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POEMA:

ROTEIRO PARA ANÁLISE

Fernando Fiorese

O presente roteiro propõe um repertório de dez operações para a elaboração da aná-


lise interpretativa de um poema.
A ordem em que tais operações estão dispostas foi definida a partir de parâmetros
didáticos e funcionais, não devendo ser considerada obrigatória nem exemplar.
Cumpre ao/à autor/a do trabalho de análise encontrar o seu modo específico de re-
alizar essas operações (sem descurar de qualquer uma delas), com base nas leituras e
experiências acumuladas.

OPERAÇÃO I – LEITURA

Leitura do poema selecionado repetidas vezes, especialmente em voz alta.

OPERAÇÃO II – ESTRATO SONORO1

Levantamento dos elementos que integram o estrato sonoro do poema através dos
seguintes procedimentos:
a) Escansão de cada um dos versos do poema, de forma a identificar a métrica e o
ritmo;
b) Identificação e descrição do esquema métrico e do ritmo;
c) Identificação e descrição dos tipos de rimas e do esquema rímico;
d) Identificação e descrição das figuras sonoras (aliteração, assonância, onomato-
peia, paronomásia, repetição de sons etc.).

OPERAÇÃO III – ESTRATO LEXICAL

Levantamento do vocabulário empregado no poema, de modo a identificar e des-


crever os seguintes elementos lexicais: arcaísmo, contraste, homonímia, neologismo, re-
petição vocabular, sinonímia etc.
Recomenda-se também a identificação e descrição das palavras-chave do poema,
considerando-as como núcleos de significação do texto (ver operação seguinte).

OPERAÇÃO IV – ESTRATO SEMÂNTICO

Levantamento dos elementos que integram o estrato semântico do poema, conside-


rando os significados (denotativos e conotativos) e a interpretação dos significados das
palavras e das frases no contexto do poema, bem como as variações e as mudanças de
sentido operadas pelo próprio texto e pela pertença do mesmo a culturas, tempos históri-
cos e espaços geográficos específicos. Neste sentido, recomenda-se a consulta a dicioná-

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Recomenda-se a numeração dos versos do poema, de forma a facilitar a localização dos elementos e
fenômenos a serem identificados e descritos.
POEMA: ROTEIRO PARA ANÁLISE ● prof. fernando fiorese 2

rios e enciclopédias, incluindo aqueles específicos de determinadas áreas do conheci-


mento (dentre outras, Ciências Sociais, Estudos Literários, Etimologia2, Filosofia, Lin-
guística, Mitologia, Psicanálise etc.).
Tal levantamento deve também identificar e descrever as figuras de linguagem que
operam no âmbito da significação da palavra e do discurso, a saber: antítese, antonomásia,
catacrese, comparação, eufemismo, disfemismo, hipálage, hipérbole, ironia, litotes, me-
táfora, metonímia, oximoro, paradoxo, perífrase, prosopopeia (ou personificação), seme-
lhança, sinédoque, sinestesia etc.

OPERAÇÃO V – ESTRATO SINTÁTICO

Levantamento das figuras de sintaxe (ou de construção) presentes no poema, a sa-


ber: anacoluto, anadiplose, anáfora, assíndeto, diácope, elipse, enjambement (encavalga-
mento), epizêuxis, hipérbato, pleonasmo, polissíndeto, silepse, sínquise, zeugma etc.

OPERAÇÃO VI – ESTRATO GRÁFICO-VISUAL

Levantamento dos elementos gráficos do poema, identificando e descrevendo os


recursos visuais empregados, a saber: letras maiúsculas e minúsculas, espaços em branco,
disposição do texto na página, uso de signos não-verbais etc.

OPERAÇÃO VII – ANÁLISE FORMAL3

Descrição minuciosa por escrito dos elementos identificados nos cinco estratos do
poema (sonoro, lexical, semântico, sintático e gráfico-visual), dedicando cerca de um pa-
rágrafo para cada um dos estratos.

Exemplo (apenas do estrato sonoro):

SETE POEMAS PORTUGUESES

Pro|me|ti-| me | pos|suí-|la | mui|to em|bo|ra


e|la | me | re|di|mis|se ou | me | ce|gas|se.
3 Bus|quei-|a | na | ca|tás|tro|fe | da au|ro|ra,
e | na | fon|te e | no | mu|ro on|de | sua | fa|ce,

en|tre a a|lu|ci|na|ção| e a | paz | so|no|ra


6 da á|gua e | do | mus|go, | so|li|tá|ria | nas|ce.
Mas | sem|pre | que | me a|cer|co | vai-|se em|bo|ra
co|mo | se | me | te|mes|se | ou | me o|dia|sse.

9 As|sim | per|si|go-a, | lú|ci|do e | de|men|te.


Se | por | de|trás | da | tar|de | trans|pa|ren|te

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Recomenda-se em especial a pesquisa da etimologia das palavras, capaz de desvelar sentidos ocultos,
esquecidos ou estranhos ao senso comum, mas, muitas vezes, bastante produtivos para a análise.
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A análise formal não constitui ainda a análise do poema, sendo apenas um primeiro movimento neste
sentido.
POEMA: ROTEIRO PARA ANÁLISE ● prof. fernando fiorese 3

seus | pés | vis|lum|bro, | lo|go | nos | des|vãos

12 das | nu|vens | fo|gem, | lu|mi|no|sos | e á|geis.


