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RECIFE
2015
MARCELA HARROP FONSECA MENDONÇA
RECIFE
2015
MARCELA HARROP FONSECA MENDONÇA
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Prof.ª Ma. Rosângela Araújo Viana de Lira– UNICAP
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RECIFE
2015
RESUMO
The main objective of this work is to show how judges’ personal and cultural values
influence their judicial decisions, sometimes violating basic legal norms and even
obstructing the achievement of justice. This research is based on two focal points
illustrated by case studies: racial and sexual orientation prejudice. The work concludes
that in many cases, magistrates are not able to strip off their values, traumas,
philosophical convictions, ideologies and beliefs, which are inherent to human beings.
Thus, interpreter’s neutrality is almost impossible to achieve. However, when judges
judge a given dispute, using personal axiological concepts, and do not offer the parties
equivalent arms, as contemplated in constitutional and legal norms, and do not take
into consideration the specificities of the case, nor the produced evidences, their
sentences will prove to be blatantly biased, thus violating the principle of impartiality.
This research strongly argues that if neutrality cannot be completely achieved,
impartiality shall always be, in all cases, an absolutely necessary condition for the
promotion of justice, and for the respect of juridical order.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
3 PSICOLOGISMO JURÍDICO 27
3.1 VALORAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL 27
3.2 REALISMO JURÍDICO NORTE- AMERICANO E REALISMO JURÍDICO
ESCANDINAVO 28
3.2.1 Realismo Jurídico Norte-Americano 28
3.2.2 Realismo Jurídico Escandinavo 31
5 CONCLUSÕES 52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 54
7
INTRODUÇÃO
dar mais segurança aos julgados, uma vez que prevê pena de nulidade para
CPP. Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá
ser recusado por qualquer das partes:
I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver
respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso
haja controvérsia;
III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o
terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo
que tenha de ser julgado por qualquer das partes;
IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;
V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
11
Como toda norma está aberta à interpretação, mesmo que o Juiz deva
imperiosamente demonstrar, na motivação, que a lei foi validamente aplicada no
caso, ele o fará não só a partir de provas trazidas, mas também por sua ideologia
e suas experiências vividas. Neto advoga uma idéia contrária: para ele o
princípio da imparcialidade
Na mesma linha de raciocínio, Ferraz Jr. dita que “ao colocar-se a serviço da
motivação, a dogmática corre o risco do encobrimento ideológico, utilizando-se
assim de figuras retóricas”. Desse modo, ao utilizar-se do argumento de que “a
questão é bastante complexa e ou discutível”, o autor conclui que se trata de
suspensões que visam retardar um enunciado antes de soluciona-lo (FERRAZ
JUNIOR, 1988).
Vale ressaltar que, de acordo com uma pesquisa feita pela Universidade Federal
do Paraná, publicada pelo jornal Gazeta do Povo, foi revelado que o sistema
jurídico brasileiro faz uso intenso da ideologia. Nesta pesquisa, o juiz paranaense
Fernando Ganem, ao ser entrevistado, afirmou que a ideologia é útil para
decisões em casos “de massa”, que têm praticamente o mesmo conteúdo,
porém, ao se depararem com casos polêmicos “a ideologia e o posicionamento
prévio influenciam na decisão, justificada, depois, com a doutrina e a
jurisprudência”. Ou, em outras palavras, o juiz adapta as normas aos seus
valores, segundo José Maurício de Almeida, desembargador do Tribunal de
Justiça do Paraná, que argui:
1
Cf. “Karl Mannheim elaborated further on the idea of the complex relation between reality and
ideology by pointing to the human need for ideology. Ideologies are neither true nor false but are
a set of socially conditioned ideas that provide a truth that people, both the advantaged and the
disadvantaged, want to hear” SYPNOWICH, Christine. Law and Ideology. Stanford Encyclopedia
of Philosophy. Disponível em http://plato.stanford.edu/entries/law-ideology.
