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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

MARCELA HARROP FONSECA MENDONÇA

DECISÃO JUDICIAL E PRECONCEITO EM FACE DE VALORES REGIONAIS

RECIFE
2015
MARCELA HARROP FONSECA MENDONÇA

DECISÃO JUDICIAL E PRECONCEITO EM FACE DE VALORES REGIONAIS

Monografia apresentada como requisito


parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito, pela Universidade Católica de
Pernambuco.

Área do conhecimento: Ciências Sociais


Aplicadas.

Orientadora: Prof.ª Ma. Rosângela Araújo


Viana de Lira

RECIFE
2015
MARCELA HARROP FONSECA MENDONÇA

DECISÃO JUDICIAL E PRECONCEITO EM FACE DE VALORES REGIONAIS

Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em


Direito, pela Universidade Católica de Pernambuco, por uma comissão examinadora
formada pelos seguintes professores:

_________________________________________________
Prof.ª Ma. Rosângela Araújo Viana de Lira– UNICAP

_________________________________________________

________________________________________________

RECIFE
2015
RESUMO

Palavras-chave: valores dos juízes e justiça; violação da ordem jurídica;


preconceito e discriminação.

O trabalho tem o objetivo principal de mostrar como os valores pessoais e culturais de


juízes influenciam e interferem nas suas decisões judiciais, não raras vezes infringindo
as normas básicas do direito e a realização da justiça. Dois estudos de casos foram
tomados como foco de investigação: um sobre preconceitos de raça e outro relativo à
orientação sexual. O trabalho conclui que, em grande número de casos, o magistrado
não consegue despir-se de seus valores, traumas, convicções filosóficas, ideologias
e crenças, uma vez que tais fatores são inerentes ao ser humano. E que, assim, a
neutralidade do intérprete é quase impossível. Todavia, quando o juiz julga dada
contenda utilizando conceitos axiológicos pessoais, sem oferecer às partes igualdade
de armas, contempladas em normas constitucionais e legais, assim como sem ater-
se às características do caso concreto e às provas produzidas, sua sentença será
flagrantemente parcial, violando o princípio da imparcialidade. O trabalho argumenta
fortemente, que se a neutralidade não pode ser totalmente alcançada, a
imparcialidade deve ser sempre, e em todos os casos, uma condição absolutamente
necessária para que se promova a justiça e se respeite a ordem jurídica.
ABSTRACT

Keywords: judges’s personal values and justice; violation of juridical order;


prejudice and discrimination.

The main objective of this work is to show how judges’ personal and cultural values
influence their judicial decisions, sometimes violating basic legal norms and even
obstructing the achievement of justice. This research is based on two focal points
illustrated by case studies: racial and sexual orientation prejudice. The work concludes
that in many cases, magistrates are not able to strip off their values, traumas,
philosophical convictions, ideologies and beliefs, which are inherent to human beings.
Thus, interpreter’s neutrality is almost impossible to achieve. However, when judges
judge a given dispute, using personal axiological concepts, and do not offer the parties
equivalent arms, as contemplated in constitutional and legal norms, and do not take
into consideration the specificities of the case, nor the produced evidences, their
sentences will prove to be blatantly biased, thus violating the principle of impartiality.
This research strongly argues that if neutrality cannot be completely achieved,
impartiality shall always be, in all cases, an absolutely necessary condition for the
promotion of justice, and for the respect of juridical order.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

1 DECISÃO JUDICIAL EM FACE DOS VALORES 08


1.1 O DOGMA DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE 08
1.2 IDEOLOGIA E DECISÃO JUDICIAL 11

2 MOTIVAÇÃO JUDICIAL E PRECONCEITO 15


2.1 DEFINIÇÃO DE PRECONCEITO 15
2.1.1 Preconceito quanto à orientação sexual no Brasil 17
2.1.2 Preconceito racial no Brasil 18
2.2 ANÁLISE E VERIFICAÇÃO DO PRECONCEITO EM FACE DE FATORES
REGIONAIS 21
2.2.1 Preconceito e discriminação racial no Sul e Sudeste 21
2.2.2 Preconceito e discriminação em relação à orientação sexual no
Norte e Nordeste 23

3 PSICOLOGISMO JURÍDICO 27
3.1 VALORAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL 27
3.2 REALISMO JURÍDICO NORTE- AMERICANO E REALISMO JURÍDICO
ESCANDINAVO 28
3.2.1 Realismo Jurídico Norte-Americano 28
3.2.2 Realismo Jurídico Escandinavo 31

4 DOS CASOS CONCRETOS DE PRECONCEITO RACIAL E PRECONCEITO


CONTRA A ORIENTAÇÃO SEXUAL 32
4.1 CASO CONCRETO REFERENTE AO PRECONCEITO RACIAL 33
4.2 CASO CONCRETO EM RELAÇÃO AO PRECONCEITO QUANTO
À ORIENTAÇÃO SEXUAL 44

5 CONCLUSÕES 52

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 54
7

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo principal investigar se valores pessoais e


culturais são capazes de interferir no julgamento dos juizes e magistrados
brasileiros no momento de proferirem suas sentenças. Como foco dessa
investigação dois temas foram escolhidos: o preconceito racial e o preconceito
quanto à orientação sexual.

Para esse efeito, serão preliminarmente examinadas questões relativas à


definição de preconceito, a valores e à ideologia, assim como à linguagem e às
expressões comumente utilizadas por juizes, com o propósito de identificar a
existência de preconceitos e discriminação em suas sentenças.

Em face da grande quantidade de decisões judiciais que divergem sobre um


mesmo tema, o trabalho pretende contribuir para o estudo da natureza de tais
divergências e para esclarecer o como e o porquê de suas tão frequentes
ocorrências.

Este estudo está organizado em cinco capítulos. No capítulo 1 será abordado o


princípio da imparcialidade e como o mesmo é passível de interferência da
ideologia de cada pessoa. O capítulo 2 tem como foco a definição de
preconceito, assim como a motivação judicial e principalmente os principais
fatores culturais e históricos que ensejaram a criação e a disseminação dos
muitos preconceitos existentes na sociedade brasileira. No terceiro capítulo
aborda-se o psicologismo jurídico, que trata de teorias que discutem as melhores
formas de julgar e interpretar os fatos. O quarto capítulo faz uma análise de
casos concretos, dando ênfase a expressões e linguagens utilizadas
comunmente pelo julgador, om o objetivo especificamente voltado para
identificar a interferência de seus valores e preconceitos em suas decisões
judiciais. O quinto e último capítulo apresenta as conclusões.

A metodologia utilizada neste estudo consistiu em detalhada pesquisa


bibliográfica em bibliotecas e na internet, assim como em levantamento de dados
estatísticos essenciais para o desenvolvimento do trabalho.
8

1. DECISÃO JUDICIAL EM FACE DOS VALORES

1.1 O DOGMA DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

Vigora no ordenamento jurídico brasileiro o princípio da imparcialidade do juiz, a


partir do qual o seu posicionamento situa-se entre as partes e acima delas. O
juiz é um ser humano valorativo e, inegavelmente, faz parte de uma sociedade,
sendo assim humano e não uma máquina, e é impossível que seja imparcial, até
mesmo quando está realmente querendo sê-lo. Neste sentido, Portanova
assinala:
Tradicionalmente a imparcialidade é representada por uma mulher com
olhos vendados e com uma espada na mão e a balança equilibrada
noutra. Contudo, não há negar, é temeridade dar uma espada a quem
está de olhos vendados. Ademais, como visto no princípio jurídico,
muitas vezes a balança está desequilibrada. Logo, o mais correto é
manter os olhos da Justiça abertos para ver as desigualdades e igualá-
las (PORTANOVA, 1999, p. 79).

Alguns dispositivos, tais como a obrigatoriedade de motivação das decisões

judiciais dispostas na Constituição Brasileira de 1998, vieram para supostamente

dar mais segurança aos julgados, uma vez que prevê pena de nulidade para

decisões que não forem fundamentadas, conforme reza a Emenda

Constitucional nº45, de 2004, em seu Art. 93:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,


disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes
princípios: IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos
nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação (PINTO; WINDT;
CÉSPEDES, 2011).

A problemática de como tal dispositivo não oferecer tanta segurança está


exatamente no estudo da hermenêutica, a ciência da interpretação, e a função
9

simbólica da língua. A linguagem é composta por símbolos ou signos


denominados por Ferraz Junior como “Um ente que se caracteriza por sua
mediatidade, aponta para algo distinto de si mesmo” (FERRAZ JUNIOR, 1988,
p.233). Ou seja, quando se escreve um texto, cada palavra tem um significado e
significar quer dizer, apontar para algo ou estar em lugar de algo. O mesmo autor
ainda assinala que:

Os símbolos linguísticos têm por base sons e fonemas. O fonema é um


som que, num determinado contexto, se distingue: por exemplo, CA-
SA. A junção dos fonemas é base, em português, para um signo; o
signo não se confunde com a base fonética embora seja necessário
sempre que haja uma base material; percebe-se isso quando
observamos a base fonética MAN-GA, que serve tanto para o signo-
fruta, quanto para o signo-parte do vestuário. Por outro lado, dois
signos, abstração feita de sua base fonética, podem ter a mesma ou
semelhante significação. Por exemplo: MO-RA-DI-A, CA-SA. Embora
com bases fonéticas diferentes, pode-se dizer que os signos têm
significação semelhante (FERRAZ JUNIOR, 1988, p.233).

Assim, usando como exemplo um caso concreto, levemos em consideração o


signo “macaca”. O Jornal Folha de 2005, noticiou que:

O apresentador Clodovil Hernandez foi condenado, em primeira


instância, a pagar uma indenização no valor de R$ 20.800 para a
vereadora Claudete Alves (PT), entre outras coisas, por tê-la chamado
de “macaca de tailleur”, em entrevista à Folha [...]. O réu respondeu
processo por injúria qualificada por preconceito racial [...]. Apesar do
parecer favorável emitido pelo Ministério Público, a 28ª Vara Criminal
Central de São Paulo não recebeu a queixa-crime, por considerar que
a expressão “macaca” não é racista, mas refere-se a uma pessoa
“inquieta”, que “gosta de se expor”. A vereadora recorre da decisão
(FOLHA, 2005).

Na análise de Windt o signo “macaca” foi interpretado “ao nível do significado


literal”, e o Juiz da 28ª Vara Criminal ignora que a palavra “macaco” no Brasil é
usada para fazer referência ofensiva a negros, havendo destipificando, assim, o
crime de injúria qualificada (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2001).

Os códigos de Processo Civil (CPC) e o de Processo Penal (CPP) trazem a


previsão de suspeição e impedimento do Juiz, nos artigos 134 e 135 do CPC, e
252 e 254 do CPP, tal como mostrado a seguir:
10

CPC. Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo


contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito,
funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento
como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido
sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu
cônjuge ou qualquer parente seu consanguíneo ou afim, em linha reta;
ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das
partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa
jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando
o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém,
vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento
do juiz.

CPC. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz,


quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge
ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das
partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo;
aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou
subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo
íntimo.

CPP. Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em


que:
I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em
linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou
advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da
justiça ou perito;
II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou
servido como testemunha;
III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de
fato ou de direito, sobre a questão;
IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em
linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou
diretamente interessado no feito.

CPP. Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá
ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver
respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso
haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o
terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo
que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
11

Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada


no processo (PINTO; WINDT; CÉSPEDES, 2001).

Fazendo uma análise do texto acima, percebe-se que o impedimento e a


suspeição não enquadram as crenças e valores do juiz, pois o direito positivo
advoga que o simples fato de ocupar o cargo de juiz, torna-o imparcial.

Como toda norma está aberta à interpretação, mesmo que o Juiz deva
imperiosamente demonstrar, na motivação, que a lei foi validamente aplicada no
caso, ele o fará não só a partir de provas trazidas, mas também por sua ideologia
e suas experiências vividas. Neto advoga uma idéia contrária: para ele o
princípio da imparcialidade

Garante que o processo seja julgado pelo magistrado investido da


autoridade legal conferida ao cargo, isento de pressões de qualquer
ordem, sujeito apenas à lei e com aptidão para o efetivo exercício da
tutela jurisdicional (NETO, 2002, apud MULLER e ROMANI, 2015).

