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A lição de natação

Fiona fletiu os braços e as pernas, gozando o


calor do sol na pele nua. Olhou furtivamente para a
casa. Eles não tardariam a chegar, pensou, sentindo
os músculos retesarem-se outra vez. Ajustando o
fato de banho bem ao corpo, Fiona fez um totó alto
com o cabelo e atou-o com uma fita antes de
mergulhar na piscina exterior. Diamantes de
gotículas de água saltavam para o ar enquanto os
seus braços e pernas deslizavam sobre a água.
O céu de cobalto lá em cima era como uma
imagem de espelho quando pássaros levantavam
voo antes de mergulhar, com a graciosidade de
campeões de natação.
Completada a primeira braçada, Fiona saiu para
respirar, agarrando-se com uma mão aos ladrilhos
quentes dos bordos da piscina. Ao olhar de novo
para a casa, um vulto em movimento chamou-lhe a
atenção. O brilho intenso do sol fê-la piscar os olhos,
distorcendo-lhe a visão. Era o namorado, Jake, nada
mais. Fiona respirou fundo e partiu para nova
braçada, envolta em ondas de calma.
Mudarem-se para França em busca do sonho
do Jake de se estabelecer como dono de uma
pousada de férias com dormida e pequeno-almoço
tinha sido arriscado. O sonho de Fiona era ser
nadadora de competição, mas fora-lhe extorquido
por uma lesão nas pernas. Julgara-se predestinada
para medalhas, mas os médicos diziam que sim, ela
ia poder voltar a nadar, porém as probabilidades de
competir eram nulas. Isso decidiu as coisas por ela:
já que não podiam investir no seu sonho, investiriam
no sonho de Jake, malgrado o desacordo dos pais
dela.
“Quase nunca te vamos ver, Fiona. A França é
longe daqui. Vais fazer uma asneira”, tinham
avisado.
“Fica a uma viagem de barco e de carro. A
comida é deliciosa e está sempre sol. A casa nova é
linda; até tem piscina”, replicara ela.
A mãe parecia inconsolável. Natação.
Competição. Medalhas. Devia ter sido esse o futuro.
Segura aos bordos da piscina. Fiona pegou no
relógio. Eram duas da tarde. Os hóspedes
chegavam sempre atrasados; mas estavam no seu
direito. Afinal, estavam de férias.
Tinham demorado a adaptar-se ao novo estilo
de vida quando chegaram a França há três anos.
“Não te preocupes, amor”, dizia Jake quando
Fiona se enervava com as reservas, o pequeno-
almoço ou a lavandaria. Jake era uma daquelas
pessoas que nunca se preocupam. Simplesmente
tratava das coisas, dando as boas-vindas aos
hóspedes em conversa animada, pondo-os à
vontade. Os olhos brilhavam-lhe de excitação
sempre que recebiam uma reserva.
Também tinham transformado o celeiro num
estádio de ioga e pilates. “Um extra para oferecer
aos hóspedes”, entusiasmara-se Jake. Desta vez
foram os olhos dela que a ideia fez brilhar.
Um dia perguntaram a Fiona se oferecia lições
de natação. Hesitou, depois murmurou: “Para o ano,
talvez.” Era cedo demais, disse para consigo, com
uma ponta de amargura.
“Vá lá, amor. Sei que dói – o que podia ter sido.
Mas se calhar, ajudando os outros ajudas-te a ti
também”, disse Jake.
“Vou pensar.” Não sabia se estava preparada.
Mais tarde mudou de ideias. Um dia um
hóspede chamou da borda da piscina: “Não confio
muito em mim dentro de água.”
“Tome, utilize boias no início”, recomendou
Fiona. “Pronto. É só relaxar e deixar-se ir. Mexa as
pernas com energia. Vê? Está a nadar.” Sorria, com
o rosto radiante de felicidade.
“Estou mesmo! Estou a nadar!”, exclamou a
hóspede salpicando tudo em redor.
Fiona ergueu-se para fora da piscina, sorrindo
ao recordar a cena. Enquanto se secava com uma
toalha, ouviu um carro a subir a entrada. Jake
acenou-lhe. Enfiou à pressa o vestido de verão por
cima dos ombros e do fato de banho e correu para
cumprimentar quem chegava.
Um casal idoso desceu do carro e Fiona
abraçou cada um por sua vez. “Mãezinha, paizinho,
estou tão contente por estarem aqui”, exclamou.
Enquanto Jake e Fiona lhes mostravam toda a
casa e a pousada, assentiram com a cabeça um
para o outro, impressionados com tudo aquilo. A
mãe apertou-lhes a mão e levou-a à parte.
“Orgulhamo-nos tanto de ti, Fiona”, afirmou. Sei
que vos podíamos ter apoiado mais, mas é que
ficamos preocupados contigo. Ver-vos felizes, a ti e
ao Jake, faz-nos felizes também.”
O coração de Fiona encheu-se de alegria. Tinha
demorado a perceber, mas agora sabia que não
precisava de medalhas para se sentir uma
vencedora. Bastava-lhe a riqueza que já lhe enchia a
vida.
Lisa Allen (Tradução de Ana Maria Fontes)
Rosa-dos-Ventos, março, 2018, Ano 50, Nº 545,
Santa Casa da Misericórdia do Porto, CPAC,
Edições Braille.

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