14
E ainda:
com ideologias pessoais, pois nem sempre uma corresponde à outra. Assim, faz
sentido que um juiz que exerce um cargo há vinte anos tenha ideologia diferente
daquele o exerça há três anos, pois são indivíduos que receberam influências e
educação totalmente diferentes. A avaliação de ética e valores dos juízes, apesar
de esse ser um cargo vitalício, deveria ser feita periodicamente, no decorrer de
sua carreira.
elementos que ele gostaria de ter para si, mas se vê obrigado a não ter;
quanto maior o desejo de poder se identificar com a pessoa vítima de
preconceito, mais esse tem de ser fortalecido. Já os estereótipos são
produzidos e fomentados por uma cultura que pede definições precisas, por
meio de suas diversas agências: família, escola, meios de comunicação de
massa etc., nas quais a dúvida, como inimiga da ação deve ser eliminada
do pensamento e a certeza, perante a eficácia da ação, deve tomar o lugar
da verdade que aquela ação aponta: o controle, quer da natureza, quer dos
homens, para melhor poder administrá-los (CROCHIK, 2006, p.22).
2
RESOLUÇÃO Nº 2, DE 1987 Dispõe sobre o Regimento Interno da Assembléia Nacional
Constituinte.
<http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=75636&norma=102406>
3
Grupo Gay da Bahia, Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil, 2013.
<https://homofobiamata.files.wordpress.com/2014/03/relatc3b3rio-homocidios-2013.pdf>
19
portugueses por usar mão de obra escrava. Por isso, mais de quatro milhões de
negros foram transportados da África para o Brasil.
E ainda:
Nesse contexto, a consolidação da visão, de cunho racista, de que o
progresso do país só se daria com o “branqueamento”, suscitou a
adoção de medidas e ações governamentais que findaram por
desenhar a exclusão, a desigualdade e a pobreza que se reproduzem
no paiś até os dias atuais (THEODORO, Org.,2008, p.1).
beiras dos rios. Corroborando com Andrade, Bosi assinalou com muita
propriedade:
Poucas opções restaram às vit́ imas da escravidão recém abolida: “ou
a velha condição de agregado; ou a queda no lúmen que já crescia
como sombra do proletariado branco de origem européia; ou as franjas
da economia de subsistência.
E ainda:
De acordo com os indicadores levantados pelo LAESER, em seu banco
de dados Júris, verifica-se que o Poder Judiciário brasileiro, em média,
não tem acolhido as teses e provas apresentadas pelas supostas
vit́ imas, tendo elas perdido na maioria dos processos que tramitaram
nos Tribunais de Justiça (de primeira e de segunda instância)
eTrabalhista (de segunda instância) (CARVANO et al., 2009, p.262 e
266)
Há uma coisa que eu não admito nunca, jamais: “macaco”. [...] Então,
isso é uma expressão que não há espaço para interpretação. Ela é
agressiva em qualquer circunstância, porque é menosprezar mesmo,
é diminuir o outro à situação primária, ancestral da humanidade, ao
animal, bicho. Então, nessa circunstância, não tem acordo (DOS
SANTOS, 2012, p.5).
Dos Santos, especificamente sobre esse tipo de caso, advoga que “temos aqui
a naturalização do ato de fala racista: o ordinário é considerado suave e só o
inesperado poderia ser violento” (DOS SANTOS, 2012, p.3). Ou seja, para o
entendimento de alguns juízes, o uso corriqueiro de ofensas de cunho
discriminatório descaracterizaria o próprio fenômeno da discriminação.
4
Cf.Grupo Gay da Bahia, Assassinato de Homossexuais (LGBT) no Brasil, 2013. p.2
<https://homofobiamata.files.wordpress.com/2014/03/relatc3b3rio-homocidios-2013.pdf >
24
pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou se
viverem em união estável” – o que faz o nosso Código Civil ir contra o principio
do melhor interesse do menor que, ao ser adotado por apenas um companheiro,
acaba por perder direitos sucessórios, alimentos, benefícios previdenciários.