A problemática em evidência é que uma decisão baseada apenas na lei, na qual


o jurista fose totalmente imparcial, não seria justa, pois os valores de uma
sociedade mudam mais rápido do que o conteúdo normativo, e a liberdade de
interpretação das leis também pode causar injustiças, se o jurista a utilizar de
forma precipitada. Assim, no sistema Jurídico brasileiro, é comum o uso de
ideologia.

1.2 IDEOLOGIA E DECISÃO JUDICIAL

A ideologia vem sendo o elemento formador da convicção dos magistrados e de


produção das decisões judiciais, de acordo com Pertschi (PERTSCHI, 2008).

Sobre o assunto Freitas assinala:

Aproveitando o sentido geral defendido por Mannheim, de ideologia


como visão de mundo de um grupo humano, por exemplo, de uma
classe social, podemos tomá-la como empréstimo para explicar como
se dá a ideologia jurid́ ica, assim, temos no âmbito corporativo da
magistratura uma identificação dela como a consciência de mundo, o
compêndio de ilusões nas palavras de Gorender, sobre a própria
classe, as profissões jurídicas, o poder judiciário, o ensino do direito
12

etc. Uma tendência ao conservadorismo e tradicionalismo é notória e


embutida nessa ideologia (FREITAS, 2005, p.6).

Na mesma linha de raciocínio, Ferraz Jr. dita que “ao colocar-se a serviço da
motivação, a dogmática corre o risco do encobrimento ideológico, utilizando-se
assim de figuras retóricas”. Desse modo, ao utilizar-se do argumento de que “a
questão é bastante complexa e ou discutível”, o autor conclui que se trata de
suspensões que visam retardar um enunciado antes de soluciona-lo (FERRAZ
JUNIOR, 1988).

A esse respeito advoga Diniz:

A ciência jurídica se preocupa mais com o verossímil, sem conduto


excluir a verdade, mas ressalta como fundamento a versão da verdade
da falsidade, de modo que um enunciado verdadeiro pode ser tido
como verossímil, sem, contudo, excluir a verdade (DINIZ, 2013, p.230).

A ideologia, segundo a autora, é uma forma de neutralização dos valores da


comunidade contidos no texto dogmático. Assim, ao valorar, a própria valoração
atua como um elemento estabilizador, “quer justificando sua função
modificadora, quer modificando sua função justificadora”. Devido a tal
dispositivo, conclui Diniz, a valoração ideologica não caracteriza “quebra da
neutralidade axiológico-científica, pois tal torna rígida a flexibilidade do momento
valorativo" (DINIZ, 2013, p. 230).

Já Chauí, entende o oposto, ao citar a doutrina marxista:

a ideologia não é um processo subjetivo consciente, mas um fenômeno


objetivo e subjetivo involuntário produzido pelas condições objetivas da
existência social dos indivíduos(...) é um dos meios usados pelos
dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja
percebida como tal pelos dominados (CHAUI, 2001, P72-79).

Assim, na visão Marxista, a ideologia é o instrumento usado para legitimar as


leis e as decisões judiciais que, por pertencerem a um aparelho estatal, são
13

consideradas justas, funcionando desse modo como poderoso instrumento de


pacificação social, de acordo com Karl Mannheim1.

A ideologia marxista, porém, não é a mais aceita atualmente. Segundo Bobbio,


define-se ideologia, principalmente no que tange a decisões judiciais, como o

“conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como

função orientar os comportamentos políticos coletivos” (BOBBIO; MATTEUCCI;

PASQUINO, 2000, p. 585)

Vale ressaltar que, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade Federal
do Paraná, publicada pelo jornal Gazeta do Povo, foi revelado que o sistema
jurídico brasileiro faz uso intenso da ideologia. Nesta pesquisa, o juiz paranaense
Fernando Ganem, ao ser entrevistado, afirmou que a ideologia é útil para
decisões em casos “de massa”, que têm praticamente o mesmo conteúdo,
porém, ao se depararem com casos polêmicos “a ideologia e o posicionamento
prévio influenciam na decisão, justificada, depois, com a doutrina e a
jurisprudência”. Ou, em outras palavras, o juiz adapta as normas aos seus
valores, segundo José Maurício de Almeida, desembargador do Tribunal de
Justiça do Paraná, que argui:

Todavia, tem-se considerado um mito o juiz neutro, na visão de que,


como produto cultural de seu meio, suas decisões receberão a
influência de sua formação jurídica, de suas crenças religiosas, de sua
personalidade e de sua condição econômica. Há estudos sobre o perfil
da magistratura (origem econômica e social do magistrado) e suas
consequências na interpretação das leis ou, a melhor dizer, na
aplicação do direito ao caso concreto. Por tudo isso, encontramos
decisões diferentes para situações semelhantes, uma vez que, na
interpretação dos fatos e da lei, sempre estará presente a carga cultural
e a formação do magistrado (STREK, 2012).

1
Cf. “Karl Mannheim elaborated further on the idea of the complex relation between reality and
ideology by pointing to the human need for ideology. Ideologies are neither true nor false but are
a set of socially conditioned ideas that provide a truth that people, both the advantaged and the
disadvantaged, want to hear” SYPNOWICH, Christine. Law and Ideology. Stanford Encyclopedia
of Philosophy. Disponível em http://plato.stanford.edu/entries/law-ideology.
14

O professor de Direito Constitucional da UFPR, Emerson Gabardo assinala que


“Em vez de alguns julgadores buscarem o Direito para encontrar a solução, eles
buscam a solução – dentro daquilo que entendem como Justiça – para depois
buscarem o Direito”.

Lênio Streck, procurador da Justiça do Rio Grande do Sul, professor da


Tunisinos e presidente de honra do Instituto de Hermenêutica Jurídica faz uma
crítica sobre a prática da ideologia, assinalando que

Os dados não surpreendem. Apenas confirmam a crise de paradigma


que venho denunciando há anos. Nossa formação jurídica, nosso
ensino, nossas práticas, encontram-se arraigadas a um paradigma
filosófico ultrapassado. Sei que é difícil dizer isso, mas falta filosofia.
Falta compreensão. Nosso imaginário jurídico está mergulhado na
filosofia da consciência. Nele, cada juiz é o "proprietário dos sentidos".
É um equívoco dizer que sentença vem de sentire. Essa é uma das
grandes falácias construídas no Direito. É o que eu chamo de
"solipsismo", que é a tradução de selbstsüchtiger, o sujeito egoísta da
modernidade.

E ainda:

Mas isso tudo quer dizer: precisamos sofisticar a discussão no Brasil


acerca de como se aplica o Direito. Urgentemente. O Direito não pode
ser simplificado, estandartizado. O problema é que estamos
colonizados por uma baixa literatura, que confunde conceitos e teorias.
Basta ver os concursos públicos, que mais estão preocupados em
fazer pegadinhas do que perquirir questões reflexivas. Hoje, já não se
estuda para concurso; treina-se (STREK, 2012).

Neste sentido, é importante ressaltar um fato de conhecimento geral: os


candidatos a concursos públicos não são estimulados a pensar, não possuem
conhecimento da hermenêutica – o estudo da interpretação – interpretação essa
que, como assinalado, não é nem sequer usada, devido ao uso da ideologia,
uma vez que o juiz busca as normas para justificar uma decisão já tomada,
através de seus valores, e não o oposto. Assim, há a necessidade de provas que
avaliem profundamente não só a capacidade intelectual do candidato, mas
também seus conhecimentos éticos. A problemática está situada no equilíbrio,
pois se o juiz se ativer inteiramente à lei, também não estará sendo justo, já que
as mudanças sociais são mais rápidas do que as normativas, resultando daí uma
linha tênue entre julgar de acordo com as mudanças sociais e julgar de acordo
15

com ideologias pessoais, pois nem sempre uma corresponde à outra. Assim, faz
sentido que um juiz que exerce um cargo há vinte anos tenha ideologia diferente
daquele o exerça há três anos, pois são indivíduos que receberam influências e
educação totalmente diferentes. A avaliação de ética e valores dos juízes, apesar
de esse ser um cargo vitalício, deveria ser feita periodicamente, no decorrer de
sua carreira.

2 MOTIVAÇÃO JUDICIAL E PRECONCEITO

2.1 DEFINIÇÃO DE PRECONCEITO

O preconceito está diretamente ligado à cultura e pode manifestar-se de várias


formas, podendo ser ele racial, sexual, regional, religioso, etc. De acordo com
Crochík: “aquilo que leva o indivíduo a ser ou não ser preconceituoso pode ser
encontrado no seu processo de socialização, no qual se transforma e se forma
como indivíduo” (CROCHIK, 2006, p.13).

O autor acredita que a cultura e a história são a base do entendimento do


processo de socialização, de tal modo que influenciam, ou não, o preconceito
nos indivíduos, que adotam e modificam os estereótipos de acordo com suas
necessidades. Ou seja, é a própria cultura que enseja as idéias sobre o objeto
do preconceito. Diz também esse autor que “o indivíduo é produto da cultura,
mas dela se diferencia por sua singularidade”, ou seja, a cultura tem uma grande
influência no indivíduo, porém este, porque é um ser singular, pode ou não ser
influenciado. Indivíduos com debilidade de experimentar e refletir usam o
preconceito como modo de defesa para uma situação incomum, e em uma
cultura imediatista - cheia de padrões e onde se desenvolvedu a necessidade de
respostas rápidas - a reflexão é um empecilho à produção.

Crochík, ao diferenciar preconceito de estereótipos, afirma que:


O preconceito diz respeito a um mecanismo desenvolvido pelo indivíduo
para poder se defender de ameaças imaginárias, e assim é um falseamento
da realidade, que o indivíduo foi impedido de enxergar e que contém
16

elementos que ele gostaria de ter para si, mas se vê obrigado a não ter;
quanto maior o desejo de poder se identificar com a pessoa vítima de
preconceito, mais esse tem de ser fortalecido. Já os estereótipos são
produzidos e fomentados por uma cultura que pede definições precisas, por
meio de suas diversas agências: família, escola, meios de comunicação de
massa etc., nas quais a dúvida, como inimiga da ação deve ser eliminada
do pensamento e a certeza, perante a eficácia da ação, deve tomar o lugar
da verdade que aquela ação aponta: o controle, quer da natureza, quer dos
homens, para melhor poder administrá-los (CROCHIK, 2006, p.22).

Desse modo, de acordo com Crochík, o preconceito trata do medo de reconhecer


elementos do outro em si mesmo; e os estereótipos são produtos de uma cultura
onde a dúvida e o questionamento atrapalham o controle e a produção da
sociedade. Já nas palavras de Guimarães: “preconceito seria apenas a crença
prévia (preconcebida) nas qualidades morais, intelectuais, físicas, psíquicas ou
estéticas de alguém” (GUIMARÃES, 2004, p.180). Diz o autor que tal
preconceito pode ser manifestado de vários modos, verbalmente, reservado,
através de comportamento, e quando manifestado através do comportamento,
chama-se discriminação.

A grande dificuldade para a conceituaçaõ de preconceito é que, ao se conceituar


algo novo, usam-se pré-conceitos que se relacionem ao objeto que está sendo
conceituado, pois não existe experiência pura, de acordo com Crochík
(CROCHIK, 2006, p.20). Ou seja, ao se deparar com uma experiência
desconhecida o indivíduo, usa de experiências passadas para analisar a nova
situação. Dessa forma, após ser exposto à nova experiência, esta deixa se ser
nova, podendo ele modificar o conceito ou continuar a interpretá-la através de
conceitos antigos.

De acordo com o Art. 1º da Convenção da ONU discriminação é “qualquer


distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor,
descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito de anular ou
prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos
humanos e liberdades fundamentais” (ONU, 1968). O Art. 3º da Constituição
Brasileira reza o seguinte:
17

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nota-se o respaldo legal em casos de preconceito e discriminação por raça, cor


etnia, origem nacional, sexo e idade, apesar de a Constituição Brasileira
condenar outras formas de discriminação. Vale ressaltar que a homofobia,
diferentemente do racismo, não tem respaldo legal. Assim, no Brasil, existe a
injúria racial, tipificada no Art. 140, § 3º do Código Penal Brasileiro, que consiste,
de acordo com Delmato, em ofender a honra subjetiva da vítima, desvalorizando-
a por sua raça, cor, religião ou origem. É diferente do crime de racismo, previsto
na Lei 7.716/89, que é dirigida a um grupo ou coletividade e considerado mais
grave pelo legislador (DELMATO et al., p.305).

