fui que a minha fala era a mesma de
um adulto, e ele era ovacionado e a minha, as pessoas achavam lindo
eu estar falando, mas nem prestavam atenção no que eu tinha dito,
afinal, achavam que eu nem sabia do que estava falando. E quando na
hora das decisões os adolescentes iam fazer uma outra atividade,
afinal eles não teriam nessa visão com o que contribuir. Como se
nesta visão tecnocêntrica, meritocrática, adultocêntrica, a vida por si
só não garantisse conhecimento e sim as tradicionais estruturas de
formação. E títulos. Não que elas não agreguem conhecimento (ou
seria só teoria?), mas não podem se achar exclusivas. A academia,
assim como quase todas instituições ocidentais erram e esquecem do
conhecimento popular. Os nossos acadêmicos no MAB, renomados
(ou não) e pessoas ‘importantes’ (ou não) no mundo intelectual,
sentam conosco no chão e discutem olho no olho, sabendo construir,
se preciso, ceder, mas não se furtam da discussão porque não partem
do principio que sabem tudo e sabem que mesmo tendo lido,
refletido, estudado e pesquisado diversos assuntos, as vezes é a fala de

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

um menino ou de uma menina de 14 anos que define perfeitamente o


mundo como ele é. E saberão reconhecer isso. Não negamos a
academia, mas a questionamos e aproximamos dela as nossas práticas,
os nossos toques, as nossas reflexões, queremos sentar com perna de
índio em uma roda com ela e construir estas teorias sobre nós.

Entre as preocupações do movimento hoje, está o envelhecimento da


discussão das políticas públicas de juventude. Hoje, o foco está nos
jovens mais velhos (18 a 24 anos) e esquece-se um pouco das crianças
e dos adolescentes. A necessidade de responder ao mercado e ao
mundo da ‘megaprodutividade’ tenta ‘incluir’ jovens neste mercado
pela via mais rápida possível, e a formação se torna incompleta e
parcial. Precisamos reafirmar que, como disse o próprio presidente da
república, na abertura da V Conferência Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, em 2003, “lugar de criança é no
Orçamento Público”. Temos que insistir em garantir este orçamento e
acompanhar (interferindo) em como ele será aplicado.

Enfim, é necessário reafirmar a necessidade de construir uma nova


sociedade, que para nós, tem como pilares a afetividade e a
solidariedade, e que parte do princípio da construção coletiva e
horizontal do conhecimento. Nós adolescentes, jovens e educadores,
nos movimentando e movimentando o Brasil.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

parte 3.
ArENA:
outras palavras

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

11. Nossa arENA - Ágora em Natal


Ricardo de Castro e Silva
A praça pública, a Ágora, era o local da cidade onde os
atenienses se reuniam e efetuavam transações comerciais. Aí,
no período democrático ocorriam assembléias populares. Era
aí também que se administravam justiça e eram realizadas
cerimônias religiosas. Sócrates trouxe a filosofia para a
Ágora, fazendo do diálogo público a via de procura da
verdade.54
Ágora: Assembléia, assembléia do povo, reunião do povo em
assembléia, reunião dos soldados em assembléia: discurso
perante a assembléia. Por extensão: lugar de reunião, praça
pública. Em Atenas era um conjunto de construções,
alamedas e jardins, onde se localizavam as instituições
públicas, religiosas e judiciárias da cidade, com locais para o
mercado de bens negociados ou vendidos por cada
corporação; donde: praça do mercado; venda pública.55

Julho de 2004. Chegamos.

Todos e todas nós chegamos de diferentes lugares. Fomos chegando


e ao mesmo tempo nossa praça, nosso local de encontro, nossa Ágora
também aos poucos estava sendo montada no centro do espaço físico
onde estaríamos vivendo e convivendo por cinco dias.

54
Os pensadores, volume I, pg 26
55
CHAUI Marilena. Introdução à Historia da Filosofia.Companhia das
Letras.2002. p.493

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Nossa Ágora apresentava todos os sinais dos tempos: luzes, som,


tecnologia, sofisticação. Aos poucos ela foi sendo montada. Uma
tenda, uma casa, um local de reunião de pessoas. Por último seu chão
foi montado com as areias das praias de Natal. Esta areia também é a
que marca o tempo, o tempo da democracia em Atenas e o tempo de
mais um de nossos encontros, nosso XII Encontro Nacional de
Adolescentes (ENA).

Também havia sinais dos participantes. Pequenas almofadas coloridas


foram montadas, pintadas, marcadas por cada um de nós que íamos
chegando. E nós, marcados nestas almofadas, íamos chegando nesta
nossa arena-Ágora onde íamos conviver por cinco dias.

Quando acabou sua montagem “técnica” ela provocou uma alegria


em quem já estava e quem estava chegando puxando suas malas que
havia atravessado fronteiras. Alegria no seu acolhimento, beleza,
simplicidade, colorido e ventilação. Com certeza representava naquele
momento a cidade que nos acolhia, Natal, do Rio Grande do Norte -
alegre, acolhedora, bela, singela, colorida e ventilada.

E o nosso XII ENA aconteceu neste espaço, nesta nossa arena


Àgora. Quem esteve por lá, nunca irá esquecer. Discussões,
posicionamentos, perguntas, quantas perguntas. As respostas vieram
depois, quando voltamos para casa.

O momento mais forte desta nossa arena-Ágora - em Natal foi


quando as seiscentas e cinqüenta pessoas que ali estavam
transformaram o seu desejo de ter respostas, em perguntas. Somente
era permitido perguntar.

A primeira pergunta? Uma pergunta humana: porque as meninas e os


meninos não podem dormir no mesmo quarto, no alojamento?

Desta pergunta surgiram muitas outras que circulam por outros


temas, por outros lugares e, como onda, volta ao seu ponto inicial:
porque esta repressão? O ENA não é um lugar que se diz
democrático?

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Estas perguntas que foram surgindo desvendou nossa diversidade, tão


humana que possibilitou a escuta de todos e de todas, das mais
diversas experiências. Éramos pessoas diferentes e que vivíamos em
lugares e de formas diferentes nesse nosso Brasil diverso.

Assim como lugar da democracia, vivemos também o lugar das


cerimônias – as danças, os risos, os toques, as conversas, os abraços,
os beijos e as despedidas. As festas, os namoros ou os “ficamentos”
também aconteceram sob as tendas de nossa arena-Àgora.

Mais do que um lugar, fica marcada uma experiência, um espaço real


que aconteceu. Quem esteve por lá viveu a possibilidade da conversa,
da troca, do fazer perguntas, do procurar suas próprias respostas.

Adolescentes, jovens e educadores(as), construíram este XII ENA:


Nós com Voz(es): MAB tecendo participação social. Nesta nossa terceira
publicação estão registradas algumas das experiências e reflexões que
aconteceram e fazem nossa continuidade.

Já estamos nos organizando para Recife em 2005, onde vamos pensar


e organizar o XIII ENA em 2006, na capital de Pernambuco. Nossa
Arena-Àgora em Natal foi desmontada. Voltou a ser ferros, lona, fios.
A areia foi retirada, o tempo foi marcado por tudo o que foi visto e
vivido. Todos e todas nós voltamos. Diferentes estradas, cidades e
regiões. Voltamos.

Continuamos nossa rede, nossas conversas, nossos projetos e


trabalhos. O MAB continuando a tecer política pública. No espaço
onde existiu nossa arENA, ficam vozes, conversas, danças, gritos e
beijos em nossa memória.

Obrigado Natal – cidade que é bela e acolhe. Obrigado por termos


vivido momentos tão antigos. O povo se reúne na Ágora e decide,
vivendo a democracia e as cerimônias.

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O que viveremos em Recife? Só quem estiver lá, poderá escrever.


Concluindo, as três ecologias deveriam ser concebidas
como sendo da alçada de uma disciplina comum ético-
estética e, ao mesmo tempo, como distinta uma das outras
do ponto de vista das práticas que a caracterizam. Seus
registros são da alçada do que chamei heterogênese, isto é,
processo contínuo de ressingularização. Os indivíduos
devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais
diferentes. (O mesmo se passa com a ressingularização das
escolas, das prefeituras, do urbanismo etc.) (GUATTARI,
Félix. As Três Ecologias)

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12. Sociogênese da arENA


Thiago de Oliveira Andrade

A arena é o local do encontro. Em seus campos desfilaram


gladiadores que sobreviviam à custa do sangue de outros, palhaços
públicos contratados pelos imperadores de Roma para distraírem a
população de suas misérias sociais. A arena, na história social do
ocidente, ajudou em muito a formar o homem “civilizado” ocidental,
e a propiciar-lhe condições sócio–históricas para a construção de sua
identidade.
Como quase tudo que conhecemos na contemporaneidade, a arena é
também uma invenção grega, onde, no areópago, os primeiros
pensadores resolveram romper com suas formulações míticas sobre o
universo e inventar um novo método de discutir o mundo: a filosofia.
A invenção do conhecimento filosófico pressupõe, então, dois
elementos como nova chave de entendimento do mundo:
1. O logos como forma racional de inteligibilidade, isto é, explicar a
natureza por ela mesma, sem causas mitológicas ou
exageradamente metafísicas que pudessem transgredir à lógica do
cosmos natural,
2. O discurso, pois o que os filósofos faziam não era mais do que
arrebanhar os homens livres, cidadãos de Atenas (estima-se
menos de 5% do total de seus habitantes) e dispostos a passarem
os dias discutindo temas como a partícula mínima fundadora de
todas as outras, a substância da verdade, a realidade das coisas, a
origem do conhecimento ou a dicotomia entre a eternidade do
mundo e a provisoriedade dos humanos. Buscava-se mesmo, pelo
diálogo, a compreensão do ser último das coisas.

