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Copyright @2014 by Fórum Universitário do Mercosul – FoMerco @ Os autores

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a devida citação.

Editoração: Glauber Cardoso Carvalho


Ilustração: Estopim Comunicação e Eventos
Capa com inspiração na imagem “América Invertida” de Torres García.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A532 Anais do FoMerco – Fórum Universitário Mercosul /


[organização de] Ingrid Sarti e Glauber Carvalho
Rio de Janeiro: FoMerco, 2014.
v.
ISSN

1. Integração regional – Peiódicos. 2. América do Sul -


Periódicos. 3. Desenvolvimento – Periódicos 4. Política Externa -
Periódicos. I. FoMerco II. Sarti, Ingrid. III. Carvalho, Glauber

CDU 332.135
XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco

De Sul a Norte. Por uma integração do continente sul-americano

De 23 a 25 de outubro de 2013.
Universidade Federal de Tocantins – Palmas – Brasil

O XIV Congresso Internacional do Fórum Universitário Mercosul - FoMerco foi viabilizado mediante
uma estreita cooperaçao institucional plurinacional. A Comissão Coordenadora foi formada por duas
Comissões Organizadoras, a geral e a local, composta pelos membros do Programa de Pós-graduação
em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal de Tocantins – UFT. É também composta por
membros de notável saber presentes em uma Comissão Científica, uma Editorial e uma Financeira.
Conta ainda com a coordenação dos Eixos de Trabalho, responsável pela atividade de encontros de
grupos de pesquisa que ocorre a cada dois anos nos Congressos do FoMerco.

Comissão Coordenadora

Comissão Organizadora
Comissão Organizadora Local - UFT
Mestrado em Desenvolvimento Regional
Ingrid Sarti (UFRJ)
Beatriz Bissio (UFRJ) Mônica Aparecida da Rocha Silva
Emanuel Porcelli (UBA) Alex Pizzio da Silva
Franklin Trein (UFRJ) Cynthia Mara Miranda
Gizlene Neder (UFF) Temis Gomes Parente
Glauber Carvalho (UFRJ-Centro Celso Furtado) Waldecy Rodrigues
José Renato Vieira Martins (Unila) Thelma Lage
Mônica Leite Lessa (UERJ)
Raphael Padula (UFRJ)
Williams Gonçalves (UERJ)

Comissão Científica Corpo Editorial

Afrânio Cattani (Prolam) Ingrid Sarti (UFRJ)


Edna Castro (UFPA) José Renato Vieira Martins (Unila)
Ennio Candotti (SBPC) Marco Aurélio Nogueira (Unesp)
Jeferson Miola (Mercosul) Mônica Leite Lessa (UERJ)
José Vicente Tavares dos Santos (UFRGS) Vera Cepêda (UFSCar)
Marcos Costa Lima (UFPE) Glauber Carvalho (UFRJ-Centro Celso Furtado)
Mariana Vázquez (UBA)
Suzy Castor (Cresfed, Haiti)
Theotonio dos Santos (Reggen)
Tullo Vigevani (Unesp)

Comissão de Finanças Coordenação de Eixos-GTs

Franklin Trein (UFRJ) Karina Pasquariello Mariano (Unesp)


Fred Katz (UFPE) Hugo Agudelo (UEM)
Alex Pizzio da Silva (UFT)
Fórum Universitário Mercosul – FoMerco

(Gestão 2011-2013)

Presidenta
Ingrid Sarti (Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)
Vice-presidente
José Briceño-Ruiz (Universidad de Los Andes, Merida, Vnz)

Conselho Consultivo

Membros Efetivos
Frederico Katz (UFPE)
Karina P. Mariano (Unesp)
Maria Madalena Queiroz (PUC- Goiás)
Mariana Vázquez (UBA)
Mônica Leite Lessa (UERJ)

Suplentes
Alejandro Casas (UdelaR)
Filipe Reis Melo (UEPB)
Jamile Mata Diz (UFMG)
Liliana Bertoni (UBA)
Monica Aparecida Rocha (UFT)

Coordenadores de Grupos de Trabalho (GT)

Karina Pasquariello Mariano (Unesp)


Hugo Agudelo Murillo (UEM)

Presidentes de Honra

Gisálio Cerqueira Filho (UFF)


Susana Novick (UBA)
Marcos Costa Lima (UFPE)
Ayrton Fausto (Flacso)
Tullo Vigevani (Unesp)
Sônia de Camargo (PUC-RJ)
Guy de Almeida (PUC-MG)
SUMÁRIO

Introdução. Ingrid Sarti

Apresentação dos Eixos. Hugo AgudeloMurillo e Karina Pasquariello Mariano

Eixo I
Territórios, Fronteira e Infraestrutura de Integração

Coordenação:
Thomas Heye (UFF)
Susana Novick (UBA-Gino Germani)

ARTIGOS

Ana Paula Dittgen da Silva


Carla Gabriela Cavini Bontempo
A judicialização da saúde em cidades gêmeas: notas iniciais

Bernardo Salgado Rodrigues


A integração da infraestrutura de transportes, energia e comunicações no Mercosul

Cinara Neumann Alves


Paulo Vanderlei Cassanego Júnior
Deivid Ilecki Forgiarini
Situação dos alunos das Escolas de Ensino Fundamental I de Santana do Livramento/Brasil e
das Escolas Primárias de Rivera/Uruguai

RESUMO

Suelia Nunes Gama


Ana Paula Brito Vila Nova
Marcelo Marques de Almeida Filho
Violências e as relações internacionais: narcotráfico e a segurança pública

Eixo II
Questão Agrária, Movimentos Sociais e Matrizes de Sustentabilidade no
Desenvolvimento Regional

Coordenação:
Edvaldo C. Moretti (UFGD)
Waldecy Rodrigues (UFT)

ARTIGOS

Carlos Di Stefano Silva Sousa


Capitais globais – comunidades locais: a desarticulação territorial da comunidade Salvaterra a
partir do Projeto da Refinaria de Petróleo Premium I – Bacabeira/MA
Cristiano Soares de Souza
Veruska Almeida de Souza
A legitimidade dos movimentos sociais em Mato Grosso na luta pela diminuição da
desigualdade social

Gisele Barbosa de Paiva


Marcela Ottomar da Silva
Análise dos níveis de Capital Social gerados pelo Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) no Tocantins

João Pedro Tavares Damasceno


Marizélia Ribeiro de Souza
Entre o desenvolvimento econômico e a preservação dos recursos naturais: o caso dos países
amazônicos

Kemel Souza Tavares


Verônica Dantas Meneses
Cultura e Meio Ambiente no planejamento urbano-rural no contexto da Amazônia Legal

Marcelo de Moura Carneiro Campello


Um desenvolvimento autônomo para a Amazônia como resposta ao ambientalismo político

Marcleiton Ribeiro Morais


João Rafael Rocha Dallabrida
Agricultura Familiar: caminho incerto à retorritorialidade

Rafael Gualberto de Ávila


Yolanda Vieira de Abreu
Questão agrícola na região Centro-Oeste brasileira

Mykaella Sales Sousa


Rodrigo Ramos do Carmo
Suyene Monteiro da Rocha
Análise da evolução da consciência político-jurídica da normativa ambiental no Brasil: de
Estocolmo à RIO+20

Rejane Cleide Medeiros de Almeida


Movimentos sociais e práticas educativas no Bico do Papagaio, Tocantins

Vinicius Pinheiro Marques


Suyene Monteiro da Rocha
Análise dos instrumentos jurídicos de iniciativa popular para tutela ambiental nos países do
Mercosul

RESUMOS

Bartolomeu Rodrigues Mendonça


Horácio Antunes de Sant'Ana Júnior
Danielle Lima Costa
Conflitos socioambientais, deslocamentos compulsórios e resistências: os casos de instalação
de projetos industriais em São Luís e Bacabeira – MA
Rute Rodrigues dos Reis
Educação quilombola e sustentabilidade: a realidade de ivaporanduva

Eixo III
Integração e Cooperação Econômica Regional

Coordenação:
Hugo Agudelo (UEM)
Frederico J. Katz (UFPE)

ARTIGOS

Alex Ian Psarski Cabral


Cristiane Helena de Paula Lima Cabral
O Mercosul e a crise: a integração da América do Sul e o aparente paradoxo europeu

Cezar Augusto Miranda Guedes


Ana Claudia Nogueira Bertolino
Ligia Dayane Rocha da Silva
Caio Peixoto Chain
Larissa Helena Pitzer Jacob
O comércio bilateral Brasil - Argentina a partir da formação do Mercosul: resultados e
perspectivas

Claudeci da Silva
Hugo Agudelo
Os impactos das crises europeia e americana nos indicadores de vulnerabilidade do Brasil e
da Argentina

Donizetti Leonidas de Paiva


O Mercosul e a Aliança do Pacífico: concorrência ou complementariedade na atração de
investimentos estrangeiros diretos?

João Rodrigues Neto


A empresa de energia como fator de integração das economias do Mercosul

José Alex R Soares


Desenvolvimento da América Latina: repensando os mecanismos autônomos de
financiamento

Luiza Depierri Sinico


Hannah Paes Tsubaki
Natalia Noschese Fingermann
O Mercosul à luz do setor calçadista: integração ou competição?

Marcelo Marques de Almeida Filho


Paulinny Marques Freitas
Ana Paula Vilanova
Ícaro Felipe Soares Rodrigues
A adesão da Bolívia ao Mercado Comum do Sul: perspectivas e desafios
Marcelo Pereira Fernandes
Alexandre Jerônimo de Freitas
Cooperação monetária no Mercosul: o exemplo do Sucre

Manuel Victor Martins de Matos


A produção de commodities energéticas na América Latina

Michelle Silva Santos


Andréa Freire de Lucena
Cooperação técnica internacional no âmbito do Mercosul: o que mudou com a aprovação das
"Diretrizes da Política de Cooperação Internacional do Mercosul"?

Rubia Cristina Wegner


O Estado para o desenvolvimento na trajetória recente da integração econômica sul-
americana: uma análise a partir do financiamento do investimento

RESUMOS

Albene Miriam Menezes Klemi


Es posible el Sur? Mercosul histórico, desafios passados e presentes

Antony Peter Mueller


A crise econômica europeia – uma crise do euro?

Rosana Curzel
Rodada de Doha: como teria sido para o Mercosul?

Eixo IV
Regionalismos e Relações entre Blocos

Coordenação:
Flávio Bezerra de Farias (UFMA)
Jamile B. Matta Diz (UFMG)

ARTIGOS

Andrea Lemos Gomes


Michelle Lins de Moraes
O Estado e o "combate" à pobreza via Programas de Transferência de Renda no contexto da
América Latina

Felipo Pereira Bona


Mersocul e Alba: contribuições para a formação de um bloco latino-americano

Flávio Bezerra de Farias


Prolegômenos à crítica do modo estatal global

Regiane Nitsch Bressan


Regionalismo "pós-liberal": novo rumo à integração latino-americana?
Roberto Goulart Menezes
O Mercosul frente a Aliança do Pacífico: uma nova ofensiva comercial do Estados Unidos na
região?

RESUMOS

Geronimo de Sierra
Complejidades y perspectivas en la relación Mercosur, Pacto del Pacífico, Pacto Andino,
Unasur, Celac

Jamile Bergamaschine Mata Diz


Clarissa Correa Neto Ribeiro
Reflexos sócio-políticos da alta institucionalização das organizações intergovernamentais
Mercosul e Unasul em atores não-estatais

Eixo V
Desafios Teóricos para a Integração Regional

Coordenação:
Emanuel Porcelli (UBA)
Flávia Guerra Cavalcanti (UFRJ)

ARTIGOS

Ana Paula Brito Vila Nova


Marcelo Marques de Almeida Filho
As relações Brasil-Argentina pós-guerra do Paraguai

Hélio Caetano Farias


Geopolítica e finanças na integração do Brasil com os países da América do Sul

RESUMO

Emanuel Porcelli
Autonomía, desarrollo e integración regional: conceptos constantes en contextos variables.

Eixo VI
Estado e Atores Institucionais de Integração Regional

Coordenação:
Karina Pasquariello Mariano (Unesp)
Regiane Bressan (Unifesp)

ARTIGOS

Bruno Theodoro Luciano


Eleições na integração regional: desenvolvimento das proposições nacionais para as eleições
diretas do Parlamento do Mercosul
Cristiane Helena de Paula Lima Cabral
Alex Ian Psarski Cabral
Mário Lúcio Quintão Soares
Parlamento de papel? Desafios e legitimidade do Parlasul

Cynthia Soares Carneiro


Direito Comunitário na periferia do sistema-mundo: o papel dos tribunais

Fabiana Augusta Ferreira Lima


Mayra Thais Silva Andrade
O Parlamento do Mercosul: órgão difusor da integração regional

Felipe Cordeiro de Almeida


Parcerias para o desenvolvimento na tríplice fronteira e a integração regional sul-americana:
a atuação do Parque Tecnológico Itaipu

Sérgio Luiz Pinheiro Sant'anna


Mercosul, democracia e participação popular

Suzeley Kalil Mathias


Educação militar e cooperação em defesa no Mercosul

RESUMOS

Antonio Eduardo Alves de Oliveira


O processo de integração regional na América do Sul e o papel do desenvolvimento
transnacional

Mariana Yante Barrêto Pereira


Banco do Sul - ruptura, reconstrução e perspectivas

Patricia Nunes Arantes


O novo papel da soberania no processo de integração regional

Eixo VII
Desenvolvimento, Inovação e Produção do Conhecimento

Coordenação:
Hernán Thomas (UNQ)
Rafael Dias (Unicamp)

ARTIGOS

Flávio Rafael Bonamigo


Yolanda Vieira de Abreu
Inovação e conhecimento como requisitos para o desenvolvimento local e sustentável

Josimara Martins Dias Nonato


Carlos Tavares Nonato
A configuração da comunidade de pesquisa da região Norte do Brasil
Suyene Monteiro da Rocha
Flávio Luiz de Souza Silveira
Política de inovação: caminhos e cenários do Brasil e do Estado do Tocantins

Thaís Souza Gonçalves


Laila Cristina Gonçalves Silva Amaral
Yolanda Vieira de Abreu
Gastos em Ciência e Tecnologia no Brasil: os impactos no Produto Interno Bruto brasileiro,
uma análise quantitativa

Eixo VIII
Comunicação, Informação e Poder na América do Sul

Coordenação:
Filipe Reis Melo (UEPB)
Leonardo Valente (UFRJ)

ARTIGOS

Dalva Silveira
Ditadura militar, comunicação e informação: representações sobre o compositor Geraldo
Vandré na imprensa brasileira

Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa


Adriano Ferreira
Percepções argentinas sobre o Brasil na economia e na política: o uso do sucesso brasileiro
como arma ideológica do jornal Clarín em sua oposição ao governo Cristina Kirchner

Luanna Carvalho Miranda Teixeira


E-Gov e ideologia dominante na América Latina

RESUMOS

Mariana Reis Mendes


Comunicação pública no ciberespaço - redes sociais como ferramenta democrática

Maryellen Crisóstomo de Almeida


Wolfgang Teske
Ensaio de Notícia: uma análise das manchetes sobre as manifestações populares contra o
aumento das passagens de transporte urbano no Brasil

Mártin César Tempass


Bianca de Freitas Linhares
Mídia, excitação social e manutenção da democracia no Mercosul

Eixo IX
Identidade e Direitos na América do Sul

Coordenação:
Jayme Benvenuto (Unila)
Vera Cepêda (UFSCar)
ARTIGOS

Aloisio Krohling
Moara Ferreira Lacerda
As jornadas de junho no Brasil: novos atores políticos e reforma política

Ana Elisabeth Rodrigues Faro


“Uma guerra tem muitas versões”: homem de preto qual é sua versão? Representações da
violência policial no filme Tropa de elite: missão dada é missão cumprida

Angelo Marcelo Vasco


Racismo, mestiçagem e identidade nacional: por um diálogo entre pensamento social
brasileiro e estudos pós-coloniais

Christiane de Holanda Camilo


As contribuições dos direitos humanos ao direito ambiental internacional: o caso Fray Bentos
- Argentina vs. Uruguai

Cynthia Mara Miranda


Institucionalização das demandas das mulheres jovens brasileiras: experiências do Grupo de
Trabalho Mulheres Jovens da Secretaria Nacional da Juventude

Edir Vilmar Henig


Irenilda Ângela dos Santos
Reflexões sobre algumas conquistas no campo dos direitos social alcançados pela agricultura
familiar

Fátima Maria de Lima


Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): desjudicialização e descriminalização das
crianças e dos/as adolescentes em risco ou em perigo no Brasil e a responsabilização dos
adolescentes em conflito com a lei

Felipe Fontana
Carla Cristina Wrbieta Ferezin
As contribuições de Oliveira Vianna para a análise dos partidos políticos brasileiros

Gabriel Souza Cerqueira


Reforma judiciária no Brasil Imperial: cultura política e ideias jurídicas

George Freitas Rosa de Araujo


Imaginando um Brasil em jornais: uma interpretação do corporativismo do Oliveira Vianna
articulista

Ivan Costa Lima


Raiane Mineiro Ferreira
Identidade e processos organizativos da população negra no Sul e Sudeste do Pará

Laudinéia Nazareno Mota


Suyene Monteiro da Rocha
A Lei da Palmada e a cultura dos castigos físicos contra crianças e adolescentes: uma visão
analítica do ordenamento brasileiro
Luciana de Oliveira Dias
Princípios universalistas e direitos específicos: um olhar sobre as migrações internacionais

Márcia Michelle Carneiro da Silva


A face vulnerável da juventude: assistência social e os direitos humanos dos jovens
beneficiários do Projovem Adolescente em Palmas/TO

Milton Bezerra de Lima


Os desafios comuns da América do Sul na materialização da Convenção Internacional sobre os
Direitos da Criança para adolescentes em conflito com a lei

Moacir Pereira Alencar Junior


1964: da teoria a prática - A “Revolução” segundo os vitoriosos

Poliana de Sousa Silva


Ana Beatriz Martins dos Santos Seraine
O trabalho dos carroceiros de Teresina-PI: uma busca por direitos profissionais e visibilidade
social

Ricardo Antonio Marcusso


Identidade e comunidade: a busca por uma identidade cultural sul americana

Rosangela Oliveira Gonzaga de Almeida


Formação continuada de professores a distânca: considerações preliminares diante do direito
à educação

Wilson Vieira
Aproximações do pensamento de Celso Furtado com a Teoria da Dependência

RESUMOS

Graziela Tavares de Souza Reis


Harmonização da legislação tributária do Mercosul: trata-se de projeto viável?

Jayme Benvenuto Lima Junior


Universalismo, relativismo e direitos humanos: uma revisita contingente

Veronica Chaves Salustiano


Solução de Controvérsias no Mercosul: uma análise sobre o Tribunal Arbitral

Eixo X
Políticas Sociais para a Integração Regional

Coordenação:
Alejandro Pablo Casas Gorgal (UdelaR)
Juan Retana Jimenes (UFF)
ARTIGOS

Aline Nazário de Almeida


Pedro Ricelly Gama de Oliveira
Yolanda Vieira de Abreu
Análise comparativa dos indicadores socioeconômicos do Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela
versus os da África do Sul, Angola, Moçambique e Nigéria

Ana Carla Evangelista dos Santos


Impactos da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para o desenvolvimento rural no
município de Serrinha/Bahia.

Carla Gabriela Cavini Bontempo


Vera Maria Ribeiro Nogueira
Helenara Silveira Fagundes
Análise do acesso à saúde na fronteira Brasil – Uruguai e suas peculiaridades

Laila Cristina Gonçalves Silva Amaral


Giani Raquel dos Santos Resplandes Gouvêa
Thais Souza Gonçalves
Yolanda Vieira de Abreu
Indicadores socioeconômicos na América Latina: estudo de caso entre Venezuela, Argentina,
Brasil, Colômbia e Haiti

Márcio Eckardt
Rafael Gualberto de Ávila
Yolanda Vieira de Abreu
Programa Compra Direta do governo federal para a agricultura familiar: caso da cidade de
Paraíso do Tocantins (TO) e cidades vizinhas

Regina Claudia Laisner


Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina
Guilherme Augusto Guimarães Ferreira
Gabriela Scarpari de Giacomo
A integração social do Mercosul: uma agenda de políticas públicas

Thelma Tereza da Silva


A geopolítica do desenvolvimento sustentável e sua contribuição nos processos de integração
e exclusão socioambiental

Eixo XI
O Mercosul Educacional

Coordenação:
Maria Madalena Queiroz (PUC-GO)
Mônica Aparecida Rocha Silva (UFT)
ARTIGOS

Anelisa Maradei
Reinventando a educação pela comunicação
Ellen da Silva
Edmar Antonio Brostulim
Análise comparada da formação na área de Ciências Sociais na América Latina: uma
experiência de pesquisa na UFPR e na Udelar

Giselle Ferreira Sodré


Suyene Monteiro da Rocha
Renato da Silva Vieira
Jaqueline Ferreira de Sousa
Análise jurídica da efetividade da Política Nacional de Educação Ambiental - PNEA

Manuel Castañon López


Catalina Arca García,
Nancy Rustoyburu
Mercosur Educativo: actualidad, perspectivas y desafíos

Maximo Auguso Campos Masson


Eduardo Gonçalves Serra
Capitalismo e Universidade: transformações no cenário econômico internacional e possíveis
tendências dos sistemas universitários de Brasil e Argentina

Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina


Regina Claudia Laisner
Raquel Helene Salvato Delatorre
Internacionalização da educação superior: para o Mercosul ou para o mundo?

Thelma Silva Rodrigues Lage


Cooperação acadêmica internacional no âmbito do Mercosul

RESUMOS

Antonio Walber Matias Muniz


Integração regional, qualificação para o trabalho e validação de títulos acadêmicos de pós-
graduação entre os países do Cone Sul

Claudionor Renato da Silva


Políticas de educação sexual no Brasil, formação de professores e o Mercosul Educacional:
articulação possível?

Daniela Vanesa Perrotta


Las politicas regionales para la educación superior del Mercosur Educativo: balance y desafíos

Darbi Masson Suficier


Greice Kelli Christovam
Luci Regina Muzzeti
William Alexandre Manzan
Trajetórias sociais e intercâmbio no Brasil: estudos de casos sul-americanos
Eixo XII
Arte e Cultura na América Latina

Coordenação:
Mônica Leite Lessa (UERJ)
Ana E. Wortman (UBA/IGG)

ARTIGOS

Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho


O “antifilme” de Lygia Pape: o audiovisual como movimento de expansão das artes plásticas

Carolina Barnes
Aída Quintar
La producción audiovisual comunitaria: innovación tecnológica y espacio de producción
alternativa para la inclusión social

Cleber Fernando Gomes


Os desafios cinematográficos da América Latina: uma análise sócio-histórica da produção
fílmica

Edisselma dos Santos Alecrim


Cynthia Mara Miranda
Ana Lúcia P. Silva Lino
Políticas públicas para as juventudes: olhares sobre o Programa Cultura Viva na cidade de
Palmas - TO

Fausto Amancio de Oliveira


Alana de Almeida Valadares
Ana Carolina da Silva Soares
Héllen Rayssa Nunes Rodrigues
Tâmara Lopes Faria
Tatiana Alves Gouveia
Juan Carlos Valdes Serra
Teatro como ferramenta de aprendizagem na conscientização ambiental: ação do PET-EAmb
nas escolas de Palmas-Tocantins

Felipe Viana Gomes Brandão


Práticas de consumo de vinil no Rio de Janeiro

Fernanda Ramos Parreira


Esporte e lazer: da gênese à política

Judivan Alves Ferreira


Os parangolés de Hélio Oiticica e as relações entre comunicação, arte e cultura

Juliana Rezende Soares


Cultura e identidade cultural: um olhar sobre o desenvolvimento

Leila Maribondo Barboza


O artista plástico de rua: carreira artística e constituição de identidades
Verônica Dantas Meneses
Judivan Alves Ferreira
Cultura popular no Tocantins e a valorização de identidades regionais

RESUMO

Aline Andrade de Carvalho


Por uma Rede Latino-americana de Cultura Viva Comunitária

O FoMerco

Programa do XIV Congresso Internacional do FoMerco, 2013


Introdução

A
trajetória recente da América do Sul revela um continente que, em plena crise do
capitalismo global, se converteu em um dos pilares da autonomia e do revigoramento das
instituições democráticas, do desenvolvimento econômico e da diminuição da pobreza. A
integração foi a estratégia política adotada em concepção simultaneamente, econômica,
política, social e cultural, que busca enfrentar e superar as assimetrias que constrangem o continente.
Afirma-se a relevância das políticas sociais e se busca promover o avanço da educação, da ciência e da
tecnologia em novas formas de produção do conhecimento.

Contudo, a integração sul-americana, tal como concebida neste milênio, é um processo em construção
e imensos desafios permanecem nesse continente ainda marcado por profundas desigualdades sociais.
No âmbito do Mercosul, a despeito de uma vasta produção analítica, anda não dispomos de uma
sistematização do conhecimento que permita o levantamento dos recursos naturais, industriais,
científicos e culturais de nosso continente e propicie o diagnóstico de gargalos existentes. Embora
ainda incipiente, a formação de redes como o Fórum Universitário Mercosul – FoMerco, é uma
pequena demonstração de que é possível refletir e propor alternativas às políticas que visam
efetivamente às mudanças profundas e que requerem o avanço da integração de nossos Estados, nossos
povos e culturas. O que aqui se destaca, portanto, é o imperativo de uma reflexão aprofundada sobre as
políticas de integração na América do Sul, cuja especificidade é chave para o debate político, público e
democrático.

O FoMerco publica em seus Anais os trabalhos apresentados e debatidos em torno de 12 Eixos em seu
XIV Congresso Internacional, realizado na Universidade Federal de Tocantins (Palmas), de 23 a 25 de
outubro de 2013.

Ingrid Sarti
Presidenta
Fórum Universitário Mercosul - FoMerco

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Apresentação dos Eixos

A
criação do Fórum Universitário Mercosul (FoMerco) obedeceu à demanda crescente dos
pesquisadores ligados ao tema de integração regional por um espaço próprio para a troca
de conhecimento, informações e pesquisas que refletissem o “estado da arte” do
pensamento acadêmico sobre o processo de integração e a evolução dos diferentes
arranjos institucionais criados a partir da aparente consolidação do Mercosul.

Nos primeiros Encontros do FoMerco os debates estavam restritos a grupos de trabalho (GT’s) criados
a partir do tema geral do evento e cujas áreas temáticas contemplavam primordialmente os resultados
das pesquisas ligadas diretamente ao processo integrador e seus atores, nas suas dimensões política,
econômica, educacional e cultural num cenário de globalização crescente.

O crescimento exponencial do número de trabalhos enviados, a diversidade dos temas tratados e a


ampliação da reflexão sobre o alcance da integração e seu “transbordamento” (spillover effect) para os
mais diversos campos do conhecimento, mostrou a necessidade de ampliar o debate para além dos
temas tradicionais e novos eixos temáticos foram incorporados permitindo maior interdisciplinaridade.
As ementas dos grupos de trabalho se descolaram do tema geral dos congressos e os GT’s se tornaram
permanentes, o que permitiria, em tese, maior colaboração e troca de informações sobre as pesquisas
em andamento além de ampliar o conhecimento sobre os diferentes temas.

O descolamento dos trabalhos dos GT's do tema principal do evento permitiu a institucionalização de
grupos com temáticas próprias, mas sempre incorporando a perspectiva da integração regional em suas
atividades. Com isso, os eventos promovidos pelo FoMerco assumiram uma diversidade muito maior e
permitiram uma maior interdisciplinaridade.

Contudo, o desenvolvimento desse projeto levou a um aumento no número de GT's (que chegaram a
27 em atividade em 2013) e a uma tendência de maior especialização nas discussões, e em alguns casos
a sobreposições temáticas. Diante desta nova realidade e visando manter o espírito original do FoMerco
- de promover o intercâmbio acadêmico entre as diferentes áreas do conhecimento -, a coordenação do
FoMerco propôs uma reestruturação institucional em 2009.

O primeiro passo nessa proposta de reestruturação se deu com a montagem de uma Comissão para
avaliar a atuação dos GT's e propôr alterações em seu funcionamento, visando evitar a dispersão
temática e garantir o debate interdisciplinar. Como resultado desse trabalho, o XIV Congresso do
FoMerco – que deu origem a este livro- organizou-se não mais a partir dos GT's, mas de Eixos
Temáticos que congregaram os antigos grupos, buscando agregar afinidades antes dispersas.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Essa mudança possibilitou amplos debates e maior intercâmbio de conhecimento entre diferentes áreas,
propiciando um adensamento na produção acadêmica, o qual se traduziu nas páginas que conformam
este livro. O objetivo do FoMerco é continuar neste trabalho de fortalecimento da reflexão sobre
integração na América Latina e contribuir para uma maior qualificação desse debate.

Hugo Agudelo Murillo

Karina L. Pasquariello Mariano

Coordenadores-gerais dos Eixos Temáticos do FoMerco

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


I

Territórios, Fronteira e
Infraestrutura de Integração

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


A judicialização da saúde em cidades gêmeas: notas iniciais

Ana Paula Dittgen da Silva1


Carla Gabriela Cavini Bontempo2

Introdução

D
esde o advento da Constituição, em 1988, além da já tão propalada frase “a saúde é um
direito de todos e o dever do Estado”, está prevista também a observância aos princípios
da universalidade, integralidade, equidade, descentralização e participação popular na
condução do Sistema Único de Saúde (SUS). Do século passado até então, se tem experimentado a
transferência de programas e ações em saúde do âmbito federal para Estados e Municípios, alguns de
adesão compulsória – a exemplo das vigilâncias em saúde, outros elegíveis de acordo com critérios
populacionais ou epidemiológicos (equipamentos e atenção à saúde nos vários níveis de complexidade).
Embora se possa perceber esse movimento de descentralização das ações, o mesmo não se
verifica quando se trata do aporte de recursos. Sancionada recentemente a Lei 141/2012, que
regulamenta a Emenda Constitucional 29, garantindo que os percentuais mínimos de recursos próprios
para aplicação em saúde fossem fixados e cumpridos pelos gestores do Sistema Único de Saúde. Dispõe
também que dentre os investimentos em saúde a serem realizados pelos Municípios, Estados e União
sejam efetivamente computados gastos em saúde, excluindo dos percentuais a serem alocados com
aposentadorias, pensões e saneamento básico – embora este último contribua em muito para a melhoria
da saúde da população. Dentre os percentuais fixados, Municípios continuariam a investir 15%, os
Estados 12% e a União o valor empenhado no ano anterior, acrescido de, no mínimo, a variação
nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual.
Tratando dessa descentralização de ações, mas não de recursos financeiros, o “colocar em
prática” os princípios do SUS acaba não sendo efetivado a contento, empurrando os gestores a um
cotidiano de utilizar os parcos recursos a saldar os passivos de utilização maciça (como transporte para
atendimento em outros municípios de referência, aquisição de exames e medicamentos) em detrimento
às satisfações de necessidades individuais e mais específicas. Considerando ainda que o financiamento
da atenção básica na saúde pública é per capita, cidades localizadas na fronteira com outros países do
Mercosul acabam por realizar atendimentos também aos estrangeiros, sobrecarregando o sistema.

1 Professora de Direito Constitucional e História do Direito na Universidade Católica de Pelotas – UCPel, mestre em
Política Social pela Universidade Católica de Pelotas. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Políticas Migratórias e
Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas.
2 Administradora, mestre em Política Social da Universidade Católica de Pelotas, doutoranda em Serviço Social na

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, bolsista CAPES.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul| 21

Diante do panorama exposto, há também outro fator que afeta sobremaneira a prestação de
serviços em saúde: a falta de recursos humanos, sobretudo de profissionais médicos, que tem causado
um duplo colapso nesses municípios: um que impacta diretamente na falta de prestação de serviços à
população por conta da ausência desses profissionais; outro é que ainda gera problemas de ordem
financeira, tanto pelo agravamento dos casos não atendidos – que resulta em maior dispêndio de
recursos para restabelecer a saúde, como pelos valores pagos a esses profissionais, muitas vezes em
disparidade com outros da mesma área. Para tentar equacionar a questão, municípios brasileiros na
fronteira com o Uruguai têm se valido de um acordo celebrado entre os dois países para atrair médicos
para atuar em suas equipes, sendo os incorporando em suas equipes de Estratégia Saúde da Família, seja
em seus hospitais.
O artigo em questão aborda esse contexto de uma forma teórico-empírica, não com o intuito de
esgotar a discussão, mas de suscitar elementos para uma análise desse tema atual, passando pelo
processo de descentralização do sistema de saúde, em seguida indicando alguns gargalos do sistema,
culminando com uma caracterização da demanda judicial, que acabam apontando as principais
urgências – e em que nível de atenção elas estão situadas.

1. A descentralização do Sistema Único de Saúde

A descentralização do sistema de saúde brasileiro vem ocorrendo desde a década de 1990 com o
advento da Constituição, em que estados e municípios se tornaram politicamente autônomos e
soberanos, cabendo a eles incorporarem as políticas sociais propostas pelo governo federal que
atenderiam as demandas da população de determinada circunscrição. A adesão ao SUS foi alicerçada
em outras variáveis
[…] envolve(ndo) o custo político e financeiro de arcar com a responsabilidade
pública pela oferta universal de serviços de saúde em condições de elevada incerteza
quanto ao fato de que o governo federal venha efetivamente a cumprir com a sua
função de financiamento do sistema. Paralelamente, supõe que o município disponha
de uma capacidade técnica instalada que o habilite a desempenhar as funções previstas
em cada uma das condições de gestão (ARRETCHE, 1999, p. 121).

Segundo Yunes (1999), o modelo de descentralização adotado teve como eixo a relação entre a
União e os municípios, prejudicando o papel dos estados como articuladores do processo de
regionalização dos serviços, favorecendo um cenário que “acentua as distorções regionais e que acaba
desequilibrando a redistribuição dos recursos destinados à saúde” (p. 68). Já Cohn (1994, p. 94) enfatiza
que os aspectos econômicos sobrepuseram os políticos nesse movimento, e que a descentralização foi
forjada de maneira nebulosa

[…] sendo implantada com um volume crescente de recursos dos municípios, como
também a baixa definição das competências de cada nível de poder impõe limites
estreitos à autonomia dos municípios na definição de suas políticas de saúde. Acresce

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que a descentralização, nos moldes em que se dá, carece de um padrão de articulação


entre os níveis federal, estadual e municipal. Há casos em que município e nível
federal se relacionam diretamente, e outros em que o nível estadual figura como
intermediário.

Passada mais de uma década do início desse movimento, a necessidade de implantação de uma
forma mais eficaz e profunda de conduzir esse processo é verificada pelos gestores do Sistema Único
de Saúde, por perceberem que há várias fragilidades no processo de implantação do SUS. O
instrumento proposto para favorecer a organização dos serviços através de uma rede regionalizada de
atenção aos principais agravos à população, fortalecer o controle social e assim melhorar a gestão dos
recursos é a adesão por estados e municípios ao Pacto pela Saúde.
O Pacto pela Saúde está dividido em três esferas (CONASS, 2006):
 Pacto pela vida – elege prioridades e metas a serem alcançadas na atenção em saúde (saúde
do idoso, da mulher, redução da mortalidade infantil e materna, saúde do trabalhador, saúde do
homem, saúde mental...);
 Pacto em defesa do SUS – consiste em regulamentar a Emenda Constitucional nº 29, e
definir o compromisso das três esferas de gestão do SUS (municípios, estados e governo federal)
quanto ao financiamento das ações em saúde;
 Pacto de gestão – este eixo contempla a organização administrativa da saúde, estabelecendo
responsabilidades e, inclusive, novos ordenamentos regionais e territoriais com o intuito de
descentralizar a gestão e desburocratizar processos, qualificar o controle social e o trabalho em saúde,
regulação do acesso aos serviços.
A partir de então os Estados brasileiros e seus municípios começaram a assinar o Termo de
Compromisso de Gestão, estruturado de forma que cada gestor visualizasse os serviços oferecidos e
ações a serem realizadas, informando se realiza, não realiza e prazo estipulado para cada implantação
determinadas ações e as atividades descritas, elencadas em responsabilidades gerais na gestão do SUS;
responsabilidades na regionalização; responsabilidades no planejamento e programação;
responsabilidades na regulação; controle, avaliação e auditoria; responsabilidades na gestão do trabalho;
responsabilidades da educação na saúde; responsabilidades na participação e controle social (BRASIL,
2007).
Porém, o que parece complexo pode se configurar ainda mais complicado se levarmos em conta
a pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde, que aponta
como fatores restritivos ao planejamento em saúde a deficiência na capacitação dos recursos humanos
que foram designados para tal função, infra-estrutura deficitária (equipamentos de informática e de
acesso à informação), e insuficiência de pessoal para atuação exclusiva e contínua (BRASIL, 2009, p.
233).

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2. O acesso ao Sistema Único de Saúde

O SUS é considerado um dos maiores sistemas de saúde do mundo, garantindo “assistência


integral e completamente gratuita para a totalidade da população, inclusive aos pacientes portadores do
HIV, sintomáticos ou não, aos pacientes renais crônicos e aos pacientes com câncer” (SOUZA, 2002,
p. 16). O acesso a um sistema de saúde, segundo O’Donnel (2007) pode ser avaliado tanto pelo lado da
oferta de serviços de qualidade e eficientes, quanto pelo lado da demanda, em que a população pode
não conseguir acessá-los ou não é atraída para procurar tratamento devido a baixa qualidade dos
mesmos.
Em um sistema de saúde que pretende ser descentralizado em um país de dimensões
continentais como o Brasil, avaliar as diversas políticas de saúde encampadas pelos governos nos
diversos níveis de gestão do SUS se torna premente. Embora a necessidade de se avaliar as ações
governamentais tenha iniciado na década de 1980 para imprimir maior transparência nos gastos
públicos e também visualizar os resultados obtidos em determinado setor em correlação com
montantes de recursos empregados (custo x benefício), ideologicamente teve o papel de
a) despolitizar a arena setorial, passando a considerá-la como eminentemente técnica;
b) privilegiar a atuação dos gerentes, deslocando o poder dos profissionais
(principalmente o médico); c) resgatar uma montagem empresarial nos arranjos
institucionais que, acreditava-se, seria mais eficiente (VIACAVA et al, 2004, p. 712).

Para avaliar o acesso e a efetividade do sistema foi criado o Índice de Desenvolvimento do SUS
(IDSUS), que conceitua acesso como a “capacidade do sistema de saúde em garantir o cuidado
necessário em tempo oportuno e com recursos adequados” (BRASIL, 2011, p. 7), tendo como
indicadores número de proporção de atendimentos realizados por ano por habitante, e oferta de
serviços, como cobertura por equipes de saúde. Já efetividade é caracterizada pelo “grau com que
serviços e ações atingem resultados esperados” (BRASIL, 2011, p. 7), como diminuição de internações
por causas evitáveis, óbitos por hipertensão arterial, cobertura vacinal alta. Em suma, o IDSUS
[…] é um indicador síntese, que faz uma aferição contextualizada do desempenho do
Sistema de Único de Saúde (SUS) quanto ao acesso (potencial ou obtido) e
à efetividade da Atenção Básica, das Atenções Ambulatorial e Hospitalar e das
Urgências e Emergências [grifos do autor] (BRASIL, 2012).

Esses indicadores são expressos em números de 0 a 10, que se refere à situação atual do
município e a situação objetivo. De acordo com a tabela a seguir, segundo dados do IDSUS, as cidades-
gêmeas do Brasil com o Uruguai têm um grau de desenvolvimento semelhante entre si, algumas abaixo
até do índice global da regional de saúde a que pertencem.

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Tabela 1 – Índice de Desenvolvimento do SUS (IDSUS) nas cidades-gêmeas na fronteira do


Brasil com o Uruguai

Coordenadoria Município IDSUS IDSUS Regional


Regional de Saúde Municipal de Saúde
7ª Aceguá 6,44 5,45
10ª Barra do Quaraí 5,59 5,25
3ª Chuí 4,29 5,43
3ª Jaguarão 4,94 5,43
10ª Quaraí 5,43 5,25
10ª Santana do Livramento 4,38 5,25
Fonte: IDSUS (2012). Elaborado pela autora.

Por se tratar de um sistema regionalizado, o acesso aos diferentes níveis de atenção (básica,
média e alta complexidade) nem sempre se dá no mesmo município em que a população reside, tendo
que buscar por atendimentos em outros locais, sendo essa movimentação chamada de Tratamento Fora
de Domicílio (TFD). Esse é um caso emblemático sobre a relação descentralização do sistema e baixo
financiamento do mesmo, pois tomando exemplo a região sul do Rio Grande do Sul, mais
especificamente municípios que compõem a 3ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) e que têm em
Pelotas e Rio Grande as principais referências para atendimento em especialidades médicas
(traumatologia, oncologia, gastroenterologia e outras), é fácil supor que todos os municípios teriam
direito ao recebimento de recursos para TFD. Porém, na tabela atualizada em (BRASIL, 2008), é de R$
4,95 a cada 50 quilômetros de distância, e nem toda a produção desse serviço pode ser faturada, pois os
municípios têm um teto, um limite, e o que for realizado a mais é custeado pelos recursos municipais.
O problema do custeio de serviços por valores considerados baixos reflete na falta de
profissionais – em geral médicos especialistas, que se credenciem a realizar atendimentos pelo SUS.
Além desses profissionais ficarem concentrados em grandes centros – principalmente os que contam
com hospitais universitários ou locais que disponibilizem residências médicas, os mesmos atuam mais
na rede privada de saúde.

3. A atuação poder judiciário

Como podemos perceber no desenrolar desse artigo, mesmo que a saúde seja “direito de todos
e dever do Estado”, o acesso ao sistema de saúde pode não ocorrer por diversos fatores. Porém,
mesmo que a saúde esteja contemplada na segunda geração de direitos humanos, que prima pela “ideia
de uma igualdade meramente formal para atingir a igualdade material ou real” (FURTADO, MENDES,
2008, p. 6973), por vezes esse direito acaba sendo negado, e acabam se restringindo

[…] à chamada reserva do possível (Vorbehalt dês Möglichen). Uma vez oponíveis ao
Estado, só podem ser exigidos se existir verba pública para tanto. Daí se concluir que

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o estado há de garantir o chamado “mínimo social” que permita, ao menos, o respeito


à dignidade da pessoa humana (FURTADO, MENDES, 2008, p. 6974).

Em suma, para satisfazer as necessidades em saúde, é possível que as pessoas lancem mão de
processos administrativos ou judiciais para a garantia de seus direitos. Processos administrativos já são
realidade na obtenção de medicamentos especiais e especializados pela Secretaria Estadual de Saúde
gaúcha, responsável pela dispensação dos mesmos. Porém, quando o quê se necessita não está
disponível, ou tutelado por algum ente público, a busca judicial é a que se faz eficaz no atendimento ao
pleito. Tomemos o exemplo um fato verídico, ocorrido em um município do interior do Rio Grande
do Sul, em que uma criança de 11 anos, portadora de Síndrome de Down, refluxo gastroencefálico e
alergia alimentar, através de sua genitora requisita 90 fraldas mensais porque a família não tinha
condições para custeá-las. Na sentença é possível verificar que o Município alegou que a autora não
havia feito o pedido administrativamente e que deveria figurar no polo passivo da ação, e o Estado que
fraldas são consideradas produtos de higiene pessoal.
Não se pode olvidar que vivemos em um Estado Democrático de Direito que, por
exigir de seus cidadãos uma enorme contribuição por intermédio de uma das mais
elevadas cargas tributárias do planeta, tem o dever de assegurar a devida
contraprestação social, garantindo à população uma gama de direitos individuais,
sociais e transindividuais, precipuamente, no caso dos autos, aqueles elencados direitos
sociais no art. 6º da Constituição Federal, entre os quais se encontra o direito à saúde,
combinado com o art. 196 da Carta Magna. […]
O legislador constituinte estadual, nesta mesma esteira, concedeu a este direito
fundamental grande importância ao prescrever que o Estado deverá aplicar em ações e
serviços de saúde, no mínimo, 10% (dez por cento) da sua Receita Tributária Líquida, excluídos os
repasses federais oriundos do Sistema Único de Saúde, considerando ações e serviços de saúde os
Programas Saúde no Orçamento do Estado (art. 244, §3º, da Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul). […]
Destarte, cabe ao Estado organizar suas finanças, dentro das diretrizes legais, a fim de
possibilitar a prestação de ações e serviços públicos de saúde, atendendo de forma
adequada às necessidades da população. No entanto, mesmo que o ente público
comprovasse o esgotamento de seus recursos, o que, se gize, não é o caso dos autos,
persistiria a obrigação de prestação do serviço de saúde, uma vez que o valor vida
encontra-se em patamar superior ao interesse econômico estatal. […]
Os serviços de saúde pública são de relevância pública e de responsabilidade do poder
público em face da necessidade de se preservar o bem jurídico maior que está em jogo
– a vida. É um direito de o cidadão exigir – e dever do Estado fornecer – o
medicamento ou material indispensável àquele que necessitar quando não puder
prover o sustento próprio sem privações (PIRES, 2010, p. 1-16).

A sentença acima espelha, na prática, o quê ASENSI (2012, p. 18) afirma sobre a concepção do
papel de um Estado na gestão da prestação de serviços em saúde

O direito como prática social enseja o debate sobre concepções, valores, leituras e
interpretações diversas sobre um mesmo fenômeno, o que implica debruçar as
reflexões sobre a realidade social e estudar empiricamente este mundo vivido. Seja o
direito visto como fato, como norma ou como valor, a estratégia tem sido pensar o
direito enquanto prática […]. Isso permite a discussão, que tem sido travada no

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cenário contemporâneo, sobre os custos dos direitos e as estratégias de alocação de


recursos escassos sob uma ótica da governamentalidade.

No caso relatado, fica evidente que a busca por acesso à saúde via justiça foi necessária e
imperativa na resolução do pleito, posto que nem Município, nem Estado se responsabilizariam
administrativamente para fornecimento do material em questão. Agora, tomemos para análise uma
outra forma de judicialização na saúde, que tem ocorrido nos municípios fronteiriços ao Uruguai,
devido a possibilidade de contratação de profissionais na área de saúde uruguaios, sobretudo de
médicos, pois os mesmos não se interessam em atuar em municípios distantes dos grandes centros, e os
municípios não conseguem reter esses profissionais, e quando o fazem, os remuneram com os valores
acima de mercado (ASSEDISA, 2010). Essa ação é assegurada pelo Ajuste Complementar ao Acordo
para Permissão de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios, para
Prestação de Serviços de Saúde, firmado no Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 2008, aprovado
pelo Decreto Legislativo nº 933/2009 e promulgado pelo Decreto nº 7239/2010 em que também estão
previstas contratações de

[…] serviços de saúde de caráter preventivo, serviços de diagnóstico; serviços clínicos,


inclusive tratamento de caráter continuado; serviços cirúrgicos, inclusive tratamento
de caráter continuado; internações clínicas e cirúrgicas; e atenção de urgência e
emergência (BRASIL, 2010).

Alguns municípios já se beneficiam desse dispositivo, como Santa Vitória do Palmar, que foi o
precursor, integrando inicialmente uma médica uruguaia a uma equipe de Estratégia de Saúde da
Família. Devido a esta integração de profissionais uruguaios, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul
(SIMERS) se manifestou juridicamente, conseguindo inclusive suspender o atendimento
temporariamente (ASSEDISA, 2010, p. 9). Jaguarão aderiu também às contratações de médicos para
atuação no Pronto Socorro; Quaraí já conta com seis médicos e dois enfermeiros em sua equipe
(MAZUI, 2010); a Santa Casa de Santana do Livramento também conquistou, na justiça, a possibilidade
de ter profissionais especializados de forma a garantir a continuidade do atendimento à população
Inexorável é que esse AJUSTE COMPLEMENTAR AO ACORDO PARA
PERMISSÃO DE RESIDÊNCIA, ESTUDO E TRABALHO A NACIONAIS
FRONTEIRIÇOS BRASILEIROS E URUGUAIOS, PARA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS DE SAÚDE trouxe profunda inovação em nosso sistema jurídico,
permitindo que 'estrangeiro uruguaio fronteiriço', devidamente habilitado para o
exercício de sua profissão em seu país, possa prestar serviços de saúde humana no
Brasil, nos limites da pertinente localidade vinculada, desde que contratado nos termos
dessa norma e seja portador do pertinente documento especial de fronteiriço […]
(p.10).
[…] tenho que é legítimo, na excepcional situação de configurar-se a cessação da
prestação de serviços por médicos brasileiros, a Santa Casa de Misericórdia de Santana
do Livramento valer-se de profissionais de saúde uruguaios (aí incluídos os médicos)
para a prestação de serviços de saúde à comunidade fronteiriça integrante do
Município de Santana do Livramento, RS, independentemente de revalidação de
diplomas em universidades brasileiras e inscrição no Conselho Regional de Medicina
(KRIGER, 2011b, p.12).

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Até mesmo os jornais dos municípios se pronunciam favoravelmente pela contratação de


serviços de saúde uruguaios, como questiona um jornal de Barra do Quaraí “O cidadão barrense pode
contar que receberá os benefícios acordados e aprovados em Brasília?” (Folha Barrense, 2010, p. 5).
Diante disso, o Sindicato Médico e o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul
têm se manifestado contrariamente a migração desses profissionais, alegando que o trabalho dos
mesmos é ilegal, posto que não têm seu diploma revalidado pelas instituições de ensino brasileiras
(CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL, 2011).
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul – CREMERS
ajuizou a presente ação civil pública contra a Fundação Hospital de Caridade de
Quaraí e os médicos uruguaios (...) pedindo medida liminar para a imediata suspensão
do exercício das atividades profissionais desses médicos no referido hospital ao
argumento da inexistência de revalidação dos correspondentes diplomas em
universidades brasileiras e de inscrição do CREMERS, e, ao final, pede a imposição ao
hospital do dever de rescindir os contratos existentes e não contratar médicos
uruguaios em tais circunstâncias, e a imposição aos médicos réus do dever de não
exercer a medicina em território brasileiro (p. 1).
Portanto, repete-se, agora em Quaraí, RS, a recorrente problemática da negativa de
atendimento aos serviços do SUS por médicos brasileiros, ainda que os pagamentos
do SUS sejam acrescidos de parcelas subvencionadas de outras fontes, salvo se
alcançado o patamar pecuniário exigido. Segundo exsurge dos autos, o impasse
vivenciado não consiste na singela escolha entre o médico uruguaio e o médico
brasileiro, mas sim entre o médico uruguaio ou nenhum médico, já que os
médicos brasileiros atuantes na localidade negam-se ao atendimento pelo SUS
[grifo nosso], se não complementada a remuneração nos patamares exigidos (p.4-5).
Pelas razões acima assentadas tenho que é legítimo, na excepcional situação
configurada nos autos, a Fundação Hospital de Caridade de Quaraí valer-se de
profissionais de saúde uruguaios (aí incluídos os médicos) para a prestação de serviços
de saúde à comunidade fronteiriça integrante do Município de Quaraí, RS,
independentemente de revalidação de diplomas em universidades brasileiras e
inscrição no Conselho Regional de Medicina (KRIGER, 2011a, p. 13).
A Santa Casa de Misericórdia peticionou e juntou documentos no evento 12
informando que o SIMERS - Sindicato Médico do Rio Grande do Sul - publicou em
jornal local notícia inverídica contrariando a antecipação da tutela deste processo,
afirmando, em síntese, que a decisão judicial contraria a legislação vigente, que não
tem validade e que protocolou na Polícia Federal notícia crime sobre possível
exercício ilegal da medicina por médicos uruguaios na situação configurada na decisão.
Informou ainda que médicos ligados à direção do SIMERS espalharam nesta cidade a
afirmação que 'assim que o primeiro médico uruguaio pôr os pés na Santa Casa de
Misericórdia, a Polícia Federal vai prender todo mundo'. Alegou a parte autora que os
médicos uruguaios, amparados por decisão judicial em vigor, podem sentir-se
ameaçados para o exercício de atividades médicas em Santana do Livramento, em face
dessas notícias veiculadas na imprensa (KRIGER, 2011b, p. 1).

Tentando minimizar os problemas advindos de colocar em prática o ajuste complementar, o


governo brasileiro instituiu, através da Portaria 624/2011 uma matriz mínima para registro de
profissionais de saúde de preenchimento obrigatório, possibilitando assim que os membros do
Mercosul tenham conhecimento sobre o trânsito desses profissionais. Ainda que sindicatos estejam
promovendo ações judiciais contra prefeituras e hospitais que seguem incorporando ou mantendo

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médicos uruguaios em suas equipes, praticamente todas as decisões são favoráveis à manutenção desses
profissionais, sob a alegação de que não há profissionais brasileiros interessados em prestar serviços na
fronteira.
Mas o presente acordo não está sendo apenas utilizado de forma a contornar a situação da
falta de recursos humanos nas cidades gêmeas, e sim para contratar também serviços em saúde do
outro lado da fronteira. Na vanguarda deste movimento figura o município de Barra do Quaraí, que
firmou convênio com Bella Unión para prestação de serviços hospitalares em urgência e emergência
(INSTITUTO SURAMERICANO DE GOBIERNO EM SALUD, 2011), posto que o hospital mais
próximo fica localizado na cidade de Uruguaiana, a 70 quilômetros de distância.

Considerações finais

Embora a descentralização do sistema de saúde brasileiro tenha sido iniciada há algum tempo,
pode-se perceber que os gargalos na implantação de uma rede de serviços que contribua para a
melhoria do atendimento à população e programação de ações ainda não foram transpostos. A partir
dos dados apresentados, pode-se inferir que por conta do número de municípios que aderiram ao pacto
e pelo pouco tempo de adesão dos mesmos, que atualmente ele ainda não se configura como uma
forma de melhorar e racionalizar a descentralização da gestão do SUS entre os municípios gaúchos,
sendo eles fronteiriços ou não, posto que apenas três municípios fronteiriços ao Uruguai assinaram o
documento se comprometendo a efetivar as modificações propostas.
Em um sistema de saúde subfinanciado e ainda em vias de organização de seus fluxos e
responsabilidades, em que o direito à saúde não consegue ser alcançado em patamares que garantam o
acesso e a efetividade de ações, caminha-se, inevitavelmente, para a busca dos mesmos pela via judicial.
Pode-se verificar também que a judicialização da saúde tem duas facetas: a garantia de direitos
(como no caso de materiais que não têm previsão de disponibilização por nenhum dos gestores do
SUS), mas também na defesa de interesses de classe, como no caso da contratação de médicos
uruguaios para atendimento da população fronteiriça.
Ainda que Sindicato e Conselhos de Classe estejam promovendo ações judiciais contra
prefeituras e hospitais que seguem incorporando ou mantendo médicos uruguaios em suas equipes,
praticamente todas as decisões são favoráveis à manutenção desses profissionais, sob a alegação de que
não há profissionais brasileiros interessados em prestar serviços na fronteira. Diante do exposto,
observa-se o embate entre governos municipais, sindicatos e conselhos de classe na defesa de seus
interesses, dinamizando ainda mais essa região dos países em questão.

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RIO GRANDE DO SUL. Secretaria Estadual da Saúde. Quadro de adesão ao Pacto pela Saúde, atualizado até 17 de
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VIACAVA, Francisco et al. Uma metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde
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YUNES, João. O SUS na lógica da descentralização. Estudos avançados, São Paulo, v. 13, nº 35, Abr 1999.
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A integração da infraestrutura de transportes, energia e
comunicações no Mercosul

Bernardo Salgado Rodrigues1

1. Introdução

A
integração da infraestrutura de transportes, energia e comunicações – levando-se em
consideração os impactos socioambientais – devem ser tratadas com prioridade nas
conferências de cúpula do Mercosul, englobando inclusive outros países sul-americanos além
dos membros e associados do bloco, uma vez que a redução das barreiras comerciais por si só não é
suficiente para a verificação de um aumento nos fluxos comerciais entre os países.
Os governos devem assumir a direção do processo e intensificar as obras orientadas para a
efetiva integração regional sob critérios políticos e estratégicos, e não mais pelo simples estímulo do
mercado ou das empresas privadas, articulando a integração física com os esforços de ampliar o
comércio intrarregional e de expandir a complementação das cadeias produtivas. Neste contexto, um
estudo do Conselho Sul-americano de Infraestrutura e Planejamento, Cosiplan, serve como base para
possíveis projetos de integração física no Mercosul.
Desta maneira, realizar-se-á um esforço teórico a fim de que os objetivos a serem alcançados
pelo Mercosul possam ser traçados para os próximos anos. As seções serão dividas em quatro partes:
uma análise da integração de transportes, da integração energética e da integração das comunicações
entre os países do Mercosul, assim como entre os demais países sul-americanos, uma vez que pleiteia-se
que a integração seja realizada por toda a região. Na última parte, balanços e perspectivas para um
projeto de integração comercial – mas que necessita abranger muitos outros aspectos – serão realizados
a fim de que intensifiquem os fluxos intracomerciais, diminuam as assimetrias regionais e aumente o
poder de persuasão do Mercosul frente aos desafios internacionais.

2. A integração estrutural

Primeiramente, há que se levar em consideração que a integração é fruto de um longo processo


de construção política, com momentos de avanços e de recuos. Assim, uma série de desafios se
apresentam e devem ser transpostos para que haja uma viabilidade de avanço numa integração do
Mercosul e da América do Sul como um todo.
A despeito da enorme importância da infraestrutura física na alavancagem do desenvolvimento
econômico, reduzindo os custos operacionais, reforçando os pólos regionais de desenvolvimento,

11Mestrando em Economia Política Internacional do Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional –


PEPI, da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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aumentando a competitividade dos setores que deles se beneficiam, dentre muitos outros, a difusão do
desenvolvimento depende de como estes ganhos são distribuídos aos demais setores, isto é, dependem
de aspectos associados à propriedade dos ativos e à política de desenvolvimento posta em prática.
(MEDEIROS, 2006, p.103-105)
A integração estrutural não depende somente de uma maior capacidade de coordenação dos
Estados, mas concomitantemente da existência de poder de persuasão no tocante a políticas de
infraestrutura dos mesmos, uma vez que se supõe que a partir de uma visão estratégica conjunta dos
Estados – como atores centrais –, estes devem possuir a capacidade estratégica de realizar a integração
pela via política e econômica.
Desta maneira, um ponto crucial que deve ser levado em consideração numa análise da
integração infraestrutural é que no plano regional,
[…] uno de los efectos más relevantes es la superación del síndrome colonial. Uno de los legados más
perversos del colonialismo es la preponderancia, aún después de la independencia formal, de los
vínculos verticales con las ex-metrópolis, en detrimento de los lazos horizontales entre países de una
misma región. (LIMA; COUTINHO, 2006, p.112)

Desta maneira, a integração deve ser planejada para os países da região de forma a superar os
desafios que são impostos e permitir um desenvolvimento sócio-econômico soberano. Neste contexto,
o Mercosul – que fora constituído inicialmente como uma iniciativa comercialista,enquadrada na
perspectiva neoliberal do regionalismo aberto, lançada nos anos 1990, mas que vem mudando sua
perspectiva nos anos 2000 – busca contribuir neste processo, a partir da criação do Instituto Social do
Mercosul em 2007 e do Plano Estratégico de Ação Social o Mercosul em 2008, colocando em pauta o
tema social; a criação do Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do
Mercosul (Focem), em 2006, colocando em pauta a dimensão produtiva e das assimetrias; e o Programa
de Integração Produtiva (PIP), criado em 2008, buscando contribuir para o fortalecimento da
complementaridade produtiva da região e especialmente das cadeias produtivas das Pequenas e Médias
Empresas (PME) regionais.

2.1 Integração de transportes


O processo de integração dos transportes deve se relacionar, basicamente, aos modais rodoviário,
ferroviário, portuário, hidroviário, no qual algumas considerações acerca dos países do Mercosul – e da
América do Sul como um conjunto – serão abordados.
Uma conjunção de fatores – históricos, geográficos, econômicos e políticos – determinaram a
distribuição das principais áreas de concentração econômica e populacional da América do Sul, de
forma muito dispersa, concentradas na faixa litorânea, com espaços e atividades econômicas voltadas
para o comércio exterior. A história de ocupação e colonização da região privilegiou o estabelecimento
de pontos de conexão ao longo do litoral, a partir dos quais se organizou a exploração e ocupação do
interior do continente. Assim, a infraestrutura presente atualmente no continente se apresenta como
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herança histórica, no qual as comunicações viárias foram e estão predominantemente articuladas para
os portos.
Assim, a região atualmente é caracterizada como
[...] um vasto arquipélago com escassas conexões, realizadas através de longas rodovias (modal que
participa com mais de 50% do comércio intra-regional), resultando em fluxos de longa distância com
elevadíssimos custos ao comércio intrarregional. Os modais ferroviário e aquaviário (hidroviário e de
cabotagem), mais baratos e característicos para transportes de grandes cargas a longa distância, além
de serem ambientalmente mais favoráveis, não são adequadamente utilizados e apresentam mau
desempenho. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)

Ratifica-se, portanto, a importância do modal ferroviário, ideal para transportes de grandes


cargas a longas distâncias, que deve ter um papel maior na matriz de transportes da região, ganhando
espaço em relação ao modal rodoviário. O modal ferroviário apresenta dificuldades em sua
implantação, como regulação da passagem de cargas (harmonização), burocracia aduaneira, altos
investimentos por quilômetro (custo fixo elevado) (FIORI, PADULA, VATER; 2012), mas que, num
processo de integração de longo prazo entre as cadeias produtivas dos países, viria a trazer retornos em
termos econômicos e comerciais.
Da mesma forma, o modal aquaviário possui enorme potencial no território, tanto o existente
nos Oceanos Atlântico e Pacífico, como no seu interior, na Bacia do Amazonas – tomando como
exemplo a Amazônia, que não possui articulações ferroviárias entre os países e a integração rodoviária é
precária, enquanto apresenta um enorme potencial hidroviário subaproveitado – e do Prata – onde a
integração de infra-estrutura apresenta como característica fundamental seu potencial de articulação por
hidrovias naturais que interligam a região e articulando-a ao Atlântico. Ambas podem vir a ser
importantes artífices de uma integração pela via marítima que complementaria e substituiria, em certa
medida e em alguns espaços localizados no território, a dependência do modal rodoviário.
Com a entrada da Venezuela no bloco do Mercosul, a infra-estrutura para a integração entre a
Bacia Amazônica e a Bacia do Orinoco, e para a integração destas áreas com os demais centros

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econômicos e políticos da América do Sul, possibilitaria o desenvolvimento e a articulação produtiva e


comercial à região sul-americana mais carente em energia, transporte e comunicação, e com enorme
potencial de desenvolvimento no longo prazo. De um ponto de vista estratégico para o Brasil,
proporcionaria ainda acesso facilitado a portos mais próximos das rotas comerciais internacionais
estratégicas que passam pelo Caribe; uma aproximação com os países da bacia do Caribe, em um
contexto em que a política externa para a integração regional favorece a ampliação de sua área de
atuação da América do Sul para outras regiões da América Latina e do Caribe - em consonância com o
empenho brasileiro na criação e fortalecimento da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e
Caribenhos (Celac). (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
Numa análise geopolítica, uma integração física de infraestrutura plena da América do Sul passa
também pela integração do próprio território brasileiro, uma vez que corresponde a quase metade de
todo o território sul-americano; sendo assim, a própria carência infra-estrutural endógena do Brasil se
apresenta como um obstáculo ao aproveitamento dos recursos da região em favor do desenvolvimento
e da autonomia estratégica dos seus países, tornando-os inclusive vulneráveis à penetração de potências
externas – principalmente nas riquezas inexploradas do território amazônico, por exemplo.
Num plano estratégico internacional sob a ótica da infraestrutura de transportes, uma
interligação entre os principais centros produtores e consumidores e áreas estratégicas na região deve
ser priorizado, no qual deve haver uma mudança no tipo de planejamento da infraestrutura
historicamente primário-exportadora-colonial voltada para fora, contemplada na Iirsa (Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) com seus corredores interoceânicos.
Atenta-se que os corredores inter-oceânicos podem ter um importante papel na integração da
região e para os interesses estratégicos do Mercosul, dependendo do arranjo regional predominante e
do conjunto de políticas adotadas. Sem dúvida, as ligações bioceânicas, cruzando o continente de uma
costa a outra, interligariam seus países e dariam maior acesso a mercados extrarregionais, tanto aos
espaços interiores quanto pelo acesso às margens litorâneas opostas, e por isso podem contribuir
fundamentalmente para a integração física. No entanto, demandam políticas ativas que protejam a
região da manutenção ou aprofundamento de suas assimetrias e de suas relações comerciais coloniais
com países de outras regiões; e, assim, enfoquem no seu desenvolvimento interno, na constituição de
cadeias de maior valor agregado, autonomia estratégica e domínio político dos espaços geográficos do
continente por parte dos países da região.
A facilitação de fluxos e diminuição de custos proporcionados pelos corredores interoceânicos,
se não forem acompanhados de um conjunto de políticas e de uma tarifa externa comum, podem
favorecer forças concentradoras e, portanto, contribuir para o aumento das assimetrias regionais e
globais, assim como funcionar como corredores de exportação de recursos naturais e de bens de baixo
valor agregado, e como corredores de importação de bens industriais de maior valor agregado e
intensidade tecnológica de outros países e continentes. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)

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Os financiamento e investimentos em infraestrutura dos transportes podem tanto servir à


integração interna da região quanto facilitar o acesso aos seus recursos aos países de fora da região.
Entretanto, um planejamento geopolítico estratégico deve ser delineado pelos países da região numa
política autônoma conjunta, que priorize as relações comerciais com os países vizinhos, onde as
políticas e regulações (comerciais, de investimentos, de uso do território, etc.) têm papel fundamental
no futuro da região.

2.2 Integração energética


No tocante a integração energética, deve-se atentar tanto para uma segurança energética como
para um planejamento geoeconômico que abarque redes de oleodutos, gasodutos e energia elétrica.
A região é rica em potencial energético hídrico, com grande potencial inexplorado
principalmente na Amazônia, com significativas possibilidades de projetos conjuntos entre países que
devem ser levados adiante no futuro próximo. Da mesma maneira, o caráter geopolítico da urgência da
integração e desenvolvimento da Amazônia aponta a sua centralidade, passando por um processo de
solução e com participação harmoniosa dos Estados amazônicos, sem ferir as soberanias nacionais. Isto
seria fundamental para afastar projetos de internacionalização e controle dos recursos da região.
Do ponto de vista de potenciais hidroelétricos na Amazônia que o Brasil deve aproveitar em
conjunto com países vizinhos, podem-se destacar projetos com o Peru e a Bolívia. Quanto ao Peru, seis
hidrelétricas se destacam: Inambari (2 mil MW), Paquitzapango (1.380 MW), Sumabeni (1.080 MW),
Urubamba (950 MW), Cuquipampa (800 MW) e Vizcatán (750 MW) (Eletrobras, Relatório Anual
2008). Inambari seria a maior hidrelétrica do país, e o Brasil consumiria 80% da energia gerada. Com a
Bolívia, podemos destacar no rio Madeira, além do Complexo Hidroelétrico de Jirau e Santo Antônio
(ambas em construção), a hidroelétrica binacional Brasil-Bolívia com aproximadamente 2.000 MW de
potência. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)
No caso do tema energético na região Amazônica, além de aproveitar seu enorme potencial
hidrelétrico, merece especial atenção das políticas públicas de fontes alternativas através da pesquisa,
identificação e intercâmbio de tecnologias para a geração e consumo de energias adequadas à região
Amazônica em harmonia com a preservação ambiental e para promover o acesso à energia elétrica das
comunidades isoladas, aproveitando recursos naturais renováveis locais.
No tocante as reservas e produção de petróleo e gás na região, enquanto atualmente a produção
de petróleo alcança mais de 7 milhões de barris diários, seu consumo é de cerca de 5 milhões de
barris/dia, o que representa um superávit se considerado os países da região em seu conjunto; no que
concerne ao gás, suas reservas na região são ínfimas quando comparadas em escala global, com
participação inferior a 4%, mas estas são significativas para atender à demanda dos países da região. A
produção de gás na região, ainda incipiente, alcançou 124,4 bilhões de metros cúbicos em 2011, frente a

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um consumo regional de 127 bilhões de metros cúbicos, mostrando praticamente um equilíbrio.


(FIORI, PADULA, VATER; 2012)
Os transportes de petróleo, gás natural e de energia elétrica demandam a construção de
infraestruturas que interconectem os países, seja pela ótica do mercado (comercial) ou do ponto de
vista de um arranjo que permita uma autonomia energética para os países da região.
Visualizando a região como um todo, encontram-se poucas interconexões elétricas e divididas
basicamente em dois grupos isolados: um envolvendo os países do Cone Sul da região e outro mais ao
norte entre envolvendo Equador-Colômbia-Venezuela.

Interconexões elétricas na América do Sul

(Fiori, Padula, Vater; 2012)

O mapa abaixo registra a baixa densidade de gasodutos na região, concentrados em alguns


poucos espaços. A ainda rarefeita malha de gasodutos da região se concentra no Cone Sul, onde a
Argentina se destaca por suas interligações com diversos países – Chile, Uruguai, Bolívia e Brasil. O
Gasoduto Brasil-Bolívia (GASBOL) é um gasoduto importante na região. A posição geográfica da
maior parte das reservas regionais, situadas na Venezuela (especialmente no norte do país), leva à
necessidade de um aumento da produção neste país e da construção de uma densa infraestrutura de
transportes de gás interligando toda região, para que se resolva os problemas de déficit energético no
Cone Sul e a região se torne autossuficiente e obtenha uma seguridade energética regional. (FIORI,
PADULA, VATER; 2012)

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Gasodutos na América do Sul

(Fiori, Padula, Vater; 2012)

Na América do Sul, portanto, é latente a constituição de uma integração energética baseada na


interdependência e em ganhos recíprocos para todos os países, através da construção de um anel
energético de gasodutos, ligando as principais fontes (Venezuela, Bolívia e Peru) e mercados, uma vez
que a oferta de energia é fundamental para que ocorra a implantação de projetos industriais por todos
os países.
Entretanto, tal fato necessita de um empenho político no que tange a investimentos na
exploração de recursos energéticos, na construção de uma infra-estrutura de interconexão energética
que integre países produtores e consumidores, no qual a articulação deve ser realizada através de um
planejamento e uma visão da região como um todo, observando suas ofertas e carências, a partir de
uma matriz energética regional, e também construindo uma real integração física energética entre os
países, cruzando toda região.
Logo, constata-se que a integração e a seguridade energética dos países da região, ao
disponibilizar energia para todos os países, podem favorecer o desenvolvimento industrial e econômico
em geral das economias nacionais, e assim promover a apropriação desses recursos em favor do
desenvolvimento interno da região. (FIORI, PADULA, VATER; 2012)

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2.3 Integração das comunicações


A discussão sobre uma integração das comunicações no Mercosul deve-se pautar,
primordialmente, nas telecomunicações, estações terrestres de recepção e transmissão
de microondas, backbones, redes de cabos, fibra ótica e satélites, através do uso das mais
modernas tecnologias de informática e comunicações.
Os sistemas de comunicação dos países do Mercosul atualmente se encontram duplamente
dependentes: de um lado, da monopolização das comunicações no âmbito interno, concentrados em
poucas empresas privadas, e de outro, dos sistemas de comunicações de outros países, onde as
tecnologias de informação e comunicação – as chamadas TIC’s – são em sua totalidade sistemas
importados e/ou administrados por outros países, com tecnologia estrangeira, pautando-se numa
dependência tecnológica, de informações e, inclusive, de vulnerabilidade de sua segurança.
Assim, no âmbito interno, uma importante questão é dos monopólios da comunicação nos
países do Mercosul e da América do Sul, onde a ausência de controle/regulação dos meios e da
formação das redes ao longo do século XX possibilitou uma concentração dos meios de comunicação
por pequenos grupos de pessoas, que possuem o monopólio da informação e das mídias pautados na
“livre-empresa”.
A democratização dos meios de comunicação, portanto, é essencial para que haja uma maior
pluralidade do conhecimento e um não monopólio/oligopólio desregulado de meios eletrônicos de
informação, garantindo uma inclusão digital e neutralidade da rede. Assim, a criação de redes públicas
de informação, de redes comunitárias, a construção de mecanismos alternativos, a regulamentação dos
meios, a universalização da banda larga de internet como ponto estratégico para a difusão do
conhecimento e democratização do acesso à informação ensejariam a construção de uma opinião
pública democrática e plural, onde os países do Mercosul podem trabalhar conjuntamente a fim de
desestabilizar esse controle e concentração monopólica dos meios de comunicação que se encontram
em todos os países membros. Exemplos a serem seguidos são a instauração da Telesur pela Venezuela,
que se pauta numa programação diversa, plural e autônoma voltada principalmente para os países
latino-americanos, assim como os avanços da Argentina e do Uruguai no quesito da regulação dos
meios de comunicação.
No âmbito externo, uma temática em pauta seria a formação de um grande anel continental de
redes de fibra óptica, que se encontra em discussão na Unasul, no qual passaria por todos os países da
América do Sul para integrar as nações num sistema de banda larga, conectando as redes de backbone
que já existem em cada um dos países-membros da Unasul, o que significaria unir as espinhas dorsais
da estrutura de transporte de dados de cada nação por meio de cabos de fibra óptica integrados,
buscando a redução do preço da banda larga para o consumidor através da redução dos custos de
comunicação.