Devido a diferentes influências culturais que o Brasil sofreu, é fácil entender


porque alguns tipos de preconceito e discriminação são mais frequentes em
diversas regiões do país.

2.1.1 Preconceito Quanto à Orientação Sexual no Brasil

O principal motivo para o preconceito quanto à orientação sexual no Brasil


decorre da grande influência que a religião exerce nos valores da sociedade.
Apesar de o Estado Brasileiro ser laico, a sociedade, ainda muito religiosa, acaba
por não aceitar e até condenar indivíduos que não compartilhem o seu modo de
viver, ou nele se enquadrem. Ao se fazer uma retrospectiva da relação do Estado
com a Igreja é possível entender como ocorreu a separação das duas instituições
e a herança deixada na sociedade.

A primeira Constituição do Brasil, instituída em 25 de março de 1824, por Dom


Pedro I, continha o Estado Confessional: uma religião oficial, a católica, era
escolhida, e o clero e o imperador participavam de questões civis, políticas e da
Igreja. Assim, os valores da Igreja eram o principal o parâmetro para se alcançar
a justiça.
18

A separação de Igreja e Estado ocorreu através da Constituição de 1891, quando


o Brasil, devido ao grande número de imigrantes de outras religiões, havia se
tornado incapaz de sustentar uma única religião oficial. Apesar de se denominar
laico, o Estado Brasileiro, no entendimento de Ruy Barbosa, ainda mantinha forte
caráter religioso, conforme o autor comenta abaixo:
O Brasil nasceu cristão, cresceu cristão, cristão continua a ser até hoje.
Logo, se a República veio organizar o Brasil, e não esmagá-lo, a
fórmula da liberdade constitucional, na República, necessariamente há
de ser uma fórmula cristã. As instituições de 1891 não se destinaram a
matar o espiŕ ito religioso, mas a depurá-lo, emancipando a religião do
jugo oficial (BARBOSA, 1966, p.1009).

É possível perceber a força de tal influência, até mesmo na Constituição vigente,


que traz no Art. 46 do Regimento interno da Assembleia Constituinte o seguinte
texto: “A bib
́ lia sagrada deverá ficar sobre a mesa da Assembleia Nacional
Constituinte, para quem dela quiser fazer uso” 2. Tudo faz crer, portanto, que o
principal símbolo da Igreja Católica na mesa da Assembleia Constituinte levanta
sérias dúvidas sobre a verdadeira laicidade do Estado.

No Brasil, as regiões Norte e Nordeste não receberam tanta influência de outras


religiões que não a católica, pois os imigrantes concentraram-se no Sul e no
Sudeste do país, regiões que hoje apresentam maior tolerância, principalmente
em relação à orientação sexual. Vale notar que o Nordeste foi classificado, pelo
Grupo Gay da Bahia, como a região do Brasil mais homofóbica3.

2.1.2 Preconceito Racial no Brasil

A colonização do Brasil foi primeiramente exploratória, e “previa a exportação de


uma pequena variedade de produtos em grande escala e na grande propriedade
rural” (VIEIRA, 2013). De acordo com essa autora, o trabalho remunerado não
era benéfico a esse tipo de exploração, o que levou à preferência dos

2
RESOLUÇÃO Nº 2, DE 1987 Dispõe sobre o Regimento Interno da Assembléia Nacional
Constituinte.
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75636&norma=102406>
3
Grupo Gay da Bahia, Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil, 2013.
<https://homofobiamata.files.wordpress.com/2014/03/relatc3b3rio-homocidios-2013.pdf>
19

portugueses por usar mão de obra escrava. Por isso, mais de quatro milhões de
negros foram transportados da África para o Brasil.

A extinção da escravidão se deu de forma lenta e decorreu do interesse da elite


burguesa, fomentada por ideias vindas de fora do país. Após a Lei Áurea, lei que
aboliu a escravidão no Brasil, ser assinada, não houve nenhuma política da
República voltada para inserir os negros no mercado de trabalho. Ao contrário,
o trabalhador negro foi rejeitado, substituído por imigrantes europeus. Sobre tal,
Theodoro diz:
O trabalho escravo, núcleo do sistema produtivo do Brasil Colônia, vai
sendo gradativamente substituid ́ o pelo trabalho livre no decorrer dos
anos 1800. Essa substituição, no entanto, dá-se de uma forma
particularmente excludente. Mecanismos legais, como a Lei de Terras,
de 1850, a Lei da Abolição, de 1888, e mesmo o processo de estímulo
à imigração, forjaram um cenário no qual a mão-de- obra negra passa
a uma condição de força de trabalho excedente, sobrevivendo, em sua
maioria, dos pequenos serviços ou da agricultura de subsistência.

E ainda:
Nesse contexto, a consolidação da visão, de cunho racista, de que o
progresso do país só se daria com o “branqueamento”, suscitou a
adoção de medidas e ações governamentais que findaram por
desenhar a exclusão, a desigualdade e a pobreza que se reproduzem
no paiś até os dias atuais (THEODORO, Org.,2008, p.1).

O preconceito racial no Brasil ocorreu, principalmente, em razão do modo de


colonização, e também pela falta de políticas de inserção do negro no mercado
de trabalho, já que grande parte dos escravos libertos foi substituída pelo
trabalhador imigrante. De acordo com Theodoro, as regiões produtoras de café,
para onde migrou grande parte dos escravos das outras regiões do país,
começaram, nos anos finais da escravidão e, principalmente, após a abolição, a
substituí-los por trabalhadoras de alguns países europeus, especialmente os
italianos.

A preferência pelos imigrantes europeus em relação ao trabalho escravo atendia,


fundamentalmente, a uma necessidade da economia brasileira que, embora
lentamente, iniciava um processo de transformação no qual não se encaixava
grande parte da mão de obra de origem africana. As palavras de Furtado são
muito claras:
20

O homem formado dentro desse sistema social [a escravidão] está


totalmente desaparelhado para responder aos estímulos econômicos.
Quase não possuindo hábitos de vida familiar, a ideeia de acumulação
de riqueza é praticamente estranha. Demais, seu rudimentar
desenvolvimento mental limita extremamente suas “necessidades”,
cabendo-lhe um papel puramente passivo nas transformações
econômicas do pais
́ (FURTADO, 1970, p.140-141).

Os trabalhadores negros se concentraram principalmente no meio rural,


enquanto os imigrantes estrangeiros se concentraram nos centros industriais,
principalmente no Rio e em São Paulo. Sobre tal Kowaric faz a seguinte
observação:

Em função da abolição e da imigração europeeia para certas regiões


do país, o último quarto do século XIX vai consolidar um novo cenário
para o mercado de trabalho no Brasil, no qual as especificidades
regionais vêm aflorar de forma significativa. Na cidade de São Paulo, o
crescimento urbano esteve diretamente ligado ao processo de
industrialização, que começou nos últimos anos do século XIX, e que
empregará quase que unicamente mão de obra de origem europeia,
seja aquela said ́ a das fazendas, seja a que chegava para trabalhar
diretamente no espaço urbano. De acordo com os dados disponíveis,
no começo do século XX, 92% dos trabalhadores industriais na cidade
de São Paulo eram estrangeiros, sobretudo de origem italiana
(KOWARICK, 1994, p. 92).

Assim, por serem melhor remunerados, os imigrantes fizeram crescer o mercado


interno nas economias do Sul e do Sudeste, ocorrendo o contrário nos estados
da Região Nordeste que, sem a possibilidade de verem o seu mercado interno
crescer, ficou estagnada. Furtado e Eisenberg descreveram bem o que
acontecia na economia do Nordeste:
O que se observou após a abolição foi o crescimento da população
urbana, em decorrência da chegada de contingentes significativos de
ex-escravos vindos do interior da própria região, sobretudo a Zona da
Mata, circunvizinha à capital. De fato, o novo século vai encontrar a
Região Nordeste em um período de crise econômica sem precedentes.
A economia nordestina mantinha-se estagnada em função da queda
da produção e venda do açúcar e do algodão, seus principais produtos
(EISENBERG, 1977; FURTADO, 1970, apud THEODORO (Org.),
2008, p. 28).

Após a abolição, diz Andrade, em Pernambuco as cidades começaram a crescer,


ou talvez mais precisamente, a “inchar”, pois apresentavam “novas
oportunidades de vida e trabalho”, resultando nas construções de palafitas nas
21

beiras dos rios. Corroborando com Andrade, Bosi assinalou com muita
propriedade:
Poucas opções restaram às vit́ imas da escravidão recém abolida: “ou
a velha condição de agregado; ou a queda no lúmen que já crescia
como sombra do proletariado branco de origem européia; ou as franjas
da economia de subsistência.

O negro, ao perder o espaço no mercado de trabalho, continuou “a exercer um


papel social como o núcleo maior dos pobres”, prestando serviços às classes
ricas e médias, no entender de Theodoro (THEODORO, Org., 2008).

2.2 ANÁLISE E VERIFICAÇÃO DO PRECONCEITO EM FACE DE FATORES


REGIONAIS

2.2.1 Preconceito e discriminação racial no Sul e no Sudeste

Devido ao crescimento do mercado interno e da industrialização resultante da


expansão do trabalho remunerado do imigrante a Região Nordeste, até os dias
de hoje, apresenta, em termos relativos, a maior população negra do país,
eenquanto a Região Sul registra o menor percentual de negros, segundo
pesquisa do IBGE, realizada em 2010 (IBGE, 2008). A esse respeito comenta
Theodoro:
A concentração da população não-branca em regiões pouco dinâmicas
também contribuiu para o quadro atual das desigualdades raciais.
Como produto de uma história de mais de três séculos de escravidão,
à época da abolição a grande maioria da população afro-brasileira
permanecia fora da região onde uma sociedade urbana e industrial
estava em formação.As políticas públicas voltadas à promoção da
imigração vieram a acentuar esse quadro de desigualdades regionais
(THEODORO (Org., 2008, p.35).

Uma região em que a população negra é minoria “foge” dos padrões da


sociedade que a abriga, e o preconceito e a discriminação tendem a ser maiores
– como apresenta o Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil, para
o biênio 2007/2008:
22

Do total de 148 processos analisados no período 2007-2008, 29,7%


ocorreram no Rio Grande do Sul e 20,9% nos estados de Minas Gerais
e São Paulo, respectivamente

E ainda:
De acordo com os indicadores levantados pelo LAESER, em seu banco
de dados Júris, verifica-se que o Poder Judiciário brasileiro, em média,
não tem acolhido as teses e provas apresentadas pelas supostas
vit́ imas, tendo elas perdido na maioria dos processos que tramitaram
nos Tribunais de Justiça (de primeira e de segunda instância)
eTrabalhista (de segunda instância) (CARVANO et al., 2009, p.262 e
266)

Dentro desse contexto, é possível afirmar que a maior dificuldade ao se julgar


um crime de racismo é identifica-lo, principalmente o insulto, como observa Dos
Santos:
Devemos nos lembrar que o insulto pode assumir formas linguis ́ ticas
diversificadas e que frequentemente é difícil definir o significado e a
referência visada. Além disso, a ambiguidade, a imprecisão e a
vagueza constitutivas da linguagem permitem uma série de conflitos
de interpretação que ajudam a manter a dinâmica dos processos
judiciais (DOS SANTOS).

Na mesma linha de raciocínio, e ainda sobre o caráter ambíguo do insulto racista,


advoga Sales Jr.:
Resulta daí a utilização pelo discurso racista de uma diversidade de
recursos tais como silêncios implic ́ itos, denegações, discursos
oblíquos, figuras de linguagem, trocadilhos, chistes, frases feitas,
provérbios, piadas e injúria racial, microtécnicas de poder, funcionando
num registro informal e passional, essa formação discursiva constitui
uma situação em que inexiste um discurso racista sistemático explícito
(“formal”), o que descaracteriza a “intenção” do discriminador (SALES
JR, 2006, p.35).