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Fazendo um breve percurso pela história do pensamento filosófico,


observa-se que é no diálogo que os homens se encontraram e
indagaram sobre as coisas que lhe afetavam o dia-a-dia ou lhe
incomodavam enquanto verdade axiomática, mesmo como um saber
teórico puro.
A arena foi então o local destes encontros e da produção destas
reflexões, quer esta arena se represente pelo areópago na antiguidade,
pela Igreja na medievalidade, pela academia na modernidade.
Só o cidadão, o homem livre, sem necessidade de ter de trabalhar para
se manter, (pois para Aristóteles “a ciência vem do ócio”) podia
participar desta arena. Deste local dos grandes, dos pensadores, a fina
elite de Atenas durante a época clássica (Sec. V a. C.) a arena é então a
invenção da política, entendida como a arte de conviver na Pólis, na
cidade-estado grega de Atenas, que apesar de restringir seus
participantes, inventou o homus politicus, aquele que não mais se
afirmava pela guerra ou barbárie, mas pelo discurso dialógico entre
iguais.
Desde o início do pensamento científico – que manifestou-se pela
primeira vez com a filosofia de Tales de Mileto, que afirmara que
“tudo é água”, rompendo com o pensamento mítico e inaugurando a
explicação natural das coisas – o homem procura a causa de suas
ações, a medida de seus conhecimentos e a substância da verdade.
A explicação mitológica não era mais garantia para um conhecimento
seguro, quando o homem, por razões de uma maior maturidade de
seu pensamento, procurou buscar no mundo as explicações para o
próprio mundo.
Uma das primeiras discussões travadas neste sentido foi entre
Protágoras e Platão, que mesmo não sendo contemporâneos,
dialogaram abertamente sobre um tema caro à época: a natureza da
verdade.
Para Protágoras, “o homem é a medida de todas as coisas”, querendo
dizer que é o homem – entenda-se cada um dos homens – que
determina todas as relações possíveis entre o que uma coisa é e o que
se diz dela, sendo ela mesma nada mais do que se pensa sobre ela.
Assim, cada homem teria sua verdade, pois cada um perceberia a

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realidade de uma forma particular e idiossincrática. A verdade seria


então nada mais do que a enunciação de um predicado particular de
cada um, como por exemplo: “a maçã é doce”, ficando subtendido
“doce para mim”. Não haveria uma verdade universal, portanto, que
dependeria exclusivamente do objeto, uma vez que a verdade se
apóia, para Protágoras, na percepção de cada sujeito em particular e
de sua múltiplas formas de captação sensorial da realidade.
Platão discordará radicalmente desta teoria do homem – medida de
Protágoras, afirmando que “nada de imperfeito pode ser medida do
que quer que seja”, isto é, se o homem é imperfeito ele não pode ser
medida para determinar a natureza e a verdade das coisas, estas, antes,
deveriam residir nas próprias coisas, e não fora delas.
No Livro VII d`A República, Platão conta uma historieta considerada por
grande parte dos filósofos a mais importante de toda a história da
filosofia: o mito da caverna.
A história narra a desventura de algumas pessoas que viviam
constantemente presas ao fundo da caverna, sem de lá poderem sair
por toda a sua vida, e obrigadas a olharem apenas para o anteparo do
fundo desta caverna. Tudo o que eles viam não passavam de sombras
de objetos reais que circulavam no exterior desta caverna sombria. E
por terem nascido lá dentro e naquele ambiente sempre permanecido,
acreditavam que as sombras que viam eram na verdade os próprios
objetos reais, pois nunca os conhecera de fato.
Certa vez, um indivíduo desta caverna consegue libertar-se destas
amarras e fugir para o mundo externo, onde primeiramente tem de
fechar os olhos até acostumar-se com a luz, que nunca vira. Após este
momento, ele consegue ver os objetos reais, com uma densidade de
verdade muito maior que os virtuais que sempre tomara por reais, na
caverna. E depois de bem acostumado à luz e ao excesso de verdade
deste mundo exterior, consegue por breves segundos olhar para o sol
de onde emanava tanta luz e com ela a possibilidade de se ver os
objetos.
Exultante, volta para a caverna para contar a seus amigos presos o
engano em que viviam há anos, e mostrar-lhe uma outra verdade que
não conheciam. Ao tentar fazê-lo, foi morto pelos seus companheiros

167
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que o consideraram ameaçador de seu mundo e corruptor da ordem


estabelecida.
Esta estória de Platão tem alguns significados: nós vivemos num
mundo como o interior da caverna, feita por ilusões que só de longe e
imperfeitamente lembram o mundo real e verdadeiro do exterior da
caverna. Existe um mundo ideal, fora deste em que estamos, aonde
encontram-se as idéias perfeitas. Neste nosso mundo só percebemos
as coisas pelas nossas sensações, que são fonte de engano uma vez
que só captam a realidade material e corruptível dos seres. O
verdadeiro instrumento de acesso a este mundo ideal é a razão e não
as sensações. Sensorialmente afirmo que a mesa é lisa ou áspera, o
que revela mais minha opinião (doxa) do que a verdade (episteme)
sobre esta mesa. Se nosso conhecimento se basear nas sensações,
como queria Protágoras, não produziremos verdade nem ciência, mas
sim opiniões particulares e deformadas daquele mundo ideal e eterno.

Ainda para Platão, toda alma humana já havia habitado este mundo
das idéias antes de nascer, porém o esquecido ao encarnar-se na
matéria. Conhecer não é mais que lembrar. Lembrar aquelas verdades
eternas que esquecemos pelos vícios da sensação. Observe a tabela
abaixo:
Mundo da caverna (interior) Mundo das idéias (exterior)
 Sombras / engano  Idéias / verdade
 Sensação  Razão
 Conhecimento doxológico  Conhecimento epistemológico
 Verdades  A verdade
 Protágoras e a teoria do homem  Platão e a busca de uma verdade
medida eterna
 “joão é gordo  “2 +2=4”
Para Platão então é verdadeiro o que é racional, eterno, incorruptível
e imaterial. Está lançada então o que será a base da pesquisa
quantitativa, que tentará elaborar instrumentos próprios para alcançar-
se esta verdade objetiva e atemporal.
O ceticismo duvidava de qualquer tipo de verdade, tanto as adquiridas
pela sensação como as pela razão, pois para os céticos não existe
qualquer forma de verdade ontológica ou gnosiológica no mundo. A

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falta de verdade no mundo é derivada basicamente das seguintes


constatações:
 As sensações não podem ser referenciais de verdade pois
variam de pessoa para pessoa e mesmo para uma mesma
pessoa dependendo de seu estado de espírito,
 A razão não pode ser referencial de verdade porque o que é
racional para uma época não o é para outra, não existindo,
portanto, uma razão a-histórica ou universal,
 O ser não se manifesta em sua pureza existindo sempre algum
nível de contaminação ou impureza,
 Não existe nenhum ser absoluto, sendo todos eles relativos a
outros. Por exemplo, só existe o ser- pai depois de existir o
ser-filho, uma cor só existe e tem um nome porque existe
outras.
Sendo assim, na impossibilidade de achar verdades no mundo, o
cético deixa de fazer-lhe pergunta e de ter opiniões (adoxia), a partir
do momento que suspende todo o juízo (époche) e sossega o seu
espírito na falta de perguntas e inclinações (ataraxia).
Se as coisas são indiferentes, incomensuráveis e indiscerníveis e se,
por conseguinte, os sentidos e a razão não podem dizer nem o
verdadeiro nem o falso, a única atitude completa que o homem
pode ter é a de não ter nenhuma fé, nem nos sentidos e nem na
razão, mas permanecer ‘adóxos`, quer dizer, permanecer sem
opiniões, ou seja, abster-se de julgar (o opinar é sempre um julgar)
e, conseqüentemente, permanecer sem nenhuma inclinação ou
agitação, ou seja, não deixar-se comover por algo, isto é,
permanecer indiferente (Reale, 1990).
Este ideal de felicidade, que vem da ausência de preocupação e
relações com um mudo que não pode oferecer respostas ao homem,
chama-se ataraxia.
O extremo do ceticismo gerou uma outra escola filosófica chamada
de Cinismo, pela qual a indiferença com o mundo chegava ao cúmulo
de se deixar uma criança morrer afogada porque o filósofo achava-se
livre do dever de socorrê-la, uma vez que o mundo nada lhe
importava.

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Muitas críticas foram feitas aos céticos pelos filósofos posteriores, tais
como:
 Dizer que “não existe verdade” é já dizer uma verdade,
 Os céticos pensavam tanto em não se incomodar com o
mundo que acabaram preocupando-se mais com o mundo
que os demais filósofos, não sendo portanto verdadeiramente
céticos,
 Ser cético é já fazer uma escolha e demonstrar que é
impossível ser indiferente ao mundo.
A medievalidade, em Santo Agostinho e São Tomás de Aquino,
balizará a noção de verdade pelo crivo da religião e na crença
metafísica em um Deus que é a própria verdade. Apesar de haver um
elemento novo na discussão: a liberdade e a determinação do ser.
1. Santo Agostinho (Séc IV d.C.)
 O tempo de Deus é eterno, imutável e total (totum), enquanto
o do homem é parcial, fracional, sucessivo. Deus já vê o final
da História antes mesmo de ela começar.
 Deus é soberano sobre todas as coisas e já escreveu todo o
livro da História, estando nossas ações já determinadas por
Ele, não nos restando nenhuma possibilidade de escolha. Esta
teoria é chamada de predestinação, segundo a qual nosso
destino já está traçado pelo Criador, não nos cabendo
questioná-lo.
 “Satanás” não pode existir, pois se existisse Deus não seria
bom e onisciente ao mesmo tempo. O mal não é mais que a
ausência de Deus, assim como a escuridão não é uma entidade
ontológica oposta à luz, mas simplesmente, a ausência de luz.
2. São Tomás de Aquino (séc XIII d.C.)
 Justamente por existir o mal (satanás) é que Deus é bom, pois
não é tirano do universo, e criou o mal (mesmo ferindo-se
com isto) para nos dar opção de escolha. Se só existisse o bem
seríamos forçados a segui-lo, por isso criou o mal para nos dar
oportunidade de escolha.
 Deus não escreveu a história de ninguém, antes dotou-nos do
poder de decisão e de livre ação para que pudéssemos nós
mesmos escolher nosso caminho.