Vo|ca|bu|lá|rio e | cor|po – deu|ses | frá|geis –
eu | co|lho a au|sên|cia | que | me | quei|ma as | mãos.

No que concerne ao estrato sonoro, o soneto “5”, de Ferreira Gullar (extraído da seção
“Sete poemas portugueses” da obra A luta corporal, publicada originalmente em 1954), apresenta
dez versos em decassílabo heróico (vv. 1 a 5, 7 a 11) e quatro em decassílabo sáfico (vv. 6, 12 a
14), esquema rimático abab | abab | ccd | eed, com rimas consoantes, externas (ou interversais),
graves (ou paroxítonas, vv. 1 a 10, 12 e 13) e agudas (ou oxítonas, vv. 11 e 14), cruzadas (ou
alternadas, quartetos, vv. 1 a 8) e paralelas (tercetos, vv. 9 e 10, 12 e 13). Observa-se assonância
em e/i (vv. 1 e 2, por exemplo) e a/o (vv. 3 e 5, por exemplo), bem como aliteração em consoantes
oclusivas (d/p/t, vv. 1 e 10, por exemplo), nasais (m, vv. 2 e 8, por exemplo) e fricativas (s, vv. 7
e 8, por exemplo). Em tempo, no que se refere à métrica, registre-se também a presença de dois
pentâmetros iâmbicos (vv. 10 e 11). Quanto ao ritmo, embora a prevalência dos versos decassilá-
bicos heroicos sugira um andamento mais melódico, evidencia-se uma contraposição fônica entre
os versos – vogais fechadas versus vogais abertas (assonâncias, vv. 2 e 3, por exemplo) e conso-
antes oclusivas versus consoantes fricativas (aliterações, vv. 1 e 2) –, contraposição esta que en-
gendra uma tensão sonora distinta do padrão rítmico elevado e solene que, em geral, a tradição
empresta ao decassílabo heroico.

OPERAÇÃO VIII – CONTEÚDO E CONTEXTO

Levantamento dos conteúdos (assuntos, ideias, imagens, motivos, objetos, valores


etc.) apresentados no poema, bem como dos contextos histórico, geográfico e cultural da
obra e do autor.

OPERAÇÃO IX – ANÁLISE PRELIMINAR4

Trata-se de um texto escrito que apresenta de forma breve e sumária os seguintes


elementos:
a) abordagem inicial dos possíveis significados e funções dos elementos de cada
um dos estratos, bem como das relações entre eles;
b) definição preliminar dos conteúdos (assuntos, ideias, imagens, motivos, objetos,
valores etc.) presentes no poema que possam ser de interesse para a análise;
c) exposição dos tópicos mais relevantes dos contextos histórico, geográfico e cul-
tural da obra e do autor, em particular aqueles a partir dos quais o poema se estrutura, de
forma a desvelar a forma singular do poeta de interpretar a realidade (Weltanschauung)
ou de abordar um tema, assunto ou questão em particular;
d) definição clara, precisa e objetiva da abordagem (problema, temática, questão,
assunto etc.) proposta para a leitura analítica do poema, bem como dos objetivos a serem
atingidos;
e) levantamento e registro da bibliografia teórico-crítica em nível acadêmico a ser
compulsada para o desenvolvimento da análise, esclarecendo de forma sintética quais os

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A análise formal não constitui ainda a análise do poema, sendo apenas um primeiro movimento neste
sentido, uma vez tratar-se de um breve rascunho das linhas mestras da análise, acompanhado das referências
bibliográficas a serem utilizadas.
POEMA: ROTEIRO PARA ANÁLISE ● prof. fernando fiorese 4

elementos de cada uma das fontes bibliográficas se pretende sejam empregados na elabo-
ração da leitura analítica do poema.