Faça-se aqui a análise de um caso concreto, em que Adão Padilha Carvalho,


pedreiro, enquanto trabalhava em uma obra em 2008, foi chamado de
“macaquinho” pelo vizinho argentino de seu contratante. Adão teve o pedido de
indenização por danos morais negado em primeira instância, de acordo com o
entendimento do Juiz, sob a alegação de ser o seu ofensor um estrangeiro e,
portanto, por este não dominar completamente o idioma, não teria havido ilicitude
do ato. Todavia, para Reginaldo Bispo, um militante do movimento negro, não
existe a possibilidade de o termo macaco ser utilizado para designar uma pessoa
negra sem que o mesmo tenha cunho racista. Segundo explicitado por Bispo, na
sua concepção :
23

Há uma coisa que eu não admito nunca, jamais: “macaco”. [...] Então,
isso é uma expressão que não há espaço para interpretação. Ela é
agressiva em qualquer circunstância, porque é menosprezar mesmo,
é diminuir o outro à situação primária, ancestral da humanidade, ao
animal, bicho. Então, nessa circunstância, não tem acordo (DOS
SANTOS, 2012, p.5).

Porém, o entendimento do poder judiciário, em geral, tem sido exatamente o


contrário do que pensa Bispo. Outro caso merece relato: em 2008, um
empregado da empresa Santa Rita Indústria de Autopeças Ltda., de Blumenau
(SC), entrou com uma reclamação trabalhista contra a empresa, sob a alegação
de desrespeito aos negros, por serem estes, alvo constante de piadas racistas.
Entretanto, apesar das provas apresentadas pela vítima e pela inspeção fiscal
do Ministério do Trabalho e Emprego, realizada na empresa, comprovando a
existência de inscrições discriminatórias contra negros nas portas dos banheiros,
o juiz de primeira instância, em sua sentença, argumentou que não houve prática
de racismo, pois "os apelidos, mormente em um ambiente de operários, são
perfeitamente aceitáveis e corriqueiros”.

Dos Santos, especificamente sobre esse tipo de caso, advoga que “temos aqui
a naturalização do ato de fala racista: o ordinário é considerado suave e só o
inesperado poderia ser violento” (DOS SANTOS, 2012, p.3). Ou seja, para o
entendimento de alguns juízes, o uso corriqueiro de ofensas de cunho
discriminatório descaracterizaria o próprio fenômeno da discriminação.

2.2.2 Preconceito e discriminação em relação à orientação sexual no Norte e no


Nordeste do Brasil

O Nordeste foi a região brasileira considerada a mais homofóbica, de acordo


com o Relatório Anual de Assassinato de Homossexuais no Brasil (LGBTTT)
relativo ao ano de 2013. Segundo este relatório “o Nordeste, abrigando 28% da
população brasileira, concentra 43% das mortes”, e o risco de um homossexual
ser assassinado em Pernambuco é quatro vezes maior do que em São Paulo4.

4
Cf.Grupo Gay da Bahia, Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil, 2013. p.2
<https://homofobiamata.files.wordpress.com/2014/03/relatc3b3rio-homocidios-2013.pdf >
24

A problemática de se analisar crimes homofóbicos é que não existe legislação


especifica para tal e, apesar de o Nordeste se apresentar como a região mais
homofóbica do país, o Brasil ainda é, como um todo, um dos países mais
homofóbicos do mundo. Desta forma, é um tanto surpreendente a inércia do
legislativo na aprovação de leis que regulamentem os direitos da comunidade
LGBTTT e, mais ainda, por tal inércia não ser tão questionada. Ao se negar a
aprovar leis que criminalizem a homofobia e dêem direitos plenos aos
homossexuais, o legislador, na verdade, está praticando preconceito, disfarçado
de neutralidade. A inércia legislativa leva o judiciário a exercer a função de
criadora do direito deixando, assim, uma minoria à mercê da sorte, pois já que,
se até direitos expressos em lei, como o crime de racismo, podem ser
interpretados através dos valores do juiz, imagine-se como serão apreciados os
direitos que não estão expressos em lei. Nestes casos, as decisões dos juízes
passariam a depender quase que inteiramente de seus valores, fazendo com
que as vítimas não disponham de um mínimo de segurança normativa.

É importante ressaltar, nesse contexto, que o Estado pioneiro no estudo e


decisões favoráveis a pessoas do mesmo sexo é o Rio Grande do Sul, o que
teria feito surgir o Direito Homoafetivo e acabando por influenciar decisões pelo
resto do país (TEIXEIRA, 2010, p.21).

Deve-se enfatizar que a falta de legislação é ainda o maior empecilho na esfera


das questões de Direito Homoafetivo. Nas palavras de Teixeira, especificamente
sobre o delicado tema de concessão de adoção por casais homossexuais:
A concessão da adoção ao homossexual já é pacif́ ica, o grande
impasse está em ser permitida para casais homossexuais. Aqui, me
parece haver uma grande incoerência de nossa legislação, já que no
papel constará apenas o nome de um adotante, mas na prática o
adotado será criado por duas pessoas (TEIXEIRA, 2010, p.21).

Assim, a adoção quando realizada por casais homossexuais é feita


unilateralmente, através de um dos companheiros, fato que gera sérios prejuízos
ao adotado, apesar de no instituto da adoção prezar-se pelo melhor interesse do
menor. Todavia, está estabelecido no Art. 1.622 do Código Civil, que “ninguém
25

pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se
viverem em união estável” – o que faz o nosso Código Civil ir contra o principio
do melhor interesse do menor que, ao ser adotado por apenas um companheiro,
acaba por perder direitos sucessórios, alimentos, benefícios previdenciários.
Este é mais um claro exemplo da incapacidade do ordenamento jurídico de
refletir a realidade, pois na prática, a criança tem como figura parental os dois
companheiros, mas não goza de todos os direitos que deveria gozar.

A falta de legislação para regulamentar questões que tangem ao Direito


Homoafetivo é claramente percebida nos casos de conversão de união estável
homossexual em casamento. Nesses casos, o magistrado tende a interpretar a
legislação de acordo com seus valores e, por exemplo, se tal magistrado for
contra o casamento homossexual, poderá ele usar de recursos normativos,
como o Art. 226 da Constituição Federal, que reza no seu § 3º que: “Para efeito
da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher
como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Ou
pode ainda ser utilizado por tal magistrado o Art. 1.514 do Código Civil que diz:
“O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam,
perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara
casados.” O magistrado então, consciente ou inconscientemente, interpretará a
vontade do legislador, de que apenas relações entre homens e mulheres podem
se converter em casamento.

Para exemplo claro desse tipo de leitura, vale mencionar o caso do Juiz Carlos
Castilho Aguiar França e os seus argumentos abaixo destacados:
Efetivamente, a Constituição Federal Brasileira, por enquanto, só
admite casamento entre homem e mulher, consoante enfatiza o
eminente Desembargador Carlos Roberto Gonçalves: Esse
posicionamento é tradicional e já era salientado nos textos clássicos
romanos. A diferença de sexos constitui requisito natural do
casamento, a ponto de serem consideradas inexistentes as uniões
homossexuais. A Lei Maior veda, inclusive, a união estável entre
pessoas do mesmo sexo, só a admitindo entre homem e mulher.

E ainda
Ao juiz não compete mudar a lei, função reservada ao próprio
legislador. Ao juiz se permite criticar a demora na discussão da
legislação a respeito, apesar do reclamo da sociedade, a exemplo de
26

antigo projeto de lei da Deputada Marta Suplicy, mas não cabe assumir
a função legislativa (MONTEIRO, 2012, p.28).

Já um magistrado a favor da conversão entenderá que a diversidade dos sexos


exposta na Constituição, é apenas exemplificativa, ou seja, mesmo que não
esteja expresso que a união estável homossexual possa ser convertida em
casamento, também não a proíbe, cabendo, desse modo a interpretação da
norma por analogia.

De todo o exposto, infere-se que assim como a injúria racial, a injúria homofobica
pode não ser interpretada como tal no entendimento dos juízes, na medida em
que estes costumam não caracterizar a injúria com o receio de “banalizar” o
instituto do dano moral.

A decisão que segue abaixo é um bom exemplo da problemática tratada:


INDENIZAÇÃ O POR DANO MORAL - BANALIZAÇÃ O. Não há como
condenar o empregador ao pagamento da reparação pleiteada, se
existe prova nos autos de que os comentários e gestos a respeito da
opção sexual do autor não passaram de uma brincadeira. Do contrário,
estar-se-ia banalizando o instituto do dano moral, cuja finalidade é
garantir a recomposição do sofrimento humano provocado por ato
ilić ito de terceiro que molesta bens imateriais da pessoa. (...) Denego
seguimento ao apelo” (TST, apud ALMEIDA e MARTINS, 2013).

Dessa forma, sob o pretexto de banalização do caso, o apelo foi negado, o que
mostra a dificuldade de caracterizar o insulto, visto muitas vezes como uma
questão linguística. No caso em tela a ofensa homofóbica teria ocorrido na forma
de “brincadeira”, tornando, assim, muito difícil provar a real intenção de quem a
fez, embora tenha ficado muito claro o seu significado pela vítima.
Outro caso a merecer menção é o do Juíz que desconsidera a ofensa, pois no
seu entendimento, se esta realmente tivesse sido grave o autor da reclamação
(a vítima) teria saído do emprego muito antes. Abaixo segue a decisão:
Consta no depoimento da primeira testemunha que o reclamante
passou a ser ofendido constantemente, com os palavrões e referências
à orientação sexual do mesmo desde 2002. O contrato de trabalho foi
rescindido em abril de 2007 e não consta no processo que o autor
tenha tomado qualquer providencia efetiva, durante o vínculo
empregatić io, para coibir esse tratamento. (...) Com isso, o autor
suportou mais ou menos cinco anos desse tipo de tratamento. A ofensa
não foi tão grave. O sofrimento moral não foi tanto. (...) É verdade que
as palavras proferidas contra o reclamante são ofensivas ante o senso
27

comum, mas a quantidade de sofrimento é de cada um. Fosse esse


sofrimento tão intenso, não teria o autor suportado a situação por tanto
tempo (TRT, apud ALMEIDA e MARTINS, 2013).

O que pode ter acontecido, porém, é que talvez por temer o desemprego,
situação muito comum no Brasil, o autor da ação, por necessidade, tenha
suportado tanto tempo de ofensa. Decisões como a vista acima aumentam a
insegurança de pessoas que sofrem preconceito quanto à orientação sexual e
tendem a incentivar reações como a do caso citado, pois o ofendido, acreditando
na impunidade de tais ofensas, acaba por não as relatar e a obrigar-se a viver
nessa realidade.

3. PSICOLOGISMO JURÍDICO

3.1 VALORAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL

“Sob o prisma discursivo, o valor é a principal forma de manifestação dos


interesses” (DINIZ, 2013, p. 231). Com essas palavras a autora quer dizer que
as ações, os interesses e as atitudes de alguém são uma “concretização” dos
seus valores. Em seu entendimento “valores são fórmulas sistemáticas que
representam o consenso social”. Aqui vemos o valor não como uma fonte
individual, mas coletiva, portanto, no entendimento de Diniz, os valores têm
funções interacionais.

Reale, em sua obra sobre filosofia do direito comenta sobre o assunto:


Assim é que alguns autores preferem admitir que os valores não são
produto de um indivíduo empírico, mas algo que deve ser estudado
como fato da sociedade no seu todo como expressão de crenças ou
desejos sociais (Gabriel Tarde) ou produtos da consciência coletiva
(Emile Durkheim) (REALE, 1999, p.197).

Durkheim classifica consciência coletiva como um repositório de valores, de


modo que nossas vontades representam as tendências prevalecentes no todo
coletivo, que coagem as consciências individuais. Opiniões individuais são nada
menos que a influeência dos valores de uma sociedade.
28

Para Lask o valor pode “ser o critério para seleção de certos comportamentos”
(LASK, 1946, apud DINIZ, 2013, p. 231), ou seja, o valor se adapta à situação,
ou pode ter função justificadora, quando a situação se adapta aos valores. A
segunda opção é a forma correta a ser usada pelos juristas, porém, como critica
o Realismo Jurídico, não é assim que funciona, ou deveria funcionar, o sistema.
Assim, nas palavras de Diniz:
O realismo jurídico, como um todo, busca a realidade efetiva sobre a
qual se apoia e resulta o direito, não a realidade sonhada ou a realidade
ideal. Para os realistas, o direito real e o direito efetivo são aqueles que
o tribunal declara ao tratar como caso concreto.

Há duas principais vertentes do realismo jurídico, a norte-americana e a


escandinava.