Este é mais um claro exemplo da incapacidade do ordenamento jurídico de
refletir a realidade, pois na prática, a criança tem como figura parental os dois
companheiros, mas não goza de todos os direitos que deveria gozar.
Para exemplo claro desse tipo de leitura, vale mencionar o caso do Juiz Carlos
Castilho Aguiar França e os seus argumentos abaixo destacados:
Efetivamente, a Constituição Federal Brasileira, por enquanto, só
admite casamento entre homem e mulher, consoante enfatiza o
eminente Desembargador Carlos Roberto Gonçalves: Esse
posicionamento é tradicional e já era salientado nos textos clássicos
romanos. A diferença de sexos constitui requisito natural do
casamento, a ponto de serem consideradas inexistentes as uniões
homossexuais. A Lei Maior veda, inclusive, a união estável entre
pessoas do mesmo sexo, só a admitindo entre homem e mulher.
E ainda
Ao juiz não compete mudar a lei, função reservada ao próprio
legislador. Ao juiz se permite criticar a demora na discussão da
legislação a respeito, apesar do reclamo da sociedade, a exemplo de
26
antigo projeto de lei da Deputada Marta Suplicy, mas não cabe assumir
a função legislativa (MONTEIRO, 2012, p.28).
De todo o exposto, infere-se que assim como a injúria racial, a injúria homofobica
pode não ser interpretada como tal no entendimento dos juízes, na medida em
que estes costumam não caracterizar a injúria com o receio de “banalizar” o
instituto do dano moral.
Dessa forma, sob o pretexto de banalização do caso, o apelo foi negado, o que
mostra a dificuldade de caracterizar o insulto, visto muitas vezes como uma
questão linguística. No caso em tela a ofensa homofóbica teria ocorrido na forma
de “brincadeira”, tornando, assim, muito difícil provar a real intenção de quem a
fez, embora tenha ficado muito claro o seu significado pela vítima.
Outro caso a merecer menção é o do Juíz que desconsidera a ofensa, pois no
seu entendimento, se esta realmente tivesse sido grave o autor da reclamação
(a vítima) teria saído do emprego muito antes. Abaixo segue a decisão:
Consta no depoimento da primeira testemunha que o reclamante
passou a ser ofendido constantemente, com os palavrões e referências
à orientação sexual do mesmo desde 2002. O contrato de trabalho foi
rescindido em abril de 2007 e não consta no processo que o autor
tenha tomado qualquer providencia efetiva, durante o vínculo
empregatić io, para coibir esse tratamento. (...) Com isso, o autor
suportou mais ou menos cinco anos desse tipo de tratamento. A ofensa
não foi tão grave. O sofrimento moral não foi tanto. (...) É verdade que
as palavras proferidas contra o reclamante são ofensivas ante o senso
27
O que pode ter acontecido, porém, é que talvez por temer o desemprego,
situação muito comum no Brasil, o autor da ação, por necessidade, tenha
suportado tanto tempo de ofensa. Decisões como a vista acima aumentam a
insegurança de pessoas que sofrem preconceito quanto à orientação sexual e
tendem a incentivar reações como a do caso citado, pois o ofendido, acreditando
na impunidade de tais ofensas, acaba por não as relatar e a obrigar-se a viver
nessa realidade.
3. PSICOLOGISMO JURÍDICO
Para Lask o valor pode “ser o critério para seleção de certos comportamentos”
(LASK, 1946, apud DINIZ, 2013, p. 231), ou seja, o valor se adapta à situação,
ou pode ter função justificadora, quando a situação se adapta aos valores. A
segunda opção é a forma correta a ser usada pelos juristas, porém, como critica
o Realismo Jurídico, não é assim que funciona, ou deveria funcionar, o sistema.