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Um projeto de integração pautada na interconexão de redes dos países da América do Sul seria
de suma importância para evitar que informações enviadas a um país vizinho tenham de cruzar todo
continente, até os Estados Unidos, para depois chegar de volta ao destino, como ocorre atualmente,
além de aumentar a segurança e o sigilo dos dados trafegados na região, expandindo o acesso à rede
mundial de computadores e barateando os custos de conexão aos provedores e ao consumidor.
Outro ponto fundamental e que retomou um debate – tanto das comunicações como da defesa
– foi o caso de espionagem do governo norte-americano no Brasil, tanto de seus representantes do
mais alto escalão – como a presidenta Dilma Rousseff – como de uma das maiores empresas do mundo
– a Petrobras –, que vem ratificar a imensa diferença e defasagem dos sistemas de comunicação,
segurança e defesa entre os países da região e os Estados Unidos. Uma vez que qualquer
monitoramento realizado sem autorização e conhecimento dos países membros engendra uma violação
à soberania das nações, ao princípio da não intervenção nos assuntos internos dos Estados, aos tratados
e convenções internacionais, aos direitos humanos fundamentais e ao direito à privacidade dos
cidadãos, tal ação deve ser inclusive rebatida com algum tipo de retaliação.
Desta maneira, a consolidação de planejamentos estratégicos que culminem numa maior
autonomia tecnológica nessas áreas é primordial, onde há a necessidade de que as redes de transmissão
– todas elas controladas por empresas internacionais – contem com tecnologia e serviço da região, uma
vez que os interesses externos nas inúmeras potencialidades do território – sejam das reservas de
petróleo, da biodiversidade, do lítio, do nióbio, da água, etc – sempre existiram e continuarão a existir.
Assim, a necessidade primordial de tal planejamento seria buscar reduzir a dependência tecnológica dos
países da região, restringindo o “apartheid tecnológico” que lhe é imposto.
Tal debate deve ser ensejado nas futuras cúpulas do Mercosul em caráter de urgência, uma vez
que o gap existente atualmente somente será revertido através de uma articulação conjunta entre os
Estados da região, demandando recursos abundantes dos mais diferenciados fundos existentes,
abrangendo investimentos em comunicações, ciência, tecnologia e inovação, defesa e segurança. Tal
ação é imperativa para que seja ao menos amenizada tal discrepância e enseje uma maior soberania dos
meios de comunicação na região.
Ações que buscam certa autonomia e soberania tecnológica e das comunicações em escala
mundial – pela via de satélites – começam a ser realizadas no continente: na Venezuela, o satélite Simón
Bolívar foi lançado em 2008, permitindo certa independência tecnológica a fim de democratizar o
acesso a tecnologia. Em 2012, o primeiro satélite venezuelano de observação foi lançado, denominado
Miranda, que permitirá ter um inventário completo do país e acesso a informação precisa do território
nacional em áreas estratégicas como segurança e defesa, mineração, petróleo, agricultura, alimentação,
saúde e ambiente; no Equador, em abril de 2013, foi lançado o primeiro nano-satélite, denominado
NEE-01 Pegaso, focado na área científica e educativa, sendo capaz de transmitir em vídeo e em tempo
real o que ocorre no espaço. Além disso, estreitou relações de cooperação com o governo brasileiro, em

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2013, através de seus institutos espaciais com o objetivo de promover a transferência de conhecimentos
e uma participação conjunta em projetos de pesquisa espacial; na Bolívia, com o projeto de satélite
boliviano Túpac Katari, que compreende um satélite de comunicações, iniciado no final de 2012,
permitirá ampliar a cobertura de internet, telefonia móvel e televisão e se encontra atualmente em fase
de simulação espacial na China, com previsão de lançamento para dezembro de 2013; no Brasil, com as
recentes descobertas de espionagem dos Estados Unidos, haverá o lançamento em 2015 de seu próprio
satélite com a finalidade de não mais depender de satélites norte-americanos, assim como desenvolve
um sistema de comunicações por cabo que se conectará à Europa e África, com o mesmo fim de se
emancipação no campo das comunicações a nível mundial.
Tais ações orquestradas pelos países membros e associados do bloco são necessárias, mas deve-
se atentar que se um projeto conjunto entre esses países fosse realizado, com uma integração das ações
voltadas para a independência das comunicações mundiais, os custos operacionais e os benefícios
coletivos seriam muito maiores e melhor aproveitados por esses países, fortalecendo sua posição de
independência tecnológica e das comunicações. Tal exemplo pode ser constatado com o satélite
venezuelano de observação Miranda, que buscará fortalecer o processo de integração sul-americano,
uma vez que outros países da região poderão se beneficiar a partir de acordos de cooperação com a
Venezuela, incluindo uma complementaridade no âmbito científico-espacial.

3. Balanços e perspectivas

Em suma, buscou-se realizar um pequeno balanço das ações realizadas e das perspectivas para
que uma integração da infra-estrutura do Mercosul e dos demais países sul-americanos fosse viável. Os
desafios postos são inúmeros, tanto endógenos como exógenos, no qual uma articulação político-
estratégico conjunta de todos os países e de suas respectivas sociedades será mais do que necessário,
através de um processo de integração que priorize as economias e os fluxos comerciais entre os países
da região para um desenvolvimento conjunto e soberano.
Assim, para Maria Regina Soares de Lima Marcelo Vasconcelos Coutinho (2006),
[…] la concepción de región acoplada a la idea de integración física y energética es distinta de la noción de
regionalismo abierto, más cercana a la idea de un espacio de flujos no territoriales. Al contrario, la región como
integración física y productiva supone un concepto de espacio de lugares nacionales. La vinculación entre Estados
en una misma región supone territorialidad y contigüidad.

Em contrapartida a um regionalismo aberto na região, em 2009 foi criado o Conselho de


Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan) dentro de um processo de institucionalização da integração
regional. A criação do Cosiplan almeja alcançar maior controle e respaldo político por parte dos
governos sobre o tema da infra-estrutura, e a partir disso avançar para uma visão política e estratégica e
uma maior capacidade de alavancar recursos e gerar diferentes formas de financiamento.
De fato, o Cosiplan apresenta em seu discurso, princípios e objetivos, uma tentativa de responder
às principais críticas vinculadas à Iirsa, por diferentes atores e visões. Busca, assim aproximar os
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governos e dar maior respaldo político aos projetos de infraestrutura, ganhando maior capacidade de
mobilização e alavancagem de recursos, incluindo a variável político-estratégica, buscando privilegiar
projetos de maior impacto regional, estruturantes (não projetos fragmentados e dispersos); articular os
projetos com a integração produtiva e com o combate às assimetrias regionais; buscar o diálogo com
comunidades envolvidas, uma maior aproximação e apoio das sociedades dos países, e considerar
variáveis socioambientais. Assim, a iniciativa do Cosiplan de caráter político estratégico é essencial para
uma integração física autônoma na região; basta somente que o discurso seja efetivado na prática,
devendo inclusive os formuladores de políticas do Mercosul atentar para as possíveis críticas e
sugestões oriundas da implementação do Cosiplan, a fim de que possam realizar empreendimentos da
mesma envergadura entre seus países membros.
Deve-se criar modelos de integração que contemplem as especificidades da região e as
necessidades que precisam ser superadas para que haja um maior fluxo comercial, de pessoas, de
informações tanto entre os seus respectivos países membros como entre a própria população em si. A
cópia pura e simples de modelos de integração consideradas a priori como modelos universais e que
poderiam ser aplicados de modo eficiente em qualquer lugar não condiz com as idiossincrasias dos
países sul-americanos e principalmente dos membros do Mercosul. Tais modelos no passado se
mostraram aquém das necessidades reais que se apresentam cada dia mais complexas na região, que
precisam ser debatidas a partir de uma articulação de seus problemas infraestruturais endógenos e que
somente poderão ser superadas com o diálogo, disposição política e complementaridade simétrica e
igualitária entre os países membros.
Busca-se uma forma de integração industrializante, baseada no comércio entre bens industriais
de alto valor agregado e intensidade tecnológica, em ganhos de escala e de produtividade, com um
amplo mercado ao seu dispor, promovendo a industrialização e a convergência produtiva e tecnológica
nos países da região, de acordo com as suas idiossincrasias históricas, políticas, econômicas, culturais e
geográficas.
A busca pela redução das assimetrias produtivas, econômicas, sociais e tecnológicas entre os
países do Mercosul deve ser o objetivo a ser alcançado. Para isso, é necessário prover uma integração
da infraestrutura adequada a estes objetivos.

Referências
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intra e extra-regionais. Oikos: Revista de Economia Heterodoxa, Ano VI, nº7, 2007. Rio de Janeiro
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Situação dos alunos das Escolas de Ensino Fundamental I
de Santana do Livramento/Brasil e das Escolas Primárias
de Rivera/Uruguai

Cinara Neumann Alves*


Paulo Vanderlei Cassanego Júnior**
Deivid Ilecki Forgiarini***

Introdução

D
iálogos bilíngues não são raros em salas de aula localizadas nas fronteiras brasileiras. Para
estudantes e professores dessas regiões, o encontro de culturas torna-se uma importante
fonte de conhecimento e de recursos didáticos. O fato de Sant’ana do Livramento e Rivera
serem separados por uma rua — um lado da calçada é brasileiro e o outro é uruguaio — torna exemplar
a situação dos moradores e, em especial, dos alunos, que se habituam as informações geográficas,
históricas e culturais de ambas as nações.
As duas culturas se fundem em uma só fazendo com que as pessoas convivam com los hermanos
como se fossem todos pertencentes a uma só na nação. A questão fronteiriça é tratada frequentemente
com indiferença. De acordo com ela, muitas crianças que vivem em Sant’ana do Livramento não são
sequer "apresentadas" ao obelisco que divide as duas cidades (NOVA ESCOLA, 2004).
Desta forma, esta pesquisa buscou saber quais as dificuldades enfrentadas por estes alunos que
vivem nesta situação de dualidades. Assim, o objetivo da pesquisa foi Analisar as dificuldades
enfrentadas pelos alunos das escolas primárias na fronteira de Sant’Ana do Livramento – Rivera.

A fronteira Brasil – Uruguai e o intercâmbio cultural existente

Quando se discorre sobre a fronteira Sant’Ana do Livramento (Br) e Rivera (Uy), de 240km de
fronteira seca, o significado da palavra fronteira toma proporções maiores do que a divisão entre dois
países, considerando que não existe nada além de uma linha imaginária cortando estas duas nações.
Golin (2002, p. 14), se manifesta da seguinte forma quanto ao conceito de fronteira:
Definido o limite como a linha político-territorial extrema do Estado-Nação, inscrita na
natureza, a mesma objetividade não se pode utilizar para o conceito de fronteira. Apenas
como uma referência facilitadora, a fronteira é interpretada como uma faixa ou uma zona
existente nos dois lados de uma linha divisória e de difícil precisão [...] administrativa e
politicamente, o Brasil adotou como dimensão de sua faixa de fronteira o espaço interno de
150 km da linha, em uma concepção claramente de defesa nacional, ou seja, como área
estratégica do Estado. Entretanto, a zona de fronteira é real e depende das relações sociais
em diferentes tempos históricos.

A divisão territorial dessa região se caracteriza de maneira peculiar, conforme Maria Helena
Martins:
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O marco divisório geopolítico corre ao longo de uma rua, sinalizado por pequenas estruturas
de concreto ou por um muro baixo, feito de colunas e (...) Este traço divisório tem como
espaço privilegiado a praça internacional, cortada pela linha limítrofe entre as duas cidades.
Neste passeio público, as pessoas transitam naturalmente sem que a separação seja
contundente, muito embora se façam presentes, em cada um dos lados da praça, policiais
brasileiros e uruguaios. (MARTINS, 2002, p. 225)

Segundo Betancor (2002) os habitantes da fronteira, em seus contatos, definem um cotidiano


caracterizado por dualidades. Têm em alta conta a convivência estreitada por laços de parentesco e
comunhão de espaços, reconhecem o valor de conquistas obtidas através de acordos internacionais;
vivem em torno de um cotidiano de relações comerciais que vão do legal ao ilegal. Em 2004 entra em
vigor um acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República
Oriental do Uruguai para permissão de Residência, Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços
Brasileiros e Uruguaios, que firma o seguinte:

A Educação no Brasil e no Uruguai

Segundo o site da República Federativa do Brasil (2010), o sistema educacional para o ensino
fundamental no país funciona da seguinte forma: é obrigatório para crianças com idade entre 6 e 14
anos. Nesta etapa, é desenvolvida a capacidade de aprendizado do aluno, através do domínio da leitura,
escrita e do cálculo. O estudante também deve ser capaz de compreender e ter uma análise crítica do
ambiente natural e social, o sistema político, a tecnologia, as artes e os valores básicos da sociedade e da
família. Desde 2005, com a aprovação da lei nº 11.114, o ensino fundamental tem duração de nove
anos. Sendo assim, a criança entra na escola com 6 anos de idade e não mais com 7, e conclui aos 14
anos.
O sistema educacional no Uruguai não é muito diverso do brasileiro. A educação primaria é
gratuita e obrigatória com duração de 6 anos. Em 1996, o índice de matrículas na escola primária de
crianças com idade recomendada era de 93%, com homens e mulheres tendo o mesmo índice de
matrículas. Uma das características mais importantes no ensino no país é o alto índice de alfabetização
já que, segundo estimativas para 2003, o índice se encontrava em 98%, o mais alto da América Latina.
Segundo dados do INEP, a média da taxa de atendimento da população com idades entre 7 e
14 anos nos países do Mercosul era, em 2000, de 96%. Entre os países do Mercosul, a Argentina e o
Uruguai já tinham 100% de seus estudantes desta faixa etária na escola em 1996. Em 2000, o Brasil
possuía 96,4% de escolarização nesta idade.

Caracterização socioeconômica da região

Segundo o Corede (Conselho Regional de Desenvolvimento) a região fronteira-oeste do Rio


Grande do Sul é considerada atualmente a região mais empobrecida do estado. Possui, na maioria dos

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municípios, IDH inferior ao do estado em 2010 (0,746), confome PNUD – Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento, e também renda per capita inferior ao mesmo em 2003 (12.071). Um
fato marcante nesta região é sua desindustrialização. O setor secundário era responsável por quase um
quarto do PIB regional em 1990 e caiu para cerca de 16% em 2002. O que também pode ser percebido
em sua ocupação entre 1991 e 2001, como é descrito em seu relatório final do Planejamento
Estratégico (2010 - 2020). “O número de trabalhadores com carteira assinada na indústria com a taxa
de 4,5% a.a. (compensada, em parte, pelo aumento da informalidade no setor)” (COREDE-FO, 2010,
p. 11)
Corroborando com esta informação, Dorfman (2007) verifica que a atividade mesmo ilegítima,
faz parte do cotidiano desta população seja, para a própria subsistência ou até mesmo para a geração de
renda e que a palavra contrabando, quando empregada em Sant’Ana do Livramento e Rivera, equivalia
a uma declaração de “ignorância do ethos fronteiriço”: “Além de revelar-se como estranho ao lugar,
significava não compactua com a compreensão local sobre a atividade, já que a designação
‘contrabando’ se origina em parâmetros extra locais de legalidade, trazendo em si uma condenação
velada. (DORFMAN, 2007, p. 82). Sánchez (2002, p. 61) descreve o uso da fronteira para fins de
subsistência ou de comércio como prático:
Esta fronteira apresenta, para sua população, uma série de oportunidades e recursos novos e
estratégicos, e é neste sentido que falamos de um sentido prático da fronteira. Se
considerarmos uma prática como o contrabando, esta prática revela uma estratégia cotidiana
ou um sentido prático da fronteira para comprar a melhor preço, melhorar a rentabilidade ou
adquirir produtos diversos. Porém, a população fronteiriça, pratica o contrabando
cotidianamente, o faz em função de determinadas suposições sobre qual é o melhor fiambre
[...], onde se conseguem os melhores lençóis e toalhas de banho [...], onde comprar os
medicamentos mais confiáveis [..], etc., etc. Isto é, não é conveniente falar de sentidos
práticos da fronteira sem considerar as ideias, estereótipos ou representações que riverenses e
santanenses têm desta fronteira e de si mesmos, porque para os atores fronteiriços o mundo
da fronteira não só se divide em dois (antes e depois da linha, cá ou lá ou deste lado e do
outro lado), também se carrega de uma série de valores que determinam que coisas são
melhores, desde as escolas, ou os serviços públicos até a aspirina, as linguiças, os biscoitos ou
os cachorros. (QUADRELLI-SÁNCHEZ, 2002, p. 61).

Segundo o INE, a taxa de pessoas empregadas no departamento de Rivera (Uy) em 2008 era de
54,7%, a renda mensal média dessa população era de 14.991 pesos uruguaios , sendo que o limite de
renda para os 20% mais pobres eram de 6.300 pesos, de acordo com o INE. A taxa de desemprego no
país em 2002 era de 16,9, em 2008 esse índice diminuiu para 7,6.
Os números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística Uruguaio (INE) informam que
para cada 10 crianças uruguaias, 6,7 nascem abaixo da linha da pobreza. A maioria destas crianças são
filhas de mães adolescentes, que representam, segundo o último Censo, 14,76% do total de mães. Essas
mães, por sua vez, são filhas de mulheres que ficaram grávidas na adolescência e abandonaram seus
estudos básicos.

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O fato de a pobreza extrema incidir na população infantil, e dentro desta, na faixa de 0 a 5 anos,
já não é um tema novo no Uruguai, a crise econômica de 2002 agravou a situação das famílias pobres e
especialmente a das crianças indigentes. Estudos sobre a exclusão sociocultural desta população
indicam que estas crianças constituem a terceira geração de excluídos do sistema. (Relatório Alternativo
do CLADEM URUGUAI para o Comitê de Especialistas da CDN de maio de 2007).
Segundo Rivoir apud Veiga e Rivoir (2004) o Departamento de Rivera (Uy) obteve um aumento
na desigualdade social nos anos de 1996 a 2001. Conforme a autora, a maior porcentagem de população
pobre no Uruguai se concentra ao norte do Rio Negro, onde se localiza o Departamento de Rivera, não
excluindo o sul deste dado. É possível afirmar que na metade dos departamentos, pelo menos uma
quarta parte de sua população vive em condições de pobreza.

Possíveis dificuldades enfrentadas pelos fronteiriços

Um problema comum em regiões de fronteira, é o de migração de um país para outro. Essa


situação é bem perceptível na fronteira do Brasil com a Guiana conforme nos informa Pereira (2006).
O trânsito migratório naquela região, além de caracterizar os processos migratórios de
pessoas, explica, também, os deslocamentos de mercadorias e de significados
simbólicos de um lado a outro entre esses Estados-nação. Além das mercadorias, há
um intercâmbio de etnias e nacionalidades em torno do interesse comercial
(PEREIRA, 2006, p. 5).

De acordo com a autora esse quadro transmite um perfil migratório indocumentado, em ambos
os lados da fronteira; logo, não é possível encontrar dados estatísticos que expressem a presença dos
migrantes das duas nacionalidades. Outro quadro recorrente em fronteiras e vem sendo estudado com
interesse é a questão da saúde nessas regiões.
Em um estudo publicado nos Cadernos de Saúde Pública em 2007, em 84% dos municípios de
fronteira estudados ocorre algum tipo de fluxo no atendimento médico a estrangeiros e brasileiros não
residentes. De acordo com o estudo realizado entre
Os diversos tipos de fluxo e trânsitos transfronteiriço apontados pelos secretários
municipais de saúde, os de maior intensidade são aqueles de pessoas com familiares
residentes do ouro lado da fronteira considerados frequentes ou muito frequentes por
64% dos secretários municipais de saúde. (GIOVANELLA et al., p.5, 2007)

Essa busca por atendimento traz consigo uma dificuldade na distribuição de recursos para estes
municípios, conforme Giovanella et al.,(2007):
A busca dos estrangeiros por atenção à saúde traz dificuldades para a gestão do SUS
com repercussões sobre o financiamento das ações e serviços de saúde, uma vez que
parte dos repasses federais é alocada na modalidade per capita, não sendo contabilizada
a população itineirante. Essa foi a principal dificuldade apontada por 74% dos
secretários municipais de saúde. (GIOVANELLA et al., 2007, p.10)

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A criação de políticas públicas para a saúde nessas regiões a fim de garantir o atendimento
médico à população fronteiriça foi levantada por Nogueira, Dal Prá e Ferminiano (2007, p.231) ao
analisarem a demanda e o atendimento médico entre os países do Mercosul afirmam que “...no que se
refere à integração das políticas, em geral, a maior parte dos profissionais que estão no atendimento
direto com a população desconhece quaisquer medidas, acordos ou pactos que digam respeito a essa
integração...”. As autoras também identificam que os gestores tentam solucionar problemas de escassez
e de atendimento através de acordos informais com gestores locais dos países vizinhos.
Existem problemas ou situações de determinadas regiões que são muito complexas e vem
recaindo cada vez mais aos seus responsáveis diretos. Uma proposta para a solução de problemas
complexos no que tange a administração pública e se aplicam a regiões fronteiriças são as políticas
públicas.
Políticas públicas são conjuntos de ações desencadeadas pelo Estado que visam o bem-estar
comum. Podem ser realizadas em parceria com organizações não governamentais, e até mesmo com
empresas privadas. Schmidt (2008) define que políticas públicas
Configuram decisões de caráter geral que apontam rumos e linhas estratégicas de
atuação governamental, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e
potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas , expressas e acessíveis à
população e aos formadores de opinião as intenções do governo no planejamento de
programas, projetos e atividades. (SCHMIDT, 2008, p. 2312)

Esta definição, diz o que a política pública deve ser, as políticas orientam a ação estatal,
reduzindo o problema da descontinuidade. Sendo assim, é possível que a sociedade acompanhe todas
as fases de sua implementação, desde sua criação até a análise de resultados.

Metodologia

A pesquisa tem natureza exploratória, Sampieri et al (2006) se manifesta da seguinte forma


quanto à pesquisa exploratória: “os estudos exploratórios são como realizar uma viagem ao
desconhecido, do qual não conhecemos nada nem lemos nenhum livro a respeito do qual possuímos
uma rápida ideia oferecida por terceiros” (SAMPIERI, COLLADO, LUCIO, 2006, p. 99).
Por este motivo foi escolhido o método qualitativo para a realização da mesma. O método
qualitativo é escolhido por permitir uma análise dinâmica dos dados coletados e a partir desta análise
será possível a sugestão de melhorias propostas pela pesquisa. Hair Jr. et al (2005, p. 152) diz que
“tipicamente no estado exploratório do processo de pesquisa. Seu papel é identificar e/ou refinar
problemas de pesquisas que podem ajudar a formular e testar estruturas conceituais”.
Para a coleta de dados utilizou-se três técnicas: Entrevista semiestruturada junto aos
representantes das instituições de ensino pesquisadas. Dada a situação delicada e ainda inexplorada do

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objeto de pesquisa, este tipo de entrevista é ideal permitindo liberdade de modificações no roteiro e
principalmente liberdade de resposta aos entrevistados.
Para a coleta de dados junto aos alunos o método escolhido foi a dinâmica da construção
coletiva de imagens. A técnica permite à criança a liberdade de se expressar da forma que achar mais
conveniente, sem que haja indução de resposta por parte do entrevistador. Entre os alunos de 05 a 10
anos que foram objetos da pesquisa, foram selecionados cinco alunos de cada escola para a realização da
dinâmica da construção coletiva de imagens.
De acordo com Vergara (2006) a coleta de dados por meio da construção de imagens pode
ocorrer das seguintes formas: (1) não-estruturada, quando o entrevistado tem liberdade para escolher o
que quer desenhar; (2) semiestruturada, quando o entrevistador sugere algum tipo de representação.
Utilizou-se de coleta semiestruturada por se tratar de um tema específico e pelo fato de o grupo ser de
pouca idade e necessitar de instrução.
Porém, como Vergara afirma, a técnica por si só nem sempre é suficiente para uma análise
ampla, por este motivo, durante a pesquisa surgiu à necessidade de mais uma forma de coleta de dados e
optou-se pela observação (SAMPIERI et al., 2006, p. 383).

Análise dos Dados

As entrevistas com as instituições de ensino


Para que a pesquisa obtivesse um resultado que possibilitasse a verificação de dados de forma a
analisar de todos os ângulos do fenômeno pesquisado foram entrevistadas quatro diretoras de escolas
da fronteira de Sant’Ana do Livramento – Rivera, sendo duas de escolas uruguaias e duas de escolas
brasileiras. A estas foi aplicado um rol de perguntas.
A primeira pergunta feita às professoras foi como as instituições recebem alunos advindos do
Uruguai/Brasil em seu meio escolar?
Segundo, G. L., diretora da Escola número 88: A escola é uma escola bilíngue e conta com
aproximadamente com 400 alunos estudando em turno integral. Os alunos ficam na escola das 8h até às 16h, recebem
café da manhã, almoço e um lanche à tarde. Por ser uma escola bilíngue, possui 9 professores de português, sendo esta a
língua materna da escola devido a quantidade de alunos que moram em Sant’Ana do Livramento (Brasil) e estudam lá.
A forma de ingresso dos alunos brasileiros é (...) simples, a documentação necessária não é extensa, porém os alunos
realizam uma prova (...). Normalmente os alunos advindos de escolas brasileiras ingressam em uma série inferior às que
estavam no Brasil.
Conforme C. P., diretora da escola número 08: Normal, desde que tudo esteja em dia, documentação,
vacinas, passe de escola. É realizada uma prova para que se possa identificar o nível de ensino e direcionar o aluno ao ano
correspondente ao seu nível.

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De acordo com A., diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Júlio de Castilhos: Através do
histórico escolar é feita uma análise do nível de aprendizado dos alunos, para que seja possível o encaminhamento para a
série correspondente.
Segundo M. E. A., vice-diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Saldanha
Marinho: Os alunos que estudam na escola nunca estudaram no Uruguai, são alunos que iniciam seus estudos na
instituição ou já pertencem a ela.
A segunda pergunta foi: Quais as maiores dificuldades enfrentadas por estes alunos? As
respostas estão elencadas abaixo:
Conforme G. L.: A escola encontra-se em uma região extremamente carente, com famílias desestruturadas
(...). Uma região onde a dificuldade financeira e social é explícita. (...) O Uruguai tem um forte controle de frequência
escolar e assistência a famílias carentes, dando inclusive incentivos financeiros para que estas mantenham seus filhos na
escola. Quando o aluno falta três vezes consecutivas sem justificativa a escola entra em contato com a família para saber o
motivo, em seguida as inspeções escolares e juizado de menores... caso este aluno não volte a escola os benefícios das famílias
são suspensos. (...). Mas esta supervisão só é possível em famílias Uruguaias e que residem no Uruguai.
De acordo com C. P.: A linguagem é a maior dificuldade enfrentada pelos alunos, pois a escola não é
bilíngue, já houve alunos com problemas de assistência, mas não estão mais na escola.
Segundo A.: Não há muitas dificuldades enfrentadas no âmbito educacional, esses alunos tem um domínio
satisfatório do português, portanto não há muitas dificuldades nesse sentido.
Conforme M. E. A.: Mesmo os alunos sendo estudantes no Brasil desde sua iniciação escolar, a linguagem é
um problema no sentido de que em casa estes alunos falam espanhol.
A terceira pergunta foi: há alguma entrevista ou período de adaptação para com estes alunos e
suas famílias? Seguem as respostas:
De acordo com G. L.: Há uma entrevista com os pais destes alunos após a prova, para explicar o resultado e
para qual ano o aluno será destinado. Como a escola é bilíngue o período de adaptação é inexistente.
Segundo C. P.: Há uma entrevista com os pais, os professores levam aos alunos até a classe, é feita uma
apresentação. De acordo com o resultado das provas são identificadas as principais dificuldades destes alunos e estas são
trabalhadas por cada professor em busca da nivelação.
Conforme A.: Não há nenhuma entrevista com familiares ou alunos, apenas o estudo do histórico escolar. Não
há nenhum período de adaptação, somente se há a necessidade.
De acordo com M. E. A.: Não.
A quarta questão foi: quais são as principais carências percebidas pelos professores destes
alunos? Seguem as respostas:
Segundo G. L.: A questão foi incluída na questão número 2 e as respostas se fundiram.
De acordo com C. P.: Basicamente é a linguagem e o processo lento de acompanhamento, pois as aulas são
em espanhol. A respeito de carências sociais, estas existem em todo o lugar, há uma dificuldade de assistência a estes
alunos, porém é questionado qual o motivo de estes alunos frequentarem escolas uruguaias e não brasileiras, onde residem.

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Conforme A.: A escola é muito heterogênea, assim como há alunos que vão à escola somente pelas refeições (a
escola oferece café da manhã e almoço para os alunos) também há alunos cujas famílias têm condições. (...) Existem
famílias que mantém os alunos na escola para garantir os benefícios dados pelo governo.
Segundo M. E. A.: Os alunos da escola são carentes em todos os aspectos (alimentares, afetivo, materiais...)
são pertencentes, muitas vezes a famílias com 8 irmãos, onde falta tudo (...) A Patrulha Escolar, projeto da Brigada
Militar, atua na escola, e também nas famílias, porém, nessas famílias a atuação fica quase impossível pois “trancamos”
na fronteira. Há alunos que a única refeição que fazem é na escola (oferece café da manhã e almoço). As famílias mantém
os filhos na escola pelos benefícios recebidos do governo. É a chance que a escola agarra para prender o aluno. Os
professores são incentivados a prepararem aulas que entretenham as crianças pois caso contrário, a desmotivação é grande.
A quinta e última pergunta foi: Existe alguma “troca” de informações com as escolas do outro
país? Seguem as respostas:
De acordo com G. L.: Há uma troca de informações quando há alunos que vão do Uruguai para o Brasil e
vice-versa. De vez em quando também há eventos que envolvem professores de ambos os países, mas são raros. Com os
alunos é inexistente.
Conforme C. P.: Não há troca de informações. Está faltando integração entre as escolas na fronteira, o que
seria necessário para a melhora na educação destes alunos.
Segundo A.: Não há troca, mas seria muito importante que houvesse.
Conforme M. E. A.: Houve há alguns anos um encontro com troca de experiências, mas depois disso não
mais.
Tendo como base o referencial teórico utilizado para a pesquisa nota-se uma diferença
significativa dos dois sistemas de ensino no que tange a recepção de alunos estrangeiros ou que residem
no outro país. Enquanto o Uruguai realiza um estudo do histórico do aluno, realiza uma prova de
aptidão escolar para delimitar o ano em que este ingressará e faz entrevistas também com familiares
para que o aluno tenha o melhor desempenho possível na escola, o Brasil apenas estuda o histórico
destes alunos, realizando alguma entrevista ou período de adaptação apenas se necessário.
Essas diferenças educacionais são perceptíveis nas próprias leis que gerem a educação nos dois
países: enquanto logo no primeiro parágrafo da LDB (1996) “A educação, dever da família e do Estado,
[...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”; o artigo 1º. Das Definições, Multas e Orientações da
Educação do Uruguai diz que “... o Estado deve promover e assegurar uma educação de qualidade para
todos os seus habitantes, ao longo da vida, dando continuidade educativa.”
Existe uma diferença nestas duas declarações, enquanto um país pensa em sua educação para o
desenvolvimento da cidadania, e para a qualificação para o trabalho, o outro pensa a educação como
um dever do Estado que assegura qualidade a todos e continuidade a mesma.
Embora seja fato que a fronteira Sant’Ana do Livramento – Rivera seja uma fronteira irmã,
onde os dois países se fundem em um só, separados apenas por uma rua, é nítida a separação no que

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tange a estrutura. As relações entre os habitantes do local são claras e rotineiras, porém quando o
assunto é legislação, saúde, governabilidade, e educação, nota-se que há uma separação. Mesmo com a
integração entre os povos os governos não pensam nos assuntos de fronteira de forma conjunta.
Como as entrevistas mostram, não há integração escolar entre os dois países, ambos possuem
alunos advindos do país vizinho, mas não compartilham de informação sobre este, não há troca de
experiências entre eles ou até mesmo com alunos.
De acordo com as entrevistas realizadas, chegamos pode-se concluir que a criação de uma
política pública que regulamente a educação na fronteira é uma necessidade urgente da região. A criação
de uma política pública que regule a educação na fronteira, proporcionaria um acesso muito melhor aos
alunos. Permitiria a plena assistência aos alunos e suas famílias pelas escolas e órgão públicos
competentes de ambos os países. Nem escolas, nem famílias se sentiriam desamparados perante a lei ao
esbarrarem na fronteira com o país vizinho.

A dinâmica da construção coletiva de imagens


Aos alunos que participaram da dinâmica da construção de imagens foram aplicadas duas
questões que eles responderam em forma de desenho. A primeira questão proposta aos alunos foi:
Desenhe o trajeto de casa até a escola. Foram confeccionados um total de vinte desenhos com esta
pergunta, em todos os desenhos os alunos não demonstram dar importância ao fato de estudarem em
um país diverso do que residem. Conforme análise das figuras, esta informação lhes passa despercebida,
salvo quando lhes é perguntado diretamente onde moram e onde estudam. Para estas crianças não há
uma separação de fato das duas nações
A segunda questão proposta foi: Desenhe as aulas na escola, os coleguinhas e como vocês
se relacionam. Os desenhos apresentados mostram uma relação de convivência e sala de aula, sem
quaisquer alterações em suas rotinas escolares. Nas escolas onde o idioma é o português os alunos
apresentam palavras em português e a recíproca é a mesma em escolas onde o idioma é o espanhol. Um
fato curioso nos desenhos ocorreu na Escola 88, que é uma escola bilíngue. Foi justamente nesta escola
onde os desenhos apresentaram uma mistura dos dois idiomas, frases ora escritas em português, ora
escritas em espanhol. Uma mistura que se deve ao fato de que nesta escola, as aulas são tanto em
português quanto em espanhol. Estas relações são tão estreitas, bem como afirma Betancor (2002), por
laços de parentesco, convivência comercial, relações legais e ilegais, que passa despercebido a essas
crianças o fato de atravessarem países distintos para estudar.

A observação durante a dinâmica da construção coletiva de imagens


A observação feita aos alunos durante a confecção dos desenhos proporcionou obter
informações que só é possível adquirir prestando total atenção às crianças.

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Durante a confecção dos desenhos na escola 88 notou-se amizade entre as crianças, sem
importar a nacionalidade, cor, classe de seus colegas. O interesse pelos desenhos de seus colegas com o
intuito de ajudar. Uma menina que não tinha lápis para poder fazer o desenho conseguiu imediatamente
emprestado com sua coleguinha.
Na escola 08 as observações já tiveram um resultado distinto. Estas crianças também
apresentaram uma necessidade de atenção para com o observador, porém não por motivos de carência
mas sim pelo desejo de se destacarem umas das outras. As crianças pediram notas para seus desenhos,
quiseram pintá-los, coisa que não foi pedida no enunciado da atividade. É importante ressaltar que essa
escola localiza-se no centro da cidade de Rivera, uma região favorecida economicamente.
Nas escolas brasileiras as observações foram semelhantes entre si. Um fato interessante é que
nestas escolas o observador foi permitido ficar sozinho com as crianças, fato que não ocorreu no
Uruguai, já que lá a atividade só foi permitida com a presença de um professor.
Na escola Júlio de Castilhos também foram percebidas carências afetivas e materiais. Nesta
escola também foi percebida a falta de estrutura e planejamento familiar. Um dos alunos participantes
tinha 11 anos e está cursando o segundo ano. Este mesmo aluno tem seis irmãos e também tem
sobrinhos. Este aluno reside perto da Escola 88, longe de onde situa-se a escola em que estuda e
também em uma região extremamente carente. Foi percebida também uma amizade genuína entre esses
alunos, não que sejam efetivamente amigos, mas um coleguismo muito sincero existe, uma preocupação
para que o desenho do colega também fique bom.
Na escola Saldanha Marinho foi notado um certo amadurecimento das crianças não percebido
nas escolas anteriores. Nesta escola um dos alunos participantes também tem 11 anos e encontra-se no
quarto ano. Aqui foi percebida uma competição para o término da atividade, para ver quem terminava
primeiro.
Todas essas observações remetem ao referencial teórico no que tange a educação quando o
próprio MEC nos apresenta o dado de que a distorção idade-série aumenta à medida que se avança nos
níveis de ensino, onde 25,2% dos alunos estão. Outro fator que pode contribuir para esta situação é
que, segundo o Ministério da Educação, a distorção idade-série aumenta à medida que se avança nos
níveis de ensino. Entre os alunos de ensino fundamental, 25,2 % estão com idade superior a
recomendada, chegando a 41% de diferença entre alunos do ensino médio.
Estas observações corroboram com as informações obtidas sobre a situação socioeconômica da
região, onde o IDH é inferior ao do estado (0,814), segundo o Corede (2009). Dorfman quando estuda
o contrabando na fronteira de Sant’Ana do Livramento – Rivera, propõe que falar em contrabando
seria desconhecer o Ethos fronteiriço.
O mesmo se diz do Uruguai, onde os índices de pobreza são altos, como informa o INE, para
cada 10 crianças uruguaias, 6,7 nascem abaixo da linha da pobreza. A região onde se situa a escola 88,
por exemplo, é visivelmente pobre e de acordo com a conversa tida com a diretora, as crianças

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demonstram uma carência afetiva e material muito grande. Muitas dessas crianças fazem todas as
refeições na própria escola (a escola oferece café, almoço e janta). Nas duas escolas brasileiras este fato
também é observado e afirmado pela direção da escola.
Conforme Rivoir apud Veiga (2004) o Uruguai obteve um aumento em sua desigualdade social
nos últimos anos, o que pode ser observado claramente na pesquisa. Enquanto a escola 08 dispõe de
toda a estrutura muito adequada, aulas de italiano, uma localização muito boa, em um bairro muito
bom, a escola 88 está visivelmente localizada em uma região desfavorecida economicamente, dispõe
sim, dos recursos necessários para sua administração, mas o ambiente é precário. O Uruguai possui
fatores muito pobres. O ônibus para se chegar à escola é muito antigo, o sistema de transporte é
precário.
A observação do transporte foi realizada em um horário de movimento de estudantes, por volta
das 13h, horário de início das aulas. Os estudantes recebem passe livre, porém quando um passageiro
pagante embarca, as crianças devem ceder o assento para este. Fazem a viagem até a escola a pé. O
cobrador do ônibus não possui um local fixo para seu transporte, o mesmo transita pelo ônibus durante
toda a viagem. O motorista, ao mesmo tempo em que conduz passageiros, incluindo crianças, fuma
cigarro, toma chimarrão e até faz seu lanche enquanto dirige.

Considerações Finais

Versar sobre a qualidade da educação em qualquer país e em qualquer lugar é algo que deve ser
prioridade de uma nação. Só através da educação é possível construir, é possível planejar, sem esta, a
sociedade permanece igual, sem mudanças e ao mesmo tempo sem perspectivas. Não somente de
educação didática, que ensina que 2 + 2 são 4, mas sim de educação para a vida, educação que permita
o cidadão escolher seu próprio destino, e não que este seja escolhido por determinada situação ou
pessoa.
É possível perceber através desta pesquisa que os países não têm essa prioridade em sua lista,
muito menos a possibilidade de discussão da educação dos pequenos cidadãos fronteiriços é algo
existente. É como se o país vivesse isolado do mundo, sem nenhuma fronteira, fato este que é
totalmente ignorado. O fenômeno objeto da pesquisa acontece, é frequente, gera problemas
assistenciais, autoridades locais tem vago conhecimento do fato. É como se houvesse uma pedra no
meio do caminho e simplesmente olhassem para ela e dissessem “a pedra está aí, vamos passar por
cima”.
Iniciou-se a pesquisa imaginando encontrar problemas de linguagem entre as crianças, ou trocas
frequentes de escolas, de um país para o outro. O que se encontrou foi um problema estrutural. Há sim
certa dificuldade de linguagem, contornável pelos professores. Percebeu-se que não há uma troca
frequente de escolas, logo esta situação quase não existe. Há um problema no sistema dos dois países,

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não isoladamente, pois a pesquisa não se ateve a questões curriculares dos países, mas um problema
conjunto de gestão de fronteira. É urgente que comece a se pensar não só a educação, mas a saúde, o
policiamento, o comércio dessas regiões ligadas uma à outra de forma conjunta. É necessário que os
dois países se harmonizem para que estas regiões, quase sempre tão desfavorecidas, se desenvolvam.

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RESUMO
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Resumo

Violências e as relações internacionais: narcotráfico


e a segurança pública

Suelia Nunes Gama


Ana Paula Brito Vila Nova
Marcelo Marques de Almeida Filho

E
ste artigo analisa a violência expressiva e a violência cotidiana na América do Sul decorrente
do narcotráfico e seus reflexos no processo democrático de formulação de políticas públicas
de segurança. Para tanto, será analisada o contexto vivenciado pela Colômbia como a
construção da paz entre o governo colombiano e a Farc e assim estabelecendo uma comparação com as
políticas de segurança adotadas pelos países sul-americanas e a participação do Mercosul.

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II

Questão Agrária, Movimentos Sociais e


Matrizes de Sustentabilidade no
Desenvolvimento Regional
ARTIGOS
Capitais globais – comunidades locais: a desarticulação
territorial da comunidade Salvaterra a partir do
Projeto da Refinaria de Petróleo Premium I -
Bacabeira/MA

Carlos Di Stefano Silva Sousa1

1. Introdução

E
m 2008 foi anunciado o processo de instalação do projeto da Refinaria de Petróleo Premium
I (RPRE I) no Maranhão. Orçado inicialmente em US$ 20 bilhões, o projeto foi concebido
para entrar em funcionamento em 2013 e atender às demandas de derivados de petróleo nos
mercados nacional e internacional (PETROBRÁS, 2009). Para garantir a sua instalação, o poder público
de Bacabeira aprovou o Plano Diretor Municipal, Lei Nº 205/2007, definindo 21 zonas diferenciadas
quanto ao uso. Foram criadas duas Zonas Especiais de Negócios Industriais (ZEN – Industriais) e o
Polo Modal. Por meio dos Decretos 24.680 e 24.681 de 24 de outubro de 2008, o Governo Estadual
criou o Distrito Industrial de Bacabeira (DIBAC), com área de total 26.116,971 m2, dos quais 20 km2
foram reservados para a instalação do empreendimento (BACABEIRA, 2013).
A decisão de instalar o projeto no município foi tomada com base nos Estudos de Impacto
Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), elaborados em 2009, que avaliaram
mínimos impactos socioambientais para as comunidades locais, pois para a empresa donatária do
projeto e os governos estadual e municipal trata-se de uma área rural comportando poucas
comunidades (PETROBRÁS, 2009). Mas de acordo com o próprio EIA/RIMA do empreendimento,
duas comunidades viviam dentro da área destinada ao projeto: Baixa do Tiririca e Salvaterra. O recurso
utilizado para a remoção das comunidades foi a desapropriação forçada ou amigável conforme
assegurado pelo citado Decreto Estadual 24.680/08.
Os argumentos utilizados pela empresa donatária do projeto para convencimento de remoção
das comunidades vincularam-se às precárias condições socioeconômicas e sanitárias nas quais estavam
inseridas. Dessa forma, argumentou-se que a instalação do empreendimento seria o elo entre o
desenvolvimento econômico regional/local, a geração de emprego e renda, e a melhoria da qualidade
de vida das comunidades. Melhoria propiciada pela construção de novas moradias (de alvenaria) e de
estruturas de saneamento básico inexistentes no local.
Essas contradições representam aquilo que Marx (2011) denominou dialéticas do capitalismo.
Ao mesmo tempo em que se argumenta em favor do crescimento econômico e da melhoria da
qualidade de vida das populações, os serviços de saneamento básico não abrangem todos os domicílios.
Com base nesses dados, a empresa donatária do projeto da Refinaria Premium I justificou as suas ações

1 Mestrando em Desenvolvimento Socioespacial e Regional - Universidade Estadual do Maranhão.


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na localidade. Mas ao mesmo tempo em que propôs a melhoria da qualidade de vida das comunidades
atingidas, contribuiu para a desarticulação de seus modos de vida tipicamente rurais.
O objetivo deste artigo é analisar as modificações ocorridas na comunidade rural e ribeirinha
Salvaterra onde a população desenvolvia, antes do anúncio do projeto da RPRE I, um modo de vida
rural baseado na agricultura de subsistência. Esse estudo tem por base a teoria marxista e se justifica na
medida em que a referida comunidade foi uma das mais atingidas pela desapropriação fundiária durante
a primeira fase de instalação do projeto que compreendeu a delimitação e terraplenagem da área.

2. Materiais e métodos

Para a realização desta pesquisa adotou-se a concepção marxista do materialismo histórico e


dialético para analisar as contradições verificadas entre a proposta de instalação do projeto da RPRE I,
na cidade de Bacabeira/MA, e a atual situação em que vive a comunidade rural e ribeirinha Salvaterra.
Como procedimentos metodológicos, adotaram-se os seguintes: revisão bibliográfica para a
seleção de material pertinente; coleta de dados oficiais (órgãos governamentais) disponíveis na rede
mundial de computadores (internet), tais como os relatórios anuais de produtividade e consumo do
petróleo no Brasil disponibilizados pela Agência Nacional do Petróleo – ANP; entrevistas com gestores
públicos de Bacabeira e representantes da Associação Comunitária do Salvaterra em 07/07/2013, com
o objetivo de abstrair suas perspectivas em relação ao projeto da RPRE I; entrevistas com moradores
do Salvaterra, com utilização do diagnóstico rápido participativo como instrumento de coleta de dados;
e pesquisa de campo com registros fotográficos.
Foram coletados também dados referentes aos serviços de saneamento básico no Maranhão,
nos anos de 2000 e 2010, disponibilizados na rede mundial de computadores pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE através do Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA, e
informações referentes ao projeto da Refinaria Premium I por meio do Estudo de Impactos
Ambientais e Relatório de Impactos Ambientais – EIA/RIMA 2009, disponível na Secretaria Estadual
de Meio Ambiente – SEMA.
A partir do material coletado, procedeu-se a análise das informações. Articulando-as ao
referencial teórico-conceitual, foi possível a elaboração do trabalho de modo a apresentar relações entre
as informações e a realidade observada.

3. Resultados e discussão

3.1 Produção, refino e consumo do petróleo no Brasil


No Brasil, os níveis de produtividade e capacidade de refino do petróleo cresceram nos últimos
50 anos em razão da adoção de novas tecnologias pela estatal Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás, pela

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construção e aquisição de novas refinarias, e pelo aumento de investimentos no setor. Estas ações
estiveram vinculadas à tentativa de reduzir a sensibilidade e a vulnerabilidade do Brasil, e transformar o
seu status de país importador para autossuficiente e energeticamente seguro (PIRES DO RIO, 2012).
Os fatores impulsionadores foram os choques do petróleo da década de 1970. Por duas vezes,
1973-1974 e 1979-1980, os países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo
(Opep) aumentaram o preço do produto em represália à política econômica adotada pelos Estados
Unidos para a efetivação de seus interesses geopolíticos (BRITO et al, 2012).
Para o Brasil, manter uma política de importação se tornou inviável já que o país vivenciava
uma rápida expansão econômica, denominada de “milagre econômico”, com elevada produtividade
industrial. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND – 1974/1979) incorporou diretrizes para
a produção do petróleo e redução da dependência externa. A tabela 01, extraída de Brito et al (2012, p.
35), demonstra a evolução da oferta interna de energia, de 1945 a 2010, segundo as principais fontes.

Tabela 01: Evolução da oferta interna de energia por fonte de energia (em %) e dependência externa de petróleo
(em %).
1945 1950 1970 1975 1980 1985 1990 2000 2010
Petróleo e gás natural 5,5 12,9 38,8 48,5 49,2 39,8 43,7 50,9 48,0
Carvão mineral e derivados 5,0 4,8 3,6 3,5 5,1 7,6 6,8 7,1 5,0
Hidráulica (eletricidade) 1,6 1,6 5,1 6,8 9,6 11,8 14,1 15,7 14,0
Lenha e carvão vegetal 85,7 78,1 47,6 36,3 27,1 25,1 20,1 12,1 10,0
Produtos de cana 2,2 2,7 5,4 4,6 8,0 13,6 13,4 10,9 18,0
Outras ( 1 ) ND ND 0,3 0,4 0,9 1,9 1,9 3,3 5,0
Dependência externa de petróleo ND ND 67,6 79,8 83,0 43,1 43,4 27,1 - 1,3
( 1 ) Inclui outras fontes primárias renováveis e urânio.
Fonte: Brito et al (2012, p. 35).

A rápida substituição da matriz energética contribuiu para a expansão da produção (exploração)


doméstica do petróleo e para elevação da capacidade de refino da Petrobrás. De acordo com a Agência
Nacional do Petróleo - ANP (2011 e 2012), a capacidade de refino da Petrobrás, desde que foi criada
em 1953, sempre esteve acima da produção bruta do petróleo. Contudo, essa situação foi modificada
em 2010 quando a produção de óleo atingiu o patamar de 2.137 mil barris/dia e a capacidade de refino
da estatal ficou em torno de 2.093 mil barris/dia.
Para o ano de 2011, os relatórios apontaram os seguintes valores: 2.193 mil barris/dia para a
produção e 2.116 mil barris/dia para a capacidade de refino (ANP, 2011 e 2012). De acordo com Egler
e Mattos (2012) e Pires do Rio (2012) esses resultados são consequência de maiores investimentos da
estatal e de outras empresas concessionárias no setor de exploração após a quebra de monopólio por
meio da Lei Federal 9.478 de 06 de agosto de 1997.
A partir de 2005 houve um rápido aumento dos níveis de consumo como resultado dos
crescimentos industrial e demográfico do país. Pelos dados da ANP (2012), o consumo interno de
petróleo é da ordem de 2.563 mil barris/dia e está bem acima dos níveis de produtividade e refino no
Brasil.

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Relacionando os dados às leituras de Marx (2011), pode-se afirmar que, dialeticamente, criou-se
uma produção consumidora e um consumo produtivo do petróleo no Brasil. Mas em vez de haver um
nivelamento entre as três fases – a produção, o refino e o consumo – aumentou o desequilíbrio dessa
relação. Essa é uma das características do sistema capitalista que não visa à satisfação total das
necessidades sociais, mas antes a sua autoprodução e valorização (MARX, 2011).

3.2 O projeto da Refinaria Premium I


A dependência da economia nacional em relação ao petróleo contribuiu para que o governo
brasileiro e a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobrás realizassem novos investimentos no setor (BRITO et
al, 2012). Dentre os investimentos está a construção da Refinaria Premium I em Bacabeira/MA.
Concebido para processar 600 mil barris/dia, o projeto trouxe como argumento justificador o
desenvolvimento econômico regional/local e a melhoria da qualidade de vida das populações locais
(PETROBRÁS, 2009).
A área destinada à instalação do projeto está localizada no Distrito Industrial de Bacabeira
(DIBAC) criado por meio dos Decretos Estaduais 24.680 e 24.681/2008. A área já havia sido reservada
também no Plano Diretor do Município, Lei Municipal 205/2007, que “tem por objetivos ordenar o
crescimento do município, do ponto de vista estratégico, garantir o bem estar de seus habitantes e
priorizar a redução das desigualdades” (BACABEIRA, 2007, p. 04).
A escolha do município como sítio de localização remete à dimensão geoinstitucional2 da
Petrobrás que tem no território uma condição favorável aos seus objetivos: produzir para os mercados
interno e externo. Além disso, a área localizada no município de Bacabeira, Região de Planejamento do
Baixo Munim3, é servida por diversos rios e corpos d’água que compõem a bacia hidrográfica do rio
Itapecuru.
Entre os objetivos da Lei Municipal 205/2007 e a ação prática existem divergências que
remetem às noções de desenvolvimento e interesse público. Pois para a instalação do projeto, o Plano
Diretor reservou uma área equivalente a 20 km2 no interior do DIBAC, e a sua área de influência direta
(AID), além da cidade de Bacabeira, abrange as cidades de Santa Rita, Rosário e São Luís, e as diversas
comunidades residentes no entorno de 10 km, em sua maioria comunidades rurais e ribeirinhas carentes
por serviços de saneamento básico.
Segundo Marx (2011), o crescimento produtivo para atender aos interesses do grande capital e a
expulsão das classes camponesas, representadas pelas comunidades rurais, de suas terras é outra

2 Pires do Rio (2012, p. 106) caracteriza a dimensão geoinstitucional como aquela que “permite a análise das ações e
processos enraizados no domínio das instituições e que são multilocalizados, organizados em redes transfronteiriças e que
incluem quadro normativo e legal”.
3 A Região de Planejamento do Baixo Munim é constituída por sete municípios: Axixá, Bacabeira, Cachoeira Grande, Icatu,

Morros, Presidente Juscelino e Rosário.

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contradição presente no desenvolvimento do capitalismo que resulta dos interesses dos diversos atores
em questão.

3.3 A desarticulação da comunidade rural e ribeirinha Salvaterra


Salvaterra é uma comunidade rural e ribeirinha com mais de 200 anos de existência.
Descendente de antigos quilombos instalados na bacia do rio Itapecuru, seu modo de vida, estritamente
rural e dependente das atividades agropastoris de subsistência, era desenvolvido de acordo com as
tradições repassadas de geração a geração. A produção local centrava-se no cultivo de itens de primeira
necessidade, tais como milho, mandioca, macaxeira, arroz, feijão e outros gêneros de menor
importância, além das atividades de caça, pesca, e criação de animais. Cada família, dentro dos limites
da comunidade, possuía os seus lotes de terra onde era possível decidir, com autonomia, sobre os seus
usos (SANTA’ANA JÚNIOR & ALVES, 2010).
A comunidade Salvaterra possuía sua unidade na posse das terras e no domínio de seu
território, cuja representatividade dos interesses coletivos é de responsabilidade da associação
comunitária. Esse é, portanto, um sistema socioprodutivo rural do tipo comunitário cuja desarticulação
teve início no ano de 2008, após o anúncio de instalação do projeto da Refinaria Premium I.
Desde que a cidade de Bacabeira foi emancipada do município de Rosário, em 1994, a
comunidade Salvaterra ficou sob a jurisdição desta última em razão da localização geográfica e
facilidades de intercâmbio com os poderes públicos municipais. Com a criação do Distrito Industrial de
Bacabeira (DIBAC) em 2008, por meio do Decreto Estadual 24.681/08, a área onde se localizava a
comunidade passou a pertencer ao município de Bacabeira que reivindicou jurisdição sobre a área.
No Plano Diretor de Bacabeira, instituído pela Lei Municipal 205/2007, a área onde se
localizava a comunidade constitui a Zona Especial de Negócios Industrial – Setor Sudoeste (ZEN –
Industrial – Setor Sudoeste) dentro da qual foi criado também o Polo Modal. Os artigos 1º e 3º do
Decreto 24.680/2008 estabeleceram as seguintes diretrizes quanto aos direitos de uso das terras
inseridas na área do DIBAC:
Art. 1º Ficam declarados de utilidade pública, para fins de desapropriação, por via
amigável ou judicial, os direitos imobiliários sobre a área descrita no art. 2º deste
Decreto, assim compreendidos os domínios pleno, útil e benfeitorias, excluídos
aqueles próprios do Município, destinados à implantação do Distrito Industrial do
Município de Bacabeira- DIBAC.
Art. 3º O Estado poderá, a qualquer tempo, invocar urgência da medida
expropriatória decorrente do presente Decreto, para efeito de prévia imissão na posse
dos bens desapropriados, na conformidade do art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365, de 21
de junho de 1941 (MARANHÃO, 2008, p. 01. Grifo nosso).

Pela análise do decreto estadual e da Lei Municipal 205/2007, observa-se uma articulação dos
poderes estadual e local para garantir a instalação do empreendimento no município de Bacabeira sem
considerar os interesses das populações locais atingidas. Criou-se, então, um duplo choque de

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territorialidade para os moradores da comunidade na medida em que suas terras foram transformadas e
postas como terreno público destinado a fins alheios aos seus interesses.
O primeiro choque representa uma quebra de relações normativas com a cidade de Rosário haja
vista que o mapeamento realizado pelos governos estadual e municipal de Bacabeira, com o auxílio da
Petrobrás, projetou a área dentro dos limites da cidade. O segundo choque remete à desapropriação da
área original por meio da compra das terras. Os moradores foram deslocados para uma nova área
próxima do núcleo urbano da cidade de Rosário, mas ainda sofrem com disputas jurisdicionais entre os
poderes públicos do município e da cidade de Bacabeira.
A área do núcleo Salvaterra possuía cerca de 800 hectares de terras atravessadas por vários
tributários do rio Itapecuru, como os igarapés Rabo de Porco, Presa de Porco, e o rio Precaú, sendo
propícia ao desenvolvimento da agricultura de subsistência. Durante o processo de desapropriação, o
Governo Estadual delimitou e fixou a área do Salvaterra em 450 hectares.
Os valores pagos aos moradores variaram entre R$ 2.205,00 por hectare de terra cultivada, e
R$ 2.000,00 por hectare não cultivado. Pelos valores do mercado imobiliário, a Associação Comunitária
afirma que o valor da terra, entre 2009 e 2011, período de desapropriação, era da ordem de R$ 2.500,00
por hectare não cultivado. Já o preço da terra cultivada variava de acordo com a cultura predominante e
o valor do produto no mercado. Contudo, nunca estava abaixo do valor de R$ 3.000,00.
Para justificar a instalação do empreendimento, foram destacadas as precárias condições
socioeconômicas e sanitárias nas quais as comunidades estavam inseridas. Dessa forma, argumentou-se
que a instalação do empreendimento seria o elo entre o desenvolvimento econômico regional/local, a
geração de emprego e renda, e a melhoria da qualidade de vida das comunidades, melhoria propiciada
pela construção de novas moradias (de alvenaria) e de estruturas de saneamento básico inexistentes no
local.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Censo
Demográfico 2010, somente 15,65% dos domicílios maranhenses são servidos por rede geral coletora
de esgotos, enquanto 45,14% utilizam a fossa rudimentar. Na zona urbana esses percentuais decaem
para 11,27% e 32,27% respectivamente. Na zona rural a rede geral coletora de esgotos cobre somente
0,38% dos domicílios, e o uso da fossa rudimentar é realizado em 12,87% dos domicílios pesquisados
(IBGE, 2010).
Em Bacabeira, os indicadores são mais incipientes. A rede geral coletora de esgotos cobre
apenas 0,68% dos domicílios, e o uso da fossa rudimentar abrange 25,29% dos domicílios (IBGE,
2010). Adicionem-se a esses resultados a precariedade de outros serviços de saneamento (abastecimento
de água e coleta de lixo) que também colocam em risco a saúde das comunidades e favorecem os
processos vinculados aos grandes empreendimentos.
Com base nos dados do Censo Demográfico 2000 (IBGE, 2000), que apontam a mesma
precariedade dos serviços de saneamento no Maranhão e na Região do Baixo Munim, foi possível

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remanejar a comunidade. A área atual onde se localiza a comunidade Salvaterra possui menos de 400
hectares e foi adquirida pelo governo estadual em acordo com a Petrobrás - responsável por promover
compensações socioambientais para as comunidades atingidas pelo projeto - e fazia parte de uma
fazenda localizada entre os limites das cidades de Bacabeira e Rosário.
De acordo com associação de moradores da comunidade, que hoje somam 30 famílias e não
mais 404, a área atual ainda não está propícia ao desenvolvimento da agricultura, pois o solo é pouco
fértil e há pouca disponibilidade de água. As atividades desenvolvidas pela comunidade para
complementação da renda são a criação de animais, a caça e a pesca. Em razão das atuais dificuldades
produtivas enfrentadas pela comunidade, boa parte de seus membros se associou à Cooperativa de
Pescadores de Rosário para receber auxílio financeiro. Quase todos os membros são também
beneficiários do Bolsa Família, programa de transferência de renda do Governo Federal.
As melhorias promovidas após a remoção da comunidade, segundo os seus membros, foram
apenas das estruturas das edificações (casas, escola, associação comunitária, e posto de saúde), que
passaram a ser de alvenaria, e a construção de novas estruturas sanitárias. As fossas rudimentares foram
substituídas por fossas sépticas, e o abastecimento realizado diretamente por água de rio foi substituído
por poços localizados nas residências, pois estão mais distantes dos rios que as abasteciam. As figuras
01 e 02 destacam as estruturas das edificações na nova localização.

Figura 01: Padrão das novas residências. Figura 02: Vista em perspectiva da futura escola.

Fonte: Pesquisa (2013). Fonte: Pesquisa (2013).

Através do mecanismo da desapropriação fundiária e realocações de famílias, foi dado início às


obras de instalação do projeto da Refinaria Premium I. De acordo com o planejamento inicial, a RPRE
I entraria em operação em setembro de 2013 (primeira fase de operação), com o processamento de 300
mil barris de petróleo/dia, e a segunda fase em 2015, com similar capacidade (PETROBRÁS, 2009).

4 Conforme entrevista realizada com os representantes da Associação Comunitária no dia 07/07/2013, durante o processo
de desapropriação fundiária, cerca de 10 famílias venderam suas terras por valores não condizentes com os exigidos pela
associação e se dispersaram em outras localidades dos municípios de Bacabeira e Rosário.

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Contudo, somente a primeira fase do processo de instalação do empreendimento, a delimitação e a


terraplenagem da área, foi concluída até a data de realização da pesquisa.
Apresentado sob o discurso do desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida das
comunidades locais, o projeto da RPRE I conferiu aos territórios abrangidos novas formas de
articulação e produziu um movimento de territorialização-desterritorialização-reterritorialização (TDR)
(SOUZA, 2005) verificado na escala local.
Contudo, esse processo não ocorre sem contestações. Ao contrário, as comunidades locais têm
se organizado para garantir condições mínimas de sobrevivência, preservação de seus modos de vida, e
cumprimento das propostas apresentadas em 2008, principalmente as que remetem à geração de
emprego e renda e à melhoria das condições sanitárias das comunidades atingidas.
Para dissimular as resistências, os detentores do projeto fazem uso de mecanismos para
sensibilizar as comunidades que, neste caso, são cooptadas pelos argumentos em prol da melhoria da
qualidade de vida, a qual perpassa as propostas de geração de emprego e renda e de construção e
expansão dos serviços de saneamento básico.

4. Considerações finais

Os resultados apresentados demonstram que os projetos de grandes empreendimentos são


capazes de desarticular modos tradicionais de organização comunitária. Justificados sob os argumentos
do desenvolvimento socioeconômico e melhoria da qualidade de vida das comunidades locais, esses
projetos encontram legitimidade nas próprias políticas governamentais e nas estruturas
socioeconômicas e socioambientais locais.
Percebeu-se que na primeira fase do processo de instalação, a delimitação e terraplenagem da
área, o projeto da RPRE I foi capaz de desarticular os modos de organização sociais tradicionais da
comunidade rural e ribeirinha Salvaterra, através da desapropriação fundiária e remanejamento,
forçando-a a buscar novos meios de sobrevivência. Contribuiu também para o acirramento de conflitos
jurisdicionais sobre territórios entre os municípios de Bacabeira (lócus do projeto) e Rosário (cidade
limítrofe à Bacabeira).

Referências

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Rio de Janeiro: ANP, 2012. Disponível em <http://www.anp.gov.br>. Acesso em 25 jul. 2013.
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Disponível em <http://www.anp.gov.br>. Acesso em 25 jul. 2013.
BACABEIRA. Plano Diretor do Município. Lei Municipal 205/2007. Disponível em:
<http://www.sousandrade.org.br/concursos/1165_bacabeira2012geral/docgerais/leis>. Acesso em 17 jan.
2013.

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_______. SECRETARIA MUNICIPAL DE TRIBUTAÇÃO. Informe sobre o Projeto da Refinaria Premium I.


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focadas no papel do petróleo e na dimensão brasileira. In: MONIÉ, Fédréric; BINSZTOK, Jacob (orgs.).
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EGLER, Cláudio A. Gonçalves; MATTOS, Margarida Maria C. L. Multinacionais do setor petrolífero,
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_______. PODER EXECUTIVO. DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO. Decreto Estadual 24.681 de 24 de outubro de
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CASTRO, Iná Elias de, et al (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

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A legitimidade dos movimentos sociais em Mato Grosso
na luta pela diminuição da desigualdade social

Cristiano Soares de Souza1


Veruska Almeida de Souza2
Introdução

A
s dificuldades encontradas durante o processo de legitimação dos movimentos sociais
contextualizam uma série de conflitos que vão além da territorialidade e da crise de
construção da identidade, expondo grave ameaça ao modo de vida, tradições, costumes e à
evolução histórica de determinados grupos.
Por sua vez, a situação aqui identificada propõe uma visão concreta acerca da similaridade dos
problemas relacionados à questão agrária, que tem como importante premissa a existência de países
onde as grandes propriedades privadas são, também, constituidoras de verdadeiros impérios capitalistas,
caracterizada pela produção em grande escala destinada à exportação e a agroindústria alimentícia.
Atualmente, um dos maiores celeiros de grãos dos estados brasileiros é o Mato Grosso, cujo
agronegócio instalou-se promovendo a riqueza de famílias de grandes produtores, fomentando o
mercado local das cidades, nas proximidades onde as propriedades foram instaladas. Entretanto, o que
pode ser observado nada mais é que existência de um mecanismo perverso de exclusão social,
desmatamento de áreas verdes, contaminação por agrotóxicos, uso intensivo da água, criação de
bolsões de empregados sazonais e concentração de renda e terra.
Com resultados recordes na produção agrícola, prevalece a incontestável preferência do
governo pela promoção de políticas públicas voltadas a expansão da balança comercial à tratar de
assuntos relacionados a reforma agrária. Estes são questionamentos que os movimentos sociais buscam
reverter junto ao mesmo, mas sem sucesso e progresso, pois o Estado prefere ignorar sua existência e
legitimidade, já que as medidas adotadas são, na sua maioria, paliativas e não eficazes na resolução de
problemas relacionados à questão agrária no país. Outrossim, no cenário mato-grossense não é
diferente, no que diz respeito à visibilidade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST,
que busca mudanças para o quadro atual do uso das terras. Da mesma forma, os quilombolas ou
remanescentes de quilombos buscam, através da reconstrução da identidade, um novo marco para sua
territorialidade, a superação dos conflitos fundiários e a participação nas decisões políticas, direito este
que atualmente encontra-se cerceado pelos vários produtores rurais que ocupam destaque, não só nas
produções estrondosas, mas também, em cadeiras de plenários do Senado Federal e Assembleias
Legislativas Estaduais.

1 Mestrando em Política Social. Universidade Federal de Mato Grosso.


2 Especialista em Mercado de Capitais e Derivativos.Universidade Federal de Mato Grosso.
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Conforme ensinamentos de Marx e Engels (1998, apud, Montaño e Duriguetto, 2011), o


processo das lutas até os dias atuais representa uma sequência histórica de fatos e lutas das classes
sociais. Nesse contexto, a legitimidade dos movimentos sociais no Brasil tem sua origem encontrada
nas mudanças ocorridas durante o processo democrático, que reivindicavam do Estado soluções para
desigualdade social diante dos conflitos oriundos das disputas entre as classes, decorrentes das
realidades do modelo capitalista vigente.
Dessa forma, a presente análise exploratória tem como objetivo demonstrar os elementos e
características que identificam a legitimidade dos movimentos sociais no Estado de Mato Grosso,
através da evolução comparativa das lutas entre as classes sociais envolvidas.

Breve análise epistemológica da legitimidade

Para Oliveira (1994) a origem dos conflitos sociais no Brasil se deu através do processo de
ocupação e colonização, onde a luta entre desiguais demonstraram os primeiros impactos da expansão
da acumulação do modelo capitalista primitivo, ocorridas mediante a exploração e invasão de terras
indígenas. Por sua vez, da mesma luta pelo território nasceram às disputas entre escravos negros e a
figura dos antigos colonizadores, fazendeiros rentistas latifundiários. Segue carona neste processo, os
posseiros e a sua luta contra a expropriação, da sua expulsão pelo latifundiário especulador.
As crises ocorridas no nordeste brasileiro durante as décadas de 50 e 60 e o golpe militar de 64
retiraram parte da liberdade dos posseiros que foram violentamente expropriados do latifúndio armado.
As disposições do Estatuto da Terra ficaram comprometidas pela imobilidade e falta de planejamento
do governo na época. Da mesma maneira, a visão democrática estabelecida pelo novo governo
democrático apenas deu continuidade à sua inércia proposital em face das alianças e vertentes da
expansão capitalista mundial. Segundo Oliveira (1994), o referido estatuto dispunha sobre a
implementação da reforma agrária no país, cujo plano teve sua proposta firmada vinte anos depois, em
virtude dos acordos entre governo e latifundiários que impediam a sua execução.
Neste contexto, o entendimento acerca da legitimidade dos movimentos dos trabalhadores
rurais, em específico, no caso do MST, pode ser evidenciado a partir da constante busca pela
recuperação da perda do espaço/tempo em relação à evolução histórica da expropriação no Brasil.
Assim, diante das tentativas de inibição da luta dos trabalhadores rurais, a expansão da negação à
referida expropriação deixou de ser exclusividade do posseiro distante, passando a estar presente,
articulada e organizada dentro das cidades. Na defesa dessa realidade, o arcabouço jurídico pátrio
estabeleceu que a legitimidade dos acampamentos e assentamentos parte de princípios e garantias
constitucionais que dão suporte a luta pela terra livre e ao trabalho liberto, bem como, vislumbra a
doutrina atual que a reforma agrária e o direito a terra “permite aos trabalhadores – donos do tempo

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que o capital não conseguiu reter à bala ou por pressão – reporem-se reproduzirem-se, no seio do
território da reprodução geral capitalista”. (OLIVEIRA, 1988, p.18)
Por outro lado, ressalte-se que a luta dos movimentos sociais trouxeram mudanças significativas
na legislação brasileira. É o caso do reconhecimento do direito de propriedade das terras
tradicionalmente ocupadas através do Art.11 da Convenção n° 107/57 da Organização Internacional
do Trabalho - OIT, ratificado pelo Decreto n° 5.051/94. Os direitos e garantias fundamentais,
expressos na Constituição Federal de 1988, encontram-se respaldados na liberdade individual,
consolidada nos direitos civis e políticos, assim como, na igualdade presente nos direitos sociais,
econômicos, coletivos e culturais, tendo em vista assegurar a existência digna, livre e igual, conforme
dispõe Figueiredo (2006).
Da mesma maneira, Figueiredo (2006) propõe ao discurso quatro características referentes à
natureza dos Direitos e Garantias Fundamentais expresso na Constituição Federal de 1988, ou seja,
através da liberdade política e civil do cidadão em face da supremacia do Estado como órgão autônomo
e absolutista; da igualdade como representante de uma prerrogativa relacionada aos direitos sociais,
culturais, econômicos e coletivos onde o Estado participaria como agente distribuidor da Justiça Social;
da organização da sociedade através do desenvolvimento, direito à paz, ao meio ambiente, comunicação
e a propriedade comum da humanidade, consolidando, por sua vez, os ideais de solidariedade e
fraternidade para o bem estar social e, por último, do direito a democracia, a informação e aos avanços
tecnológicos corresponderiam à fase de institucionalização do Estado Social.
No que diz respeito à legitimação dos movimentos sociais, Figueiredo (2006) explica que o
direito à propriedade dos remanescentes de quilombos decorre da Justiça Social, que se constitui
historicamente como parte do processo inacabado de abolição com vistas à reparação dos danos
históricos sofridos.
Outro fator que caracteriza a legitimidade seria o reconhecimento da identidade étnica como
direito legal amparado pela Convenção n° 169, da Organização Internacional do Trabalho, ratificadas
pelo Decreto Legislativo n° 143/2002 e Decreto n° 5.051/2004.
Nesse sentido, o discurso antropológico de Barth (1969, apud, Oliveira, 1976) explica que os
grupos éticos podem ser definidos como uma organização social que designa as características de uma
determinada população através da perpetuação biológica, do compartilhamento de valores culturais
fundamentais, composta por um campo de comunicação e interação próprio e consolidada por
membros identificáveis de forma interna e externa no referido grupo como de categoria distinguível das
demais.
De acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA (2013), um
dos reconhecimentos do Estado acerca da legitimidade dos movimentos sociais quilombolas fora
consolidado por meio do Decreto n° 4.887/2003 que dispõe acerca dos procedimentos para
regulamentação dos procedimentos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e

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titulação das terras das comunidades dos quilombos tratadas através do Art. 68, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias - ADCT. O mesmo dispositivo determina a competência do INCRA para
titulação dos territórios, e distribui a competência comum e concorrente aos demais entes federativos
para promoção e execução dos procedimentos de regularização fundiária.