3.2 REALISMO JURIDICO NORTE-AMERICANO E REALISMO JURIDICO


ESCANDINAVO

3.2.1 Realismo Juridico Norte-americano

Os precursores do realismo jurídico americano foram Oliver Wendell Holmes e


John Chipmann Gray. Nas palavras de Bobbio:
O pai intelectual das correntes realistas modernas é um grande jurista,
por muitos anos juiz da Suprema Corte, OLIVER WENDELL HOLMES,
que foi o primeiro, precisamente no exercic ́ io das suas funções de juiz,
a desclassificar o tradicionalismo jurídico das cortes, e a introduzir uma
interpretação evolutiva do direito, quer dizer, mais sensível às
mudanças da consciência social (BOBBIO, 1999, p. 36).

Para Chipmann Gray “a norma só é jurídica após sua interpretação e aplicação


pelo magistrado, depois de incorporada à sentença” (apud DINIZ, 2013, p.92).
Dessa forma, o direito só existirá após a decisão judicial. Diniz comenta:
Salientam os realistas que as normas mencionadas pelo Poder
Judiciário na sentença, muitas vezes, nada mais são do que um
disfarce para justificar a sua decisão efetiva, constituindo uma tentativa
de justificação aparente de sua sentença perante a doutrina tradicional.
Mas o que, na verdade, importa não é o que o juiz diz, mas o que ele
faz (Idem, ibidem).

O realismo norte-americano então, não é à toa chamado assim, já que essa


escola não acredita que o juiz seja capaz de julgar sem influência dos seus
29

valores. Tais realistas acreditam que, ao se analisar o que o juiz “faz” e não o
que ele “diz”, chega-se ao direito real. A esse respeito, argui Diniz:
O direito efetivo e real não é o que aparece declarado nas normas, nem
o que os juízes declaram como base de suas decisões, mas aquele
que os juízes efetivamente fazem, independentemente do que expõem
em suas sentenças (Idem, p. 92).

Ainda sobre o tema advoga Godoy:


O realismo jurídico norte-americano levou ao limite a premissa de que
juízes primeiramente decidem e depois engendram modelos de
dedução lógica. Porque o pensamento seria instrumento para ajuste
das condições de vida, a reflexão jurídica seria mecanismo para
resolução de problemas concretos (GODOY, 2013, p.5).

Segundo Bobbio, a principal tese da escola realista é a inexistência de um direito


objetivo no qual o juiz, ao tomar uma decisão, cria o direito (BOBBIO, 1999,
p.36).

Outro grande produtor de idéias do realismo norte-americano foi Karl N.


Llewellyn. Para esse autor a conduta da sociedade, assim enquadrando os
juízes, também faz parte do direito, e não apenas os textos legais. Assim, o juiz
forma sua convicção sobre o caso antes mesmo de olhar normas, provas,
audiências, conclusão a qual em seu entendimento seja justa e, após já ter
tomado uma decisão, enquadra-a em algumas das normas vigentes.
Caracterizam, dessa forma, a justificativa a posteriore. A sociologia jurídica era,
para Llewellyn, o “único fundamento cientifico para a ciência do direito”,
acreditava que o direito era uma criação da sociedade em eterno fluxo e que,
portanto, as leis deveriam apenas guiar as atividades judiciais.

O representante do realismo jurídico mais radical foi Jerome Frank, que


acreditava que o “único direito certo era revelado na sentença judicial (DINIZ,
2013, p. 95). Tal direito era denominado por Frank como direito efetivo, e ao
direito de suposições futuras denominava de direito provável, fruto de intuição
ou de sentimento. Sobre o direito provável advogava que este só era certo em
sociedades simples, não sendo muito eficaz nas sociedades atuais complexas,
que estão em constante mudança (Idem, ibidem).
30

Frank, ao afirmar que a incerteza do direito positivo advém de os valores dos


juízes influenciarem sentenças, apoia, de alguma maneira, a opinião de
Llewellyn e levanta questões como a de que a certeza do direito dependeria de
se os valores e hábitos dos magistrados fossem iguais. Além dos mais, sobre
essa incerteza acreditava ele, nas palavras de Diniz, que “O direito, na realidade,
nada tem de certo, mas a sua incerteza não é um mal catastrófico, pelo contrário,
constitui a condição do incremento da justiça e do processo do direito” (ibidem,
p. 97). Apesar de apoiar a opinião de Llewellyn sobre a motivação dos juízes,
Frank defende uma ideia geral diferente. Assim, a teoria idiossincrática, de
Jerome Frank, baseada no juiz como indivíduo, obteve mais adesão dos
realistas, comparada à teoria sociológica de Llewellyn, baseada na apreensão e
na determinação dos fatos sociais.

Nesse contexto, advoga Coelho:


O alcance metodológico do movimento realista é inquestionável por ter
chamado a atenção dos meios jurídicos para a falácia em que a certeza
e segurança do direito, na visão dogmática e analítica, consistiam,
esboçando uma tentativa de basear a verdade jurídica em fatos reais
e não em princípios carentes de conteúdo. O direito para os realistas,
é o resultado de forças sociais e um instrumento de controle social.
Abre, o realismo jurídico, perspectivas para a procura da realidade do
direito nas decisões judiciais (COELHO, p. 138).

Vale ressaltar que o pragmatismo, que investiga como as pessoas pensam e não
por quais motivos as pessoas pensam, foi uma base filosófica do realismo
jurídico norte-americano. Desta forma, “o que se toma por verdadeiro é apenas
o que se admite como tal” (GODOY, 2013, p. 25).

A escola realista norte-americana, ao entender que o juiz já formulou uma


decisão mesmo antes de olhar a norma, caracteriza, em parte, o modo como a
justiça brasileira funciona. Uma prova disso são as divergentes decisões
“embasadas” em uma mesma norma, quebrando assim, o dogma das normas
jurídicas, que são impraticáveis sem que haja uma realidade que as forme.
Gurvitch acredita que o realismo jurídico norte americano cessou o uso da
teleologia e da valoração na ciência jurídica e identificou a realidade real do
direito no que tange tribunais e juízes.
31

Diante de todo o exposto, conclui Diniz:


Os realistas norte-americanos, portanto, procuraram demonstrar que a
sentença não constitui silogismo, por ser um ato mental, uma espécie
de intuição intelectiva que abrange a decisão, os fatos relevantes e
juridicamente qualificados e a norma pertinente (DINIZ, 2013, p.97).

3.2.2 Realismo Jurídico Escandinavo

O realismo juridico escandinavo, propagado principalmente pela Escola de


Upsala, faz uma critica à doutrina da decisão valorativa, à obrigação jurídica, ao
contrato e todos a os conceitos jurídicos fundamentais (FABRIS, 2006, p.76-86).
Havia uma preocupação da escola com questões hermenêuticas e com a
filosofia da linguagem, pois através desta postula a escola, o direito vira um meio
de comunicação entre os seres humanos e uma forma de controle social (DINIZ,
2006, p.99). Tal preocupação com a linguagem foi o que levou o realismo jurídico
escandinavo a ser chamado de realismo linguistico, termo criado por Axel
Hägerström. Sobre o assunto, comenta Fabris:
O dever é um vínculo que não se pode identificar com um fato,
puramente ideal, cuja violação é considerada condição de sanção. A
noção fundamental de dever como vínculo tem sempre uma base
mística, não podendo jamais derivar de fatos (FABRIS, 2006, p.76-86).

Desse modo o autor, ao negar o caráter da lei de expressar um comando, e de


punição quando tais comandos são violados, acredita em uma vontade superior,
movida pelo instinto social, e baseada na legalidade e no medo da coação
externa.

Lundstedt, outro membro da Escola de Upsala, ao se basear nas idéias de


Hägerström, afirma que o critério da justiça é inútil e deveria ser substituído pelo
do bem-estar social, e baseada ue o direito subjetivo é uma posição favorável
em relação a uma pessoa

Por outro lado, Alf Ross já apresenta uma concepção mais complexa,
acreditando que “os conceitos jurídicos devem ser interpretados como
concepções da realidade social, do comportamento humano em sociedade”
32

(DINIZ, 2013, p. 99), e que, ao contrário do que acredita o realismo juridico norte-
americano, deve-se considerar o que vincula e obriga o juiz não apenas a
obedecer às decisõess judiciais. Para Ross:
Para compreender o direito, não basta atender às decisões judiciais e
às profecias dessas resoluções, mas levar em conta o que vincula e
obriga o juiz, ou seja, a noção de validade, que se explica pelo
reconhecimento da competência legislativa.
E ainda
Os conceitos jurídicos fundamentais devem ser interpretados como
concepção da realidade social, logo, sob ponto de vista epistemológico,
a ciência jurídica é uma ciência social empírica, que procura interpretar
a validade do direito, em termos de efetividade social, isto é, de uma
certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os
fenômenos sociais (DINIZ, 2013, p. 101).

O que vemos, então, na concepção de Ross, é um equilíbrio entre norma e os


fenômenos sociais, sem o radicalismo do realismo norte americano, que
desconsidera a norma, ou o oposto, defendido por Hägerström. Neste sentido
advoga Berenice:

O realismo jurídico, sem os exageros da corrente norte-americana que


reduz a juridicidade à decisão judicial, favorece a base para a
superação do problema hermenêutico, que, defluindo do movimento
dos juristas escandinavos, considera a juridicidade como algo
dimanado da norma no momento de sua aplicação, de forma que a
validade e a legitimidade se identificaram com a efetividade (Apud
DINIZ, 2013, p. 103).

4. DOS CASOS CONCRETOS DE PRECONCEITO RACIAL E


PRECONCEITO QUANTO À ORIENTAÇAO SEXUAL

Em corroboração aos argumentos acima desenvolvidos é bastante comum


verificar, no poder judiciario, inumeras decisões judiciais que tratam do mesmo
caso com interpretações completamente contrastantes, muitas vezes como
resultado de influências ou interferências causadas por valores pessoais e
culturais dos juizes encarregados de proferir suas sentenças.

A seguir, vários casos concretos serão apresentados a fim de demonstrar essa


recorrente devergência de posicionamento de juizes no Brasil.
33

4.1 CASO CONCRETO REFERENTE AO PRECONCEITO RACIAL

Especificamente no caso concreto relacionado com o precoceito racial é


apresentado, a seguir, um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,
no qual se podem verificar, com bastante clareza, as posições diametralmente
opostas sobre um mesmo caso apresentadas em julgamento por diferentes
juizes encarregados de decidir sobre o mesmo processo.

Como será mostrado adiante é possível constatar que os valores pessoais e


culturais de cada magistrado foram determinantes na tomada de suas posições.

O texto abaixo reproduz na íntegra o teor de acórdão de uma sentença referente


a uma ação de preconceito racial

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. RACISMO


E PRECONCEITO RACIAL.
Ausência de comprovação dos alegados fatos narrados na inicial
e da ocorrência do dano, ônus que competia ao autor.
Apelo provido, por maioria.

APELAÇÃO CÍVEL SEXTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70054200621 (N° CNJ: 0144689- COMARCA DE PELOTAS


79.2013.8.21.7000)

MACRO ATACADO KROLOW LTDA APELANTE

JOSCELI BRUM CONCEICAO APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.


34

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal


de Justiça do Estado, por maioria, em dar provimento ao recurso de apelação.
Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES.


LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES.
GIOVANNI CONTI.
Porto Alegre, 03 de abril de 2014.

DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA,


Relatora.

RELATÓRIO
DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)

JOSCELI BRUM CONCEIÇÃO ajuizou ação de indenização por danos morais contra
MACRO ATACADO KROLOW LTDA. dizendo que, em março de 2011, realizou
compras naquele estabelecimento comercial, juntamente com sua companheira e
sogro. Ocorre que, na hora de pagar as mercadorias adquiridas, o cartão de crédito de
seu sogro, o qual arcaria com a despesa, apresentou problemas. Permaneceram
aguardando a solução do imprevisto, junto ao carrinho de compras, próximos ao armário
do pós-caixa. No entanto, em vista da demora no retorno de seu sogro, passou a
observar que a operadora de caixa estava observando-os e, em determinado momento,
a aludida funcionária chamou um dos seguranças e disse-lhe em voz alta: “cuida o
Negão que estava fugindo com as mercadorias, bem como o velho”. Tais palavras foram
ouvidas pelos demais operadores e funcionários, bem como por todas as pessoas que
se encontravam em volta, causando imenso constrangimento ao requerente, o qual
jamais pensou em furtar as mercadorias, as quais, posteriormente, foram pagas em
dinheiro pelo pai de sua companheira. Assim, postulou a condenação do requerido ao
pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo juízo,
devidamente acrescido dos ônus sucumbenciais.
35

Contestando a demanda, alegando que não são verdadeiras as assertivas do autor,


uma vez que a empresa possui em seus quadros cerca de 40 funcionários negros e não
adota atitude preconceituosa frente a seus clientes. Aduziu, que ao tomar conhecimento
da existência da presente ação, perquiriu as funcionárias que atuavam no caixa em que
o autor “passou” as mercadorias, bem como às operadoras que trabalhavam próximo
àquele local e nenhuma delas confirmou o relato da inicial, portanto, tal ato não teria
sido praticado por qualquer de seus prepostos. Requereu a improcedência da demanda.