Assim, nas palavras de Diniz:
O realismo jurídico, como um todo, busca a realidade efetiva sobre a
qual se apoia e resulta o direito, não a realidade sonhada ou a realidade
ideal. Para os realistas, o direito real e o direito efetivo são aqueles que
o tribunal declara ao tratar como caso concreto.
valores. Tais realistas acreditam que, ao se analisar o que o juiz “faz” e não o
que ele “diz”, chega-se ao direito real. A esse respeito, argui Diniz:
O direito efetivo e real não é o que aparece declarado nas normas, nem
o que os juízes declaram como base de suas decisões, mas aquele
que os juízes efetivamente fazem, independentemente do que expõem
em suas sentenças (Idem, p. 92).
Vale ressaltar que o pragmatismo, que investiga como as pessoas pensam e não
por quais motivos as pessoas pensam, foi uma base filosófica do realismo
jurídico norte-americano. Desta forma, “o que se toma por verdadeiro é apenas
o que se admite como tal” (GODOY, 2013, p. 25).
Por outro lado, Alf Ross já apresenta uma concepção mais complexa,
acreditando que “os conceitos jurídicos devem ser interpretados como
concepções da realidade social, do comportamento humano em sociedade”
32
(DINIZ, 2013, p. 99), e que, ao contrário do que acredita o realismo juridico norte-
americano, deve-se considerar o que vincula e obriga o juiz não apenas a
obedecer às decisõess judiciais. Para Ross:
Para compreender o direito, não basta atender às decisões judiciais e
às profecias dessas resoluções, mas levar em conta o que vincula e
obriga o juiz, ou seja, a noção de validade, que se explica pelo
reconhecimento da competência legislativa.
E ainda
Os conceitos jurídicos fundamentais devem ser interpretados como
concepção da realidade social, logo, sob ponto de vista epistemológico,
a ciência jurídica é uma ciência social empírica, que procura interpretar
a validade do direito, em termos de efetividade social, isto é, de uma
certa correspondência entre um conteúdo normativo ideal e os
fenômenos sociais (DINIZ, 2013, p. 101).
ACÓRDÃO
RELATÓRIO
DES.ª ELISA CARPIM CORRÊA (RELATORA)
JOSCELI BRUM CONCEIÇÃO ajuizou ação de indenização por danos morais contra
MACRO ATACADO KROLOW LTDA. dizendo que, em março de 2011, realizou
compras naquele estabelecimento comercial, juntamente com sua companheira e
sogro. Ocorre que, na hora de pagar as mercadorias adquiridas, o cartão de crédito de
seu sogro, o qual arcaria com a despesa, apresentou problemas. Permaneceram
aguardando a solução do imprevisto, junto ao carrinho de compras, próximos ao armário
do pós-caixa. No entanto, em vista da demora no retorno de seu sogro, passou a
observar que a operadora de caixa estava observando-os e, em determinado momento,
a aludida funcionária chamou um dos seguranças e disse-lhe em voz alta: “cuida o
Negão que estava fugindo com as mercadorias, bem como o velho”. Tais palavras foram
ouvidas pelos demais operadores e funcionários, bem como por todas as pessoas que
se encontravam em volta, causando imenso constrangimento ao requerente, o qual
jamais pensou em furtar as mercadorias, as quais, posteriormente, foram pagas em
dinheiro pelo pai de sua companheira. Assim, postulou a condenação do requerido ao
pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrado pelo juízo,
devidamente acrescido dos ônus sucumbenciais.
35
Houve réplica.
Foi prolatada sentença pela Dra. Lizete Brod Lokschin às fls. 117/119:
Isto posto, JULGO PROCEDENTE pedido, base no artigo 269,
I, do CPC, para condenar o réu a pagar ao autor, a título de
indenização por danos morais o valor de R$ 6.000,00 (seis mil
reais), devidamente corrigido, pelo índice do IGP-M, a partir
desta data e acrescido de juros legais, a contar da citação.