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Na modernidade, Descartes retomará este tema a partir da


formulação da teoria do cogito. Certa vez sonhou ser um barão muito
rico, e ao acordar não sabia se era um filósofo pobre que havia
sonhado ser um barão rico ou um barão rico estar sonhando ser um
filósofo pobre. Partiu do pressuposto então, de que para se conhecer
era preciso duvidar de tudo, até da própria existência. Pretendeu criar
um método claro de investigação que o levasse á certeza a partir da
dúvida. Talvez esteja aí o nascimento filosófico da pesquisa
quantitativa, com a elaboração de instrumentos próprios de pesquisa
que captassem a realidade material e objetiva do problema
investigado.
A filosofia de Descartes seguiu basicamente o seguinte caminho:
1. Se duvido de tudo, de uma coisa tenho certeza: de que duvido.
Se tenho certeza de que duvido é porque penso. Se penso é
porque existo. “penso, logo existo” ou em latim Cogito, ergo sum.
2. Se penso nas coisas é porque elas existem, pois não é possível
pensar o inexistente. Mesmo quando penso coisas absurdas,
como um elefante voando com asas de águia, é porque
conheço o elefante, as asas e as águias. Logo só penso no que é
real. E, portanto existe a coisa se meu pensamento a elabora.
3. Se Deus, em qualquer cultura, é a idéia do perfeito, é porque ele
existe. Pois da mesma forma que uma laranjeira só produz
laranjas, eu, como ser imperfeito, só posso produzir idéias
imperfeitas. Se consigo conceber a perfeição, eu não a criei
sendo imperfeito, logo ela existe fora de mim, porque penso
nela sem ter condições de tê-la gerado.
Se eu existo, as coisas existem e Deus também existe, é preciso um
discurso claro e limpo para acessar as suas verdades. Qualquer
opinião deve ser refutada. Conhecer é dizer as coisas clara e
imparcialmente.
A arena se refina, do areópago à academia como forma de discussão e
entendimento entre os homens. Porém, o cartesianismo dividiu o
mundo em partes, em átomos, e fez nascer a tendência científica de só
analisá-lo enquanto partes separadas e desprovidas de um sentido do
todo. A ciência clássica compartimentalizou os dialogadores da arena
em guetos incomunicáveis entre si. Porém, o mundo é bem mais

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complexo que estes compartimentos, e a arena de discussão perdeu


sua característica primeira: o diálogo entre os diferentes saberes.
Desde a Revolução Científica da época moderna, quando o
Renascimento rompeu com as influências teológicas da Igreja sobre a
produção de conhecimento, a ciência – especialmente a física
newtoniana e a epistemologia cartesiana – partiu de pressupostos
onto e epistemológicos considerados por Edgar Morin como ultra-
simplificadores e redutores da complexidade do real.
Segundo este pensador francês, o papel do conhecimento clássico
fora explicar o visível complexo – a própria realidade – através de um
invisível simples – a teoria. Para tanto a ciência se preocupara em
legislar (estabelecer leis universais que codificassem a realidade),
disjuntar (separar o objeto de seu meio para apreendê-lo) e reduzir
(reduzir a complexidade do real em um número mínimo de leis com a
pretensão de contê-lo, como por exemplo as 3 leis de Newton).
Segundo Morin, “de fato, não existe fenômeno simples”, pois este
autor aposta numa realidade complexa que comporta níveis crescentes
de incerteza, indeterminação, justaposição de contrários e mesmo
contradições lógicas em seu interior, de modo que se a ciência
pretende decifrá-la, terá primeiramente de tornar-se complexa e saber
abarcar em seu método as mesmas complexidades, indeterminações,
incertezas e contradições que a realidade contém.
Para Morin, caracterizam a ciência clássica:
 A tentativa de legislar e estabelecer regras fixas que tipifiquem e
engessem o real, de modo a torná-lo simples e inteligível.
 O fato de não levar em consideração o tempo como processo
irreversível, isto é, determinado por uma história que lhe confere
provisoriedade e irrepetibilidade.
 A tendência simplificadora e da realidade, o que Morin afirma ser
uma tendência à elementaridade, como se, por exemplo, o universo
pudesse ser reduzido a 3 leis como Newton o pretendera.
 A simplificação determinista da Ordem-Mestra, descartando e
ignorando dos procedimentos científicos tudo aquilo que
cheirasse a aleatoriedade, agitação, indeterminação ou dispersão.
 A lei da causalidade simples, como se todo fenômeno tivesse uma
causa e uma conseqüência diretamente ligadas via lógica, isto é, se
conhecesse o exato antes e o exato depois de cada fenômeno

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material, poderia estabelecer-se as corretas relações entre eles e as


leis que os regem.
 Princípio de separação absoluta entre o objeto e seu meio
ambiente: a cultura do laboratório. Seriam descartadas todas as
variáveis intervenientes para que o resultado pudesse ser obtido.
É como a física clássica, em que devem ser considerados todos os
corpos em um plano ideal para que ela funcione.
 Separação absoluta entre o objeto e o sujeito que o conhece /
percebe. A verificação por observadores / experimentadores
diversos é suficiente não só para atingir a objetividade, mas
também para excluir o sujeito cognoscente, como se possível
fosse.
 Ergo: eliminação de toda a problemática do sujeito no
conhecimento científico
 Eliminação do ser e da existência por meio da quantificação e da
formalização.
 A não concepção da autonomia
 Princípio da confiabilidade absoluta na lógica para estabelecer as
verdades intrínsecas da teoria. Toda contradição aparece
necessariamente como erro.
 Pensa-se inscrevendo idéias claras e distintas num discurso
monológico
No lugar desta ciência simples, Morin propõe a razão complexa e um
tipo novo de ciência por ela engendrada: a ciência complexa, que
pode ser assim esquematizada:
 A razão complexa não pode tentar eliminar a complexidade do
real através de um conjunto simples de leis, se necessário for,
vários modelos deverão ser formulados na tentativa de explicar o
real.
 Existe uma relação dialética e dialógica entre as partes e o todo de
modo que não se pode entender um sem o outro.
 O universo é fragmentado e cheio de diversidade, de modo que se
dá mais como instância qualitativa que quantitativa.
 É preciso abandonar-se o universal para buscar o particular e
local, isto é, voltar ao mundo sublunar aristotélico.

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 Não se pode fazer ciência influenciados pelo vir-a-ser, mas deve-


se buscar o devir56.
 A vida é feita de liberdade, espontaneidade, heterogeneidade e
indeterminação.
 O sujeito que conhece altera o tempo todo o ser conhecido, e por
ele é alterado.
 O conhecimento se dá pela interação entre sujeito e objeto, e não
pelo massacre do sujeito sobre o objeto conhecido.
 O ser é mais gnosiológico (conhecido) do que ontológico (real).
 Interdisciplinaridade e consciência na ciência57
 Os seres podem ser várias coisas ao mesmo tempo, inclusive
contraditórias e excludentes.
A arena, modernamente, é vista então como lugar da discussão, do
embate, da produção de liberdade. Como um lugar onde se colocam
diferentes saberes, que por vias múltiplas tentam convencer, seduzir,
demarcar. O saber não é neutro, é complexo e acaba por determinar a

56
Faz-se aqui referência a dois sistemas filosóficos do Ocidente: o aristotelismo
– hegelianismo, que acredita que os seres nascem incompletos em si mesmos,
porém predestinados a alguma coisa já pronta idealmente, tal qual a semente
que tem o único objetivo de tornar-se árvore, no movimento dialético da
potência  ato. A semente já tem a idéia da arvore dentro de si, mas tem de
negar-se enquanto semente para tornar-se a árvore. Ela nega e conserva o
conflito dos conceitos de si mesma e da árvore que carrega. A semente só
pode vir-a-ser uma árvore, pois é potência daquela. Deve apenas ser
atualizada (transformada em ato). Já o outro sistema, chamaríamos, de
existencialismo nietzcheniano, que acredita que as coisas não estão
predestinadas senão à aleatoriedade, que o objetivo da semente é variado e
indeterminado, pode virar tanto árvore como comida para um pássaro, que a
vida é sempre inédita e submetida á provisoriedade e inconstância do tempo.
Que os serem não estão submetidos ao amálgama do vir-a-ser, mas ao plasma
do devir. A balança ao vento do tempo e sua substância é a liberdade e a
indeterminação.
57
“As ciências humanas não têm consciência dos caracteres físicos e biológicos
dos fenômenos humanos. As ciências naturais não têm consciência da sua
inscrição numa cultura, numa sociedade, numa história. As ciências não têm
consciência do seu papel na sociedade. AS ciências não têm consciência dos
princípios ocultos que comandam suas elucidações. As ciências não têm
consciência de que lhes falta Consciência”. (MORIN, 1996)

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coisa dita. È o discurso autorizado sobre o tema. A arena é então


embate de forças.
Segundo Foucault, o poder não pode ser considerado tomando-se por
base as velhas teorias da soma zero: o poder que tenho é o que o
outro não tem, uma vez que não depende da hegemonia de uma das
partes, mas antes da interação entre pessoas em quaisquer
circunstâncias. Para ele, o poder é algo implícito nas relações sociais e
sempre ausente do visível, uma vez que se estabelece nos interstícios
sociais e se manifesta enquanto prática internalizadas de persuasão do
outro e de si mesmo.
A partir do século XVI, teria havido um processo de estabelecimento
do saber médico e científico como saber dominante dando a algumas
pessoas o poder inclusive de analisar (O processo da clínica), vigiar e
punir os marginalizados (vigiar e punir: o nascimento da prisão). Este
discurso médico teria arvorado uma concepção dominante de mundo
que seria sua própria verdade, conferindo poder ao discurso
autorizado dominado por este saber (arqueologia do saber). Diz
Foucault (1984) que:
O poder produz saber... poder e saber estão diretamente
implicados... não há relação de poder sem constituição correlata de
um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao
mesmo tempo relações de poder. Essas relações de poder-saber não
devem então ser analisadas a partir de um sujeito do conhecimento
que seria ou não livre em relação ao sistema de poder; mas é preciso
considerar ao contrário que o sujeito conhece, os objetos a
conhecer e as modalidades de conhecimento são outros tantos
efeitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas
transformações históricas. Resumindo, não é a atividade do sujeito
do conhecimento que produziria um saber(...), mas os processos e
as lutas que o atravessam e que o constituem, que determinam as
formas e os campos possíveis do conhecimento... e do poder.58
A arena deve ser vista então como um lugar de razão acordada, no
sentido de estabelecido um pacto social que privilegie todas as partes
em discussão.

58
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 3ª. Ed., trad. Ligia M.
Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1984.

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Para Habermas “os homens engajam-se em controlar e manipular


seus ambientes, bem como seus discursos e suas inter-relações
sociais” (Knowledge and Human Interests), por isso todo contato
humano envolve um quê de controle que pode-se dar de diferentes
formas, sendo a principal o controle do discurso através da imposição
de um consenso comunicativo. Habermas acredita que a razão que
rege a sociedade não pode ser dicotomizada, como fez Weber, entre a
razão instrumental, aquela que adequa meios a fins e a substantiva, aquela
que se rege por valores e normas subjetivas. Antes, a razão só se
estabelece no diálogo, e a verdade não é nada mais que um consenso
forçado, ou uma manipulação da realidade objetiva e positiva pelo
discurso dominante, que autoriza e interdita o vivido humano, sendo
assim a razão habermasiana não passa de uma razão comunicativa,
que pressupõe uma manipulação do contexto em prol de uma
verdade de mundo imposta pelo discurso autorizado.
Toda razão – já que acordada - implica então em interesses, quer
técnicos, aqueles manipulados pelos discursos das ciências naturais,
quer práticos, aqueles acordados pelos discursos das ciências do
espírito ou hermenêuticas. Habermas propõem um terceiro interesse,
o emancipatório, que permita às diferentes pessoas em relação
dialógica a acordarem o mundo em sentido de sua libertação auto-
reflexiva, para que a razão não seja mais monológica, mas antes
firmadas agora no diálogo, isto é, na interação e não na imposição
discursiva de uma das partes. Este autor critica tanto a posição
hegeliana de razão – verdade, que considera ser o mundo antes na
mente e só depois nele próprio, isto é: ser o mundo o que se
representa mentalmente dele; e critica também a antípoda filosófica
do hegelianismo, o marxismo, conferindo ao mundo o significado
único de suas produções materiais de existências, não extrapolando o
sentidos das relações materiais e históricas de produção. Habermas
representa então uma terceira via de pensamento, não sendo afeto à
idéia (Hegel) e nem á Matéria (Marx) como verdade do mundo, mas
antes ao diálogo ou comunicação como única fronte provável de
verdade – mesmo que consensual.
Que nossas arenas sejam sempre democráticas, e que libertem ao
invés de aprisionar e estigmatizar o ser. Nunca serão neutras, mas que
suas parcialidades sejam usadas para a liberdade.