Aspectos do desenvolvimento regional e territorialização

A desigualdade regional já pode ser deflagrada quando observamos uma única região
recebendo atenção, onde houve a concentração de investimentos durante a industrialização do país. A
região sudeste, segundo Sader (2013, apud, Araújo, 2012), concentrou cerca de 80% do valor da
transformação industrial, sendo que quase 45% da indústria foi instalada na atual região metropolitana
de São Paulo, fato que não foi registrado em nenhum local no mundo durante a década de 1970, por
mais que a oportunidade da logística da proximidade com os grandes portos marítimos pudesse
oferecer, não seria a única razão para tamanha desigualdade em aplicação desenvolvimentista de
recursos para uma determinada região.
Em contraponto àquela realidade, ressalte-se o cenário atual e a atenção dada pelo governo
através dos investimentos concedidos ao agronegócio na região Centro-Oeste, cujo modo de produção
baseia-se no caráter patronal, na grande propriedade e na plantation voltada para a exportação. Segundo
Guilhoto (2003), os estados dessa região utilizam insumos de ponta e tecnologia de última geração. A
maior parte do PIB do setor concentra-se na produção de grãos, que é responsável por mais de 50% do
PIB do Mato Grosso e de Goiás.
No que diz respeito à agricultura familiar, o PRONAF – Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar, implantado no segundo mandato do presidente Fernando
Henrique, pode ser chamado de política de base territorial clara, tendo como base a municipalização –
tendência cara aos localistas, que parecem desconhecer a fragilidade do ente municipal no país. Segundo
Sader (2013, apud, Araújo, 2012), no governo Lula, a abordagem territorial mudou com a identificação
dos chamados “territórios rurais” resultantes da aglomeração de municípios com realidades
semelhantes.
Tal abordagem mobilizou os entes estaduais e, no final do mandato do presidente Lula, havia se
transformado no programa Territórios da Cidadania. Lançado em 2008, o referido programa tem como
objetivo promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por
meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A participação social e a integração
de ações entre Governo Federal, Estados e Municípios são fundamentais para a construção dessa
estratégia. Eram cerca de 120 territórios, onde as políticas de vários ministérios buscavam interagir sob
a coordenação da Casa Civil. Neles predominavam produtores familiares e assentados da reforma
agrária, que exibiam indicadores sociais preocupantes. Faziam parte, portanto, da herança de
desigualdade construída entre o Brasil industrial e urbano e o Brasil rural. E, por isso, tal iniciativa

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federal merece estar no rol do esforço de redução da pobreza e da desigualdade de oportunidades no


país.
O impacto do agronegócio nas agriculturas camponesas do mundo é devastador, colocando em
duvida a sua eficiência mediante a criação de um mesmo modelo de desenvolvimento para a agricultura
capitalista e camponesa ou deixar arrastar a permanente situação de conflito existente entre as mesmas.
Outrossim, ressalte-se que aceitação ideológica do agronegócio como único modelo possível é fato que
inviabiliza a reforma agrária.
Para fazer a reforma agrária, é preciso enfrentar a base aliada dos capitalistas-ruralistas. Nesse
sentido, a subordinação da agricultura camponesa ao capitalismo é resultado de políticas de
desenvolvimento que determinam essa condição. Mudanças políticas podem romper com os níveis
dessa dependência, pois são os governos, na correlação de forças que os apoiam, que definem essas
políticas. A submissão do camponês ao capital é tanto um problema de economia política quanto de
política econômica, mas é resultado de decisão política. Este é o cerne da questão agrária. (SADER,
2013, apud, FERNANDES, 2012).
De acordo com Sader (2013, apud, Fernandes, 2012) a reforma agrária não é uma política social
redistributivista, porque a propriedade fundiária no Brasil sempre esteve concentrada, e tampouco é
uma política de assistência social. Ele trata como um processo de territorialização, pois a reforma
agrária é uma política de desenvolvimento territorial. Existe uma desordem geográfica muito grande
quando analisamos a ocupação das áreas produtivas agrícolas do país. Segundo o geógrafo mesmo
utilizando apenas 24% da área agrícola, a agricultura camponesa reúne 74% do pessoal ocupado ou
12.322.225 pessoas, sendo que o agronegócio emprega em torno de 26% ou 4.245.319 pessoas
(SADER, 2013, apud, FERNANDES, 2012).
Fica claro identificar a discrepância da ocupação do território quando se identifica que duas
pessoas estão presentes em cada cem hectares no âmbito do agronegócio, enquanto nos territórios
camponeses a relação é de quinze pessoas para cada cem hectares. Assim, segundo esta proporção,
identifica-se que a maior parte das pessoas que trabalham na agricultura camponesa vive no campo e
que a maior parte das pessoas que trabalham no agronegócio vive na cidade, de acordo com Sader
(2013, apud, Fernandes, 2012).
Segundo Sader (2013, apud, FERNANDES, 2012) as políticas de desenvolvimento agrícola
acabam deixando a desejar e muito para a balança social do país. Esse paradoxo é mais bem
compreendido pela desigualdade existente na classe camponesa, pois 74% dos agricultores recebem
somente 15% do crédito agrícola, possuem apenas 24% da área agricultável, mas produzem 38% do
valor bruto. É pouca terra para tantas pessoas que recebem pouco crédito e dividem o resto da riqueza
produzida, ou seja, a parte que o capital permitiu que ficasse com o campesinato. Do outro lado, o
agronegócio fica com 85% do crédito agrícola, controla 76% da área agricultável, produz 62% do valor
bruto e emprega 26% das pessoas. É muita terra para poucas pessoas, que ficam com a maior parte dos

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recursos empregados na agropecuária e com a riqueza produzida e que recebem também parte da
riqueza produzida pelo campesinato, por meio da renda capitalizada da terra, pois é o agronegócio que
comercializa a maior parte da produção camponesa.

Atuação do MST no Estado de Mato Grosso

Segundo Montaño e Durigueto (2011), o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra –
MST é o movimento social de maior expressão na realidade brasileira e um dos de maior relevância na
América Latina.
Behring (2003) explica que as forças contrárias aos movimentos pela reforma agrária
compuseram aliança, mesmo tensa, que deu sustentação ao então Governo Fernando Henrique
Cardoso. Em contraposição, o MST pressionou a base de liderança do antigo governo e foi alvo de
ataques da elite, desqualificando e buscando torná-lo ilegítimo. Por sua vez, a elite classista tentou criar
uma visão perversa da essência deste movimento para o de uma organização composta por desordeiros,
usurpadores, integrantes da indústria de grilagem, desmistificando e obscurecendo a visão dos
agricultores de subsistência, de famílias de origem rural com habilidades especializadas para o cultivo no
campo, isto é, os verdadeiros interessados na luta por um pedaço de terra.
A oposição à reforma agrária sempre enfrentou a questão através de articulações políticas e
principalmente da mídia vendável, interesseira e descompromissada com qualquer assunto que interfira
nos interesses de seus maiores patrocinadores, que na sua maioria são os grandes proprietários de
terras, objeto da lide em questão. Diante desses elementos, tudo indica que essa característica da
modernização conservadora é uma espécie de eterno retorno, enquanto os trabalhadores não
constituem um movimento contra-hegemônico radicalmente democrático, socialista e fundado numa
vontade nacional popular, profunda de mudanças, conclui Behring (2003).
No Mato Grosso a questão agrária é deflagrada em consonância com a mudança das políticas
econômicas do Governo Federal, cujo caráter principal evidencia a predominância em relação à
hegemonia do agronegócio, que nos últimos 10 anos vêm se se constituindo como “celeiro do mundo”,
para justificar o avanço do agronegócio. A análise da curva de elevação dos investimentos nos últimos
anos, mediante a implementação dos “Planos Safra”, identificou um aumento substancial do capital
público investido em âmbito nacional no agronegócio, amplamente direcionado ao abastecimento da
produção em escala, nesse sentido, apropriando-se de dois vieses de investimento: financiamento dos
insumos da produção (insumos, semente, maquinários) bem como, da infraestrutura que beneficia o
escoamento, como estradas, pontes, portos, etc.,
Conforme depoimento de Lucinéia Freitas (2013), Coordenadora do MST no Mato Grosso, as
conquistas de 2005 para o presente ano, quanto ao número de desapropriações e de famílias assentadas,
foram reduzidas drasticamente. O MST-MT não assenta uma família há aproximadamente 03 anos. No

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mês de outubro do ano corrente haverá o sorteio de lotes referente a uma portaria expedida em 2010.
No âmbito nacional, os próprios dados do Incra demonstram que no último ano nenhuma família fora
assentada.
Freitas (2013) afirma que em Mato Grosso ainda tem o problema da logística do assentamento,
causando um prejuízo para o próprio processo. Quando assentadas, as famílias tomam o financiamento
PRONAF-A e, concomitantemente deveriam obter a assistência técnica da Empresa Matogrossense de
Pesquisa, Assistência e Extensão Rural S/A – Empaer por dois anos, mas isso não ocorre de fato,
fragilizando ainda mais o processo de assentamento, devido a diversos problemas de localização,
existência de água, tipo de solo, estradas de acesso, pontes, proximidade aos municípios para
comercialização, entre outros aspectos de infraestrutura. Ela cita que em Rosário Oeste, município
próximo a capital, existe um assentamento há cinco anos e até hoje não foram abertas estradas. As
famílias são obrigadas a usarem os antigos caminhos existentes na fazenda que demandam tempo e
custo. Existe um rio que corta o assentamento e na época das cheias ambos os lados ficam isolados.
Um lado tem saída para Nobres, outro município de MT e o outro por Cuiabá, onde a realização do
percurso levam duas horas. O Poder Municipal permanece inerte e não articula políticas de
infraestrutura, causando transtorno e criando obstáculo até mesmo de permanência no local.
Um caso diferente ocorre em Campo Verde, onde de acordo com informações de Freitas
(2013), o antigo prefeito mantinha-se articulado junto às cooperativas de trabalhadores rurais,
comprometendo-se na comprar de até 30 % da produção alimentícia para a merenda escolar. A
pavimentação de estradas na região contribui com o acesso e diminui o custo da produção para esses
pequenos produtores.
Resta claro que estabelecer assentamentos em lugares ermos, sem condições de plantação,
irrigação, tão pouco infraestrutura favorável ao plantio é como decretar a falência do processo
imediatamente, sem o mesmo ter saído do papel. Freitas (2013) relata sobre a existência de um
assentamento localizado a 150 km da pequena cidade de Nova Brasilândia no interior de MT. O
município já é carente na oferta de insumos, dentre outros e a estrada até o assentamento ainda não é
asfaltada, sendo que no período das chuvas se torna intransitável. Assim, é visível o interesse do Poder
Público em desqualificar o processo, comprovando a inviabilidade dos investimentos para este público,
atacando indiretamente o MST.
A retórica do Governo consiste na concepção de que a reforma agrária reflete um custo muito
alto aos cofres públicos e trás a miséria para o campo. Todavia, Freitas (2013) esclarece a existência de
um paradigma entre a concepção de que a referida reforma seja a grande vilã do contexto agrícola, uma
vez que a matriz de desenvolvimento regional, em termos de sustentabilidade social e ambiental, seria
degradada continuamente pela atuação do Estado de Mato Grosso e a sua omissão quanto à liberação
do uso abusivo de agrotóxico em lavouras, funcionando entre os líderes do desmatamento, além de
estar presente entre os principais Estados em incidência de trabalho escravo no campo.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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Atualmente o Estado de Mato Grosso conta com a Associação dos Amigos do Centro de
Formação e Pesquisa Olga Benário, administrado pelo MST, como espaço de referência em formação
técnica e política para jovens e adultos camponeses e, também, movimentos sociais do campo e da
cidade. Está localizado no Assentamento Dorcelina Folador, a menos de 10 quilômetros da capital
matogrossense. Conforme dispõe Freitas (2013), o Centro Olga Benário é ligado à Escola Nacional
Florestan Fernandes do MST que fica em São Paulo. “Seguimos toda a linha política e pedagógica de
lá”. (FREITAS, 2013)
Segundo Carlos Duarte (2013), a essência desse tipo de associação funda-se através da
divulgação nas atividades da escola nacional, apoiando e incentivando projetos de educação e
escolarização de crianças, jovens e adultos, motivando o pensamento crítico, bem como, estimulando
intercâmbios de formação ente o Brasil e os países da América Latina e de outros continentes.

A organização institucional dos remanescentes de Quilombos no Mato Grosso

Conforme Morais (2010), grande é a importância histórica da formação dos Quilombos em


Mato Grosso. O mais famoso de todos eles foi o Quilombo do Piolho ou Quariteré, localizado às
margens do rio Guaporé entre 1770 e 1771, onde viviam diversas etnias. Esses quilombos não eram
compostos somente por negros africanos, tinham também em sua população homens livres pobres,
dentre os quais se incluem soldados desertores, principalmente durante a guerra do Paraguai. Até
mesmo criminosos fugitivos da lei e indígenas eram presença constante nos quilombos. Outros
quilombos importantes foram instalados na região de Chapada dos Guimarães, principalmente durante
a segunda metade do séc. XIX.
Embora alguns quilombos tenham sofrido perseguições e até mesmo destruição total, sua
proliferação no território mato-grossense foi uma realidade presente até a véspera da abolição que
ocorrera em 1888. Esse fenômeno social marcou a história de Mato Grosso e acabou assinalando a
reação da camada mais pobre da sociedade, porque os quilombos antes de se apresentarem como
refúgio dos negros escravos, representou também o espaço conquistado pelos excluídos, ou seja, pelos
negros, pelos brancos pobres e também pelos indígenas. (MORAIS, 2010).
Neste contexto, Barcelos (2010, p.104) ensina que a terra funciona como catalisadora do
sentimento de pertença a um determinado território onde, por ela e a partir dela esses negros
constituem-se enquanto comunidade afro-referenciada. Historicamente, os ancestrais fincaram neste
pedaço de terra suas raízes, construindo através delas os elementos culturais de suas identidades
singulares, o ser negro e quilombola. O modo peculiar de vida dos membros desta comunidade, seus
costumes, a religiosidade, os aspectos da vida comunitária, o culto às tradições herdadas dos seus

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ancestrais e o esforço na manutenção de suas identidades produzem o que se poderia denominar


territorialidade étnica, edificando-a enquanto território real e simbólico, simultaneamente.
Foi uma vitória, quando foi decretada a desapropriação para comunidades quilombolas em dois
territórios em Mato Grosso, legitimando a posse de suas terras. Os beneficiados foram os territórios de
Mata Cavalo, em Nossa Senhora do Livramento, com aproximadamente 418 famílias e, também, o da
Lagoinha de Baixo, no município de Chapada dos Guimarães, onde vivem cerca de 50 famílias.
As comunidades quilombolas do município de Poconé também desenvolvem suas atividades
econômicas através da comercialização de produtos feitos a partir da cana-de-açúcar, banana, além de
artesanato e mostras da sua cultura. Essas comunidades existem há mais de 100 anos, e vivem da
exploração da agricultura para a fabricação de produtos alimentícios, conservando características
tradicionais dos antigos escravos.
De acordo com Moura (2006) a invisibilidade não pode ser confundida com perda de identidade
dos negros, tampouco da sua origem afro-brasileira. Para ele não há perda de identidade. Ao contrário,
as comunidades estão recuperando muito da sua identidade de quilombolas, o que significa que estão
tomando consciência das leis de proteção, que gera direitos para os remanescentes de escravos.
Outras comunidades desenvolveram-se economicamente através da agricultura familiar. É o
caso do Capão Verde, comunidade localizada no município de Poconé-MT, povoada com cerca de 60
pessoas pertencentes a 14 famílias. Estão instaladas numa área de 200 hectares, onde cultivam banana,
voltada para a produção da farinha de banana, um complemento alimentar rico em cálcio, ferro e
fosfato. Nesse sentido, a farinha tem sido fornecida para creches e escolas de Nossa Senhora do
Livramento, dentro do Programa Fome Zero. No total, a produção de farinha, doces e outras
guloseimas de banana ficam em torno de 100 kg por semana.
A comunidade do Mutuca, pertencente à região de Sesmaria Mata-Cavalo com 200 hectares,
possui cerca de 200 pessoas, sendo 36 famílias. Nessa comunidade a banana também é a principal
atividade econômica, voltada para a farinha, doce embalado na própria palha da fruta, rapadura e
também doce de caju.
Campina de Pedra possui uma área de 125 hectares onde vivem aproximadamente 140 pessoas
de 36 famílias, e a cana-de-açúcar é a principal atividade econômica, direcionada para a produção de
rapadura, melaço, e a fabricação de açúcar mascavo. A comunidade produz cerca de 1.000 kg de
rapadura de cana por semana, com peso médio de ½ kg cada uma, sendo a comercialização da
produção feita basicamente no município de Poconé-MT.
A problemática vivida por essas comunidades são as mesmas no que tange o investimento em
infraestrutura para facilitar a produção de suas atividades econômicas. Moura (2006) explica que eles
são trabalhadores, com grande experiência na agricultura e produção de alimentos, inclusive com
absoluto respeito ao meio ambiente. O que essas comunidades reivindicam é o cumprimento de seus

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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direitos, obtendo apoio institucional e técnico para desenvolver suas habilidades e viver com mais
dignidade.

Considerações finais

O trabalho busca deixar evidente a existência da base legal que legitima a questão agrária como
uma das reformas necessárias ao progresso do país e da democracia, na luta pela diminuição da
desigualdade social, desenvolvimento da sociedade e alcance da economia sustentável no processo de
produção que possa beneficiar o maior número possível de brasileiros que vivem da terra. Essa luta
deve ser em conjunto, toda sociedade, junto com os estudantes, militantes de sindicatos, entidades e
organismos de defesa dos direitos humanos, para reivindicar a demarcação das terras indígenas,
titulação e demarcação dos territórios quilombolas e exigir a reforma agrária de forma a agregar os
produtores familiares sem terra.
Além disso, um movimento não deve deixar de ter caráter político. Pois os movimentos sociais
no Estado de Mato Grosso têm avançado num processo unitário importante, valorizando a unidade
entre indígenas, camponeses e quilombolas, diretamente enfrentando o agronegócio e latifúndio, a
violência e a desterritorialização provocada pelo agrocapital, sendo as principais vítimas os legítimos
donos das terras nesta parte do país.
Por fim, identificou-se mais de quinhentos anos de desrespeito a cultura de outros povos em
prol do desenvolvimento. É chegada a hora de identificar a real necessidade desse tipo de avanço e a
carência desses povos em integração à economia nacional, à modernização, a máscara do discurso do
desenvolvimento econômico, social e cultural, enquanto que na verdade esconde a usurpação,
expropriação e domínio de terras, haja vista que dentro das matrizes de sustentabilidade, o convívio
com a cultura de outros povos e sua territorialidade deve ser valorizado de forma a cumprir as
premissas de um desenvolvimento regional que tenha sustentabilidade em suas ações alcançando o
avanço da sociedade em todas suas vertentes evolutivas.

Referências

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(Mestrado em história) – Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2011.
BEHRING, R.E. Política social: fundamentos e história, 9 ed. São Paulo: Corteza, 2011.
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FLORESTAS. 20 a 22 de agosto de 2012 – Brasília – DF. Disponível em:
http://www.dhescbrasil.org.br/attachments/633_declaracao_encontro_nacional_unitario_2012.pdf. Acesso
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2006.

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GUILHOTO, J. J.M (et al). O agronegócio familiar no Brasil e nos seus estados: a contribuição a agricultura familiar para
riqueza nacional. Disponível em: www.mda.gov.br. Acesso obtido em 29/08/2013.
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(1998). Disponível em: http://www.lagea.ig.ufu.br/rededataluta.html. Acesso obtido em 29/09/2013.
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MONTAÑO, C; DURIGUETTO, M.L. Estado, Classe e Movimento Social, 3 ed. São Paulo: Cortez, 2010.
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FLACSO Brasil, 2013.
SOUZA, Cristiano. S. Lucinéia Miranda de Freitas: depoimento (set.2013). Entrevistador: Cristiano Soares de
Souza. Cuiabá, 2013. Gravação eletrônica (13: 53 mim). Entrevista concedida para elaboração de artigo científico
do entrevistador.

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Análise dos níveis de Capital Social gerados pelo
Programa de Fortalecimento da Agricultura
Familiar (Pronaf) no Tocantins

Gisele Barbosa de Paiva1


Marcela Ottomar da Silva2

Introdução

E
ste artigo tem como objetivo analisar a relação existente entre capital social e o
financiamento rural no Tocantins. Considerando as características rurais do Estado e o
baixo índice de participação nos recursos disponíveis ao desenvolvimento rural pelo
governo federal, é interessante verificar como o PRONAF tem contribuído para formação ou aumento
de capital social no Estado, em particular em dois municípios, Araguaína e Gurupi.
A relevância deste estudo se mostra na medida em que o desenvolvimento econômico e social
do Brasil, em grande parte, depende de suas características fortemente agrárias. Sendo assim, o bom
desempenho dos programas e políticas públicas para o desenvolvimento rural, com a participação dos
governos, agricultores, das organizações e movimentos sociais podem desenvolver o capital social e
ajudar a efetivação e eficácia das políticas implantadas.
“Capital Social” refere-se ao valor implícito de conexões internas e externas de uma rede social.
É comum encontrarmos uma grande variedade de definições do termo, contudo grande parte partilha a
idéia de que da mesma maneira que outras formas de capital como capital físico e humano podem
aumentar a produtividade de indivíduos e organizações, o capital social entendido como um conjunto
de recursos tais como: contratos sociais, cooperação, confiança mútua e civismo também são fatores
que podem desencadear o desenvolvimento de regiões e países.
Nesse artigo é utilizado o conceito de capital social desenvolvido por Woolcock (1998), que
classifica o capital social em três dimensões conforme o tipo de posição que descrevem as relações
sociais: 1) Capital social institucional, descreve as relações sociais existentes entre a sociedade civil e o
Estado; 2) Capital social extracomunitário, são as relações que determinada comunidade estabelece com
grupos sociais e econômicos externos; e 3) Capital social comunitário, que pode ser entendido como
aquele que corresponde às relações sociais comunitárias entre os indivíduos, referindo-se a capacidade
que essas comunidades possuem de se relacionar com reciprocidade e confiança, além do potencial
organizativo que possuem.
A Hipótese desse artigo é que não existe nos municípios de Araguaína e Gurupi, como na
grande parte dos municípios menos desenvolvidos do Brasil, um nível de institucionalidade que permita

1 Mestre em Teoria Econômica (UFES), professor Universidade Federal do Tocantins (UFT).


2 Graduada pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).
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atualmente a formação e desenvolvimento de capital social em projetos de agricultura familiar. Esse


argumento é baseado em dois estudos de (CASTILHOS, 2002; LIMA, 2003) referentes à formação de
capital social a partir de políticas públicas para o desenvolvimento rural no Brasil.
Corroborando a essa hipótese verificamos ao longo do trabalho que a agricultura familiar no
Tocantins é ainda incipiente e que o capital social se encontra em fase de formação.

Referencial Teórico

O termo “Capital Social” começou a ser discutido mais fortemente a partir dos anos 1990 pelas
Organizações não Governamentais, Governo e entidades internacionais. Este capital, ao lado de outros
tipos de capital como o físico e o humano, busca dar uma noção de qualidade das relações sociais para
a promoção do desenvolvimento.
Robert Putnam iniciou na década de 1970 uma extensa e inovadora pesquisa sobre democracia
e comunidade na Itália, constatando a influência do capital social sobre o desenvolvimento regional
como um conjunto de associações horizontais entre pessoas que cooperam para o benefício mútuo de
uma comunidade (PUTMAN, 2002). Pode-se depreender que sua ótica é determinista e culturalista,
pois acredita que o capital social se constrói a partir de uma característica de confiança e cooperação
intrínsecas a uma determinada comunidade.
Outro importante nome relacionado ao desenvolvimento do conceito sobre capital social é
Pierre Bourdieu que o definiu em 1980 como sendo "o conjunto de recursos, efetivos ou potenciais,
relacionados com a posse de uma rede durável de relações, mais ou menos institucionalizadas, de
interconhecimento e de reconhecimento” (BOURDIEU,1980).
Conforme o autor, o capital social surge a partir do “empoderamento” dos seus atores sociais e
do estabelecimento de relações de confiança que se traduzem na formação de uma rede de troca de
informações e cooperação que gera melhores resultados do que para aqueles atores sociais que estão
fora da rede.
Druston (2002) acredita que o capital social é o resultado de um cálculo racional, onde as
normas de convivência e as condutas de cooperação resultam do esforço individual de maximização de
lucros. Essa cooperação, associada à confiança e aos vínculos de reciprocidade, resulta da interação
freqüente entre diversas estratégias individuais, institucionais e entre os interesses comunitários.
Fukuyama (1996) entende o capital social como fruto de uma cultura da confiança, onde os
princípios de cooperação fazem parte da sociedade e suas normas e leis são pautadas sob esse
parâmetro. Nessa linha, o autor esclarece que o sucesso das políticas públicas é determinado pelo o
contexto político, histórico e cultural de uma nação e que, portanto em sociedades onde há um alto
grau de civismo, confiança e princípios éticos por parte de seus cidadãos a probabilidade de uma
política ser bem sucedida é maior do que nas sociedades onde não há presença de confiança e
reciprocidade.
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Woolcock (1998) agregou significado ao modelo estático determinista proposto por Putnam
formulando teorias que permitiram incorporar uma visão multidimensional e dinâmica sobre o termo
Capital Social, classificando-as em: i) “Capital social institucional”, descreve as relações sociais
existentes entre a sociedade civil e o Estado; ii) “Capital social extra-comunitário”, demonstra relações
sociais que determinadas comunidades estabelecem com grupos sociais e econômicos externos e iii)
“Capital social comunitário” que corresponde as relações sociais comunitárias dos indivíduos que são
traduzidos na capacidade organizativa da comunidade, na cooperação recíproca e participação nas
decisões comuns. Quando esses três tipos de relações sociais se estabelecem, cria-se o ambiente
favorável para a constituição do Capital Social, onde as relações entre os agentes envolvidos passam a
estar culturalmente enraizadas na realidade da comunidade favorecendo o desenvolvimento sócio
econômico da região de forma eficiente e eficaz.
Essa integração e inserção dos agentes nas relações sociais são definidas por Woocock (1998)
como a “dimensão enraizamento”. Outra dimensão definida pelo mesmo autor é a “dimensão
autonomia” que se refere a capacidade dos agentes agirem em prol dos interesses coletivos e públicos
em detrimento dos seus interesses individuais. Nesta concepção os vários tipos e dimensões possuem
um caráter dinâmico e interdependente para a formação do capital social.

Metodologia

Este artigo tem como objetivo analisar a relação existente entre capital social e o financiamento
rural no Tocantins, verificando se o Pronaf tem contribuído para formação ou aumento de capital
social no Estado, em particular em dois municípios, Araguaína e Gurupi.
Para tanto, primeiramente é realizado um diagnóstico dos municípios analisados baseados em
informações do IBGE 2013, visando a caracterização da área de estudo. Além dos dados secundários
oriundos do IBGE foram utilizados dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria
da Agricultura Familiar, Banco Central do Brasil e Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
do Estado do Tocantins.
Conjuntamente à coleta e análise dos dados secundários foram realizadas três entrevistas
semiestruturadas com o Gerente de Atendimento da Agência do Banco do Brasil de Gurupi; Gerente
de Agronegócio do Banco do Brasil de Araguaína e Superintendente de Agricultura Familiar e
Assentamentos da Secretaria de Agricultura do Estado do Tocantins. Buscou-se com essas entrevistas
coletar dados primários e informações subjetivas a respeito das relações existentes entre os
demandantes dos projetos (agricultores familiares) o Estado e as agências financiadoras.
Para a mensuração dos níveis de organização e a existência ou não de capital social foram construídos
três indicadores de capital social baseados na classificação de Woolcock (1998). Esses indicadores são
escalonados qualitativamente entre: BOM, REGULAR e RUIM com base na comparação entre os
municípios analisados, médias de outros municípios do Tocantins e médias de municípios do Rio
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Grande do Sul e Paraná, que podem ser considerados estados brasileiros que apresentam melhores
índices de capital social conforme diversos estudos (CASTILHOS, 2002; GALVÃO et al 2010).
Indicador 1: Visa quantificar as relações existentes entre os agricultores familiares, demandantes dos
recursos do Pronaf e as Instituições, nesse caso o Estado do Tocantins (Capital Social Institucional). As
variáveis analisadas são: existência ou não de Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Rural
Sustentável (CEDRS) e Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) nos
dois municípios analisados e qualidade das relações entre os agentes com base na entrevista do
Superintendente da Agricultura Familiar do Estado do Tocantins;
Indicador 2: Tem como objetivo medir as relações entre os agricultores familiares e grupos
sociais e econômicos externos, nesse caso, analisa-se o relacionamento dos agricultores com as
instituições bancárias responsáveis pelo financiamento dos projetos (Capital Extra Comunitário) e
outras instituições de assistência técnica. O índice foi construído com base no volume de
financiamentos concedidos a produtores e cooperativas no ano de 2012, número de Declarações de
Aptidão ao Pronaf- DAPs ativas e inativas nos municípios, comparação desses dados às médias dos
municípios do Tocantins, Rio Grande do Sul e Paraná e qualidade das relações entre os agentes com
base nas entrevistas dos gerentes bancários;
Indicador 3: Quantifica as relações entre os próprios agricultores (Capital Social Comunitário)
com base no número de associados por associações, porcentagem da população rural associada,
qualidade das relações entre agentes baseadas nas entrevistas dos agentes bancários e comparação dos
municípios com as médias dos estados do Tocantins, Rio Grande do Sul e Paraná.

Resultados e Discussões

Diagnóstico dos Municípios Analisados


Araguaína: Localiza-se na região norte do Tocantins a 393 KM de Palmas, capital do estado.
Criado em 1958, é a segunda maior cidade do estado com uma população de 150.484 mil habitantes
para o ano de 2010. Tem Índice de Desenvolvimento Humano de 0, 752. Conta com um PIB de R$
1.922.814,00, dividido entre agropecuária (R$ 63.191,00); Indústria (R$ 430.918,00) e serviços (R$
1.212.300,00), (IBGE, 2013).
Gurupi: Localiza-se ao sul do Tocantins a 223 km de Palmas, às margens da BR-153 (Rodovia
Belém-Brasília). É a terceira maior cidade do Tocantins, sendo o pólo regional de toda a região sul do
estado. Criado em 1959, tem população estimada em 76.755 mil habitantes e IDH de 0, 759. Seu PIB
no ano de 2010 foi de R$ 1.102.899,00, estratificado entre agropecuária (R$ 43.097,00); indústria (R$
271.239,00) e serviços (R$ 657.821,00), (IBGE, 2013).

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Análise dos Indicadores de Capital Social


Indicador 1 – Capital Social Institucional: O resultado encontrado nesse indicador informa a
baixa presença de capital social para os municípios analisados, bem como para os demais municípios do
Estado. Classificamos os municípios de Araguaína e Gurupi com níveis de Capital Social Institucional
RUIM, quer dizer, nesses municípios não foi verificado Capital Social Institucional, nem está sendo
possível a geração do mesmo com o programa Pronaf
Conforme entrevista do Superintendente da Agricultura Familiar no Estado, o CEDSR do
Tocantins foi criado em 2001, contudo um dos seus principais objetivos que é construir um Plano
Estadual para a Agricultura Familiar ainda não foi alcançado. O estado vem implantando as políticas
para a agricultura familiar a partir das políticas federais, de forma pontual e desarticulada com os
interesses locais. “a secretaria da agricultura vem muito mais apoiando as políticas do governo federal
do que fomentando em nível de estado uma política pública” (informação verbal)3.
Foi verificada ainda a existência dos Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável nos dois
municípios analisados. Esses conselhos relacionam-se com a implantação do PRONAF, o qual parte da
proposta de promover o desenvolvimento e fortalecimento da agricultura familiar utilizando as
instâncias locais participativas com espaço apropriado para a manifestação de interesses e a tomada de
decisão democrática.
No início de 2009, diversos municípios do Tocantins criaram seus CMDRS de acordo com a
legislação e metodologia proposta pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável –
CONDRAF, visto que a criação desses conselhos era condição prioritária para recebimento dos
recursos do Pronaf. Segundo o Superintendente da agricultura esses conselhos foram criados para o
recebimento de recursos e não para discutir e elaborar políticas públicas.
Na maioria dos municípios quem decidia e realizava os projetos eram as prefeituras
sendo que em grande parte atendiam interesses da prefeitura como a compra de uma
máquina, construção de ponte e não necessariamente se preocupava com os
problemas da agricultura familiar. (Informação verbal)4.

Portanto verifica-se que não existe uma integração entre a sociedade civil e o poder público na
definição e implantação dos projetos municipais.
A abordagem participativa mediante conselhos começou a ser implantada a partir de 1996 em
diversas políticas inclusive para agricultura familiar, contudo a eficiência e eficácia dessas políticas no
que tange a geração de desenvolvimento local ainda não ocorrem principalmente devido ao grau de
“civismo” ainda baixo e falta de informações, treinamento e qualificação dos pequenos produtores
rurais. O Superintendente se refere ao exercício da cidadania ainda incipiente no Tocantins “os
trabalhadores rurais ainda têm muita dificuldade de entender o que é discutir a política de

3 Informação concedida por CALDEIRA, M.G.jan.2013. Superintendência de Agricultura Familiar e Assentamentos do


Tocantins. Palmas-TO.
4 Id, 2013, p 6.

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desenvolvimento, se preocupando principalmente com a busca de recursos baseados em ações


imediatistas” (informação verbal)5.
O gerente do Banco do Brasil de Gurupi reforça o argumento acima, informando que a
participação dos trabalhadores rurais no direcionamento dos recursos e propostas de políticas públicas
voltadas à realidade local é muito pequena. “Não há presença de movimentos sociais fortes para
discutir idéias e propostas, por isso a política local segue as diretrizes do programa nacional para a
agricultura familiar” (informação verbal).6
Verificamos, portanto que nos dois municípios apesar de existirem os conselhos eles ainda são
incipientes existindo predominantemente para o recebimento dos recursos, a articulação com o Estado
é pequena, ainda não existe um Plano Estadual para Agricultura Familiar e as políticas do Pronaf são
implantadas seguindo determinações federais.
Indicador 2 – Capital Social Extra- Comunitário: Classificamos o município de Araguaína com
nível de capital social extra-comunitário REGULAR e Gurupi com nível RUIM com base em três
análises: comparação de dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário entre os municípios;
comparação de Araguaína e Gurupi com as médias de outros municípios do Tocantins, do Rio Grande
do Sul e do Paraná; comparação dos municípios baseados em entrevistas com os gerentes dos bancos
dos respectivos municípios. Em Araguaína o programa Pronaf vem incentivando a criação de redes e
relações mais fortes entre os agricultores familiares e agentes externos como os bancos, universidades,
sebrae, ruraltins entre outras, o contrário é observado em Gurupi onde esse relacionamento ainda é
incipiente.

Tabela 1- Indicadores de Capital Social Extra-Comunitário – Araguaína e Gurupi

Indicadores Araguaína Gurupi


1) DAPs ativas/DAPs totais 82% 74%
2) DAP ativa/ total de agricultores 15,5% 14,5%
3) Volume de Financ./Total de Projetos 138.306,1 105.672,4
4) Volume de financiamento/ DAP ativo 85.138,6 118.252,48
Fonte: Anuário Estatístico do Crédito Rural e Secretaria da Agricultura Familiar 2013.

5 Ibid, 2013, p 6.
6 Informação concedida por LOPES, M.mai, 2012. Agência Banco do Brasil Gurupi. Gurupi -TO

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Conforme dados, verifica-se que os agricultores de Gurupi têm mais dificuldade em obter crédito ou
maior dificuldade em se manterem adimplentes, além de terem menor acesso aos recursos.
Com relação ao terceiro indicador percebe-se que, em média os projetos financiados em
Araguaína têm valores mais altos. Araguaína possui 335 projetos financiados com valor total de R$
46.332.530,79. Gurupi possui 235 projetos, um total de R$ 24.833.021,45. Esse dado poderia indicar
que em Araguaína ocorre concentração de recursos e uma pior distribuição de recursos entre os
agricultores, fato, contudo incorreto, pois o quarto indicador demonstra uma melhor distribuição de
recursos por agricultor para o município de Araguaína. Provavelmente esse resultado deve-se a
existência de financiamento concedido diretamente às cooperativas em Araguaína.

Tabela 2 – Indicadores de Capital Social Extra Comunitário – Médias municípios


Localidade Total de Média de Valores Médios Valores N. de N. de Coop.
Projetos Projetos de Financ. por médios de Coop. que que recebem
Financ. Financ.por município R$ financ. por recebem financ./ n. de
munic. projetos R$ financ. municípios
TO 27.018 194 33.128.212,00 170.764,00 5 0,036
RS 487.271 974 33.945.126,00 34.851,30 778 1,6
PR 275.132 689 45.063.366,00 65.404,00 1005 2,5
Araguaína 335 335 46.332.530,79 138.306,00 ?
Gurupi 235 235 24.833.021,45 105.672,43 -
Fonte: Anuário Estatístico do Crédito Rural 2012, Secretaria da Agricultura Familiar 2013.

Araguaína e Gurupi, apresentam maior número de projetos financiados comparados a média


dos municípios do Tocantins, contudo esses valores são relativamente bem mais baixos
comparativamente a municípios sulinos (que pode ser justificado devido a diferença de densidade
populacional). Com relação aos valores médios dos financiamentos por municípios Gurupi apresenta
valores abaixo da média do Tocantins e dos municípios sulinos.
As maiores concentrações de recursos em cada projeto, tanto da média do Tocantins quanto em
Araguaína e Gurupi sugerem a possibilidade de má distribuição de recursos entre os agricultores, pois
no estado existem somente 5 financiamentos realizados diretamente a cooperativas, caso contrário
ocorrendo nos estados sulinos onde grande parte dos financiamento é concedido à cooperativas
indicando uma melhor distribuição de recursos entre agricultores e uma melhor capacidade de
organização social na criação e funcionamento dessas cooperativas.
Os municípios do Tocantins e os sulinos recebem em média valores aproximados de recursos
por municípios, contudo apresentam valores muitos discrepantes na divisão ou repartição desses
recursos, verificados nas quantidades de projetos atendidos em cada município. Enquanto que no
Tocantins em média cada município recebe R$ 33.128.212,00 divididos entre 194 projetos, no Rio

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Grande do Sul cada município recebe R$ 33.945.126,00 repartidos em 974 projetos. Essa informação
sugere que nos municípios de Araguaína e Gurupi que apresentam características similares a média dos
municípios do Tocantins os níveis de Capital Social Extra Comunitário são baixos, pois pequena parte
dos Agricultores conseguem acessar os recursos do Pronaf.
Apesar de chegarmos a conclusão de que tanto em Araguaína quanto em Gurupi os níveis de
Capital Social Extra Comunitário são baixos comparativamente a média dos municípios sulinos,
analisando-se somente os dois municípios Araguaína está em melhor situação do que Gurupi. Quer
dizer, o nível de capital social extra comunitário em Araguaína é superior ao de Gurupi. As informações
das entrevistas com os gerentes dos bancos dos respectivos municípios comprovam esse argumento.
Com relação a troca de Informações e parcerias efetuadas para maior esclarecimento e
conscientização dos agricultores quanto a todo o processo de acesso e execução dos recursos desde a
emissão das DAPs, orientação para projetos e acompanhamento da execução evitando-se a
inadimplência dos mesmos, foi-nos informado que em Araguaína,
[...] além de folders e cartilhas disponibilizadas pelo banco, são realizadas reuniões
periódica do comitê gestor do Banco do Brasil com as associações e outras entidades
envolvidas no processo de desenvolvimento rural sustentável, além da participação de
estudantes universitários e pesquisadores da UFT, UNITINS e técnicos do SEBRAE.
(informação verbal)7.

Já para Gurupi o Gerente de Negócios da agência do Banco do Brasil, informa que a


conscientização e disseminação de informações é realizada pelo Banco do Brasil e pela Ruraltins, não
havendo outras parcerias e ações para divulgação e assessoramento, “Falta recurso humano para
garantir uma assistência técnica continuada nas diversas etapas da execução dos projetos e também
gerentes disponíveis para atender com maior qualidade os produtores” (informação verbal)8.
Em Araguaína o Banco do Brasil implantou um programa denominado Desenvolvimento Rural
Sustentável (DRS) que busca desenvolver as cadeias produtivas, visando a organização produtiva e
comercialização para o pequeno produtor. Segundo o gerente a implantação desse programa
possibilitou aumentar o número de famílias atendidas, e a redução da inadimplência e melhor
desempenho dos projetos.
Na região de Gurupi apenas uma associação de agricultores familiares, está ligada ao programa
de Desenvolvimento Rural Sustentável do Banco do Brasil. O índice de inadimplência, segundo o
gerente de atendimento, chegou a ser um problema até o ano de 2010 quando chegou a atingir 11% dos
projetos financiados, sendo 100% da carteira de crédito rural do Pronaf destinada a projetos
individuais, “pois de fato não há nenhuma cooperativa em condições de acessar os recursos devido a

7 Informação concedida por FURTADO, E.L.abr, 2012. Agência Banco do Brasil Araguaína. Araguaína- TO
8 Informação concedida por LOPES, M.mai, 2012. Agência Banco do Brasil Gurupi. Gurupi -TO

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falta de documentação, prestação de contas atrasadas e falta de técnicos capacitados” (informação


verbal)9.
Analisando estas duas entrevistas, podemos destacar algumas disparidades entre as duas regiões.
Em Araguaína, os agricultores, através de suas associações e movimentos sociais mantêm contato
direto com os gestores do Pronaf. Os recursos são em sua maioria voltados a atender as cadeias
produtivas organizadas, dentro do programa de Desenvolvimento Rural Sustentável. Foi possível
perceber a presença de alguns canais de comunicação alternativos entre associações e agência bancária
em um esforço conjunto para melhorar o desempenho dos projetos, visando reduzir a inadimplência,
concluir o programa de ações e melhorar a qualidade de vida no meio rural.
Na entrevista com o gerente do Banco do Brasil de Gurupi não constatamos a presença de
associações de produtores e movimentos sociais se relacionando de forma efetiva e dinâmica com a
agência gestora dos recursos do Pronaf, os canais de comunicação existentes por parte da agência são o
pacote básico que o programa oferece, além de não existirem parcerias entre os agricultores e outras
entidades como universidades.
Concluímos, com base nos dados, que Araguaína possui maior número de agricultores
acessando os recursos e que os financiamentos apresentam maior volume e melhor distribuição entre
os agricultores, sugerindo um melhor relacionamento entre os agricultores e os bancos. As entrevistas
comprovaram os dados na medida em que foi afirmado pelos entrevistados que Araguaína possui um
melhor relacionamento com os bancos e outros agentes externos como universidades e o Sebrae,
facilitando o acesso a informações e orientações na confecção e execução dos projetos de
financiamentos. Gurupi não possui relacionamentos fortes com os bancos nem com outros agentes
externos, situação comprovada em dados e entrevistas. Apesar de concluirmos que Araguaína possui
maior nível de Capital Social Extra Comunitário comparativamente à Gurupi, comparando-os as
médias dos municípios sulinos foi verificado baixo nível de Capital Social. Portanto classificamos
Araguaína com nível REGULAR de Capital Social Extra Comunitário e Gurupi com RUIM.
Indicador 3 – Capital Social Comunitário: Classificamos o município de Araguaína com nível de
Capital Social Comunitário REGULAR e Gurupi com nível de capital social extra-comunitário RUIM
baseado em dados da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Tocantins e entrevistas
com os gerentes dos bancos dos respectivos municípios. Verificamos que Araguaína possui certo nível
de cooperação entre os agricultores, pois conseguem acessar o crédito do PRONAF via cooperativa,
situação não verificada em Gurupi apesar de esse município apresentar maior número de associações
por trabalhador.

9 Informação concedida por LOPES, M.mai, 2012. Agência Banco do Brasil Gurupi. Gurupi -TO

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Conforme dados da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Tocantins, no


estado existem 932 associações que contam com 57.523 associados. Araguaína tem 19 associações e
1202 associados e Gurupi conta com 24 associações e 554 associados.

Tabela 3: Indicadores de Capital Social Comunitário


Indicadores Média Araguaína Gurupi
Tocantins
Número de Associados/Número de Associações 61,7 62 23
População Rural Associada/ Total da População Rural (%) 9% 30%
Fonte: Secretaria da Agricultura, pecuária e abastecimento do Tocantins 2010.

Verificamos que Gurupi apresenta-se com maior participação da população rural representada
por associações (30%), o que poderia demonstrar que seu nível de capital social comunitário é superior
ao de Araguaína, contudo não podemos extrair desses dados conclusões a respeito da qualidade das
atividades das associações e participação de seus associados.
As entrevistas realizadas com os responsáveis pela gestão dos recursos do Pronaf nos
respectivos bancos dos municípios analisados descrevem resultados diversos aos dados da secretaria da
Agricultura. Para esses, o município de Araguaína possui Cadeias Produtivas desenvolvidas que contam
com algum grau de interação entre seus membros, pois estão conseguindo adquirir os financiamentos
mediante cooperativas. Em Gurupi a articulação entre os agricultores é baixa, visto que os recursos são
disponibilizados individualmente, pois conforme relato “não há cooperativa com condições de acessar
tais recursos” (informação verbal)10
Portanto a concentração de financiamentos verificado no indicador de Capital social
extracomunitário descreve a seguinte situação: Gurupi não possui nenhum financiamento do Pronaf
mediante cooperativas conforme relato do gerente do Banco do Brasil, portanto nesse município vem
ocorrendo concentração de financiamento para poucos agricultores o que pode ser depreendido com
baixo nível de capital social, pois não há articulação suficiente dos membros das cooperativas e
associações que permitam aos mesmos obterem o financiamento em cooperação.
Já em Araguaína, provavelmente a concentração de recursos entre as famílias é relativamente
menor, pois alguns dos financiamentos são realizados a cooperativas facilitando a participação dos
agricultores e demonstrando que os mesmos possuem certa articulação e cooperação entre seus
membros e possivelmente algum grau de capital social nas suas relações principalmente em se tratando
de cadeias produtivas organizadas na região.
Baseados nos dados e nas entrevistas classificamos Araguaína com nível de Capital Social
Comunitário REGULAR no que se refere a cooperação entre seus membros para obtenção de

10 Informação concedida por LOPES, M.mai, 2012. Agência Banco do Brasil Gurupi. Gurupi -TO

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financiamento do Pronaf via cooperativas ( somente 5 no estado) e Gurupi com nível de Capital Social
Comunitário RUIM, pois apesar de apresentar grande número de associações, segundo as entrevistas, as
mesmas tem pouca capacidade de se organizar para acessar o financiamento em cooperativas.
Verificamos anteriormente no cálculo do indicador de Capital Social Extra-Comunitário que o
acesso a financiamentos mediante cooperativas indica a existência de alguma cooperação e interação
dos agricultores, no Tocantins existem apenas 5 projetos financiados via cooperativas, provavelmente
entre 1 a 3 situados em Araguaína e nenhum em Gurupi. No Rio Grande do Sul existem 778 em todo
estado com uma média de 1,6 por município, no Paraná esse número é de 1005 projetos sendo 2,5 em
média por município. Araguaína situa-se próxima dessa média, portanto a classificação REGULAR de
Capital Social Comunitário.

Considerações Finais

Verificamos nesse trabalho a partir da análise de dados e entrevistas que a hipótese inicial do
trabalho foi confirmada. Os municípios de Araguaína e Gurupi possuem baixo nível de
institucionalidade capaz de formar e desenvolver os projetos de agricultura familiar oriundos do Pronaf.
A agricultura familiar no Tocantins é ainda incipiente e o Capital Social ainda se encontra em fase de
formação.
Seguindo a classificação de Woocock (1998) observou-se que o “capital social institucional” é
baixo ou Ruim nos dois municípios analisados, que apesar de existirem os conselhos, tanto estadual
quanto municipais, eles ainda são incipientes existindo predominantemente para o recebimento dos
recursos. A articulação com o Estado é pequena, ainda não existe um Plano Estadual para Agricultura
Familiar e as políticas do Pronaf são implantadas seguindo determinações federais. Existindo, pois
grandes dificuldades na adequação dessas políticas às características e demandas sociais de Estados e
Municípios.
Com relação aos níveis de “capital social extracomunitário” verificou-se certa divergência entre
os municípios. Em Araguaína foi possível perceber a presença de alguns canais de comunicação
alternativos entre associações e agência bancária. Em Gurupi não constatamos a presença de
associações de produtores e movimentos sociais se relacionando de forma efetiva e dinâmica com a
agência gestora dos recursos do Pronaf, nem com outras entidades como universidades. Apesar de
concluirmos que Araguaína possui maior nível de Capital Social Extra Comunitário comparativamente
à Gurupi, comparando-os as médias dos municípios sulinos foi verificado baixo nível de Capital Social.
Portanto classificamos Araguaína com nível REGULAR de Capital Social Extra Comunitário e Gurupi
com RUIM.
Araguaína possui certo nível de cooperação entre os agricultores, pois conseguem acessar o
crédito do Pronaf via cooperativa, situação não verificada em Gurupi aonde vem ocorrendo
concentração de financiamento para poucos agricultores o que pode ser depreendido com baixo nível
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de capital social comunitário, pois não há articulação suficiente dos membros das cooperativas e
associações que permitam aos mesmos obterem o financiamento em cooperação. Portanto
classificamos Araguaína com nível de Capital Social Comunitário REGULAR e Gurupi com nível de
Capital Social Comunitário RUIM.
Portanto, apesar de Araguaína apresentar-se em melhor situação quanto ao nível de capital
social existente (estoque) e estar mais bem preparada para acessar e executar os recursos do Pronaf
(geração de capital social) não foi possível afirmar que esse município, nem tampouco Gurupi, possuem
nível de capital social suficiente e capaz de cumprir alguns objetivos do Pronaf, dentre eles: gerar
desenvolvimento econômico, social, com valorização e dos atores sociais fortalecendo a dinamização
econômica dos espaços rurais, potencializando as relações de proximidade, e as formas associativistas e
cooperativistas de organização social.
Sabe-se que a participação política atrelada a uma tradição cívica que inclui cooperação e confiança
entre representantes e representados são aspectos indispensáveis para geração de Capital Social e
conseqüentemente o desenvolvimento sócio econômico de regiões e países. Cabe ao Estado, portanto
assumir uma postura proativa que contribua com a formação do capital social, através da
descentralização de poder e de políticas públicas, valorizando o conhecimento e realidades locais.

Referências

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Anuário Estatístico do Crédito Rural, 2012. Disponível em:
https://www.bcb.gov.br/?RELRURAL2012. Acesso em 10 abril de 2013.
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1980. p. 2-3. Disponível em http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/arss_0335
22_1980_num_31.
Acesso em 09/12/2012.
CALDEIRA, M.G: depoimento  22 de janeiro de 2013. Palmas –TO. Entrevista concedida a Marcela Ottomar.
CASTILHOS,D.S.B. Capital Social e políticas públicas: um estudo da linha de infra-estrutura e serviços aos municípios do
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.2002. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural)
– Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2002.
DURSTON.J. El capital social campesino en la gestión Del desarrollo rural. Díadas, equipos, puentes e escaleras.
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FUKUYAMA, F. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Rocco. Rio de Janeiro, 1996.
FURTADO, E.L: depoimento  25 de abril de 2012. Araguaína –TO. Entrevista concedida a Marcela Ottomar.
GALVÃO,C.A et al. Capital social e acesso ao crédito na agricultura familiar. 2010. Disponível em:
http://www.sober.org.br/palestra/5/791.pdf. Acesso em 15 de junho de 2013.
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ABASTECIMENTO. Relação de Associações e Entidades Cadastradas. Tocantins –TO, Dez.2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Cidades 2013. Disponível em:
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LIMA, R.A.S. Informação, capital social e mercado de crédito rural. 2003. Tese (Doutorado em Economia aplicada) –
Universidade de São Paulo, Piracicaba, 2003.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 92
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Declaração de Aptidão ao Pronaf- SAP, 2013. Disponível em:
http://smap14.mda.gov.br/dap/extrato/pf/PesquisaMunicipio.aspx. Acesso em 05 junho de 2013.
PUTNAM, R. D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: FGV, 2002.
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WOOCOCK, M. Social capital and economic development: toward a theoretical synthesis and policy framework.
Theory and Society, 27, 1998.

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Entre o desenvolvimento econômico e a preservação dos
recursos naturais: o caso dos países amazônicos

João Pedro Tavares Damasceno1


Marizélia Ribeiro de Souza2

Introdução

D
etentora de aproximadamente 7,5 milhões de quilômetros quadrados, a Amazônia3 é uma
região compartilhada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela,
Suriname e pelo território da Guiana Francesa (SOUZA, 2001, p. 15). Além de ser uma
unidade geográfica, a Amazônia é o berço de uma extraordinária diversidade de plantas e animais.
“Trata-se, provavelmente, da maior “fronteira de recursos naturais” do planeta, devido ao seu imenso
potencial energético e mineral e à sua incalculável riqueza biológica”. (ARAÚJO, 2007, p. 133)
Em nível mundial, a bacia amazônica tem a seguinte importância: representa 40% do continente
sul-americano e 5% da superfície terrestre; possui 20% da água doce disponível no mundo, é a terceira
parte das florestas latifoliadas4, e detêm 1% da biota e o maior banco genético do planeta. (OTCA,
2007, p. 29)
Fenzl (2007) afirma que:
Os limites da Amazônia estão ainda longe de serem claramente definidos. Atualmente
se trabalha com três maneiras de aproximação: a) a mais simples é a definição dos
limites hidrográficos da Bacia. Por este ponto de vista, somente pequenas partes da
Guiana e do Suriname pertencem de fato a Amazônia; b) do ponto de vista do bioma
amazônico a Guiana e Suriname poderão ser considerados 100% amazônicos; e
finalmente; c) do ponto de vista político, cada pais define sua região amazônica
através de critérios de políticas internas. (FENZL, 2007, p. 02)

1 Mestrando em Ciência Política e graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG).
Graduado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás/2010).
tavaresgyn@gmail.com
2 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG). marizeliaribeiro@yahoo.com.br
3 O nome Amazonas foi dado inicialmente ao rio que corta a planície. Porém, tantas são as peculiaridades, diferenças e

semelhanças entre as diversas conformações regionais, que o vale banhado pelo rio-mar acabou recebendo o nome de
Amazônia, território multinacional e pluricultural. (SOUZA, 2001. p. 15)
4 Florestas dotadas de folhas largas. FERREIRA, Aurélio B. de Hollanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª

edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.


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Tabela I – Área Amazônica nos Territórios Nacionais


Porcentagem
Área Porcentagem do Território
Território Total Amazônica no da Amazônia Amazônico
Países do País em Km² Território no Território Nacional na
(a) Nacional em Nacional Região
Km² (b) (b) / (a) Amazônica
Total
Bolívia 1.098.581 824.000 75,01 % 10,85 %
Brasil 8.511.965 4.988.939 58,61 % 65,72 %
Colômbia 1.138.914 406.000 35,65 % 5,35 %
Equador 270.600 123.000 45,45 % 1,62 %
Guiana 215.083 5.870 2,73 % 0,08 %
Guiana 91.000 91.000 100,00 % 1,20 %
Francesa
Peru 1.285.215 956.751 74,44 % 12,60 %
Suriname 142.800 142.800 100,00 % 1,88 %
Venezuela 912.050 53.000 5,81 0,70 %
TOTAL 13.666.208 7.591.360 - -
Fonte: PIEDRA-CALDERÓN, Andrés Fernando. 2007, p. 59.

É importante ressaltar que a Bacia Amazônica representa uma imagem geográfica particular
para cada Estado portador de parcela desta região natural. Dessa forma, como analisa Mattos (1980):
A Amazônia não simboliza o mesmo espaço geográfico para todos os povos, pois
quando o brasileiro, venezuelano, colombiano, peruano, boliviano, ou outro que
pertença a um dos países amazônicos se refere à Amazônia, está falando na sua
Amazônia nacional. (MATTOS, 1980, p. 84)

Bertha Becker (1998), geógrafa pesquisadora da geopolítica da Amazônia, afirma que:


As regiões não são entidades autônomas. Pelo contrário, configuram-se a partir das
diferenças que apresentam em relação às outras e do papel diferenciado que exercem
no conjunto da sociedade e dos espaços nacionais. (BECKER, 1998, p. 08)

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Figura I – Mapa da Pan-Amazônia

Fonte: SILVA, Marcelle Ivie da Costa. 2004. p. 32.

Estimativas atuais da biota5 do planeta apontam para a existência de cerca de 1,75 milhão de
espécies, que incluem, entre outras, 4.500 de mamíferos, 10.000 de aves, 1.500 de répteis e anfíbios,
22.000 de peixes, 270.000 de plantas e mais de 900.000 de insetos. (FILHO, 2006, p. 70)
O Rio Amazonas drena mais de sete milhões de quilômetros quadrados, despejando no mar
uma média de 200.000 metros cúbicos de água por segundo (FILHO, 2006, p. 51). Em volume de água,
é o mais caudaloso da terra, quatro vezes mais que o rio Congo (segundo) e dez vezes o rio Mississipi.
Na época das chuvas, 300.000 metros cúbicos de água por segundo deságuam no oceano Atlântico. A
complexa rede hidrográfica do rio Amazonas constitui uma importante ligação entre os países da bacia
e destes com os outros países sul-americanos que não fazem parte da bacia. (BECKER, 2007, p. 43)
Dizer Amazônia é falar sobre potencialidades diversas, entre as quais se mencionam
as riquezas que contém, tanto aquelas que abundam em seu solo, como a qualidade
de seu ar, o verdor da floresta, que quase parece infinita, mas que sabemos frágil, ante
o mau uso que costumamos dar-lhe. (SERRANO, 2006, p. 87 – 88)

Em se tratando de seus recursos naturais, ao longo dos séculos, sobretudo a partir do final do
século XIX, a Amazônia forneceu a matéria prima vegetal indispensável a inúmeras aplicações

5 Conjunto de seres vivos de um ecossistema, o que inclui a flora, a fauna, os fungos e outros grupos de organismos.

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farmacêuticas, abasteceu a indústria da borracha natural e “supriu a indústria do couro com milhões de
peles de felinos, crocodilídeos e nutrias” (OTCA, 2007, p. 33). Atualmente, peixes, madeiras, ouro,
petróleo, gás natural, energia elétrica, ferro e outros minerais são extraídos da bacia do Amazonas para
abastecer os mercados internos de seus países e para comercializar globalmente.
De acordo com Becker (1998):
Espaço e posições da Amazônia, historicamente, tornaram-na extremamente atraente
e ao mesmo tempo inacessível. Seu valor econômico e estratégico é transparente na
tese da sua internacionalização que surge ciclicamente com diferentes projetos. Só
recentemente, contudo, se desencadeou a ocupação rápida e sistemática da região,
por forças nacionais e internacionais. (BECKER, 1998, p. 09)

Em termos econômicos, estima-se que, a médio prazo, o desenvolvimento das indústrias


farmacêutica, de alimentos, mineração e metalurgia, da extração de hidrocarbonetos fósseis, da
agricultura, da pesca e do ecoturismo, entre outros setores, gerará mais de três bilhões de dólares por
ano na bacia.
A realidade da região amazônica diz-nos que possui enorme potencial florestal, rico
em biodiversidade; que tem sido ocupada por ciclos de exploração dos recursos
naturais, sem maiores preocupações por sua conservação; que existem na zona
dificuldade logísticas reconhecidas, elevados custos de produção – se nos atermos às
regras do mercado tradicional – e uma dispersão de espécies, fruto de sua
extraordinária biodiversidade. (SERRANO, 2006. p. 99)

O povoamento da Amazônia pode ser explicado a partir de uma análise geopolítica e


econômica. Desde o tempo colonial a Coroa Portuguesa não se tinha recursos econômicos e população
para povoar e ocupar um território de tal extensão. Portugal conseguiu manter a Amazônia e expandi-la
para além dos limites previstos no tratado de Tordesilhas, graças a estratégias de controle do território.
Embora os interesses econômicos prevalecessem, não foram bem-sucedidos, e a geopolítica foi mais
importante do que a economia no sentido de garantir a soberania sobre a Amazônia, cuja ocupação se
fez, como se sabe, em “surtos ligados a demandas externas seguidos de grandes períodos de estagnação
e de decadência”. (BECKER, 1996, p. 01)
De acordo com Becker (2007), essa mudança está ligada intimamente à revolução científico-
tecnológica e às possibilidades criadas de ampliar a comunicação e a circulação no planeta através de
fluxos e redes que aceleram o tempo e ampliam as escalas de comunicação e de relações, configurando
espaços-tempos diferenciados.
Tabela II – População Amazônica
Países População Porcentagem na Região
Bolívia 4.221.223 13,87%
Brasil 21.056.532 69,17%
Colômbia 643.147 2,11%
Equador 548.419 1,80%

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Guiana 697.286 2,29%


Guiana Francesa 157.213 0,52%
Peru 1.380.583 4,54%
Suriname 450.200 1,48%
Venezuela 1.285.310 4,22%
TOTAL 30.439.913 -
Fonte: PIEDRA-CALDERÓN, Andrés Fernando. 2007. p. 59.

A Amazônia é um exemplo vivo dessa geopolítica, pois nela se encontram todos esses
elementos. Constitui um desafio para o presente, não mais um desafio para o futuro.
Seu povoamento e desenvolvimento foram fundados de acordo com o paradigma de
relação sociedade-natureza, que Kenneth Boulding denomina de economia de
fronteira, significando com isso que o crescimento econômico é visto como linear e
infinito, e baseado na contínua incorporação de terra e de recursos naturais, que são
também percebidos como infinitos. Esse paradigma da economia de fronteira
realmente caracteriza toda a formação latino-americana. (BECKER, 2007, p. 02)

Hoje, o imperativo é modificar esse padrão de desenvolvimento que alcançou o auge nas
décadas de 1960 a 1980. É necessário o uso controlado das fabulosas riquezas naturais que a Amazônia
contém e também do saber das suas populações tradicionais que possuem um secular conhecimento
acumulado para lidar com o trópico úmido. Já há na região resistências à apropriação indiscriminada de
seus recursos e atores que lutam pelos seus direitos. Esse é um fato novo porque, até então, as forças
exógenas ocupavam a região livremente, embora com sérios conflitos. (BECKER, 2007, p. 72).
Com as resistências regionais, os conflitos na região alcançam um patamar mais elevado. Não se
trata mais apenas de conflito pela terra, é o conflito de uma região em relação às demandas externas.
Esses conflitos de interesse, assim como as ações deles decorrentes, contribuem para manter imagens
obsoletas sobre a região, dificultando a elaboração de políticas públicas adequadas ao seu
desenvolvimento.
Para que se possa mudar esse padrão de desenvolvimento é necessário entender os diferentes
projetos geopolíticos e seus atores, que estão na base dos conflitos, para tentar encontrar modos de
compatibilizar o crescimento econômico com a conservação dos recursos naturais e a inclusão social.
Segundo Becker (2007):
Em nível global, a Amazônia é uma fronteira percebida como espaço a ser
preservado para a sobrevivência do planeta. Coexistem nessa percepção interesses
ambientalistas legítimos, e também interesses econômicos e geopolíticos, expressos
respectivamente num processo de mercantilização da natureza e de apropriação do
poder de decisão dos Estados sobre o uso do território. (BECKER, 2007, p. 21)

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Desenvolvimento Econômico na Amazônia

O desenvolvimento econômico na Amazônia teve duas caras bem definidas e diferentes: “a


colonização e ocupação promovida por políticas de Estado, e a colonização espontânea das imediações
dos projetos de infraestrutura ou ocupação de terras devolutas” (OTCA, 2007, p. 80). A primeira
consistiu no desenvolvimento de projetos rodoviários, hidrelétricos e de mineração, que necessitavam
de mão de obra, e atraiu imigrantes à procura de oportunidades de emprego. As rodovias tiveram um
papel fundamental nesses processos: além de possibilitar os projetos de mineração ou as usinas
hidrelétricas, geraram por si só fluxos de comunicação, movimentos migratórios e aceleraram os
intercâmbios comerciais.
Com a construção de rodovias e a execução de projetos energéticos e de mineração surgiram
assentamentos de médio e grande porte, configurando na Amazônia um desenvolvimento urbano em
boa medida dependente de mercadorias, alimentos e energia trazidos de fora.
Atualmente encontra-se em andamento a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional
Sul-Americana (Iirsa)6, subscrita por vários países, com o objetivo de interconectar as redes viárias,
fluviais, energéticas e de telecomunicações de todos os países da Região, inclusive da Amazônia, em
virtude de sua localização no centro da América do Sul. (OTCA, 2007, p. 81)
“A enorme diversidade biológica e cultural da região amazônica constitui um capital essencial
para o bem-estar do ser humano, tanto em nível local, regional como global” (OTCA, 2007, p. 81). A
conservação desta diversidade e dos serviços dela derivados constituem um dos grandes desafios
enfrentados pelos países incluídos, total ou parcialmente na região.
No plano internacional, ao falar da Amazônia deve-se remeter ao período da Guerra Fria na
década de 1970, quando o conflito bipolar perdeu sua intensidade, e questões que marcaram o pós-
guerra Fria, como o meio ambiente e os direitos humanos, começavam a aparecer na pauta global.
Em 1972 ocorreu a primeira Conferência da ONU sobre o meio ambiente, em Estocolmo,
depois da publicação do relatório do Clube de Roma, em 1970. No encontro de Estocolmo, a
emergência da ecologia como pauta da agenda global traz uma nítida divisão entre os países mais e
menos desenvolvidos (LE PRESTE, 2000, p. 243). Os países mais ricos adotaram uma postura mais
preservacionista. Seu argumento baseava-se na ideia de que os benefícios nacionais e de curto prazo, da
exploração dos recursos naturais, não podiam ignorar os custos globais de longo prazo dessa mesma
atividade. Por sua vez, as nações mais pobres reivindicaram o reconhecimento do direito ao

6 A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) corresponde a uma iniciativa dos doze
países sul-americanos, que tem por finalidade a promoção do desenvolvimento da infraestrutura de transporte, energia e
comunicações, de forma sustentável e equitativa, através da integração física destes países. A Iirsa surgiu efetivamente a
partir de uma reunião dos doze Chefes de Estado, ocorrida em agosto de 2000, na cidade de Brasília. Nesta ocasião,
aprovou-se a realização de ações conjuntas para se impulsionar o processo de integração política, econômica e social da
América do Sul, incluindo a modernização da infraestrutura regional e ações específicas para estimular a integração e o
desenvolvimento de sub-regiões isoladas.

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desenvolvimento, além de alegarem que a pobreza é uma das principais causas da degradação
ambiental, de forma que a preocupação ambiental deveria levar a uma real contribuição com o combate
às desigualdades no plano global (LE PRESTE, 2000, p. 274).
Os países amazônicos, em sua maioria, estavam empenhados em programas de
desenvolvimento das respectivas Amazônias. O discurso adotado por eles era de que “a defesa da
preservação ambiental era uma forma de impedir o crescimento econômico dos países menos
desenvolvidos, mantendo assim a estrutura econômica global” (ANTIQUERA, 2006, p. 54).
Outro ponto de divisão de interesses foi sobre o alcance e os limites da soberania nacional. De
um lado, os países mais desenvolvidos sustentavam que a exploração da natureza em um país pode
gerar efeitos para outros, de forma que a soberania nacional não deveria impedir certo controle
internacional das políticas internas que tenham possíveis consequências ecológicas. Essa concepção
permitiu o surgimento da idéia de que algumas áreas deveriam ficar sob controle internacional. Os
países menos desenvolvidos se opõem a qualquer limitação da soberania e defendem o direito exclusivo
de exploração dos respectivos recursos naturais. Uma derivação da controvérsia está materializada na
discussão sobre o princípio da consulta prévia, segundo o qual um país não poderia agir unilateralmente
na exploração de recursos que envolvem outros países (como no caso de rios transfronteiriços, por
exemplo). Seria necessário um entendimento com o vizinho envolvido, ainda que as iniciativas fossem
exclusivamente nacionais. Nesse contexto, “a Amazônia ganha grande importância no debate
internacional, e há, inclusive, participantes da conferência que propõem a internacionalização da região”
(ROMÁN, 1998 apud ANTIQUERA, 2006, p.55).
Outro fator determinante da conjuntura latino-americana na década de 1980 é a crise da dívida
externa. Os grandes projetos desenvolvimentistas tiveram um alto custo, e foram financiados por
empréstimos com taxas de juros flutuantes. Com a política de Reagan de elevar a taxa de juros, a dívida
multiplicou-se drasticamente.
Por volta de 1989, o total da dívida latino-americana já alcançava 420 bilhões de
dólares e somente o serviço da dívida, já tinha transferido para o exterior 150 bilhões
de dólares entre 1982-1987. Cerca de 40% dos ganhos latino-americanos no comércio
exterior se destinavam ao serviço da dívida, isto é, ao manter o principal da dívida nos
patamares atuais. Ocorrendo exatamente num momento em que declinavam os preços
dos produtos de exportação da região e caíam as taxas de investimento produtivo, o
crescimento astronômico da dívida passou a constituir um dos mais graves elementos
de perturbação social do continente. (MOURA, 1992, p. 136-137).

A grave situação econômica também levou os países a voltarem-se para seus problemas
internos, além de ter gerado certo questionamento sobre a utilidade de articulação entre parceiros
enfraquecidos e com economias bastante parecidas. O que os latino-americanos precisavam de fato era
de um apoio substancial dos países desenvolvidos, notadamente dos maiores credores. (ANTIQUERA,
2006, p. 104)

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Es importante destacar la falta de compromiso financiero vinculando um mínimo de recursos de los
presupuestos nacionales a la actuación de los gobiernos en la región amazónica. Una excesiva
dependencia de flujos financieros de los países desarrollados, como aquélla que ha ocurrido em muchos
proyectos, inhibe una visión de desarrollo basada en lãs peculiaridades y necesidades locales. Esta
dependencia resulta em imposiciones que descaracterizan las prioridades. Además, la precariedad de la
infraestructura local y los bajos salarios pagados a los técnicos o investigadores inviabilizam la
realización de muchos proyectos. (MARCOVICH, 2003 apud ANTIQUERA, p. 141)

Portanto, a aproximação entre os vizinhos latino-americanos visa aumentar as chances de serem


ouvidos no cenário mundial, mais do que, por soma de esforços, resolver as questões internas. Isso
quer dizer que a associação regional tinha objetivos extrarregionais: era a formação de um coro para
falar mais alto, mas não de um mutirão para arrumar a desordem.

Considerações finais

A Região Amazônica necessita de estratégias e ações de grande alcance no sentido de


desenvolver a região em consonância com os interesses dos países amazônicos e de criar mecanismos
capazes de lidar com as realidades existentes, facultando a ação integrada e coordenada de instituições
governamentais e não governamentais.
As políticas e estratégias adotadas pelos governos amazônicos para o desenvolvimento da região
são tentativas plausíveis, porém cada país tem um grau de vontade diferente na resolução dos
problemas e modos diferenciados de enfrentar as dificuldades, de trabalhar com escassos recursos e
utilizá-los da melhor maneira na região. É desejável unir políticas e estratégias governamentais de
desenvolvimento em comum acordo, a união fortalece e reforça a soberania individual de cada um dos
países.
Cabe aos governantes a vontade política para a condução de ações comuns que contemplem o
desenvolvimento e a melhoria das condições de vida das populações, assegurando a preservação e a
soberania dos recursos ambientais, pois o desenvolvimento da Amazônia deve ser pautado em bases
científicas e tecnológicas, em consonância com as realidades regionais, respeitando o meio ambiente e
os limites fronteiriços legitimamente traçados.
Com mais ação política dos governos dos oito países, é possível promover uma a integração
regional, com base em novas iniciativas, medidas, programas e projetos estratégicos nos campos
político, econômico, social e militar para impulsionar o desenvolvimento (sustentável) da região,
contribuindo, assim, de forma concreta e eficiente, para a segurança hemisférica e para a consolidação
da região amazônica.