O réu apelou (fls. 121/125) aduzindo que foi surpreendida com as alegações do autor,
uma vez que não foi verificado e jamais foi comentado de terem ocorridos os referidos
fatos. Alegou que nem os empregados que trabalham na empresa ouviram alguma caixa
ou empregado pronunciar tais palavras, bem como jamais a direção e a gerência foram
procuradas pelo autor. Mencionou que em face de o autor efetuar o registro policial
somente seis dias depois da alegada injúria e as controversas versões do autor e suas
testemunhas demonstram que o referido fato jamais ocorreu. Acrescentou que a mera
pronúncia da expressão negro ou derivados, não pode ser considerada racismo. Por
fim, postulou a minoração da quantia fixada a título de indenização por danos morais
em caso de manutenção da sentença. Postulou o provimento do recurso.
Anoto que as disposições contidas nos arts. 549, 551 e 552, do CPC foram devidamente
observadas.
36
É o relatório.
VOTOS
Outra testemunha, Cátia Adriane Rodrigues de Moura (fl. 113) também mencionou
que era um final de tarde. “Eu estava na mesma fila quando aconteceu o fato de a
moça gritar, a moça falou bem alto, tanto que eu ouvi da fila, “Sibé, segura o negro,
não deixa o negro sair porque o cartão do velho não está passando ou não está
entrando, uma coisa assim. ... Eu não lembro. Eu sei que ele estava com o
carrinho, ele saiu, se afastou do caixa, mas não do local e ela gritou ‘segura o
negro, não deixa o negro sair’. “Aquilo chamou a atenção do pessoal, foi isto.”
37
A inicial faz alusão de que a operadora do caixa falou em alto e bom tom: “Cuida o
negrão que está fugindo com mercadorias, bem como o velho”.
Além do mais, o mercado como tantos outros, tem diversos empregados negros e
pardos. Nos supermercados percebe-se sempre a proximidade entre eles, sem
distinção. Não se vê arrogância para com os clientes, pois uma reclamação dessa
ordem, por certo, geraria a demissão do empregado. No caso, o réu trouxe ex-
empregadas, que trabalharam como operadoras de caixas (fl. 114v e 115) que
esclareceram o procedimento seguido. Em caso de problema, tentam resolve primeiro.
Não sendo, possível, chamam o gerente. Quando o cliente não consegue efetuar o
pagamento por cartão de crédito é levado ao setor de cadastro e o caixa fica esperando
que volte. Foi esse o tratamento dado ao sogro do autor, que acabou pagando com
dinheiro.
Era ônus do autor trazer uma prova crível da ocorrência do fato e do alegado dano, o
que não aconteceu.
Cumpre salientar, inicialmente, que o ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é
imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e subsidiariamente dos
instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em
conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica
trazida para análise.
Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe
o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirma que a dignidade da pessoa humana é
elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz
Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o
intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para
todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do
Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.
39
“(...)
O demandante pretende ver-se indenizado em razão de suposto ato de racismo
praticado por preposta do réu.
A prova carreada aos autos indica que, efetivamente, a funcionária do demandado agiu
de forma desrespeitosa e preconceituosa com o requerente.
A testemunha Roberta Lourenço Torres, devidamente compromissada, relatou:
(...)” (grifei)
Saliento que as testemunhas trazidas pela requerida se limitaram a dizer que jamais
presenciaram qualquer ato de discriminação no estabelecimento réu, entretanto tais
testemunhas não estavam presentes na ocasião do fato originário da demanda não se
podendo afirmar sua não ocorrência.
Isso porque não está em tela a forma através da qual a empresa seleciona seus
funcionários e nem se está acusando-a de discriminação na contratação dos
mesmos.
Isto é dito porque o preconceito racial ficou evidenciado, nesse caso, quando as
testemunhas afirmaram que a operadora do caixa, disse em voz alta “Segura o
negro, não deixa o negro sair”. Essa expressão não deixa dúvida que houve
preconceito racial, uma vez que não é comum em estabelecimento comercial
esse tipo de tratamento aos clientes, pois usualmente são tratados como
“Senhor” ou “Senhora”.
“(...)
O demandante pretende ver-se indenizado em razão de suposto
ato de racismo praticado por preposta do réu.