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parte 4.
depoimentos

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Como me senti num debate de perguntas?


Um dos mais instigantes exercícios que aconteceu durante o XII Ena
foi um debate, gestado na ArEna, em que o facilitador (Jorge Lyra)
provocou a platéia a uma reflexão coletiva, transformando sua
apresentação num jogo de questionamentos e respondendo às
indagações com novas perguntas.
Foram recolhidos alguns depoimentos sobre esta experiência que
consideramos importantes e que elucidam e provocam. São vozes
que, em sua pluraridade, expressam os nós e contornos das
adolescências.
 No princípio pensei que iria haver  Impossibilitado, porque tinha a
respostas, mas no decorrer percebi resposta para muitas perguntas e
que elas estavam sendo respondidas consequentemente não pode
com outras respostas. Amei esta socializa-las com o restante das
técnica (Ana Patrícia-24 anos, pessoas e ao mesmo tempo tinha
Recife – PE). dúvidas das perguntas feitas.
 Acho muito boa a proposta, porém (Hélio Luiz, 16 anos Rio Claro).
me pergunto se as pessoas estão  Com esse debate ficou mais claro
preparadas para este tipo de ainda a idéia de que precisarmos
atividade? Talvez se fosse feito com estar sempre nos questionando,
maior frequência, tornar-se-ia uma buscando as respostas dentro de si.
atividade muito útil e interessante. (CV-Rio Claro)
Porém para isso acontecer da  Achei massa! A maioria das
melhor maneira possível precisamos perguntas já respondia muitas
ter atitudes mais produtivas do que delas e as que não, me fez pensar e
simplesmente repetirmos perguntas buscar minhas próprias respostas.
já feitas (Patrícia –15 anos Além de pensar, ou melhor, saber
TUMM- Mococa- SP) que os adultos acreditam que nós
somos capazes de nos responder.
(Flávia, 22 anos Recife – PE)

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 Enquanto houver questionamentos  É um exercício que devemos


a serem feitos, isso mostra que há realizar com frequência esse pensar
inquietude nos jovens sedentos de as perguntas e respostas que estão
respostas, isto quer dizer que a dentro de nós. É ouvir as
busca continua, pois um jovem entrelinhas, abrir-se para ouvir e
calado é sinal de comodismo e cuidar dessas novas idéias, desse
alienação ( Eliane 18 anos . RN) outro que é diferente e não inferior
 Senti-me muito privilegiada e a mim... Incomodou-me o fato de
valorizada por acreditarem na alguns adolescentes quererem
minha capacidade de buscar as respostas e o fato de outros
respostas dentro de mim ou ser adolescentes e jovens questionarem
capaz de buscar as respostas que a resposta está em nós e às
através das minhas próprias vezes ela não vem redondinha como
pernas. (Uberaba-MG. 16 anos). esperamos. Algumas fichas vão
 Achei bastante construtivo, pois cair quando estivermos em casa ou
estimulou a voz dos adolescentes e daqui a pouco! Essas perguntas
contribuiu para cada um ficam dentro da gente e as respostas
desenvolver seu lado crítico. E eu rondam nossa cabeça e coração.
comecei a refletir mais sobre minha Acho que as pessoas estão
maneira de pensar e de agir. (Taís preocupadas com o que é pensar
de Almeida. 17 anos, PE). certo. Esperam a resposta certa
 Senti-me um pouco estranha, eu porque não consideram a sua
aprendi que o debate não é somente resposta como completa! (Ieda-
com a resposta, vou sair com TUMM, 22 anos).
muitas respostas dentro de mim.  Muito confusa, pois no ENA
Uma auto avaliação. (21 anos temos a oportunidade de nos
Recife) expressarmos e não sabemos lidar
 Foi muito proveitoso participar quando nos dão voz e vez. Talvez
deste debate de perguntas e pela falta de experiência nesse
perguntas, pois cada pergunta modo de debate me deixou
surgiram várias exaltações, e intrigada, mas a cada pergunta
muitas vezes até furiosas, onde que faziam dentro de mim surgia
cada um, naquele momento podia uma dúvida. (Josiane Mizael,
mostrar seu temperamento. (João – TABA, Campinas)
educador 27 anos, PB).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Esse foi o melhor debate que já  Privilegiado de poder falar,


ocorreu no ENA. É um excelente mostrar o que penso e ouvir o que o
método de ensino! Eu me senti coração dos têm a dizer, sejam
muito bem, mas ao mesmo tempo quaisquer termos. (Antognoni, 16
estive preocupada, me pareceu que anos Jundiaí – RN).
muitos jovens não entenderam a  Sinto-me um pouco retraída, pois a
proposta..., mas já entenderão! todo o momento vejo pessoas a
Mesmo assim valeu! É um bom criticarem em vez de todos se
começo para as mudanças juntarem e fazerem um mundo
necessárias para construir um melhor. (C. V. S. da C.
mundo melhor. (Maggie - Macaíba-RN, 15 anos).
Reprolatina)  Foi ótima a proposta, só que
 Demorei bastante para perceber pessoas ficaram com preguiça de
que isso não passou de um teste. pensar. Foram fazendo perguntas
Será mesmo? Não sei, talvez o sem sentido, o que entendi foi que
objetivo principal tenha sido esse, fiz as perguntas e respondesse com
mas se perceber isso acabou outras perguntas, Mas acho
acontecendo. A forma com que interessante que deve faze mias
reagimos a esse debate foi pequena, debates é interessante.
aprendemos somente porque não  Eu me sinto livre para me
entendemos o mesmo, sendo que expressa com minhas interrogações.
poderíamos ter aprendido de outra E também me incomoda um pouco
forma, forma essa para mim que não ter respostas de imediato. Mas
seria tê-lo encarado com coragem e com tempo, vemos que cada
não arrumando motivo para não pergunta tem um pouco de ligação
perceber o seu verdadeiro objetivo. (José Raliedson, Jundiaí – RN).
Vimos que não conseguimos
 Fazer um debate de perguntas é o
enfrentar esse desafio, será que
certo? Só assim posso responder a
estamos pontos para desafios mais
um debate que não tem propostas.
difíceis? E quando fizermos
Se eu pergunto algo é porque estou
pergunta ao governo ou sei lá o
com dúvida e quero as respostas
que? E eles não nos responderão,
para tirar minhas dúvidas. Sou
como vamos reagir? Assim? Acho
um adolescente como qualquer
que temos (eu fiz isso) aprender
outro, só quero respostas para
com esse debate que para mim foi
minhas perguntas. (Thiago
um teste e nos prepararmos para
Azevedo – Santa Cruz, 17 anos).
questões mais difíceis de se resolver
e mais sérias.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Neste debate eu me senti provocada  De fato, não estamos acostumados


a responder perguntas com a nos questionar, a buscar em
perguntas e me indignei com nosso interior respostas. Isso
algumas perguntas que mereciam envolve a responsabilidade da
uma resposta e estas não foram consciência e se tornar um
dadas. (Ruth-ONG Superação, indivíduo consciente, às vezes pode
Fortaleza). ser muito complicado de chamar
 Perguntas agressivas eram para si a cobrança das respostas.
respondidas com outras mais Achei que o espaço não foi tão bem
agressivas, me senti violado e aproveitado, por talvez as pessoas
oprimido. No final tudo foi não estarem querendo se envolver
respondido com um grande silêncio na proposta. (21 anos, Rio Claro
murmurado (Germano de Lima- – SP).
Fortaleza CE)  No começo não consegui enxergar a
 Senti-me mau quando surgiram finalidade desse debate, mas
perguntas desagradáveis. Quando quando comecei a refletir sobre as
olhei alguém que estava falando e perguntas lançadas pude perceber
nela vi uma agitação que temos várias perguntas
desagradável.(16 anos, (dúvidas) que podem sim ser
Alexandria-RN). respondidas por nós mesmos bastos
 Achei muito proveitoso o debate e termos vontade. Foi uma pena que
percebi que a tolerância é algo que muitos adolescentes, jovens e dos
falta às pessoas. Todos querem educadores não conseguiram se
respostas e poucos querem soluções concentrar e refletir sobre as
de perguntas (Rio Claro – SP) perguntas. Por outro lado eu
entendo que foi uma coisa nova,
 Eu achei da hora pois é
por isso a dificuldade.
interessante porque cada um de nós
Particularmente eu gostei muito,
temos que pensar nas verdadeiras
mas espero que da próxima vez eu
respostas. Gostaria que tivesse
possa escutar mais perguntas
mais dessas, pois é para pensar
construtivas, para que possa ser
mesmo. Pois adolescente não gosta
ainda melhor (Rio Claro, 16
de responder mais sem ter a
anos).
resposta para cada um deles (Beth,
Campinas – SP).  Os questionados sentimentos foram
esclarecedores, porem duvidosos, em
pequenos pontos. Pontos que
podem tornar-se grande vácuo e
perigosos (19 anos, Rio Claro).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Foi um ótimo debate, pois deu  Eu me sentiria bem se realmente