Houve réplica.

Audiência de instrução às fls. 110/115.

Foi prolatada sentença pela Dra. Lizete Brod Lokschin às fls. 117/119:
Isto posto, JULGO PROCEDENTE pedido, base no artigo 269,
I, do CPC, para condenar o réu a pagar ao autor, a título de
indenização por danos morais o valor de R$ 6.000,00 (seis mil
reais), devidamente corrigido, pelo índice do IGP-M, a partir
desta data e acrescido de juros legais, a contar da citação.

O réu apelou (fls. 121/125) aduzindo que foi surpreendida com as alegações do autor,
uma vez que não foi verificado e jamais foi comentado de terem ocorridos os referidos
fatos. Alegou que nem os empregados que trabalham na empresa ouviram alguma caixa
ou empregado pronunciar tais palavras, bem como jamais a direção e a gerência foram
procuradas pelo autor. Mencionou que em face de o autor efetuar o registro policial
somente seis dias depois da alegada injúria e as controversas versões do autor e suas
testemunhas demonstram que o referido fato jamais ocorreu. Acrescentou que a mera
pronúncia da expressão negro ou derivados, não pode ser considerada racismo. Por
fim, postulou a minoração da quantia fixada a título de indenização por danos morais
em caso de manutenção da sentença. Postulou o provimento do recurso.

O autor não apresentou contra-razões (certidão de fl. 128).

Anoto que as disposições contidas nos arts. 549, 551 e 552, do CPC foram devidamente
observadas.
36

É o relatório.

VOTOS

DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço o recurso.


A inicial reproduziu o que foi contado pelo autor na ocorrência policial de fl. 14, três dias
após o alegado fato. Realizadas as compras, o cartão de crédito do sogro do autor deu
problema. Enquanto o referido senhor foi até o local específico no mercado para resolver
o assunto, o autor e sua sogra permaneceram em frente ao caixa, com o carrinho de
compras aguardando. Vejo pelo cupom de fl. 15 que no momento indicado na ocorrência
(20h40min), o pagamento em dinheiro já estava se realizando (20h39min57s). É sabido
que o caixa não fica liberado sem o pagamento ou desistência da compra. Portanto, os
clientes que estava na fila do caixa em que estava o autor e sua sogra necessariamente
tiveram que esperar também.

A testemunha Roberta Lourenço Torres, que voluntariamente ofereceu-se para


servir de testemunha (fl. 111) disse que estava no caixa ao lado. Foi dito que o fato
aconteceu em junho, pleno inverno, sendo que às 20h40min é noite, mas a testemunha
lembrou que era um final de tarde, quase noite. Disse: “Eu testemunhei a mencionada
operadora do caixa dizendo para a empacotadora que não era para deixar o negro
sair porque o cartão do velho não estava passando... O negro provavelmente era
Josceli e o velho, eu não sei quem era... “

Outra testemunha, Cátia Adriane Rodrigues de Moura (fl. 113) também mencionou
que era um final de tarde. “Eu estava na mesma fila quando aconteceu o fato de a
moça gritar, a moça falou bem alto, tanto que eu ouvi da fila, “Sibé, segura o negro,
não deixa o negro sair porque o cartão do velho não está passando ou não está
entrando, uma coisa assim. ... Eu não lembro. Eu sei que ele estava com o
carrinho, ele saiu, se afastou do caixa, mas não do local e ela gritou ‘segura o
negro, não deixa o negro sair’. “Aquilo chamou a atenção do pessoal, foi isto.”
37

A inicial faz alusão de que a operadora do caixa falou em alto e bom tom: “Cuida o
negrão que está fugindo com mercadorias, bem como o velho”.

Ora, o demandante que estava acompanhado da sogra, aguardando o sogro resolver o


problema do cartão de crédito, mas estava parado em frente ao caixa ou fugindo com
as mercadorias? As testemunhas disseram que ele foi ofendido perto do caixa e, pelo
que entendi, parado. A empregada chamou a atenção da colega empacotadora ou do
segurança em voz alta, presumindo que distante.
Nesse tipo de ação é essencial a oitiva das partes. Se as partes não pedem, o juiz deve
ouvir de ofício (art. 130 do CPC). Há várias lacunas na prova, como a identificação da
operadora do caixa, que nem mesmo o procurador do autor procurou saber. Também
chama a atenção a passividade do autor, que não estava sozinho. Ouviu tudo calado.
Saiu sem qualquer reclamação, sequer aos fiscais de caixa. Esperou três dias para
formalizar a ocorrência policial.

Além do mais, o mercado como tantos outros, tem diversos empregados negros e
pardos. Nos supermercados percebe-se sempre a proximidade entre eles, sem
distinção. Não se vê arrogância para com os clientes, pois uma reclamação dessa
ordem, por certo, geraria a demissão do empregado. No caso, o réu trouxe ex-
empregadas, que trabalharam como operadoras de caixas (fl. 114v e 115) que
esclareceram o procedimento seguido. Em caso de problema, tentam resolve primeiro.
Não sendo, possível, chamam o gerente. Quando o cliente não consegue efetuar o
pagamento por cartão de crédito é levado ao setor de cadastro e o caixa fica esperando
que volte. Foi esse o tratamento dado ao sogro do autor, que acabou pagando com
dinheiro.

Era ônus do autor trazer uma prova crível da ocorrência do fato e do alegado dano, o
que não aconteceu.

Assim, dou provimento ao apelo do réu, julgando improcedente a ação. Arcará o


demandante com as custas do processo e honorários advocatícios, que fixo em
800,00 (art. 20, §4, do CPC). Todavia, suspendo o efetivo pagamento, eis que goza
do benefício da gratuidade judiciária.
38

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE E REVISOR) - De


acordo com o(a) Relator(a).

DES. GIOVANNI CONTI

Peço vênia para divergir da Eminente Relatora.

Cumpre salientar, inicialmente, que o ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é
imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e subsidiariamente dos
instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em
conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica
trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos


dos arts. 2º e 3º da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e
todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratadas.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor,


considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170,
inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios
básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de
toda a relação de consumo.

Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe
o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirma que a dignidade da pessoa humana é
elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz
Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o
intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para
todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do
Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.
39

O consumidor considerado em sua forma individual ou metaindividual (direitos


individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos) são os vulneráveis desta
relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes sobre reflexos lesivos
no desenvolvimento das atividades mais comuns da vida e diria indispensáveis da
moderna sociedade de consumo.

No mérito, ponho-me de inteiro acordo com a sentença do juízo monocrático,


proferida pela Dr.ª Lizete Bord Lokschin, que analisou o fato de forma consciente,
tendo investigado a prova com profundidade, pelo que entendo que deve ser
mantida.

Aduzo parte de sua fundamentação que adoto como razões de voto:

“(...)
O demandante pretende ver-se indenizado em razão de suposto ato de racismo
praticado por preposta do réu.
A prova carreada aos autos indica que, efetivamente, a funcionária do demandado agiu
de forma desrespeitosa e preconceituosa com o requerente.
A testemunha Roberta Lourenço Torres, devidamente compromissada, relatou:

“(...) Juíza: O que a senhora presenciou?


Testemunha: Eu presenciei a menina operadora do caixa
dizendo para a empacotadora que não era para deixar o
negro sair porque o cartão do velho não estava passando.
Juíza: Quem era o negro e quem era o velho?
Testemunha: O negro provavelmente era o Joscelli e o
velho, eu não sei quem era (...)”.

No mesmo sentido o depoimento da testemunha Cátia Adriane Rodrigues Farias de


Moura, também compromissada:

“(...) Testemunha: Acho que era dia de semana sim e era à


tardinha. Eu estava na fila quando aconteceu o fato de a
moça do caixa gritar, a moça do caixa falou bem alto, tanto
que eu ouvi da fila, 'Sibé, segura o negro, não deixa o negro
sair porque o cartão do velho não está passando' ou “não
está entrando“, uma coisa assim.
Juíza: A senhora estava na mesma fila dele?
40

Testemunha: Na mesma fila em que estava a esposa dele. Aí


a esposa dele veio e pediu meu telefone, se eu podia
ajudar...
Juíza: Com certeza quando ela falou “negro” era em relação
ao seu Joscelli?
Testemunha: Era a ele(...)”.

De outro lado, as testemunhas arroladas pelo requerido limitaram-se a explanar que


jamais presenciaram qualquer ato de discriminação no estabelecimento réu.

(...)” (grifei)

Saliento que as testemunhas trazidas pela requerida se limitaram a dizer que jamais
presenciaram qualquer ato de discriminação no estabelecimento réu, entretanto tais
testemunhas não estavam presentes na ocasião do fato originário da demanda não se
podendo afirmar sua não ocorrência.

Ademais, o argumento contestatório de que pelo fato de possuir mais de quarenta


funcionários negros não pode ter imputados atos de racismo não merece prosperar.

Isso porque não está em tela a forma através da qual a empresa seleciona seus
funcionários e nem se está acusando-a de discriminação na contratação dos
mesmos.

O fato ensejador da demanda refere-se única e exclusivamente à frase discriminatória


e ofensiva verbalizada por uma de suas operadoras de caixas para os
autores/consumidores, não havendo relação com a forma de contratação utilizada pela
empresa.

Assim, comprovada a conduta ilícita da funcionária da requerida, o dano moral sofrido


pelos autores, bem como o nexo de causalidade entre esse a aquela, deve o recorrente
ser responsabilizado, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor c/c
artigos 186 e 927 do Código Civil.

Voto por negar provimento do apelo da ré mantendo hígida a sentença


atacada.
41

VOTO POR NEGAR PROVIMENTO DO APELO DA RÉ.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº


70054200621, Comarca de Pelotas: "POR MAIORIA, DERAM PROVIMENTO
AO RECURSO DE APELAÇÃO, VENCIDO O DES. GIOVANI CONTI, QUE O
DESPROVIA".

Julgador(a) de 1º Grau: LIZETE BROD LOKSCHIN

Da Leitura do julgado acima se constata que é fato incontroverso que a


operadora do caixa afirmou “Segura o negro, não deixa o negro sair, porque o
cartão do velho não está passando”. Deste modo, os julgadores não teriam que
abordar os fatos e o direito sob enfoques diferentes, mas sim, de interpretá-los
de acordo com suas convicções do que entende como certo ou errado.

A Desembargadora relatora Elisa Carpim Corrêa, embora tenha reconhecido que


fora proferida contra o autor expressão de cunho racista, prefere dar importancia,
não a este fato, mas sim, a reação do autor sobre o ocorrido, quando diz:

(...) também chama a atenção a passividade do autor, que não estava


sozinho. Ouviu tudo calado. Saiu sem qualquer reclamação, sequer
aos fiscais de caixa. Esperou três dias para formalizar a ocorrência
policial (...)

De outro lado, a fim de afastar a ocorrência de preconceito racial, a referida


julgadora justificou que o fato de a empresa ré ter dentro de seus quadros vários
empregados negros e pardos, seria indício suficiente para afastar o preconceito
racial. Segue abaixo trecho do voto nesse sentido:

Além do mais o mercado como tantos outros, tem diversos


empregados negros e pardos. Nos supermercados, percebe-se
sempre a proximidade entre eles, sem distinção.

O entendimento adotado pela Desembargadora relatora denota resistência em


reconhecer a existência do preconceito racial, deixando transparecer que sua
posição pessoal se sobrepôs à prova produzida no processo.
42

Isto é dito porque o preconceito racial ficou evidenciado, nesse caso, quando as
testemunhas afirmaram que a operadora do caixa, disse em voz alta “Segura o
negro, não deixa o negro sair”. Essa expressão não deixa dúvida que houve
preconceito racial, uma vez que não é comum em estabelecimento comercial
esse tipo de tratamento aos clientes, pois usualmente são tratados como
“Senhor” ou “Senhora”.