Referências

ANTIQUERA, Daniel. A Amazônia e a Política Externa Brasileira: análise do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) e
sua transformação em organização Internacional (1978 – 2002). Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Campinas, 2006.

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Relações Internacionais) – Universidade Estadual de Campinas, Programa San Tiago Dantas
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SOUZA, Márcio. Breve Histórico da Amazônia. Rio de Janeiro: Agir, 2001.

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Cultura e Meio Ambiente no planejamento urbano-rural
no contexto da Amazônia Legal

Kemel Souza Tavares


Verônica Dantas Meneses

Introdução

O
s oito anos do governo Lula trouxeram algum avanço no que diz respeito à reforma
agrária. Vemos em todo o País experiências diversas de assentamentos, a maioria bem-
sucedidos. Na região sul e sudeste do estado do Pará o governo federal, através do Incra,
adotou um modelo de assentamento em que os assentados receberam uma gleba de 5,0 ha em média
assim como uma casa popular em uma vila criada dentro do assentamento. Cada assentamento teve a
sua vila criada. Hoje, a maioria dos municípios do sudeste paraense conta com inúmeros assentamentos
e núcleos urbanos em suas zonas rurais, com realidades urbanas complexas.
Observações sistemáticas destes e de outros assentamentos revelam que estes núcleos exercem
um papel fundamental na economia não só do município em que está implantado, mas também de toda
a região e que sua formação nem sempre contempla aspectos importantes da estrutura social e
econômica e revela a importância que o mesmo tem para o município e para a região em que se insere.
Este ensaio se propõe a contribuir com questionamentos para esclarecer os principais impactos
sociais, econômicos e ambientais causados pelo surgimento de núcleos urbanos em municípios da
região Amazônica esperando contribuir para a definição de parâmetros para a elaboração de políticas de
desenvolvimento urbano/rural para o Norte do país.
Assim, este ensaio pretende não fornecer dados empíricos mas traçar uma linha de pesquisa
para o objeto apontado. Pretende-se propor questões para os estudos acerca da formação de núcleos
urbanos no contexto da Amazônia Legal, especialmente aqueles surgidos a partir dos assentamentos
rurais, a partir de reflexões sobre os conceitos de urbano e de cidade, da complexa dinâmica urbano-
rural e da paisagem como elemento que abrange natureza e cultura.
O trabalho apresenta como elementos teórico-metodológicos as linhas de concepção do urbano
de Manuel Castells e a chamada Nova Geografia Cultural. Uma das ferramentas para o estudo é a
percepção ambiental. Segundo Anne Whyte (1977, tradução nossa), “as decisões humanas e ações
relacionadas ao seu ambiente são baseadas não apenas em fatores objetivos, mas também subjetivos:
esse é o princípio básico da pesquisa em percepção ambiental”, a qual incluem linhas de pesquisa como
percepção do ambiente em áreas ecológicas isoladas ou periféricas, percepção de paisagens típicas
construídas de importância ecológica, histórica ou estética e percepção da qualidade de ambientes
urbanos.
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Planejamento urbano e a dinâmica rural-urbano

Como bem introduz Manuel Castells (2009, p. 35), “toda forma de matéria possui uma
história”, e por isso a história do processo de formação das cidades constitui o primeiro passo para se
estudar as redes urbanas e a organização social do espaço. Inclui, portanto, pensar o processo de
urbanização a partir de lógicas evolucionistas, o que consideramos apenas uma parte da questão, mas
inserir as situações históricas de cada lugar com ênfase nas forças presentes em cada fenômeno que
contribuem para a organização do proprio espaço urbano estudado.
Explicar o processo social que está na base da organização do espaço não se reduz a
situar o fenômeno urbano no seu contexto. Uma problemática sociológica da
urbanização deve considerá-la enquanto processo de organização e de
desenvolvimento, e, por conseguinte, partir da relação entre forças produtivas, classes
sociais e formas culturais (dentre as quais o espaço) (CASTELLS, 2009, p. 36).

Toda pesquisa e toda prática de ocupação de territórios complexos ou de definição de políticas


de desenvolvimento devem se propor a esclarecer os principais impactos sociais e ambientais causados
pelo surgimento, no caso destes núcleos apresentados, em relação aos demais setores urbanos e seu
entorno a fim de contribuir para o desenvolvimento de políticas inovadoras de ocupação de território a
partir da interpretação das ações dos seres humanos, considerando a cultura e a história dos habitantes
e do lugar.
Ainda segundo esse pensamento, é necessário deixar claro os dois sentidos do termo
urbanização: O primeiro, de forma técnica, se resume a “concentração espacial de uma população, a
partir de certos limites de dimensão e de densidade”, e o segundo abrange a “difusão do sistema de
valores, atitudes e comportamentos denominado ‘cultura urbana’” (CASTELLS, 2009, p. 39).
O aspecto central é o fato de que o conceito converge para o sistema cultural da atual
sociedade industrial capitalista, mas que muitas pesquisas esquecem que os dois processos descritos
acima compõem as dicotomias presentes nos conceitos de urbanização, ainda segundo Castells,
especialmente falando das regiões Norte e Centro Oeste do Brasil: as relações rural-urbano e emprego
agrícola-emprego industrial.
Castells ainda esclarece que a dicotomia rural-urbano não é necessariamente distintiva como se
pretende muitas linhas de pensamento, pois o termo urbano, visto de maneira mais ampla, pode
designar não necessariamente um sistema de valores e modos de vida distintos do meio rural, mas pode
inclusive ampliar certos aspectos desse modo de vida rural. Assim, se por urbano entendemos um
aglomerado gerado a partir de concentração e densidade altas o que produz uma maior diferenciação
social, não ficam claros os limites estatísticos que delimitam esta concentração e, portanto, critérios
mais subjetivos como uma cultura urbana oposta a uma cultura rural tornam-se variáveis indefinidas.
Fica, dessa forma, difícil estabelecer um critério empírico de definição para o termo urbano
(CASTELLS, 2009, p. 47). Por isso, o próprio autor prefere usar a expressão produção social das

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formas urbanas ao termo urbanização (id. Ibidem. Grifo do autor). O entendimento do que abarca os
conceitos de urbano e de cidade, portanto, são essenciais para os estudos sobre as formações das
cidades e propostas de intervenção urbana, regularização fundiária, urbanização de favelas
(RODRIGUES, 2009) e no que concerne à formação de núcleos urbanos em assentamentos no
contexto da Amazônia Legal brasileira.
Diante destas complexidades e contradições, a começar pela definição do conceito de urbano,
que no contexto da Amazônia aparece bastante agregado ao rural na sua dimensão produtiva, mas
também no que estas atividades produtivas influenciam nos modos de vida e nas relações sociais,
particularmente, o estudo da paisagem é especialmente importante. Na região Amazônica existe um
forte apelo à relação sociedade/natureza, incluindo referências culturais e ideológicas de cada lugar.
Assim, a paisagem como “fruto da história”, representa além da expressão de referências culturais, as
formas de poder e dominação social (MIRANDA, 2009, p. 335), mas também agrega a construção de
novas identidades e referenciais daquela comunidade.
Um planejamento para a ocupação de territórios que contemple tais questões é cada vez mais
importante no mundo globalizado e competitivo em que vivemos, e para que se alcance sucesso com
um plano, deve-se entender o princípio básico de que as cidades modificam o meio-ambiente em que se
inserem e influenciam as relações entre os seres humanos que nelas habitam.
Alguns questionamentos precisam ser levados em consideração:
Como enfrentar o mercado imobiliário altamente especulativo e excludente garantindo
o direito a cidade para todos? Como implementar a função social da propriedade
contra os interesses da valorização imobiliária?
Que fazer com áreas ambientalmente frágeis, ocupadas pela moradia pobre? Quando
remover ou quando consolidar ocupações ilegais? Quais são os padrões mínimos para
a urbanização dessas áreas ocupadas ilegalmente?
Como fazer, objetivamente, o controle do uso do solo (um dos setores mais corruptos
das gestões municipais na AL) protegendo áreas ambientalmente frágeis e ampliando
o acesso a moradia legal? (MARICATO, 2007).

Esses questionamentos nos ajudam a entender como novas cidades devem ser pensadas e como
as formas de ocupação modificam os contextos urbanos e rurais e suas complexas relações.
Nessa perspectiva, aderimos ao conceito de cultura mais amplo vinculado ao de
desenvolvimento como
[...] um processo complexo, holístico e multidimensional, que vai além do crescimento
econômico e integra todas as energias da comunidade (...) deve ser fundado no desejo
de cada sociedade de expressar sua profunda identidade... (WERTHEIN, 2003, p. 14).

A partir dessa definição de desenvolvimento resultante da Conferência Mundial do México, da


Unesco, em 1982, Werthein (2003) pergunta: “’Energia criadora e desejo de expressar identidade’ ... não
seria esta uma bela definição para cultura? Ou para desenvolvimento? Ou para os dois?”.

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Assim, como pensar políticas de inclusão e desenvolvimento sem levar em conta esses fatores: o
político-econômico e o cultural? Pensamos que a percepção ambiental, nesse sentido, surge como uma
alternativa ao menos para definições de ações que, para além de aplicações irreais, possam tentar
construir um mínimo de dignidade nas políticas de urbanismo nessas regiões. Consequentemente,
pensar nas dinâmicas urbano-regionais e nos seus conceitos fundantes: homogeneidade e polaridade,
para construir políticas de ocupação que favoreçam o desenvolvimento regional, principalmente que
sejam apoiadas, aderidas pelos habitantes desses setores.

Reflexões sobre a formação dos núcleos urbanos no Norte do Brasil

Segundo Higa (2011, p. 109-110) o processo de urbanização da Amazônia Brasileira tem


ocorrido sob condições as mais diversas, que abrangem tanto a peculiaridades vigentes em diferentes
períodos da história, muitas relativas aos movimentos políticos entre os quais destacamos as políticas
desenvolvimentistas sob a visão de vários governos, bem como as especificidades socioeconômicas e
políticas de cada Estado e de cada lugar desta região, o que amplia ainda mais as perspectivas de
definição do que é urbano na Região.
Até os anos 1960 as políticas de desenvolvimento para a região eram voltadas à necessidade de
ocupação desta parte do território nacional. Após este período, uma nova dinâmica surge com a
expansão da fronteira ocupacional por meio de empreendimentos agropecuários e mineradores,
destacando uma alta população migrante.
As longas distâncias, as dificuldades de acesso na região Amazônica contribuem não só para o
desconhecimento do resto do país de suas peculiaridades, mas também para a formação de centros
mais autônomos, para o desmatamento e para a ausência de fiscalização especialmente em relação ao
extrativismo.
Projetos ligados a políticas desenvolvimentistas atuais, como os barramentos de rios e a
construção de hidrelétricas, também provocam impactos sociais, culturais, ambientais e econômicos
que implicam em mudanças nos modos de vida e ampliam a heterogeneidade cultura destes locais.
Estas e outras questões nem sempre aparecem na execução de projetos urbanísticos para a formação de
núcleos urbanos ou intervenções urbanísticas nas cidades amazônicas.
Higa (2011, pp. 111-112) elenca quatro categorias em relação ao fenômeno urbano de
estruturação e funcionalidade das cidades na Amazônia: a) Capitais estaduais (referência na oferta de
serviços e grande desigualdade/diversidade populacional e econômica); b) cidades de apoio à
interiorização ocupacional (núcleos regionais de apoio à ocupação; c) cidades da fronteira ocupacional
(sedes municipais resultantes do adensamento político e econômico nas últimas quatro décadas,
destacando o norte do Tocantins e o Sul do Pará como áreas em expansão, pela agropecuária ou
mineração, e o extremo norte do país como áreas ainda incipientes); e d) cidades ribeirinhas (expressões

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da cultura amazônica ligada a atividades extrativistas, com formas peculiares de organização, identidade
e condições de vida).
São realidades distintas no qual o processo de urbanização verificado nas últimas décadas
“precisa ser entendido no bojo da complexidade das relações produtivas, econômicas e sociais vigentes
na dinâmica fronteira ocupacional” (HIGA, 2011, p. 114) a partir de dois momentos: o da formação da
cidade e o de sua expansão.
Segundo a autora, no primeiro momento o núcleo urbano surge vinculado a um processo de
colonização e formação de vilas que dão suporte á atividades como mineração e comércio em
entroncamentos rodoviários. O segundo momento, posterior, contempla o nível de expansão, definido
a partir da infraestrutura urbana e disponibilidade de serviços essenciais, da distância com outros
centros urbanos, da estrutura vigente no meio rural e do sucesso das atividades econômicas
implantadas.
Vivemos um momento de pleno crescimento econômico no qual programas federais de
distribuição de renda impulsionam o surgimento de novos assentamentos e loteamentos em todas as
regiões do País. As novas propostas desenvolvimentistas encontradas no Norte são pressionadas pela
modernização da indústria e da agricultura da região Sudeste (PINHEIRO et. al.,2011, p. 148).
Nas grandes cidades brasileiras vemos que a falta de planejamento tem levado a uma situação de
caos, acarretando graves problemas sociais como o aumento constante da criminalidade e desastres
ambientais. Por todos os lados vemos cidades surgindo sem planejamento algum, e o que é pior,
quando existe um plano de ocupação, o mesmo é feito para atender necessidades de investidores.
Este panorama tem sido objeto de estudo de inúmeros pesquisadores das mais variadas áreas,
de forma que questões ligadas à ocupação de territórios e impactos ambientais são amplamente
discutidas nos mais diversos setores da sociedade. Mas os projetos continuam sendo desenvolvidos,
loteamentos sendo implantados e as cidades continuam crescendo muitas vezes sem incluir o próprio
discurso desenvolvimentista pregado pelos governos.
Nesse contexto de desenvolvimento econômico e de novos fluxos migratórios, especialmenteo
sul e sudeste do Pará tem experiementado na última década o surgimento de cidades médias e pequenas
e consequente complexização de suas funções para a região. Segundo Santos (apud Pinheiro et. al.
2011, p. 160. Grifos dos autores) o que tem ocorrido nao é apenas a urbanização da população e da
sociedade, mas, principalmente, a urbanização do território.
Nesse ínterim, mais um conceito proveniente desse contexto, o de ruralização, proposto por
Machado (apud PINHEIRO et. al., 2011, p. 160. Grifo dos autores) que é evidenciado pelo surgimento
e de novas dinâmicas conferidas a pequenas cidades nessa região, nos apresenta uma perspectiva
interessante de analisar o surgimento destes núcleos urbanos. Esse conceito nos permite questionar, ou
melhor, dinamizar o próprio conceito do urbano e inserir aspectos socioculturais e mesmo ambientais
no estudo destas cidades e dos problemas sociais enfrentados.

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Na região Norte do país vemos outra situação peculiar: núcleos urbanos precários formados a
partir de uma política de Estado de redistribuição de terras e renda. A formação de núcleos urbanos na
região Norte, especialmente no Norte do Tocantins e sul e sudeste do Pará, deve ser pensada a partir
dos seus aspectos sociais, ambientais e culturais, através da percepção dos agentes envolvidos na
construção e modificação deste espaço. Por outro lado, vemos crescer, mesmo em pequenas cidades do
interior, quadros das violências e problemas sociais como em qualquer cidade grande.
Mas, além disso, se a perspectiva é o desenvolvimento, outros aspectos entram em jogo. As
desigualdades decorrentes dos novos setores urbanos englobam também o conceito maior de Cultura.
Boa parte das intervenções e projetos de urbanização encontrada no norte do Tocantins e Sul do Pará
não contempla a realidade com a qual nos deparamos nessa região. Assim, cultura, desenvolvimento e
indicadores culturais devem ser conceituados e melhor explicitados nos programas de planejamento de
setores urbanos.
Vários núcleos de assentamentos, após alguns anos de implantação, apresentam alguma
complexidade, assim como uma série de deficiências no que diz respeito à infraestrutura e oferta de
serviços públicos básicos, o que causa problemas sociais e impactos ambientais significativos. Contudo,
mesmo dentro deste panorama de precariedade estes núcleos urbanos apresentam um papel importante
no desenvolvimento econômico dos municípios em que estão inseridos.
Após alguns anos de implantação, percebemos que estes assentamentos apresentam alguma
complexidade, assim como uma série de deficiências no que diz respeito à infraestrutura e oferta de
serviços públicos básicos, o que causa problemas sociais e impactos ambientais significativos. Contudo,
mesmo dentro deste panorama de precariedade estes núcleos urbanos apresentam um papel importante
no desenvolvimento econômico dos municípios em que estão inseridos.
É especialmente nesses contextos que generalizações e soluções “salvadoras” podem surgir,
principalmente quando dentro desses núcleos surge a violência. “É necessário distinguir entre diversas
práticas sociais e culturais. [...] Um dos objetivos dos indicadores culturais para a relação violência-
cultura é precisamente poder construir categorizações que ajudem a esclarecer o mundo caótico da
violência” (GAUTIER, 2003, p. 69).
Diante disto, investigar essas formações urbano-rurais assim como compreender como estes
núcleos se inserem ou modificam a paisagem e o meio-ambiente da região em que está inserido é
fundamental para que possamos estabelecer bons parâmetros de ocupação para a Região Norte do País,
de forma a manter-nos afastados dos erros cometidos no passado, nas grandes cidades brasileiras. Uma
das ferramentas para esse entendimento é a percepção ambiental, linha ainda recente em fase de
construção de procedimentos metodológicos mais aceitos.
Pelo exposto, a observação destes núcleos urbanos propõe algumas ações para o
estabelecimento da formação do espaço urbano, entre outras:

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1. Observação sistemática de dados sociais, culturais, econômicos, produtivos e de perfil


urbano e rural da região e seu entorno; é preciso entender a funcionalidade desses núcleos no contexto
regional, o seu nível de isolamento de outros centros e as especificidades/heterogeneidade da
população e seus diversos interesses e objetivos na ocupação e permanência no lugar.
2. O planejamento com vistas ao desenvolvimento urbano que atendam aos processos de
intervenção urbana e aos dados culturais presentes no estudo anterior. Os dados acima relatados devem
compor os projetos desde os aspectos urbanos e intervenções físico-territoriais: Rede viária e infra-
estrutura de esgotos; drenagem superficial e profunda; aterro sanitário; definição de áreas públicas, de
lazer e de preservação ambiental. E inserir-se nas intervenções político-administrativas: Implantação de
zonas de usos; implantação do perímetro urbano e de expansão urbana; medidas de controle de trânsito
e tráfego, hierarquização do tráfego urbano, ordenamento do trânsito e sinalização viária; programa de
incentivo a exploração do turismo; programa de exploração de reservas extrativistas; serviços básicos à
população; serviços de saúde ambulatoriais e de emergência; escolas e creches ou centros comunitários;
disponibilidade de centros de ensino superior e outros programas de qualificação profissional na região;
definição de parque industrial; controle de resíduos sólidos; programas de educação ambiental.

Considerações finais

Segundo Hofling (2001, p. 31), “políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão
de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos
benefícios sociais visando à diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico”. Este ensaio não defende simplesmente a implantação de consideração a exploração
de novas fronteiras econômicas e produtivas mas também a complexidade socioambiental deste pedaço
da Amazônia Legal em vista a criar espaços urbanos que atendam também a interesses menos
imediatistas, visando a relação da sociedade com o ambiente, tanto da população nativa como dos
grupos migrantes.
Investigar o surgimento de um núcleo urbano assim como a compreensão de como este núcleo
se insere ou modifica a região em que está inserido é fundamental para que possamos estabelecer bons
parâmetros para a Região Norte do País, de forma a manter-nos afastados dos erros cometidos no
passado, nas grandes cidades brasileiras.
Dada a complexidade urbana destes núcleos e paralelamente à sua heterogeneidade cultural, no
que se incluem relações intrínsecas dentro das delimitações do urbano e do rural, os estudos sobre estes
complexos urbanos devem ser menos negligenciados, pois contam uma importante parcela da história
do desenvolvimento ocupacional do Norte do Brasil, reforçado pela emergência de centros urbanos
importantes, como as capitais e cidades de apoio ou de fronteira de povoamento.

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Mas não só, novos aspectos socioculturais são demarcados e o planejamento urbano nesse
contexto não pode simplesmente refletir ou replicar projetos já implementados em outras regiões, quer
tenham sido bem ou mal sucedidos.

Referências

CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.


GAUTIER, A. M. O. Indicadores Culturais para tempos de desencanto. In. VV.AA. Políticas Culturais para o
desenvolvimento: uma base de dados para a cultura. Brasília: UNESCO Brasil, 2003.
HIGA, Teresa Cristina Cardoso de Sousa. Dinâmica urbano-regional na Amazônia. In. PEREIRA, R. H .M.;
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HOFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cad. CEDES [online]. 2001, vol.21, n.55, pp.
30-41.
MARICATO, Ermínea. Globalização e política urbana na periferia do capitalismo. Revista CeraCidade. Ano IV, Nº
4. Março de 2009.
MIRANDA, Elis de Araújo. Leitura de uma paisagem luso-amazônica. In. OLIVEIRA, José Aldemir de (org). Cidades
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PINHEIRO, A. de C. L.; PENA, H. W. A.; AMARAL, M. D. B. ; HERREROS, M. M. A. G. Dinâmica urbana no
estado do Pará (2000-2008). In. PEREIRA, R. H .M.; FURTADO, B. A. (orgs). Dinâmica urbano-regional: redes
urbanas e suas interfaces. Brasília: IPEA, 2011. Pp. 146-183.
RODRIGUES, Arlete Moysés. Conceito e definição de cidades. In. OLIVEIRA, José Aldemir de (org). Cidades
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WERTHEIN, J. Introdução. In.: VV.AA. Políticas Culturais para o desenvolvimento: uma base de dados para a cultura.
Brasília: UNESCO Brasil, 2003.
WHYTE, Anne V.T. Guidelines for field studies in environmental perception. Geneva-Switzerland: UNESCO, 1977.
Disponível em: http://unesdoc.unesco.org/images/0002/000247/024707eo.pdf. Acesso em agosto de 2013.

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Um desenvolvimento autônomo para a Amazônia como
resposta ao ambientalismo político

Marcelo de Moura Carneiro Campello1

Introdução

A
Amazônia brasileira necessita urgentemente de um padrão de desenvolvimento regional que
possa alterar a dinâmica econômica dominante baseada na exploração predatória de recursos
naturais e fornecer aos seus habitantes os benefícios e as inúmeras possibilidades de
utilização de seu patrimônio natural de uma maneira autônoma e integrando processos políticos
comuns através da inauguração de uma escala de ação nacional-continental.
A utilização dos recursos naturais por meio de métodos racionais, a valorização de cadeias
produtivas das populações tradicionais e a formação de novos processos econômicos que levem em
conta as especificidades naturais da Amazônia podem, por um lado, garantir a sustentabilidade da
floresta e, por outro, evitar ingerências externas sobre a região sob um discurso amplamente
contraditório. A contradição se instala através da promulgação de padrões de desenvolvimento pré-
concebidos em fóruns globais pelos principais agentes político-econômicos do sistema interestatal
capitalista que visam à mercantilização dos elementos da natureza e à ‘solução’ dos problemas
ecológicos, sobretudo nos resquícios de biodiversidade global presentes nos países periféricos e
semiperiféricos, pelo domínio de tecnologias ‘verdes’, da imobilização de grandes espaços naturais e da
possibilidade de apropriação do patrimônio genético regional pelas grandes corporações econômicas
dentro de um contexto capitalista de ‘neoliberalismo ambiental’.
A imobilização do patrimônio natural não corresponderá à ‘solução’ dos problemas ecológicos
da região. A criação de parques e reservas naturais pode ser um meio fundamental para a manutenção
de pontos da biodiversidade, mas não solucionam a questão socioeconômica e ambiental que atinge a
Amazônia e seus habitantes. Faz-se necessário implantar modelos produtivos que aproveitem as
vantagens naturais e o conhecimento das populações tradicionais e criar mecanismos políticos que
modifiquem a histórica estrutura produtiva conservadora e ‘ecoagressiva’ da região.
A simples imobilização de grandes reservas florestais reduzirá as possibilidades de utilização da
grande biodiversidade regional, que se constitui como um dos grandes trunfos de um sistema capitalista
‘esverdeado’, e não trará benefícios profundos aos amazônidas e ao bioma. A região precisa de uma
base econômica que sustente a floresta em pé, agregue valor aos seus produtos e distribua os benefícios
de sua utilização à população regional (BECKER, 2011).
1Professor de Geografia do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mestre em Economia
Política Internacional pelo Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, do Instituto de Economia, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEPI/IE/UFRJ).
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Entretanto, as práticas históricas ‘ecoagressivas’ patrocinadas pelo Estado brasileiro sobre a


Amazônia revelam a falta de capacidade de lidar com tão complexa região, tornando o bioma
vulnerável aos impactos antrópicos e fornecendo elementos para a crítica de um discurso ‘ecológico’
vazio, que não questiona o próprio modelo capitalista de produção e de organização social, e dando
margem, também, às ingerências políticas globais sob um pretexto da ameaça das mudanças climáticas.
As próprias mercadorias do modelo agroexportador brasileiro, baseado em uma economia de fronteira,
são produzidas através de métodos arcaicos e de relações capitalistas de trabalho que perpetuam as
desigualdades.
Análise recente da BBC (2011) enfatiza que enquanto China, Índia e Rússia têm criado leis para
proteger suas florestas e agem para recuperar o que já foi devastado, o Brasil segue na contramão,
desmatando mais do que é reflorestado.
O futuro ecológico da Amazônia e o desenvolvimento socioeconômico da maior parte da
população regional, que não estão incluídos no modelo econômico predatório vigente, dependem de
uma nova forma de inserção da Amazônia na economia-mundo. Desenvolver o patrimônio natural ou
explorar o território no ritmo do agronegócio e na exportação de commodities? Repensar a forma de
utilização do patrimônio natural amazônico como estratégia de defesa e soberania nacional-continental,
e a promoção de justiça socioambiental à população, constituem-se como os principais desafios para a
região.
Este trabalho foi dividido em duas seções. A primeira seção aborda algumas características do
atual processo de integração sul-americana através de um enfoque amazônico e discute os riscos
geopolíticos associados à dificuldade de definir um modelo de desenvolvimento regional. A segunda
seção apresenta algumas contribuições para a construção de um modelo de desenvolvimento, defesa e
utilização do patrimônio natural da Amazônia.

O duplo dignificado geopolítico da integração regional

A integração regional é uma tentativa antiga de nações com processos históricos de colonização
exploratória e repressão econômica similares para tentar vencer o subdesenvolvimento. Num
continente marcado pela supremacia política, econômica, cultural e militar dos EUA, a integração
massiva dos países latino-americanos esbarra na dicotomia ideológica daqueles que apoiam a liderança
dos EUA e aqueles que vêm a sua presença como entrave ao desenvolvimento independente da região
(MEDEIROS, 2009).
Os empreendimentos de integração subcontinental em andamento colocam a Amazônia como a
força impulsionadora de ligação entre os vizinhos, mudando o eixo da bacia do rio da Prata e dos
Andes, para a floresta transfronteiriça. No entanto, a complexidade ambiental ainda não conhecida e
mal utilizada, as hostilidades naturais e geográficas da região, e a própria história de incorporação e
posterior isolamento secular da floresta nos Estados nacionais, além da matriz extremamente
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economicista e agroexportadora dos projetos, muitos concluídos, suscitam cada vez mais debates entre
ambientalistas e diversos segmentos sociais sobre a escolha deste modelo de desenvolvimento que se
pretende na Amazônia. A região é mal integrada internamente e também externamente entre os nove
territórios do continente que a compõem.
A integração entre Estados nacionais representa um processo de inter-relacionamento e
interdependência multidimensional dentro de um contexto contemporâneo de globalização e de
regionalização da economia-mundo. Ianni (1999) aponta que a regionalização econômica pode ser vista
como um processo por meio do qual a globalização recria a nação, de modo a inseri-la na dinâmica da
economia-mundo transnacional. A regionalização econômica é estimulada porque, ao se integrarem as
economias nacionais, redefine fronteiras e políticas econômicas, além de rearticular as forças
produtivas. Tal processo se constitui como parte integrante de um novo parâmetro para a articulação
das nações e do desenvolvimento do capitalismo.
Os impactos da globalização e da regionalização concomitantes ao avanço tecnológico da
informática, do incremento da conectividade global através de múltiplas redes e dos meios de
telecomunicação, informação e transportes, reduziram as distâncias e a compressão da relação espaço-
tempo. A multiplicação dos tratados bilaterais e de acordos regionais visando a incrementar as relações
políticas e socioeconômicas são parte do fenômeno da globalização e da revolução científico-
tecnológica.
A integração da América do Sul pode consolidar a hegemonia do Brasil no contexto regional e
definir o subcontinente como sua área de influência. A Amazônia poderia ser parte importante nesse
processo e o seu desenvolvimento pautado no conhecimento da natureza seria fundamental para o
futuro da região e também para uma nova colocação geopolítica do Brasil na no sistema interestatal
capitalista.
Com diferenças entre o discurso de 1990, o do regionalismo aberto, e o atual, embora não tenha
havido uma guinada de 360º, especialmente no campo da infraestrutura, a estratégia do Estado
brasileiro é a de assumir sua liderança natural na América do Sul com ações visando à articulação
regional. Todavia, a integração, para ser de fato consolidada, deve vencer a matriz exclusivamente
comercialista e financeira, mas abarcar sociedade e a cultura e, até mesmo, alcançar a
multidimensionalidade da integração. O processo de buscar uma identidade econômica continental
deveria englobar aspectos sociais, culturais e políticos, levando-se em conta as especificidades naturais
da Amazônia. A região deve ser vista como um trunfo político e a sua natureza como uma vantagem
competitiva, não podendo ser compreendida em sua totalidade como uma gigantesca barreira
geográfica exportadora de commodities.
Becker e Egler (1992) já colocavam no início da década de 1990 os diferentes interesses
externos e a dificuldade nacional em definir uma agenda autônoma para a Amazônia.

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A disputa por hegemonia entre as potências se desvela na polêmica sobre a construção e


pavimento da Rodovia BR-364 que, ligando o Estado do Acre ao Peru, completa a articulação com a
Rodovia Transamazônica e acelera a conexão com o Pacífico Sul, onde interesses japoneses são cada
vez mais intensos. Neste cenário, os EUA exercem pressão sobre o Japão para não liberar recursos para
o término da rodovia, no sentido de manter a tradicional porta amazônica aberta para o Atlântico e o
Caribe (BECKER E EGLER, Op. Cit., p. 252).
Atualmente, em um contexto global com a emergência da China como potência econômica e
comercial, a região vem se consolidando como uma área estratégica para o mercado desse país. A
China, inclusive, injeta elevados recursos financeiros para a construção de projetos de infraestrutura de
‘integração’ regional que já funcionam, na verdade, como corredores de exportação de commodities.
Na região, diversos estudos comprovam que há uma ligação direta entre o asfalto e a devastação
(PICOLI, 2006). Com o exemplo da BR-163, a perda de biodiversidade e a degradação ambiental ao
longo das rodovias são ainda maiores em razão da não incorporação dos riscos socioambientais e da
falta de visão holística das ondas de investimentos na Amazônia, desde o regime militar ao atual
Programa de Aceleração do Crescimento, acarretando projetos que levam ao desmatamento e à
migração, além de um tipo de desenvolvimento tradicional e predatório baseado no transporte
convencional para o interesse e o lucro de atores externos à região.
A fronteira econômica é um espaço de alto interesse e valor estratégico para a exploração e
investimentos de capital. Com grande parte dos recursos naturais já explorados e com potencial já
conhecido, as reservas minerais, hídricas e de biodiversidade da Amazônia possuem valor inestimável.
A região também representa a última fronteira brasileira e, em algumas hipóteses, global, e apresenta
centenas de grupos indígenas e ribeirinhos, colonos, assentados, grupos extrativistas, dentre outros
grupos tradicionais, que não estão inseridos nos projetos de integração em andamento.
Neste contexto uma questão se coloca tanto frente às políticas econômicas como às propostas
de ambientalistas acerca da proteção do bioma. Este modelo de desenvolvimento pode contribuir para
a integração regional e para o desenvolvimento da Amazônia, fortalecendo a economia e a defesa da
floresta na lógica do desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo, favorecer a geração de riqueza e
renda para as populações regionais, até então colocadas à margem deste processo?
Os eixos rodoviários que se encontram na Amazônia são verdadeiras pinças sobre a floresta e a
problemática ambiental surge como contraponto ao aspecto econômico, pois, como se tem visto, não
se discutem outras políticas concomitantes ao desenvolvimentismo convencional. Para a região se
desenvolver, é preciso integrá-la com práticas, ações e modelos que agreguem valor e preservem o
capital natural, bem como respeitem as diferenças culturais. A Amazônia possui interessante
complexidade socioambiental, portanto suas questões demandam ações particulares voltadas para a
sustentabilidade do bioma.
Inegavelmente a Amazônia precisa de uma articulação sólida no espaço para se explorar a

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complementaridade entre as diversas economias, colocar as cidades como promotoras do


desenvolvimento e como espaço de fluxos, com processos produtivos além de commodities e
organizando a estrutura e a dinâmica regional. Formas sustentáveis e eficazes de integração seriam
incentivar a multidimensionalidade, isto é, equipar portos e hidrovias, além da construção de ferrovias
para maiores distâncias e de pequenas rodovias para o trajeto de pequenas e médias. O que se questiona
é a definição de prioridades e a discussão da sustentabilidade ambiental dos projetos para a emergência
de um desenvolvimento regional sem destruir a natureza e o conhecimento popular tradicional, e que
não dê margem de atuação aos movimentos ambientalistas conservadores.
Que forma de integração deve ser proposta para que a o capital natural seja preservado e os
amazônidas beneficiados? O desenvolvimento proposto pode tornar a região palco de grandes eixos de
exportação de commodities para os grandes centros comerciais do continente e também para além-mar,
patrocinando os desastres ambientais, ou atuar na dinâmica de valorização das riquezas naturais e dos
habitantes da Amazônia, os verdadeiros protetores deste patrimônio natural.
O modelo proposto de desenvolvimento pelo governo nacional e pela Iirsa (Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana) é criticado pelos opositores, ambientalistas e
movimentos sociais, pois o modelo convencional de integração, isto é, os eixos rodoviários, poderá
servir de alavanca ao avanço da fronteira móvel agropecuária e na exportação de produtos primários
(carne e grãos), especialmente para o mercado asiático (China), além de contribuir para o fenômeno de
migração e urbanização da pobreza.
Há uma relação direta entre desflorestamento, pecuária extensiva e a moderna agricultura (lê-se,
agricultura mecanizada e concentradora de terra). O corte de madeira, legal ou não, é a premissa para a
cadeia produtiva dominante na Amazônia. Com os pastos, o gado prepara a terra para a agricultura de
grãos, expandindo cada vez mais o arco do desmatamento e adentrando a fronteira agrícola para o
coração florestal2.
A problemática e a formulação de uma agenda ambiental é extremamente complexa de ser
definida, pois envolve interesses econômicos de grandes conglomerados e lobbies políticos, por um lado,
e os impactos socioambientais associados aos empreendimentos, em sua maioria, conservadores do
modus operandi e concentradores de riqueza, dificultando a tomada de decisões nesta complexa e
diversificada região.
Sobre a integração física de regiões, há um amplo consenso e vinculação entre a melhoria de
infraestrutura e desenvolvimento regional, mas o transporte sozinho não traz desenvolvimento
(BECKER, 1982; HIRSCHMANN, 1958). Becker et al (2008) contribuem à discussão afirmando que o
transporte em si, isoladamente, não é fator de desenvolvimento, favorecendo o crescimento dos pontos

2 Conceito de Becker (2010) para salientar um contínuo florestal relativamente preservado e com elevadíssima taxa de
biodiversidade.

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conectados, mas não da área situada ao longo do eixo. Hirschmann (Op. Cit.) afirma que a imposição de
uma estrutura uniforme e autoritária, que não leva em consideração as especificidades locais, induz às
desigualdades econômicas. Portanto, é preciso discutir a forma de integração em andamento e que tipo
de desenvolvimento se pretende na Amazônia sul-americana.
Na Amazônia, como visto em experiências a partir da segunda metade do século XX, o
desenvolvimento ocorreu nas pontas do processo, favorecendo o lucro de pessoas e cadeias produtivas
exógenas à região e incentivando o ciclo rodovia–migração–desflorestamento–pasto–pecuária e/ou
grãos. Inegavelmente é preciso a integração da Amazônia, mas como salienta Huntington (1997),
divorciada da cultura, a proximidade não gera por si só aspectos em comum, mas pode induzir
exatamente o oposto.
Porém, há iniciativas internas e externas que se chocam com os interesses e a estabilidade da
região. Cresce o número de bases dos EUA ao redor da Amazônia, especialmente na Colômbia e no
Peru. Governos de ideologias políticas diferenciadas entram constantemente em choque de colisão e a
(des)ordem institucional de governos democráticos ameaça a estabilidade subcontinental, criando
sucessivas crises nas relações internacionais. O futuro da Amazônia deve ultrapassar o jogo político.
Com o pós-II Guerra Mundial, a posição da América Latina nas questões globais pouco se
alterou, exceção a Cuba, grande ator nas relações internacionais na época da Guerra Fria, e ao Brasil,
neste século. Continuamos a ser um emaranhado de Estados nacionais com pouca representatividade e
força política, extremamente dependentes dos países centrais e com territórios abertos para o capital
internacionalizado. Com a globalização, contudo, dois importantes aspectos surgem com força: i) o
regionalismo econômico internacional3; ii) e a globalização dos mercados. Nos últimos trinta anos
proliferaram acordos políticos e comerciais bilaterais e multilaterais no continente. O Pacto Andino, o
Mercosul, a Unasul, a Aladi e a Iirsa foram algumas das iniciativas propostas de maior integração,
sobretudo econômica do continente.
A Iirsa, por exemplo, surge em 2000, e tem grande impulso a partir do primeiro governo Lula
(2003-06). Com objetivos estritamente econômicos de integração regional, a estratégia dos doze
governos signatários da América do Sul, sob a liderança e maciços investimentos do Brasil, é equipar o
continente com infraestrutura energética, de transportes e de comunicações e informação.
Grandes empreendimentos que vêm sendo implementados por iniciativa da Iirsa e da União de
Nações Sul-Americanas (Unasul) podem levar ao avanço da fronteira agropecuária para a floresta
ombrófila densa e, assim, perderemos a biodiversidade que a natureza levou milhões de anos para
constituir. Reduziremos nossas chances de reivindicar e assumir nossa soberania política e econômica

3 O processo de regionalização econômica tem forte impulso no pós-Segunda Guerra Mundial na Europa. A necessidade de
reconstrução de economias arrasadas pelo conflito de 31 anos – 1914/45 –, como afirma Hobsbawm (1995), aproximou
mercados com acordos multilaterais e redução de barreiras tarifárias. Nos últimos cinquenta anos multiplicaram-se os
acordos comerciais em diversas partes do mundo, em especial, citam-se a União Europeia, o NAFTA e a ASEAN.

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frente à cobiça internacional a partir de uma estratégia de defesa baseada em um novo modelo de
desenvolvimento. A própria colocação geopolítica do Brasil como uma liderança regional fica ameaçada
no sistema interestatal capitalista.
Urge a necessidade de um salto de qualidade na apropriação da natureza. Reproduzir esquemas
exógenos não significa agregar valor à economia da região, mas torná-la refém de modelos que
perpetuam nossa condição na divisão internacional do trabalho, devastam a terra e desvalorizam o
conhecimento e a população regional.
A Iirsa foi idealizada como estratégia para a integração econômica sul-americana perseguida por
diferentes segmentos defensores da lógica da globalização capitalista, como governos, empresas
transnacionais e instituições financeiras multilaterais. Seus projetos vêm promovendo uma
modernização conservadora. Os eixos rodoviários que já cruzam e/ou cruzarão territórios protegidos,
terras indígenas e zonas importantes para a conservação da biodiversidade, já provocam reações de
ONGs e movimentos sociais, com destaque para a Madre de Dios-Acre-Pando (MAP), na fronteira
Peru-Bolívia-Brasil, área de influência da Rodovia Transoceânica4(Becker, 2004).
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)5, proposto no primeiro ano do segundo
governo Lula, em 2007, e o PAC 2, lançado em março de 2010, são políticas intrinsecamente associadas
à estratégia da Iirsa de equipar o continente sul-americano, em especial, a região Amazônica, com
infraestrutura voltada para as estratégias comerciais com base em investimentos em transportes (em sua
maioria, modelos convencionais) e de energia.
Ações concretas da Iirsa e dos governos sul-americanos a partir da primeira década do século
XXI obedecem a realização de projetos e políticas de maior integração entre os Estados nacionais do
continente. A expansão do Mercosul e de outros acordos multilaterais, a criação da Unasul, em 2007, da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), de 2009, sediada em Foz do Iguaçú,
foram medidas que podem favorecer o intercâmbio sociocultural entre os países.
A Amazônia – verdadeiro coração geográfico da América do Sul – pode e deve ser incentivada
como o polo de integração e articulação regional, fortalecendo a soberania dos Estados nacionais que
fazem parte da bacia amazônica, mas também daqueles que compartilham de um passado colonial de
exploração, submissão e subdesenvolvimento?
A Amazônia pode contribuir para o desenvolvimento regional através de um novo modelo de
desenvolvimento, de autonomia e de defesa da floresta que valorize o patrimônio natural e

4 A rodovia Transoceânica, por exemplo, é um dos eixos de interligação proposto pela Iirsa que tem como objetivo
conectar o oceano Atlântico ao oceano Pacífico, constituindo um corredor bioceânico que cruza a Amazônia Ocidental,
parte dos Andes até chegar aos portos peruanos.
5 As obras de construção de hidrelétricas atualmente em voga no país, especialmente na Amazônia, como as de Santo

Antônio e Jirau, no rio Madeira (RO), e Belo Monte, no rio Xingu (PA), são parte integrante do contexto proposto pela
Iirsa, na esfera continental, e pelo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC –, em nível nacional.

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sociocultural. A chave deste processo vai depender de nossa capacidade de reorganizar e articular o
subcontinente – uma das mais antigas periferias do sistema-mundial capitalista (BECKER, 2009B)?
Trata-se de uma região que sofre os efeitos não apenas do passado colonial e ingerências
externas dos hegemon globais, mas de uma enorme historiografia de preconceito do dominador. Embora
com problemas, perspectivas e contextos internos diferenciados entre os Estados nacionais, aspectos
comuns unem a região. Uma questão pouco debatida nos grandes fóruns econômicos e socioambientais
globais sobre a região é a defesa da natureza e a soberania do território num contexto que não seja
utópico (o sonho dos ambientalistas primeiro-mundistas) e nem predatório (o desejo dos grandes
conglomerados internacionais).
Um novo modelo de desenvolvimento urge para contrapor a pressão ambientalista que reina
sobre a região e a devastação patrocinada pelos Estados nacionais sul-americanos. Mais do que
aumentar a taxa de exportação baseada em commodities, trata-se de se apropriar do que o território tem
de melhor, agregando valor às trocas, modificando estruturas internas arcaicas e passando de um
modelo econômico produtivo fordista para um pós-moderno pautado no conhecimento da natureza e
com base em ciência, tecnologia e inovação (CT/I). Porque exportar commodities e minerais e não
investir em CT/I visando à industrialização e inaugurando uma revolução industrial pautada no
conhecimento sobre a natureza? (BECKER, 2009A).
Como alternativa de desenvolvimento socioeconômico e ambiental viável é preciso atribuir
valor à floresta em pé e valorizar a biodiversidade e os produtos da região como forma de impedir o
desmatamento e o esgotamento dos recursos (BECKER E STENNER, 2008).
Precisamos nos apropriar desta riqueza como forma de ultrapassar a condição de periferia
mundial e afirmar a nossa soberania. Iniciativas de integração regional além das em andamento, isto é, a
implementação de infraestrutura física de transportes, energia e telecomunicações, com capital maciço
dos governos nacionais, surgem com a crítica que podem favorecer somente os grandes conglomerados
internacionais e tornar a Amazônia um imenso corredor primário-exportador do coração da América
em direção aos mercados emergentes do Pacífico, principalmente em direção à China.
Os benefícios da preservação ambiental e tampouco da integração em andamento para a
população regional ainda não estão claros e nem sendo vistos. Constata-se que há mais do que
interesses econômicos e políticos, mas também estratégias de apropriação geoeconômica de atores.
Movimentos sociais, ONGs e membros da academia levantam-se contra esse modelo autoritário e de
degradação ambiental mas, na maior parte da vezes, não se posicionam com clareza e tampouco
criticam a essência mercadológica do sistema capitalista.
Valorizar a cultura latino-americana, resgatar e reescrever nossa historiografia também são
formas de iniciar a integração dos países que estão, na maioria das vezes, voltados mais para o ‘Norte’ e
de ‘costas’ para os vizinhos. Reivindicar uma história cultural diferenciada não quer dizer que somos

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inferiores. Pelo contrário, apesar de presos a uma dominação histórica dos tempos coloniais até os dias
atuais, temos autonomia e não somos produtos de uma artificialidade do dominador.
Como aproximar países que estão de costas uns para os outros? O aspecto econômico deve
complementar a integração desses países. A integração entre os Estados nacionais implica um processo
de inter-relacionamento e interdependência multidimensional perpassando aspectos socioculturais e
políticos, isto é, os aspectos econômicos devem ser parte da integração, e não a integração em si
(BARBIERO; CHALOULT, 2001). Conciliar a natureza, a cultura e a economia é uma premissa
imposta pela integração. A Amazônia também é o território que une os países, os diversos povos
originários, e onde a floresta e a bacia hidrográfica ultrapassam as fronteiras nacionais - do Atlântico ao
Pacífico, chegando ao Caribe, aos Andes, ao Pantanal e ao Cerrado. A Amazônia é a grande riqueza e é
a região transfronteiriça sul-americana. Além do aspecto natural e fisiográfico, a variedade étnica e
linguística é uma vantagem competitiva regional.
Este milênio promete ser o do conhecimento daqueles que se apropriarem do melhor
aproveitamento da tecnologia, da natureza e da biodiversidade. Os países que agirem neste modelo de
desenvolvimento, em consonância com a sustentabilidade do meio e das próximas gerações, serão os
líderes de um novo momento histórico e de uma nova geopolítica das nações. Assim, a revolução do
pensar e do agir sobre a natureza, inclusive com o valor econômico dos serviços ambientais, pode levar
os Estados amazônicos ao topo da inovação de patentes.
Pensar a Amazônia apenas como fronteira agropecuária ou mineral é desvalorizar os milhões de
anos da construção da biodiversidade. Os países centrais já sabem do valor estratégico da natureza e
começam a expandir seus domínios sobre os hotspots6 globais. A utopia sobre o conservacionismo
ambiental impede o melhor aproveitamento da natureza e, ao contrário, não controla o avanço da
degradação.
Algumas ações devem ser colocadas como agenda dos Estados-nacionais: i) a recuperação de
áreas degradadas aliada às pesquisas visando ao aumento da produtividade agrícola e da pecuária
intensiva; ii) a regularização de leis severas contra o desflorestamento; iii) equipar melhor o Estado nas
regiões amazônicas; iv) apoiar os instrumentos de certificação de produtos sustentáveis; v) e no caso
brasileiro, modificar o viés mercadológico e ruralista do Código Florestal e repensar o papel das
commodities na Balança Comercial. Sawyer (2009) afirma que a iniciativa mais ousada seria uma moratória
privada e pública, no Brasil e no exterior, contra a compra de produtos provenientes de áreas de
desmatamento novo, não apenas para a soja na Amazônia, mas também incluindo o Cerrado e outros
biomas ao redor do mundo.

6O conceito de hotspot foi criado pelo ecólogo inglês Norman Myers, em 1988. Para Myers, hotspots seriam as regiões que
concentram os mais altos níveis de biodiversidade e onde as ações de conservação seriam prioritárias. São consideradas
hotspots áreas com pelo menos 1500 espécies endêmicas de plantas e que tenham perdido mais de três quartos de sua
vegetação original.

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À agenda devem ser incluídas a união e a integração. Antes de tudo os países amazônicos têm
que agir de maneira complementar e ter posições comuns no mercado internacional de commodities, e
não serem competidores ferrenhos. Daí a necessidade do Brasil, como a maior economia, território e
população do subcontinente, assumir a liderança natural na região.
A competição é uma característica do capitalismo, mas que pode levar aos conflitos e às crises
diplomáticas. Desse modo, neste início de século, ao que parece, nota-se a mera reprodução de
modelos esgotados de desenvolvimento pautados na degradação do patrimônio natural e no
esgotamento dos recursos naturais por parte dos próprios países sul-americanos, colaborando com a
crítica do discurso utópico ambientalista global.
A Amazônia Legal ocupa 2/3 do território nacional, e a bacia hidrográfica da Amazônia cerca
de 3/5 do continente sul-americano. Atravessa nove países, no entanto, sua frágil integração dentro dos
países e entre os países fronteiriços constitui uma das dificuldades encontradas na tomada de decisões e
na defesa e melhor utilização do patrimônio natural e cultural. Uma outra característica comum acerca
da soberania da Amazônia refere-se justamente à questão interna, isto é, a face interna da soberania. Os
países sul-americanos têm em comum a marginalidade do território amazônico e a fragmentação
socioespacial da Amazônia ao tecido econômico nacional; a baixa densidade demográfica, conflitos de
terra, isolamento secular, tráfico internacional de drogas e armas, a ameaça da biopirataria etc.
Sobre a Amazônia perduram imagens obsoletas e mitos que dificultam a tomada de decisão nas
políticas públicas e, além disso, complicadas por fortes conflitos de interesses quanto ao uso do
território regional. Acerca disso, Becker (2004) afirma que a regionalização pode ser um instrumento de
planejamento para o desenvolvimento e para a sustentabilidade quando as políticas estão adequadas às
diferentes realidades regionais. Um macrozoneamento da Amazônia sul-americana seria uma boa ação?
Os discursos da crítica ambientalista baseada em uma consciência-ecológica legítima e da lógica
integracionista devem atuar juntos na promoção do desenvolvimento voltados para a valorização do
patrimônio natural, para o intercâmbio socioeconômico e cultural dos amazônidas.
A forma de integração em andamento pode corroborar o discurso ecológico primeiro-mundista
e tornar a região um cenário imobilizado e utilizado pelos principais atores do sistema interestatal
capitalista com a política institucionalizada do ‘pagamento pelo direito de poluir’. É preciso repensar
também que tipo de desenvolvimento se pretende na Amazônia sul-americana, e como um novo
modelo de desenvolvimento autônomo pautado no conhecimento da natureza pode favorecer uma
estratégia de defesa e afirmação dos Estados nacionais na atual conjuntura do sistema interestatal
capitalista.

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A utilização do patrimônio natural como estratégia de defesa e desenvolvimento


para a Amazônia

Nas últimas décadas, a disputa por recursos naturais travadas por grandes conglomerados
internacionais e nacionais, a demanda por commodities e a utopia ecológica polarizam a discussão sobre o
futuro da região.
Na passagem do milênio e com a emergência da ameaça das mudanças climáticas, introduziram-
se a biodiversidade e os serviços ambientais como elementos de um novo modelo (BECKER, 2007).
Trata-se de uma novidade histórica que valoriza as funções dos ecossistemas e não mais apenas sua
estrutura, sinalizando para o novo modo de produzir baseado na informação e no conhecimento como
fonte de riqueza, capaz de utilizar sem vilipendiar o patrimônio natural (BECKER, 2009A).
Becker (2001;2005) resgata Polanyi (1944/1980) e aponta a mercantilização da natureza como a
novidade histórica e a grande transformação do nosso tempo. Os serviços que a natureza pode oferecer
são colocados no mercado (mercado do carbono, mercado do ar, mercado da água etc.,) como
mercadorias fictícias buscando, principalmente, a redução de emissões de gases do efeito estufa, a
regulação climática e a manutenção da biodiversidade e da função das florestas tropicais.
Na visão deste trabalho, tal discussão encabeçada, sobretudo pelo mecanismo REDD e pelo
mercado do carbono, não pode ser desprezada, mas não seria a melhor e nem a única solução para os
amazônidas, que são os verdadeiros protetores do bioma. Ambos se mostram incapazes de alavancar o
desenvolvimento regional autônomo e de garantir a defesa do patrimônio natural. Além disso, corre-se
o risco de ingerência externa e privatização (e imobilização) de grandes áreas florestais.
A população tradicional da Amazônia – nações indígenas, ribeirinhos, pequenos agricultores –
ficaria à margem do processo de acumulação de riqueza. O pagamento pelo direito de poluir manteria
as históricas desigualdades fundiárias na região. Isto é, seria uma premiação ao modelo latifundiário.
A valoração econômica pode ser uma estratégia de defesa do capital natural (MOTA, 2006),
mas é preciso conciliar também o aproveitamento de cadeias produtivas a partir do conhecimento
tradicional dos diferentes grupos culturais da região, além de inserir a população nesse processo,
buscando a promoção do bem-estar e de justiça socioambiental.
Buscar um modelo que utilize a natureza como estratégia de defesa e desenvolvimento aliado à
manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos é uma das formas de modificar as pressões
mercantilistas, ideológicas e utópicas sobre a região. Os Estados nacionais que estão inseridos na Bacia
Amazônica devem ter o controle deste território e serem os principais agentes de transformação. O
conhecimento e o inventário dos bens e serviços que a natureza pode oferecer têm que ser uma política
pública de Estado, independentemente da natureza do governo. O patrimônio natural, hoje, é um valor
estratégico e, por isso, deve ser parte do interesse nacional-continental, já que o desenvolvimento
regional depende de ações conjuntas e complementares dos Estados nacionais.

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A estratégia pode ser a de tornar a floresta um ‘laboratório vivo’ e CT/I, com foco na cura nas
próprias doenças e enfermidades que afligem a população regional, nos tratamentos preventivos
naturais e na produção de fitoterápicos, inclusive com a criação de uma empresa pública plurinacional
sul-americana no setor farmacêutico.
Como uma importante inovação institucional, a criação de empresas interestatais de gestão
conjunta dos países amazônicos para a questão do desenvolvimento do patrimônio natural é uma das
alternativas viáveis a serem discutidas na atual conjuntura global ambientalista com foco e pressões
sobre a Amazônia. Uma das premissas para isso seria a criação de universidades em áreas de fronteira
para formar mão de obra qualificada numa região continental tão carente de infraestrutura física e de
pessoal. A criação de tecnopolos, company towns e empresas estratégicas incentivaria a vinda de outras
que aproveitariam as vantagens locacionais e naturais do território.
O conhecimento regional deveria ser preservado e explorado pela ciência e tecnologia (dos
Estados nacionais) na criação de produtos extrativistas para produção de fármacos, fitoterápicos,
cosméticos, alta gastronomia, artesanato, arte etc., agregando valor à produção regional e formando
cadeias produtivas locais competitivas, inclusive com a distribuição de royalties pela utilização desse
conhecimento.
Qualquer que seja o resultado do debate sobre o modelo de desenvolvimento e/ou de
preservação em andamento, sabe-se, que hoje, os custos ecológicos e socioeconômicos do modelo atual
recaem sobre grupos populacionais que não participam dos benefícios decorrentes da imensa
acumulação de riquezas do modelo exportador de commodities agrícolas e minerais e tampouco da
privatização de milhões de hectares de florestas em proveito de grandes conglomerados empresariais
externos à região e de especuladores do mercado financeiro.
O desenvolvimento deve ser entendido como algo além de um representativo crescimento de
determinados setores da economia. Precisaria ser um desenvolvimento econômico aliado às melhorias
sociais e baseado na universalidade da saúde, que envolve o também acesso à cultura e à representação
política inclusiva e, em consonância e harmonia com o meio ambiente.
Para isso, a sustentabilidade deve estar aliada a um imperativo ético reformista. O sistema
interestatal capitalista necessita se reinventar para evitar sua autodestruição, tanto do meio ambiente
quanto dos homens!
Historicamente o capitalismo se recicla e se reconfigura. Em seu estágio atual, os rumos que as
biotecnologias seguirão podem determinar a perpetuação ou a solução de alguns dos problemas da
relação do homem com a natureza. A partir de um enfoque amazônico, a questão climática, da saúde
humana, do acesso a bens e serviços, além da promoção da justiça socioambiental são os principais
pontos que se colocam neste início de milênio.

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Referências
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em 12/12/2011

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Agricultura Familiar: caminho incerto à reterritorialidade

Marcleiton Ribeiro Morais1


João Rafael Rocha Dallabrida2

1. Introdução

A
expansão da monocultura destinada à exportação é um estigma do dito “desenvolvimento
da agricultura” no Brasil e no mundo. Decorrente da inserção do capital produtivo no
contexto agropecuário, a expansão das fronteiras agrícolas produziu disparidades frementes
ao ambiente rural, sobretudo a desarticulação da chamada agricultura familiar. De um lado, grande
sucesso comercial das culturas de exportação e, de outro, escassez relativa de gêneros alimentícios,
exploração predatória da natureza, escravização da mão-de-obra (ROMEIRO, 1998). A degradação da
natureza e a ociosidade da força de trabalho são recorrentes na geração de desequilíbrios climáticos e
urbanos, nessa ordem. Acrescenta-se a isso uma dose de escassez de alimento e tem-se a composição
“perfeita” para as piores mazelas e conflitos sociais.
Torna-se maçante dizer que o êxodo rural decorrente desse processo induziu o inchaço dos
grandes centros urbanos, ao mesmo tempo em que afastava o agricultor de seu território. Território
este responsável por produção de alimentos necessária à subsistência do homem do campo assim como
do homem urbano. Esse era o cenário antes da intromissão do capital produtivo e acumulativo.
Certamente a busca da produtividade necessária a atender o interesse consumista do atual
sistema econômico, é que tem provocado tais disparidades. Principalmente porque a produtividade dos
empreendimentos agroindustriais supera em grande montante o rendimento dos empreendimentos
familiares. De modo que, para ser competitivo e sobreviver, é preciso adotar pacote tecnológico que
exige elevados investimentos, bem como possuir uma área mínima relativamente grande ou ocupar um
nicho de mercado (BUAINAIN et al 2003).
A resultante desse processo é quase obvia, forte migração de pequenos produtores para áreas
urbanas e uma intensa desapropriação da cultura produtiva que outrora vigorava. Houve uma
expropriação involuntária desses campesinos que passaram, a partir desse momento, ocupar novos
espaços. Todavia, a falta de atributos compatíveis com o novo espaço de atuação, sobretudo o urbano,
estes acabaram por ficar à margem do processo de consumo, logo depois de serem excluídos do
produtivo.
Mais recentemente tem-se debatido a volta do homem do campo ao ambiente rural como
forma de reduzir conflitos urbanos assim como para fomentar a produção de alimentos que é

1 Mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano na Universidade Federal do Tocantins.


2 Graduado em Ciências Econômicas na Universidade Federal do Tocantins.
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insuficiente. Buainain et al (2003) coloca como condição necessária para eliminação da pobreza e de
suporte essencial a um processo de redistribuição de renda, um projeto de desenvolvimento rural
apoiado na produção familiar. Nesse sentido torna-se trivial levantar a seguinte questão: Quão salutar é
o modelo de desenvolvimento rural brasileiro, em especial os programas para a agricultura familiar, ao
propor um retorno do homem do campo ao campo, para “produzir para outros aquilo de que não tem
necessidade ou que não tem os meios de utilizar” (SANTOS, 2003). Este artigo propõe-se a discutir as
modificações ocorridas no contexto rural brasileiro e as políticas destinadas a esse setor, em especial o
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), com o intuito de contribuir com a
discussão e prerrogativas que permeiam o novo contorno do rural no Brasil.

2. Uma Nova Agricultura para um Novo Agricultor

É consenso que o pós-segunda guerra mundial marcou mudança de paradigma para a sociedade
em geral, sobretudo os contextos associados à possibilidade de desenvolvimento econômico. Entrou
em curso um período em que o padrão civilizatório dominante3, impulsionado justamente pela idéia de
“desenvolvimento”, forneceu subsídio para a implantação de um sistema que concentra e acentua as
diferenças socioeconômicas dos países.
Nesse ínterim, as nações desenvolvidas reduziram gradualmente a parte da população envolvida
no ambiente rural, enquanto que na maioria dos demais países essa parcela ainda significava grande
proporção. Além disso, a agricultura tinha papel importante nas economias e concentrava sua produção
baseada na subsistência. Logo após um longo período de dominação estatal, e antecedido por uma lenta
acumulação de inovações anteriores, constituiu-se uma nova e acabada “compreensão de agricultura”
que gradualmente se tornou hegemônica em todo o mundo (NAVARRO, 2001).
A intromissão de capital transnacional como meio planejado de “desenvolver” as economias
subdesenvolvimento tem fomentado o fracasso das mesmas, inclusive da agricultura familiar, sobretudo
a camponesa voltada para a subsistência. Esse é, certamente, um modelo de produção aprimorado para
efetivação do capital no ambiente produtivo.
No meio Científico tal modelo é conhecido como “o modelo euro-americano de modernização
agrícola”, que segundo Bonny apud Dufumier e Couto (2003), enquanto sistema de produção difundiu,
em termos mundiais, a chamada “revolução verde”. Que nada mais é do que “o passaporte de ingresso
do capital produtivo no mundo rural dos países subdesenvolvidos”. Após um longo período libertando-
se da dominação estatal, ter-se-ia agora que libertar-se da dominação do capital. Navarro (2001)
descreve que este processo intitulado como revolução, teve forte característica tecnológica, fazendo
com que houvesse o processo de produção rural ficasse subjugado a novos interesses, este coincidiu

3 Discutido por Navarro (2001).

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com o fortalecimento do capitalismo no auge (1950-1975), caracterizando ponto crucial das


transformações.
As características desse modelo de produção advêm de técnicas desenvolvidas a fim de
estabelecer padrões quanto à dimensão e qualidade de produtos e serviços. Surgido nos Estados
Unidos, no século XIX, ele foi intensificado após a segunda guerra mundial. Quando vários sistemas de
produção foram completamente modificados, sobretudo os sistemas que optavam pela diversificação.
Alguns aspectos característicos desse processo são expostos por Dufumier e Couto (2003), a
utilização do novo material genético melhorado e ainda mais padronizado, motorização e mecanização,
para o cultivo de produções de maturação homogênea. Em conseqüência disso, acentuada reordenação
espacial foi imposta ao ambiente de produção rural, campos regulares, supressão de cercas, declives e
depressões e quimificação. Além disso, haja vista a capacidade de aumento dos rendimentos físicos da
terra e redução gradativa dos custos unitários, impôs-se padronização à produção em detrimento da
produção diversificada.
Os produtores passaram a negociar seus produtos no mercado, onde também encontravam
sementes melhoradas e compostos químicos para o melhoramento do solo. Conseqüentemente,
tornaram-se dependentes do mercado e do meio industrial, que estrategicamente estabelece sucessivos
parâmetros para o setor. Além disso, a agricultura, que antes podia ser caracterizada como um setor
produtivo relativamente autárquico, com seu próprio mercado de trabalho e equilíbrio interno, se
integrou no restante da economia a ponto de não poder ser separada dos setores que lhe fornecem
insumos e/ou compram seus produtos (SILVA, 1997).
Esse processo estabelece-se por meio de alguns mecanismos, como dispõe Dufumier e Couto
(2003):
 Primeiro, quanto às razões técnicas que o agricultor passa a encontrar no mercado, sementes
produzidas no contexto de um permanente processo inovador, e, com motorização, aumentam
as parcelas de terra exploradas na propriedade;
 Segundo, motivados por razões econômicas como redução dos custos de produção e
rentabilidade;
 Terceiro, a assistência técnica das instituições agrícolas priorizam e repassam apenas
conhecimento associado ao modo produtivista;
 Em quarto, a necessidade de integração junto às processadoras que estabelecem regras a serem
seguidas para uma produção padronizada e eficiente;
 Institucionalmente são estabelecidas medidas para proteger consumidores de intoxicação
alimentar;
 Outra forma é imposta pela necessidade de padronização dos produtos como condição
necessária para comercialização em mercados internacionais;
 Por fim, esses mecanismos de indução atuam até mesmo com preceitos ideológicos, já que
exige que todos os agricultores produzam com as mesmas técnicas como modelo de
desenvolvimento em detrimento dos “atrasados”, como são chamados os produtores que não
aderem ao processo.

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Definitivamente, não se pode mais confundir ou interpretar como sinônimos o espaço rural e as
atividades produtivas ali desempenhadas (SCHNEIDER, 2003).
O intuito não é renegar as inovações impostas à agricultura, sobretudo a melhoria dos
rendimentos físicos da terra, além do mais, os ganhos de produtividade do trabalho. Contrapõe-se ao
paradoxo que esse modelo desconhece, exploração e superexploração de mão-de-obra cada vez mais
temporária, o aumento do desemprego, do subocupação (DUFUMIER E COUTO, 2003), e, em
decorrência disso, o êxodo rural cada vez mais intenso.
Acrescenta-se a isso, a problemática ambiental que é, talvez, uma das únicas resistências
encontrada por esse modo de produção, visto que em longo prazo sua base produtiva estaria
comprometida. A ineficiência poderá vir à tona à medida que a capacidade de rendimentos físicos da
terra começar a decrescer. Todavia, é evidente que, para esta nova agricultura, é trivial considerar as
conseqüências dos impactos ambientais decorrentes de práticas agrícolas, já que estas estão diretamente
ligadas ao nível de rentabilidade, mesmo que, quase sempre, “maquiados” a partir do uso de
componentes químicos.
Ao problema agrário nos termos aí propostos, propõe-se uma estratégia explícita de reforma
agrária que contém duas vertentes principais, para atacar simultaneamente as variadas relações de
trabalho injustas e também às iniqüidades da estrutura agrária (DELGADO, 2001). Já que, aos moldes
atuais, cada vez mais a agricultura não vai atuar no sentido da transformação dos latifundiários em
empresários capitalistas, mas, ao contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos em
proprietário de terra, latifundiários (OLIVEIRA, 2001).
Verifica-se o monopólio da terra pelo capitalista, expulsando e/ou subordinando o camponês
aos interesses do capital. Trata-se da territorialização das relações capitalistas de produção no campo
(SANTOS, 2007). Essa também é a resultante no caso do Brasil, concentração fundiária e de renda
caracterizam o campo.

A tecnificação, oriunda das demandas capitalistas, e os (des)interesses do Estado definem a


situação de desigualdade, em detrimento de condições dignas de sobrevivência da grande maioria da
população camponesa (FERNANDES apud SANTOS, 2007). Qualquer caracterização do cenário
recente não pode deixar de reconhecer que o quadro atual é profundamente marcado por um processo
de ampliação da interdependência nas relações sociais e econômicas em escala internacional
(SCHNEIDER, 2004).

Fica evidente que esse modelo neoprodutivista contrapõe radicalmente ao modo de


produção familiar, em especial quanto à diversificação e autonomia. Com a imposição de novas
técnicas, às quais modificaram o modo produtivo baseado a experiência dos familiares, e a necessidade
de rendimentos cada vez maiores, a agricultura familiar entrou em forte declínio comparado à produção
patronal. Logo viu-se deterioração da produção voltada para o autoconsumo assim como forte

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migração de campesinos para outros espaços territoriais. Mais de 10 anos de abertura comercial da
economia significaram perda de renda para a agricultura nacional e não contribuiu na superação da
fome e da insuficiência alimentar no país (Deser, 2002).

3. Agricultura Familiar no Brasil

A agricultura familiar compreende um modelo de organização da produção agropecuária onde


predomina a interação entre a gestão e o trabalho, a direção do processo produtivo pelo agricultor e sua
família, a ênfase na diversificação, na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida, e o trabalho
familiar complementado pelo trabalho assalariado (MAA apud PEREIRA, 2004).
Um dos primeiros obstáculos posto para efetiva implantação da agricultura familiar no Brasil
decorre do seu dissenso conceitual. Existem inúmeras e dispares definições que buscam categorizar o
termo. Segundo Pereira (2004), os agricultores familiares já foram chamados de pequenos produtores,
colonos, camponeses, entre tantas outras definições. Martins apud Altafin (2007) lembra que, no
contexto de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Paraná, o homem rural é conhecido como roceiro e
caipira. No nordeste, denomina-se tabaréu. Em diferentes regiões do País encontra-se o caboclo.
O histórico processo de ocupação do Brasil caracterizou fortemente o cenário agrícola atual. A
concentração fundiária exerce até os dias de hoje forte pressão sobre os centros urbanos.
Alternativamente, a agricultura familiar, enquanto meio para e rearticulação e estruturação rural, com
efeito, no meio urbano, quase sempre ficou em segundo plano na pauta das políticas públicas do país.
Como escreve Buainain et al (2003) o agregado de políticas governamentais veio a fomentar o êxodo
rural, resultando em uma dificuldade de desenvolvimento daquele setor, em prol dos grandes nichos de
produção nas cidades urbanas.
Durante as décadas de 70 e 80 a agricultura brasileira foi condicionada por modificações
ocorridas nos ambientes capitalistas externos. É nesse período que entra em curso o processo de
“modernização” baseada na mecanização, o uso de variedades selecionadas de sementes e de insumos
industrializados. Todavia, essas mutações exigiram elevados investimentos associados à concentração
de terras em grandes complexos agroindustriais, de modo que, além de acentuar a questão agrária
brasileira, houve expressiva penetração do capital industrial no contexto da agricultura. Esse
movimento de concentração da produção agropecuária em um número cada vez menor de
estabelecimentos cada vez maiores era considerado parte de uma tendência “natural” (BUAINAIN et al,
2003).
De acordo com esse mesmo autor, a década seguinte foi marcada por uma redução do emprego
rural contrapondo com aumento do emprego não-agrícola. Estava, portanto, estabelecido um cenário
perfeito para se rediscutir a importância da criação de emprego não-agrícola como “estratégia possível
capaz de, simultaneamente, reter a população rural pobre nos seus atuais locais de moradia e ao mesmo
tempo, elevar o seu nível de renda (SILVA apud BUAINAIN et al, 2003)”. Se bem que, esse discurso é
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oposto ao que justifica tal comportamento rural como sendo um fenômeno natural decorrente da
aproximação dos atributos da agricultura brasileira da agricultura de países capitalistas desenvolvidos.
De fato, as políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural brasileiro que surgiram a
partir dessa ideologia buscam incessantemente o “mito do desenvolvimento de uma nova agricultura”.
Mesmo que as evidências incorrem em sentido contrário, mostrando, na vida real, que há uma
interiorização de políticas públicas desapropriadas ao homem do campo.
Portanto, esse contexto analítico resulta numa única conclusiva, quase sempre, as políticas rurais
brasileiras andaram na contramão das necessidades do campo, pois além de priorizarem a agricultura
patronal em detrimento da agricultura familiar, conseguiram o “fascínio” de expelir, mais e mais, a
população rural para as grandes e médias cidades.
Em decorrência disso, o êxodo rural prevaleceu chegando a atingir na metade da década de 90,
5,6 milhões de indivíduos (ABRAMOVAY; VEIGA, 1999). Esse mesmo autor afirma que se mantida
essas taxas de crescimento, até o final da década ter-se-ia migrado cerca de 29,3% da população
residente no início do período.
Essa constância nacional reafirma-se a partir da análise das estimativas dos sensos
agropecuários. Os dados referentes a 1992, divulgados pelo Incra, mostravam que havia no Brasil
3.114.898 imóveis rurais e, entre eles, 43,956 (2,4%) com área acima de mil hectares, ocupando
165.756.665 hectares. Enquanto isso, outros 2.628.819 imóveis (84,4%), com área inferior a 100
hectares (EVANGELISTA, 2000). Ainda de acordo com esse autor, os estabelecimentos agropecuários
com área de até 100 hectares cresceram de 1940 (1.929.995) até 1985 (5.252.265), porém conheceram
uma redução no censo de 1995/96 (4.318.861). Esses estabelecimentos rurais ocupam uma área de
353,6 milhões de hectares. Desse total de estabelecimentos, subsistem cerca de 4.139.369 que são
considerados como familiares, representando 85,2% do total, mas que só dispõem 30,5% das áreas
ocupadas, enquanto que a patronal ostenta 67,9% e representa somente uma proporção de 11,4%
estabelecimentos.
A má distribuição da propriedade da terra é o traço mais marcante e, ao mesmo tempo, a
principal distorção da estruturação fundiária no Brasil (BUAINAIN et al, 2003).
A participação da agricultura familiar no Valor Bruto da Produção (VBP) é de R$18.117.725, ou
seja, 37,9%. Já os estabelecimentos patronais representam 61% do valor total. Estabelecendo-se uma
proporção entre VBP e áreas ocupadas por agricultores familiares e patronais, conclui-se que a
utilização das terras pela agricultura familiar é mais eficiente em 38,48% quanto à distribuição de renda
comparado com a agricultura patronal. Quanto à Renda Total (RT) agropecuária, a agricultura familiar
responde por 50,9% do total de 22 bilhões.
Portanto, é evidente a importância desse setor agropecuário para a produção de distribuição de
riqueza de um país. Buainain et al (2003) argumenta que os agricultores familiares são mais eficientes na

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utilização dos recursos do que os produtores não-familiares, e defende isso com o argumento de que os
primeiros empregam e produzem mais do que os outros.