para tirar várias conclusões estivesse acontecendo um debate de
durante o debate mesmo sendo um perguntas, e não um comentário
debate apenas de perguntas. com perguntas banais de como seria
(Lesley Talita-19 anos, Lavras). esse debate.
 Eu me senti com alegria, é muito  Cada pergunta é uma reflexão e a
bom estar aqui para falar mais compreensão de que somos capazes
com ENA (15 anos, Natal). de conquistar nossos próprios
 Senti-me meio assistindo um jogo conhecimentos. Além de conquistar
de tênis (17 anos, Macaíba – construir. (20 anos, Rio Claro).
RN).  Senti-me imensamente triste de ter
 Confesso que me senti confuso no chegado a um ENA e descobrir
começo, mas entendi a lógica do que não temos um pingo de
debate: Não precisamos de sensibilidade de olhar para dentro
respostas prontinhas para entender de si próprio e encontrar respostas,
algo. (Vanderson, 20 anos ou até mesmo entender que as
Macaíba – RN). respostas não são as resoluções de
 A idéia era fazer perguntas e tirar nossos problemas, a resolução é o
minhas dúvidas (Alessandro, 12 caminho de chegar ás respostas.
anos RN) a idéia das perguntas (Adriane, Criativação, Rio
força o raciocínio. Nos fazem Claro).
pensar melhor nas nossas  É muito interessante porque é um
perguntas e instigam a resposta, novo jeito que descobri para fazer
tanto que muita gente não se debates, porém é estranho, porque
continha só com isso e, apesar embora nossas respostas sejam
disso, continuavam perguntando e dadas em outra pergunta, prefiro
assim, pensando na resposta. obter respostas concretas, pois as
 Eu me sinto sozinha, pois é muito pessoas ainda não estão
vazio só fazer perguntas sem acostumadas com esse tipo de
respostas, espero que vocês possam debate e isso as leva fazerem
responder todas as respostas (17 perguntas vagas e sem sentido.
anos, Natal). Penso que isso primeiro deveria ser
trabalhado com os grupos e depois
 Às vezes incomoda, mas depois se
lançados para todos (Sylbênia
pensa e acha uma pergunta para
Alves, Macaíba – RN, grupo de
responder. E a pessoa mudando o
Adolescente Baobá)
ritmo do debate é muito ruim.
(Ivens, Lavras-MG).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 O debate foi muito legal, pois para interação, troca de idéias. Sei que o
mim despertou muita pergunta objetivo era para o jovem refletir
interessante (Renato Alves, 20 sobre suas próprias perguntas.
anos, - Pau dos Ferros). Mas o jovem gosta de compartilhar
 Senti-me sem o direito de resposta. idéias e trocar conhecimentos
A resposta que devemos quebrar o (Michele Marques-Aprendiz de
tabu imposto para nós desde Beija-flor)
crianças que o homem e a mulher  Um bombardeio de perguntas, as
não pode ter os mesmos direitos quais todos tínhamos respostas que
sem preconceitos (Luciene Paulino, foram as mais banais possíveis, já
Casa Renascer). que eram destacados, porque todas
 Para mim dependia da pergunta, as perguntas iam só para um, a
às vezes tinham tantas perguntas atenção foi voltada só para o Jorge,
sem lógica, em outras a própria logo todos os direitos foram
pergunta já se dava como resposta. contraditos de alguns que
Agora, muitas perguntas para comentaram sobre gênero. (Anne,
mim, não foram esclarecidas. Ficou 16 anos, Natal – RN).
chato na hora que só ficaram  Senti-me decepcionado, em ver que,
falando da diversidade entre em um espaço onde existem
homens e mulheres, não sei se eles protagonistas juvenis e educadores
faziam as perguntas só para (pessoas aparentemente esclarecidas)
dormir juntos, ou sei lá. (Helena são poucos os que sabem responder
16 anos, agente jovem Zona com perguntas. Foram perguntas
Norte, Natal – RN). soltas e que muitas vezes foram
 Eu me senti assim como alguns dispensáveis, tornando assim o
adolescentes aqui presentes: sem debate improdutivo. (Leonardo
entender qual o objetivo desse Costa, Natal – RN, 17 anos).
debate. Porque um debate ocorre  No princípio, o debate estava legal.
com perguntas e respostas. Eu Depois, as pessoas não estavam
tenho dúvidas e tenho algumas entendendo o sentido do debate.
respostas para as minhas Mas eu gostaria que o debate fosse
perguntas. E sei que alguns jovens diferente, que fosse feita a pergunta
também têm suas respostas. Mas e outro desse a resposta e ficaria
se esse é um encontro de abertam as opiniões. (Edilma
adolescentes, era preciso haver uma Queiroz, Escola Pernambucana de
troca de idéias, porque eu posso ter Circo, Recife – PE).
uma opinião e um jovem de outro
lugar pode ter outra. Haveria uma

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Não tão fútil quanto, com certeza,  Talvez se fosse mais bem
me sentirei em um encontro de coordenado, seria bem mais
jovens e adolescentes feito para proveitoso. A idéia foi boa.
educadores (20 anos, Paulista -  Ora o meu foi bom, respostas
PE). respondidas com perguntas, mas
 Para mim esse momento poderia que enjureia, há enjureia, parabéns
ter sido mais rico e quanto à pelo trabalho, tenho certeza que a
discussão não se teve à pergunta se realmente interessou,
oportunidade. vamos correr atrás e “desvenda-
 Ótima experiência este debate, las”. (Luciano, São José dos
pena que para mim não fluiu da Campos – SP).
melhor maneira. Para mim foi um  Gosto muito de coisas diferentes e
acréscimo, embora a disperssão e se este debate foi diferente. Foi legal
irritação tenha me frustrado! porque as pessoas deram um jeito
(Filipe castro, 18 anos Natal – de responder as perguntas com
RN). outras e sintetizar a fala. Também
 Quando as são da proposta da foi bom ver adolescentes e jovens
atividade, permito-me a participar, cobrando deles/as mesmos/as o
a partir do momento em que se cumprimento dos deveres (do
dispersou/ persistiu num só exercício da cidadania). (Valéria,
assunto, me senti desrespeitada no 21 anos Recife – PE).
momento de me permitir a  Essa discussão só com perguntas
responder as minhas e as outras forçou-me a raciocinar a juventude
perguntas.(Mayse, 20 anos, grupo sobre minha própria experiência e
UAI, Uberaba-MG). meu conhecimento de mundo.
 Bom eu me sinto bem quando eu Quando nos é proposta uma
pergunto e detenho a resposta, pois situação tão comum no nosso dia à
eu acho que nós estamos aqui no ida (perguntas sem respostas)
debate para tirar algumas dúvidas. passamos a criar saídas e soluções
Acho que para se obter um debate aos problemas que nos são
tem que ter pergunta e para cada apresentados. (Patrícia Aguiar, 15
pergunta tenhamos que obter a anos, S. J. Campos – SP).
resposta.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 No primeiro momento eu não  Sinto-me preso em modelo de


gostei da forma como foi debate imposto e não proposto, do
encaminhado o debate, ou seja, qual foi mais debatido o seu
respondendo, respondendo uma modelo do que as próprias questões
pergunta com outra. Depois fiquei fundamentais que foram discutido
atenta a todas as perguntas e achei nas oficinas, modelo esse que não
que foi bastante proveitoso, pois se promove enfrentamentos de idéias e
as perguntas fossem realmente avanços na discussão. (Daniel
respondidas, talvez houvesse maior Reis, Movimento Nacional dos
insatisfação, uma vez que o que é meninos e meninas de rua, Recife –
certo para mim pode não ser para PE).
o outro. O ponto negativo que achei  Para mim o debate foi diferente,
do debate, é que as perguntas mas foi ótimo, pois cada pergunta
ficaram direcionadas a um ou dois descobrimos que a resposta estava
temas, e não procuraram enfatizar dentro de nós mesmos. E cada um
o que foi trabalhado nos demais pode responder as respostas das
grupos (Ana Josefa – Cruzeta, mais diferentes maneiras e
SP). necessidades. (Dulciléia, 41 anos –
 No início do debate um pouco PSF, Lavras MG).
conturbada com as diferenças em  Por mais que as pessoas tenham se
relação aos que já participei. Foi sentido dispersas, percebi que ao
com o surgimento das novas final de cada pergunta a resposta
perguntas que pude perceber que ou até mesmo uma contribuição
algumas tinham respostas mais saltitava dos olhos da maioria das
simples do que pensava, bastava pessoas e que estas queriam muito
apenas fazer a minha conclusão se expressar. Percebi também que
(16 anos, São José dos Campos). muita gente ainda não está
 Além de ser uma idéia diferente e preparado para mudanças e que
divertida, causando um lance meio existe ainda muito
de insatisfação me faz refletir, questionamento, muita vontade de
fazendo com que eu fique mais à aprender. Os sonhos não podem se
vontade para perguntar e não perder ao final de uma pergunta e
necessariamente eu preciso ter uma sim começam a partir dela. As
resposta, mais se eu não tiver eu mentes brilhantes estão por aí,
corro atrás, e assim não tendo questionando, respondendo, se
atitude de se acomodar como atrás construindo.
dos meus objetivos (Lene, 20 anos
– PE).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Quanto mais nos aproximamos quero fazer perguntas com a


das respostas, mais dúvidas e resposta nela mesmo. (Josenilton,
questionamentos surgem. Acredito Escola agrícola de Jundiaí).
que o ideal seria nos unir, defender  Não me senti muito bem, porque o
e confiar que podemos mudar. que era para ter sido um momento
Agir com responsabilidade e ser de aproveitamento para os jovens,
nós mesmos. (Márcia, Lavras – acabou sendo um bate boca sem
MG). sentido, pois se isto estava
 No início achei muito interessante, programado para ser um momento
mas no decorrer do debate percebi educativo acabou sendo um
que gerou uma guerra onde a momento de coisas vulgares. Afinal
expectativa era ter a resposta do o ENA significa Encontro
outro com frase já formulada e não Nacional de Abobrinhas, ou
obter sua próprias respostas com as Encontro Nacional de
perguntas seguintes, daí estar o Adolescentes? Queremos aproveitar
medo de experimentar o novo pelo o tempo, pois o tempo é curto.
costume de outros debates. Adorei (Luana Ferreira, 15 anos, E. E.
a nova experiência. (PE) Joaquim José de Medeiros,
 Sinto do debate um pouco confuso, Cruzeta – RN).
pois as pessoas não estavam  Uma experiência nova e muito
entendo que nas perguntas poderia gratificante. Fez-me refletir uma
estar as respostas. Talvez as nova possibilidade de aprender e
pessoas pensando em suas respostas refletir sobre os temas que tanto
responderiam suas perguntas. O discutimos e conversamos em nossos
fato das pessoas não estarem grupos/ instituições, atividades...,
acostumadas com debates também Mas infelizmente não são todos
incomodou, mas a intenção é que que estão prontos para sair da
vale! (Daniely, 15 anos Grupo estrutura padrão de ensino que vive
TUMM). e a falta do pensar de buscar,
 Perguntar é falar de uma dúvida pesquisar é uma coisa que a cada
que ficou no momento. No debate dia vem se desintegrando entre os
de pergunta rola muita dúvida hábitos e costumes dos nossos
principalmente se tiver usado adolescentes e jovens. Mas desde já
palavras em parônimos. Devemos foi muito bom parabéns para todos
tentar responder fazendo outra que pensaram em seu
pergunta. No debate rolou muita desenvolvimento.
confusão porque não sabe ou não