De outro lado o Desembargador Giovanni Conti, que também participava do


julgamento, divergiu totalmente do entendimento da Desembargadora relatora,
fazendo-o nos seguintes termos:

No mérito, ponho-me de inteiro acordo com a sentença do juízo


monocrático, proferida pela Dr.ª Lizete Bord Lokschin, que
analisou o fato de forma consciente, tendo investigado a prova
com profundidade, pelo que entendo que deve ser mantida.

Aduzo parte de sua fundamentação que adoto como razões de voto:

“(...)
O demandante pretende ver-se indenizado em razão de suposto
ato de racismo praticado por preposta do réu.
A prova carreada aos autos indica que, efetivamente, a
funcionária do demandado agiu de forma desrespeitosa e
preconceituosa com o requerente.
A testemunha Roberta Lourenço Torres, devidamente
compromissada, relatou:

“(...) Juíza: O que a senhora presenciou?


Testemunha: Eu presenciei a menina operadora do caixa
dizendo para a empacotadora que não era para deixar o
negro sair porque o cartão do velho não estava passando.
Juíza: Quem era o negro e quem era o velho?
Testemunha: O negro provavelmente era o Joscelli e o
velho, eu não sei quem era (...)”.

No mesmo sentido, o depoimento da testemunha Cátia Adriane Rodrigues Farias


de Moura, também compromissada:
43

“(...) Testemunha: Acho que era dia de semana sim e era à


tardinha. Eu estava na fila quando aconteceu o fato de a moça do
caixa gritar, a moça do caixa falou bem alto, tanto que eu ouvi da
fila, 'Sibé, segura o negro, não deixa o negro sair porque o cartão
do velho não está passando' ou “não está entrando“, uma coisa
assim.
Juíza: A senhora estava na mesma fila dele?
Testemunha: Na mesma fila em que estava a esposa dele. Aí a
esposa dele veio e pediu meu telefone, se eu podia ajudar...
Juíza: Com certeza quando ela falou “negro” era em relação ao
seu Joscelli?
Testemunha: Era a ele(...)”.

De outro lado, as testemunhas arroladas pelo requerido limitaram-se a explanar


que jamais presenciaram qualquer ato de discriminação no estabelecimento réu.

(...)” (grifei)

Saliento que as testemunhas trazidas pela requerida se limitaram a dizer que


jamais presenciaram qualquer ato de discriminação no estabelecimento do réu,
entretanto tais testemunhas não estavam presentes na ocasião do fato originário
da demanda não se podendo afirmar sua não ocorrência.

Ademais, o argumento contestatório de que pelo fato de possuir mais de quarenta


funcionários negros não pode ter imputados atos de racismo não merece prosperar.

Isso porque não está em tela a forma através da qual a empresa


seleciona seus funcionários e nem se está acusando-a de
discriminação na contratação dos mesmos.

O fato ensejador da demanda refere-se única e exclusivamente a frase


discriminatória e ofensiva verbalizada por uma de suas operadoras de caixas
para os autores/consumidores, não havendo relação com a forma de contratação
utilizada pela empresa.

Assim, comprovada a conduta ilícita da funcionária da requerida, o dano moral sofrido


pelos autores, bem como o nexo de causalidade entre esse a aquela, deve o recorrente
44

ser responsabilizado, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor c/c


artigos 186 e 927 do Código Civil.

Voto por negar provimento do apelo da ré


mantendo hígida a sentença atacada.

Observa-se no voto proferido pelo Desembargador Giovanni Conti uma carga de


imparcialidade, pois não deixa transparecer sua visão pessoal sobre o caso, na
medida em que seu entendimento está baseado na lei e nos depoimentos das
testemunhas que foram prestados no processo.

É possível que as características pessoais e culturais do Desembargador


Giovanni Conti o tenham levado a concluir pela existência do preconceito racial
no caso acima referido. No entanto, o seu voto é técnico e bem fundamentado,
de acordo com as provas do processo, ao contrário do voto proferido pela
Desembargadora Elisa Carpim Corrêa.

4.2 CASO CONCRETO REFERENTE AO PRECONCEITO QUANTO À


ORIENTAÇÃO SEXUAL

Sobre o preconceito quanto à orientação sexual é evidente que na grande


maioria dos casos os juízes aplicam entendimentos com base nas suas
convicções pessoais e isto pode ser mais exacerbado em determinadas regiões
do país, ou em determinadas classes sociais.

Um caso típico dessa influência pode ser notada no julgamento da Queixa-Crime


nº 936-07, que tramitou na 9ª vara criminal da Comarca de São Paulo, em que
foi vitima o jogador de futebol Richarlyson. No referido caso, o Juiz Manoel
Maximiano Junqueira Filho prolatou a seguinte sentença:

Processo nº 936-07

Conclusão
45

Em 5 de julho de 2007 faço estes autos conclusos ao Dr. Manoel Maximiano Junqueira
Filho, MM. Juiz de Direito Titular da Nona Vara Criminal da Comarca da Capital.

Eu, Ana Maria R. Goto, Escrevente, digitei e subscrevi.

A presente Queixa-Crime não reúne condições de prosseguir.

Vou evitar um exame perfunctório, mesmo porque, é vedado constitucionalmente, na


esteira do artigo 93, inciso IX, da Carta Magna.

1. Não vejo nenhum ataque do querelado ao querelante.

2. Em nenhum momento o querelado apontou o querelante como homossexual.

3. Se o tivesse rotulado de homossexual, o querelante poderia optar pelos seguintes


caminhos:

3. A – Não sendo homossexual, a imputação não o atingiria e bastaria que, também ele,
o querelante, comparecesse no mesmo programa televisivo e declarasse ser
heterossexual e ponto final;

3. B – se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito.


Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados...

Quem é, ou foi BOLEIRO, sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem
réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num TÈTE-
À TÈTE”.

Trazer o episódio à Justiça, outra coisa não é senão dar dimensão exagerada a um fato
insignificante, se comparado à grandeza do futebol brasileiro.

Em Juízo haveria audiência de retratação, exceção da verdade, interrogatório, prova


oral, para se saber se o querelado disse mesmo... e para se aquilatar se o querelante
é, ou não...

4. O querelante trouxe, em arrimo documental, suposta manifestação do “GRUPO


GAY”, da Bahia (folha 10) em conforto à posição do jogador. E também suposto
pronunciamento publicado na Folha de São Paulo, de autoria do colunista Juca Kfouri
(folha 7), batendo-se pela abertura, nas canchas, de atletas com opção sexual não de
todo aceita.

5. Já que foi colocado, como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não
homossexual. Há hinos que consagram esta condição: “OLHOS ONDE SURGE O
AMANHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS...”.
46

6. Esta situação, incomum, do mundo moderno, precisa ser rebatida...

7. Quem se recorda da “COPA DO MUNDO DE 1970”, quem viu o escrete de ouro


jogando (FÉLIX, CARLOS ALBERTO, BRITO, EVERALDO E PIAZA; CLODOALDO E
GÉRSON; JAIRZINHO, PELÉ, TOSTÃO E RIVELINO), jamais conceberia um ídolo seu
homossexual.

8. Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas formadas: SEJAS,


CLODOALDO, PELÉ E EDU, no Peixe: MANGA, FIGUEROA, FALCÃO E CAÇAPAVA,
no Colorado; CARLOS, OSCAR, VANDERLEI, MARCO AURELIO E DICÁ, na Macaca,
dentre inúmeros craques, não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando
futebol.

9. Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas,
forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra
si.

10. O que não se pode entender é que a Associação de Gays da Bahia e alguns
colunistas (se é que realmente se pronunciaram neste sentido) teimem em projetar para
os gramados, atletas homossexuais.

11. Ora, bolas, se a moda pega, logo teremos o “SISTEMA DE COTAS”, forçando o
acesso de tantos por agremiação...

12. E não se diga que essa abertura será de idêntica proporção ao que se deu quando
os negros passaram a compor as equipes. Nada menos exato. Também o negro, se
homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros.

13. Mas o negro desvelou-se (e em várias atividades) importantíssimo para a história do


Brasil: o mais completo atacante, jamais visto, chama-se EDSON ARANTES DO
NASCIMENTO e é negro.

14. O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro,


porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o
equilíbrio, o ideal...

15. Para não se falar no desconforto do torcedor, que pretende ir ao estádio , por vezes
com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de
perder-se em análises do comportamento deste, ou daquele atleta, com evidente
47

problema de personalidade, ou existencial; desconforto também dos colegas de equipe,


do treinador, da comissão técnica e da direção do clube.

16. Precisa, a propósito, estrofe popular, que consagra:

“CADA UM NA SUA ÁREA,

CADA MACACO EM SEU GALHO,

CADA GALO EM SEU TERREIRO,

CADA REI EM SEU BARALHO”.

17. É assim que eu penso... e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!

18. Rejeito a presente Queixa-Crime. Arquivem-se os autos. Na hipótese de eventual


recurso em sentido estrito, dê-se ciência ao Ministério Público e intime-se o querelado,
para contra-razões.

São Paulo, 5 de julho de 2007

MANOEL MAXIMIANO JUNQUEIRA FILHO

JUIZ DE DIREITO TITULAR

É indiscutível que a sentença acima mencionada foi prolatada de acordo com os


valores pessoais do Juiz Manoel Maximiano Junqueira Filho, que externou o seu
velado preconceito contra homossexualismo.

A sentença não analisa o fato e o direito com imparcialidade, uma vez que, em
momento algum, o referido juiz citou legislação, jurisprudência ou prova dos
autos, sua fundamentação foi baseada unicamente na posição pessoal que tinha
sobre o assunto, em uma clara demonstração de que todos os valores culturais
recebidos durante sua vida influenciaram a decisão do caso.

Em contraste com a decisão acima referida, o Acordão passado pelo Tribunal de


Justiça do Estado de São Paulo, que segue abaixo transcrito em seu inteiro teor:
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TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODER JUDICIÁRIO São Paulo Registro:


2015.0000079868 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do
Embargos Infringentes nº 0064298-89.2010.8.26.0506/50000, da Comarca de
Ribeirão Preto, em que são embargantes GUILHERME COLUCCI RODRIGUES
DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA) e CARLOS EDUARDO PIVETA, é embargado
CHOPP TIME CHOPERIA E RESTAURANTE LTDA. ACORDAM, em 9ª Câmara
de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão:
"Por maioria de votos, acolheram os embargos infringentes (deram provimento),
vencidos os 3º e 4º Juízes.", de conformidade com o voto do Relator, que integra
este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores
ALEXANDRE LAZZARINI (Presidente), GALDINO TOLEDO JÚNIOR, LUCILA
TOLEDO E JOSÉ APARÍCIO COELHO PRADO NETO. São Paulo, 10 de fevereiro
de 2015. Piva Rodrigues RELATOR Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito
Privado Embargos Infringentes nº 0064298-89.2010.8.26.0506/50000() - Voto nº
20332 rsh EMBARGOS INFRINGENTES Nº 0064298-89.2010.8.26.0506/50000
EMBARGANTE(S): Guilherme Colucci Rodrigues da Silva e Carlos Eduardo
Piveta EMBARGADO(A)(S): Chopp Time Choperia e Restaurante Ltda.
COMARCA: Ribeirão Preto 07ª Vara Cível VOTO: 20332 Embargos infringentes.
Casal homossexual expulso de choperia por troca de carícias. Sentença de
procedência. Acórdão que reformou, por maioria, a sentença. Inconformismo dos
autores. Acolhimento. Acompanhamento da sentença e do voto vencido do relator
do apelo. Preconceito (homofobia) demonstrado como motivação da expulsão.
Provas produzidas escancaram a ilicitude da conduta da ré. Procedência da ação,
com condenação da ré a indenizar os autores pelos danos morais sofridos em dez
mil reais a cada autor. Embargos infringentes acolhidos. Trata-se de embargos
infringentes opostos por Guilherme Colucci Rodrigues da Silva e Carlos Eduardo
Piveta em face de Chopp Time Choperia e Restaurante Ltda.diante da divergência
instaurada decorrente da sentença de fls. 404/417 e acórdão de fls. 511/527. A
divergência diz respeito ao pleito indenizatório dos autores, ora embargantes.
Argumentam os embargantes (fls. 530/544), em síntese, que deve prevalecer o
entendimento exarado pela sentença e pelo relator sorteado, Des. Alexandre
Lazzarini. Afirmam que o ônus probatório era da parte adversa. Afirmam que
sofreram danos morais. Afirmam que tiveram seus direitos de personalidade
ofendidos. Requerem, por fim, a reforma do acórdão embargado. Contrarrazões
de embargos às fls. 549/567. Recurso recebido (fl. 569), distribuído a esta relatoria
e concluso para julgamento em 29 de agosto de 2014. É o relatório. O recurso
comporta provimento. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Embargos Infringentes
nº 0064298-89.2010.8.26.0506/50000() - Voto nº 20332 rsh Este desembargador,
ora relator dos Embargos Infringentes opostos pelos autores, coloca-se ao lado
da tese esposada em sentença e, posteriormente, parcialmente confirmada pelo
relator sorteado do apelo, Des. Alexandre Lazzarini, de que restou comprovada a
ocorrência de danos morais causados aos autores pela ré, ao expulsá-los do
restaurante por conta de troca de carícias. As teses, resumidamente, são as
seguintes: O réu, estabelecimento comercial (choperia), afirma que os autores
estariam trocando carícias exageradas e que, depois de advertidos, continuaram
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a fazê-lo, e por tal razão foram expulsos, naquela oportunidade, do