4. Programa Neoprodutivista da Agricultura Familiar – “Pronaf”

Denardi (2001) fala que as politicas públicas destinadas a agricultura família foram basicamente
as politicas agrícolas, dado que as agrarias tenderam a não existir. A propósito, o dito “mundo rural
brasileiro” quase sempre não obteve real atenção das políticas públicas, houve de fato, ao longo de todo
esse tempo, muito discurso e pouca prática.
Esse fato germinou inúmeras mobilizações de organismos não governamentais e sindicatos pelo
Brasil “a fora”, as quais assumiram, muitas das vezes, formas radicais e violentas. Como escreve
Oliveira (2001), a história que marca a Longa Marcha do campesinato brasileiro está escrita nas lutas
muitas vezes (ou quase sempre) sangrentas desta classe social.
Em 1996, após total reformulação do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural
(Provap) instituído em 1994 pelo então presidente Itamar Franco e a criação do programa nacional de
fortalecimento da agricultura familiar – Pronaf (nesse sentido ver MATTEI, 2001), surge um princípio
de deslocamento do discurso rumo à prática. Alguns críticos da área concernem o Pronaf como sendo a
primeira política federal de abrangência nacional voltada exclusivamente para a produção familiar
Alfafin (2007).
No manual operacional do Pronaf define-se como objetivo geral do programa, propiciar
condições para aumentar a capacidade produtiva, a geração de emprego e de renda, de tal forma a
melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares. Para tanto, dever-se-ia incorrer em alguns
objetivos específicos, tais como: i) ajustar as políticas públicas de acordo com a realidade dos
agricultores familiares; ii) viabilizar a infra-estrutura necessária à melhoria do desempenho produtivo
dos agricultores familiares; iii) elevar o nível de profissionalização dos agricultores familiares através do
acesso aos novos padrões de tecnologia e de gestão social; iv) estimular o acesso desses agricultores aos
mercados de insumos e produtos.
O Pronaf – Investimento dispõe como objetivo financiar as atividades agropecuárias e não
agropecuárias exploradas mediante emprego direto da força de trabalho do produtor rural e de sua
família. Entende-se por atividades não agropecuárias os serviços relacionados com o turismo rural, que
sejam compatíveis com a natureza da exploração rural e com o melhor emprego da mão-de-obra
familiar.
O programa estabelece classificação para os agricultores familiares a partir da renda familiar
originária da atividade agropecuária, renda máxima, quantidade de módulos fiscais, status de exploração
da terra, utilização de mão-de-obra e por fim, residir ou não no imóvel. Quando a operacionalidade,
este se divide em Crédito Rural para custeio e investimento, Infra-estrutura e Serviços Municipais e
Capacitação.
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Criado para atender as necessidades relacionadas a alto custo e escassez de crédito da


agricultura, especialmente dos agricultores familiares, o estágio atual do programa mostra que “os
créditos do Pronaf nunca foram tão importantes desde a sua criação (Sabourin, 2007)”. Todavia,
[...] tal assertiva prende-se muito mais ao caráter desta mudança e dos objetivos
implicados, do que propriamente no volume de recursos efetivamente
disponibilizados para apoiar este setor, haja vista o fato da agricultura patronal
concentrar nada menos que 76% do crédito atualmente disponibilizado para financiar
a agricultura nacional. Sua aparição responde ao impacto de dois grandes vetores: de
um lado, pela pressão dos movimentos sociais em favor de transformações estruturais
e da democratização das políticas públicas, e, de outro, pelo indiscutível
reconhecimento do seu status científico enquanto categoria analítica por parte da
intelectualidade brasileira. Entretanto, embora admitidos como válidos estes
pressupostos, não cabe dúvida que entre o discurso em torno à defesa dos atributos
desta forma social de produção e dos instrumentos mais adequados para potencializá-
la, há uma distância considerável. As dificuldades são inúmeras, não só no modo de
fomentar este amplo e diversificado setor da agricultura brasileira, quanto na eleição
do público alvo a ser beneficiado. A final de contas, a quem majoritariamente cabe
apoiar? Agricultores familiares plenamente inseridos nos mercados, dotando-os de
recursos de sustentação e alavancagem econômica? Os que se encontram em vias de
transição ou os já consolidados? Há espaço para políticas de sustentação de renda para
os setores mais frágeis no plano das políticas agrícolas? Quanto de recursos estamos
dispostos a oferecer para este grupo (Anjos et al, pag 530 e 531, 2004).

O inquestionável aumento quantitativo no acesso ao crédito, no entanto, não apresentou ainda


nenhum grande avanço em termos qualitativos (Denardi, 2001). Haja vista que os recursos do Pronaf
atendem o custeio de tecnologias convencionais para produtores tradicionais.

5. Breve analise descritiva dos dados do “Pronaf”

Conforme descrito acima, o Pronaf é um programa governamental destinado a agricultura


familiar. Porém, com o processo de modernização da agricultura no decorrer dos anos, a agricultura
familiar passou a interagir com o mercado agrícola de forma que dificulta-se sua distinção.
Deste modo, o Pronaf vem satisfazendo o mercado agrícola através do financiamento,
principalmente, dos ramos agrícolas destinados a exportação ou a produção latifundiária.
Através da Tabela 1, nota-se que de toda a produção vegetal, 60% é atribuida a produção da
agricultura não familiar, sendo que das principais produções nacional, que são soja, café arábico e
milho, são atribuidas aquele mesmo grupo os percentuais de, respectivamente 84,3%, 65,8% e 54,1.

Tabela 01. Distribuição da Quantidade produzida por tipo de produção segundo tipo de agricultura
para o ano de 2006
Tipo de Produção/Produto Agricultura Familiar Agricultura não-familiar
Produção Vegetal 40 60
Arroz em Casca 33,9 66,1
Feijão Preto 76,8 23,2
Feijão de Cor 53,9 46,1

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Feijão Fradinho 83,8 16,2


Mandioca 86,7 13,3
Milho em Grão 45,9 54,1
Soja 15,7 84,3
Trigo 21,2 78,8
Café arábico em grão (verde) 34,2 65,8
Café canephora em grão (verde) 55 45
Fonte: IBGE, Censo Agropecuário. Elaboração: Adaptado pelos Autores com base nos dados do Dieese.

Através da Tabela 02, pode-se perceber que o financiamento do Pronaf está destinado a
produção agroindustria. Tal perspectiva é notada com a verificação dos valores destinados aos itens de
produção Soja, Café, Cana-de-açúcar, algodão, Fumo e milho, que representam mais de 31% do valor
total financiado pelo programa à lavoura, isto para o ano de 2006. Proporção que teve aumento de 7%
para o ano de 2010, atingindo aproximadamente 38% do valor financiado. Ainda percebe-se que trigo
foi o que obteve o maior aumento nos valores de financiamento, sendo de mais de 200% em relação ao
período, seguido por Café (aproximadamente 89%) e Soja (67%). Ainda, apresentam-se os valores
destinados ao investimento agrícola, assim de tal investimento, mais de 34% são destinados para a
aquisição de Maquinas e Equipamentos e apenas, aproximadamente, 4% destinados a investimento em
animais de serviços.

Tabela 02. Financiamento Rural Concedido pelo Pronaf


Valor Financiado
Finalidade/Modalidade
2006 2010
Custeio Agrícola 2.997.630.651,56 4.288.163.071,29
Beneficiamento ou Industrialização 310.744,62 69.558,20
Extrativismo Espécies Nativas 106.246,89 8.812.090,73
Lavoura 2.919.900.517,87 4.111.977.203,32
Algodão 8.060.837,40 1.053.527,66
Arroz 128.238.530,01 156.727.813,44
Batata 27.074.568,48 30.014.829,31
Café 323.739.728,36 613.726.165,42
Cana-de-açúcar 28.942.897,73 43.920.666,19
Feijão 104.195.542,11 98.299.256,95
Fumo 2.710.463,70 2.286.933,43
Outras Lavouras 403.705.186,19 659.942.558,21
Soja 540.975.696,78 906.569.202,21
Trigo 42.707.321,57 191.492.253,88
Outras Aplicações 77.313.142,18 167.304.219,04
Investimento Agrícola 1.158.963.975,39 2.760.134.371,77
Animais de serviço 45.503.296,49 59.006.607,78
Formação Culturas Perenes 203.316.974,53 258.173.828,33
Maquinas e Equipamentos 405.174.886,61 1.521.030.152,56

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Melhor. Explorações 322.605.358,87 334.490.204,17


Outras Aplicações 147.573.127,69 264.015.496,63
Veículos 34.790.331,20 323.418.082,30
Fonte: Elaborado pelos Autores com Base nos dados do Bacen.

Para complementar esta perspectiva, a Tabela 03 apresenta os valores de exportações para os


principais produtos agricolas destinados a tal fim, e percebe-se que os mesmo têm incentivos
consideraveis concedidos pelo Pronaf.

Tabela 03. Balança Comercial do Agronegócio


Exportações do Agronegócio 2009* 2010*
Complexo da Soja 388 589
Complexo Sucroalcooleiro 996 1169
Café 411 693
Fumo e Seus Produtos 153 97
Milho 214 427
Algodão 92 66
Fonte: Adaptado da tabela 64 elaborada pelo AgroStat Brasil a partir dos dados da SECEX / MDIC.

Nota-se, portanto, o caráter contraditório de uma política que aposta no desenvolvimento local
e em potencializar atividades diversificadas (via industrialização, turismo, lazer, etc), mas,
paradoxalmente, insiste na ênfase à profissionalização e apoio ao verdadeiro agricultor (Carneiro apud
Anjos et al, 2004). O próprio Denardi (2001) chama a atenção para o caráter dos financiamentos
efetuados na região sul do país. Segundo ele quase só milho, soja, fumo e, para alguns municípios,
feijão, ou seja, monoculturas destinadas à exportação, recebem recursos. Além de não haver interesse
de modificar o sitemas de produção, para reconversão produtiva e para atividades não-agrícolas no
meio rural. E ainda, a maioria dos bancos não estão dispostos a financiar sistemas diversificados e
sustentáveis, ou produtores orgânicos e diferenciados.
Têm-se, dessa forma, uma versão disfarçada do interesse produtivista incorporado em políticas
públicas a fim de enraizar-se no ambiente rural.
Guanziroli (2007) alerta para constante avaliação que deve-se fazer a este programa por se tratar
de uma política pública que envolve altos custos e subsídios.

6. Cosiderações finais

A descaracterização da agricultura familiar frente ás investidas do noeprodutivismo é


singularmente um resultado da abertura comercial das diversas economias, ocorrrido no pós-guerra.
Efetivou-se inúmeras inconformidades à produtores campesinos e culturas produtivas diversificadas em
diversas partes do planeta, inclusive no Brasil.

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Esse movimento representou a desterritorialização do homem do campo, de modo que este


viu-se obrigado a ocupar outros espaços, inclusive o urbano. Contudo, os modos constituidos a partir
da vivência no rural não lhes condicionaram oportunidades significativas no novo ambiente de atuação.
Desse modo, este foi, conscientemente, marginalizado do processo produtivo e, em seguida, do
consumo. Isso se deve em grande parte à relativa tendênciosidade, ou ao menos imparcialidade, dos
governos locais em confrontar com esse medidas econômicas.
No Brasil, as políticas públicas para a agricultura familiar, sobretudo as do Pronaf, apesar de
fomentarem volumes cada vez maiores de crédido para este setor agrícola, deixa a desejar quando se
trata da qualidade dos investimentos. Na maioria das vezes os recursos são canalizados para atender
monoculturas voltadas para o mercado externo. Esse tipo de produção é moldada no neoprodutivismo,
o qual, por sua vez, é sustentado o capital produtivo e cumulativo. Este último se articula de várias
formas. para se intabelecer e reproduzir-se, inclusive através de políticas públicas.
Desse modo, pouco poderár-se avançar nos quesitos agricultura familiar, na diversificação da
produção agrícola, na produção orgânica, entre outros, enquanto dependente de políticas inóspitas e
que são aplicáveis a outros contextos, que não o brasileiro. Cada vez mais acentuará as diparidades
entre a produção da agricultura familiar propriamente dita e a produção patronal.

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Questão agrícola na região Centro-Oeste brasileira

Rafael Gualberto de Ávila1


Yolanda Vieira de Abreu2

Introdução

D
urante o período de modernização da agropecuária brasileira, principalmente da
agricultura, compreendido entre as décadas de 1950 e 1980, às políticas de caráter
nacionalistas adotadas pelo governo brasileiro somaram-se a outras ações específicas que
fomentaram o desenvolvimento regional do Centro-Oeste, sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980.
Com a crescente demanda por alimentos, matérias primas e agroenergia, buscou-se expandir as
fronteiras agrícolas do país, com a presença, principalmente, de grandes empresas nacionais e
estrangeiras.
Este estudo teve como meta estudar a evolução da agricultura no Brasil, tendo como estudo de
caso a Região Centro-Oeste. A escolha desta região justifica-se pelo fato da mesma ter sido moldada
para ser um centro produtor de grãos do país. Esses grãos podem ser comercializados como commodities
e, também, destinados à produção agroindustrial e de agroenergia, como é o caso da soja. A região
ainda possui uma área significativa ocupada pelo plantio de cana-de-açúcar, que pode ser destinada
tanto para a produção de açúcar, quanto para a de etanol. Não se pretende exaurir o tema, mas
contribuir para a discussão sobre o mesmo. Os dados analisados de comercialização, crédito, projetos
agrícolas, posse e uso da terra e outros foram coletados em instituições renomadas como Banco Central
do Brasil, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
Companhia Nacional de Abastecimento e Ministério de Minas e Energia, além de outros.

Questão agrícola

O desempenho agrícola experimentado pelo Centro-Oeste é um fenômeno de transformação


produtiva, que segundo Castro e Fonseca (1995, p. 2) apud Guimarães e Leme (2002) pode ser dividido
em três fases: 1) Final dos anos de 1960 (iniciam os primeiros plantios adaptativos de soja no Mato
Grosso do Sul e as atividades de beneficiamento de grãos, especialmente no Goiás); 2) Início da década
de 1980 (as culturas da soja e milho se expandem e consolidam os sistemas intensivos de soja,
denominados de tradings3 do mercado de commodities); e 3) Segunda metade da década de 1980 (inicia-se

1 Mestrando em Agroenergia, Universidade Federal do Tocantins (UFT), Palmas, Tocantins, Brasil - Email:
rafaelavila@uft.edu.br
2 Profª Drª do Mestrado em Agroenergia, Universidade Federal do Tocantins (UFT), Palmas, Tocantins, Brasil - Email:

yolanda@uft.edu.br
3 São grandes empresas que atuam na intermediação do comércio de produtos entre países (STEFFEN; MORINI, 2006).
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especificamente a partir de 1985, e foi marcada pela transferência de grandes conglomerados da região
Centro-Sul para o Centro-Oeste e pela consolidação do complexo grãos-carne).
No Estado de Mato Grosso, a dinâmica da cadeia produtiva do agronegócio envolve atividades
como a comercialização da produção, o fornecimento de sementes, insumos, tecnologias, créditos,
logística e venda de commodities. Todo processo produtivo e de logística gerenciado por grandes grupos
econômicos nacionais e internacionais, podendo citar: ADM, Cargil, Fiagril, Amaggi, Sadia, Perdigão,
Dreifus, Bunge e Coimbra (DÉ CARLI; TOCANTINS, 2009).

Políticas governamentais

Durante o período de modernização da agropecuária brasileira, principalmente da agricultura,


compreendido entre 1950 e 1980, políticas públicas específicas foram direcionadas para fomentar o
desenvolvimento regional do Centro-Oeste, sobretudo, nas décadas de 1970 e 1980, podendo citar:
Programas Integrados de Colonização (PIC) – 1971 (INCRA, 2011); Programa de Redistribuição de
Terras e Desenvolvimento Agroindustrial (PROTERRA) – 1971 (INCRA, 2011); Programa de
Incentivo Fiscal para a Amazônia Legal – 1966 (ALMEIDA et al., 2006); Programa de
Desenvolvimento do Cerrado (POLOCENTRO) – 1975 (SILVA, 2002 apud ALMEIDA et al., 2006);
Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) – 1976
(TEIXEIRA, HESPANHOL, 2006; SILVA, 2002 apud ALMEIDA et al., 2006); Programa Especial de
Desenvolvimento do Pantanal (PRODEPAN) – 1974 a 19794 (GONZALEZ, 2006; TEIXEIRA,
HESPANHOL, 2006); Programa Especial de Desenvolvimento da Grande Dourados
(PRODEGRAN) – 1976 a 1978 (SILVA, 2011); Programa Especial de Desenvolvimento da Região
Geoeconômica de Brasília (PERGEB) – 1975 (FREITAG, 2012); Programa de Pólos Agropecuários e
Minerais da Amazônia (POLOAMAZÔNIA) – 1974 (BRASIL, 1974); Programa Integrado de
Desenvolvimento do Noroeste do Brasil (POLONOROESTE) – 1981 (EMBRAPA, s/n; SOUZA,
PESSÔA 2009); Plano de Desenvolvimento Econômico-Social do Centro-Oeste (PLADESCO) – 1975
(CARMO, 2010); Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste (PRODOESTE) – início da década
de 1970 (CUNHA, 2011).
Tais políticas influenciaram substancialmente no perfil produtivo da Região Centro-Oeste e a
tornaram uma referência no setor agrícola, sobretudo no que tange a produção de grãos. Esses projetos
resultaram na intensificação da economia da região Centro-Oeste, pautada nas atividades agropecuárias,
principalmente, a partir da década de 1970. A modernização pode ser constatada pela disponibilidade
de créditos destinados aos empreendimentos rurais (Figura 1).

4O período de vigência foi alterado para 1975-1978 por dificuldades em sua implementação (EMBRATER, 1977 apud
GONZALEZ, 2006, p. 57).

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É possível perceber que o volume de créditos destinados ao financiamento das atividades


agropecuárias foi crescente até 1980, quando passou a decrescer até atingir índices abaixo do
encontrado em 1970 em 1990.

Figura 1 – Evolução dos recursos destinados ao Sistema Nacional de Crédito Agrícola no Brasil (valores
reais em Bilhões de reais). Centro-Oeste, 1970-1995.

Fonte: Anuário Estatístico de Crédito Rural, Banco Central do Brasil (1996) apud Teixeira e Hespanhol (2006, p. 62).

O uso de tecnologias como trator e terra irrigada também sinalizam os níveis de modernização
verificados no Centro-Oeste (Figura 2).

Figura 2 – Indicadores de modernização técnica da agricultura. Centro-Oeste, 1970-1995.

Terras irrigadas;
1995; 260.953

Terras irrigadas;
Terras irrigadas; 1985; 63.221
Terras irrigadas; 1980; 47.215 Tratores; 1995;
Terras irrigadas; 1975; 35.490 Tratores; 1985;
Tratores; 1980; 114.684
1970; 14.358 86.233
Tratores; 1970; Tratores; 1975; 60.363
10.283 28.482

Tratores Terras irrigadas


Fonte: Ipea (2006) apud Almeida et al. (2006).

Analisando a Figura 2 percebe-se que houve aumentos sistemáticos ao longo de toda a série.
Em 1970, o total de tratores que era de 10,3 mil unidades passou para 114,7 mil unidades em 1995, um
crescimento superior a dez vezes. No mesmo período, as terras irrigadas partiram de 14,4, mil para 261
mil hectares, um aumento de mais de dezessete vezes. A modernização do campo (tratores) não se deu
com a mesma intensidade em toda a região e foi mais presente nas áreas de lavouras temporárias e de
commodities, sobretudo soja e trigo. Segundo Ipea (2006) apud Almeida et al. (2006), a maior concentração
do uso de máquinas se deu no Sul da região, em áreas pertencentes ao Mato Grosso do Sul e Goiás.

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Em 1995 estes dois Estados foram responsáveis por 68,9% ou 70 mil do total de 114,7 mil tratores,
enquanto o Mato Grosso obteve 28,6% ou 32,8 mil unidades e o Distrito Federal obteve 1,9% ou 2,2
mil unidades.
A Tabela 1 traz algumas características dos estabelecimentos agropecuários, como Pessoal
Ocupado, número de Tratores e Pessoal Ocupado/Trator, que ajudam a entender os níveis de
desenvolvimento do agronegócio no Centro-Oeste. Através da mesma, nota-se uma queda no número
de Pessoal ocupado em todas as Unidades Federativas do Centro-Oeste, entre 1970 e 2006, variando
apenas as proporções. A exceção ocorreu no Distrito Federal, onde o aumento pode estar relacionado
com a elevação do número de moradias temporárias (sítios e chácaras), locais estes que demandam
trabalhadores para manutenção diária dos imóveis.
Por outro lado, o número de tratores se eleva continuamente e independente da região, ao
comparar os períodos inicial e final. Quanto à interação Pessoal ocupado/Trator, nota-se que em 2006
foram registrados as menores taxas, isso significa dizer que o nível de mecanização no campo
aumentou em todas as regiões do Centro-Oeste, principalmente no Goiás. Em geral, os índices indicam
que os moldes do sistema capitalista estão plenamente assentados e consolidados na maioria das
Unidades Federativas do Centro-Oeste.

Tabela 1 – Dados do Censo sobre Pessoal Ocupado, Quantidade de Tratores e a relação Pessoal
ocupado por Trator nos estabelecimentos agropecuários. Unidades Federativas do Centro-Oeste –
1970-2006.
Censos
UF
1970 1975 1980 1985 1995/96* 2006
Pessoal ocupado
MT 373.039 263.179 318.570 359.221 326.767 358.336
MS -** 257.132 230.983 253.993 202.709 211.193
GO 547.647 688.033 780.749 616.336 471.657 418.071
DF 7.284 8.582 14.628 17.178 14.307 22.324
Tratores
MT 4.386 2.643 11.156 19.534 32.752 42.330
MS -** 12.291 23.162 31.076 36.387 37.900
GO 5.692 13.634 27.600 33.548 43.313 44.832
DF 262 464 1.473 2.075 2.232 2.424
Pessoal ocupado / Trator
MT 85,05 99,58 28,56 18,39 9,98 9,47
MS -** 20,92 9,97 8,17 5,57 5,57
GO 96,21 50,46 28,29 18,37 10,89 9,33
DF 27,80 18,50 9,93 8,28 6,41 9,21
Fonte: elaboração própria. Dados IBGE, Censo Agropecuário.
NOTA: * Segundo IBGE (2006) e Hoffmann e Ney (2010), a pesquisa de realizada em 1995/1996 considerou o ano agrícola de 1º de
agosto de 1995 a 31 de julho de 1996, tendo a coleta de dados sido iniciada em agosto de 1996. ** A ausência de dados do Censo
Agropecuário de 1970 para o Mato Grosso do Sul se deve ao fato da região ter sido desmembrada do Mato Grosso e criada em 1977 e,
portanto, não foram levantados de forma isolada pela pesquisa do IBGE.

Os fatores decritos pela Tabela 1, somados às condições edafoclimáticas da região contribuíram


para que a agroenergia se desenvolvesse, apesar de encontrar uma infraestrutura de logística, transporte

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e distribuição da produção de commodities ainda deficiente. No entanto, algumas obras já em andamanto


prometem alavancar o desenvolvimento econômico do intertior do país. Para o Ministério dos
Transportes (VALEC, 2011), a malha ferroviária que contempla a Ferrovia de Integração Centro-Oeste
(FICO), a Ferrovia Norte-Sul e a Oeste-Leste, se encontra em andamento com alguns trechos já
concluídos e em operação. Estas vias irão potencializar a produção de commodities importantes, como a
soja e o algodão, além de outras, reafirmando ainda mais a vocação agroenergética do Centro-Oeste,
bem como de outras regiões do páis.

Questão produtiva

No que se refere às culturas agrícolas que mais vem se destacando no Centro-Oeste nas últimas
décadas, a Tabela 2 mostra a evolução da área total colhida para cada região do Centro-Oeste. É
possível afirmar que a área colhida aumentou de forma generalizada em todas as regiões variando
apenas as proporções. Se no período inicial, o milho foi a cultura mais importante, dentre as
relacionadas, a partir de 1985 a soja passou a ser a espécie mais impactante. Na região Centro-Oeste,
enquanto o milho diminuiu a sua participação de 84,85% em 1970 para 21,21% em 2011, a soja saltou
de apenas 3,18% para 66,01%. No Mato Grosso do Sul, a liderança da soja foi unânime, sua
participação aumentou de 48,24% para 53,32% em 2011, enquanto o milho caiu de 41,25% para
29,60%.
Há que se destacar ainda sobre o Centro-Oeste, a produção da cana-de-açúcar, até 1975 foi a
cultura de menor expressão, registrando inclusive queda de 1970 para 1975, e a partir deste mesmo
período, com a implementação do PROALCOOL, que sua produção cresceu na Região.
Avaliando a evolução da área colhida no Centro-Oeste, ao final da série a soja foi quem mais se
destacou com um aumento de 40.357% ou 10,78 milhões de hectares colhidos, a cana-de-açúcar
aparece em segundo com 10.033% ou 1,41 milhões de hectares, na sequência surge o algodão com
932% ou 805,51 mil hectares e o milho com 445% ou 3,17 mil hectares.
O desempenho superior da soja, também pode ser percebido nas demais Unidades, com
exceção do Mato Grosso do Sul, onde esteve na segunda colocação, perdendo para a cana-de-açúcar.
Mesmo assim, a soja alcançou a marca de 1.327% ou 1,62 mil hectares. Em termos percentuais, o maior
crescimento do grão ocorreu no Distrito Federal atingindo a marca de 1.371.250%, porém em valores
absolutos partiu de apenas 4 hectares para 54.854 hectares, a menor área de soja de todo o Centro-
Oeste. Já no Mato Grosso a taxa foi de 42.374% ou 6,44 milhões de hectares, superando em termos
percentuais a marca do próprio Centro-Oeste, mas não em valores absolutos. Para Goiás, o salto foi de
22.138% ou 2,55 milhões de hectares. Logo, as informações devem ser analisadas minuciosamente, para
que os dados absolutos e porcentuais sejam decifrados de forma mais próxima da realidade.

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Tabela 2 – Área total colhida nas lavouras temporárias dos estabelecimentos agropecuários (em ha).
Centro-Oeste e Unidades Federativas, 1970-2011.
Utilização das terras 1970 1975 1985 1995/96IV 2006 2011III
Centro-Oeste
AlgodãoI 86.442 57.636 119.280 152.103 529.688 891.957
Cana-de-açúcar 14.026 12.051 139.827 289.233 634.936 1.421.238
MilhoII 712.144 902.301 1.064.704 1.680.176 2.387.243 3.879.338
SojaII 26.714 183.740 2.418.001 3.374.526 7.730.388 10.807.784
Mato Grosso
AlgodãoI 51.843 4.487 11.978 34.106 448.120 719.582
Cana-de-açúcar 3.900 2.751 19.051 118.363 215.864 226.993
MilhoII 212.702 108.678 157.444 471.246 1.123.926 1.921.101
SojaII 15.196 3 822.821 1.740.392 4.186.477 6.454.331
Mato Grosso do Sul
AlgodãoI - 26.028 90.479 48.799 24.308 60.918
Cana-de-açúcar - 517 43.246 78.347 155.399 495.821
MilhoII - 104.163 159.985 416.684 620.126 964.913
SojaII - 121.829 958.568 746.168 1.464.397 1.738.091
Goiás
AlgodãoI 34.597 27.121 98.002 69.199 55.539 110.779
Cana-de-açúcar 9.824 8.590 77.196 92.216 263.342 697.541
MilhoII 497.048 687.091 741.840 768.086 623.156 960.792
SojaII 11.514 61.905 599.555 863.422 2.037.566 2.560.508
Distrito Federal
AlgodãoI 2 1 1 - 1.721 678
Cana-de-açúcar 303 193 332 92.216 331 883
MilhoII 2.394 2.370 5.434 24.161 20.035 32.532
SojaII 4 3 37.055 24.544 41.948 54.854
Fonte: elaboração própria. IBGE, Censo Agropecuário.
NOTA: I Algodão herbáceo (em caroço); II Milho e Soja (em grão); III Pesquisa de Produção Agrícola Municipal; IV Segundo IBGE (2006)
e Hoffmann e Ney (2010), a pesquisa de realizada em 1995/1996 considerou o ano agrícola de 1º de agosto de 1995 a 31 de julho de 1996,
tendo a coleta de dados sido iniciada em agosto de 1996.

Ainda em relação à Tabela 2, no Mato Grosso, a cultura mais importante, após a soja, foi a
cana-de-açúcar, com um aumento da área colhida de 5.720% ou 223,09 mil hectares. O algodão aparece
na terceira colocação com 1.288% ou 667,74 mil hectares e, por fim, o milho com 803% ou 1,71
milhões de hectares. Em relação ao Mato Grosso do Sul, a cana-de-açúcar surge com maior destaque e
95.803% ou 495,30 mil hectares colhidos. Em segundo aparece a soja, conforme já mencionado, na
sequência, o milho com 826% ou 860,75 mil hectares e o algodão com 134% ou 34,89 mil hectares.
Goiás tem a cana-de-açúcar com aumento de 7.000% ou 687, 72 mil hectares em relação a 1970, na
segunda posição, o algodão com 220% ou 76,18 mil hectares, em terceiro, e o milho com 93% ou
463,74 mil hectares. A última região, o Distrito Federal, apresentou o algodão na segunda posição com
33.800% ou 676 mil hectares, seguido do milho com 1.259% ou 30,14 mil hectares e da cana-de-açúcar
com 191% ou 580 mil hectares.
Em relação à área plantada (AP) por 1000ha e a produção (Pr) por 1000ton., das principais
lavouras podem ser observadas através da Tabela 3, que trata da evolução das safras mais recentes.

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Tabela 3 – Área plantada e produção agrícola dos estabelecimentos agropecuários (em 1.000ha).
Centro-Oeste e Unidades Federativas, Safras 2009/10-2012/13.
2009/10 2010/11 2011/12 2012/13
Produtos
AP Pr AP Pr AP Pr AP Pr
Centro-Oeste
AlgodãoI 523 1.865 893 3.221 877 3.312 627 2.382
Cana-de-açúcar 940 77.436 1.202 93.345 1.379 92.234 1.504 106.257
MilhoII 3.723 16.907 3.857 17.316 5.292 31.116 5.723 30.535
SojaII 10.539 31.587 10.819 33.939 11.495 34.905 12.778 39.035
Mato Grosso
AlgodãoI 428 1.496 723 2.561 726 2.754 537 2.014
Cana-de-açúcar 203 14.046 207 13.661 220 13.154 235 16.122
MilhoII 1.190 8.118 1.898 7.620 2.740 15.610 3.250 16.574
SojaII 6.224 18.767 6.399 20.412 6.980 21.849 7.818 24.158
Mato Grosso do Sul
AlgodãoI 39 143 61 229 62 220 40 160
Cana-de-açúcar 265 23.298 396 33.477 481 33.860 543 36.999
MilhoII 887 3.737 993 3.423 1.268 6.576 1.293 6.212
SojaII 1.712 5.308 1.760 5.169 1.815 4.628 2.017 5.748
Goiás
AlgodãoI 57 225 108 429 90 339 50 209
Cana-de-açúcar 472 40.092 599 46.207 678 45.220 726 53.137
MilhoII 812 4.796 934 6.010 1.242 8.576 1.136 7.399
SojaII 2.549 7.343 2.606 8.182 2.645 8.251 2.888 8.953
Distrito Federal
AlgodãoI - - 1 2 - - - -
Cana-de-açúcar - - - - - - - -
MilhoII 33 255 32 263 42 354 44 351
SojaII 53 169 55 176 55 176 55 176
Fonte: elaboração própria. Dados CONAB (2011); CONAB (2012a); CONAB (2012b); CONAB (2012c).
NOTA: IAlgodão herbáceo (em caroço); IIMilho (1ª e 2ª safras, em grão) e Soja (em grão); AP = Área Plantada (1.000ha); Pr = Produção
(1.000ton.).

Ao comparar os dados da Tabela 3 sobre área plantada e produção nas safras de 2009/10 com
2012/13, nota-se que apesar das oscilações ao longo da série, a área plantada e a produção de cada
cultura agrícola evoluíram de forma positiva em todas as regiões variando apenas as proporções. A
exceção ocorreu no Estado do Goiás onde a área plantada caiu de 57 para 50 mil hectares e,
consequente, a produção sofreu uma queda de 225 para 209 mil toneladas.
Entre as safras de 2009/10 da região Centro-Oeste, a maior área correspondeu à soja com 10,54
milhões de hectares e uma produção de 31,59 milhões de toneladas, já a cana-de-açúcar, obteve a
segunda menor área com 940,4 mil hectares e a maior produção com 77,44 milhões de toneladas. A
contradição é explicada pela diferença de produtividade, que segundo a CONAB (2011) foi de 3
ton./ha para a soja e de pouco mais de 82,35 ton./ha para a cana-de-açúcar. No último período de
safras, os destaques persistiram e a soja apresentou a maior área com 12,78 milhões de hectares e a
cana-de-açúcar a maior produção com 106,26 milhões de toneladas.
Neste caso, as produtividades estimadas são de 3,05 ton./ha para a soja e 70,65 ton./ha para a
cana-de-açúcar. Ainda em relação ao Centro-Oeste, a área que mais se expandiu entre 2009/10 e
2012/13 foi a de cana-de-açúcar com 60% de incremento, seguida do milho com 54%. Já a produção, o
milho que teve o maior aumento de produção com uma taxa de 80%, seguida da cana-de-açúcar com

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37%. Suas Unidades Federativas, com exceção do Mato Grosso, apresentaram as mesmas tendências de
superioridade do Centro-Oeste para soja e cana-de-açúcar. Porém, neste Estado, e em todas as safras, a
soja liderou em ambas as variáveis, com uma área total plantada de 6,22 milhões de hectares e uma
Produção de 18,77 milhões de toneladas. Continuando a análise para o Mato Grosso, observa-se que o
milho obteve um aumento de 173% para área e 104% para produção, já a cana-de-açúcar, teve os
desempenhos mais tímidos, sendo de 16% para a área e 15% para a produção. No Mato Grosso do Sul,
a cana-de-açúcar despontou com 105% de área e o milho um ganho de produção de 66%, ao passo que
o algodão foi que menos se expandiu sua área, com menos de 3%, sendo que a soja apresentou a taxa
mais baixa de crescimento de 8%. Em relação ao Goiás, os maiores valores percentuais foram para a
área de cana-de-açúcar e para a produção de milho, ambos com 54%, sendo que nesta região, o algodão
apresentou comportamento negativo de 12% para área e 7% para produção. Quanto ao Distrito
Federal, os registros da CONAB foram contabilizados somente para as duas últimas culturas. O milho
aparece com um ganho de área de 33% e uma produção em 38%, já a soja apresentou 4%, tanto para o
incremento de área quanto de produção. Em relação à cana-de-açúcar, a Figura 3 apresenta as 10
maiores áreas ocupadas pela cana-de-açúcar, na safra 2012/13.

Figura 3 – 10 maiores áreas ocupadas pela cana-de-açúcar (em 1.000ha), por Região. Safra 2012/13.

Fonte: elaboração própria. Dados CONAB (2012a).

Através da Figura 3, nota-se que os Estados de São Paulo e Minas Gerais juntos figuram o
Sudeste como a Região brasileira com maior área ocupada pela cana-de-açúcar, com 60,34% do total.
Na sequência aparecem o Centro-Oeste com 17,64%, representado pelos Estados de Goiás, Mato
Grosso do Sul e Mato Grosso; o Nordeste com 11,24% onde destaca-se os Estados de Alagoas,
Pernambuco, Paraíba, e Rio Grande do Norte; e o Sul com 7,17 tendo como destaque o Estado do
Paraná. O desempenho recente da estrutura produtiva do Centro-Oeste, ainda pode ser comparado
com o de outras regiões, como pode ser verificado pela Figura 4.

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Os números da Figura 4 mostram que em 2013, o Mato Grosso lidera como maior produtor
nacional de grãos, com 23,4%. Esta Região somada ao Paraná e ao Rio grande do Sul responde por
58,6% da produção nacional. Em relação às demais Regiões do Centro-Oeste, Goiás surge na quarta
posição com 9,6%, o Mato Grosso do Sul na sexta posição com 6,0% e o Distrito Federal vem na
décima sétima colocação com apenas 0,3%. Somando todos os Estados, que compõe a Região do
Centro-Oeste, respondem pela maior parte dos cereais, leguminosas e oleaginosas produzidas no país,
com 39,3%, seguindo de perto pelo Sul com 38,8%. Juntos, Sudeste, Nordeste e Norte totalizam uma
participação de 21,9% da produção nacional.

Figura 4 – Participação na produção nacional de Cereais, leguminosas e oleaginosas (em %).5 Grandes
Regiões e Unidades da Federação, 2013.

Fonte: IBGE (2013). Levantamento Sistemático da Produção Agrícola – LSPA.

Segundo o IBGE (2013, p. VII), o Centro-Oeste também lidera em valores absolutos, com uma
produção total de 72 milhões de toneladas. Em seguida aparece o Sul com 71,2 milhões, o Sudeste com
19,2 milhões, o Nordeste com 16,7 milhões e o Norte com 4,3 milhões. No Mato Grosso, municípios
como Sorriso, Sapezal, Campo Verde, Diamantino, Primavera do Leste, Campo Novo do Parecis,
Nova Mutum e Lucas do Rio Verde foram aqueles que mais se especializaram na produção intensiva de
soja (em grão), milho e algodão herbáceo (em caroço), e na pecuária, destaca-se a bovinocultura de
corte, predominantemente extensiva (IBGE, 2010). Portanto, o titulo de maior produtor de grãos se
torna verdadeiro diante dos números apresentados.

Agroenergia no contexto do Centro-Oeste


Agroenergia pode ser definida segundo MAPA (2006, p. 12-13) como sendo toda a energia
proveniente de quatro grandes grupos, a saber: Etanol e co-geração de energia provenientes da cana-de-
açúcar; Biodiesel de fontes lipídicas (animas e vegetais); Biomassa florestal e resíduos; Dejetos

5 Segundo IBGE (2013, p. VII), incluem-se os seguintes produtos: algodão herbáceo (caroço de algodão), amendoim (em
casca), arroz (em casca), feijão (em grão), mamona (em baga), milho (em grão), soja (em grão), aveia (em grão), centeio (em
grão), cevada (em grão), girassol (em grão), sorgo (em grão), trigo (em grão) e triticale (em grão).

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agropecuários e da agroindústria. O biodiesel é definido por Brasil (2005) como um biocombustível


derivado de biomassa renovável para uso em motores a combustão interna com ignição por
compressão ou, conforme regulamento, para geração de outro tipo de energia, que possa substituir
parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil. A indústria de biodiesel, segundo MME (2013),
utiliza principalmente o óleo de soja e o sebo bovino, porém pode utilizar-se de outras materias primas
como, por exemplo, óleo de algodão, óleo de fritura e outros matériais graxos.
Para a produção de etanol, a Embrapa (2007) aponta três tipos de matérias primas: açúcar
solúvel (obtido principalmente de cana-de-açúcar), amido (grãos e tubérculos como o milho e a
mandioca) e celulose (bagaço de cana, resíduos florestais e biomassa de gramíneas), sendo a cana-de-
açúcar a principal fonte agroenergética.
Do total de 69 milhões de toneladas de soja produzidas no país em 2010, aproximadamente,
46% foi produzido no Centro-Oeste, este total resultou em uma produção efetiva de cerca de 871 mil
m3 de biodiesel ou cerca de 39%. Esta região, juntamente com o Sul foi responsável por 85% do
biodiesel produzido no país, demonstrando a importância das respectivas regiões para o equilíbrio da
matriz energética nacional (ANP, 2010); Leal e Abreu (2012, p. 100).
A Tabela 4 apresenta a distribuição regional atual das usinas de Biodiesel no país. Nesta nota-se
que o maior número de usinas de produção de biodiesel, 27 unidades ou 47,37% do total, encontra-se
no Centro-Oeste que responde ainda por 45% do total da capacidade instalada no país.
A infraestrutura desenvolvida no Centro-Oeste e a produção agrícola, que pode ser
comercializada tanto como commodities quanto como matérias primas para agroenergia, demonstram que
o Centro-Oeste vem contribuindo de forma relevante com a produção agrícola e a diversificação da
matriz energética brasileira. Apesar do maior número de usinas estarem localizadas no Centro-Oeste,
ainda faz-se necessária a atuação do poder público no sentido de promover políticas, a médio e longo
prazos, de incentivos e fortalecimento da cadeia produtiva de produção de energias alternativas na
região.

Tabela 4 – Distribuição das unidades produtoras de biodiesel, por Grande Região. Posição em
31/12/2012.6
Capacidade Instalada
Região Nº Usinas
mil m3/ano %
Norte 4 202 3
Nordeste 6 741 11
Sudeste 11 890 13
Sul 9 1.948 28
Centro-Oeste 27 3.072 45
Brasil 57 6.853 100
Fonte: adaptado de MME (2013).

6 Contempla apenas Usinas com Autorização de Comercialização e Registro Especial na RFB/MF.

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Considerações finais
A questão agrícola na Região Centro-Oeste seguiu contornos, principalmente a partir das
décadas de 1970 e 1980, que influenciaram decisivamente o seu perfil produtivo. As ações políticas,
tanto em nível nacional quanto outras específicas voltadas para a região, tiveram um papel relevante em
seu desenvolvimento assumido nas últimas décadas. Dentre as Grandes Regiões brasileiras, o Centro-
Oeste representa o centro produtor de commodities e matérias primas para a agroenergia, com destaque
para a soja e a cana-de-açúcar. Além destas, o milho e o algodão são as espécies agrícolas com maior
área colhida, dentre as demais relacionadas pelo IBGE.
A indústria de agroenergia desenvolvida na região, nos últimos anos, reafirma seu potencial
produtivo e a importância para o equilíbrio das finanças do país. Para dar continuidade a este
movimento é fundamental, portanto, que as políticas continuem apoiando o setor agrícola de forma a
atrair os investimentos externos e contribuir com o desenvolvimento sustentável do país.

REFERÊNCIAS
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP. Biocombustíveis. Folder publicado em
out./2010. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?id=470>. Acesso em: 30 ago. 2013.
ALMEIDA, G. S.; VIEIRA JUNIOR, P. A.; RAMOS, P. Os programas de desenvolvimento econômico do
Centro-Oeste brasileiro e suas conseqüências: anos 60 e 70. In: VII CONGRESO DE LA ASOCIACIÓN
LATINOAMERICANA DE SOCIOLOGÍA RURAL, 2006, Quito. Anais... Quito, Peru, 2006.
Brasil. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Lei Nº 11.097, de 13 de Janeiro de 2005.
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Análise da evolução da consciência político-jurídica
da normativa ambiental no Brasil: de Estocolmo à
Rio+20

Mykaella Sales Sousa1


Rodrigo Ramos do Carmo2
Suyene Monteiro da Rocha3

I. As discussões ambientais anteriores às grandes conferências internacionais

A
temática ambiental tangencia os acordos multilaterais internacionais de forma mais presente
a partir do Século XX, apesar destes não serem considerados como marcos da inserção do
tema “meio ambiente” no cenário mundial. (RIBEIRO, 2008)
O caminhar do pensamento ambiental antes das grandes Conferências Internacionais centradas
no tema, a iniciar pela Conferência de Estocolmo em 1970, é por muitas vezes desconsiderado no
âmbito doutrinário.
Apesar do ostracismo didático dispensando a tais situações anteriores à Estocolmo, não se pode
desconsiderar os tratados firmados no início e meados século XX como, por exemplo, a Convenção
para a Preservação de Animais, Pássaros e Peixes da África 4, a Convenção para a Proteção dos Pássaros
Úteis à Agricultura5, a Convenção para a Preservação da Fauna e da Flora em seu Estado Natural 6, o I
Congresso Internacional para a Proteção da Natureza7, e outros acordos até se chegar ao Tratado
Antártico8. Malgrado não se vislumbre o cumprimento e efetivos efeitos de tais tratados internacionais,
a inserção do tema ambiental na órbita internacional, ainda que de forma isolada, pode ser considerada
um avanço na área. (RIBEIRO, 2008)
Dentro dessa perspectiva embrionária de discussão de temas ambientais em âmbito
internacional é que aos poucos se pode verificar a inserção da temática nas pautas da ONU.
A Organização das Nações Unidas teve sua criação posterior à Segunda Guerra Mundial com a
finalidade precípua de evitar novos conflitos dessa natureza. Foi criada e desenvolveu-se em clima de

1 Aluna de Graduação do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT).


2 Engenheiro Civil, formado pela Universidade Estadual de Goiás (UEG) e aluno de graduação do curso de Direito da
Universidade Federal do Tocantins (UFT).
3 Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia na Amazônia Legal (Rede Bionorte). Docente na Universidade Federal do

Tocantins e no Centro Universitário Luterano de Palmas. suyenerocha@uft.edu.br


4 Visava a conter o ímpeto dos caçadores e manter animais vivos para a prática da caça no futuro. (RIBEIRO, 2008, p.54)
5 Protegia das espingardas de caçadores apenas os pássaros que, segundo o conhecimento da época, eram úteis às praticas

agrícolas transportando sementes. (RIBEIRO, 2008, p.54)


6 Assinada pelas potências europeias que mantinham territórios na África e procurou estabelecer mecanismos de

preservação de ambientes naturais na forma de parques, conforme o modelo adotado nos Estados Unidos. RIBEIRO,
2008, p.54)
7 Discussão ambiental a nível global, porém, sem resultados práticos. RIBEIRO, 2008, p.55)
8 Assegura a proteção do meio ambiente na Antártica, em todas as atividades humanas desenvolvidas no continente,

considerando o território como neutro. RIBEIRO, 2008, p.55-58)


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pessimismo já que o mundo estava na iminência de nova guerra entre as duas potências mundiais à
época: Estados Unidos e URSS. (VARELLA, 2012)
Tendo por escopo a minimização de conflitos entre os países, foi criada a FAO (Food and
Agriculture Organization- Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), em
1945, que tinha por foco a discussão sobre a falta de alimento, além da escassez e distribuição dos
recursos naturais, fatores ensejadores de conflitos internacionais. A FAO foi considerada como setor
responsável pelo início da discussão de temas ambientais no âmbito da ONU. (ONU, on line)
No Brasil, o cenário anterior às grandes Conferências Internacionais, é marcado pelo
aparecimento tímido e tardio da questão ambiental. O início da normatização se dá na década de 30, no
governo de Getúlio Vargas, tendo por foco principal a política de centralização do poder e estatização
de setores da economia, e não propriamente a preservação ambiental. (GRANZIERA, 2012)
A publicação do Código de Águas, de Minas e de Florestas foi em 1934, com vistas à
exploração imediata de recursos e políticas essencialmente nacionalistas. (GRANZIERA, 2012)
O governo brasileiro tinha receio que possível preservação ambiental freasse o crescimento
econômico, numa ideia manifestamente equivocada de desenvolvimento, a qual refletia o pensamento
vigente à época.
O Brasil possuía preocupações que não perpassavam diretamente nas questões ambientais, o
que ensejou em poluição e destruição dos recursos naturais em busca do crescimento econômico.
(GUERRA, 2009)
Nesse mesmo diapasão, o governo militar manteve os pressupostos da era varguista e o
“milagre econômico” pressupunha a devastação ambiental. Tal fato foi alvo de críticas e criou um
cenário de desconforto para o Brasil que passou a ser taxado como poluidor e teve de, apressadamente,
criar políticas que pudessem ser apresentadas em Estocolmo e fossem capazes de amenizar tal
estereótipo. (GUERRA, 2009)

II. A Conferência de Estocolmo - 1972

A internacionalização do Direito Ambiental possui como marco a Conferência de Estocolmo


que reuniu “113 países, 19 órgãos intergovenamentais e 400 outras organizações intragovernamentais e
não governamentais” (MCCORMICK, apud RIBEIRO, 2008, p. 74). No entanto, apenas dois chefes
de Estado compareceram à reunião, Olaf Palme e Indira Gandhi, representantes da Suécia e Índia,
respectivamente; fato este que demonstra a dificuldade de engajamento político e inclusão do tema
ambiental na pauta de discussões internacionais. (RIBEIRO, 2008)
Alguns fatores motivaram a realização de uma conferência que tinha como foco a reunião de
diversos países centrados na temática ambiental, e dentre esses, o maior fator-propulsor foi o Clube de
Roma. (GRANZIERA, 2012)

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O Clube de Roma surgiu em 1968 e trouxe notícias catastróficas sobre o futuro do planeta
tendo por base a população mundial, consumo dos recursos naturais e crescimento econômico dos
países, sugerindo uma política de “crescimento zero” muito criticada pelos países em desenvolvimento.
(CUSTÓDIO, on line).
A crítica deve-se ao fato que os países em desenvolvimento acreditavam que tal tese era fruto de
uma tentativa de obstaculizar o crescimento dos países que, à época, mantinham altas e contínuas taxas
de crescimento econômico. (CUSTÓDIO, on line).
O contexto internacional era marcado pelo antagonismo claro entre países norte x sul e
desenvolvidos x em desenvolvimento, além do questionamento do modelo ocidental de produção
industrial. A ONU, assim, possuía um problema ideológico para compor antes de qualquer tentativa de
negociação multilateral.
Dessa forma, as reuniões preparatórias eram de fundamental importância para a possibilidade
de tratados entre os países participantes que tinham situações e posições ideológicas tão heterogêneas.
Tendo em vista tais discrepâncias, foi realizada a Reunião de Founex entre os dias 04 e 12 de junho de
1971. (ACCIOLY; CASELLA, DO NASCIMENTO, 2012)
A relevância da reunião é inegável para as futuras conferências internacionais, posto que
estabeleceu o foco que teria a Conferência de Estocolmo e deixou claro que os países em
desenvolvimento seriam ouvidos de igual forma daqueles ditos desenvolvidos. (ACCIOLY; CASELLA,
DO NASCIMENTO, 2012) O relatório proveniente da Founex explicita a ideia de que a pobreza e o
modelo de desenvolvimento adotado estariam inseridos no contexto ambiental, principalmente em uma
época que as indústrias migravam de países saturados para países em desenvolvimento, levando
consigo, consequentemente, poluição.
Ademais, verifica-se, no referido relatório, o nascimento da noção de desenvolvimento
sustentável e a ampliação de matérias que são intimamente ligadas às questões ambientais e deveriam
ser objeto de debates em sede internacional.
A reunião de Founex foi a base para as reuniões preparatórias tendo seu espírito incorporado
pela Resolução 2849 sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, durante a XXVI Sessão da Assembleia
Geral, a qual orientou os trabalhos e discussões em Estocolmo. (CETESB-SP, on line)
Alguns temas que foram discutidos e ganharam destaque nas comissões preparatórias e na
Conferência de Estocolmo foram: a poluição atmosférica, a poluição da água e a poluição do solo;
todos tendo por base de existência o processo de crescente industrialização.
Na oportunidade de finalização do texto dos dois documentos provenientes da Conferência – a
Declaração sobre o Meio Ambiente Humano (com 26 princípios ao final), e o Plano de Ação para o
Meio Ambiente Humano (109 recomendações em texto final)- os debates e discrepâncias entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento continuaram, tendo existido diversos impasses em temas

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 150

como crescimento demográfico, soberania, financiamento e cooperação mundial. (ACCIOLY;


CASELLA, DO NASCIMENTO, 2012)
Finalizada a Conferência de Estocolmo, houve a inserção oficial do tema ambiental na agenda
internacional, além da participação das ONG’s como parte dos atores que atuaram ativamente das
discussões internacionais e trouxeram novos rumos, paradigmas e visões, enriquecendo de
sobremaneira os debates realizados e saindo da posição de passividade no cenário internacional
ambiental.
Lago (2006, p. 48) enumera eminentemente as principais consequências positivas da
Conferência de Estocolmo:
A maioria dos autores considera que as principais conquistas da Conferência de
Estocolmo – independentemente dos êxitos ou derrotas de países específicos ou de
grupos negociadores – teriam sido as seguintes: a entrada definitiva do tema ambiental
na agenda multilateral e a determinação das prioridades das futuras negociações sobre
meio ambiente; a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
PNUMA (UNEP, pelas iniciais em inglês); o estímulo à criação de órgãos nacionais
dedicados à questão de meio ambiente em dezenas de países que ainda não os tinham;
o fortalecimento das organizações não governamentais e a maior participação da
sociedade civil nas questões ambientais.

Quanto à participação do Brasil na Conferência de Estocolmo, o país encontrava-se em tempos


de Ditadura Militar e alto crescimento econômico. Tal crescimento econômico não levava em
consideração os danos ambientais ou uso racional dos recursos naturais. (GUERRA, 2009)
Além de ser visto em clima de desconfiança pelo sistema político autoritário e o boom financeiro
do “milagre econômico”, o Brasil ainda levou na bagagem o atrito com a Argentina devido ao
aproveitamento do potencial hidrelétrico do Rio Paraná.
A reivindicação argentina foi exteriorizada na proposta aditiva ao Princípio 20 da Declaração
sobre o Meio Ambiente Humano, na qual constava que os Estados a montante de rios internacionais
tinham de informar devidamente e em tempo hábil os Estados a jusante sobre qualquer atividade que
pretendiam realizar no rio. À época, o Brasil estava com o projeto de Itaipu bem desenvolvido junto
com o Paraguai e por vislumbrar possíveis prejuízos nesse projeto com a adição do Princípio 20,
postergou o enfrentamento do tema apenas para durante a XXVII Assembleia Geral, pelos chanceleres
de ambos os países envolvidos. (LAGO, 2006)
O Brasil foi representado pelo Itamaraty, tendo enfrentado além do peso da desconfiança
mundial, críticas ao crescimento a qualquer custo e degradação ambiental, além da defesa do interesse
nacional no caso de Itaipu. Nesse diapasão Lago (2006, p.143) expõe que:
O Itamaraty saiu fortalecido da Conferência de Estocolmo por ter demonstrado que
sabia cumprir as prioridades do Governo – o caso de Itaipu – e que podia exercer
liderança internacional, graças a posições gestadas dentro da “Casa”. Saiu fortalecida,
também, a confiança no multilateralismo, em razão dos instrumentos que colocava à
disposição dos países em desenvolvimento.

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Apesar da postura inicial intransigente do Brasil na Conferência defendendo a posição dos


países em desenvolvimento (na verdade, países com crescimentos desenfreados e inconsequentes do
ponto de vista ambiental), adotou, ao final da Cúpula, algumas medidas afins aos princípios de
Estocolmo, a exemplo da instituição, em 1973, da Secretaria Especial do Meio Ambiente e o uso
racional dos recursos naturais no Brasil através do Decreto n° 73.030. (BEHRENDS, 2011)

III. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento –Rio-92

A partir da inserção do tema ambiental em grandes reuniões internacionais, e tendo em vista a


latente necessidade de discussão da matéria a nível transnacional, em 1988, a Assembleia Geral da
ONU deliberou sobre nova Conferência.
O Rio de Janeiro foi a sede escolhida para o evento basicamente por dois motivos que denotam
o simbolismo contido na escolha: primeiramente pelas imagens chocantes de queimadas na Floresta
Amazônica e devido o assassinato do líder ambientalista Chico Mendes. (RIBEIRO, 2008)
A realização da CNUMAD (também conhecida por Rio-92, ECO-92, Cimeira da Terra)
realizou-se tendo por base o Relatório “Our Common Future” ou Relatório Brundtland, conforme se
verifica no trecho supratranscrito:
Este Relatório, conhecido como Relatório de Brundtland, tratou de propostas para
estabelecimento de políticas e programas para promoção do desenvolvimento
sustentável. Este trabalho influenciou de forma determinante a Conferência de 1992
com propostas de conciliação da preservação das águas, do solo e de ecossistemas e de
conservação de espécies individualmente. O Relatório postulou igualmente
responsabilidade coletiva para proteção de “recursos universais”, tais como clima e
biodiversidade, e convocou os países desenvolvidos a prestarem assistência aos países
em desenvolvimento. (BIRNIE; BOYLE, APUD ACCIOLY; CASELLA, DO
NASCIMENTO, 2012, p. 897)

Tal relatório foi responsável pela consolidação e definição do conceito de “desenvolvimento


sustentável”. Assim, tal expressão pode ser entendida como “dustainable development seeks to meet
the needs and aspirations of the present without compromising the ability to meet those of the future”,
ou seja, o desenvolvimento “capaz de satisfazer às necessidades presentes sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de satisfazer as suas próprias necessidades”. (ONU, on line; Relatório
Brundtland apud LEUZINGER e CUREAU, 2008, p.10).
Na década de 80 o planeta teve notícias alarmantes sobre o aumento do buraco na camada de
ozônio, além de vivenciar grandes tragédias ambientais, a exemplo do acidente nuclear de Chernobyl.
Tais fatos trouxeram uma atmosfera de cooperação internacional e preocupação com a questão
ambiental planetária. (ACCIOLY; CASELLA, DO NASCIMENTO, 2012)
Nessa perspectiva, a Conferência de Nairobi ocorreu em 1982 com o objetivo de analisar o
funcionamento do PNUMA criado por consequência da Conferência de Estocolmo. Constatou-se que,
apesar dos compromissos fixados em 1972, o meio ambiente continuava sendo desequilibrado pela
ação antrópica, como se pode verificar na constatação abaixo:

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Na ocasião, elaborou-se um novo diagnóstico da situação ambiental mundial. Desta
vez, porém tinha-se Estocolmo como referência, tendo permitido uma comparação de
resultado desalentador. Ambientalmente falando, o mundo estava pior do que em
1972. Inicialmente avaliou-se o que fora implementado a partir do Plano de Ação e
confirmou-se o já sabido: muito pouco tornou-se realidade O plano foi transformado
em exercício retórico. (RIBEIRO, 2008, p. 84)

As dicotomias de países desenvolvidos e em desenvolvimento ainda existiam tendo em vista


que estes últimos suportavam em grande escala o sacrifício ambiental para suportar o padrão de
consumo dos primeiros.
Outro acontecimento marcante e influente, no contexto anterior à Conferência de 92, foi a
CITES- Comércio Internacional de Espécies de Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção,
relacionada à preservação da biodiversidade, principalmente em relação às espécies que possuíam
valoração econômica à época e tal valor aumentava exponencialmente o risco de extinção destas. O
documento final da CITES garantiu o respeito à ampla soberania dos membros, fato este que
possibilitou grande adesão dos Estados. (RIBEIRO, 2008)
Por fim, a Convenção de Viena e o Protocolo de Montreal trouxeram a temática da poluição
atmosférica em evidência. A Convenção “guarda-chuva” só foi efetivada com o Protocolo de Montreal,
o qual trouxe definição de metas concretas, com prazos e determinação de objetivos distintos a
depender do Estado-membro, levando-se em consideração o nível de desenvolvimento, poluição, entre
outros fatores. (PECEQUILO, 2009)
Diante desse contexto de reuniões paralelas e compromissos fixados de forma cogente e não
apenas com cunho principiológico, a Rio-92 ocorreu em meio a grande mobilização das lideranças
políticas se comparada a Estocolmo. Participaram, ao total, 172 Estados, dos quais 108 foram
representados pelos Chefes de Estado. (BRASIL, on line)
O clima otimista pelo fim da Guerra Fria e o vislumbre da possibilidade de cooperação
internacional com o fim do mundo bipolar e início do multilateralismo, influenciou de sobremaneira a
confiança no evento, além da mobilização política dos países, a participação da sociedade civil e
ONG’s.
A temática ambiental, assim, esteve no foco do cenário internacional, que buscava o
desenvolvimento sustentável, ou seja, a harmonização dos três pilares da sustentabilidade: economia,
sociedade e meio ambiente.
Dentro dos objetivos da CNUMAD, encontrava-se, a priori, a análise a nível regional e global
das medidas necessárias para o restabelecimento do equilíbrio ambiental, a necessidade de recursos
financeiros à promoção do desenvolvimento sustentável, análise do desenvolvimento humanitário,
incluindo a educação ambiental, cooperação técnica e etc, e, por fim, os aspectos institucionais
concernentes à Conferência do Rio, tendo em vista dar a máxima efetividade (em sentido político e
jurídico) ao acordado no âmbito da Rio-92. (GRANZIERA, 2012)

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Como produto da Conferência, foi assinada a Convenção Sobre Mudanças Climáticas, a


Convenção Sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Rio, a Declaração Sobre Florestas e a
Agenda 21. (GUERRA, 2009)
No que concerne à Agenda 21, esta não logrou de tal sucesso devido às pressões políticas
envolvidas nas negociações, já que muito das ideias originais foram modificadas, a exemplo da redução
da dotação orçamentária dispensada à implementação dos compromissos, além da falta de
normatividade dos objetivos do documento, sendo realizadas apenas recomendações, sem fixação de
datas para início da efetividade das exigências estabelecidas. (RIBEIRO, 2008)
Em relação ao momento vivido pelo Brasil, este tinha saído de um regime autoritário militar e o
“milagre brasileiro” mostrava sua fragilidade frente às crises mundiais a exemplo da crise do Petróleo de
1991, além da imagem do país ter sido deteriorada por vídeos das queimadas na Amazônia que
circulavam pela imprensa mundial.
Diante das mazelas sociais que o Estado brasileiro vivia, a população se interessava no pilar do
desenvolvimento social e simpatizou com a “bandeira” da preservação ambiental. Nas palavras de Lago
(2006, p.146) “a “simpatia” pela questão ecológica espalhou-se pelo país, as ONGs ganharam mais
força no combate às agressões contra o patrimônio ambiental”.
O Brasil sediando um evento de magnitude planetária e estando no foco do cenário
internacional, tinha por missão apagar ou atenuar a imagem negativa que o país ganhara com os
governos autoritários anteriores. Dessa forma, o governo Collor, à época, anunciou que o meio
ambiente seria uma das suas prioridades de governo. (SCHINDLER, online, 2010)
Na Conferência do Rio, o Brasil assumiu posição de liderança tantos nas reuniões preparatórias,
quanto na própria conferência, tendo participado da elaboração dos documentos principais e enfatizado
temas como poluição, florestas, população e outros temas-chave do país. (SCHINDLER, online, 2010)
Importante ressaltar que o Brasil ainda passava por um momento de afirmação de sua
soberania, fato este que impôs uma postura de não aceitar interferências internacionais em questões
como do acesso aos recursos genéticos ou na negativa da tutela internacional na preservação da
cobertura florestal na “Declaração sobre Florestas”. (LAGO, 2006)

IV. Conferência de Joanesburgo – Rio+10

A Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ou Rio+10, como é mais


conhecida, ensejou muitas críticas e quase sempre é tratada como uma conferência pífia no que
concerne aos seus resultados, principalmente pelo fato de se extrair apenas conteúdo principiológico
dos produtos da Conferência. (NOVAES, 2002; LITTLE, 2003)
O contexto antecedente à realização da Rio+10 não foi dos mais promissores a um evento que
visava a cooperação internacional. Isso se deve ao fato que o contexto social, político e econômico
vivenciado no final do Século XX e início do XXI era de sucessivas crises, a exemplo da Crise dos
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Tigres Asiáticos em 1997 ou da crise Argentina em 2001. Nesse cenário, os países estavam mais
preocupados com a implantação de políticas internas que protegessem ou reestruturassem o país da
crise, do que propriamente com um espaço destinado à discussão ambiental. (COELHO, on line)
A escolha da cidade de Johanesburgo localizada no continente africano já trouxe um clima de
desconfiança de que tal conferência se restringiria ao eixo temático da “pobreza”, posto que durante as
reuniões preparatórias, até pelo menos a PrepCom 3, os debates centralizavam-se no tema. (LAGO,
2006)
Porém, na realidade, o objetivo central da Conferência de Johanesburgo era estabelecer medidas
de implementação do que já havia sido acordado na Rio-92. Além disso, criou-se uma grande
expectativa quanto à discussão sobre o acesso à energia limpa e renovável, discussão esta que cedeu às
pressões econômicas dos países desenvolvidos.
A proposta de mudança da matriz energética mundial, argumenta Goldemberg (2002, [S.p]), foi
proposta pessoalmente pelo Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, tendo recebido forte
repulsa de países como Estados Unidos, Japão e outros membros da OPEP (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo). Em suma, objetivava-se a substituição até 2010 de cerca de 10% da
produção de energia pelas fontes renováveis e menos poluentes, a exemplo da eólica, solar,
hidroelétrica e etc.
Os produtos da Rio+10, a Declaração de Johanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável e o
Plano de Implementação ou Plano de Ação, são apontados como documentos que reafirmam o que já
havia sido acordado em 1992, não havendo determinação de metas, prazos ou medidas sancionatórias
que pudessem viabilizar a implementação efetiva dos compromissos já outrora firmados. (RIBEIRO,
2008)
Ademais, critica-se tal conferência por não ter enfrentado o tema com maior força impactante
na questão ambiental: a questão energética. Tal omissão nos documentos oficiais trouxe a sensação de
superioridade dos interesses econômicos em detrimento de qualquer outro interesse social ou
ambiental, causando clima de desconfiança aos tratados internacionais provindos das Conferências de
temática ambiental.

V. Rio+20

A realização da Rio +20 foi definida pela Resolução 64/236 e visava, principalmente, a análise
dos comprometimentos políticos outrora firmados. Ainda, esperava-se da Conferência uma reafirmação
do que já havia sido acordado nas cúpulas anteriores, porém com metas e prazos claros, definindo as
medidas de implementação do desenvolvimento sustentável nos países. (ONU, online)
Nesse sentido, os principais temas abordados na Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (UNCSD ou Rio+20) foram: “A economia verde no contexto do

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desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e a estrutura institucional para o


desenvolvimento sustentável.” (ONU, online)
A UNCSD foi convocada pela ONU em 2009 e tinha a pretensão de ser o maior evento de
debates sobre preservação ambiental, além de um divisor de águas quanto ao estabelecimento de
políticas que visassem o desenvolvimento sustentável.
No entanto, o contexto econômico da primeira década do século XXI retirou o foco da questão
ambiental e postergou o estabelecimento de diretrizes claras de implementação de políticas a outras
reuniões futuras.
Não se pode negar a dificuldade de se organizar um evento tendo de enfrentar o desvio de foco
ocasionado por sucessivas crises financeiras, a exemplo da crise do mercado imobiliário estadunidense
em 2008 e a crise europeia, as quais geraram efeitos a nível planetário. Ademais, estava-se diante de um
contexto semelhante ao visto na Rio+10, muito já havia discutido sobre meio ambiente e muitos
tratados já foram firmados sobre a matéria em reuniões internacionais, mas pouco se fez, na prática,
para se chegar ao desenvolvimento sustentável. (GANDRA, 2012, s/p).
Tal constatação advém, por exemplo, da análise do relatório realizado pelo PNUMA, o qual
baseia as diretrizes e focos de discussão da Rio+20, intitulado “Keeping track of our changing Environment :
From Rio to Rio +20” (De olho no meio ambiente em mutação: Do Rio à Rio+20).
Dentre os variados temas que são tratados cientificamente pelo relatório, alguns merecem
destaque como mudanças climáticas, cobertura florestal e biodiversidade, por serem os assuntos com
dados mais alarmantes. (PORTAL RIO +20, online).
Em relação às mudanças climáticas, constatou-se que os níveis de emissão de CO2 na atmosfera
continuam crescendo, sendo que 80% do valor total do gás emitido são expedidos por apenas 19 países
que possuem alto desenvolvimento econômico. (UNEP, online).
As emissões do gás carbônico aumentaram cerca de 36% dos anos de 1992 a 2008, fato este que
coloca em cheque a efetividade da Convenção sobre Mudanças Climáticas, o Protocolo de Kyoto e as
COPS realizadas sobre o tema. (UNEP, online).
Diante de tal quadro de poluição atmosférica, o relatório denota que a temperatura média global
aumentou 0,4 ° C entre 1992 e 2010. Tal fato gera o derretimento das geleiras e consequente aumento
do nível do mar (cerca de 2,5 mm por ano desde 1992), o que provoca desequilíbrios ecológicos
imensuráveis em todo o planeta. (UNEP, online).
Em relação à cobertura vegetal, o relatório preparatório da Rio+20 enfatiza a perda de 300
milhões de hectares de florestas desde 1990. Apesar de atestar para o aumento das terras que sofreram
reflorestamento, expõe, como contrapartida, que tais áreas dispõem, naturalmente, de menor
diversidade, contribuindo para diminuição do “índice de planeta vivo”. (PORTAL RIO +20, online).
Em meio a tais conclusões negativas e descrédito quanto ao comprometimento dos países em
cúpulas mundiais, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável foi realizada

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nos dias 20 a 22 de junho de 2012 com o inequívoco propósito de mudar a dinâmica de cunho
principiológico, que se extrai dos documentos assinados desde Estocolmo para atribuição de valor
normativo político efetivo aos tratados firmados em tais Conferências.
Como produto da Rio+20, destaca-se o documento intitulado “O Futuro que Queremos”,
resultado da proposta inicial “rascunho zero” que foi se amoldando aos interesses dos 188 Estados-
membros participantes até sua versão final.
Tal documento foi alvo de críticas, pois foi um meio para reafirmar os princípios e o já
acordado em reuniões anteriores, sem qualquer inovação política quanto ao nível de comprometimento
firmado, além de não enfrentar temas de maiores divergências desde a Rio-92, como a mudança da
matriz energética mundial.
Impende destacar que, apesar das críticas ao evento, a participação da sociedade civil, ONG’s e
empresas foi um passo essencial à busca do desenvolvimento sustentável. Dentro dessa perspectiva,
“705 compromissos voluntários para o desenvolvimento sustentável registrados por governos,
empresas, grupos da sociedade civil, universidades e outros“. Tal fato demonstra que a Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável ultrapassou as barreiras de participação apenas dos
sujeitos internacionais para integrar estes aos atores internacionais, sendo um notável avanço já que
qualquer ação que tenha por escopo o desenvolvimento sustentável coteja a consciência ambiental da
população. (ONU, online).
A participação do Brasil na Rio+20 perpassa a relevância da sua condição de sede do evento.
Assim, desde a elaboração do Rascunho Zero até o encerramento do evento com a finalização do “O
Futuro que Queremos”, o país esteve como coordenador das discussões em busca do consenso entre
os participantes. (BRASIL, online).
Ressalta-se que a apresentação das políticas públicas já efetivadas pelo Brasil, a exemplo do
Programa “Brasil sem Miséria”, que corrobora os 3 pilares do desenvolvimento sustentável e está ligado
diretamente aos Objetivos do Milênio das Nações Unidas, estabelecido nos anos 2000 e praticamente
incorporado no documento final da Rio+20. (BRASIL, online).
A evolução mais latente resultante da Rio+20 foi a expansão do discurso ambiental
(principalmente no que concerne à extensão do conceito de “desenvolvimento sustentável” que abarca
questões ambientais, sociais e econômicas) e a participação da sociedade civil, a qual se mostra não
apenas mais simples “simpatizante” do tema, mas inserte à dinâmica das ações propulsoras da
sustentabilidade.

VI. Considerações finais

As Conferências ambientais em âmbito internacional demonstraram a dificuldade de se


estabelecer meios de implementação eficazes aos tratados provenientes de tais cúpulas.