A prova carreada aos autos indica que, efetivamente, a
funcionária do demandado agiu de forma desrespeitosa e
preconceituosa com o requerente.
A testemunha Roberta Lourenço Torres, devidamente
compromissada, relatou:
(...)” (grifei)
Processo nº 936-07
Conclusão
45
Em 5 de julho de 2007 faço estes autos conclusos ao Dr. Manoel Maximiano Junqueira
Filho, MM. Juiz de Direito Titular da Nona Vara Criminal da Comarca da Capital.
3. A – Não sendo homossexual, a imputação não o atingiria e bastaria que, também ele,
o querelante, comparecesse no mesmo programa televisivo e declarasse ser
heterossexual e ponto final;
Quem é, ou foi BOLEIRO, sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem
réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num TÈTE-
À TÈTE”.
Trazer o episódio à Justiça, outra coisa não é senão dar dimensão exagerada a um fato
insignificante, se comparado à grandeza do futebol brasileiro.
5. Já que foi colocado, como lastro, este Juízo responde: futebol é jogo viril, varonil, não
homossexual. Há hinos que consagram esta condição: “OLHOS ONDE SURGE O
AMANHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS...”.
46
9. Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas,
forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra
si.
10. O que não se pode entender é que a Associação de Gays da Bahia e alguns
colunistas (se é que realmente se pronunciaram neste sentido) teimem em projetar para
os gramados, atletas homossexuais.
11. Ora, bolas, se a moda pega, logo teremos o “SISTEMA DE COTAS”, forçando o
acesso de tantos por agremiação...
12. E não se diga que essa abertura será de idêntica proporção ao que se deu quando
os negros passaram a compor as equipes. Nada menos exato. Também o negro, se
homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros.
15. Para não se falar no desconforto do torcedor, que pretende ir ao estádio , por vezes
com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de
perder-se em análises do comportamento deste, ou daquele atleta, com evidente
47
17. É assim que eu penso... e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!
A sentença não analisa o fato e o direito com imparcialidade, uma vez que, em
momento algum, o referido juiz citou legislação, jurisprudência ou prova dos
autos, sua fundamentação foi baseada unicamente na posição pessoal que tinha
sobre o assunto, em uma clara demonstração de que todos os valores culturais
recebidos durante sua vida influenciaram a decisão do caso.
próprio superior João, dirigindo-se aos protagonistas, sob pena de fechar a conta,
o que acabou se concretizando por relutância do casal; afirmou ter visto um beijo,
nem de leve nem extravagante, 'meio termo'; ressaltou que a casa não faz
distinção entre homossexuais e heterossexuais no plano de advertências a
comportamentos supostamente indesejados. Por derradeiro foi ouvido o gerente
João Bosco, pivô do desentendimento; ele repetiu a versão do seu subordinado
acima, esclarecendo que tal garçom havia se deparado com a cena (beijo),
estando a casa cheia, orientando-o a dar uma advertência aos dois, no que houve
deboche e risadas; seguiu-se outro beijo, com repetição pessoal da advertência
por parte do depoente, avisando sobre o risco de encerramento da conta, no que
foi ignorado, tomando a atitude ora questionada, até porque uma família ao lado
foi embora do estabelecimento; o garçom 'Cosminho' não trabalha mais na
choperia; o depoente viu dois dos três beijos, negando tenham sido simples
'selinhos', mas sim beijos mais profundos; por fim, negou peremptoriamente
qualquer discriminação de conotação de intolerância sexual aos frequentadores,
tratados igualmente. Do confronto entre as declarações e depoimentos conclui-se
que realmente os autores trocaram no máximo três beijos entre si, restando avaliar
se eram capazes de causar repulsa ao público presente ou se foram atos normais
desprovidos de conteúdo ofensivo dentro daquilo que ordinariamente se espera,
independentemente do sexo dos envolvidos. A testemunha Mauro, que negou
manter relacionamento de intimidade com os autores, foi categórica em descrever
a ocorrência de um beijo rápido bem diferente de ato libidinoso. O garçom Cláudio,
a seu turno, avaliou que o carinho explícito foi trocado com moderação (meio
termo). PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO 9ª Câmara de Direito Privado Embargos Infringentes nº 0064298-
89.2010.8.26.0506/50000() - Voto nº 20332 rsh Dos inquirdos, portanto, somente
o gerente João insistiu em sustentar a versão de beijos profundos, dos quais
presenciou dois deles, de longe, do caixa, deliberando pela censura. Ocorre que
a palavra deste último deve ser acolhida com reserva, inobstante a falta de
contradita, pois é evidente seu interesse, no mínimo, em referendar sua
determinação de fechamento da conta, sendo o representante legal da choperia e
responsável direto pela ordem, sujeito a ser regressivamente responsabilizado.