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Tive a sensação de que as respostas  Eu achei que o debate não foi


são relativas: dependem do que eu aproveitado como deveria ter sido,
compreendo, ou melhor, do que porque teve algumas idéias que não
cada um se propõe a entender. tinham nada a ver com o assunto.
Nunca haverão respostas certeiras Por isso não foi muito proveitoso,
para perguntas que se relacionam à mas valeu a pena. (Lafaiety, 13
vivência, pois cada ser humano é anos, Rio Claro).
único e cada compreensão é uma.  Primeiro me senti sem resposta e
A forma mais produtiva então, um pouco triste e estressado, pois
acredito que seria a troca das queria ter tirado minhas dúvidas
compreensões para se construir, para o melhor esclarecimento sobre
com um pouco de cada próximo, saúde sexual e reprodutiva e
uma idéia final mais próxima do gênero, entre outros. (Francisco de
objetivo. (Lailah, 17 anos, Assis, 27anos, Beija-flor,
Evolução, Lavras-MG). Canguaretama – RN).
 Senti-me contente com a forma  Às vezes é difícil saber os sentidos
utilizada para o debate, mas acho usados a um não sentido
que muitas pessoas não entenderão encontrado, como posso me sentir
o objetivo e foram bastante em um momento tão importante
relutantes com relação a perguntas como o ENA com tantas
que já sabiam a resposta. Afinal perguntas sem respostas? (Pau dos
não é necessário que alguém Ferros – RN)
realmente responda com respostas  Porque nós adolescentes tivemos a
“diretas” para o seu oportunidade de perguntas e não de
entendimento.(Taís Lima, 16 respostas. (Alessandra, 15 anos,
anos, Evolução, Lavras-MG). Nataraca – PB).
 Angustiado com dúvidas que eu  Quando a gente não tem resposta
tinha há 10 anos atrás quando ficamos perdido no meio da
fazia parte da PJMP (Pastoral da discussão (PE)
Juventude do Meio Popular) e que
 Senti-me extremamente inútil
agora me parece ainda existir com
perdendo uma tarde inteira em
os jovens de hoje. (José Alves, 31
meio a perguntas (20 anos, Rio
anos, Plan-Brasil, Cabo Santo
Claro – SP).
Agostinho – PE).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Apesar de muitas pessoas não  Eu gostei das perguntas dos


perceberem, as perguntas estavam adolescentes, mas quero respostas,
sendo respondidas com outras quero informações.
perguntas (Diego Fernando, 16  Bom, eu gostei muito desse debate,
anos, S. J. Campos – SP). mas se as pessoas tivessem
 Eu me senti como se estivesse num aproveitado mais, teria sido bem
tribunal (anônimo) melhor e menos cansativo. (Greice,
 Senti-me perdida, pois com esse 17 anos, Rio Claro).
método não consegui compreender  Debate só de perguntas: algo
muita coisa, mas assimilei que diferente, basta refletirmos sobre as
existem muitos jovens cm dúvidas perguntas e procurarmos dentro de
que precisam serem expostas, isto nós mesmos as respostas certas,
me deixou aliviada por saber que mas por outro lado é bom que
não sou a única (17 anos, Natal possamos ouvir que acha o outro
– RN). sobre determinado assunto.
 Eu achei horrível, fiquei calada (Micarla, 19 anos, Natal – RN).
sem ter o direito de responder, me  O debate foi bastante instrutivo,
senti inútil (20 anos, Recife-PE). pois teve muitas perguntas que não
 Foi bom assim os adolescentes tinha nada ver com o encontro de
refletiram sobre as perguntas feitas Jovens. (Léo, Fundação Fé e
esse debate. (Lavras – MG) Alegria do Brasil Natal – RN).
 Confuso em relação a tantas  Foi horrível, não chegamos a lugar
perguntas e perguntas (Alexandre nenhum, saímos dos objetivos e da
Paulo, 19 anos, Lavras – MG). temática, promovendo frustração,
raiva e chateação. Acredito que
 Eu me senti totalmente vulnerável,
perdemos uma tarde inteira...
sem saber o que fazer foram várias
Infelizmente (14 anos, Natal –
dúvidas que talvez alguém
RN).
respondendo melhoraria algum
conceito. (Lavras – MG)  Na verdade por uma parte não
estou muito bem, porque debate
 Eu gostei, mas devido ao
não é só uma pessoa fazendo
desinteresse das pessoas ficou
pergunta, mas todas as pessoas
cansativo. Se fosse um debate com
participando, mas mesmo momento
perguntas e respostas, talvez teria
estou muito feliz em estar neste
sido mais proveitoso. (Larissa,
evento, pois estou muito feliz em
Lavras – MG).
conhecer novas pessoas. (Maria da
Conceição, Natal – RN).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Assim que eu cheguei me senti um  Eu adorei essa idéia de debate,


tanto quanto perdido, mas depois pois assim nós mesmos conseguimos
entendi o quanto perguntas as respostas. Mas achei que não
respondem desde que você esteja deveriam fazer respostas bobas e
realmente interessado (18 anos, sim sobre o que viemos fazer aqui
Natal – RN). no ENA. (Maria Fernanda, 15
 Sem resposta, com dúvidas e nada anos, Rio Claro).
esclarecido. Não me adianta  Nesse debate todas essas respostas
perguntar tanto e as minhas tenho dentro de mim, todas essas
perguntas não serem esclarecidas, perguntas serviram para eu refletir.
me senti sem direito ou Mas seria bem legal ouvir o que o
esclarecimento. meu colega tinha a dizer, pois
 Esta discussão não foi muito talvez eu iria pensar melhor nas
proveitosa! Porque a gente veio minhas respostas. (Paula, 17 anos,
para cá na intenção de perguntar e Natal – RN).
responder! (Inácia Regina, 15  No começo encontrei respostas, mas
anos, Natal – RN). depois o debate tomou um rumo
 Eu me senti bem, aceito as tolo, pois os temas que estão
diferenças, mas acho que poderia gerindo o ENA deixaram de ser
ter sido melhor (20 anos R.C. – discutidos para se discutir o
SP). próprio debate. A “covardia” das
 Indignada, pelo fato de que tantas pessoas, quanto a novidades
perguntas precisando de soluções e acabou por marcar o debate, ao
a gente apenas expondo-as sem invés de temas mais importantes,
tentar achar soluções, porém, gera como meio ambiente, direitos (no
a curiosidade em torno de tudo que geral), gênero arte e educação, etc.
foi exposto. Tem fundamento? (14 anos, Natal – RN).
(Evanúsia, Canto Jovem, Natal –  Eu tive uma sensação muito boa
RN). porque não sabia que era possível
 Neste debate de perguntas foi responder uma pergunta fazendo
interessante, pois para quem outra. Conclui que existe resposta
refletiu além das perguntas bestas para todo tipo de pergunta dentro
porque cada pergunta trazia um de cada um de nós. Todas as
pouco de respostas só não percebeu respostas estão dentro de quem
isso quem não entendeu para que quer lutar por um mundo melhor.
serviu esse debate. (Elaine, 15 (Marcone dos Santos, 23 anos –
anos, Natal – RN). Escola Agrícola de Jundiaí –
RN).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 A princípio não compreendi direito  Senti-me um bobo. Num mundo


o motivo de só poder fazer com tantas perguntas sem
perguntas e mais perguntas; depois, respostas, sem soluções, vem um
observando a inquietação dos debate como este só nos lembrar de
outros e a minha também, notei mais e mais problemas que nosso
que isso muito nos fez crescer, mundo passa e que mesmo se
tantos “porquês”? E “serás” sem tentamos resolver quase nuca
respostas me fez parar e pensar se conseguimos. (Daniel Samy, 16
por acaso eu mesma não tenho a anos, Natal RN).
resposta à minha pergunta ou a de  É uma pena que certos
outro. Porque sempre se acha que adolescentes e jovens não tenham
os outros terão as resposta sendo consciência e continuam batendo na
que os outros, dos outros: somos mesma tecla das perguntas fúteis.
nós mesmos? Em algum momento Senti-me mal ao saber que muita
teríamos de responder talvez agora gente que vem ao ENA não está
ou daqui a 10 anos, mas iríamos. mobilizado de que este encontro é
E outra coisinha “A paciência é sério e muito importante para o
uma virtude”, o Jorge que o diga! nosso próprio crescimento.
(Anilisa Ferraz, Atitude (Tâmara, 18 anos TABA,).
Consciente, Rio Claro – SP).
 Eu, enquanto adolescente,
 Foi muito legal participar desse participante do MAB, a idéia de
debate, mas a questão de gênero um debate de perguntas, acho que
restou uma pergunta, será que se para quem sobe aproveitar foi
eles estivessem o direito de dormir muito enriquecidos, porém senti
juntos iriam ter a responsabilidade que muito dos presentes não
de se prevenir e se cuidar? (Jéssica, entenderam essa idéia. Saio deste
12 anos Natal – RN). debate satisfeito com muitas das
 Eu me senti meio que perguntas e preocupado com
embaraçados, mas desde o começo atitudes de alguns. Acho que foi
eu imaginei que esse debate seria muito um pouco tumultuado. As
para mostrar como a sociedade dá pessoas ainda não estão
importância para os adolescentes, acostumadas para esse tipo de
acho que a falta de resposta é a atividades e isso foi um bom
realidade do nosso dia a dia, às começo. (André Luís Jerônimo, 18
vezes em casa, na escola, etc. anos, grupo TUMM, Mococa-
SP).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Esse debate só serviu para mostrar  A minha pergunta não foi