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Iniciando por Estocolmo em 1972, Rio de Janeiro em 1992, Johanesburgo em 2002 até a Rio
+20 em 2012, os relatórios antecedentes de cada conferência demonstram, em geral, que o meio
ambiente sofre ações antrópicas negativas, mesmo com uma vasta quantidade de compromissos
firmados entre os Estados em áreas como a de mudanças climáticas, preservação florestal, erradicação
da pobreza, entre outras.
O desenvolvimento sustentável visto sob o enfoque da harmonização de seus 3 eixos
(econômico, ambiental e social), muitas vezes aparenta objetivo utópico frente a assuntos polêmicos
que se arrastam desde 1972, como a questão energética, que sofrem pressões políticas frente os ditames
dos padrões de consumo e crescimento econômico.
Não obstante tal constatação, diante de um lapso temporal de aproximadamente 40 anos,
percebe-se a maturidade do discurso ambiental e a participação da sociedade civil desde os debates
locais até as conferências internacionais, a exemplo da participação em massa da sociedade, empresas,
ONG’s e movimentos diversos na Rio+20.
Dessa forma, tendo em vista um quadro internacional de cooperação marcado por reuniões
internacionais que debatem acerca de sustentabilidade e seus eixos, faz-se mister que se tenha
compromissos que se extraiam meios de implementação das medidas já acordadas, pois muitos tratados
de cunho principiológico já foram firmados, porém sem as necessárias medidas que atribuam
efetividade prática a estes, o que gera incertezas e desconfianças no que concerne aos discursos
proferidos pelos países participantes das cúpulas mundiais.

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Movimentos sociais e práticas educativas no
Bico do Papagaio, Tocantins

Rejane Cleide Medeiros de Almeida1

1. Movimentos sociais e o caráter educativo da luta pela terra

N
os movimentos sociais os sujeitos aprendem a se organizar, a se reconhecer, a se fazer
reconhecer, a se posicionar diante das forças sociais, passando a vivenciar um processo
educativo. O caráter educativo implícito nos movimentos sociais se apresenta em várias
dimensões. Com base em Gohn (2007), as extensões do educativo são as seguintes: i) da organização
política; ii) da cultura política, em que o exercício da prática cotidiana leva a experiências e ajuda a
elaborar discursos e práticas políticas; iii) da dimensão espaço-temporal, cuja consciência gerada no
processo de participação num movimento social conduz ao conhecimento e reconhecimento das
condições de vida de parcelas da população no presente e no passado.
Assim, o movimento social pode significar espaço educativo, situações de aprendizagens, o
que para Gohn (2007), não se restringe ao aprendizado de conteúdos específicos transmitidos por
meio de instrumentos pedagógicos. Constrói-se de várias formas, em planos e dimensões variados que
se articulam e não determinam nenhum grau de prioridade. Nesse sentido, o processo educativo tem
uma dimensão cultural, respondendo às necessidades gerais do sujeito e da sociedade. Afora isso, o
processo educativo elabora também uma dimensão política, de luta social, carregada de prática política
pedagógica e da relação dos movimentos com os camponeses na luta. Trata-se, indubitavelmente, de
uma relação político-pedagógica.
Por conseguinte, a luta social e dos movimentos passa a ser educativo. As práticas educativas
espelham as ações políticas num contexto histórico-social ligado diretamente às condições objetivas
dos sujeitos, cujas ações organizativas e as concepções de mundo são gestadas a partir delas (CRUZ,
2004). Busca-se refletir criticamente a respeito da contribuição da organização social e política dos
movimentos na disputa pela terra, mediada por uma prática pedagógica de ocupação, uma vez que,
historicamente, essa região constitui fronteira agrícola e de interesse de expansão do capital.
Hoje, o contexto dos conflitos está diretamente ligado à expansão do agronegócio na
Amazônia. Aliás, o processo de articulação, constituição e territorialização dos movimentos sociais no
Estado do Tocantins responde ao modelo de desenvolvimento capitalista da agricultura, implementada
e reproduzida em todo o Estado. A partir dessa conjuntura, observa-se o enfrentamento ao modelo
agroexportador, em que os movimentos sociais têm desenvolvido ações políticas que propiciam
ocupações em latifúndios, tomam temporariamente a Assembléia Legislativa do Estado do Tocantins,

1 Universidade Federal de Tocantins – E-mail: rejmedeiros@uft.edu.br


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exigem da Seduc ação educativa para os acampados e do Incra resolução para demarcação e
assentamentos das famílias acampadas nas terras. Além disso, mobilizam outros espaços públicos que
signifiquem poder e presença forte do Estado.
Os movimentos sociais passam a constituir uma práxis de caráter educativo que nasce da
participação política dos processos de interação, das negociações com representantes políticos, das
relações com os mediadores, isto é, o movimento amplia-se no espaço de socialização política. Esse
espaço, caracterizado pela comunicação, interação, luta e resistência, define-se como o espaço de
comunicabilidade do lugar. Aí as pessoas se conhecem, constroem conhecimento, debatem temas do
cotidiano, relembram suas trajetórias. Torna-se espaço de leitura e releitura da realidade vivenciada,
alavancando conhecimentos críticos, mobilizando um espaço de luta e de resistência. Enfim, trata-se de
manifestação pública dos sujeitos e de seus objetivos.

2.Percurso metodológico da pesquisa

O objeto desta pesquisa são as práticas educativas nas ações políticas desenvolvidas pelos
sujeitos na luta pela terra. Desdobra-se na problemática da formação das ações políticas constitutivas da
realidade social, apontando para a reflexão crítica sobre o pensamento que imprime a prática educativa
no sentido de autonomia de homens e mulheres do campo. Parte-se da territorialização do movimento
social, no cotidiano da luta dos Sem Terra no Estado do Tocantins.
A questão que se coloca é a seguinte: de que forma as lutas sociais podem constituir novas
práticas educativas na formação política dos sujeitos envolvidos no processo da luta pela terra e
contribuir no processo de territorialização de ocupação no Bico do Papagaio?
Nessa perspectiva, esta pesquisa tem como lócus o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-
MST, que atua no Estado do Tocantins, em especial na Mesorregião do Bico do Papagaio.
Quanto a metodologia empregada trata-se de momento indispensável ao contato inicial com as
comunidades do Assentamento Primeiro de Janeiro. Destaca-se, nesse sentido, o modo dessa
abordagem como um primeiro instrumento promovido pelas vozes dos entrevistados, como
produtores de relações sociais, possibilitando focalizar de forma concreta o enredo existente nas
contradições das relações sociais, tecidas pelas vidas entrecruzadas das histórias de ocupação no
território em questão.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e observações-participantes no Assentamento que
teve importância política a partir dos anos de 1990 (Primeiro Assentamento do MST – Primeiro de
Janeiro). Tais observações e entrevistas terão como enfoque as implicações que as ações políticas têm
ou tiveram na construção de práticas educativas desenvolvidas por meio das ações coletivas.
Trata-se, pois, de uma pesquisa sobre as práticas educativas geradas a partir da organização
política dos movimentos sociais. A compreensão dessas práticas, da forma organizacional dos homens
e mulheres nos movimentos sociais no Bico do Papagaio, trará esclarecimentos sobre a construção de
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práticas educativas desses (as) camponeses (as). A pesquisa é etnográfica, com observação participante.
Esse tipo de investigação é assim explicado por Brandão (1999, p. 12-13):
Quando o outro se transforma em uma convivência, a relação obriga a que o
pesquisador participe da vida, de sua cultura. Quando o outro me transforma em um
compromisso, a relação obriga a que o pesquisador participe de sua história [...] difícil
quando o pesquisador convive com pessoas reais e, através delas, com outras culturas,
grupos sociais e classes populares. Então a observação participante, a entrevista livre e
a história de vida se impõem. [...] a relação de participação da prática científica no
trabalho político das classes populares desafia o pesquisador a repensar a ver e
compreender tais classes, seus sujeitos e seus mundos, tanto através se suas pessoas
nominadas, quanto a partir de um trabalho social e político de classe que, constituindo
a razão da prática, constitui igualmente a razão da pesquisa. Está inventada a pesquisa
participante. [...] Porque uma pesquisa coletiva participa organicamente de momentos
do trabalho de classe, quando ela precisa se reconhecer no conhecimento da ciência.

Nessa perspectiva, buscou-se realizar a pesquisa que ora se apresenta no movimento da


totalidade e possibilidade histórica, para uma análise das práticas que visualizam a participação,
investigação e ação educativas, como momento de um mesmo processo. Neste processo se encontra o
germe de um ou mais estilos alternativos de trabalho junto a trabalhadores/as camponeses/as, sujeitos
históricos da região do Bico do Papagaio em Tocantins. O propósito é contribuir, por meio da
produção e comunicação de conhecimentos, para a criação de uma nova hegemonia.
É por meio da apropriação coletiva do saber, na produção coletiva de conhecimentos, que pode
se efetivar o direito de vários grupos e movimentos sociais sobre a produção, o poder e a cultura.
Muitas das práticas constituídas na pesquisa participante surgem como método de ação e forma diversa
de aprendizagem coletiva. Isso pode possibilitar uma diversidade de transformação do povo em sujeitos
políticos, em suas reivindicações na sociedade a que pertencem. Outras possibilidades estão nas práticas
como

3.Território e territorialização

A mesorregião do Bico do Papagaio, parte da porção Norte do Estado de Tocantins é o


território em estudo.2 A escolha desse território tem a ver com seu caráter de intensas lutas e conflitos
pela posse da terra, situando homens e mulheres como sujeitos históricos de resistência camponesa,
como classe na região de fronteira agrícola. O tema em questão – movimentos sociais e práticas
educativas – remete às significativas ações políticas nesse cenário (Bico do Papagaio). Elas oferecem a
possibilidade de se realizar um estudo sobre a territorialização dos movimentos sociais no Estado de
Tocantins.
O estudo desse tema permite compreender a contribuição dos movimentos sociais no Estado
para a ocupação e territorialização de trabalhadores Sem Terra. Assinale-se que, historicamente, as

2 A mesorregião do Bico do Papagaio compreende 66 municípios, sendo 25 no Estado do Pará, 16 no Estado do Maranhão
e 25 na porção norte do Estado do Tocantins.

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terras desse Estado pertencem a um número muito reduzido de fazendeiros, que acumulam grandes
extensões territoriais, onde hoje existe um número elevado de assentamentos. Acompanhar as
lideranças e os trabalhadores Sem Terra, em suas ocupações e nas atividades que desenvolvem, leva a
perceber que os trabalhadores, em suas ações políticas, desenvolvem novas atitudes na sua relação com
a política, com seus companheiros, em defesa de uma identidade na sociedade.
Essa relação com a política, em busca de identidade, de novas formas de viver, é relevante para
esta pesquisa. Busca-se, assim, descortinar uma nova cultura política. Por essa razão, há de se identificar
o sentido das práticas educativas gestadas no processo de ocupação, organização e coletividade da luta
pela terra. Conhecer o movimento que os trabalhadores Sem Terra desenvolvem em função do direito
pela terra, além de sua organização e luta, permite revelar as práticas educativas aí inseridas.
Compreende-se que o desenvolvimento econômico e social é marcado por uma linha de
desigualdade e ao mesmo tempo de contradição. Na prática, o que se vê é o exercício do poder político,
econômico e social servindo para apropriação do espaço físico e material, privilegiando alguns
indivíduos da sociedade no Bico do Papagaio. Isso implica, sobretudo, centralidade na produção do
capital e reprodução ampliada. No entanto, a espacialização da luta, a conquista da terra e a
territorialização dos assentamentos rurais são partes constituintes do pertencimento dos sujeitos Sem
Terra. Nesse sentido, ocorre um processo de construção dos territórios como forma de retorno ao
campo. Nos últimos vinte anos, resultou na conquista de diversos latifúndios, originando 24 mil
famílias assentadas em 364 projetos de assentamentos, presentes em mais de 92 municípios do
Tocantins, desde a conquista do primeiro assentamento de reforma agrária – o PA Primeiro de Janeiro
–, em 1998.
Um conceito importante para a discussão do objeto em estudo é o de território, entendido por
Fernandes (2010) como um tipo de espaço geográfico. O território é um espaço apropriado por uma
determinada relação social que o produz e o mantém a partir de uma forma de poder. Esse poder é
concedido pela receptividade: o território é, ao mesmo tempo, uma convenção e uma confrontação.
Exatamente porque o território possui limites, fronteiras, é um espaço de conflitualidades.
Os territórios se movimentam e se fixam sobre o espaço geográfico. Logo, são as relações
sociais que transformam o espaço em território e este naquelas (Fernandes, 2010). Os territórios são
formados, sobretudo, no espaço geográfico a partir de diferentes relações sociais. Essa premissa
conceitual de território permite avançar, no sentido de problematizá-lo. O espaço e o território são
fundamentais para a realização das relações sociais, uma vez que estas últimas produzem continuamente
espaços e territórios de formas contraditórias, solidárias e conflitivas.
O território, na proposição de Santos (2011, p. 248), constitui as ações passadas, cristalizadas e
também presentes, materializadas nas ações: “as configurações territoriais são o conjunto dos sistemas
naturais, herdados por uma determinada sociedade”. São, nesse sentido, objetos, técnicas e cultura
constituídos historicamente. Isso implica o sentido e o significado real que surgem das atividades

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realizadas por um conjunto de ações. Conclui-se daí que o espaço é eminentemente histórico e sua
historicidade parte da constituição da materialidade territorial e das características das ações sociais.
Os autores evidenciados atestam fundamentos importantes para a reflexão crítica deste projeto
de pesquisa, contribuindo sobremaneira para o entendimento de território, territorialização dos
movimentos sociais e as práticas educativas nas ações políticas.
O processo de territorialização é compreendido pelas ocupações de terra e conquista de
assentamentos rurais. Para Fernandes (2010), esses territórios constituem-se em novos espaços. É onde
os trabalhadores rurais se recriam e onde reproduzem a luta pela terra, mediante a formação de um
movimento camponês. Essa leitura da terra permite compreender que a forma de organização social e o
território são partes indissociáveis da luta camponesa.
A territorialização é um processo permanente na história dos movimentos sociais, em especial
para o MST. Isso porque a luta camponesa pela terra, a conquista de um latifúndio e sua transformação
em assentamento rural promovem mudanças na estrutura fundiária. A divisão da terra aumenta
significativamente o número de pessoas nesse território. Essa nova realidade altera as formas de
organização do espaço e do trabalho e, por conseguinte, as relações sociais e políticas. O acesso à terra
é condição essencial para o campesinato, para assegurar seu meio de existência, construir sua identidade
e reproduzir seu trabalho familiar.
Para Fernandes (2010), a territorialização dos movimentos sociais por meio da ocupação da
terra é uma forma de enfrentamento, resistência e recriação do campesinato. As lutas realizadas
proporcionaram a ressocialização de trabalhadores que nunca tiveram terra. Nessa luta entrecruzam-se
diversas motivações: indignação, necessidade, interesse, consciência política, identidade camponesa,
concepções de economia moral da terra e a expectativa de superação forjada na dinâmica coletiva de
luta.
Além de ser uma luta territorial, é uma luta de família, já que envolve o conjunto de seus
membros em diversas atividades. Mesmo nos casos em que apenas alguns de seus membros fazem
parte da ocupação de um latifúndio, a família toda se envolve na mobilização pela terra cuidando de
várias outras necessidades básicas. As famílias sem terra criam comissões, núcleos ou setores que
cuidam da saúde, alimentação, educação, negociação política, divulgação e animação da luta. A luta
camponesa dos movimentos sociais é indissociável de sua organização social.

4.Assentamento Primeiro de Janeiro: a materialização de um sonho


O acampamento Primeiro de Janeiro originou-se em 1998, sendo um momento significativo de
organização do MST no Tocantins. A ocupação ocorreu a partir de um latifúndio improdutivo, as
margens da rodovia Belém Brasília. Lideranças do movimento Sem Terra junto com a comunidade
decidiram organizar as famílias Sem Terra no Município de Araguaína, Tocantinópolis, Arguianópolis,
Santa Tereza, Vanderlândia, Araguanã, Angico, Ananás, Palmeiras do Tocantins e Estreito no

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Maranhão. As 420 famílias organizadas pelo MST ocuparam no dia Primeiro de Janeiro de 1998, os
imóveis improdutivos denominado de Bom Sucesso, Olho d’água e Mucambo, com área total de 6.262
hectares, segundos dados cartoriais. Essa mobilização fez com que forças políticas locais interviessem
na tentativa de conflitos para o impedimento da ocupação, gerando perseguições políticas num clima de
tensão. A fala de um Trabalhador Sem Terra mostra como foi a ocupação
O ônibus passou às duas horas da manhã. Esse acampamento foi num curral. Eita
movimento bom. Era hora de assembléia, eu nunca tinha visto isso. Eu perguntei o
que era assembléia? Então me responderam: É uma reunião, uma prosa sobre a
organização do movimento. Fiquei na turma dos mais sabidos e aprendi muita coisa.
A linguagem das pessoas e o significado daquilo. Viver em grupo era a minha primeira
vez. Aquilo me trazia curiosidade eu era participativo. A palavra solidariedade era nova
e tinha dificuldade de falar. Aprendi a falar, entendi o significado do debate. Fui
participar dos estudos: o que significava os princípios dos movimentos, como se dava
a organização. Eu estudava os livros. Você tem uma arma poderosa que é a
informação (Entrevistado, 43 anos, assentamento Primeiro de Janeiro, 2012).

Entre as famílias existiam grupos de trabalhadores ligados aos sindicatos de Trabalhadores


Rurais de Palmeiras, Tocantinópolis e Araguaína, a CPT e todo o apoio das famílias acampadas. A
organização das famílias era em grupos onde realizavam trabalhos artesanais e de horta. Também
participavam de atividades políticas, debates, reuniões, palestras e cursos, contribuindo assim de forma
efetiva com o processo político organizativo do acampamento. A participação das mulheres foi
fundamental para não ocorrer a desistência na luta pela terra, organizando a escola, o atendimento a
saúde como também, realizando trabalhos produtivos para manter a sobrevivência.
Esses camponeses na sua maioria tinham sido expulsos de suas terras por meio da grilagem de
terra e dos conflitos realizados na década de 70 e 80 no bico do papagaio, pelos latifundiários grileiros
que assassinaram trabalhadores que resistiam na terra, gerando em toda a região, pânico e terror
espalhando o medo e a subserviência dos camponeses as atrocidades daqueles que se apropriavam
indevidamente de sua terra.
No decorrer do processo de modernização agrícola os camponeses sem terra no estado do
Tocantins e em outros estados brasileiros, que trabalhavam na condição de arrendatários, meeiros e
posseiros tiveram que deixar suas áreas de cultivo temporário ou permanente e aventurarem novas áreas
de trabalho, e não conseguindo novas áreas para trabalharem nas mesmas condições anteriores e não
possuindo dinheiro para comprar um pedaço de terra para trabalhar e garantir a sobrevivência de suas
famílias. Para isso, os camponeses decidiram entrar na luta pela terra, através da realização da ocupação,
materializada no derrubar a cerca do latifúndio e se territorializando.
A organização das famílias no acampamento serviu de exemplo para os outros trabalhadores da
região, logo nos primeiros dias de acampamento colocaram uma roça comunitária, medindo 60
alqueires, e para darem conta dos trabalhos, organizaram mutirões, trocando dias de serviço, garantindo

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uma grande produção. Depois da colheita, dividiram a produção com as famílias de acordo com os dias
de trabalho realizado na produção.
No período do acampamento as mulheres se organizaram em grupos e realizavam trabalhos
artesanais e de horta, principalmente plantios para amenizar os problemas de saúde, as mulheres
também participavam ativamente das atividades políticas, no tocante a debates, reuniões, palestras e
cursos, contribuindo assim de forma efetiva com o processo político organizativo do acampamento.
A participação das mulheres cumpriu com um papel fundamental, principalmente na resistência
para permanecer na terra, quando o homem queria desistir as mulheres resistiam se juntavam para
organizar o acampamento, lutando pela Escola. Pelo atendimento a saúde, realizando trabalhos
produtivos na tentativa de garantir a sobrevivência. Essas ações se constituem como um elemento
importantíssimo para a resistência na terra.
As mulheres compreendiam que a Educação era essencial para mantê-los firmes no
acampamento, principalmente as crianças e os jovens, que no inicio participavam ativamente das
atividades de lazer, mesmo organizadas de forma precária, no entanto, o futebol e as oficinas de
capoeira, garantiam a animação da juventude e a permanência na luta.
Muitos conflitos internos e externos ocorreram , em 1998 , ocuparam a prefeitura de Palmeiras,
reivindicando Escola, material escolar e estrada. Conseguiram o atendimento da pauta referente à
educação e dando continuidade aos processos de negociação ocuparam a Unidade Avançada do Incra
de Araguaina
O chefe da Unidade Anatório relatou que já tinha feito a vistoria das fazendas, mas que
o INCRA estava encaminhando uma nova vistoria das áreas e posteriormente o
processo de desapropriação, já que o proprietário estava endividado com o Banco do
Brasil e Banco da Amazônia e tinha interesse que o conflito tivesse uma rápida
solução. (Entrevistado. 43 anos, 2011).

Ainda no mesmo ano, 2000 camponeses retornaram na unidade do Incra de Araguaina,


reinvidicando a criação do projeto de assentamento e créditos de implantação (Habitação, fomento,
alimentação e a demarcação dos lotes para a consolidação do P. A.)
Outro fato muito interessante na luta foi a Marcha realizada de Vanderlândia a Araguaina, com a
participação de 300 camponeses, com o objetivo de pressionar o Incra a desapropriar a área; divulgar a
organização da luta pela terra e o MST; denunciar a violência no campo, especialmente na região do
bico do papagaio, denunciar a concentração da terra e exigir a Reforma Agrária; debater com a
sociedade a temática da distribuição da terra.
A inserção dos camponeses no MST começa juntamente com o processo de luta, uma vez que
no início não há esse pertencimento, essa identidade, embora sejam camponeses que não tem a terra e
que por sua vez, ainda não se percebe como sujeito social, capaz de mudar sua realidade e contestar as
relações de poder e dominação instituídas no país. No decorrer da luta pela terra, ocorre vários

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momento de inserção dos camponeses no cortar a cerca do latifúndio e no estágio da preparação da


ocupação e da organização do acampamento que inicia sua participação no Movimento
Os camponeses, na expectativa de conquistar a terra para produzir o seu sustento e da sua família
demonstram a existência de sujeitos sociais que lutam, atuam e media este processo.
Construímos duas salas, os professores (voluntários do próprio acampamento
construíram uma escola com palhas de coqueiro, foram buscar carteiras para o
acampamento). Nos grupos de família era discutido quem poderia dar aula para as
crianças. E quem tinha mais conhecimento dava aula no inicio do acampamento. A
prefeitura não nos recebia, mais insistíamos e ai conseguimos dois professores de
Palmeiras do município. Setor de saúde, educação, produção, formação. Fizemos
mobilização no INCRA (Araguaína), caminhada a pé de Vanderlândia até Araguaína
com o Sindicato dos Trabalhadores rurais do Tocantins, MST e CPT, dias e dias na
porta do INCRA em Palmas, dormimos no chão, muitas dificuldades.Vivemos no
sofrimento até 2000. Até sair toda documentação do INCRA (Entrevistada,
Assentamento Primeiro de Janeiro, 53 anos, 2012).

Na fala de uma trabalhadora camponesa é possível perceber como as práticas políticas podem
contribuir para formar homens e mulheres como sujeitos sociais.
As experiências que me move até hoje é o movimento Sem Terra: acordei, aprendi no
acampamento buscar o mundo, as místicas mexiam muito comigo, me fez despertar o
sentimento para poesia, contos, a história do meu povo. Eu estava adormecida e
acordei, a partir do movimento. Para pode construir outra formação humana. Convivi
com pessoas fabulosas, me ensinaram a ser gente. Ensinei para os meus filhos o
sentido da organização política. Eles hoje não estão na militância do movimento mais
são homens bem formados e sabem dos seus direitos (Entrevistada, Assentamento
Primeiro de Janeiro, 53 anos, 2012).

As famílias de trabalhadores rurais Sem Terra foram de alguma maneira na sua trajetória de
vida, exploradas pelos latifundiários e expropriadas de suas terras e das condições de produção, que
mobilizadas pelo MST integraram o processo de luta pela reforma agrária, se constituindo em uma base
orgânica do MST- Tocantins. Essas famílias, como tantas outras no Tocantins, encontravam-se no
momento de decidir se participavam da ocupação, se engajando na luta pela terra e enfrentar o
latifúndio que concentra terra e poder econômico e político resistindo a ofensiva da oligarquia rural
tocantinense, buscando na luta construir possibilidades de organização e resistência.
Os meus vizinhos diziam, não vão não, vocês vão morrer. Eu disse, nós não vamos
morrer não, nós não vamos fazer briga não, nós queremos terra e paz, mas se for
necessário nós briga”. (Entrevistada, 62 anos, 2011).

Decididos a romper com uma historia de espoliação e miséria que compõe a realidade do
campo no Tocantins, formando uma massa de camponeses sem terra vivendo agregados nas fazendas
ou nas cidades, sem condições dignas de trabalho e moradia.
Fui expulso da terra por não conseguir pagar a renda pro fazendeiro, era muito alta,
vim pra cá atrás de um lugar pra trabalhar sossegado, ter uma terra para trabalhar
(Entrevistado, 76 anos organizações, 2011).

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A formação dos camponeses no acampamento ocorreu a partir da organização dos grupos de


famílias, e de uma coordenação geral do acampamento. Os grupos eram coordenados por homens e
mulheres que iniciaram sua participação e coordenavam os grupos, numa tentativa de fortalecer o
processo organizativo do acampamento, distribuindo as tarefas e garantindo assim a resistência na terra.
Aprendi que todos nós juntos a gente tem mais força para conseguir as coisas. No
acampamento somos uma só família, somos todos irmãos, ninguém é individual, a
gente pensa nos outros, não só na gente. (Entrevistada, 56 anos, 2011).

Essa organicidade facilita o debate, estudo, participação e análise do processo pedagógico e


orgânico na disputa pela terra. Os coordenadores/ as dos grupos socializam as informações com os
grupos e as questões debatidas na coordenação são levadas como propostas para a assembléia geral do
acampamento, realizadas sempre que necessárias. Dessa forma, compreende-se que havia uma
construção coletiva do sujeito político coletivo se constituindo em um processo educativo na luta pela
terra.

5. A propósito do objeto de estudo: considerações finais

Com base na formulação feita, acredita-se que é na esfera de constituição de um processo


educativo que as práticas dos movimentos sociais se inserem. E cabe evocar a seguinte premissa: é por
meio desse processo que os trabalhadores, integrantes de uma determinada classe social, aprendem a
se reconhecer, a lutar por seus direitos, pelos seus interesses, aprendem ainda a posicionar-se diante de
conflitos e do poder, a conscientizar-se e se tornar mais politizados, aprendem, enfim, a ser sujeitos.
Não se refere a um processo que se dá espontaneamente e dele participam vários agentes.
Vale ainda acrescentar, na perspectiva de Grzybowski (1987), que as práticas educativas
também podem ser vistas como saber social, sublinhando o seu caráter histórico, interessado e
construído pelas classes sociais. Nesse sentido, as práticas educativas podem ser entendidas como um
conjunto de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes produzidas pelas classes, para dar conta de
seus interesses.
A construção do saber social não se faz de modo isolado e único nas atividades de produção
material do trabalho, mas articula-se de modo dialético com as atividades de dimensão política onde
se destacam os movimentos sociais. Assim, as práticas educativas fazem parte do processo social de
produção dos saberes sociais e a experiência do envolvimento nos confrontos pode gerar um saber
social.
Refletir a respeito das práticas educativas gestadas na luta pela terra, por meio da organização
dos trabalhadores, leva a crer que a formação de autonomia e de um projeto social é um modo de
resistência, contrapondo-se à reorganização do modo de produção capitalista. Aliás, os movimentos
sociais lidam com esse processo educativo que se fundamenta na participação política. Todavia, a luta
política desenvolvida pelos trabalhadores Sem Terra pode significar o espaço educativo.

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O elemento constituinte das práticas educativas, nesse formato, é o de produção e transmissão


de saberes pertencentes especificamente a esta sociedade. O homem camponês vive nessa sociedade e
se desenvolve pela mediação da educação que nela vivencia. Todavia, o desenvolvimento da forma e
do conteúdo, cuja validade é estabelecida pela experiência, configura o processo de aprendizagem,
tanto nas práticas políticas como nas cotidianas de sobrevivências, conforme as condições de
existência.
Na história da luta pela terra, constituem-se novas experiências, práticas educativas para os
envolvidos no espaço de socialização política. O dimensionamento da práxis, com base na elaboração
dos fatores objetivos e subjetivos, pode contribuir efetivamente para conscientização do trabalhador
do campo, como sujeito coletivo, e consequentemente para a criação de uma identidade social e
política, o que possibilita o avanço na luta. A história mostra que as lutas sociais no campo não se
restringem à simples obtenção da sobrevivência; pelo contrário, é a experiência do envolvimento nos
confrontos que gera um saber social a ser transmitido e criado (CRUZ, 2000).
Os movimentos sociais, como tema central de uma reflexão sobre as mudanças sociais e
políticas, representam diversos campos de força e espaços simbólicos atravessados de significação. Dão
suporte à trama da vida social e aos vários tipos de luta e de movimentos sociais. Ademais, os
movimentos sociais são portadores de uma civilidade e podem propiciar a constituição de práticas
educativas que potencializem a construção de uma nova sociabilidade.
A reflexão sobre práticas educativas geradas pelas ações políticas dos movimentos sociais
permite compreender os saberes construídos na luta diária dos trabalhadores da região do Bico do
Papagaio. Este estudo abarca os trabalhadores Sem Terra, em que o seu elemento cristalizador é a luta
pela garantia de vida no campo, seu lugar de cultura, identidade e política, enfim, concerne à utopia de
se ter outra sociedade. Conforme Arendt (2007), as bases do pensamento reflexionante dizem respeito
às diferenças culturais, matriz dessa propositiva que enuncia o sentido do movimento da diversidade e
do exercício efetivo da política, como sentido de permanência humana.

Referências

ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposa. Rio de janeiro: Forense Universitária.
São Paulo: Cortez, 2007.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.). Repensando a pesquisa participante. São Paulo: Brasiliense, 1999.
CRUZ, José Adelson da. Luta pela terra, práticas educativas e saberes no médio Araguaia- Tocantins. 2000.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, 2000.
CRUZ, José Adelson da. Movimentos sociais e práticas educativas. Inter-Ação: revista da Faculdade de
Educação, Goiânia: UFG, v. 29, p. 175-185, jul.-dez. 2004.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Formação e territorialização do MST no Brasil. In: CARTER,
Miguel (Org.). Combatendo a desigualdade social: o MST e a reforma agrária no Brasil. São Paulo: Ed.
Unesp, 2010.
GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2007.

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GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e descaminhos dos movimentos sociais no campo. Petropólis: Vozes, 1987.
PESSOA, Jadir de Morais. Aprender e ensinar no cotidiano de assentamentos rurais em Goiás. Revista
da ANPED, São Paulo, n.10, jan.-abr. 1999.
SANTOS, Milton; Silveira, Maria Laura. O Brasil: territórios e sociedade no início do século XXI. Rio
de Janeiro: Record, 2011.

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Análise dos instrumentos jurídicos de iniciativa popular
para tutela ambiental nos países do Mercosul

Vinicius Pinheiro Marques1


Suyene Monteiro da Rocha2

Introdução

A
temática ambiental aparece hoje como um dos temas de maior relevância deste século,
estando incorporada às preocupações gerais da opinião pública, na medida em que se torna
cada vez mais evidente que o crescimento econômico, a garantia da qualidade de vida às
futuras gerações e, sobretudo, a sobrevivência da espécie humana não podem ser pensados sem a
perspectiva de um meio ambiente equilibrado.
Os doutrinadores de Direito Ambiental são pacíficos ao tratar do meio ambiente como um
direito humano fundamental, assim como o direito à vida, interessado em proteger os valores
fundamentais da pessoa humana e necessário a toda população (TRENNEPOHL, 2010).
Ao se falar sobre o meio ambiente, não se pode deixar de mencionar o princípio n° 1, da
Declaração do Meio Ambiente, adotado na Conferência da ONU, em 1972 na cidade de Estocolmo,
que elevou o meio ambiente à qualidade de direito fundamental do ser humano. Segundo Milaré (1999),
houve a consagração do Princípio da Participação, pois de acordo com este princípio, a resolução dos
problemas ambientais deve ser buscada por meio da integração da sociedade com o Estado, por meio
da participação dos diversos grupos sociais na formulação e execução da política ambiental.
A solidariedade entre gerações, bem como o compartilhamento da responsabilidade ambiental
combinados com outras disposições normativas oferecem as bases para a construção de uma nova
realidade político-jurídica pautada num Estado Democrático e Ecológico de Direito.
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) tem por objetivo principal a integração econômica,
política e social dos Estados-parte. Com desenvolvimento econômico trazido pela formação do bloco,
sobretudo pelas práticas agrícolas e industriais, em virtude do modelo de produção vigente ocorrem
danos ambientais, por vezes transfronteiriços.
O Mercosul representa hoje aproximadamente 56% da área ambiental da América do Sul, e em
todas as Constituições dos Estados-parte existe a previsão do meio ambiente como direito fundamental
(art. 5° CNA, art. 225 CRFB, art. 7° CRP, art. 47 CROU, art. 127 CRBV).

1 Mestrando em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins
(UFT), Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP) e da Faculdade de Palmas (FAPAL). E-mail:
viniciusmarques@uft.edu.br
2 Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte). Professora de Direito na

Universidade Federal do Tocantins (UFT) e no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA). E-mail:
suyenerocha@uft.edu.br
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Os movimentos sociais enquanto ações propositivas podem resultar em transformações de


valores e instituições da sociedade civil Nesse sentido, a pesquisa pretende analisar os instrumentos
jurídicos de iniciativa popular disponíveis nos complexos normativos dos Estados partes do Mercosul
para a tutela do meio ambiente.

1. O meio ambiente na constituição dos Estados-parte do Mercosul

A Constitución de la Nación Argentina (CNA) prescreve em seu art. 41 que todos os habitantes tem
o direito de um ambiente saudável e equilibrado, apto a proporcionar o desenvolvimento humano.
Assim como existe o direito, também existe o dever de cuidar e reparar.
Artículo 41 - Todos los habitantes gozan del derecho a un ambiente sano, equilibrado, apto para el
desarrollo humano y para que las actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin
comprometer las de las generaciones futuras; y tienen el deber de preservarlo. El daño ambiental
generará prioritariamente la obligación de recomponer, según lo establezca la ley.
Las autoridades proveeran a la proteccion de este derecho, a la utilizacion racional de los recursos
naturales, a la preservacion del patrimonio natural y cultural y de la diversidad biologica, y a la
informacion y educacion ambientales.
Corresponde a la Nacion dictar las normas que contengan lós presupuestos minimos de proteccion, y a
las provincias, lãs necesarias para complementarias, sin que aquellas alteren lãs jurisdicciones locales.
Se prohibe el ingreso al territorio nacional de residuos actual o potencialmente peligrosos, y de los
radiactivos.

Conforme assevera Cabanillas (2009) o supracitado artigo trouxe uma noção antropocêntrica do
direito ambiental, este como sendo um direito das pessoas. Ademais, percebe-se ainda o ambiente
como limite de trabalhar das pessoas. Neste ponto, não se trata da norma de ocupar-se unicamente
com o atuar do ser humano sobre a natureza para modificá-la tanto quanto seja possível no sentido
mais vantajoso para a espécie humana. Pelo contrário, a natureza é uma realidade da qual a humanidade
depende e, por isso, deve cuidar (CABANILLAS, 1993). Desta forma, fica evidente o direito ambiental
como um direito de solidariedade na medida em que existe preocupação com as atividades produtivas
satisfaçam as necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras.
Por oportuno, depreende-se do texto normativo da constituição argentina que não se deve
proteger qualquer tipo de habitat, mas sim um ambiente sadio e equilibrado, ou seja, deve tutelar um
ambiente em que a pessoa pode desenvolver uma qualidade de vida. Não se trata de “viver”, mas de
“bem viver”, ideia esta recuperada na Conferência de Estocolmo de 1972.
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), quanto à matéria ambiental, assegura
no seu art. 225, caput, que

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.

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Segundo entendimento doutrinário pátrio (SILVA, 2007; BARROSO, 1992; FIORILLO, 2009;
FIORILO, RODRIGUES, 1999; FREITAS, 2002), a carta magna brasileira ostenta um dos mais
completos e avançados arcabouço normativo de tutela ambiental composto pelos fundamentais art. 225
e art. 170, inciso VI, as disposições relativas à competência concorrente e comum em matéria ambiental
(arts. 24, VI e 23, VI, VII).
O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está intimamente relacionado à
dignidade da pessoa humana, este enquanto fundamento do Estado Democrático de Direito, e a sua
efetividade dependerá a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações.
[...] o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental,
voltado a assegurar a vida e a dignidade da pessoa humana, preservando a saúde, a
segurança, o sossego, o bem-estar da coletividade, entre outros bens e valores, sem os
quais não se pode falar em vida humana digna. (YOSHIDA, 2009, p. 74)

Importante observar que, considerando a importância do tema, a constituição brasileira, ao


mesmo tempo que assegurou o direito fundamental de todos ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, impôs, de forma obrigatória, a co-responsabilidade do Poder Público e da coletividade de
protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, dever este fundado na solidariedade e na
equidade intergeracionais (LEITE, AYALA, 2013).
A Constitución de la República del Paraguay (CRP), promulgada em 20 de junho de 1992, iniciou uma
ampla reforma, através do qual, segundo Salgueiro (1998, on line) ,
[...] en primer lugar, fue resaltada enfáticamente la función de los derechos fundamentales como
componentes indispensables de un orden democrático; en segundo término, se procedió a la
reconstrucción de los clásicos derechos de libertad e igualdad; y en tercer término, fue ampliado el
catálogo de derechos sociales.

Depreende-se então que, com esta constituição, o Paraguai reconheceu novos direitos que, à
época, a nível internacional estavam ganhando força e que a nível nacional exigiam uma urgente tutela
para reduzir as desigualdades sociais existentes naquela nação.
A seção II do Capítulo I da CRP está dedicada exclusivamente ao ambiente. O art. 7º reconhece
o direito ao ambiente, a necessidade de se estabelecer políticas públicas ambientais e de garantir ampla
proteção.
Artículo 7 - DEL DERECHO A UN AMBIENTE SALUDABLE

Toda persona tiene derecho a habitar en un ambiente saludable y ecológicamente equilibrado.


Constituyen objetivos prioritarios de interés social la preservación, la conservación, la recomposición y
el mejoramiento del ambiente, así como su conciliación con el desarrollo humano integral. Estos
propósitos orientarán la legislación y la política gubernamental pertinente.

Conforme destaca Abed et Poletti (2009) o direito ao ambiente foi reconhecido segundo as
posturas antropocêntricas da proteção ambiental, sendo inclusive o equilíbrio ecológico como conceito
que estabelece a obrigação estatal de gerar políticas que não só conservem o meio ambiente, como
também que recomponham e melhorem em caso de ser necessário.

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A Constitución de la República Oriental Del Uruguay (CROU) estabelece que “Artículo 47.- La protección
del medio ambiente es de interés general. Las personas deberán abstenerse de cualquier acto que cause depredación, destrucción o
contaminación graves al medio ambiente. La ley reglamentará esta disposición y podrá prever sanciones para los transgresores.”
Ferreira (2009) leciona que tal artigo foi incorporado com a reforma constitucional de 1997
ocorrida nesse país, declarando o meio ambiente como sendo de interesse geral. Não obstante a essa
garantia constitucional, o referido autor também destaca que já em 1989 já havia comando normativo
na lei processual de 1989 que já concedia ao Ministério Público a legitimidade ativa para atuar em causa
do meio ambiente.
A Constitución de la República Bolivariana de Venezuela (CRBV) dentro do título III, de los Derechos
Humanos y Garantías, y de los Deberes, se consagra o direito ao ambiente saudável, seguro e ecologicamente
equilibrado.
Artículo 127. Es un derecho y un deber de cada generación proteger y mantener el ambiente en
beneficio de sí misma y del mundo futuro. Toda persona tiene derecho individual y colectivamente a
disfrutar de una vida y de un ambiente seguro, sano y ecológicamente equilibrado. El Estado
protegerá el ambiente, la diversidad biológica, los recursos genéticos, los procesos ecológicos, los parques
nacionales y monumentos naturales y demás áreas de especial importancia ecológica. El genoma de los
seres vivos no podrá ser patentado, y la ley que se refiera a los principios bioéticos regulará la materia.
Es una obligación fundamental del Estado, con la activa participación de la sociedad, garantizar que
la población se desenvuelva en un ambiente libre de contaminación, en donde el aire, el agua, los
suelos, las costas, el clima, la capa de ozono, las especies vivas, sean especialmente protegidos, de
conformidad con la ley.

Ao contrário do que se possa imaginar, de que a preocupação ambiental somente se


concentraria no art. 127, Rios (2009) destaca que o interesse pelo ambiente na constituição venezuelana
aparece como um todo e de forma articulada com o preâmbulo e os mais de 30 artigos que permeiam o
tema, demonstrando, assim, além de uma ocupação em lugar especial, mas também uma
transverticalização com as demais previsões constitucionais.

2. Participação popular como instrumento de transformação social

Gorender (1997) analisa que o último terço do século XX é marcado por transformações de
grande importância no sistema capitalista mundial. Essa mudança de paradigma não debilitou a essência
do modo de produção capitalista, na verdade, reforçou-a, uma vez que acentuou sua característica
mundial. Nesse sentido, as mudanças sociais oriundas da globalização da economia anularam
importantes conquistas das classes subalternas em sua secular luta pela conquista de direitos.
Segundo Bobbio (2004, p. 229)
A luta pelos direitos teve como primeiro adversário o poder religioso; depois, o poder
político; e por fim, o poder econômico. Hoje as ameaças à vida, à liberdade e à
segurança podem vir do poder sempre maior que esta em condição de usá-las.
Entramos na era que é chamada de pós-moderna e é caracterizada pelo enorme
progresso, vertiginoso e irresistível, da transformação tecnológica e,
consequentemente também tecnocrática do mundo.

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Adentrando o século XXI, Miranda, Castilho, Cardoso (2009) identificam que os movimentos
sociais e a participação popular se reconfiguram em face da globalização, inclusive por meio das
Organizações Não-Governamentais (ONG’s). Estas, enquanto associações de cidadãos que se organiza
na defesa de direitos, se apresentam como nova forma de resistência.
A reversão dos estragos dos anos 1990, que foram econômicos, políticos, sociais e
culturais, portanto, é possível, mas vai exigir muita coragem e vontade política dos
novos dirigentes do país, e muita mobilização popular, para além do voto.
(BEHRING, 2003, p. 287)

Todos os movimentos populares contribuem para despertar a consciência dos problemas


vivenciados e promovem a participação dos cidadãos com capacidade de continuar a organizar-se em
movimentos sociais, de forma a solidificar e a aumentar o rol dos direitos sociais e políticos, por meio
de um processo constante e contínuo.
Dizemos que a participação é conquistada para significar que é um processo, no
sentido legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se fazendo.
Assim, participação é em essência autopromoção e existe enquanto conquista
processual. Não existe participação suficiente, nem acabada. Participação que se
imagina completa, nisto mesmo começa a regredir. (DEMO, 1993, p. 18)

O processo de transformação social, onde os cidadãos passam de uma situação passiva para
uma situação ativa e reivindicatória, é decorrente do contexto socioeconômico e histórico de cada
sociedade. Quem participa das lutas, é o homem, o homem real; não é a “História” que utiliza o
homem como meio para realizar os seus fins, pois a História não é senão a atividade do homem que
persegue seus objetivos. (MARX; ENGELS; 2003)

3. Ação popular para tutela do meio ambiente

A expressão acesso à justiça é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar
duas finalidades básicas do sistema jurídico (este entendido como o sistema pelo qual as pessoas podem
reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado). Primeiro, o sistema
deve igualmente ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individualmente
e socialmente justos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
O crescimento dos danos ambientais, sobretudo por não se saber conjugar desenvolvimento
econômico e preservação, faz a sociedade emergir como grande protagonista na possibilidade de uma
efetiva tutela do meio ambiente. Assim, Guimarães (2009) afirma que cabe à população buscar a
proteção jurisdicional dos direitos difusos de ordem ambiental diante de dano ou ameaça de lesão ao
meio ambiente, enquanto ao Estado incumbe proporcionar os instrumentos adequados para a atuação
dos cidadãos nesta seara, propiciando o efetivo acesso à justiça em matéria ambiental.
O acesso à justiça em matéria ambiental é objeto de relevante discussão, diante das
peculiaridades inerentes aos conflitos ambientais, que incidem sobre interesses e direitos de natureza
difusa, o que traz dificuldades no que se refere à sua adequada organização, representação e defesa.
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Para Oliveira e Guimarães (2004) fica claro que todos, e não apenas o Estado, tem a
incumbência de preservar o meio ambiente. O Estado deve fornecer ao cidadão os meios necessários à
tutela do bem. O cidadão, por sua vez, deve, diante de tais meios, participar de todas as ações que se
destinam à preservação do meio ambiente saudável, exercendo assim a sua cidadania em matéria
ambiental.
Esaín (2006) indica que o processo constitucional é aquele cujo centro de ação se encontra em
determinada matérias para tutelar imediatamente os direitos fundamentais e o correto desempenho da
dinâmica dos Poderes do Estado Democrático. No caso da proteção ao meio ambiente, por meio de
ação de iniciativa popular, o referido autor destaca que na Argentina
La acción posee base en el artículo 43 primer y segundo párrafo de la Constitución y será entonces
una acción de protección inmediata del derecho reglado en el artículo 41. Por lo tanto estamos frente a
un proceso que tiene por objeto la protección expedita de un derecho humano fundamental
particularizado. Esto nos llevará a hablar de proceso constitucional ambiental, o amparo ambiental.
(ESAÍN, 2006, on line)

Não obstante à previsão constitucional, deve-se conjugar os arts. 41 e 43 da CNA com o


dispositivo contido no art. 30 da Ley 25.675 (ley General del Ambiente). Assim, pode-se afirmar sobre a
existência de uma ação de iniciativa popular (legitimidade ativa do cidadão) no ordenamento jurídico
argentino com a finalidade de anular e cessar o ato lesivo ao ambiente. (ESAÌN, 2006; CAMPOS,1995).
A ação popular no ordenamento jurídico brasileiro atualmente é regulamentada pela Lei n°
4.717, de 29 de junho de 1965, conferindo legitimidade a todo cidadão para pleitear a anulação ou a
declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio, considerando este como sendo os bens e direitos
de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
A CRFB, especificadamente no art. 5°, inciso LXXIII, ampliou o objeto de tutela da ação
popular acrescentando a tutela ambiental, uma vez que, por força do art. 225 da mesma Carta Magna,
ficou registrado que é dever de todos (poder público e coletividade) preservar e defender o meio
ambiente.
Silva (2004) relata que o meio ambiente, hoje, mais do que nunca, precisa ser efetivamente
tutelado por meio de instrumentos processuais adequados (mecanismos céleres e seguros à precaução
e/ou prevenção ambiental. Essa efetividade processual dimana de garantia constitucional de aplicação
imediata, qual seja, o preceito inserto no art. 5°, inciso XXXV, da Carta Magna o qual retrata o acesso à
ordem jurídica democrática, que, aliás, deve ser amplo e efetivo.
Quanto à ação popular ambiental brasileira, Sirvinskas (2011) afirma que a ação popular
ambiental tem natureza constitucional, onde o titular da ação é o cidadão. Este propõe a ação, não com
fundamento em interesse individual, mas em interesse público relacionado ao meio ambiente. Não há,
assim, coincidência entre o titular do bem lesado (coletividade) e o sujeito da ação (autor popular).
Ademais, Silva (2009) evidencia ainda que o objeto imediato da demanda popular consiste na
anulação do ato lesivo ao meio ambiente e na condenação dos responsáveis pelo ato, incluindo os seus

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destinatários, ao pagamento de perdas e danos ou, alternativamente ou cumulativamente, a repor a


situação no status quo ante, ou seja, a recuperar o meio ambiente degradado. Ao passo que o objeto
mediato constitui-se na proteção do meio ambiente, o que envolve a ideia de conservação, recuperação,
preservação da sua qualidade.
Costa (2007) conclui que a particularidade da ação popular reside justamente no seu caráter
democrático, já que a sua legitimidade ativa é conferida a qualquer cidadão. E mais: o constituinte de
1988 tratou de facilitar o acesso conferindo gratuidade a esse poderoso instrumento, ou seja, o autor
popular é isento do ônus da sucumbência e das despesas judiciais (custas, taxas judiciárias, despesas
com determinados atos processuais).
La Constitución Nacional Paraguaya reconhece a defesa do meio ambiente e a integridade do
habitat como interesse difuso em seu art. 38
Toda persona tiene derecho, individual o colectivamente, a reclamar a lãs autoridades
públicas medidas para la defensa del ambiente, de la integridad del hábitat, de la
salubridad pública, del acervo cultural nacional, de los intereses del consumidor y de
otros que, por su naturaleza jurídica, pertenezcan a la comunidad y hagan relación con
la calidad de vida y con el patrimônio colectivo.

Assim, o direito de buscar a proteção do ambiente adquire caráter supraindividual ou


pluripessoal, pertencendo a todas as pessoas (DE LOS SANTOS apud ABED e POLETTI, 2009),
restando evidente a natureza jurídica de uma ação de iniciativa popular.
Ferreira (2009) destaca que na República Oriental del Uruguay enfatiza que, apesar da previsão
constitucional do art. 47 e da abundância de leis extravagantes sobre a temática do meio ambiente,
infelizmente se vive uma situação onde há um défict de aplicação da legislação ambiental vigente. Aponta
ainda que
En el Uruguay no existe un accionamiento de amparo ambiental específico, ni
acciones de clase, y la Ley de Amparo 16.011, establece un instrumento residual,
inidóneo para la protección ambiental. Ello ha obligado al suscrito ha actuar con
inventiva, instaurando pretensiones de protección, através de la vía del juicio ordinario
contencioso, obviamente, con las dificultades (lentitud) que esa promoción, de por si,
implica. (FERREIRA, 2009, p.353)

Desta forma, apesar da constituição uruguaia reconhecer o direito ao ambiente como


fundamental, não há uma ação de iniciativa popular específica e adequada para a tutela deste bem
jurídico.

Conclusão

A ação de iniciativa popular para a tutela do ambiente passa a ser o instrumento por meio do
qual o cidadão vai exercer sua parcela de contribuição na defesa do patrimônio ambiental,
compartilhando essa tarefa com o Estado, uma vez que o direito a um ambiente saudável é um direito
de terceira dimensão ou direito de solidariedade, posto que não diz respeito apenas a um cidadão, mas a

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todo gênero humano, impondo-lhe o exercício da cidadania em matéria ambiental, a fim de garanti-lo
hígido não apenas para as presentes, mas também para as futuras gerações.
Pode-se afirmar, portanto, que a ação de iniciativa popular para a tutela do ambiente qualifica-se
como instrumento processual de resgate às garantias constitucionais inerentes às sociedades e como
verdadeiros exercício de cidadania, sobretudo por representar um caráter democrático e de
transformação social.

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RESUMOS
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Resumo

Conflitos socioambientais, deslocamentos compulsórios


e resistências: os casos de instalação de projetos
industriais em São Luís e Bacabeira – MA

Bartolomeu Rodrigues Mendonça


Horácio Antunes de Sant'Ana Júnior
Danielle Lima Costa

N
o Brasil e no Maranhão, são inúmeros os casos de conflitos socioambientias envolvendo
empresas, Estado e grupos ditos tradicionais, que resultam em importantes impactos na
economia, nos sistemas ecológicos e na vida cotidiana das comunidades. Utilizando-se
como plano para análise empírica a Usina Termelétrica Itaqui, em São Luís, e da Refinaria Premium I
da Petrobrás, em Bacabeira e com o auxílio da teoria sociológica disponível este artigo busca apresentar
e analisar os processos de deslocamentos compulsórios combinados com os conflitos socioambientais
resultantes da instalação de projetos de desenvolvimento. O estudo demonstra como se deram os
arranjos e rearranjos dos modos de vida dos grupos deslocados compulsoriamente em razão desses
projetos, servindo de pistas para compreender as reações dos atores e instituições envolvidos e inferir
resultados mais ou menos gerais sobre situações de conflitos decorrentes de situações de
deslocamentos compulsórios.

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Resumo

Educação quilombola e sustentabilidade:


a realidade de Ivaporanduva

Rute Rodrigues dos Reis

O
presente estudo é resultado de uma visita técnica ao Quilombo de Ivaporanduva
localizado no Estado de São Paulo, no Município de Eldorado na Região conhecida como
Vale do Riberia. Essa pesquisa é resultado de um projeto Interdisciplinar que envolveu
alunos da graduação das áreas de Pedagogia, História, Artes e Serviço Social. Para compreendermos a
relação entre território, identidade e sustentabilidade, buscou-se respaldo na legislação que instituiu os
Referencias da Educação Quilombola, lei aprovada em novembro de 2012 de alcance nacional e que é
resultado da luta do próprio movimento social quilombola e de intelectuais que discutem a questão.
Foram aplicados questionários aos membros da comunidade e aos professores, buscando compreender
em que medida a legislação é conhecida e qual a trajetória dessa educação quilombola que tem como
base estrutural a manutenção da identidade vinculada ao território. A presente comunicação apresentará
parte do resultado dessa pesquisa.

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III

Integração e
Cooperação Econômica Regional
ARTIGOS
O Mercosul e a crise: a integração da América do Sul
e o aparente paradoxo europeu

Alex Ian Psarski Cabral1


Cristiane Helena de Paula Lima Cabral2

Introdução

D
iante de tantas mudanças globais – recentemente a crise nos EUA e na Europa, além da
instabilidade no mundo Árabe - nunca foi tão necessário discutir o aprofundamento das
relações de cooperação no projeto de integração dos Estados da América do Sul e América
Latina.
A situação econômica dos vizinhos do Norte repete em muito a tragédia do ano de 2008 e a
diferença é que, dessa vez, o enredo contempla um novo e relevante personagem: o Velho Mundo.
Enquanto os Estados Unidos cogitam rever estratégias no seu sistema financeiro, a Europa amarga o
seu próprio drama, arrastando consigo países como Portugal, Grécia, Espanha e até a Itália.
Esses episódios não devem ofuscar o rompante de democracia vivido nos últimos meses pelo
Mundo Árabe. Inaugurados pela Tunísia e favorecidos pelas redes sociais da internet, os movimentos
populares disseminaram-se por países como Egito, Líbia e Síria, exigindo respeito à liberdade e
profundas reformas sociais contra a tendência repressora das teocracias absolutistas que há décadas
perpetuam-se no poder.
Desde o século XIX, outros dois fenômenos proporcionaram profundas transformações nas
relações internacionais, com repercussão direta sob a organização interna dos Estados. A globalização e
a diminuição das fronteiras entre os Estados, e posteriormente, a abertura das economias, possibilitou a
formação de compartimentos regionais de integração, os denominados blocos econômicos.
Há algum tempo, a tendência para o regionalismo acentuou-se, na sequência dos processos de
descolonização, resultando na elaboração de projetos de integração política e econômica para os
Estados. Grandes potências, especificamente europeias, foram as primeiras a despertar para a
necessidade de se preparar para os desafios da regionalização, recorrendo ao aprofundamento dos laços
de cooperação como táctica defensiva.
É aí que reside o grande paradoxo. Embora pioneira e visionária, a Europa integracionista não
foi capaz de evitar a crise de 2011. Ao contrário, após a disseminação dos efeitos da crise, a União

1 Professor Universitário. Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Email: professor.alex@yahoo.com.br
2 Professora Universitária. Doutoranda em Direito Público Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Mestra em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Email:
professoracristianelima@yahoo.com.br
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Europeia passou a conviver com a antiga sombra da desconfiança dos mais céticos em relação à
chamada Zona Euro.
Como conseqüência, velhos questionamentos ressoaram impondo novos desafios à
comunidade internacional. Até que ponto a Europa pode servir de paradigma para modelos
integracionistas neonatos como o Mercosul? A integração, até então tida como um grande trunfo
europeu, ainda pode ser considerada uma alternativa confiável para os Estados da América do Sul?
Antes de pormenorizarmos a questão da integração, esboçando suas conseqüências e aferindo
suas potencialidades para o futuro, cumpre aqui registrar alguns conceitos relevantes a esse respeito.

1. O conceito de integração: supranacionalidade e intergovernamentalidade

Inicialmente, destacam-se dois conceitos distintos: integração e cooperação - enquanto a


cooperação tem natureza econômico-social, o fenômeno da integração pressupõe índole político-
econômica.
Na distinção de Balassa3, ao tempo em que a integração pressupõe um amplo entendimento
entre os Estados, pretendendo-se a supressão completa de formas de discriminação entre os
envolvidos, a cooperação tem objetivos menos ambiciosos, satisfazendo-se com a mera redução dessas
diferenças em torno da consecução de objetivos específicos mais restritos.
A integração pressupõe etapas de um processo contínuo e global, tal como ocorreu na gênese das
comunidades européias, sua construção e respectivos alargamentos, culminando na União Européia.
Daí afirmar-se que o regionalismo internacional está relacionado, ao mesmo tempo, a conceitos
políticos, econômicos e jurídicos.
Do ponto de vista jurídico, destaca-se uma função internacional geral que consistente em
favorecer as instituições regionais e reforçar o “corpus” das normas regionais, evitando-se os
mecanismos universais e a adoção de regras de alcance geral.
A integração política é decorrente de uma afinidade preexistente no campo econômico,
nomeadamente nas trocas comerciais entre os Estados. Ou seja, embora a proposta da integração se
construa pelo viés econômico, a iniciativa econômica não é mais que um instrumento a favor da
integração, orientado, nesse sentido, por decisões de caráter político-econômico.
Além disso, para a realização dos objetivos pretendidos pelos Estados participantes do
processo, é imprescindível que haja também uma integração no âmbito normativo. O dogma da
segurança jurídica impõe a criação de uma ordem jurídica comum e harmoniosa, respeitada por todos
os Estados integrantes.

3 Cfr. BALASSA, Bela. The theory of economic integration, trad. Clássica editor. Londres: George Allen e Unwin;

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Contudo, não é exagero concluir-se que o procedimento de integração econômica tangencia a


integração política, ainda que para isso se valha de um complexo regime jurídico e econômico. A
integração política aqui é, ao mesmo tempo, o método e o objetivo, o fim e o meio.
Nas relações internacionais, os Estados podem alinhar-se conforme um modelo
intergovernamental ou supranacional de integração, a depender de uma série de fatores que variam
conforme a percepção preponderante de soberania entre eles.
A ordem supranacional se reflete na legislação derivada, emanada dos órgãos comunitários, bem
como na própria aplicação das normas jurídicas, sujeitas a um Tribunal de Justiça, cujos julgados se
impõem aos Estados membros.
Segundo Fausto de Quadros4, uma concepção comunitária das relações entre os Estados e entre
os indivíduos visa criar entre esses Estados uma margem tão ampla quanto possível de solidariedade,
impondo a criação de um poder integrado, de relações verticais de subordinação entre esse poder, por
um lado, e os Estados e seus sujeitos internos, por outro, com base em um Direito Comum.
A chamada “supranacionalidade”, definida como ordem das soberanias subordinadas
normativamente, tem lastro, segundo ele, na “superioridade hierárquica do poder supranacional sobre o
poder estadual”. Desafia o conceito clássico de soberania e impõe uma série de medidas no sentido de
regulamentar esse poder supranacional.
A supranacionalidade implica, portanto, numa cessão da soberania dos Estados em favor de
uma organização dotada de capacidade decisória e de participação plena em toda a conjuntura do
processo de integração.
É marcada pelo Modelo Comunitário, dotado de bases com estrutura vertical, cujos Estados têm a
soberania limitada. É esse limite que assegura o poder de integração, dando substância ao poder
comunitário ou supranacional.
Vale dizer, apesar das evidentes diferenças perante o modelo intergovernamental, no sistema
supranacional as revisões dos tratados constitutivos são feitas via conferências intergovernamentais, e a
sua aprovação depende da assinatura de todos os Estados Membros, para a consequente entrada em
vigor.
Ao contrário da supranacionalidade, o modelo intergovernamental implica no absoluto respeito
à soberania clássica. Por conta disso, os Estados estão em primeiro plano e são dotados de amplos
poderes de decisão, conforme o interesse individual de cada um deles e não da organização de um
modo geral.
As organizações intergovernamentais seguem o Modelo Societário ou de Cooperação, que, como o
próprio nome sugere, propõe a cooperação de soberanias nacionais.

4 Cfr. QUADROS, Fausto de. Direito da União Européia. Coimbra: Almedina, 2004..

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Está inserido no contexto da comunidade internacional clássica, sob a égide do respeito à


soberania desses Estados. É, portanto, a afirmação do individualismo de cada um deles, que se
sobrepõe aos interesses comuns.
O modelo intergovernamental é formado por órgãos deliberativos, compostos por
representantes dos Estados e estão diretamente subordinados a eles.
As decisões não possuem efeito direito nos Estados, nem se sobressaem perante o direito
interno, mas devem respeitar o critério da unanimidade e refletir a concordância de todos os Estados.
Apesar de serem obrigatórias, para surtirem efeitos nos seus membros, devem antes submeter-se ao
processo constitucional de internalização.
Essas linhas conceituais são relevantes para necessária distinção entre projetos mais avançados
de integração como a União Europeia e aqueles que ainda almejam ultrapassar a etapa da cooperação, a
exemplo do Mercosul.

2. Breves considerações sobre o modelo europeu e a integração na América do Sul

2.1. A integração europeia


A pujante estrutura institucional da União Econômica e Monetária Europeia traduz um projeto
voluntariamente sistematizado, produto da trajetória histórica das relações interestatais no continente
europeu.
A vocação integracionista da Europa remonta ao período situado entre a Idade Média e o
Renascimento, marcado, no plano político, pela afirmação da soberania dos Estados, no plano religioso,
pela Reforma e, no plano econômico, pelo crescimento das rivalidades econômicas inerentes ao
nacionalismo5.
O primeiro grande passo para a história da Europa comunitária foi dado pelo projeto
Shumman, em maio de 1950. Propondo acordo econômico de cooperação mútua entre França e
Alemanha, traduziu a primeira etapa daquela que seria a Federação Europeia, rompendo com os
paradigmas regionais de produção de armas de guerra.
Mais tarde, com a adesão da França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, teria
como conseqüência a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA) em 18 de Abril de
1951, pelo Tratado de Paris.
O conceito de União Europeia como uma União Econômica e Monetária surge no ano de 1975,
como conseqüência de um parecer elaborado pelo então primeiro ministro belga, por ocasião da
Cimeira de Paris ocorrida no ano anterior. Léo Tindemans é considerado também um dos precursores
da idéia de cidadania europeia.

5 Cfr. QUADROS, Fausto de. Op cit. p. 32.

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Passados nada menos que sessenta anos desde então, a União Europeia experimentou
sucessivos alargamentos e diversos tratados – incluindo do Ato Único Europeu, que entrou em vigor
no dia 1º de julho de 1987– até o mais recente documento, assinado em Lisboa em dezembro de 2007.
Atualmente, a União Europeia conta com um sofisticado quadro institucional. Para atender aos
princípios democráticos, o processo de tomada de decisões funciona conforme um complexo esquema
de atribuições e competências envolvendo quatro instituições fundamentais: o Conselho Europeu, o
Conselho de Ministros, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu.
Além dessa base institucional fundamental, há ainda o Tribunal de Justiça, com atribuição de
garantir o cumprimento da legislação europeia, o Tribunal de Contas, que fiscaliza o financiamento das
atividades da União; o Comitê Econômico e Social, representativo da sociedade civil, empregados e
empregadores, o Banco Central Europeu, responsável pela política monetária, além outros muitos
órgãos e agências com funções específicas nos quadros da União Europeia.
Inobstante a crise quem tem atravessado, o projeto europeu ainda pode considerado como
paradigma significativo de integração. Por outro lado, o projeto da América do Sul, core deste trabalho,
impõe que se analise a construção sulamericana, suas instituições e desafios para esse novo contexto
mundial.

2.2. Breve histórico da integração na América do Sul


A trajetória de integração na América do Sul inicia-se com os projetos de aliança e união política
na América Meridional no século XVIII, e segue com as ideias de integração na América Latina até
desembocar na integração dos estados do Eixo Sul.
O venezuelano Francisco Miranda é considerado precursor na idéia de uma união americana no
século XVIII. Em 1791, o plano de criar um único grande país, desde o Mississipi até a Patagônia, foi
entregue ao Primeiro Ministro da Grã Bretanha, William Pitt.
Em seguida, as “Declaraciones del Pueblo de Chile” aludia à necessidade de uma união através da
criação de um Congresso, tudo com o intuito defender a soberania dos povos da América Latina.
Considerada “a primeira união do sul” consistiu, na verdade, num primeiro acordo de amizade e comércio
firmado entre a Junta de Buenos Aires, Argentina e o Chile em 21 de março de 1811.
Em 1822, Simón Bolívar, presidente de “La Gran Colombia” – união da Colômbia, Venezuela e
Equador – propôs a criação de uma confederação perpétua, convidando os governos do México, Perú,
Chile e Buenos Aires (Argentina).
Já no século XX, no final da Década de 50, a Comissão Econômica para a América Latina e
Caribe (Cepal) lançou as primeiras ideias integracionistas na região a partir do diagnóstico acerca da
necessidade de industrialização da América Latina, baseado num processo de substituição de
importações.

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O propósito de integração econômica na América Latina foi inaugurado com a constituição da


Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc). Resultou fundamentalmente dos trabalhos da
Cepal, realizados por governos de Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. Refletia um pouco de
preocupação com a criação da Comunidade Econômica Europeia em 1957, através do Tratado de
Roma.
O Tratado da Alalc baseou-se no permissivo do artigo XXIV do GATT (Acordo Geral Sobre
Tarifas Aduaneiras e Comércio, em inglês “General Agreement On Tariffs and Services”). O dispositivo
autorizava as partes contratantes a estabelecer livremente uniões aduaneiras ou zonas de livre comércio
entre si.
A Alalc tem antecedente na conferência intergovernamental de 1959, culminando no Tratado de
Montevidéu - cujos efeitos durariam até o final dos anos 70 – constituindo a primeira tentativa de
criação de uma Zona de Comércio Livre na América Latina.
Além de uma Zona de Livre Comércio, a Alalc previa a criação de um Mercado Comum Latino-
americano, conforme disposto no art. 54 do Tratado de Montevidéu. Criava mecanismos periódicos de
negociação – as listas nacionais - com as concessões de cada país à Zona – e as listas comuns, enumerando
os produtos livres de barreias alfandegárias6.
Inicialmente, estipulava um prazo de doze anos a partir da data da sua criação, conforme o art.
2º do Tratado da Alalc. Mas o prazo logo foi ampliado para vinte anos, através de protocolo assinado
em Caracas em 12 de dezembro de 1970.
Vinte anos depois da Alalc, em 12 de agosto de 1980, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Colômbia, Cuba, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela firmaram o 2º Tratado de
Montevidéu, criando a Associação Latino-Americana de Integração (Aladi)
A Aladi propôs uma rede de convergência de alcance parcial através de três mecanismos: a)
Preferência Tarifária Regional (PAR, art. 5º), b) Acordos de Alcance Regional (AAR, arts. 6º e 18); c)
Acordos de Alcance Parcial (AAP – arts. 7º a 14 e 19 a 23).
Além disso, também permitiu que países membros firmassem acordos com outras nações
latino-americanas ou em desenvolvimento.
Sem dúvida, o grande mérito da Aladi foi criar um sistema institucional flexível, que reconhece a
heterogeneidade da região e cujas regras integracionistas não ousaram com metas quantitativas
preestabelecidas.

6 Cfr. ARNAUD, Vicente Guillhermo. MERCOSUR, Unión Europea, Nafta Y Los Procesos de Integración Regional.
Segunda Edición Ampliada y atualizada. Abeledo-Perrot. Buenos Aires, 1999.

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O tratamento diferenciado entre países com desenvolvimento médio, maior ou menor, dava
prosseguimento a um processo de integração a “longo prazo”, com o intuito de estabelecer “de forma
gradual e progressiva” um “mercado comum latino-americano”7.
Foi diante do permissivo da Aladi sobre o estabelecimento de acordos bilaterais que Argentina e
Brasil firmaram, em 1986, o Programa de Integração Comercial e Econômica (PICE), substituído de
fato em 1991, pelo Tratado de Assunção, que deu origem ao Mercosul.
Juridicamente, o Mercosul é o resultado do encontro de vontades da República Argentina, da
República Federativa do Brasil, da República do Paraguai e da República Oriental do Uruguai que, aos
26 dias do mês de março do ano de 1991, assinaram em o Tratado de Assunção, com vistas à criação
do Mercado Comum do Sul.
O objetivo primordial do Tratado de Assunção é a integração dos Estados Partes através da
livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa
Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas
macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes.
Situado dentro da integração Latino-Americana, o acordo intentava expressamente a formação
de um mercado comum. Todavia, na concretização de tais objetivos esteve sempre esbarrando nas
divergências internas dos Estados Membros, mormente no que tange aos aspectos institucionais.
Após Assunção, em dezembro de 1994, reuniram-se na Cúpula de Ouro Preto os Presidentes
dos Estados Partes do Mercosul. Naquele momento foi aprovado o Protocolo Adicional ao Tratado de
Assunção - o Protocolo de Ouro Preto – com o fito de estabelecer a estrutura institucional do Mercosul
e consagrar a sua personalidade jurídica internacional.
A mais recente iniciativa de integração da América do Sul deu-se em 8 de dezembro do ano de
2004, com a assinatura da Declaração de Cuzco.
Inspirados nos mesmo ideais de Simon Bolívar, chefes de Estado e de Governo de doze países
da América do Sul – Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru,
Suriname, Uruguai e Venezuela - decidiram lançar mão de um novo espaço regional de integração
política, social, econômica e ambiental.
O tratado constitutivo da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) foi aprovado em maio de
2008 em Brasília, durante reunião extraordinária de chefes de Estado e de governo.
Cercado de entusiasmo e contando com o otimismo dos integracionistas, a Unasul persegue a
convergência entre o Mercosul e a Comunidade Andina e o Chile, através do aperfeiçoamento da Zona
de Livre Comércio, na esteira da Resolução 59 do XIII Conselho de Ministros da Aladi, de 18 de
outubro de 2004.

7 Cfr. ARNAUD, Vicente Guillhermo. Op cit. p.126.

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Em 30 de setembro de 2005, na Reunião de Brasília, a Unasul estabeleceu como ações


prioritárias o diálogo político, a integração física, o meio ambiente, a integração energética, os
mecanismos financeiros, as assimetrias, a promoção da coesão, da inclusão e da justiça social e as
telecomunicações.
Pretende aproveitar-se das experiências bilaterais, regionais e sub-regionais existentes para
avançar nas etapas da integração econômica, social e institucional. Inclui ainda a harmonização de
políticas de desenvolvimento, a cooperação tecnológica e os investimentos de infra-estrutura física para
região.
Contudo, apesar do mau momento vivenciado pelo Velho Mundo, é de se reconhecer que a
União Europeia ainda constitui a iniciativa mais bem sucedida em matéria de integração.
Enquanto isso, em estágios bem menos avançados Mercosul e Unasul engatinham
institucionalmente. As “nouvelles” trazidas Unasul e principalmente a estrutura institucional do Mercosul
mostram-se ainda insuficientes, num sistema acanhado e, ainda, inacabado de cooperação.

