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A LITERATURA E A FOME

Resenha do livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada

Leandra de Lana Lopes - 177589 - 20/05/20

Mulher, negra, mãe e moradora da favela. Carolina Maria de Jesus é também,


escritora e autora de uma das literaturas mais necessárias que o Brasil já teve. Quarto de
Despejo é um diário, escrito entre julho de 1955 e janeiro de 1960, no qual ela digere e
descreve fielmente o duro cotidiano de sua vivência na favela do Canindé, em São
Paulo, ao lado de seus três filhos.
Comecemos pela análise do próprio título. Com a modernização que vinha
acontecendo na época, veio também o aumento da desigualdade e a invisibilidade social
sofrida por aqueles que não tem o ingresso de acesso a essa vida. Casas e habitações
foram demolidas para que novas e modernas fossem construídas no lugar, comunidades
inteiras tiveram que abandonar suas casas. Foram despejados. Mandados para um
espaço que não atrapalhe o “progresso” do país, a favela.
Carolina, instruída até o segundo ano em uma escola primária de Sacramento,
interior de Minas Gerais, descobriu na leitura de páginas encontradas no lixo e na
escrita formas de escapismo de sua amarga realidade, um modo de canalizar o
sentimento de não poder comprar sapatos para filha mais nova ou pão para o café. Uma
maneira de tentar enganar o buraco no estomago de fome das refeições que não
aconteceram.
“A educação de qualidade ainda é um privilégio de pouca gente em nosso país,
uma quantidade gigantesca de brasileiros permanece à margem do domínio das formas
prestigiadas de uso da língua” (BAGNO, 2015, p.29). Dentre os aspectos enfrentados
por Carolina um deles é a alfabetização. Por esse motivo, seus escritos contêm, por
vezes desvios da norma padrão, erros gramaticais e sintáticos que, no entanto, foram
mantidos na publicação do livro justamente com o intuito de conferir maior realismo e
expressividade ao relato. E por vezes incorpora palavras rebuscadas que suas leituras
lhe apresentaram.
A descrição da vida na favela é direta e crua. Os momentos de subjetividade e
lirismo aparecem em anotações sobre a natureza, que surge como contraponto a miséria.
O que conduz o fluxo da vida de Carolina é a fome e a luta diária contra ela, tirando o
sustento mínimo seu e dos filhos de seu ofício, catar papel. “...No Frigorifico eles não
põe mais lixo na rua por causa das mulheres que catavam carne podre pra comer.”
(JESUS, p. 121).
O que difere essa obra de outras que relatam a terrível desigualdade do nosso
país? A perspectiva. A perspectiva interna de alguém que vive o que escreve. A dor, a
fome, a luta são experiências reais da autora. Além disso, Carolina Maria de Jesus dá
voz a milhares de outras pessoas que insistem em ser ignoradas e marginalizadas pela
sociedade e pelo Estado.
Publicado em agosto de 1960, o receio é que este diário seja atual por ainda
muitos anos. Quarto de Despejo é uma literatura difícil de ser digerida e, sobretudo,
com enorme caráter de denúncia. A imersão nesta obra é extremamente necessária para
entender aquilo que alguns não conhecem, mas muitos de nós vivem.

Referências bibliográficas

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: Diário de uma favelada. 10 ed. São
Paulo: Ática , 2014.

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