que um mundo de perguntas sem respeitada, as pessoas a
respostas. Torna-se algo vazio, sem consideração é de pouca
sentido, que nos deixa angustiados importância. Isso é respeito a
sem conseguir entender a verdadeira diversidades. Acho que os direitos
finalidade das coisas, ficando então não foram respeitados: o direito de
com cabeça cheia de dúvidas, sem perguntas e receber resposta acho
saber assim como encontrar a também que para cada pergunta
solução para o devido problema. tinha que haver uma resposta. (16
(Andreza, 15 anos, canto Jovem – anos, Porto Seguro – BA).
Natal).  No início sinceramente não gostei,
 Foi uma experiência de muita mas no final realmente deu para
aprendizagem. Foi o princípio de esclarecer algumas questões, idiotas
um agir diferente que pede mais mais questões. No meu pensar é
reflexão sobre si mesmo, o próprio uma forma de refletir e de pensar.
agir. Como educadora, obtive Estou hoje num encontro Nacional
inúmeras respostas sobre o de Adolescentes é isso mesmo
trabalho, a própria vida, sobre pensar, refletir, entender sozinho.
minha subjetividade. Sobre grupos, Pena que alguns não souberam
construção coletiva, sobre como a aproveitar! (Dani, 17 anos, SOS
transformação tem de dor e de Adolescente, Campinas – SP).
amor. (Carla-Lavras)  Quando a gente não tem respostas,
 No início, achei a idéia a nossa curiosidade e vontade de
interessante, ao longo do debate saber vai além e sempre achamos
comecei a achar monótono, então as nossas respostas, é uma forma
parei e pensei, por que? (é uma de crescer e se conhecer, e ver que
pergunta) porque se a idéia é boa, temos opiniões formadas sobre as
pois só assim tenho como ter coisas e perceber como uma única
minhas idéias e posso auxiliar a resposta é importante, ou seja, se
outros que não tem coragem de eles tivessem sido dadas será que
perguntar, pois foi dessa forma que iríamos ficar realmente satisfeito?
fui ajudado. (Daniel, agente jovem, (Ariana 17 anos, Campinas –
Natal – RN). SP).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Achei que deu para aprender sim.  “Foi muito interessante o debate de
As pessoas precisam aprender a perguntas, saímos do tradicional e
tirar mais proveito das situações. construímos o novo”.O novo coloca
Aprendi, refletindo as perguntas medo, assusta, mas tem um efeito
que lançadas na arena. As pessoas fantástico. (Carlos, educador –
também devem parar de perguntar Fundhas).
perguntas com intenção de fazer  Bom, no início fiquei interessada o
gracinhas toscas. (19 anos, Lavras que iria começar. Mas ficou meio
- MG). sem fim, perguntas interessantes
 Senti que todos estavam outras não. Mais é pra vê que nos
desesperados por respostas, e cheios jovens temos o potencial de
de dúvidas e não viram que para interrogar, perguntar etc. Tipo
uma pergunta podem existir mais assim foi produtivo, porque nós só
de uma resposta e que nem todo vivemos com respostas, porque não
mundo pensa igual! Estão todos uma tarde só de perguntas. (19
tão acostumados a ter respostas anos, João Pessoa – PB).
prontas que a idéia de pensar em  Aconteceu o seguinte que muitas
sua própria pergunta, os tiraram perguntas foram feitas. No meu
da mesmice que estão acostumados! consentimento fosse respondidas,
(18 anos, Rio Claro – SP). mas não foi isso que aconteceu
 Adorei o debate, só não gostei que apenas estavam puxando um
as pessoas não entenderam. debate que discutiram e as
Pessoalmente tive muitas respostas, respostas que eram para ser
gostaria de participar de outro, respondidas. Isso não aconteceu,
mas que realmente debatesse sobre parecia que com a ironia estava
cultura, arte, educação, etc. Pessoas chateando os demais participantes e
que não participaram nunca de isso as minhas dúvidas ainda
nenhum encontro, realmente não ficaram, não todas, mas a grande
podem participar do ENA. maioria. (Cláudia Daniely, 15
 Agoniou um pouco! Mas a anos, Nata – RN).
resistência à mudança foi superada.
Saí com muitas reflexões que com
certeza amadurecerão e virarão
busca por respostas e até possíveis
respostas. (Leonel, 19 anos, Rio
Claro-SP).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Senti-me como uma mesa de ping-  Achei a proposta muito


pong, pergunta prá lá, pergunta interessante, inovadora e criativa,
prá cá e debate de verdade que é porém fiquei muito desapontada
bom nada. Alguns falaram que por ser que muitos não
temos as respostas dentro de nós, compreenderam o objetivo do debate
do que adianta tê-las e não poder e não souberam (não conseguiram)
falar. Se for assim não adiantou como deveria participar. (Conrado,
nada esse quatro anos que sou 19 anos, Lavras – MG)
multiplicadora. Já que num debate  Tudo que é novo gera conflitos. O
simples como esse, não pude debate com perguntas implica na
expressar minhas idéias e responsabilidade de pensar e
conhecimentos, imagina na vida repensar qual é o meu conceito
cotidiana. diante de uma pergunta. Um
 Na realidade é muito engraçado e primeiro momento de conversar e
ao mesmo tempo curioso, porque discutir uma metodologia nova é
como eu vou fazer perguntas sem importante para conhecer o objetivo
respostas? Eu não tive a dessa nova proposta de trabalho e
oportunidade de participar participar com responsabilidade e
efetivamente, mas o pouco que pude comprometimento. (Isabel, 26
ver e perceber é que eu mesma anos, Lavras-MG).
posso parar e pensar que vou  No meio de pessoas que buscam
alcançar as respostas (Ana Paula, sempre respostas nos outros se
Natal – RN). esquecendo que a maioria das
 Senti-me muito bem por poder resposta em si. E a maioria das
experimentar uma maneira nova perguntas, muitos já sabiam. Senti
de debater. Depois fiquei que precisamos estar abertos a este
incomodada porque as pessoas não tipo de debate, pois não existem
aproveitaram. A ficha não caiu. aqueles que não nos dará respostas
Teria sido muito legal mudar de pronta como queríamos. Mas vai
assunto, mas entendo que essa é nos levar a uma reflexão maior e
uma experiência nova e o novo com certeza no dá uma resposta
incomoda um pouco. Acho que das mais firme baseada em nosso
próximas vezes vai ser melhor. interior. (Cristiane, 24 anos,
(Leonora, Liberta – PB) Lavras – MG).

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 Um tremendo idiota, pois começou  Nervosismo. A idéia, a


legal depois tornou-se uma metodologia, foi ótima. O
palhaçada sem palhaço. Não teve adolescente/ jovem sempre aclamou
graça nenhuma. Nenhuma pelo espaço de construir os conceito
“resposta” me serviu, pois não e a educação, mas é muito difícil de
aconteceu o que entendi que foi as mudar o que vem acontecendo há
perguntas eram respondidas com séculos. Faltou uma explicação
outras perguntas. Mas, a intenção preparatória para esse debate.
foi boa. (Franklin, 16 anos) Temos medo e ouvir respostas é
 Foi uma das minhas melhores muito mais confortável. Parabéns
experiências, não só enquanto pela iniciativa, essa idéia (ao
profissional, mas também contrário do parece) ainda vai
enquanto pessoa e mulher. Uma gerar muitos frutos em meu grupo.
mulher que acredita cada vez mais (Vanessa, Rio Claro – SP).
na força destes adolescentes para  Eu não me senti nada bem. Foi
que possamos fazer juntos um apenas uma perca de tempo,
mundo melhor. (Elaine, 43 anos, devíamos estar fazendo outra coisa
Reprolatina, Campinas – SP). muito mais importante. O que
 Eu senti e sinto que toda vez que aconteceu foi apenas um debate de
as questões do MAB que carregam perguntas sem nenhum sentido.
valores preconceituosos, excluidores, Devemos lembrar que o tempo é
homofóbicos e machistas (exemplo é pouco e devemos aproveitar o
a questão dos alojamentos: máximo possível, as pessoas se
masculino e feminino) parecem são alteraram demais, isso se tornou
derrubadas com conceitos chato, provocou muito sono em
moralistas e repressores. Muita estar pesando e se colocando diante
agressividade rolou também. (20 de tantas bobagens. Está-se aqui,
anos, SP). vim à procura de alguma coisa, o
 Senti-me todo momento provocado que adianta ter falado tanto de
a participar, pois não era educação se o que era para ser
monótona (Recife, PE, 22 anos). educativo acabou sendo um
momento de dor de cabeça. Espero
que isso não aconteça mais, pois
gostei muito, como estava antes, se
continuar desta maneira, tudo se
tornará mais complicado. (Ingrind,
14 anos, Cruzeta – RN).

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

 Estou encantada com o poder de  Me senti interessado e contente pela


discussão dos jovens, porém nova proposta de condução do
acredito que a organização do debate. Ao mesmo tempo,
ENA acrescer nas suas regras e preocupado com o desenrolar, mas
princípios todo o andamento do muito feliz por perceber a
evento, pois com certeza a hora de possibilidade de todos observarem a
dormir, canto, forma, etc. será de importância de refletirem sobre seus
acordo com o que for melhor para conhecimentos e práticas pensando
eles. O debate de perguntas não é na própria mudança e na resolução
tão adequado para o público. Acho de seus problemas.
que o Sérgio ficou em situação de  No primeiro momento fiquei um
constrangimento e que ele tem pouco atordoado, com tantas
competência para tal. perguntas dividindo a arena, mas
 Perguntas sem respostas, dúvidas. logo percebi que tantas perguntas
Medo, receio, peso na consciência, só iriam servir de subsídio para o
raivinha, interesse, tesão, tensão, encontro. Diante disso tudo, só
desafio e respostas. Apesar de espero que a prática prevaleça e
sentir tudo isso o interesse e até o que tenhamos muito sucesso.
humor foi maior do que em um (Antônio Gomes, educador da
debate de respostas. Uma das escola indígena, Baia da Traição).
experiências positivas que em curto  Feliz porque há jovens e
espaço de tempo provocou uma adolescentes que questionam e
avalanche de reflexões. O maior procuram novas questões para
desafio está em amarrar esse debate solucionar seus grilos. Preocupada
ao tema e associar isso ao tema do porque alguns ainda precisam de
dia. Foi muito bom! (Guilherme, respostas prontas para que, aos
18 anos, CURC-Voz Ativa) poucos, possam reconstruir mas
 Eu me senti muito ingrato, pois perguntas. Dúvida: como os pais,
nunca tinha estado num momento educadores e adolescentes que se
como este, de perguntas sendo dizem preparadas estão
respondidas com outras perguntas. devidamente preparados para
Minha resposta é o que nós levantar questões de questões? Será
fizemos. Foi mais uma experiência que em algum momento de suas
para nossa vida, com adolescentes. vidas passaram por
Eu fico muito feliz, pois me questionamentos como esse?
esclareceu muito. (Edílson, 17 (Mococa-SP).
anos, PE).