2.3. Espeque institucional e fragilidades do Mercosul


Com arquitetura extremamente simples e estrutura minimalista, o Mercosul ainda está em
processo de aperfeiçoamento. Além dos problemas referentes ao seu sistema organizacional, o processo
de decisão adota o critério do consenso dos Estados Parte, o que impede maiores avanços no bloco.
A estrutura básica do Mercosul é composta pela Secretaria Técnica, Conselho do Mercado
Comum, Grupo do Mercado Comum, Comissão de Comércio, Parlamento do Mercosul e Tribunal
Permanente de Revisão. Mas há ainda outros órgãos com competências próprias, a exemplo do
Tribunal Administrativo Trabalhista e o Foro Consultivo Econômico e Social.
Embora tenha uma aparência institucional robusta e, de fato, possua uma trajetória antiga de
esforços de integração, o modelo intergovernamental do Mercado Comum do Sul ainda precisa
amadurecer muito institucionalmente.
O fato é que, enquanto o Tratado de Lisboa trouxe equilíbrio para o sistema supranacional de
competências europeu (conforme se verá adiante), no modelo intergovernamental do Mercosul nem há
que se falar em competência e jurisdição8. Isso porque vem sendo conduzido em bases exclusivamente
comerciais.
No entanto, a própria natureza dos processos de integração indica que sobre fatos históricos,
econômicos e sociais tomam-se decisões políticas. A iniciativa integracionista não escapa a uma
construção jurídica que se adéqüe aos fins comuns dos Estados envolvidos.

8Cfr. BAPTISTA, Luis Olavo. O Mercosul Após o Protocolo de Ouro Preto. Estudos Avançados. Vol. 10, nº.27. São
Paulo, 1996, p.185.

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Trata-se de conferir ao processo de integração o valor jurídico essencial da segurança jurídica.


Isso significa que o ambiente institucional do Mercosul deve estar apto a produzir as normas que
incidirão com grande impacto sobre a estrutura produtiva dos Estados parte.
E definitivamente o Mercosul jurídico se ressente da ausência de uma ordem composta por
normas uniformes e obrigatórias para os Estados Parte. Consequentemente, distancia-se de um modelo
de integração orientado por regras (rule oriented)9.
A opção política pela intergovernabilidade teve como conseqüência o adiamento do início dos
trabalhos de elaboração de um sistema definitivo de composição de divergências. A iniciativa ficou
relegada para o final do processo de convergência da Tarifa Externa Comum, a teor do artigo 44 do
Protocolo de Ouro Preto.
Na contramão, o sistema de solução de controvérsias, seja no acanhamento do Tratado de
Assunção, seja na falta de consistência do Protocolo de Ouro Preto, excluiu os cidadãos das vias de
solução de conflitos.
Além da notória timidez face aos assuntos sociais, aliada ao deficit de política democrática desse
processo de integração, a livre circulação de trabalhadores tem igualmente correspondido a um dos
grandes desafios do projeto fundamental de constituição do Mercado Comum.
É imperioso fomentar a participação da sociedade no processo de integração regional,
sobretudo através da difusão da sua dimensão econômica e social. Mas, na prática, grande parte da
população do Mercosul ainda não está familiarizada com os efeitos que um projeto de integração desse
porte pode provocar no cotidiano do cidadão mercosulino.
Dificuldades de ordem política e obstáculos gerados pelas assimetrias econômicas de seus
Estados membros explicam em parte esse atraso. Mas a questão pode ser ainda mais profunda,
passando pela própria concepção de soberania por parte dos Estados que compõem o bloco.

2.4. A nova soberania como limite à integração?


Analisadas as experiências históricas na América do Sul e América Latina com seus resultados
práticos contemporâneos, é de se concluir que os Estados membros do Mercosul assimilam de
diferentes maneiras a proposta da integração.
Quatorze anos se passaram e ainda é atual a conclusão de Celso D. de Albuquerque Mello, para
o qual a questão é que “é como se a América Latina não confiasse nela mesma. Não há assim nenhuma
Corte de Justiça que preexista e sobreviva ao litígio. Esta ausência acarretará a falta de uma
uniformidade na aplicação das normas do Mercosul”.10

9 TRINDADE, Otávio A. D. Cançado. O Mercosul no Direito Brasileiro. Incorporação de normas e Segurança Jurídica.
Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2007, p. 03.
10 MELLO, Celso de Albuquerque. Direito Internacional de Integração. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 306/307. p.

306/307.

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A nosso ver, isso tem relação com o significado que o conceito de soberania ainda possui nos
quadros do Mercosul, alinhado aos paradigmas clássicos de soberania absoluta da Carta da ONU de
1948.
Conforme ensina Quintão Soares, “(…) não se admitia, nos limiares do século XX, que o
Estado, no contexto internacional, apesar das obrigações impostas pelo DIP, se submetesse a um poder
superior”11.
Todavia, ao contrário do que se pensa, não há uma contradição entre a soberania dos Estados e
os processos de integração12. Tampouco há que se cogitar desgaste substancial que indique uma crise do
Estado ou do conceito de soberania como um todo.
Daí a Teoria da Soberania Partilhada, que, como o próprio nome sugere, explica a transferência
das competências estatais mediante um esquema de partilha entre os órgãos supranacionais e os Estados
membros.
Os adeptos dessa teoria sustentam que, mediante a assinatura de tratados internacionais,
determinados Estados firmaram compromissos de tal modo que a titularidade da soberania passou a ser
partilhada entre os Estados e os órgãos supranacionais.
É o que ocorre com os Estados Membros da União Europeia, cujo exercício das competências
concorrentes entre Estados membros e União foi definitivamente disciplinado pelo Tratado de Lisboa
em dezembro de 2007.
Diferencia-se fundamentalmente de outra teoria, para a qual não se trata de uma questão de
partilha da titularidade, e sim de uma verdadeira limitação que se impõe contemporaneamente à própria
soberania, no conceito mais clássico.
Segundo a Teoria da Soberania Limitada, fica evidente, sobretudo nos processos de integração,
que a própria noção de soberania se modificou. Em razão das transformações mundiais, os Estados já
se apresentam sob uma visão cada vez mais limitada de soberania.
Existem nos espaços de integração limites intransponíveis à transferência de competências
originárias do Estado para as instituições comunitárias. O Direito é todo ele elaborado e promulgado
pelo Estado, o único capaz de lhe emprestar a força coativa necessária para a sua existência.
E, se todo o direito emana do Estado, é de se concluir que o poder político do Estado não
reconhece tal limitação, ao contrário, goza de proteção pelas mesmas normas que lhes autorizam nos
tratados.
Assim, o Direito Internacional é, antes de mais nada, um direito aplicável a entidades soberanas
e a soberania do Estado não se choca com qualquer outra. Mesmo assim, são os exatos limites que o
Direito Internacional impõe aos Estados soberanos que os colocam em patamar de igualdade no plano

11 QUINTÃO SOARES, Mário Lúcio. Teoria do Estado. 2 ed. rev. atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 108.
12 Cfr. PINTO, Marcio Morena. La Dimensión de La Soberanía En El Mercosur. Curitiba: Juruá Editora, 2010, p. 128.

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internacional. Daí resulta, inclusive, a sua obrigatoriedade, como fundamento da igualdade soberana entre os
Estados13.
Além dos limites impostos pelo Direito Internacional ao Estado soberano há ainda a questão do
conflito entre as normas internacionais e a ordem jurídica interna dos Estados, suscitando debates à luz
das teorias dualista e monista14.
Sustenta que não há intersecção entre a ordem internacional e a ordem interna, inexistindo
assim qualquer possibilidade de conflito entre ambas.
Isso porque, enquanto que as normas de direito internacional disciplinam as relações entre os
Estados e entre estes e os demais entes da sociedade internacional, o direito interno rege tão somente as
relações intraestatais, sem conexão com elementos externos.
Segundo os dualistas há profundas diferenças no esquema das fontes, que no Direito Interno é
a vontade dos Estados e no Direito Internacional é a vontade de vários Estados. E também quanto aos
sujeitos, que no Direito Interno são pessoas singulares e coletivas, e no Direito Internacional são os
Estados15.
Em sentido contrário caminha o monismo jurídico, que assevera que o direito constitui uma
unidade, um sistema integrado, ao mesmo tempo, por normas de direito internacional e normas de
direito interno16.
Assim, podem preponderar ou a ordem internacional – denominado monismo com primazia do
Direito Internacional (ou monismo internacionalista), ou a ordem interna – monismo com primazia do
direito interno (ou monismo nacionalista).
Nos quadros do regime europeu de partilha de poder questão relevante diz respeito à
reversibilidade das competências partilhadas entre a União e os Estados Membros.
A questão está atrelada a outra, relativa à origem das competências comunitárias, no que tange à
qualificação do ato voluntário expresso dos Estados membros que conferiu tais competências
inicialmente à Comunidade, e, em seguida, à União.
Aqui, duas posturas colimam ideias distintas.
A primeira sustenta que os Estados membros efetivamente transferiram para a Comunidade
parcelas da sua soberania, tendo como conseqüência a perda de todo e qualquer poder de intervenção
em favor da União, que passaria a ostentar competência exclusiva dali em diante.

13 Cfr. DINH, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Direito internacional público. trad. Vítor Marques
Coelho. 2 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
14 Cfr. TRIEPEL, H. Les Rapports entre le Droit Interne et le Droit International, in Recueil de Cours de L’Academy de

Droit International, tomo I, 1925. No Brasil, SILVA, Roberto Luiz. Direito Internacional Público. 3 ed. Belo Horizonte:
Editora Del Rey, 2008, p. 156; Cfr. CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional privado, 5 ed. aum e atual. Por Osiris
Rocha. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 249; ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E. do Nascimento; , CASELLA, Paulo
Borba. Manual de Direito Internacional Público. 16 ed. reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
15 Cfr. PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Op cit., p. 84.
16 Cfr. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3 ed. São Paulo: Editora RT, p. 75;

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito internacional da integração. Rio de Janeiro: Editora Renovar.

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Por outro lado, outros defendem que a transferência ocorreria tão somente na esfera do
exercício das competências, jamais da titularidade. Segundo esse entender, haveria tão somente a mera
delegação de poderes dos Estados à Comunidade17.
Nesse mister faz-se necessário mencionar decisão do Tribunal de Justiça no famoso acórdão
COSTA/ENEL de 31 de março de 1971, que referiu-se à Comunidade como uma entidade “dotada de
poderes reais resultantes de uma limitação de competência ou de uma transferência de atribuições dos Estados para a
Comunidade (…)18”
Contrario sensu à corrente da transferência, a leitura dessa parte do julgado indica a possibilidade
de reversão dos poderes concedidos pelos Estados partes estaria adstrita à sua expressa disposição no
texto do Tratado, prevalecendo a ideia de delegação.
Assim, parece-nos cediço – sobretudo com os novos contornos do sistema de atribuição de
competências da União Europeia ratificado pelo Tratado de Lisboa – que, se apenas o próprio Estado é
quem pode transferir parcela de sua soberania, então é perfeitamente legítimo imaginar que ele próprio
possa reverter tal concessão, se assim o desejar. Daí, esse limite aparecer expressamente no texto dos
tratados de cooperação.
Atualmente, após o Tratado de Lisboa que regulamentou definitivamente as competências,
conforme o princípio da subsidiariedade, restaram superadas as eventuais controvérsias a respeito o
sistema europeu de atribuição de competências.

3. Conclusão – O resgate da vocação integracionista dos Estados da América do Sul

Podemos afirmar que o mundo se depara com uma terceira versão de regionalismo, que vem na
sequência daquela segunda tendência, pós-Segunda Guerra Mundial, responsável pela formação dos
primeiros blocos regionais.
A comunidade internacional que outrora teve a construção européia como inspiração para o
nascimento seqüencial de novos projetos de integração, hoje assiste ao exemplo europeu com mais
ponderação. Por ali, os problemas enfrentados conjuntamente pelos Estados suscitam diversos
questionamentos a respeito das conseqüências do aprofundamento das relações entre os Estados.
É tarefa complexa apontar exatamente onde estão os principais focos da crise, bem como pode
ser precipitado atribuir à integração a culpa por todas as mazelas contemporâneas.
É preciso também enaltecer o fortalecimento da capacidade individual de superação cada
Estado na União Europeia, e reconhecer-lhe méritos, sem recorrer para a tendência reacionária do
retrocesso.

17 Cfr. QUADROS, Fausto de. Direito da União Européia. Almedina. Coimbra, 2004.
18 VILHENA, Maria do Rosário. O Princípio da Subsidiariedade no Direito Comunitário. Almedina, 2002, Coimbra, p. 103.

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Caso contrário, seria negar uma série de conquistas e avanços, a exemplo do que se deu no que
se refere aos sistemas regionais de proteção aos direitos do homem.
O cidadão europeu que outrora estava entregue exclusivamente ao inepto e problemático
sistema global da ONU, passou a acumular proteção própria, conferida num quadro institucional-
normativo de referência na questão da proteção internacional dos direitos do homem.
Funcionando em co-existência com o sistema da ONU - a inspiração da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e a proteção do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e do Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - as etapas da União Europeia conduziram ao
mais completo e respeitado modelo contemporâneo de proteção aos Direitos Humanos.
Além da Convenção Européia dos Direitos do Homem e da Carta dos Direitos Fundamentais
da União Européia, o sistema europeu ainda conta com a e da existência de um tribunal próprio para os
litígios que digam respeito aos Direitos do Homem.
A lição que a crise pode ter trazido é a de que não há que se pregar a simples imitação do
projeto de integração como estratégia de salvação dos Estados endividados. Inclusive porque um
período de crise sempre exigirá uma política nacional de austeridade e um esforço individual de
responsabilidade dos Estados, sem o qual nenhuma solução se afigurará viável.
As iniciativas de integração são válidas uma vez que ao se agruparem os países conseguem
alavancar as suas economias já que há uma abertura do seu mercado para todos os países,
especialmente com a eliminação de barreiras comercias e alfandegárias.
Ao que parece, a América do Sul já demonstrou essa intenção através dos doze países que
compõem a Unasul, sinalizando ações coordenadas para enfrentar a nova etapa da crise financeira
internacional.
Entre as principais medidas, destacam-se o comércio intrabloco e a criação de um fundo
financeiro.
Os países da América do Sul planejam ainda adotar medidas para reforçar o comércio regional
em moedas locais, impondo restrições ao dólar. O intuito é proteger as reservas e incrementar o
comércio entre os países da região, que atualmente equivale a cerca de US$ 120 bilhões por ano.
Para que se renovem as esperanças quanto ao futuro da integração da América do Sul é
imperativo que se proceda, primeiro, uma revisão do paradigma de soberania no bloco. Impõe-se uma
reconstrução ideológica do Estado, conjugando-se os ideais de Simon Bolívar com os desafios que
atualmente se impõem aos Estados Mercosulinos e à comunidade internacional com um todo.
O momento é, portanto, de avançar e não de retrair-se. Perante a crise, cada vez mais impõe-se
que as iniciativas de integração deixem de ser vistas com desconfiança pelos Estados envolvidos. Em
tempos de crise, o receio histórico que sempre limitou América do Sul e América Latina deve ser visto
como uma reverência leviana ao regresso.

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Contrario sensu, é preciso resgatar-se no espírito bolivariano a vocação histórica dos Estados da
América do Sul como alternativa de superação dos problemas regionais. Recorrer à estratégia
integracionista nada mais é do que adotar iniciativas coletivas para problemas comuns.
Ora, se construções como o Mercosul e a Unasul podem, por um lado, significar uma redenção
para os Estados menos desenvolvidos, para as economias mais fortes a integração tem se demonstrado
um recurso extremamente útil e bem sucedido na superação das adversidades globais.
Primeiro porque não implica perda de autonomia nem de poderes exclusivos por parte do
Estado, mas sim uma cessão voluntária. Conforme se apontou, até mesmo no modelo supranacional
europeu é possível a cláusula de reversibilidade das competências, embora adstrita à expressa disposição
no texto dos Tratados.
Além disso, o procedimento também pode ser revisto caso a possibilidade de retirada esteja
prevista no Tratado de integração e à medida que não mais interessar ao Estado participar daquele
processo de integração.
E, ao tempo em que se afirma a cessão de soberania dos Estados nos domínios comerciais e
ambientais, por exemplo, o poder exclusivo do Estado continua a ser exercido nos limites de seu
território. Parece modificada – isso sim - a ideia do Estado provedor, embora se conserve soberana a
respectiva ordem constitucional.

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O comercio bilateral Argentina – Brasil a partir da
formação do Mercosul: resultados e perspectivas

Cezar Augusto Miranda Guedes1


Ana Claudia Nogueira Bertolino
Ligia Dayane Rocha da Silva
Caio Peixoto Chain
Larissa Helena Pitzer Jacob

1. Introdução

O
presente trabalho resulta de pesquisas realizadas desde 2009, com a participação sucessiva
de três estudantes de Iniciação Científica no Departamento de Economia da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro: Caio Peixoto Chain, Larissa Helena Pitzer Jacob (bolsistas
pelo CNPq) e Ana Cláudia Bertolino (bolsista pela Faperj) sob a orientação do Professor Cezar
Augusto Miranda Guedes. O objetivo da pesquisa é a descrição e análise do comercio bilateral Brasil
– Argentina nos primeiros vinte anos do Mercosul (1991/2011).
Além desta introdução o artigo está constituído de uma segunda seção onde consideramos o
comercio brasileiro em geral, para na terceira seção abordarmos especificamente o comercio bilateral
Brasil – Argentina. Por fim, na quarta seção, temos os comentários finais e as conclusões.
Desde as últimas décadas do século passado, vivemos um cenário marcado pelo
aprofundamento de três processos que produziu mudanças substanciais na dinâmica social e econômica
em escala global: um novo ciclo de inovações radicais, a difusão de variadas formas de integração
regional e a intensificação da internacionalização da produção (GUEDES, 2009). Na perspectiva do
processo de internacionalização da produção, ou seja, comércio, investimento externo direto e relações
contratuais (DUNNING, 1977), nossa ênfase está colocada sobre as relações bilaterais do comercio do
Brasil com a Argentina.
Segundo Gonçalves (2005), o comércio significa que a mercadoria, bem ou serviço, é produzida
no país de origem e exportada cruzando a fronteira nacional, enquanto o investimento direto externo
(IDE) representa o deslocamento de pessoa jurídica, a empresa. Desse modo, sempre que um não
residente realiza investimento direto com o objetivo de controlar a empresa receptora do capital há
IDE (filial subsidiária ou joint venture). Ainda segundo a mesma classificação, as relações contratuais,
construídas por meio de franquias, licenciamentos ou contratos, regulam as transferências de ativos,
como tecnologias referentes a processos produtivos ou a produtos específicos.

1 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 200

A Argentina figura em terceiro lugar tanto na pauta das importações quanto na das exportações
brasileiras e os dois países cumprem papel decisivo na dinâmica regional. Argentina e Brasil são os
maiores países sul-americanos e têm recursos naturais disponíveis como em poucos lugares do mundo.
Talvez sejam os únicos países no mundo que podem aumentar no curto prazo e simultaneamente a
produção de alimentos e da agroenergia, fonte renovável por definição em que se destacam o biodiesel
e etanol. (GUEDES, SILVA, 2011)

2. Considerações sobre o comercio exterior brasileiro

Para uma visão mais abrangente do comercio exterior brasileiro, apresentamos uma análise de
seu quadro mais geral e de algumas de suas características.
Em 2011 o Brasil se apresentou como a 6ª maior economia do mundo, ultrapassando o Reino
Unido e tendo à frente Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França. No mesmo ano ainda
figurou como um dos maiores importadores e exportadores mundiais, embora sem o mesmo peso
relativo nestes ranking, respondendo por cerca de 1,3% do volume transacionado em importações e
1,4% em exportações. Os dados referidos podem ser visualizados nas tabelas 1 e 2 abaixo em bilhões
de dólares:
Tabela 1

Maiores importadores mundiais - 2011 (em US$ bilhões)

Posição País Valor


1 Estados Unidos 2.265
2 China 1.743
3 Alemanha 1.254
4 Japão 854
5 França 715
6 Reino Unido 636
7 Países Baixos 597
8 Itália 557
9 Coreia do Sul 524
10 Hong Kong 511
11 Bélgica + Luxemburgo 490
12 Canadá 462
13 Índia 451
14 Cingapura 366
15 Espanha 362
16 México 361
17 Rússia 323
18 Taiwan 281

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 201

19 Austrália 244
20 Turquia 241
21 Brasil 237
22 Tailândia 228
23 Suíça 208
24 Polônia 208
25 Emirados Árabes Unidos 205
26 Áustria 192
27 Malásia 188
28 Indonésia 176
29 Suécia 175
30 República Tcheca 151
Total acima 15.207
Total mundial 18.381
Fonte: SECEX, 2012

Tabela 2

Maiores exportadores mundiais - 2011 (em US$ bilhões)

Posição País Valor


1 China 1.899
2 Estados Unidos 1.481
3 Alemanha 1.474
4 Japão 823
5 Países Baixos 660
6 França 597
7 Coreia do Sul 555
8 Itália 523
9 Rússia 522
10 Bélgica + Luxemburgo 498
11 Reino Unido 473
12 Hong Kong 459
13 Canadá 452
14 Cingapura 410
15 Arábia Saudita 365
16 Taiwan 350
17 México 308
18 Espanha 297
19 Índia 297
20 Emirados Árabes Unidos 285
21 Austrália 271

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 202

22 Brasil 256
23 Suíça 235
24 Tailândia 229
25 Malásia 227
26 Indonésia 201
27 Polônia 187
28 Suécia 187
29 Áustria 179
30 República Tcheca 162
Total acima 14.859
Total mundial 18.217
Fonte: SECEX, 2012
Seguindo ainda na caracterização do comércio brasileiro, observa-se a presença da Ásia como
maior mercado fornecedor do país em 2011, respondendo por aproximadamente 31% do fluxo
comercial, logo seguida pela União Européia (20,5%) e América Latina e Caribe (16,7%). Do mesmo
modo, quando se trata dos principais mercados de destino das exportações brasileiras, aparecem Ásia,
América Latina e Caribe e União Europeia, respondendo cada uma, respectivamente por 30%, 22,4% e
20,7%. Esses dados podem ser visualizados por meio dos gráficos abaixo:

Gráfico 1

Principais Mercados Fornecedores ao Brasil - 2011 (em %)

Europa Oriental 2,3

Oriente Médio 2,7

África 6,8

Estados Unidos 15,1

América Latina e Caribe 16,7

União Europeia 20,5

Ásia 31

Fonte: SECEX, 2012

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Gráfico 2

Principais Mercados de Destino das Exportações - 2011 (em %)

Europa Oriental 2

África 4,8

Oriente Médio 4,8

Estados Unidos 10,1

União Europeia 20,7

América Latina e Caribe 22,4

Ásia 30

Fonte: SECEX, 2012

Numa análise mais profunda a respeito da relação comercial do Brasil com o mundo, partindo
da visualização por país, há forte presença da Argentina, 3ª maior economia da América Latina
(superada apenas por Brasil e México), tanto na pauta das importações quanto na das exportações,
razão pela qual o relacionamento com esse país deve ser mais detalhado no que tange a seus processos
de internacionalização. Em 2011, o mercado argentino figurou em terceiro lugar em ambos os fluxos:
Tabela 3

Principais Países Fornecedores ao Brasil - 2011 (em %)

Posição País Participação


1 Estados Unidos 15
2 China 14,5
3 Argentina 7,5
4 Alemanha 6,7
5 Coreia do Sul 4,5
Fonte: SECEX, 2012

Tabela 4

Principais Países Compradores do Brasil - 2011 (em %)

Posição País Participação


1 China 17,3
2 Estados Unidos 10,1
3 Argentina 8,9
4 Países Baixos 5,3
5 Japão 3,7
Fonte: SECEX, 2012

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 204

Do mesmo modo, a relação entre Brasil e Argentina não pode se basear na premissa de ser
entendida apenas bilateralmente, mas deve ser encarada na perspectiva mais ampla das relações
mundiais de poder. (MONIZ BANDEIRA, 2010)
Segundo Moniz Bandeira (2010), o tipo de pensamento que leva em consideração as relações de
um país com os demais de forma apenas individual é artificial e falso, e freqüentemente resulta em
sérios desentendimentos. Para tanto, busca-se ancorar a relação bilateral Brasil – Argentina, foco deste
trabalho, às oscilações inerentes aos movimentos mundiais. É o que se objetiva fazer, ao analisar
brevemente as características históricas dos dois países em questão e, em alguma medida, associá-las à
dinâmica internacional.

3. A relação comercial Argentina - Brasil

3.1. Considerações sobre o Mercosul


Apesar do peso relativo e da importância fundamental para a América Latina, até o início dos
anos oitenta, a relação entre Brasil e Argentina sempre foi marcada pela desconfiança mútua.
Entretanto, a partir da Guerra das Malvinas (1982), um novo período de relação entre os dois países
teve início derivado de questões geopolíticas, do processo de redemocratização em ambos e da nova
dinâmica do mercado mundial. Em 1985, os presidentes Sarney e Alfonsín, assinaram a Declaração do
Iguaçu, que constava de 19 protocolos de cooperação econômica, com vistas a uma futura integração
regional, que veio a se concretizar em 1991, por meio da assinatura do Tratado de Assunção e criação
do Mercosul.
O Mercosul, Mercado Comum do Cone Sul, foi criado em 26 de março de 1991, através da
assinatura tratado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. A partir de julho de 2012, em virtude da
remoção de Fernando Lugo da presidência do Paraguai, o país foi temporariamente suspenso do bloco,
tornando possível a adesão da Venezuela como membro pleno do Mercosul, inclusão até então
impossível em razão do veto paraguaio. Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e Equador permanecem com o
status de estados associados.
A integração regional, viabilizada por meio do referido tratado, consiste em uma união
aduaneira imperfeita. Uma união aduaneira é caracterizada pela fixação de uma Tarifa Externa Comum
(TEC), ou seja, uma tarifa a ser aplicada por todos os países membros ao comércio de bens com outros
países.
A TEC é sempre um dos principais pontos de discussão nos processos de integração, pois a
abertura comercial entre os estados membros pode inviabilizar segmentos importantes para os países
mais vulneráveis. No caso do Mersocul, a lista de exceção de certos produtos ocorre com o intuito de
permitir que a economia dos países membros tenha condições de adaptar suas novas estruturas de
custos dentro um mercado internacional competitivo. Aliás, essa flexibilidade do Mercosul foi

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 205

importante para sua sobrevivência em períodos de crises internas e externas. Averbug (1998) explica
que, nesse caso, as tarifas elevadas são cobradas sobre produtos mais sensíveis à concorrência externa,
ao passo que taxas reduzidas são aplicadas sobre certos bens estratégicos como, por exemplo, bens de
capital usados na fabricação de produtos de exportação, bens não produzidos no mercado interno, etc.
O acordo, mesmo em sua fase inicial, intensificou o fluxo comercial e conseqüentemente, a
interdependência econômica entre os países, e mais precisamente entre Argentina e Brasil, graças ao
significativo grau de liberalização de barreiras tarifárias e a proximidade geográfica. Alternou períodos
de avanços com outros de certa paralisia, de acordo com as conjunturas econômicas e contextos
políticos. Hoje, importadores e exportadores desses países podem realizar transações com suas
respectivas moedas por meio do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), além de poderem
contar com facilidades no que diz respeito à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, ao
estabelecimento da TEC, à adoção de uma política comercial comum, à coordenação de políticas
macroeconômicas e setoriais, e à harmonização de legislações nas áreas pertinentes.
O SML citado acima é um sistema de pagamentos informatizado que permite a remetentes e
destinatários, nos países que integram o sistema, fazer e receber pagamentos referentes a transações
comerciais em suas respectivas moedas, aumentando, dessa forma, o nível de acesso dos pequenos e
médios agentes, possibilitando o comércio exterior em moedas locais e reduzindo custos de transação.
Em março de 2011, o Tratado de Assunção celebrou 20 anos desde sua assinatura em 1991. Sua
trajetória permitiu avanços tanto no plano econômico quanto político, desempenhando importante
papel na inserção internacional dos países integrantes do acordo. O papel econômico, a despeito dos
percalços provocados por crises financeiras, é significativo: desde a sua criação, o Mercosul tem sido
um dos principais destinos das exportações do Brasil e um dos seus principais fornecedores. Vale
ressaltar que o comércio entre os parceiros regionais se elevou de US$ 4,5 bilhões em 1991 para US$ 45
bilhões em 2010. No plano político, o acordo foi importante para a superação de diferenças e para que
o Brasil se transformasse em um líder respeitado regionalmente. A diminuição dos entraves ao
comércio internacional vem para fortalecer ainda mais a dinâmica desse bloco.
Os aspectos positivos da integração econômica podem ser visualizados por meio do gráfico
abaixo, que evidencia o fluxo comercial brasileiro com o Mercosul, desde 1991, ano da assinatura do
Tratado de Assunção, até dezembro de 2011.

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Gráfico 3

Fluxo Comercial Brasil - Mercosul (em US$ milhões FOB)

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000
0
91

92

93

94

95

96

97

98

99

00

01

02

03

04

05

06

07

08

09

10

11
-5.000
19

19

19

19

19

19

19

19

19

20

20

20

20

20

20

20

20

20

20

20

20
Exportações Importações Saldo

Fonte: SECEX, 2012

3.2. A análise comercial Brasil – Argentina

As informações da balança comercial de Brasil e Argentina serão analisadas de acordo com o


referencial teórico das quatro questões básicas que determinam o comércio internacional de bens:
direção do comércio, quantum, padrão de comércio e termos de troca (Gonçalves, 2005).

3.2.1. Direção do comércio


A direção do comércio é a distribuição geográfica dos fluxos de comércio exterior, ou seja, é a
questão da origem das importações e do destino das exportações. No presente trabalho, por se tratar da
relação bilateral Brasil - Argentina, esse fluxo pode ser identificado diretamente.

3.2.2. Quantum
O tema do quantum trata da quantidade (mensurada de diversas formas) dos produtos
comercializados internacionalmente por cada país. Aqui, são utilizados como medidas os valores
monetários em US$ através da balança comercial entre os dois países. Além disso, estes são
considerados em termos FOB (do inglês free on board), ou seja, o valor das exportações e importações
exclui os gastos com fretes e seguros.
Para a avaliação do comércio bilateral Brasil - Argentina, uma breve análise histórica deve ser
apresentada em relação a esse fluxo. Se o intercâmbio comercial entre os dois países após a constituição
do Mercosul fosse dividido em fases distintas, podemos identificar três momentos:
A primeira etapa, compreendida entre 1991 e 1998, foi positiva, pois a relação Brasil - Argentina
se estreita com a constituição do Mercosul e por meio da redução sistemática das tarifas aduaneiras

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 207

entre os dois países – excluindo certos produtos. O comercio bilateral se torna mais expressivo para
ambos. A participação argentina nas exportações brasileiras que inicia 1991 respondendo por 4,67% do
total exportado pelo Brasil chega em 1998 com a porcentagem de 13,2% do total. O mesmo ocorre
com as importações brasileiras oriundas do país vizinho que de 7,65% passam a corresponder por
13,9% do total.
Na segunda etapa, que compreende os anos de 1998 a 2002, essa relação pode ser considerada
negativa, pois a América Latina foi afetada por uma crise internacional, culminando na adoção brasileira
do câmbio flutuante frente ao câmbio fixo da Argentina (vigente desde 1991), que se inviabilizou na
própria Argentina e desestabilizou a dimensão macroeconômica da integração. Mesmo nesse período
de crise, os produtos brasileiros entraram mais no mercado argentino, chegando ao ponto de que em
2002, mais de ¼ das importações da Argentina foram provenientes do Brasil. A participação argentina
nas exportações brasileiras que respondia por 13,2% do total exportado pelo Brasil despenca em 2002
para a porcentagem de 3,88% do total. A mesma situação ocorre com as importações brasileiras
oriundas do país vizinho que, embora em menor proporção, de 13,9% passam a corresponder por
10,04% do total no mesmo período.
Na terceira e última etapa, a partir de 2002, houve a retomada do crescimento, através da
adoção de um novo perfil comercial extrabloco. Após o ano de 2002, a América Latina começa a se
recuperar das crises econômicas do México, da Ásia e da Rússia, que assolaram a região na década de
1990. O fluxo comercial Brasil - Argentina voltou a crescer, sinalizando a retomada da integração
comercial. Esse novo fôlego na relação comercial tem crescimento sucessivo e seu ápice acontece em
2008 quando as exportações brasileiras em direção ao mercado argentino atingem a cifra de US$ 17,6
bilhões. Em 2009, esse fluxo é abalado em virtude da crise deflagrada nos Estados Unidos ao final de
2008. As exportações brasileiras destinadas ao comércio com a Argentina caem 27,4%, enquanto as
importações argentinas no Brasil caem 14,9% em relação a 2008. Esse comércio já é restabelecido em
2010 e apresenta tendência crescente, apesar de algumas barreiras protecionistas impostas pela
Argentina a importações de produtos brasileiros em setores como de calçados, têxteis e vestuário,
autopeças (freios, embreagens, baterias), tornos, móveis de madeira, linha branca (geladeiras, TVs, entre
outros) e celulose e papel. (MACADAR, 2008). A evolução dos fluxos entre os dois países pode ser
visualizada no gráfico 4, no período de 1991 até fins de 2011:

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 208

Gráfico 4

Evolução Comercial Brasil - Argentina (em US$ milhões FOB)

25.000

20.000
15.000

10.000

5.000
0
91
92

93
94

95
96

97
98

99
00

01
02
03

04
05

06
07

08
09

10
11
-5.000
19
19

19
19

19
19

19
19

19
20

20
20
20

20
20

20
20

20
20

20
20
Exportação Importação Saldo

Fonte: Alice Web – Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior, 2012

3.2.3. Padrão de comércio


O padrão de comércio (também conhecido como padrão de vantagem comparativa) refere-se à
composição ou estrutura de exportação ou importação do país, ou seja, quais produtos são exportados
e importados.
Nessa parte, serão localizados os segmentos mais importantes, assim como as empresas que tem
maior participação no comércio no entre os dois países.
Segundo dados da Secex, na lista dos principais produtos brasileiros exportados para a
Argentina, itens do setor automotivo sempre apresentaram papel de destaque. Isso se deveu,
principalmente porque em 2000, foi protocolado um acordo bilateral para esse setor. Outro setor de
relevância foi o de minério de ferro que de um montante de US$ 80,9 milhões, ou 0,63% do total
exportado para a Argentina em 2009 passou a responder por uma cifra de US$ 1,35 bilhão ou 5,96% do
total em 2011.
A partir da lista dos principais produtos importados pelo Brasil do mercado argentino, nota-se
que o fluxo de importação brasileiro é mais concentrado em determinados setores do que a
contrapartida argentina. Produtos como o trigo e petroquímicos sempre contaram com uma porção
relevante desse fluxo, mas vêm perdendo espaço para o setor automotivo. O trigo, que em 2006,
correspondia por 11,3% do total importado no mercado argentino pelo Brasil, chegou em 2011
respondendo por 8,76%. O mesmo ocorreu com as naftas da indústria petroquímica que passaram de
9,74% para 5,79% no mesmo período. Por outro lado, o setor automotivo apresenta tendência
crescente. Exemplo disso são os automóveis com motor à explosão, 1500<cm 3<3000, de até seis
passageiros, que em 2011 fez com que o Brasil despendesse US$ 1,7 bilhão enquanto em 2006 o
montante gasto era de US$ 594 milhões, um crescimento de, aproximadamente, 186,2%.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 209

No que tange às empresas de presença predominante na relação brasileira com o mundo e nesta
relação bilateral em particular, percebe-se que os fluxos são dominados por grandes empresas, em
especial as empresas transnacionais (ETs) que ao longo dos anos foram aumentando exponencialmente
suas fatias de mercado, mostrando um comércio cada vez mais aquecido e protagonizado por grandes
empresas.
No comércio internacional dominado pelas transnacionais, a lógica é a fragmentação das cadeias
produtivas, fazendo que o comércio intraindústrias cresça consideravelmente, estando cada vez mais
presente na economia global devido à intensificação do processo de internacionalização das grandes
corporações. Esse comércio ocorre entre a matriz e suas filiais e/ou entre os segmentos industriais da
mesma cadeia produtiva. Esse é o caso da indústria automotiva, onde algumas ETs do oligopólio
internacional têm produção realizada na Argentina e no Brasil. O destaque é a Fiat e suas unidades em
Betim (Minas Gerais) e Córdoba (Argentina), assim como das grandes ETs do agronegócio (Bunge,
Cargil, Danone, Monsanto, Parmalat).

3.2.4. Termos de troca


Os termos de troca referem-se à razão entre os preços dos produtos exportados e os preços dos
produtos importados.
Caracterizando produtos como primários ou industrializados e adotando o referencial teórico da
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), parte-se para a consideração de que
produtos primários (ou básicos) possuem deterioração histórica em seus termos de troca em relação a
produtos industrializados devido à baixa expansão do consumo dos primeiros. Desse modo, países que
se voltassem para a especialização produtiva em produtos básicos se encontrariam em desvantagem
com relação a países que se dedicassem à produção de manufaturados.
Primeiro, deve-se considerar que o conceito de exportações por fator agregado, empregado na
caracterização das mercadorias na balança comercial brasileira, envolve o agrupamento dos produtos
em três grandes classes, levando-se em conta a maior ou menor intensidade na transformação
(agregação de valor) que a mercadoria sofreu durante o seu processo produtivo, até a venda final. A
primeira grande classe é constituída por produtos básicos, de baixo valor e normalmente intensivos em
mão-de-obra, cuja cadeia produtiva é simples e que sofrem poucas transformações. Como exemplos
podem ser dados o minério de ferro e os grãos. A segunda classe corresponde aos produtos
semimanufaturados, produtos que passaram por alguma transformação. É o caso do suco de laranja
congelado e do couro. A terceira e última classe compreende os produtos manufaturados, normalmente
de maior tecnologia e com alto valor agregado, como os televisores, chips de computador e
automóveis.

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Esse agrupamento é um pouco diferente no caso argentino onde se consideram os produtos em


três categorias: básicos, manufaturados (separados os de origem agropecuária dos de origem industrial)
e combustíveis e energia.
Vale dizer que do ponto de vista do comercio exterior brasileiro, a composição predominante
de produtos manufaturados é uma realidade apenas na relação com a Argentina e no espaço do
Mercosul em geral. Em seu conjunto, as exportações brasileiras têm baixo coeficiente de produtos mais
elaborados ou com maior conteúdo tecnológico. Aliás, nos últimos anos tem havido expansão do peso
relativo e absoluto das commodities na pauta brasileira, principalmente nos últimos 15 anos,
representando um processo de reprimarização. Durante os anos 90, a participação destes produtos nas
exportações brasileiras oscilava ao redor dos 40%. Entre 2007 e 2010, esta participação saltou 10
pontos percentuais, alcançando 51% das exportações brasileiras, fortemente puxada pela exportação de
minério de ferro.
Cabe ressaltar, neste caso específico, o desempenho de economias como a China, grande
demandante de produtos agrícolas e minerais brasileiros. Este país, com um longo processo de
urbanização pela frente, contribuiu de forma expressiva para o crescimento da participação de produtos
primários na pauta de exportações brasileiras. Entre 2008 e 2009, no auge da crise financeira, as
exportações brasileiras caíram de US$ 197 bilhões para US$ 152 bilhões, ao mesmo tempo em que as
exportações brasileiras para a China – predominantemente commodities – cresceram de US$ 16 bilhões
para mais de US$ 20 bilhões. (De Negri e Alvarenga, 2011). Dados do montante dessa realidade podem
ser visualizados por meio do gráfico 5, que representa a evolução das exportações brasileiras:

Gráfico 5

Evolução das exportações brasileiras (em %)

70
60
50
40
30
20
10
0
1991 1993 1995 1997 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011

Primários Semimanufaturados Manufaturados

Fonte: SECEX, 2012

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O processo de reprimarização descrito no caso brasileiro não é observado na estimação da


balança comercial argentina, ancorada essencialmente em produtos manufaturados, apesar da queda da
participação destes nos anos de 2010 e 2011.
A economia argentina baseia-se, principalmente, na produção agrícola e na pecuária, que juntas,
respondem por 60% de seu PIB, considerando conjuntamente produtos primários e processados. O
país, exatamente por isso, é uma das principais nações produtoras de carne, cereais e azeite do mundo,
embora estes produtos sejam de pequena relevância para o intercâmbio com o Brasil, com destaque
apenas para o trigo. Seu setor industrial mais importante é o de processamento e embalagem de
produtos alimentícios, seguido pelo setor têxtil e pela indústria automobilística, esta última de inegável
papel na balança comercial brasileira. O gráfico 6 permite visualizar a evolução das exportações
argentinas relativamente à natureza de seus produtos:

Gráfico 6

Evolução das exportações argentinas (em %)

80
70
60
50
40
30
20
10
0
1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 2010

Básicos Manufaturados Combustíveis e energia

Fonte: INDEC, 2012.

4. Considerações finais

De acordo com Moniz Bandeira (2010), apenas Brasil, Estados Unidos e China estão, ao
mesmo tempo, na relação dos dez países de maior território, maior população e maior PIB do mundo.
Nos últimos 100 anos, o PIB brasileiro foi o que apresentou o maior crescimento no mundo, o que
significa expressiva acumulação de capital, capacidade tecnológica adquirida por empresários,
engenheiros e operários e, portanto, a possibilidade de se expandir e diversificar. A maior aproximação
com seu principal parceiro comercial sul americano, a Argentina, implicando na construção de vínculos
de cooperação política e econômica, com o objetivo de fortalecimento tecnológico, político, militar e
econômico e de redução de sua dependência externa, criará, com o tempo, um centro de poder na
América do Sul que terá peso crescente na dinâmica mundial.

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A relação bilateral Brasil – Argentina sempre apresentou certas peculiaridades que não se
verificam no intercâmbio desses países com o resto do mundo. Há neste espaço certa
complementaridade.
Discutir passado recente para superar dificuldades e a necessidade de ampliar os vínculos na
área da energia e das infraestruturas, que tem implicações estratégicas.

Referências

AVERBUG, A. MERCOSUL: Conjuntura e Perspectivas. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n.10, p. 1-15, 1998.
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<http://www.bcb.gov.br/?SML> Acesso em fevereiro de 2012.
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Os impactos das crises europeia e americana nos indicadores
de vulnerabilidade do Brasil e da Argentina

Claudeci da Silva1
Hugo Agudelo2

Introdução

A
globalização tem amplificado o impacto que problemas macroeconômicos originados em
qualquer economia têm sobre as economias dos outros países independentemente do grau
relação existente entre elas.
Embora o cenário macroeconômico seja importante para determinar os efeitos das crises nos
outros países, não existem duvidas que as economias afetadas possam aumentar seu grau de
vulnerabilidade externa dependendo das medidas de política econômica adotadas pelos governos e o
espaço temporal decorrido entre a deflagração da crise e o momento da adoção das medidas
anticíclicas. O objetivo do artigo é analisar os indicadores de vulnerabilidade de Argentina e Brasil e sua
evolução frente às crises europeia e norte-americana, assim como as medidas econômicas adotadas
pelos governos com o objetivo de reduzir os impactos gerados pelo contagio.
Assim, com estes objetivos, o artigo esta dividido em cinco partes alem desta breve introdução.
Na primeira parte é apresentado o conceito de vulnerabilidade externa. Na segunda, é realizada uma
breve apresentação das crises aqui consideradas. Na terceira parte, são analisados os indicadores de
vulnerabilidade externa para a Argentina. Na quarta parte são apresentados estes indicadores para o
Brasil. O por fim, temos a conclusão deste trabalho.

1. Vulnerabilidade externa

O processo de globalização econômica tornou as economias mais interdependentes, ao mesmo


tempo em que permitiu a expansão do fluxo internacional de bens, serviços e capitais, maior
concorrência nos mercados internacionais, e uma maior integração de sistemas econômicos locais.
Os determinantes do processo de globalização podem ser resumidos em três conjuntos de
fatores. Os avanços tecnológicos nas telecomunicações e microeletrônica, que permitiram o
crescimento exponencial dos capitais e das operações produtivas, espacialmente separadas, a um menor
custo. O segundo refere-se aos fatores de ordem política e institucional, que possibilitaram a
liberalização internacional do movimento de capitais e a desregulamentação e liberalização dos

1SILVA, C. Departamento de economia, Universidade Estadual de Maringá, UEM – Brasil. Email: chardeci@bol.com.br.
2 AGUDELO, H. Departamento de economia, Universidade Estadual de Maringá, UEM – Brasil. Email:
hamurillo@uem.br.
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mercados reduzindo a presença do Estado e homogeneizando os cenários macroeconômicos nacionais.


O terceiro é de ordem sistêmica e estrutural.
A vulnerabilidade externa pode ser entendida como um processo em que fatores externos a
economia local podem ocasionar desequilíbrios no mercado interno, atingindo as finanças e/ou outros
aspectos da política econômica, em síntese, a vulnerabilidade externa está associada à fragilidade de uma
economia frente a outra.
A vulnerabilidade externa pode ser entendida, ainda, como a capacidade de resposta de uma
economia frente às mudanças abruptas do fluxo de capital externo (resultado de pressões, fatores
desestabilizadores ou choques externos). Quanto menor a capacidade de resposta, mais vulnerável é a
economia. O tamanho dessa capacidade pode ser observado por meio do desempenho das contas
externas presentes no balanço de pagamentos do país, as quais podem ser mais bem analisadas com o
uso de alguns indicadores (PAINCEIRA; CARCANHOLO, 2002; MARINO; MACHADO, 2005;
CASA, 2010).
Os indicadores de vulnerabilidade são instrumentos que permitem avaliar e prevenir algumas
circunstâncias que podem comprometer o desempenho externo de um país.
Os principais indicadores são calculados com relação à dívida externa e as reservas
internacionais, isso porque estas variáveis afetam diretamente a vulnerabilidade de um país através de
seu impacto sobre a capacidade de honrar os compromissos externos, o que pode resultar em problema
de solvência e liquidez (IMF, 2000; INTOSAI, 2009).
A incerteza com relação à capacidade de pagamento de um país leva à redução no fluxo de
capitais privados e a dificuldades de acesso ao mercado de credito internacional o que leva a um
problema de liquidez agravado pela fuga repentina de capitais estrangeiros, pressionando o preço da
moeda estrangeira, e aumentando a importância da existência de reservas cambiais (IMF, 2000).

2. A crise americana e europeia

A crise norte-americana (também chamada de crise do subprime) e a crise europeia têm suas
origens nas instabilidades dentro do setor imobiliário da economia norte-americana.
Durante os primeiros anos do século XXI as medidas de política econômica americana
estiveram voltadas para a sua recuperação abalada pelos efeitos da quebra das empresas ponto com e
dos atentados terroristas de onze de setembro. Após sucessivos cortes de taxa de juros e redução do
nível de impostos houve uma recuperação da dinâmica econômica centrada no setor imobiliário, devido
ao elevado poder multiplicador do setor da construção civil que resultou na recuperação da economia
americana.
Após atender o mercado prime as instituições financeiras começaram a se arriscar nas suas
concessões de financiamentos passando a atender também um setor de segunda linha caracterizado por
famílias com histórico de inadimplência e sem trabalho comprovado, o denominado setor subprime.
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Como resultado houve uma valorização do preço dos imóveis, que começaram a apresentar retornos
maiores do que os ativos financeiros, se mostrando uma ótima opção de investimento desenvolvendo
uma bolha no mercado imobiliário americano.
A valorização dos preços no mercado imobiliário contribuiu com a escalada inflacionaria
levando o governo americano a adotar políticas restritivas que aumentaram as taxas de juros e elevaram
o índice de inadimplência no setor imobiliário.
Aparentemente a instabilidade era especifica do setor imobiliário americano, mas o fato das
instituições financeiras terem obtido recursos para financiar o setor de alto risco por meio de processo
de securitização, levou a uma disseminação da instabilidade para outros setores. A crise na economia
real havia contaminado o sistema financeiro.
Em setembro de 2008 um dos principais bancos americano, o Lehman Brothers, após divulgar o
montante de seu prejuízo com o mercado imobiliário entrou com pedido de falência. Vários outros
importantes bancos americanos com problemas de liquidez fecharam suas portas ou foram
incorporados por outros, havendo uma reestruturação no sistema financeiro americano.
A falta de liquidez, gerada pela inadimplência do setor imobiliário, fez com que os bancos
restringissem o crédito que reduziu o consumo das famílias comprometendo o crescimento da
economia interna e, consequentemente, outras economias mundiais que tinham nos Estados Unidos o
seu principal mercado comprador ou que possuíam fundos de investimentos com uma grande
quantidade de papéis atrelado ao setor imobiliário americano, configurando o efeito contágio.
Nos últimos anos uma característica importante das crises iniciada em uma economia é a sua
capacidade de atingir mais rapidamente outras economias, mesmo que esta apresente fundamentos
macroeconômicos sólidos, esta dinâmica ficou conhecida na literatura como “efeito contágio”. A maior
globalização da economia nos anos 1990 foi o grande propulsor de tal efeito, de modo que o processo
de integração deixou os países mais expostos a influências externas (LOBÃO, 2007; MIRA, 2006).
A economia europeia foi contagiada pela crise norte-americana. A crise na economia norte-
americana expôs as fragilidades da política fiscal dos chamados piigs: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e
Espanha. Estes países não têm conseguido gerar crescimento econômico suficiente para fazer frente às
dívidas adquiridas ao longo dos anos.
O crescimento dessas economias foi realizado com recursos emprestados, resultando em
endividamento público elevado, a falta de liquidez instaurada pela crise norte-americana interrompeu
seus ciclos de crescimentos, deixando-os em dificuldades. A queda do PIB decorrente da crise
provocou um aumento do déficit fiscal e da relação dívida/PIB, elevando os prêmios de risco e as taxas
de juros cobradas pelos bancos para refinanciar o déficit. O aumento dos juros tornou mais caro o
refinanciamento das dívidas, elevando ainda mais a relação dívida/PIB, aumentando novamente o risco
e os juros, reduzindo o crescimento e aumentando o desemprego.

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3. Indicadores de vulnerabilidade argentino

A crise internacional instaurada a partir das instabilidades no setor imobiliário norte-americano,


em setembro de 2008, se mostrou gradualmente presente no cenário político e econômico da argentina.
As turbulências geraram duas reações no governo argentino. A primeira relacionada às medidas
anticíclicas de incentivo à demanda e ao mercado interno. A segunda que envolve a integração sul-
americana e uma articulação conjunta em fóruns multilaterais (como o G-20) e a coordenação em
sintonia com o Brasil para alavancar seu crescimento (GRANOVSKY, 2012).
Diante a retração do mercado mundial o governo argentino começou a tomar medidas
drásticas. Entre estas está à estatização da maioria das ações que a transnacional espanhola, Repsol,
possuía na Yacimientos Petrolíferos Fiscales (YPF), o que permitiu a retração de remessas de divisas
para o exterior pela empresa. O governo argentino passou a deter 51% da petrolífera argentina por
considerar que suas atividades eram de interesse nacional (GRANOVSKY, 2012; TEIXEIRA, 2012).
No geral, verifica-se que a crise internacional impactou a economia argentina através de
diferentes vias. A primeira foi através das exportações, devido à queda dos preços dos produtos
exportados pela Argentina somada à redução da demanda mundial por seus produtos, principalmente
manufaturas. O segundo canal de efeito foi resultado da reversão do fluxo de capitais para países em
desenvolvimento, que levou a queda no fluxo de investimento direto e dificuldades de acesso ao crédito
pela Argentina. E por fim, as empresas transnacionais realizaram cortes em todas as suas subsidiarias
espalhadas pelo mundo, o que somada à situação econômica de cada país resulta em aumento do
desemprego e consequente queda do crescimento econômico (CIFRA, 2009a).
Para analisar a implicação do cenário internacional na economia argentina a Tabela 1 expõe a
relação dos principais indicadores de vulnerabilidade externa para esta economia abrangendo o período
de 2000 a 2012.

Tabela 1: Indicadores de vulnerabilidade externa argentino (2000 – 2012)


INDICADORES 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Saldo em transações correntes/PIB (%) -3,15 -1,41 8,44 6,36 2,11 2,90 3,65 2,82 2,07 3,58 0,37 -0,53 0,02
Dívida externa total/PIB (%) 45,00 53,69 164,97 139,46 127,03 87,13 76,46 67,10 58,52 58,70 49,10 44,20 43,27
Divida externa liquida / PIB (%) 44,60 51,66 141,47 122,57 114,38 63,37 55,46 49,56 43,49 44,06 41,94 39,19 42,74
Dívida externa total/exportações - Razão 5,88 6,26 6,11 5,50 4,95 2,82 2,34 2,22 1,78 2,08 1,90 1,67 1,75
Dívida de curto prazo/dívida externa total (%) 19,27 13,36 10,14 13,85 16,05 27,34 23,90 16,00 16,39 15,66 12,43 14,53 n.d.
Dívida de curto prazo/reservas
internacionais (%) 112,62 137,43 140,78 157,57 134,61 124,08 88,39 41,76 43,08 41,34 26,61 36,03 n.d.
Serviços total da dívida /exportações de bens
e serviços (%) 63,96 49,17 16,55 38,19 29,60 19,61 36,39 11,97 8,95 21,00 17,11 15,31 n.d.
Serviços total da dívida /PIB (%) 8,95 6,88 5,63 11,79 8,95 5,67 10,47 3,41 2,46 4,94 4,00 3,57 n.d.
Exportações de bens e serviços /PIB (%) 10,89 11,53 27,69 24,97 25,26 25,07 24,76 24,63 24,48 21,35 21,71 21,82 19,12
Reservas internacionais/dívida externa total (%) 18,23 11,06 6,68 8,58 11,48 24,67 29,44 37,08 37,13 41,51 40,35 32,97 30,64
Reservas internacionais/Importações (razão) 1,18 0,96 1,24 1,07 0,92 1,03 0,98 1,09 0,85 1,29 0,97 0,65 0,66
Coeficiente de vulnerabilidade 4,81 5,57 5,70 5,03 4,38 2,12 1,65 1,40 1,12 1,21 1,13 1,12 1,21
Fonte: MECON; WORLD BANK; e MERCOSUR (elaboração própria).

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O primeiro indicador mostra a relação saldo em transações correntes como proporção do PIB,
que expressa à necessidade de financiamento externo caso haja déficit em transações correntes. Como
se pode verificar em 2000 a necessidade de financiamento externo da economia argentina equivalia a
3,15% de seu PIB, neste ano a Argentina começa a sofrer os impactos da desvalorização cambial
brasileira, houve um agravamento das contas externas da Argentina o que acelerou a necessidade de
desvalorização cambial em sua economia também. Em 2002 o saldo da conta de transações correntes
foi superavitário em 8,44% maior que o volume de PIB, mas a melhora na relação foi resultado da
retração do mercado consumidor pelo acesso restrito ao dinheiro e com o câmbio desfavorável que
contraíram o volume importado.
A partir de 2002 o índice vai se deteriorando até que em 2010 o saldo em transações correntes
represente apenas 0,37% do PIB e no ano seguinte volta a mostrar necessidade de financiamento
externo. A crise econômica internacional atingiu os países da América do Sul tanto via redução dos
preços das commodities quanto pela redução da demanda de produtos da região, o que resultou em
uma necessidade de financiamento na ordem de 0,53% do PIB.
A relação dívida total/PIB mostra quanto essa dívida representa para a economia de um país.
Em 2000 a relação mostrava que a dívida externa total representava 45% do PIB argentino, com o
baixo nível da atividade econômica nos anos seguinte, grande parte explicado pelos efeitos da
desvalorização cambial do Brasil, o indicador começou a se deteriorar. Já em 2001 era necessário mais
que 50% da produção interna bruta para fazer frente ao pagamento da dívida externa, situação que fica
ainda mais complica em 2002 quando passa a representar mais de 100% da dívida.
A recuperação do nível da atividade econômica contribui com a queda do indicador nos anos
seguintes. A partir de 2012 o indicador reduz as proporções de sua queda, a explicação para sua
deterioração é o crescimento da dívida externa, a partir de 2011, e não o baixo crescimento do produto
argentino. O aumento da dívida externa foi resultado da venda de títulos para a troca de papéis
remanescentes da reestruturação de 2005, relacionado à moratória de 2001, e de maior endividamento
do setor privado com fornecedores, devido à alta de importações, de modo que, outro fator que
contribuiu com o aumento da dívida, também, foi o aumento do dólar.
Alternativamente ao indicador anterior temos proporção dívida externa líquida/PIB. A dívida
externa líquida desconta os valores das reservas internacionais e haveres no exterior. Observa-se a
necessidade de geração de recursos para quitar a dívida, uma vez que o volume de reservas não é
suficiente para quita-la. O que pode ser comprovado pelo indicador reservas internacionais como
proporção da dívida externa, que mostra que o volume de reservas na economia representa apenas
25,5%, em média, da dívida externa.
As relações dívida externa total como relação das exportações é um indicador tradicional do
desequilíbrio de estoque causado pelo endividamento externo, quanto mais elevado este indicador
maior é a vulnerabilidade da economia. Assim, os anos de maior vulnerabilidade na economia argentina

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foram em 2001 e 2002, ano em que a economia passava por problemas internos, o índice mostra uma
tendência de melhora até 2009, diante as incertezas na economia mundial, volta a apresentar uma piora.
A dívida externa de curto prazo se refere à dívida com vencimento inferior a um ano, e podem
ser proveniente de investimentos estrangeiros autônomos (não são influenciados por políticas ou
condições das contas externas), compensatórios (representa a contra partida de outra conta com o
exterior, ex: recursos para importação e exportação), induzido (quando o fluxo depende das variações
na taxa de juros) ou especulativo (relacionada à mudança efetiva ou esperada na taxa de câmbio) na
economia brasileira. O impacto que este tipo de capital tem sobre uma economia depende das políticas
monetária e cambial do governo, mas em síntese pode-se afirmar que os capitais de curto prazo são
mais voláteis e podem agravar a vulnerabilidade financeira externa de uma economia com problemas no
balanço de pagamentos.
A relação dívida externa de curto prazo em relação a dívida externa total apresentou maior valor
em 2005 e 2006 em função da reestruturação da dívida externa argentina que trocou títulos por novos
bônus que reduziu o estoque da dívida externa do país.
Segundo Freitas (2005), em 12 de janeiro de 2005 o então presidente em exercício, Nestor
Kirchner, anunciou um plano para por fim a moratória, onde os credores da Argentina poderiam trocar
títulos em moratória por novos títulos com data de emissão para 1 de abril, como resultado 76,07% dos
credores aderiram a renegociação, correspondente a US$62 bilhões dos US$81,8 bilhões em default, em
março de 2005 Kirchner anuncia ao congresso o fim da moratória.
Desse modo a relação foi maior em função da redução da dívida externa total, nos demais anos
a relação apresentou queda mostrando uma nova tendência a partir de 2011, quando passou a crescer
juntamente com o crescimento da dívida externa total. Isso indica que a economia esta aumentando o
volume de capital de curto prazo na economia.
Na mesma lógica observa-se o comportamento do indicador dívida externa de curto prazo em
relação às reservas internacionais, ele mostra a capacidade de uma economia quitar suas dividas de curto
prazo utilizando suas reservas internacionais. O volume da dívida externa de curto prazo até 2005 era
mais de 100% superior o volume de reservas internacionais da economia, de modo que não eram
suficientes para socorrer a economia diante uma saída brusca destes capitais. O indicador passa a
apresentar melhores resultados nos anos seguintes em resposta ao aumento das reservas internacionais,
mas em 2011 a ruptura no crescimento destas reservas leva a deterioração do indicador.
O serviço da dívida externa diz respeito ao pagamento dos juros mais as amortizações da dívida
externa total. O indicador serviços da dívida em relação às exportações mostra a proporção das
exportações comprometida com a o pagamento dos serviços da dívida externa. A queda do indicador
em 2002 foi resultado da moratória decreta em dezembro de 2001, de modo que no ano de 2002 foram
pagos apenas US$192 milhões em juros da dívida.

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Com o fim da moratória em 2005 os pagamentos aos juros da dívida em 2006 retornaram para
casa dos bilhões, registrando pagamentos na ordem de US$1,04 bilhões. Mas diante do bom
desempenho das exportações o indicador mostrou tendência de queda sofrendo reversão em 2009
quando a crise no mercado internacional reduziu o nível de exportações do país.
A mesma lógica seguiu o indicador serviços da dívida externa como proporção do PIB. Ao
longo dos últimos anos, após o ápice da crise interna em 2001, a economia argentina vem passando por
um processo de recuperação. Fato que permitiu uma melhora no indicador. Em 2009 o índice
interrompeu a trajetória em função da queda da atividade econômica do país que sentia os efeitos da
crise mundial. A economia Argentina apresentou um baixo desempenho em 2012, não apenas pela crise
europeia, mas também pela desaceleração da China.
Diante a crise norte-americana e europeia, as medidas argentinas de enfrentamento da crise
internacional têm provocado efeitos negativos na economia. As medidas protecionistas adotadas pelo
governo argentino, principalmente em 2012, provocaram uma retração no comercio internacional do
país. A presença de barreiras somada à retração da demanda mundial influenciaram para a deterioração
comercial argentina.
A retração na economia asiática, somada a redução das compras dos chineses ocasionou a
acomodação dos preços das commodities. Com o objetivo de proteger a indústria local da concorrência
estrangeira, em julho de 2012, o governo passou a cobrar uma tarifa de 14% para as importações de
bens manufaturados em países que não fazem parte do Mercosul. Outra medida adotada foi a exigência
de declaração antecipada de importação visando aumentar o controle governamental no processo de
importações de produtos. Desse modo, a relação exportações/PIB, que mostra quanto da produção
interna é direcionada às exportações, apresentou uma deterioração a partir de 2009.
A relação reservas internacionais/importações representa quantos anos de importações é
possível realizar com o volume de reservas internacionais da economia. O indicador mostra que o
volume de reservas é suficiente para pagar, em média, um ano de importações.
Até 2007 o comportamento das reservas internacionais era acompanhado pelo comportamento
na conta de importações argentina, em 2008 enquanto as importações apresentavam sinal de
crescimento as reservas se mantinha no mesmo nível fato que levou o índice ao valor de 0,85,
correspondente à dez meses e 6 dias de importações. Em 2009, diante as instabilidades na economia
mundial, as importações sofreram uma queda brusca, enquanto as reservas permaneceram estáveis, o
que levou o indicador para 1,29 anos, ou um ano três meses e quatorze dias de importações. A fuga de
reservas a partir de 2010 diante uma importação crescente novamente colocou o indicador em uma
trajetória de declínio.
Por último, o coeficiente de vulnerabilidade externa que é um indicador do grau de solvência
externa de uma economia, e mostra a relação da dívida externa líquida com o valor das exportações. O
indicador mostra quantos anos de exportações são necessários para quitar a dívida externa. De acordo

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com os dados precisaria em média dois anos nove meses e 18 dias para o volume de exportações
conseguirem quitar a dívida liquida da economia. Analisando ano a ano observa-se que a partir de 2005,
após a reestruturação da dívida externa, o indicador vem apresentando uma melhora, indicando valores
menores de dois anos de exportações para quitar a dívida o que contou fortemente, também, com o
bom desempenho das exportações no período.
Assim, diante do comportamento destes indicadores observa-se que a economia argentina
aumentou seu grau de vulnerabilidade externa diante de cenários externos negativos, no entanto, as
medidas de política econômica adotadas para superar o fraco desempenho da economia, afetaram
também esses indicadores.

4. Indicadores de vulnerabilidade brasileira

Assim como a Argentina, o Brasil vem sofrendo os impactos das crises internacionais. O país já
gastou cerca de R$ 830 bilhões, ou 16,5% do PIB para suavizar os impactos da crise na economia desde
2008, quando a crise começou a mostrar seu caráter mais perverso sobre outras economias. As ações
do governo abrangeram a área fiscal, monetária, creditícia e cambial. Entre as políticas utilizadas para
contrapor-se a estes efeitos estão: a utilização de bancos públicos para garantir a oferta de crédito;
redução da taxa de juros; e a isenção de tributos (assim, o governo abriu mão dessa fonte de receita)
(BECK; OLIVEIRA, 2013).
No campo da política monetária foi realizado um aumento da liquidez, via redução dos
depósitos compulsórios, extensão dos créditos ao setor bancário, atuação no mercado cambial e de
comércio exterior, juntamente a redução da taxa básica de juros da economia, a SELIC. No âmbito
fiscal, foi realizada a redução de impostos indiretos em alguns setores. Para controlar o câmbio o Banco
Central do Brasil realizou intervenções de compra e venda no mercado cambial (ALMEIDA, 2009).
Se restringindo aos impactos da crise europeia no Brasil verifica-se que a estagnação da Europa,
que resultou em um excedente de produção, provocou queda das exportações brasileiras para lá. Os
impactos foram sentidos também no comércio Brasil e países asiáticos, uma vez que os preços das
commodities agrícolas e minerais foram afetados. E por fim, houve um aumento da guerra comercial
entre países europeus e asiáticos que tentavam vender seus excedentes nos países emergentes, que
apesar da desvalorização do real, os produtos destas economias se mostravam competitivo dentro do
Brasil uma vez que seus preços em dólar estavam sendo reduzido na disputa de mercado (NASSIF,
2012).
Para analisar outros efeitos das crises internacionais na economia brasileira a Tabela 2 contém
os indicadores de vulnerabilidade externa para a economia entre os anos de 2000 – 2012.

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Tabela 2: Indicadores de vulnerabilidade externa brasileira (2000-2012)


INDICADORES 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Saldo em transações correntes/PIB (%) -3,76 -4,19 -1,51 0,75 1,76 1,58 1,25 0,11 -1,71 -1,49 -2,20 -2,12 -2,41

Dívida externa total/PIB (%) 36,60 37,90 41,80 38,80 30,30 19,20 15,90 14,10 12,00 12,20 12,00 12,00 13,90

Divida externa liquida / PIB (%) 29,50 29,40 32,70 27,30 20,40 11,50 6,90 -0,90 -1,70 -3,80 -2,40 -2,90 -4,00

Dívida de curto prazo/dívida externa total (%) 11,61 12,23 10,28 8,58 8,51 9,99 10,19 16,18 13,86 11,16 16,28 9,93 7,38

Dívida externa total/exportações - Razão 4,30 3,60 3,50 2,90 2,10 1,40 1,30 1,20 1,00 1,30 1,30 1,20 1,30

Dívida de curto prazo/reservas internacionais (%) 83,06 77,11 61,86 40,96 35,41 34,90 23,68 21,57 18,81 12,99 19,86 11,41 8,73

Serviços total da dívida /PIB (%) 7,60 8,90 9,90 9,60 7,80 7,50 5,20 3,80 2,30 2,70 2,20 2,10 2,40
Serviços total da dívida /exportações de bens e
serviços (%) 88,60 84,90 82,70 72,50 53,70 55,80 41,30 32,40 19,00 28,50 22,90 20,50 22,30

Exportações de bens e serviços /PIB (%) 4,67 4,48 4,09 4,31 4,98 5,52 5,82 6,04 6,53 4,72 5,36 6,18 5,51

Reservas internacionais/dívida externa total (%) 14,00 17,10 18,00 22,90 26,30 31,70 49,70 93,30 104,30 120,60 112,40 118,00 121,00

Reservas internacionais/Importações (razão) 0,59 0,65 0,80 1,02 0,84 0,73 0,94 1,50 1,12 1,87 1,59 1,56 1,67

Coeficiente de vulnerabilidade 3,45 2,79 2,73 2,07 1,41 0,85 0,54 -0,07 -0,14 -0,40 -0,25 -0,28 -0,37
Fonte: BACEN, IPEADATA, WORLD BANK (Elaboração Própria).

A proporção saldo em transações correntes/PIB mostra uma necessidade de financiamento


externo nos anos de 2000 a 2002, após este período diante do crescente volume de exportações, o saldo
de transações correntes passa a ser positivo reduzindo a necessidade de recursos externos para o
fechamento do balanço de pagamentos. Nos anos de 2008 a 2012 o indicador mostra uma inflexão,
resultado da crise americana e europeia que causaram uma redução do fluxo de comércio a nível
internacional.
A relação dívida total/PIB Mostra uma melhora do indicador no decorrer dos anos, resultado
do crescimento da economia. Mas, a partir de 2009, o indicador começou a apresentar de deterioração,
resultado, principalmente, do baixo nível que crescimento econômico que se instaurou no Brasil diante
o cenário no mercado mundial.
Alternativamente ao indicador anterior temos proporção dívida externa líquida/PIB. O volume
recorde de reservas internacionais brasileiras, que se supera a cada ano, permitiu a economia apresentar
uma melhora nesse indicador ao longo do tempo. De modo que, o volume da divida externa liquida, a
partir de 2007, passou a ser negativa, mostrando que o volume de reservas existente era mais que
suficiente para quitar a dívida externa existente não exigindo esforços da economia para o pagamento
da divida.
A relação dívida externa total como razão das exportações apresentou um comportamento
declinante no decorrer dos anos, resultado do bom desempenho das exportações brasileiras. Em 2008 o
indicador chegou ao seu menor valor quando registrou a razão de 1,00, ou seja, o volume da divida
externa total era exatamente igual o volume de exportações deste ano. A retração na economia
internacional e consequente queda das exportações brasileiras fizeram com que, a partir de 2009, o
indicador voltasse a apresentar uma deterioração, mostrando que o nível de exportações não era
suficiente para fazer frente a dívida.

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A relação dívida externa de curto prazo em relação a dívida externa total apresentou seu pior
resultado em 2010, o saldo da dívida externa de curto prazo expôs um aumento neste período devido
ao crescimento das obrigações em moedas estrangeiras dos bancos comerciais e da elevação na saldo de
empréstimos diretos em moeda. Assim, neste período a dívida de curto prazo passou a representar
16,28% da divida total. Mas, já no ano seguinte entrou novamente em trajetória de queda, o que é bom
para a economia que não fica tão vulnerável ao capital de curto prazo. Seguindo a mesma lógica temos
o indicador dívida externa de curto prazo em proporção das reservas internacionais, após apresentar
uma trajetória de queda o indicador apresentou uma reversão em 2010, passando a se reduzir
novamente nos anos seguintes.
O serviço da dívida externa em relação ao PIB seguiu o comportamento do desempenho do
PIB brasileiro, enquanto o PIB estava em uma trajetória de crescimento sustentado, a relação vinha
apresentando uma trajetória de queda, mas, quando os efeitos da crise internacional passaram a
comprometer o desempenho da economia, a relação passou a mostrar sinais de deterioração, como
pode ser observado nos anos de 2009 e 2012.
A mesma lógica seguiu o indicador serviços da dívida externa como proporção das exportações
de bens e serviços, que começou a apresentar uma piora a partir de 2009, quando os efeitos da crise
norte-americana no mundo, resultou na retração dos mercados consumidores brasileiros, e consequente
queda no volume de exportações, justificando o desempenho do indicador.
A relação exportações/PIB apresentou uma inflexão em 2009 em função da retração das
exportações brasileira. Nos anos seguintes o comportamento do indicador passou a seguir a dinâmica
das exportações e do PIB, de modo que a melhora observada no indicador a partir de 2010, é mais
resultado do fraco desempenho da atividade econômica do país, uma vez que as exportações agora
sentiam os efeitos da crise europeia.
As reservas internacionais como proporção da divida externa total, a partir de 2008 passou
apresentar uma relação de acima de 100%, em resultado da entrada recorde de capitais estrangeiro na
economia que possibilitou a acumulação de um nível de reservas mais que suficiente para a quitação da
dívida externa brasileira. O governo não pego o volume de reservas e quita de fato a divida existente
porque isso representaria um aumento de vulnerabilidade da economia, que sem moedas estrangeiras
não pode fazer frente as mudanças abruptas no fluxo de capital na economia neutralizando os impactos
sobre o câmbio.
Em relação o indicador reservas internacionais/importações este começou a apresentar, a partir
de 2007, uma razão acima de 1,00 mostrando que o volume de reservas internacionais era suficiente
para quitar mais de um ano de importações caso acontecesse algum imprevisto que dificultasse a
geração de moedas estrangeiras para este fim. Em 2012 o volume recorde de reservas permitia a
quitação de cerca de um ano e meio de importações.

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Por último temos o coeficiente de vulnerabilidade externa que é um indicador do grau de


solvência externa de uma economia, ele é a relação da dívida externa líquida e o valor das exportações.
O indicador mostra que enquanto em 200º era necessário quase três anos e meio de exportações para
quitar a divida externa total, a partir de 2007, o alto volume de reservas permitiu que não fossem mais
necessários esforços de exportações para quitar a dívida externa total, de modo que o indicador passou
a apresentar sinal negativo.
Com base nos indicadores em geral é possível observar que a crise internacional, nos Estados
Unidos e na Europa, impactou o Brasil em diversas frentes principalmente via redução do volume de
exportações e fraco desempenho da atividade econômica, o que possibilitou uma deterioração nos
indicadores relacionados a esta. Por outro lado o volume de reservas internacionais mostrou que a
economia tinha condições de enfrentar estes efeitos na economia, o que pode ser comprovado pela
melhora dos indicadores relacionado às reservas no decorrer dos anos.