OPERAÇÃO X – ANÁLISE INTERPRETATIVA5

Os procedimentos anteriores correspondem ao levantamento da matéria textual e


dos aspectos extratextuais a serem estudados e relacionados no processo de análise. Indi-
car a presença de metáfora, de aliteração, de repetição de palavra, de letra maiúscula, de
sinestesia ou de outros quaisquer elementos não significa proceder à análise. Informar
aspectos referentes ao assunto do poema e ao contexto do autor e da obra também não.
No entanto, tais operações exploratórias são fundamentais e imprescindíveis no sen-
tido de reconhecer os elementos materiais (formais, significantes) do poema e os aspectos
extrínsecos (contextos, informações extratextuais) que permitam a compreensão do re-
gime de significação próprio do texto, a partir do qual desvelam-se as imagens poéticas
como possibilidades de tradução de assuntos, ideias, motivos, objetos, questões, valores,
Weltanschauungen (visões de mundo), modos de pensar, de sentir e de estar no mundo
etc.
A análise interpretativa principia quando, num discurso próprio e inédito, se apre-
senta por escrito as relações existentes entre os elementos identificados e descritos em
cada um dos estratos do poema, de forma a explicitar os significados que se depreende
das conexões das várias partes do texto, desde o título até a presença ou ausência do ponto
final.
Trata-se de reconstruir os múltiplos significados do poema, sem nunca recorrer à
paráfrase (repetição com outras e muitas palavras de ideias, conteúdos, motivos etc. do
texto), mas demonstrando como se relacionam os elementos materiais do texto (estratos
sonoro, lexical, semântico, sintático, gráfico visual), de forma a engendrar sentidos sin-
gulares.
Trata-se também de explicitar as relações entre tais elementos textuais e os aspectos
extratextuais (contextos histórico, geográfico e cultural, informações biográficas do autor
etc.), sem jamais descambar para qualquer compreensão mecânica dos vínculos entre
obra, vida e circunstâncias.
Por fim, trata-se de, a partir do corpus material do poema e do entendimento do
trabalho de linguagem que determina a realização do texto, instaurar um diálogo produ-
tivo e crítico com teorias e estudos das diversas áreas de conhecimento (dentre outras,
Ciências Sociais, Estudos Literários, Filosofia, Geografia, História, Psicanálise, Religião
etc.) que possam fundamentar e subsidiar as reflexões próprias do/a autor/a da análise,
sempre com o propósito de desvelar os sentidos plurais suscitados pelo poema. Nestes
termos, necessário rubricar a inapelável necessidade de realizar a leitura diligente das
obras teóricas e críticas selecionadas no passo de número IX deste roteiro, uma vez que
apenas a partir do conhecimento do pensamento de outra/os autora/es é possível elaborar
reflexões próprias e singulares.

Juiz de Fora, 29 nov. 2020

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Ver abaixo o “Anexo único: Instruções para o texto escrito da análise interpretativa”.
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ANEXO ÚNICO
Instruções para o texto escrito da análise interpretativa

Considerando a realização da análise do poema como trabalho acadêmico-científico


de caráter monográfico, apresenta-se as seguintes instruções:

A ser elaborado em conformidade com as normas específicas da ABNT, o texto


escrito da análise deve ser encaminhado em arquivo WORD, papel formato A4
(210x297mm), fonte Times New Roman, corpo 12, 1,5 de espaçamento entre linhas, mar-
gens de 3 cm, tendo entre 05 (cinco) e 12 (doze) páginas (excluindo-se folha de rosto,
sumário, epígrafe, resumo, dedicatória, referências bibliográficas e outras não essenciais).

Devem constituir o texto escrito da análise do poema os seguintes itens:

Folha de rosto, com nome da/o aluna/o, título do trabalho, endereçamento e im-
prenta.
Introdução – Escrita em geral após a redação do “Desenvolvimento”, trata-se de
um texto de apresentação da análise, no qual, de forma objetiva, clara e sintética, realiza-
se exposição das linhas mestras do trabalho, bem como objetivos, métodos e fundamen-
tação teórico-crítica empregada. Recomenda-se, ainda, a exposição de forma breve das
questões tratadas em cada um dos capítulos do “Desenvolvimento”.
Desenvolvimento – Corresponde à exposição detalhada e organizada das questões
abordadas, dividindo-se em capítulos e, quando necessário, subcapítulos, conforme a or-
dem de relevância de cada assunto e respeitando-se a coerência na passagem entre eles.
Deve-se ter em conta o desenvolvimento da ideia nucleadora do estudo proposto, reali-
zando uma análise detalhada da mesma, sempre a partir de um corpus téorico-crítico (bi-
bliografia) que permita discutir as questões advindas do corpus material (poema), bem
como cotejar hipóteses contrárias e apresentar as ideias do/a autor/a do trabalho. A pro-
porcionalidade entre capítulos e subcapítulos, a fundamentação teórico-crítica adequada
à abordagem do poema selecionado, a coesão do texto e a coerência na organização das
diversas partes do trabalho são elementos necessários para alcançar os objetivos propos-
tos.
Conclusão – Trata-se da exposição objetiva, clara e precisa das respostas encontra-
das no decorrer da pesquisa, com base no corpus teórico-crítico (bibliografia), para as
questões propostas em relação ao corpus material (poema).
Referências bibliográficas – Especificação da bibliografia teórico-crítica empre-
gada, organizando-a segundo as normas da ABNT. (Solicita-se não sejam incluídos nem
utilizados quaisquer livros didáticos de ensino médio ou outras fontes análogas.)
Anexo – Transcrição integral do poema escolhido, respeitando-se a disposição grá-
fico-visual do mesmo e incluindo título e referência bibliográfica completa.

Além dos aspectos inerentes à análise do poema, serão considerados os seguintes
critérios na avaliação do texto escrito: a) pertinência em relação ao que foi solicitado; b)
adequação do desenvolvimento analítico e da fundamentação teórico-crítica no âmbito
dos Estudos Literários; c) respeito às normas gramaticais, ortográficas etc. do padrão
culto da língua portuguesa, bem como àquelas referentes à redação e editoração de traba-
lhos acadêmico-científicos definidos pela ABNT.

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