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 O debate foi proveitoso, pois  Me senti sem respostas, não no


promoveu algumas e boas respostas sentido de querer respostas prontas,
com as sucessivas perguntas. A mas de querer discutir sobre cada
verdade absoluta e final não pergunta que é feita. Acredito que
pertence à ninguém. A reflexão é o que nos faz crescer seja a reflexão
mais importante do que a tentativa a partir do diálogo que fazemos e
de respostas e isso é verdadeiro escutamos a opinião do outro, para
independentemente das opiniões a partir delas, buscar a nossa.
contrárias. O objetivo de vocês foi Muitas vezes não temos mesmo, a
alcançado. O único ponto negativo menor idéia de como responder
foi o não aproveitamento de alguns nossas dúvidas, e, precisamos
jovens por estarem maiôs discutir sobre cada uma e formar
preocupados com a forma do que (construir) nossas próprias
com a proposta. Eu respostas, ou pelo menos, clarear as
particularmente não teria nenhuma dúvidas (Weid Souza, 22 anos,
resposta para dar, mas daria Natal-RN)
muito fomento à intensidade do  A partir desse barraco pude ter
debate. (Denise Araújo, 21 anos, algumas reflexões e descobrir que
Natal-RN) aqui é onde “exatamente” começa
 O problema é que acabamos nos o ENA XII. Nós queremos a
acostumando com informação voz é ela começou dentro do meu
mastigada, pronta para ser grupo e continua aqui, um pouco
“engolida”. Até mesmo nas escolas ainda menos ativa, mas logo será
não nos é incentivado o pensar, o ativada. Adorei. (Daniele, 16
refletir; questionar por exemplo se anos, TUMM, Mococa-SP).
nós animais racionais e irracionais  Eu, estou com uma grande
somos os únicos seres vivos do interrogação na cabeça, me senti
universo, questionar uma teoria de extremamente incomodado, mas ao
Einstein... Quando somos mesmo tempo feliz por existirem
incentivados ou induzidos a pessoas que possuem as mesmas
procurar as respostas nas nossas questões que eu. Não gostei!! Não
cabeças, nos nossos mundos, nos sei se tem objetivo!!! Não existem
portamos indiferentes? É necessário respostas, só perguntas escritas na
que nós aprendamos a construir os areia que o mar apagou.
nossos próprios conceitos ou até (Fernando, 22anos, Rio Claro-
mesmo,termos a humildade de SP)
dizer: não sei! (Andrezza, Rede
Sou de Atitude, SSA-BA)

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 Gostei muito da idéia das  O debate foi muito bom só que


perguntas, e acho que a pesar de ficamos rodeando muito no
sermos do século XXI, estamos assunto, só poderíamos falar de
presos a uma idéia completamente coisas muito mais interessantes.
velha onde deve ter perguntas e Por exemplo: sabemos dos perigos
respostas e então eu pergunto, onde de transar sem camisinha de pegar
está a reflexão de cada um? A as DST, será que o prazer é maior
busca de igualdade num do que o conhecimento, a
adolescente? Está dentro de nós. consciência e a saúde. (Raidir, 18
Acho que o povo se prendeu ao anos, Pau dos Ferros)
passado, e mais uma vez cadê a  Eu acredito que deveria ter sido
reflexão do século XXI? Será que explicado o que deveria se fazer e
todos estão preparados para uma qual a função do debate, pois havia
coisa nova? (Paula, 15 anos, uma certa imaturidade e uma visão
Canto Jovem, Natal-RN). extremamente fechada. Mas achei
 Tenho as minhas respostas, porém interessante, pois é uma maneira
não ouvi o que outras pessoas diferente de refletir sobre alguns
pensam ou opinam. Todo mundo assuntos e perceber como
tem resposta para uma pergunta, determinadas perguntas nos
que é individual, mas as idéias que incomodam e exigem uma reflexão
compõem são uma construção na maneira que agimos. Uma
coletiva que deve ser trocada. A sugestão legal é balancear num
reconstrução de valores começa de próximo debate, para que essas
dentro para fora. Seria bacana que perguntas respondidas
o que foi trabalhado nos GDs internamente possam ser
fosse socializado para que ocorram enriquecidas com a opinião de
discussões dentro do grupo de outras pessoas. (Larissa Nadai,
origem, como as questões de gênero, Atitude Consciente, CV-Rio
meio ambiente, deveres, etc. ... que Claro).
são delicadas. (Ariane – TABA,
Campinas-SP)

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 Fiquei “puto” da vida, porque o  Vivemos em um mundo cheio de


pessoal simplesmente não discutiu o desigualdades em todos os sentidos.
proposto, não conseguiram aceitar Eu vim de tão longe, viajei mais de
algo novo, não deixaram os outros 2000 Km, para chegar aqui para
pensarem por eles mesmos. aprender e vejo que neste debate só
Ditadura é quando pensa por você tinha gente preocupada em xingar
ou por alguém. Não deixa você o outro. Mas tenho certeza de que
tirar as suas próprias conclusões. cada um que está aqui vai refletir e
Fique profundamente decepcionado vai chegar ao censo que se fez o
com o pessoal do debate, mas, do certo ou o errado, se o que fez foi
ponto de vista dos facilitadores, bom ou ruim para ele. Fico meio
achei muito bom o debate desse chateado porque eu tenho vontade
modo. (Basso, 18 anos, Rio Claro- de participar e outros não.
SP) (Orestes, 19 anos, Lavras-M).

 Me senti assustada ao ver os questionamentos dos jovens e adolescentes que


tanto pedem por direito de construir por ter autonomia e os mesmos tantos
cobraram respostas prontas. Porque tanto medo de olhar dentro de si mesmo e
descobrir que as respostas estão dentro de nós mesmos? Será que é porque
descobrindo este fenômeno estaremos descobrindo também que as respostas vem
acompanhadas com responsabilidade e compromisso? Porque o medo de
construir e fazer sua própria história? Porque tantas máscaras?
(Hermenegilda, PSF, Lavras-MG)

 Eu me senti mais conhecedora de mim quando as perguntas abordavam o


assunto a ser discutido, eu busquei as respostas dentro de mim (como estava
proposto), mas, quando as perguntas foram se desviando do assunto me senti
desrespeitada, pois muitas perguntas não tinham nexo (Letícia, 15 anos,
Uberaba – MG).

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Sobre os/as autores/as


André Sobrinho| Sociólogo, sócio-fundador da ONG Canto Jovem.
Mestrando em Educação (2010-2012) pela Universidade Federal
Fluminense; Pesquisador-colaborador do Observatório Jovem do RJ e do
Coletivo de Investigadores em Juventude da Faculdade Latino-americana de
Ciências Sociais (FLACSO). É fellow Ashoka e líder-parceiro da Fundação
AVINA. Conselheiro do Conselho Nacional de Juventude (2010-2012).

Benedito Medrado | Doutor em Psicologia Social, Professor dos Cursos


de Graduação e Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de
Pernambuco; Coordenador do Núcleo de Pesquisas em Gênero e
Masculinidades (Gema/UFPE), Presidente da Associação Brasileira de
Psicologia Social (ABRAPSO 2010-2011), integrante da coordenação do
Instituto PAPAI e da Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG).

Camila Leite | Mestre em Educação Brasileira e pedagoga pela Pontifícia


Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Arte-Educadora e
coordenadora geral do Instituto de Arte TEAR, no Rio de Janeiro.

Cláudia Ribeiro | Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação pela


Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Professora associada do
Departamento de Educação da Universidade Federal de Lavras - UFLA -
MG; coordenadora do GT 23 - Gênero, sexualidade e educação da
Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação; membro
do GT Brasil sem homofobia do MEC.

Francisco Cabral | Psicólogo Clínico com Especialização em Sexualidade


Humana e MBA em Marketing; Pesquisador e Capacitador Sênior da
Reprolatina Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva, e
Coordenador Técnico do Programa Vale Juventude – Instituto Aliança com
o Adolescente.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Helena Wendel Abramo | Socióloga, assessora da Comissão


Extraordinária Permanente da Juventude na Câmara Municipal de São
Paulo. Implantou e coordenou a área de juventude da ONG Ação
Educativa entre 1995 e 1997. Coordenou pesquisas nacionais e regionais
para América do Sul na área de juventude e participação. Publicou diversos
artigos e ensaios na área da juventude. Foi conselheira na primeira gestão do
Conselho Nacional de Juventude (2005 a 2007).

Jorge Lyra | Doutor em Saúde Pública pelo Departamento de Saúde


Coletiva do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fundação Oswaldo
Cruz, Psicólogo, um dos fundadores e atual coordenador geral do Instituto
PAPAI e integrante da Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG)

Leonel de Arruda Machado Luz | Graduado em Administração Pública


pela Universidade Estadual Paulista - UNESP - Integrante da Coordenação
do Centro de Voluntariado de Rio Claro - Ponto de Cultura Rio Claro
Cidade Viva.

Margarita Díaz | Enfermeira Obstetra pela Universidade do Chile;


Educadora Sexual pelo CESEX/Ministério da Educação/ Ministério da
Saúde; Mestre e Doutora em Educação pela UNICAMP, Presidenta da
ONG Reprolatina – Soluções Inovadoras em Saúde Sexual e Reprodutiva.
Consultora da OMS, Representante para América Latina da rede BIAS
FREE e integrante de outras associações como ALIRH , SBRASH, CLAE ,
EXPANDNET, ABGLT, GALE.

Maria Teresa de Arruda Campos | Psicóloga e pedagoga. Mestre e


doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Unicamp (Grupo
Violar). Coordenadora de grupos de adolescentes e consultora em projetos
de juventude. Membro fundadora do Movimento de Adolescentes do Brasil
(MAB).

Maryellen Oliveira |Bacharel em Psicologia pela Faculdade de Americana.


Pós-Graduanda no Curso de Especialização em Saúde Mental na
Universidade de Ribeirão Preto. Supervisora Regional de Desenvolvimento
Social do Projeto Guri / Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Raika Julie Moisés | Graduada em Comunicação Social - Habilitação


Jornalismo pela Universidade de Uberaba (2005). Consultora em
Comunicação no Instituto Interamericano del Niño, la Niña y Adolescentes
- Organismo Especializado da Organização dos Estados Americanos. Tem
experiência na área de Comunicação, com ênfase em Educação, Registros
Audiovisuais, Revisão de Textos, Produções Culturais e Pesquisas.

Ricardo de Castro e Silva | Psicólogo, Psicodramatista, Mestre e


Doutorando pela Faculdade de Educação da UNICAMP. Coordenador
Pedagógico da ONG Taba- espaço de vivência e convivência do
adolescente.

Rita Mendonça | Psicóloga, especialista em Sexualidade Humana,


mestre em Psicologia Social e doutoranda em Educação – UFRN. Sócio-
fundadora das ONG’s CANTO JOVEM e RESPOSTA coordenou Projetos
com o UNFPA, Ministério da Saúde e da Justiça, ex-presidente do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e de Adolescentes- Natal/RN.

Rodrigo Correia | Estudante de Filosofia, Coordenador jovem do


Programa Vivendo a Adolescência da Reprolatina, facilitador de formações
de adolescentes e jovens na área da saúde sexual e saúde reprodutiva,
Facilitador do Projeto Saúde e Prevenção na Escola, ex-presidente do
Movimento de Adolescentes do Brasil - MAB.

Thiago de Oliveira Andrade | Graduado em História pela Universidade


Federal de Minas Gerais - UFMG; mestre em Administração pela
Universidade Federal de Lavras - UFLA/MG; professor de História no
Ensino Médio e Ensino Superior em Lavras - MG.

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Adolescências em movimento | Lyra, Sobrinho, Ribeiro, Campos, Luz e Medrado (Org.)

Contato
Instituto PAPAI | www.papai.org.br | papai@papai.org.br

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