Diferentemente, o convidado Mauro, ali presente, na condição de então noivo de
Ana Cláudia, foi quem destacou a breve e singela troca de carícia labial, sendo
imperioso destacar que era representante de uma empresa de eventos que
costumeiramente entabulava contratos com o restaurante, portanto
desinteressado em prejudicar a choperia, da qual tirava proveito econômico na
sua atividade laborativa.” (fls. 408/410). Ora, se a falta de apresentação das
gravações pela ré e os testemunhos colhidos não são suficientes para demonstrar
a conduta reprovável da ré, nada jamais o será. Poderia aqui discorrer a respeito
da igualdade, da garantia de direitos às minorias, da evolução dos costumes e
legislação a respeito do tema. Poderia citar tratados internacionais dos quais o
Brasil é signatário, a Constituição Federal e a legislação ordinária. Aliás, todos tais
princípios e legislação foram brilhantemente já invocados nos posicionamentos
que ora acompanho. Não penso ser, assim, necessário repeti-los. Basta, a meu
ver, a seguinte pergunta: Se três beijos são suficientes para gerar expulsão do
estabelecimento réu, quantos casais heterossexuais de lá são expulsos por dia?
51
Conforme constata a sabedoria popular, “o pior cego é aquele que não quer ver”.
A caracterização do preconceito, ato ilícito e repulsivo, é a esta relatoria evidente.
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 9ª
Câmara de Direito Privado Embargos Infringentes nº 0064298-
89.2010.8.26.0506/50000) - Voto nº 20332 rsh O fato dos autores frequentarem
previamente o estabelecimento em nada muda o que ocorreu. Mesmo porque a
tolerância exercida somente quando a coisa tolerada não se mostra em sua
plenitude não é tolerância, é violência. Por tais fundamentos, dá-se provimento ao
recurso. PIVA RODRIGUES Relator.
Contudo, não se pode afirmar que não tenha aplicado ao caso seus valores
pessoais, uma vez que demonstra repulsa pela homofobia, no caso tratado nos
autos.
É bem verdade, que esse fato por si só, não justifica o procedimento adotado
pelo restaurante, de expulsar o casal homossexual, contudo, não se pode negar
que caricias e beijos em público entre casais homossexuais ainda causam
desconforto no público em geral. Essa questão em momento algum foi abordada
no voto do Desembargador Piva Rodrigues.
5. CONCLUSÕES
Nesse contexto, o direito deve ser aplicado de modo a ajustar-se aos direitos
fundamentais e às reivindicações sociais, políticas e econômicas do sujeito de
direito e obrigações, segmento no qual a neutralidade do julgador é impossível,
mas isso, não necessariamente, ultraja sua imparcialidade.
54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Psicólogo, 2006.
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Nacional, 1970. (Coleção Biblioteca Universitária, Série 2a, Ciências Sociais, v.
23).
PORTANOVA, R.: Princípios do Processo Civil. 3ª. ed. Porto Alegre, Livraria
do Advogado,1999.
SALES JR. R.: Democracia racial: o não-dito racista. Tempo social, revista
de sociologia da USP, São Paulo, SP, v. 18, n. 2, 2006.