estabelecimento. Os autores, casal homossexual, afirmam que trocavam carícias
sem qualquer exagero, e que foram vítimas de preconceito homofóbico, expulsos
de restaurante durante a comemoração do aniversário de um deles, na presença
de amigos, conhecidos e de outros frequentadores do estabelecimento. Pois bem.
Primeiro, há de ser considerada questão processual, de atribuição e cumprimento
do ônus probatório. O Código de Defesa do Consumidor estabelece, em seu artigo
6º, inciso VIII, a inversão do ônus da prova nos casos de verossimilhança da
alegação ou hipossuficiência do consumidor. Uma das hipóteses já é suficiente.
No caso, ambas estão presentes. A verossimilhança é autoexplicativa, basta que
se conheça com um mínimo de bom senso a sociedade em que vivemos e a triste
existência de sentimento homofóbico arraigado em boa parte dela. A
hipossuficiência, no caso, é técnica, tendo em vista que assumidamente a ré
possui câmeras no estabelecimento e as imagens foram gravadas (fls. 312 e 327).
A ré não apresentou as imagens, sob a explicação de que teriam ficado gravadas
por breve espaço de tempo. Ora, a versão é de difícil digestão, tendo em vista a
controvérsia que se instalou, inclusive com feitura de Boletim de PODER
JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª Câmara
de Direito Privado Embargos Infringentes nº 0064298-89.2010.8.26.0506/50000()
- Voto nº 20332 rsh Ocorrência no local (fls. 24/26) pelos autores logo após os
eventos discutidos em lide. Seria o bastante, mas não é só. Foram colhidas provas
testemunhais, cuja valoração feita pelo juízo de primeiro grau em sentença é
perfeita e merece transcrição integral, ora sendo integralmente ratificada: “A
informante Ana Carla narrou não ter presenciado troca de carinhos entre ambos,
dizendo que o garçom trouxe a conta sem aviso nenhum, alegando que o motivo
foi o beijo do casal de autores, sentindo-se constrangida com a situação,
esclarecendo que ela própria havia beijado seu noivo sem repreensão, frisando
que o local estava bem cheio de gente, inclusive havendo uma mesa com família
e crianças, sem que seus ocupantes sequer olhassem na direção das vítimas. A
outra testemunha arrolada pelos autores, Mauro, é atual esposo de Ana, tendo
sido rejeitada sua contradita, em decisão agravada oralmente no ato e mantida
inabalada, por falta de comprovação da alegada amizade íntima com as vítimas;
segundo o depoente, presenciou apenas e tão somente um popular 'selinho' entre
os envolvidos, sem outra espécie de carinho adicional ou ato libidinoso; após
instantes, sobreveio a entrega da conta, sem qualquer advertência, seguindose o
desenrolar dos fatos; sentiu-se mal com a situação constrangedora; o garçom
alegava seguir ordens do gerente para retirada da comanda da mesa, sem
presenciar qualquer reclamação dos demais clientes, cujo perfil era variado;
confirmou, outrossim, o beijo na noiva sem repreensão. Do lado passivo foi
inquirido primeiramente um dos garçons, Cláudio, segundo o qual trabalhava há
oito anos no estabelecimento, presenciando parcialmente os fatos; disse o
depoente que outro funcionário, alcunhado 'Cosminho', foi encarregado de levar a
conta à mesa dos autores; teria havido uma reclamação de beijo e o gerente foi
comunicado, orientando o empregado a pedir que dessem 'uma maneirada',
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª
Câmara de Direito Privado Embargos Infringentes nº 0064298-
89.2010.8.26.0506/50000() - Voto nº 20332 rsh orientação esta repetida pelo
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próprio superior João, dirigindo-se aos protagonistas, sob pena de fechar a conta,
o que acabou se concretizando por relutância do casal; afirmou ter visto um beijo,
nem de leve nem extravagante, 'meio termo'; ressaltou que a casa não faz
distinção entre homossexuais e heterossexuais no plano de advertências a
comportamentos supostamente indesejados. Por derradeiro foi ouvido o gerente
João Bosco, pivô do desentendimento; ele repetiu a versão do seu subordinado
acima, esclarecendo que tal garçom havia se deparado com a cena (beijo),
estando a casa cheia, orientando-o a dar uma advertência aos dois, no que houve
deboche e risadas; seguiu-se outro beijo, com repetição pessoal da advertência
por parte do depoente, avisando sobre o risco de encerramento da conta, no que
foi ignorado, tomando a atitude ora questionada, até porque uma família ao lado
foi embora do estabelecimento; o garçom 'Cosminho' não trabalha mais na
choperia; o depoente viu dois dos três beijos, negando tenham sido simples
'selinhos', mas sim beijos mais profundos; por fim, negou peremptoriamente
qualquer discriminação de conotação de intolerância sexual aos frequentadores,
tratados igualmente. Do confronto entre as declarações e depoimentos conclui-se
que realmente os autores trocaram no máximo três beijos entre si, restando avaliar
se eram capazes de causar repulsa ao público presente ou se foram atos normais
desprovidos de conteúdo ofensivo dentro daquilo que ordinariamente se espera,
independentemente do sexo dos envolvidos. A testemunha Mauro, que negou
manter relacionamento de intimidade com os autores, foi categórica em descrever
a ocorrência de um beijo rápido bem diferente de ato libidinoso. O garçom Cláudio,
a seu turno, avaliou que o carinho explícito foi trocado com moderação (meio
termo). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Embargos Infringentes nº 0064298-
89.2010.8.26.0506/50000() - Voto nº 20332 rsh Dos inquirdos, portanto, somente
o gerente João insistiu em sustentar a versão de beijos profundos, dos quais
presenciou dois deles, de longe, do caixa, deliberando pela censura. Ocorre que
a palavra deste último deve ser acolhida com reserva, inobstante a falta de
contradita, pois é evidente seu interesse, no mínimo, em referendar sua
determinação de fechamento da conta, sendo o representante legal da choperia e
responsável direto pela ordem, sujeito a ser regressivamente responsabilizado.
Diferentemente, o convidado Mauro, ali presente, na condição de então noivo de
Ana Cláudia, foi quem destacou a breve e singela troca de carícia labial, sendo
imperioso destacar que era representante de uma empresa de eventos que
costumeiramente entabulava contratos com o restaurante, portanto
desinteressado em prejudicar a choperia, da qual tirava proveito econômico na
sua atividade laborativa.” (fls. 408/410). Ora, se a falta de apresentação das
gravações pela ré e os testemunhos colhidos não são suficientes para demonstrar
a conduta reprovável da ré, nada jamais o será. Poderia aqui discorrer a respeito
da igualdade, da garantia de direitos às minorias, da evolução dos costumes e
legislação a respeito do tema. Poderia citar tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário, a Constituição Federal e a legislação ordinária. Aliás, todos tais
princípios e legislação foram brilhantemente já invocados nos posicionamentos
que ora acompanho. Não penso ser, assim, necessário repeti-los. Basta, a meu
ver, a seguinte pergunta: Se três beijos são suficientes para gerar expulsão do
estabelecimento réu, quantos casais heterossexuais de lá são expulsos por dia?
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Conforme constata a sabedoria popular, “o pior cego é aquele que não quer ver”.
A caracterização do preconceito, ato ilícito e repulsivo, é a esta relatoria evidente.
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª
Câmara de Direito Privado Embargos Infringentes nº 0064298-
89.2010.8.26.0506/50000) - Voto nº 20332 rsh O fato dos autores frequentarem
previamente o estabelecimento em nada muda o que ocorreu. Mesmo porque a
tolerância exercida somente quando a coisa tolerada não se mostra em sua
plenitude não é tolerância, é violência. Por tais fundamentos, dá-se provimento ao
recurso. PIVA RODRIGUES Relator.

Nesse julgamento, já se pode verificar que o Desembargador Relator Piva


Rodrigues tentou ao máximo ser imparcial e técnico para solucionar a lide,
deixando de aplicar carga emocional sobre o caso, diferentemente do que fez o
julgador na sentença antes mencionada.

Contudo, não se pode afirmar que não tenha aplicado ao caso seus valores
pessoais, uma vez que demonstra repulsa pela homofobia, no caso tratado nos
autos.

Ficou evidenciado no processo, que o casal homossexual estava trocando beijos


no restaurante e, pelo que relata o referido desembargador, a controvérsia é
relativa apenas à intensidade dos beijos.

É bem verdade, que esse fato por si só, não justifica o procedimento adotado
pelo restaurante, de expulsar o casal homossexual, contudo, não se pode negar
que caricias e beijos em público entre casais homossexuais ainda causam
desconforto no público em geral. Essa questão em momento algum foi abordada
no voto do Desembargador Piva Rodrigues.

Os casos acima confrontados refletem bem como os valores pessoais do


magistrado, em muitos casos influenciam suas decisões, contrariando inclusive,
leis, jurisprudências e provas produzidas no processo.
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5. CONCLUSÕES

Após desenvolvimento dessa pesquisa é possível chegar a algumas conclusões.

Conceitos como neutralidade e imparcialidade não podem ser confundidos à luz


da ciência jurídica ou do direito, por mais que os dicionários possam indicá-los
como sinônimos.

Quando da efetivação da função judicante, o magistrado não consegue despir-


se de seus valores, traumas, convicções filosóficas, ideológicas e crenças, vez
que tais fatores são inerentes ao ser humano. Assim, a neutralidade axiológica
do intérprete é impossível.

Se o juiz julga dada contenda utilizando conceitos axiológicos pessoais, sem


oferecer às partes igualdade de armas, contempladas em normas constitucionais
e legais, assim como, sem ater-se às características do caso concreto e às
provas produzidas, sua sentença será flagrantemente parcial, violando o
princípio da imparcialidade.

No entanto, se o juiz oferece às partes as mesmas possibilidades a partir das


normas constitucionais e legais e, dentro das provas produzidas, transmite a sua
visão de mundo por meio da sentença, não será parcial, desde que demonstre
fundamentadamente a todos (partes e público em geral) que o resultado
alcançado é o que mais se adequa à ordem jurídica e às peculiaridades do caso.

O direito contemporâneo já não admite a confusão entre os conceitos aqui


estudados, pois o Estado Democrático de Direito prima pela declaração,
proteção e efetivação de direitos para todos, independentemente de raça, credo,
etnia e sexo. Logo, como o mundo é extremamente plural, as pessoas têm
diferentes visões de mundo, podendo essas visões ser contempladas e
protegidas pelo ordenamento jurídico, que prevê normas de conteúdo abstrato e
indeterminado como dignidade da pessoa humana, cidadania, igualdade,
liberdade, entre inúmeros outros.
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Nesse contexto, o direito deve ser aplicado de modo a ajustar-se aos direitos
fundamentais e às reivindicações sociais, políticas e econômicas do sujeito de
direito e obrigações, segmento no qual a neutralidade do julgador é impossível,
mas isso, não necessariamente, ultraja sua imparcialidade.
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