Considerações finais

Este artigo teve como objetivo analisar os indicadores de vulnerabilidade da Argentina e do


Brasil, assim como seus comportamentos frente às crises norte-americana e europeia. Como objetivo
secundário procurou abordar as medidas econômicas adotadas por ambos os governos com a finalidade
de amenizar os impactos gerados pelo contagio destas em suas economias.
Ao contrario do Brasil, que mesmo diante um ambiente de crise internacional registrou volumes
recordes de reservas internacionais, a Argentina tem passado por dificuldades para manter seu nível de
reservas em volume satisfatório para a economia, resultado da dificuldade de acesso ao mercado
financeiro internacional, devido a falta de renegociação com todos os credores externos. O saldo de
transações correntes tem decaído desde 2009. O nível de crescimento da economia brasileira é
considerado uma variável-chave para o desempenho da Argentina diante os impactos das crises
internacionais.
Verificou-se com relação a economia Argentina que as crises em âmbito internacional
aumentaram seu grau de vulnerabilidade externa, e as medidas econômicas adotadas para superar o
fraco desempenho da economia, afetaram também esses indicadores. Em se tratando dos indicadores
de vulnerabilidade externa do Brasil estes apresentaram uma deterioração, principalmente devido ao
baixo desempenho das exportações e da atividade econômica, o que possibilitou uma deterioração nos
indicadores relacionados a esta. Mas, as políticas adotadas pelo governo brasileiro permitiram suavizar
estes impactos impedindo, principalmente, uma maior queda do nível de atividade econômica. Por
outro lado, o alto volume de reservas internacionais permitiu um bom desempenho da economia frente
as crises, como pode ser comprovado pela melhora dos indicadores relacionado às reservas. Assim,
tudo índica que as políticas da economia brasileira terão efeitos positivos não só para esta, mas como
também para a Argentina que espera um maior crescimento do Brasil para se recuperar.

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O Mercosul e a Aliança do Pacífico: concorrência ou
complementariedade na atração de investimentos
estrangeiros diretos?

Donizetti Leônidas de Paiva1

Introdução

O
anúncio da formação da Aliança do Pacífico, constituída por Chile, Colômbia, México e
Peru despertou um caloroso debate sobre os efeitos que essa nova iniciativa poderia trazer
para o Mercosul. Alguns especialistas2 apontam que essa nova aliança poderá enfraquecer
o Mercosul e dificultar seus anseios de expansão na região. Por outro lado, integrantes do governo
brasileiro3 tem afirmado que o bloco não representa uma grande ameaça ao Mercosul, tendo em vista o
pouco dinamismo e o menor grau de profundidade do seu processo.
Na verdade, o pano de fundo do debate está em confrontar os modelos de desenvolvimento
adotados pelos dois blocos, um mais conservador e fechado, que é o caso do Mercosul, e outro mais
aberto e liberal que é o caso da Aliança do Pacífico. Diante disso, é importante estabelecer um olhar
mais criterioso sobre os dois blocos e verificar os possíveis efeitos dessa nova aliança sobre o Mercosul.
Uma forma de verificarmos isso esta na capacidade desses blocos atraírem Investimentos
Estrangeiros Diretos (IED). A questão que se dá é se a formação da Aliança do Pacífico irá concorrer
com os fluxos de investimentos recebidos pelos países integrantes do Mercosul, ou se ocorrerá uma
complementariedade entre eles. Portanto, nos propusemos a analisar os efeitos sobre os fluxos de IED
recebidos pelos dois blocos, e tentar identificar possíveis mudanças de padrão, dado esse novo Acordo
de Integração Econômica (AIE).

1 Doutor em Ciências pelo Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina – PROLAM/USP. Professor,
pesquisador e coordenador do curso de Administração com Linha de Formação Específica em Comércio Exterior do
Centro Universitário Senac-SP.
2 Segundo a Professora de Relações Internacionais das Faculdades Rio Branco, Regiane Bressan: “A evolução da Aliança

deve afundar ainda mais o Mercosul. Caso continue apresentando a unidade inicial, o novo bloco pode despachar o
Mercosul para uma derrocada histórica”. Já o professor de economia da ESPM do Rio, Roberto Simonard, destaca os
possíveis efeitos negativos para o Brasil: "A Aliança permitirá que os Estados Unidos retomem sondagens mais firmes à
região e o Brasil tem grande desvantagem em relação aos americanos por ser menos competitivo. Alguns mercados que
entraram para a Aliança, como Colômbia e Chile, eram consumidores tradicionais de produtos brasileiros. Avalio que nosso
país terá de rever sua posição na política externa". (em www.brasileconomico.ig.com.br consultado em 01/09/13).
3 De acordo com o assessor especial da presidente Dilma Russef para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia: “A

Aliança do Pacífico não deve tirar o nosso sono de maneira nenhuma. O PIB regional que ela envolve é muito menor que o
do Mercosul [US$ 2 trilhões contra US$ 3,3 trilhões]. O bloco não me parece ser formado por países com dinamismo
econômico e surgiu de um sistema de reduções tarifárias existente há muito tempo. A Aliança do Pacífico teve efeito
publicitário muito forte, mas contribui muito pouco, a não ser para aqueles que já se sentem convencidos por ela antes
mesmo da criação”. (em http://www.rodrigovianna.com.br consultado em 01/09/13).
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1. O AIE como fator determinante do IED

A análise dos impactos dos Acordos de Integração Econômica (AIE) sobre os fluxos de
Investimentos Estrangeiros Diretos (IED) requer uma abordagem que envolve a inter-relação entre as
teorias do comércio, da integração econômica e dos fluxos de IED, o que torna a compreensão desse
fenômeno bastante complexa. Além do que, é necessário que se leve em consideração as motivações
por parte dos investidores, os fatores determinantes por parte dos países receptores e as mudanças que
poderão ocorrer nos países, devido sua participação neste tipo de acordo.
Diante dessa complexidade, Blomstrom & Kokko (1997) sugerem que a análise seja feita de
forma individualizada, por país, levando em consideração às possíveis mudanças que ocorrerão no
ambiente dos países envolvidos no AIE; o tipo de IED que tende a ser promovido; o tipo de parceiro
envolvido no acordo; bem como se o investidor e receptor fazem, ou não, parte do acordo.

1.1. Mudanças no ambiente e tipo de investimento


As mudanças no ambiente dos países envolvidos no AIE envolvem efeitos macroeconômicos
estáticos e dinâmicos que poderão desencadear possíveis respostas estratégicas por parte dos
investidores. Um dos efeitos estáticos esperados é a possibilidade da ampliação do mercado, o que
tende a facilitar e tornar o comércio intra-regional mais atraente. Isso poderia levar o investidor a adotar
uma estratégia de busca de mercado e/ou de ativos, que permitisse explorar esse mercado ampliado.
Ou ainda, adotar uma estratégia de substituição de importações defensiva como forma de “pular” as
barreiras existentes em relação aos países de fora do bloco e, desta forma, garantir acesso ao mercado
integrado. (CHUDNOVSKY; LÓPEZ, 2001).
Outro efeito estático esperado é a realocação geográfica da produção. A ampliação do comércio
intra-regional pode levar a uma realocação da produção em virtude do surgimento de novas
oportunidades para explorar as vantagens de localização, de custos ou mesmo de legislação interna
existente em cada um dos países integrantes do acordo. Sendo assim, é de se esperar que o investidor
adote uma estratégia de reorganização da produção, para que possa explorar as vantagens comparativas
de cada membro integrante do acordo.
Além dos efeitos estáticos, o AIE também pode resultar em alguns efeitos dinâmicos4 como,
por exemplo, levar a uma racionalização da produção. Um mercado ampliado e integrado melhora as
condições de exploração dos ganhos de economias de escala, de redução dos custos de produção e de
aumento da eficiência produtiva. Neste caso, espera-se que o investidor adote uma estratégia de
investimento que permita a racionalização da produção e o aumento da eficiência produtiva da

4 “The main impact of dynamic benefits of integration is to make the integrating region a more attractive investment location, which should
stimulate intra-regional FDI flows as well as inflows from the rest of the world.” (BLOMSTROM; KOKKO, 1997, p.13).

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empresa, o que poderia resultar também numa maior interligação das estruturas produtivas dos países
membros do acordo.
Outro efeito dinâmico esperado é o crescimento do mercado, ou seja, a possibilidade de, no
médio e longo prazo, a região apresentar aumento nas taxas de crescimento econômico, de crescimento
da demanda e de avanço tecnológico. Neste caso o investidor tende a responder com uma estratégia de
investimento que tenha como característica o investimento ofensivo substitutivo de importações, que
visa explorar as vantagens de operar num mercado mais dinâmico.
Markusen (2004) observa ainda que a empresa pode adotar uma estratégia do tipo plataforma de
exportação, onde a empresa investidora tende a explorar as vantagens decorrentes das mudanças no
ambiente dos países participantes do AIE para atender, não somente o mercado interno, mas também o
mercado externo via exportação.
É importante destacar que todas as mudanças no ambiente e as respostas dos fluxos de
investimentos também dependem de outros fatores tais como: o nível de barreiras tarifárias e não
tarifárias existentes nos países, antes e depois da integração (REILJAN, 2001); as condições de
atratividade do IDE que os parceiros de integração apresentam; a inclusão de cláusulas no acordo sobre
o tratamento ao IED, bem como se prevê a harmonização das legislações e se estabelece algum tipo de
mecanismo para solução de controvérsias (BID, 2003).

1.2. Tipo de parceiros, tamanho e localização


Nos acordos que envolvem países desenvolvidos e em desenvolvimento (Norte-Sul)5, com
tamanho e proporção dos fatores diferentes, é de se esperar que se prevaleça o investimento do tipo
vertical, ou seja, aquele que tende a promover a complementariedade entre estruturas produtivas dos
países. Por outro lado, os acordos que envolvem países desenvolvidos (Norte-Norte)6 ou países em
desenvolvimento (Sul-Sul)7, com tamanho e dotação de fatores semelhantes, tende a prevalecer o
investimento do tipo horizontal, ou seja, com aumento da competitividade entre as economias
envolvidas. (BID, 2003).8
Yeyati et al (2003) sugerem certa cautela na análise deste padrão de comportamento do IDE
baseado na dotação dos fatores, uma vez que a ausência de elevadas barreiras entre os países do Norte
não justificaria a estratégia de investimento do tipo horizontal, além disso, o elevado nível de barreiras

5 No caso do NAFTA, que envolve um acordo Norte-Sul, Waldkirch (2001) encontra evidências de aumento do IDE no
México, em sua maioria, provenientes de seus parceiros do acordo (EUA e Canadá) e sugere a predominância do
investimento do tipo vertical.
6 Em estudo sobre a integração européia (acordo Norte-Norte) Dunning (2000) observa que o Programa de Mercado

Interno estimulou o investimento intra e extra-regional, os quais apresentaram crescimento nas atividades intensivas em
conhecimento e complementar ao crescimento do comércio.
7 Nos acordos Sul-Sul Chudnovsky and López (2002) observam que o Mercosul estimulou principalmente investimento

extra-regional com o objetivo de explorar o mercado interno ampliado.


8 Para uma análise envolvendo os três tipos de acordo ver Blomstrom e Kokko (1997).

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existentes nos países do Sul pode levar a predominância do investimento do tipo horizontal, para
“pular” as barreiras, ao invés do investimento vertical9.

1.3. Participação do investidor e receptor no AIE


Outra forma de analisarmos os impactos do AIE sobre os fluxos de IED é observando se o
investidor e receptor fazem, ou não, parte do acordo de integração, ou seja, é uma forma de tentar
identificar os efeitos sobre o investimento intra e extra-regional (BID, 2003).
Se o investidor e o receptor fizerem parte do acordo, os efeitos sobre os fluxos de IED vão
depender do tipo de investimento que é promovido. Se o investimento for do tipo horizontal, que em
muitos casos são motivados pela existência de barreiras entre os países, à eliminação de tais barreiras
pode levar a redução neste tipo de investimento, tendo em vista que a produção tende a ser centralizada
no país mais eficiente, que atenderá os demais países do acordo via exportação.
Já se o investimento for do tipo vertical, que envolve a integração produtiva dos países, é bem
provável que, além dos fluxos de IED, também ocorram aumentos nos fluxos comerciais entre eles.
Neste caso, com a eliminação das barreiras comerciais é de se esperar uma redução nos custos de
comércio, o que beneficiaria a integração das cadeias produtivas dos países envolvidos no AIE, o que
incentiva o aumento do IED vertical e dos fluxos comerciais.
É importante destacar que o investimento pode ainda ter uma terceira característica que não se
enquadra nem no modelo horizontal ou vertical, que é o caso do investimento baseado na diferenciação
dos produtos. Com a eliminação das barreiras comerciais entre os países o mercado tende a ser
ampliado, o que facilita para o investidor explorar uma estratégia de produção baseada na diferenciação
dos produtos. (BID, 2003).
Quando a fonte do IED não participa do AIE é esperado um aumento dos fluxos de
investimentos do país fonte para a região integrada, principalmente se o investimento for do tipo
horizontal10, e tiver como objetivo explorar o mercado ampliado ou ainda ultrapassar as barreiras
comerciais existentes em relação aos países não-participantes do acordo. A ampliação do mercado
também pode estimular o IED do tipo vertical, principalmente se o investidor buscar pela
reorganização da produção no bloco, como forma de melhorar suas condições de competitividade.
É possível ainda que aja um efeito redistributivo dos investimentos entre os países da região.
Portanto, pode ser que antes do AIE todos os países recebam IED, mas, após a integração, somente

9 O autor cita como exemplo a instalação da indústria automobilística na América Latina durante o processo de substituição
de importações.
10 “Quando o Brasil entrou no Mercosul, por exemplo, pode ter passado a ser visto como um hospedeiro mais atraente por

fontes de IDE externas. Os investidores estrangeiros passam a achar mais compensador “saltar” a tarifa externa comum e
instalar fábricas no Brasil para atender a todo o Mercosul, quando antes atendiam a cada um dos países individualmente
mediante exportações.” (BID, 2003, p. 247).

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alguns países continuem recebendo em virtude do investidor decidir centralizar a produção no país
mais eficiente e atender os demais países via exportação.
O AIE pode fazer ainda com que os países participantes tornem-se mais atraentes do que os
países de fora da integração, em virtude da inexistência de barreiras comerciais entre o país investidor e
o país receptor. Neste caso, o país que anteriormente recebia IED do país investidor, e que não faz
parte do acordo, tende a perder investimentos para os países participantes da integração, tendo que
vista que o investidor e receptor fazem parte do AIE. Desta forma, tende a ocorrer um desvio de
investimento de um país mais eficiente (de fora do acordo) para outro menos eficiente (de dentro do
acordo), e tende a ocorrer principalmente quando o investimento for do tipo vertical. (BID, 2003)
Um exemplo de desvio de IDE é o caso dos investimentos que eram recebidos pelas empresas
de corte e costura do Caribe e que passaram a ser feitos nas empresas mexicanas nos anos 90, quando o
Nafta possibilitou ao México ter acesso preferencial ao mercado norte-americano. (BID INTAL, 2007).
Outro efeito que pode resultar do AIE em relação ao IED é o efeito diluição do investimento.
A ampliação do número de membros no acordo pode gerar um efeito de diluição dos investimentos
entre seus integrantes. Para entendermos este efeito basta imaginarmos o que ocorreria com os
investimentos recebidos pelo México dos EUA caso fosse estabelecido a Alca, ou seja, poderia causar
uma diluição dos investimentos norte-americanos, que a priori vão para o México, para os outros países
da região. (YEYATI et al, 2003).
É importante observar também que a integração pode levar a uma reestruturação produtiva que
beneficia a formação de clusters ou aglomerações. Neste caso, o AIE pode encorajar a concentração
geográfica de determinadas indústrias, o que poderia melhorar as condições de competitividade dessas
empresas em relação às empresas que estão fora deste pólo. (DUNNING, 1997).

2. Fluxos de IED: Aliança do Pacífico e/ou Mercosul?

Alguns dados preliminares podem nos ajudar na discussão sobre os impactos da formação da
Aliança do Pacífico sobre os fluxos de IED recebidos pelo Mercosul. De acordo com os dados da
tabela 1, o Mercosul apresenta-se à frente da Aliança do Pacífico nos três indicadores destacados, com
um PIB 74% maior, uma população 38% maior e recebendo 27% à mais de IED no ano em referência.
O Brasil aparece como o grande destaque do Mercosul, representando 74% do PIB, 69% da
população e 79% dos fluxos de IED para o bloco. Isso sugere que o bloco depende muito do
dinamismo e do potencial da economia brasileira para a atração dos investimentos.
Já no caso da Aliança do Pacífico, embora o México seja o grande protagonista nos quesitos
PIB e população (60% e 55% respectivamente), na questão dos fluxos de IED o país representa 33%
do total recebido pelo bloco (Chile – 35%; Colombia – 20%; Peru – 12%), o que demonstra que os
fluxos de IED na Aliança do Pacífico estão mais diluídos, enquanto que no Mercosul concentrados.

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Tabela 1 - Aliança do Pacífico x Mercosul

2011
PIB US$ População IED US$
País milhões Mil milhões
Argentina 446.044,1 40.764,6 9.881,6
Bolivia 23.948,7 10.088,1 858,9
Brasil 2.476.652,2 196.655,0 66.660,1
Paraguai 23.836,8 6.568,3 214,9
Uruguai 46.709,8 3.368,6 2.504,8
Venezuela 316.482,2 29.278,0 3.778,0
Mercosul 3.333.673,8 286.722,6 83.898,4

Chile 248.585,5 17.269,5 22.930,6


Colômbia 333.371,9 46.927,1 13.437,6
México 1.153.343,1 114.793,3 21.503,7
Peru 176.925,3 29.399,8 8.232,6
Aliança do Pacífico 1.912.225,8 208.389,8 66.104,5
Fonte: World Trade Organization

Ao voltamos nosso olhar para os fluxos de IED (gráfico 1) verificamos que apesar das
oscilações apresentadas ao longo do tempo, a entrada de IED tem se comportado de forma similar
tanto no caso do Mercosul quanto da Aliança do Pacífico.

Gráfico 1 - Fluxos de IED (US$ milhões)


90000
80000
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
0
2001
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000

2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012

Mercosul Aliança do Pacifico

Fonte: Unctad Database

Os fluxos apresentam uma clara tendência de crescimento desde os anos 90 para os dois blocos.
Isso sugere que, até então, não tem havido uma substituição de investimentos de um bloco para outro.

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Até porque, os investimentos que tem prevalecido no Mercosul são destinados ao setor de manufaturas
e serviços, enquanto que na Aliança do Pacífico estão concentrados nos recursos naturais e serviços,
com exceção do México, onde os investimentos são predominantes em manufaturas, mas estão em
queda.
Na maior parte do tempo o conjunto de países que integram a Aliança do Pacífico tem recebido
mais investimentos do que o Mercosul, entretanto, a partir de 2010 o Mercosul passou a receber mais
investimentos do que os países da Aliança. Mas é importante observarmos como esses fluxos se
comportaram dentro de cada bloco (gráfico 2).

Gráfico 2 - Fluxos de IED (US$ milhões)


Mercosul
80000
60000
40000
20000
0
-20000
1996

2006
1990
1991
1992
1993
1994
1995

1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005

2007
2008
2009
2010
2011
2012
Uruguai Venezuela Paraguai
Bolivia Argentina Brasil

Fonte: Unctad Database

Dos fluxos em direção ao Mercosul verificamos que o Brasil e a Argentina são os dois
principais receptores do bloco, representando em média 60% e 28%, respectivamente dos
investimentos recebidos. Isso sugere que apesar do bloco não ter avançado de forma desejável, fatores
internos a cada um dos países é que podem estar sendo determinantes para a atração do IED.
No caso da Aliança do Pacífico (gráfico 3), o México tem sido o grande receptor dos fluxos de
investimentos do bloco, muito embora sua participação venha diminuindo desde 2001, de 79% para
18% em 2012. Por outro lado Chile, Colômbia e Peru vêm aumentando sua participação desde 2002,
com destaque para o Chile que a partir de 2011 passou a ser o grande receptor do bloco, representando
43% dos investimentos recebidos.

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Gráfico 3 - Fluxos de IED (US$ milhões)


Aliança do Pacífico
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
-5000
1993

2012
1990
1991
1992

1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Chile Colombia Peru Mexico

Fonte: Unctad Database

Quando analisamos a origem dos investimentos verificamos que em sua maioria os recursos são
provenientes de países de fora dos blocos. Em comum, os dois blocos apresentam como principais
investidores os Estados Unidos, Países Baixos, Espanha, Japão e Suíça. No caso da Argentina, em
particular, se destacam ainda os investimentos provenientes do Brasil e Chile, e no México e Chile a
presença dos investimentos canadenses. Ou seja, prevalecem os investimentos extra-bloco.
Já quanto ao destino dos investimentos, no Mercosul (gráfico 4) prevalecem os investimentos
no setor de manufaturas e serviços11, o que sugere que as estratégias das empresas estejam mais voltadas
à busca de mercados e de eficiência produtiva.

Grafico 4 - Destino do IED (US$ milhões)


Mercosul
40000
35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Recursos Naturais Manufaturas Serviços

Fonte: CEPAL (2011)

11 Nos anos de 2008 e 2010 o Brasil recebeu um montante considerável de investimentos em recursos naturais,
principalmente voltados ao setor de petróleo e gás, e a mineração.

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Nos países da Aliança do Pacífico (gráfico 5), temos a prevalência dos fluxos nos setores de
recursos naturais e serviços para o Chile, Colômbia e Peru, e nos setores de manufaturas e serviços no
caso do México. Isso sugere uma estratégia de busca de recursos e mercados por parte dos investidores,
o que pode estar mais associado às vantagens comparativas de cada país. Já os investimentos em
manufaturas no México estão associados às maquiladoras e sua participação no Nafta.

Grafico 5 - Destino do IED (US$ milhões)


Aliança do Pacífico
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Recursos Naturais Manufaturas Serviços

Uma questão interessante que ocorre na Aliança do Pacífico é que a queda nos investimentos
em manufaturas do México não tem sido absorvida pelos seus parceiros de bloco, uma vez que o
aumento nos fluxos dos demais países tem se dado nos segmentos de recursos naturais e de serviços, e
não em manufaturas.
Outra forma de tentarmos identificar os efeitos da formação da Aliança do Pacífico sobre os
fluxos de IED é observando os possíveis impactos que o AIE pode trazer na redução tarifária entre
seus membros e, por conseguinte, no aumento dos fluxos de comércio. É de se esperar que quanto
maior for o grau de proteção entre os países antes do acordo, maiores serão os ganhos após a
eliminação das barreiras e, portanto, maiores as chances de atrair investidores.
Tabela 2 - Países da Aliança do Pacífico - Acordos de Livre Comércio

País Chile Colômbia México Peru


Chile 2006 1998 2006
Colombia 2006 1994
México 1998 1994 2011
Peru 2006 2011

Fonte: SICE -Sistema de Informação de Comérco Exterior

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Conforme podemos observar na tabela 2, a grande novidade talvez esteja nas relações
envolvendo o Peru e a Colômbia, uma vez que os demais países já possuem acordos de livre comércio
entre si, ou seja, o potencial de mudanças nos fluxos comerciais com o estabelecimento da Aliança do
Pacífico não sugere grandes alterações12, que por sua vez não interferem tanto nos fluxos de IED.
Da mesma forma, se observarmos os principais parceiros comerciais dos países da Aliança
(tabela 3) iremos constatar que, apesar dos acordos de livre comércio entre os membros do bloco, os
fluxos de comércio se dão basicamente com outros países de fora do acordo, principalmente com a
China, Estados Unidos e União Europeia. Apenas nos casos das exportações da Colômbia para o Chile,
e do México para a Colômbia, que surge alguma relevância nos fluxos entre os países participantes da
Aliança do Pacífico. Isso demonstra que a formação do bloco não trará grandes mudanças no padrão
de comércio entre os países do acordo, haja vista a centralização das exportações em países de fora do
bloco.

Tabela 3 - Principais Destinos das Exportações - %

País China USA EU Japão Brasil Chile Panamá Canada Colômbia Suíça
Chile 22,8 17,7 11,2 11,1 5,5
Colômbia 3,5 38,5 15,6 3,9 3,4
México 1,7 78,7 5,5 3,1 1,6
Peru 15,3 13,3 18,2 9,2 12,9
Fonte: World Trade Organization

É importante destacar ainda que, com exceção das exportações do México para os Estados
Unidos, que são basicamente de manufaturas, nos demais países da aliança as exportações estão
baseadas em recursos naturais ou produtos de baixo valor agregado, o que compactua com as
estratégias dos investidores que buscam ter acesso aos recursos naturais desses países.

Considerações finais

Para os investimentos que buscam mercados ampliados, a constituição da Aliança do Pacífico


talvez seja uma opção interessante, muito embora os efeitos do acordo sugiram não serem muito
significativos, tendo em vista que os países já possuem acordos entre si e os fluxos de comércio entre
eles ainda não demonstra o dinamismo esperado.
Para os investidores que buscam reestruturação das cadeias produtivas, os países da Aliança,
com exceção do México, são fornecedores de produtos naturais, com uma indústria ainda pouco

12 De acordo com memorando do Itamaraty: "Ao menos 97% do fluxo de comércio entre quaisquer dois países entre os
quatro é realizado com tarifa zero, à exceção apenas do intercâmbio Peru-México, cujo grau de liberalização é, ainda assim,
bastante amplo: 83% das importações peruanas provenientes do México são realizadas em base "duty-free, quota-free"
[livre de taxas e cotas], e quase 90% das importações mexicanas gozam do mesmo benefício" (em
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br , consultado em 10/09/13).

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dinâmica. Neste caso, talvez o México pudesse exercer o papel que catalisador dessa reestruturação,
mas como verificamos os fluxos para o México não tem tido um bom desempenho e dependem em
demasia dos investimentos dos Estados Unidos.
Outra questão que fica evidente é que fatores internos a cada país têm sido mais importantes do
que o bloco como um todo, isso fica claro quando verificamos a participação individual de cada país
integrante no seu respectivo bloco. No caso do Mercosul, por exemplo, o bom desempenho em atrair
IED deve ser creditado ao Brasil. Já no caso da Aliança do Pacífico, enquanto o México reduz
investimentos, os demais integrantes aumentam, e não é por haver uma substituição entre eles.
Essa constatação demonstra que os fluxos de IED são determinados muito mais pelas
condições de cada país do que pelo bloco como um todo e que, portanto, a constituição da Aliança do
Pacífico não trará grandes mudanças para os países do Mercosul. Por outro lado, isso demonstra
também que a região ainda é percebida de forma fragmentada, o que dificulta seu processo de
integração.
De qualquer forma para que possamos enriquecer o debate é necessário ampliarmos os estudos
sobre os dois blocos e buscarmos identificar pontos de convergência entre eles, que permitam
promover a integração da região.

Referências

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Livraria Clássica, 1964.
BID. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Progresso Econômico e Social na América Latina. Além das
Fronteiras: O Novo Regionalismo na América Latina. Banco Interamericano de Desenvolvimento, Washington, D.C.,
2003.
BID-INTAL. Banco Interamericano de Desenvolvimento. Integración e Comércio. BID/INTAL 26. Washington,
D.C., 2007.
BLOMSTRÖM, M.; KOKKO, A. Regional Integration and Foreign Direct Investment: A Conceptual Framework and Three
Cases. Pesquisas de politica, documento de trabalho no. 1750. Washington D.C. Banco Mundial, 1997.
CEPAL. La inversión extranjera en América Latina y el Caribe. Santiago de Chile, Publicación de las Naciones Unidas,
2009.
_______. La inversión extranjera en América Latina y el Caribe. Santiago de Chile, Publicación de las Naciones
Unidas, 2011.
_______. La inversión extranjera en América Latina y el Caribe. Santiago de Chile, Publicación de las Naciones
Unidas, 2012.
CHUDONOVSKY, D.; LÓPEZ, A. Integración regional e inversión extranjera directa. El caso del MERCOSUR. Serie
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_______. La inversión extranjera directa en el Mercosur: un análisis comparativo. Em Daniel Chudnovsky e Andrés López
(Eds.), El boom de inversión extranjera directa en el Mercosur. Buenos Aires: Siglo Veintiuno de Argentina
Editores, 2001.
DUNNING, J. H. The Impact of the Completion of the European Internal Market on FDI. Em J. H. Dunning (ed.),
Regions, Globalization and the Knowledge-Based Economy. Oxford, UK: Oxford University Press, 2000.

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_______. The European Internal Market Programme and Inbound Foreign Direct Investment. Journal of Common Market
Studies, Vol. 35, no.1, March 1997.
MARKUSEN, J. R. Regional Integration and Third-Country Inward Investment. Business and Politics, vol. 6, issue 1,
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MEDVEDEV, Denis. Beyond Trade: The Impact of Preferential Trade Agreements on Foreign Direct Investment. World
Bank Policy Research Working Paper No. 4065, 2006.
REILJAN, J.; REILJAN, E.; ANDRESSON, K. Attractiveness of Central and Eastern European Countries for Foreign
Direct Investment in the Context of European Integration - The Case of Estonia. 41st ERSA Congress, Zagreb, August
2001.
VALLEJO, HERNÁN; AGUILAR, CAMILA. Integración Regional Y Atracción de Inversión Extranjera Directa - El
caso de América Latina. Universidad de los Andes, Documento CEDE, 2002.
WALDKIRCH, A. The New Regionalism and Foreign Direct Investment: The Case of México. Documento de Trabalho,
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YEYATI, E. et al The FTAA and the location of FDI. Trabalho apresentado na conferência BID-Harvard sobre a
ALCA em Punta del Leste, Uruguai, Dezembro de 2002

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A empresa de energia como fator de integração
das economias do Mercosul

João Rodrigues Neto1

Introdução

O
progresso tecnológico ocorrido, durante o Século XX, provocou importantes e profundas
mudanças no processo industrial, que teve como principal fonte energética: o petróleo. A
dependência da fonte energética petróleo, suscitou a necessidade de intensificar a pesquisa,
objetivando a inclusão de novas fontes alternativas de energias; como foi o caso da utilização do gás
natural em substituição aos derivados petrolíferos, a exemplo do diesel enquanto matéria-prima para a
produção de energia elétrica, de uso industrial e/ou doméstico, que em seu lugar, tem como alternativa
a energia termoelétrica; o biocombustível, a energia eólica; e, desta forma, ampliando a matriz
energética. Essas transformações ocorreram a partir do final do Século XX e início do Século XXI, e,
redefinem uma nova estrutura para o setor petrolífero, provocando uma maior inter-relação entre as
atividades industriais, criando novas perspectivas de um avanço no progresso de desenvolvimento
econômico e social, da sociedade capitalista.
Ocorreu no início dos anos 2000, a reestruturação das atividades administrativas e produtivas da
Petrobrás, sob a ótica da governança corporativa. A Holding Petrobrás iniciou a adoção de novas
políticas de ampliação das atividades produtivas e tinha como meta se tornar uma Empresa de Energia.
Para concretizar a meta da Política de Negócios da Petrobrás, foi criada a Petrobrás Comercializadora
de Energia Ltda. Empresa que teria o papel de investir e diversificar novas fontes de energia renováveis
(eólica, solar, hídrica, geotermia, biomassa e biocombustível), a fim de dotar o país de alternativas na
sua matriz energética, sempre com o intuito de obter uma maior eficácia, eficiência e integração de suas
atividades.
A função principal da Petrobrás Comercializadora de Energia Ltda., seria a realização de
pesquisas de novas fontes energéticas (exemplo: do biodiesel); Compra e vende energia elétrica; energia
termoelétrica com utilização de gás natural. O principal objetivo da empresa está centrado na geração
de uma maior rentabilidade para acionistas, clientes, empregados, investidores, provedores e
comunidades, onde desenvolve suas atividades. Por ser uma empresa integrada de energia, tem uma
liderança na América Latina e uma projeção internacional.

1Professor Associado IV, Departamento de Economia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da UNICAMP-SP. E-mail: joroneto@ufrnet.br
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 239

Portanto, o objetivo do presente trabalho é discutir as possibilidades de um novo modelo de


empresa energética, que atenda a demanda de energia necessária para ampliação do processo de
industrialização, nos países membros do Mercado Comum do Sul - Mercosul.
A Petrobrás Energia Participaciones S.A. que atua no hemisfério Sul, poderia estruturar um
consórcio que seria formado, por empresas estatais ou privada, dos diversos países que constituem o
Mercosul, e, ampliar o mercado de produção e distribuição de energia, bem como, ofertar um dos
principais fatores de produção, aos países do bloco, para que possam criar as condições necessárias,
para ampliar e/ou implantar atividades industriais e de outras atividades econômicas, e assim, dinamizar
a integração comercial da região voltada para o avanço do processo de crescimento e desenvolvimento
econômico e social dos países envolvidos.
Para atingir os objetivos propostos, neste trabalho, utiliza-se o método histórico descritivo, a
partir de pesquisa bibliográfica, a qual teve como principal coleta para sua elaboração, levantamento de
dados quantitativos e qualitativos através de sites e artigos científicos, permitindo que o referencial
teórico se constitua como principal base à discussão sobre a geração de energia na região do Mercosul.
A hipótese deste trabalho é de que, a política de internacionalização da Petrobrás poderá
possibilitar, no atual contexto, a formação de um consórcio multinacional para criação de uma empresa
de energia, haja vista, que seu desempenho nas diversas atividades, resultou no crescimento das reservas
petrolíferas e das produções de petróleo e gás natural, aliada a uma política de reestruturação, nas
atividades de upstream (exploração e produção) e de downstream (transporte, industrialização e
comercialização), que levou a Petrobrás à posição de destaque mundial.

A internacionalização das atividades da Petrobrás

O processo de internacionalização da Petrobrás, nesse novo contexto, enquanto multinacional


brasileira teve inicio com algumas ações, no exterior, visando consolidar a forma de gestão
compartilhada ou de governança corporativa, importante enquanto uma empresa de energia, com
capacidade instalada e com possibilidades de expansão de suas atividades em outros países da América
do Sul.
A lógica da internacionalização, baseada na economia de mercado, tanto difundida e imposta
pela ideologia neoliberal, nos anos de 1990, foi introduzida na Petrobrás a partir de um receituário que
incluía novas atividades empresariais, bem como, possibilidades de mudanças na estrutural industrial e
de gestão, que apontavam para a flexibilização e/ou quebra do monopólio da empresa.
A internacionalização das atividades da Petrobrás, em outros países, ora explorando ou
produzindo em novas áreas petrolíferas, ora realizando a comercialização e/ou distribuição de
derivados do petróleo, estão presentes em 19 países: Argentina, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela,
México, EUA, Nigéria, Angola, Tanzânia, Irã, Paquistão, Líbia, Turquia, Moçambique, Senegal, Índia,
Portugal e Bolívia. Essa atuação internacional foi iniciada, nos anos de 1970, quando da gestão da
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 240

subsidiária Braspetro, que era responsável pelas atividades da Petrobrás na área internacional,
negociando parcerias comerciais e acordos para treinamento de técnicos para o acompanhamento das
atividades dos operadores estrangeiros.
Como resultado da criação Petrobrás Comercializadora de Energia Ltda., adquiriu 58% do
controle acionário, do capital total, da Perez Companc S.A., em 22.07.2006. Com a denominação de
Petrobrás Energia Participaciones S. A., a empresa atua com as seguintes subsidiárias: Petrobrás Energia
Peru S. A., Petrobrás Energia Venezuela S. A. e Petrobrás Energia Ecuador S. A. A área de atuação
dessas empresas, nesses países, envolve a produção de óleo e gás, refino, marketing e transporte,
petroquímica, geração, transmissão e distribuição de energia elétrica.
O fundamento do papel do Estado, nessa nova concepção de internacionalização e de gestão
compartilhada, pode ser entendido em dois momentos distintos: no primeiro, o Estado está voltado
para as questões nacionais, ou seja, uma visão política onde os interesses estão centrados na gestão
governamental, e, no segundo, o Estado passa da política para a gestão, isto é, passa a ser gestor e não
definidor de políticas, em razão da questão nacional que se esvazia, além da redefinição do seu papel no
novo arranjo internacional. O Estado substitui a lógica do nacional (do desenvolvimento), do papel da
Petrobrás, pela lógica do mercado.

Fontes energéticas renováveis, no Brasil.

O Brasil destaca-se na produção de energia renovável por apresentar vasto território (produtivo)
que permite ampliar a produção da biomassa da cana de açúcar e das oleaginosas e pelo seu potencial
de aproveitamento hídrico, uma vez que possui extensos rios de planaltos que alimentam as
hidrelétricas na geração de energia.
Segundo a Empresa de Pesquisa energética (2011), “O percentual de participação do conjunto
das fontes renováveis de energia (hidráulica, eólica, etanol, biomassa, entre outras) vai aumentar na
matriz energética brasileira nos próximos dez anos”. Adiante, informa que: “A priorização das usinas
hidrelétricas e das fontes alternativas no horizonte de planejamento depende principalmente da
obtenção de Licenças Ambientais Prévias, um dos documentos exigidos em lei para que usinas
indicadas possam participar dos leilões de energia nova”.
Consideram-se como fontes de energia renovável aquelas em que os recursos naturais são
inesgotáveis e com possibilidades de inclusão na matriz energética para utilização em atividades
industriais e comerciais, bem como, residencial. Segundo a Petrobrás. “As vantagens proporcionadas
pelas energias renováveis variam de acordo com as condições e prioridades locais, destacando-se: a
minimização da ameaça das mudanças climáticas do planeta decorrentes da queima de combustíveis
fósseis; o crescimento econômico; a ampliação do acesso à energia para cerca de um terço da população
mundial; a geração de empregos e a fixação do homem no campo; a redução dos níveis de pobreza; a
diminuição da desigualdade social; e a diversificação da matriz energética” (Petrobrás, 2005). Por outro
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
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lado, Rodrigues Neto (2011) destaca as investigações, das principais fontes de energia renováveis,
impulsionadas pela Petrobrás, suas vantagens e desvantagens e uma consideração sobre o crescimento
da indústria brasileira nos próximos anos:

● A Energia Solar
A energia solar é aquela emitida pelo sol, sendo convertida em energia química, através de uma
reação de fotossíntese, base dos processos biológicos de todos os seres vivos, ou seja, é a energia
utilizada pela humanidade desde sua formação.

● A Energia Eólica
A energia eólica, também chamada de energia dos ventos, é considera uma fonte de energia
renovável, limpa e disponível, onde as correntes de ventos são abundantes e possibilitem a geração de
energia, a partir da utilização da moderna tecnologia de aerogeradores (turbinas eólicas). A energia
eólica é definida como a energia cinética contida nas massas de ar em movimento (ventos).
Vantagens: a possibilidade de instalação de parques eólicos em áreas populacionais isoladas,
eliminando, dessa forma, os custos com transmissão e distribuição. Outros fatores positivos são: a) o
impacto ambiental, com a implementação de parques eólicos é considerado muito baixo; b) a geração
de empregos diretos e indiretos nas regiões onde aportam investimentos para construção dos parques
eólicos; e, c) a utilização de terras para instalação de parques eólicos não trarão problemas para outras
atividades econômicas, com o uso simultâneo.
Desvantagem: como o uso da fonte eólica para geração de energia tem um componente
importante: o vento. Desta forma, sua disponibilidade é imprevisível e inconstante, o que poderá afetar
a quantidade de oferta de energia planejada.

● A Energia Gerada de Biomassa ou biocombustíveis. A política energética, para a redução da


utilização de combustíveis fósseis como o petróleo, encontrou nos biocombustíveis a solução para
substituir aquelas fontes de energia esgotáveis. Segundo Rodrigues Neto (2011), “a biomassa é todo
recurso renovável oriundo de matéria orgânica (de origem animal ou vegetal) que pode ser utilizada na
produção de energia. A biomassa é uma forma indireta de energia solar”. Em relação aos
biocombustíveis, o mesmo autor afirma que:
Vantagens da biomassa ou biocombustíveis: apesar da eficiência reduzida, seu
aproveitamento pode ser feito diretamente, com a tecnologia de combustão em fornos, caldeiras, etc. O
desenvolvimento de novas tecnologias para conversão da matéria orgânica em energia, objetiva
aumentar sua eficiência, bem como reduzir os impactos ambientais. A produção de biodiesel a partir de
óleos vegetais ou de gorduras animais, fez com que o Brasil aproveitasse essa oportunidade tecnológica
e estratégica para adicionar ao diesel, de origem do petróleo em proporções variáveis, e assim, diminuir

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 242

a emissão de gases de efeito estufa. Na comparação com o diesel de petróleo, o biodiesel também tem
significativas vantagens ambientais. O País já produz álcool (etanol) automotivo, da cana-de-açúcar,
desde 1975, com um excelente resultado e em escala crescente. O que explica essa tendência é a
produção, em crescimento, da frota de veículos flex-fuel, ou seja, que possibilita a opção de consumir
gasolina ou álcool (etanol). Essa decisão de consumo depende da competitividade do preço do etanol
hidratado em relação ao preço da gasolina. Também, destacam-se as vantagens competitivas, em
virtude da diversidade de matérias-primas para a produção do etanol que além da cana de açúcar,
podem utilizar o sorgo sacarino e a mandioca e na produção de biodiesel utilizando os biocombustíveis,
para a extração de óleo vegetal, temos: a mamona, a soja, coco de babaçu, algodão, as palmáceas e o
girassol.
Uma vantagem importante, dessa atividade, é a possibilidade da geração de novos empregos, em
regiões carentes do país, exemplo do Nordeste brasileiro, onde a dinâmica atividade agrícola não tem
um desempenho e produtividade adequada ao crescimento da agricultura regional.
Desvantagem: o aumento do processo de exploração de novas fontes de energia está
acarretando uma interferência no meio ambiente e o desequilíbrio ecológico, como consequência da
interferência humana.

● Biodiesel – É um combustível do grupo dos biocombustíveis. De acordo com o Programa Nacional


de Produção e Uso de Biodiesel, “o biodiesel é um combustível biodegradável derivado de fontes
renováveis, que pode ser obtido por diferentes processos tais como o craqueamento, a esterificação ou
pela transesterificação. Esta última, mais utilizada, consiste numa reação química de óleos vegetais ou
de gorduras animais com o álcool comum (etanol) ou o metanol, estimulada por um catalisador. Desse
processo também se extrai a glicerina, empregada para fabricação de sabonetes e diversos outros
cosméticos. Há dezenas de espécies vegetais no Brasil das quais se podem produzir o biodiesel, tais
como mamona, dendê (palma), girassol, babaçu, amendoim, pinhão manso e soja, dentre outras”.
Por ser derivado de fontes renováveis de energia como a gordura animal e os óleos vegetais
provenientes da mamona, do girassol, da soja dentre várias outras opções de oleaginosas que o Brasil
produz, o biocombustível pode substituir de forma satisfatória os derivados do petróleo nos motores
de automóveis bem como nos motores de geração de energia, o que o torna uma alternativa viável para
substituição do petróleo como matriz energética, uma vez que este é extremamente nocivo à natureza.
Através desse cenário diversos estudos foram realizados para que o biodiesel fosse acolhido
como novo integrante no marco brasileiro legal e regulatório relacionado aos combustíveis e em 06 de
dezembro de 2004, foi lançado o PNPB – Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel que é
um programa que visa à possibilidade de se atingir objetivos sociais, ambientais e econômicos com a
produção do biodiesel, uma vez que a demanda por energias renováveis tem crescido significativamente
dentro e fora do país e o Brasil tem condições plenas de atender grande parte dessa demanda.

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Ao comentar sobre normas desta atividade, Rodrigues (2008) destaca as principais diretrizes do
Programa Nacional de Produção e uso do Biodiesel que podem ser assim resumidas:
a) Introdução do biodiesel na matriz energética nacional de forma sustentável, permitindo
a diversificação das fontes de energia, o crescimento da participação das fontes renováveis e a
segurança energética;
b) Geração de emprego e renda, especialmente no campo, para a agricultura familiar, na
produção de matérias-primas oleaginosas;
c) Redução de disparidades regionais, permitindo o desenvolvimento das regiões mais
carentes do País: Norte, Nordeste e Semi-Árido;
d) Diminuição das emissões de poluentes e dos gastos relacionados ao combate aos
chamados males da poluição, especialmente nos grandes centros urbanos;
e) Economia de divisas com a redução de importações de diesel;
f) Concessão de incentivos fiscais e implementação de políticas públicas direcionadas a
regiões e produtores carentes, propiciando financiamento e assistência técnica e conferindo
sustentabilidade econômica, social e ambiental à produção do biodiesel;
g) Regulamentação flexível, permitindo uso de distintas matérias-primas oleaginosas e rotas
tecnológicas (transesterificação etílica ou metílica, craqueamento, etc.).

● Proálcool
O Programa Nacional do Álcool ou Proálcool foi criado em 14 de novembro de 1975 pelo
decreto nº 76.593 e tinha como objetivo o atendimento das necessidades do mercado interno e externo
e da política de combustíveis automotivos. A produção do álcool oriundo da cana-de-açúcar, da
mandioca ou de qualquer outro insumo será incentivada através da expansão da oferta de matérias-
primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação das
destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de
unidades armazenadoras e sua implantação será atribuída: ao Ministério da Fazenda;
ao Ministério da Agricultura; ao Ministério da Indústria e do Comércio; ao Ministério das Minas e
Energia; ao Ministério do Interior e à Secretaria de Planejamento da Presidência da República.
Na década de 1990, o Governo redirecionou suas prioridades para outros setores energéticos e
o Proálcool foi descontinuado. Somente em 2003, a indústria automobilística voltou a produzir carros
padronizados, modelos e motores movidos a álcool e gasolina, os chamados bicombustíveis ou flex fuel,
decisão tomada em virtude do aumento do preço do barril de petróleo e da retomada do Programa do
Álcool.
O surgimento de novos tipos de motores e veículos flex fuel tem gerado grandes mudanças na
indústria automobilística, fato que contribuiu para a elevação do consumo do álcool que, somado ao
momento favorável das exportações de açúcar proporcionou um crescimento sem precedentes para o

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setor sucroalcooleiro. Alguns fatores são determinantes na oferta do etanol e do açúcar, dentre eles,
destacam-se os preços internacionais no mercado do açúcar e a produtividade da cana de açúcar por
hectare de terra, que definem as vantagens de exportar o açúcar ou aumentar a produção do álcool para
o mercado interno e para as exportações.
Segundo dados da EPE – Empresa de Pesquisa Energética, “o Brasil e os Estados Unidos
foram, em 2010, os principais produtores mundiais de etanol. O Brasil, que atualmente é o principal
exportador, deverá manter-se na liderança das vendas internacionais”.

● Energia Hidráulica
A energia hidráulica resulta da irradiação solar e da energia potencial gravitacional, que
provocam a evaporação, condensação e precipitação da água sobre a superfície terrestre. Ao contrário
das demais fontes renováveis, representa uma parcela significativa da matriz energética mundial e
possui tecnologias de aproveitamento devidamente consolidadas. Atualmente, é a principal fonte
geradora de energia elétrica para diversos países e responde por cerca de 17% de toda a eletricidade
gerada no mundo.
A contribuição da energia hidráulica na matriz energética nacional, segundo o Balanço
Energético Nacional (2003), é da ordem de 14%, participando com quase 83% de toda a energia elétrica
gerada no País. Apesar da tendência de aumento de outras fontes, devido a restrições socioeconômicas
e ambientais de projetos hidrelétricos e aos avanços tecnológicos no aproveitamento de fontes não-
convencionais, tudo indica que a energia hidráulica continuará sendo, por muitos anos, a principal fonte
geradora de energia elétrica do Brasil.

Fontes Energéticas Não Renováveis


A energia é considerada, em todos os países industrializados do mundo, como o principal fator
de produção nas modernas economias. Segundo o IPEA (2008), “O consumo de energia é um dos
principais indicadores do desenvolvimento econômico e do nível de qualidade de vida de qualquer
sociedade. Ele reflete tanto o ritmo de atividade dos setores industrial, comercial e de serviços, quanto à
capacidade da população para adquirir bens e serviços tecnologicamente mais avançados, como
automóveis (que demandam combustíveis), eletrodomésticos e eletroeletrônicos (que exigem acesso à
rede elétrica e pressionam o consumo de energia elétrica)”. Num período de 25 anos de 1980 a 2005, a
taxa de crescimento da demanda por energia primária no mundo oscilou seu percentual de crescimento
entre 1,8%, e no período posterior de 2005-2030 a previsão é de permanecer o mesmo percentual de
crescimento, conforme tabela 1.

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Tabela 1 - Taxa anual de crescimento da demanda por energia primária no mundo


Período Percentual de crescimento (%) ao ano
1980-2005 1,8%
2005-2015 2,3%
2015-2030 1,4%
2005-2030 1,8%
Fonte: Elaboração própria a partir de dados apresentados MP World Energy Outlook 2007- Global Energy
Prospects: impacts development in China & India p.74.

Destacam-se as principais fontes energética não-renováveis, que respondem pela maior parcela
de oferta energética no mundo capitalista:
● Gás Natural - O gás natural é um combustível fóssil com origem muito semelhante à do
petróleo bruto, ou seja, formou-se durante milhões de anos a partir dos sedimentos de animais e
plantas. Tal como o petróleo, encontra-se em jazidas subterrâneas, de onde é extraído. A principal
diferença prende-se com a possibilidade de ser usado tal como é extraído na origem, sem necessidade
de refinação.
● Carvão - O carvão é uma rocha orgânica com propriedades combustíveis, constituída
maioritariamente por carbono. A exploração de jazidas de carvão é feita em mais de 50 países, o que
demonstra a sua abundância. Esta situação contribui, em grande parte, para que este combustível seja
também o mais barato.
● Petróleo - O petróleo é um óleo mineral, de cor escura e cheiro forte, constituído
basicamente por hidrocarbonetos. A refinação do petróleo bruto (ou cru) consiste na sua separação em
diversos componentes e permite obter os mais variados combustíveis e matérias-primas.
● Energia Nuclear - Urânio - A energia nuclear é produzida através das reações de fissão ou
fusão dos átomos, durante as quais são libertadas grandes quantidades de energia que podem ser
utilizadas para produzir energia elétrica. A fissão nuclear utiliza o urânio, um mineral presente na Terra
em quantidades finitas, como combustível e consiste na partição de um núcleo pesado em dois núcleos
de massa aproximadamente igual.
Considerando que o processo de industrialização brasileira irá demandar, nos próximos anos,
uma quantidade maior, de energias originadas de fontes não renováveis (poluentes), como o petróleo e
carvão vegetal, em virtude da previsão de crescimento da produção industrial (em diversas atividades), a
Empresa de Pesquisa Energética (2011), elaborou estudo da perspectiva da oferta interna de energia,
para o ano de 2019, em relação à oferta de 2010, conforme Gráfico abaixo:

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Gráfico 1 - Oferta Interna de Energia em 2010 e a Perspectiva para 2019.

2010 2019

Outras Outras
Derivados Derivados
renováveis; renováveis
da cana- Petróleo e da cana-de-
3,2% 3,7%
de-açúcar; derivados açúcar;
Petróleo e 20,3% 21,5%
31%
derivados
35%

Gás
Gás Natural;
Natural; Hidráulica Hidráulica; Lenha e
Urânio e 12,2% Urânio e
9,8% Carvão 14% 12,7% carvão
derivados; derivados;
Mineral e Lenha e Carvão vegetal;
1,4% 1,5%
derivados; carvão Mineral e 9,9%
5,5% vegetal; derivados;
10,8% 7,4%

Fonte: EPE – 2011

Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (2011),


O percentual de participação do conjunto das fontes renováveis de energia (hidráulica,
eólica, etanol, biomassa, entre outras) vai aumentar na matriz energética brasileira nos
próximos dez anos”. Adiante, informa que: “A priorização das usinas hidrelétricas e
das fontes alternativas no horizonte de planejamento depende principalmente da
obtenção de Licenças Ambientais Prévias, um dos documentos exigidos em lei para
que usinas indicadas possam participar dos leilões de energia nova.

Essa previsão da oferta de energia, no Brasil, deve-se a expansão na produção de petróleo e gás
natural, que ocorrerá com a exploração na camada do pré-sal, nos próximos dez anos. Segundo o IPEA
(2008), “Além do desenvolvimento econômico, outra variável que determina o consumo de energia é o
crescimento da população – indicador obtido tanto pela comparação entre as taxas de natalidade e
mortalidade quanto pela medição de fluxos migratórios. No Brasil, entre 2000 e 2005, essa taxa teve
uma tendência de queda relativa, registrando variação média anual de 1,46%, segundo relata o estudo
Análise Retrospectiva constante do Plano Nacional de Energia 2030, produzido pela Empresa de
Pesquisa Energética”.
Um contínuo crescimento na demanda, por fontes energéticas, tem gerado preocupação e tem
mobilizado esforços para aumentar a produção de energia e diversificação da matriz energética mundial
para suprir a demanda por energia. Desta forma, a formação ou criação de uma empresa energética
multinacional, que possibilite a geração de energia e que atenda as necessidades das atividades
produtivas, nos diversos setores da economia dos países que congregam o Mercosul, poderá promover
uma maior integração comercial da região.
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A Integração Energética no Mercosul.

O novo contexto em que se insere o setor petrolífero brasileiro, tendo a Petrobrás como grande
responsável por essa atividade e sendo uma empresa integrada de Energia com atuação nos seguintes
setores: exploração e produção, refino, comercialização e transporte de óleo e gás natural, petroquímica,
distribuição de derivados, energia elétrica, biocombustíveis e outras fontes renováveis de energia,
poderá assumir o papel principal de veículo integrador dos países do Mercado Comum do Sul.
Portanto, a exploração e produção de petróleo e gás natural na camada do pré-sal constituem o novo
marco histórico da Petrobrás, que a destaca como a maior empresa da América do Sul, facilitando a
integração do bloco do Mercosul, inclusive, incorporando os demais países que não participam do
bloco.
Essa temática tem provocado discussão sobre a importância do fortalecimento dos países que
formam o bloco do hemisfério Sul. Bagattoli & Theis (2005) afirmam que, existe forte correlação entre
crescimento econômico e o consumo de energia para países periféricos, como o Brasil, cujos níveis de
consumo não correspondem às necessidades da população. Os mesmos autores destacam os quatro
níveis de cooperação econômica na formação de blocos regionais:
a) Livre comércio – redução ou eliminação de taxas aduaneiras e restrições ao intercâmbio
comercial.
b) União aduaneira – livre comércio e estabelecimento de uma tarifa externa comum,
estágio em que se encontra o Mercosul, atualmente.
c) Mercado comum – Livre comércio e União Aduaneira, somados à livre circulação de
pessoas, serviços, bens e capitais.
d) União política e econômica – mercado e sistema monetário unificado.

Por outro lado, Leite (1997) destaca que “A interligação energética já vem sendo tema de
entendimentos entre Brasil, Argentina, Paraguai e Bolívia, pelo menos vinte anos antes da formalização
do Mercosul, criado pelo Tratado de Assunção, em março de 1991, envolvendo exploração de quedas
d’água e importação de energia elétrica (Paraguai e Argentina) e gás natural (Bolívia e Argentina)”.
Adiante, Leite (1997) destaca que, “a integração energética do Mercosul implicou na inserção do gás
boliviano e argentino na matriz energética brasileira, sendo a finalidade principal a liberação da pressão
sobre o consumo de energia elétrica e dos derivados do petróleo”.
Um ponto estratégico para consolidar a integração energética regional, seria a diversificação ou
o desenvolvimento da agroenergia, visando sempre à diminuição dos impactos ambientais. O Brasil,
por se tratar de um país tropical e de vasta extensão territorial, tem largas possibilidades para se tornar
uma grande potência, no que concerne ao desenvolvimento da agroenergia e desponta como um
potencial produtor de combustíveis provenientes da biomassa como o biodiesel e o Proálcool. No

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 248

cenário atual essa questão tem sido bastante discutida uma vez que a atual matriz energética provém de
fontes não-renováveis, como é o caso dos combustíveis de origem fóssil.
Considerando como alternativa a inserção do biodiesel ou biocombustível na matriz energética
brasileira e a socialização das tecnologias adotadas com os países membros do Mercosul, a Empresa de
Pesquisas Energéticas destaca a importância dessa fonte energética, como alternativa para suprir
possíveis deficiências energéticas no Hemisfério Sul.
O biodiesel vem apresentando no mercado brasileiro, nos últimos anos, um crescimento
considerável no consumo de biodiesel, que objetiva reduzir a dependência do petróleo ou das fontes
energéticas não-renováveis, bem como, conservação do meio ambiente, associados aos programas de
incentivo ao consumo e à produção de biocombustíveis pelo Governo brasileiro.

Considerações finais

Dentro da perspectiva de promover uma maior integração dos mercados energéticos, entre os
países que formam o bloco do Mercosul: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e
Venezuela, a partir da ampliação do comércio internacional de energia com a formação de um
consórcio multinacional para concretizar a criação de uma empresa de energia, e, para tal, deve-se
considerar alguns efeitos positivos para essa integração, que apontam para:
 A ampliação da base de recursos e da diversificação da matriz energética, um notável
incremento da eficiência do conjunto;
 O funcionamento de um mercado energético integrado e competitivo, dentro do próprio
Mercosul, considerando que ocorreu uma reestruturação do setor elétrico brasileiro;
 Nos últimos 30 anos, também de acordo com levantamentos da IEA – International
Energy Agency, a oferta de energia hidrelétrica aumentou em apenas dois locais do mundo:
Ásia, em particular na China, e América Latina, em função do Brasil, país em que a
hidroeletricidade responde pela maior parte da produção da energia elétrica;
 A ampliação da matriz energética brasileira, voltada para pesquisas e/ou continuação de
projetos de energia renováveis;
 A inclusão da Venezuela, no Mercosul, incrementará a oferta de energia, bem como, sua
importância na participação em um Consórcio Multinacional, por ser detentor das maiores
reservas de petróleo do Hemisfério Sul;
 A Argentina com seu parque energético consolidado e maduro, podendo contribuir
ativamente para a integração, considerando ser produtor de gás natural;
 A Bolívia destaca-se como grande detentor de grandes reservas de gás natural, com
capacidade de influenciar o processo de integração regional, por ser um grande exportador
daquela fonte energética; e,

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 249

 O Chile ainda se apresenta como um país que tem um mercado elétrico pouco competitivo,
devido ás regulamentações restritivas das atividades energéticas.

Referências
AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA - ANEEL. 2004. Disponível em: www.aneel.gov.br
Acesso em: 03 de setembro de 2013.
ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e dos Biocombustíveis (2010). ANUÁRIO ESTATÍSTICO.
Disponível em: http://www.anp.gov.br. Acesso em: 04 de abril de 2013.
BAGATTOLI, Sandro G. & THEIS, Ivo M. RDE - Revista de Desenvolvimento Econômico, Ano VII Nº 11 • Janeiro
de 2005 • Salvador, BA.
BP GLOBAL – Disponível em www.bp.com Acesso em: 26 de agosto de 2013.
EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA (EPE) 2011 – Disponível em www.epe.gov.br Acesso em: 30 de
agosto de 2013.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA) – Disponível em www.iea.org Acesso em:02 de setembro de
2013.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA) 2008 – Disponível em www.ipeadata.gov.br
Acesso em: 05 de agosto de 2013.
LEITE, A. D. A energia do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
MP World Energy Outlook 2007- Global Energy Prospects: impacts development in China & India, 2007, p.74.
RODRIGUES, Rodrigo Augusto. Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel: uma referência para a
análise da formulação, implementação e avaliação de políticas públicas. Brasília. Revista de Políticas Públicas e Gestão
Governamental, vol. 06, nº1, ANESP, 2008.
RODRIGUES NETO, João. A Petrobrás: da quebra do monopólio às perspectivas de produção na camada do pré-sal – 1997-
2009. Artigo apresentado no IX Congresso Brasileiro de História Econômica e 10ª Conferência Internacional de
História de Empresas, da ABPHE, na Universidade Federal do Paraná – Curitiba – PR. Setembro de 2011.
PETROBRÁS (2010 e 2013). Uma empresa integrada de energia. http://www.petrobras.com.br/PT/quem-
somos/perfil 09 de abril de 2013.
_______. Disponível em www2.petrobras.gov.br Acesso em: 30 de julho de 2013.

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Desenvolvimento da América Latina: repensando
os mecanismos autônomos de financiamento

José Alex R Soares1

Introdução

U
ma das grandes dificuldades encontradas pelos países da América Latina foram suas
condições de viabilização de uma poupança interna que respondesse de maneira eficiente às
necessidades da dinâmica de suas economias (PREBISCH, 2011).
No final do século XIX e começo do século XX, os fluxos financeiros internacionais circulam
livremente sem nenhuma barreira, condição essa que estabelece uma relação direta entre as economias
periféricas e centrais, configurando um processo de integração sem precedentes (GRIFFITH-
DAWSON, 1998)
É nesse contexto que se constroem as condições de dependência, e ao mesmo tempo de
exposição cada vez maior ao capital financeiro.
A autonomia financeira torna se uma questão relevante, uma vez que quem controla o crédito
controla o comércio, quem controla os fluxos financeiros ou tem maior incidência sobre esses controla
a pauta política (Griffith- Dawson, 1998)
A criação de uma instituição de fomento regional não significa apenas a construção de um
banco que possa financiar as condições do desenvolvimento, é mais do que isso, significa construir uma
política regional autônoma, independente em relação aos ciclos dos fluxos financeiros internacionais
capitais.
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma discussão sobre o financiamento do
desenvolvimento regional da América Latina, considerando o histórico de dependência financeira. Para
isso o artigo se dividirá em 4 seções mais a conclusão.
A primeira seção tratará de uma abordagem histórica da construção de uma instituição de
fomento, a segunda sobre as próprias condições de criação do BID, a terceira sobre o propósito de
construir uma instituição desse perfil e a quarta algumas diretrizes para seu funcionamento e por último
a conclusão do artigo.

1 Doutorando pelo Programa de Integração da América Latina/ PROLAM da Universidade de São Paulo/USP.
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1. A construção de uma instituição de fomento para a América Latina no século XX

O capital externo esteve presente de maneira objetiva desde a segunda metade do século XIX.
Desde então esses capitais mantem um fluxo erradico (ciclo) que expõe esses países às dinâmicas
cíclicas desses fluxos, com pouca margem de manobra frente a essas condições externas, isso representa
uma alta vulnerabilidade a esses capitais. Já no final do século XIX chama atenção no fato desses
capitais circularem “isentos quase completamente de restrição formal”. (GLADE, 2009)
De acordo com Glade (2009, p. 66)
[...] foi esse fluxo de capital, dos mercados de capitais relativamente bem organizados
do centro capitalista para os mercados de capital quase inexistentes da América Latina,
que deu à região condições de reagir como fez às novas oportunidades de venda nos
mercados de produtos de exportação.

A integração da economia local a esses mercados internacionais, por meio dos fluxos
financeiros internacionais, foi um passo importante para consolidar, dentro das economias latino-
americanas, o processo de integração ao capital monopolista financeiro. Essa integração constituiu,
assim, uma forma de organização dos capitais estrangeiros e os capitais nacionais dentro de um modelo
de desenvolvimento econômico regional, no qual se cristalizam as divisões entre os capitais nacionais e
internacionais (GLADE, 2009)
Esses fluxos nas economias latino-americanas decorrem diretamente do grau de
desenvolvimento que as economias centrais atingiram no final do século XIX (financeiramente e
tecnologicamente) e de sua necessidade de reprodução desses capitais, impactando diretamente nessas
economias.
Essa relação com o capital externo apresentou vários complicadores e expos as economias
latino-americanas a ciclos de euforia e depressão (GRIFFITH-DAWSON, 1998). Essa situação
repercutiu não apenas no centro econômico mundial, mas também na política e nas relações
internacionais construídas com base nesse quadro. Há, ainda, outras variáveis importantes nesse
quadro, considerando que “[...] a dependência financeira constituirá o ponto de partida para um início
de dependência política e militar direta” (DONGHI, 2011, p. 203).
A vulnerabilidade às dinâmicas desses capitais se evidencia, repercutindo no próprio
desenvolvimento dos países latino-americanos. Essa vulnerabilidade deriva da incapacidade de
formação de poupança interna para financiamento do desenvolvimento e sua dependência aos capitais
externos e a exposição sistemática aos fluxos financeiros ao longo do século XX, e, ao mesmo tempo,
das condições em relação à baixa autonomia dos países latinos americanos a fluxo financeiro ainda no
século XXI.
De esta manera es posible afirmar que el gran problema que persigue a América Latina
es la dificultad que sus países tienen en consolidar mecanismos autónomos de
financiamiento para subdesarrollo. Eso se refleja en la falta de ahorro interno a lo
largo del tiempo que fuese capaz de financiar el desarrollo, constituyéndose en una
constancia casi ininterrumpidade los países la necesidad de búsqueda de

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 252
financiamiento externo que se pudiese materializar en inversión interna y así ayudar a
apalancar el proceso de desarrollo a lo largo del siglo XX. (SOARES; MOURÓN,
2013,p 03).

A necessidade de recursos externos para o financiamento da balança de pagamentos e


investimentos internos, a fim de ajudar aplacar o processo de desenvolvimento de longo prazo, foi uma
constante no século XX.
No momento em que ocorre o refluxo, contudo, expõe-se a fragilidade dessas economias em
um contexto de “asfixia financeira”, que acaba numa falta de recursos para seus projetos e, ainda,
inverte o sinal do fluxo a fim de honrar seus compromissos externos. Justamente quando há essa
inversão, materializa-se a condição de menor autonomia desses países no financiamento do
desenvolvimento da América Latina (THORP; WHITEHEAD, 1986).
O resultado é a constituição de um círculo vicioso que leva a se repetir a produtividade dos
países é baixa porque falta capital, falta capital porque é muito pequena a margem de lucro, a qual, por
sua vez, torna-se a causa dessa baixa produtividade (PREBISCH, 2011).
Ao término da segunda guerra, com a constituição de um regime de governança global - Bretton
Woods (HORIE,1964) –, chegou-se a uma tentativa de resposta a essa dependência financeira da
América Latina, porém ficou evidente a baixa prioridade dos Estados Unidos com relação à região
(THORP, 1998.). Segundo Bethel e Roxborugh (1996, p. 17): “o período não foi de modo geral
considerado um divisor de águas significativo na história da região como um todo em parte devido ao
relativo isolamento internacional da América Latina.”
Esse isolamento se refletiu no retardamento de várias ações, em particular no processo de
criação de uma instituição de fomento para a região durante o período posterior a segunda Guerra
Mundial. Após criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1959, o cenário
pouco se alterou.
A década de 1950 expôs a dependência dos investimentos externos diretos, enquanto nos anos
1960 caminhou-se para empréstimos oficias e, nos anos 1970, ocorreu o movimento de reciclagem dos
petrodólares (FFRENCH-DAVIS; MUÑOZ; PALMA, 2009).
A crise nos anos 1980, ao interromper o fluxo financeiro internacional (Ffrench-Davis; Griffith-
Jones, 1997), apontou o quanto estavam frágeis as condições do nosso desenvolvimento.
Esse quadro leva a uma “crescente subordinação do processo produtivo aos interesses do
sistema financeiro” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 59).
A constante exposição aos fluxos financeiros colocou na pauta a necessidade de criação de uma
instituição de fomento capaz de responder a essas questões, porém esse processo de criação foi lento e
difícil, como analisamos na seção dois.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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2. O pós-guerra e a criação de Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID): a busca


pela autonomia financeira

O economista Stephany Grifftith-Jones (1984) sugere que a falta de uma instituição financeira
internacional pública capaz de centralizar, coordenar e direcionar os fluxos financeiros internacionais
para os países em desenvolvimento, em particular os da América Latina, expõe esses países aos ciclos
financeiros internacionais de maneira crítica.
Nesse sentido, a criação do BID não significa uma relação direta e imediata com a nova ordem
internacional e seu fortalecimento, mas sim de um processo histórico que se trava desde o início do
século XX, uma demanda antiga dos países da América Latina. Existia um forte descontentamento
sobre os mecanismos de cooperação internacional que emergiram ao fim da guerra, tanto de caráter
multilateral quanto bilateral (HERRERA,1974).
A participação dos países da América Latina na criação das várias instituições internacionais foi
explícita. O fato de que na época da criação das instituições do pós guerra o peso relativo dos países da
América Latina era elevado: de um total de 51 países envolvidos no debate, 21 pertenciam à América
Latina. Esse peso relativo, contudo, não se configurava em uma maior participação no volume de ajuda
financeira.
Os Estados Unidos, que proporcionaram elevado montante de recursos à Europa, por meio do
Plano Marshall, não contemplavam a criação de um banco de fomento regional, já que na visão norte-
americana, o que faltava era a maximização das condições oferecidas, tanto pelo capital privado como
pelo próprio Eximbank e pelo Banco Mundial (HERRERA, 1977).
A política externa desse país para a América Latina era de manter um canal descentralizado, por
meio do qual cada país tivesse que negociar em separado no mercado ou diretamente, fragilizando
assim o poder de negociação dos países.
Com a criação de um fundo centralizado e com participação de todos os países, as condições
políticas e de gestão poderiam ser alternadas, mudando a correlação de força. A urgência de estabelecer
uma instituição bancária regional foi colocada pela primeira vez na I Conferência Internacional
Americana 1889-1890 (HERRERA, 1977).
No período de 1931 e 1939, houve uma nova perspectiva da construção de uma instituição,
semelhante de um banco central. Na VII Conferência Internacional Americana, foi aprovada a
constituição de um tipo de organismo de cooperação econômica. Em 1939, em outra rodada de
negociação, obteve-se uma ação mais ousada que garantiu uma série de acúmulos e novos desafios para
financiamentos da região como bem destaca (HERRERA, 1970).
Em 1940, foi recomendada, Comissão Consultiva Econômica e Financeira Interamericana junto
aos países membros da União Pan-americana, a constituição de um Banco de Desenvolvimento, que
teria a função de atuar como um banco central, banco comercial, banco de investimentos e instituição

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de pesquisa técnicas e econômicas. A iniciativa de 1940 é uma proposta altamente ousada e, ao mesmo
tempo, constitui uma série de pilares para o futuro de um banco de desenvolvimento.
Com o advento do Plano Marshall, criou-se muita expectativa entre os países latinos e
concretamente houve pouco avanço, resultando assim, em 1948, na IX Conferência Internacional
Americana. Foi gerado um volume significativo de insatisfação, em particular relacionada ao volume de
recursos.
Em 1954, na Conferência Econômica Especializada, foram apresentadas pela primeira vez as
ideias concretas sobre como se constituir a cooperação econômica interamericana.
Em 1955, dando continuidade a discussão de 1954, apresentou-se um projeto de estatuto que
mais tarde veio ser debatido de maneira bem mais consistente. No ano de 1957, dentro do contexto de
avanços e retrocessos, ocorrem alterações importantes que deflagraram a Operação Pan-Americana, a
partir da qual o Presidente Juscelino Kubitschek propõe a criação de um banco regional. Esse processo
resultou em reflexos na política dos Estados Unidos para com a América Latina, ainda mais depois que
Estados Unidos haviam aceitado anteriormente a criação de uma Agência de Desenvolvimento
Regional para o Oriente Médio (HERRERA, 1977).
Em função desse longo processo histórico e de negociação e pelas próprias mudanças na
conjuntura internacional, em especial o caso do Líbano, finalmente os Estados Unidos acabaram
cedendo, o que tornou possível criar uma agência de fomento para a região (HERRERA, 1970).
A política dos Estados Unidos para com a América Latina está intimamente ligada aos seus
interesses específicos e, nesse caso em particular, podemos entender que nunca foi de fato prioridade
para os Estados Unidos constituir um Banco de Desenvolvimento para a América Latina.
Num ambiente de grandes tensões que se apresentavam em função da guerra fria naquele
momento (final dos anos cinquenta), e a relação com a grande potência econômica mundial (Estados
Unidos).
Herrera sinaliza em seus escritos (HERRERA, 1970, 1977) que esse foi um longo processo
histórico para a constituição de um banco comum da América Latina.
Ao final desse longo caminho, quando não tinha mais como segurar a consolidação de uma
instituição de fomento para América Latina, os Estados Unidos atuaram na linha de frente e se
consolidaram como o principal acionista com 30,1% das cotas, mantendo de maneira imperiosa sua
influência nos rumos do financiamento do desenvolvimento regional.
A relevância de um Banco regional de desenvolvimento continua presente, não existe uma
contradição entre as estruturas atuais e uma instituição construída de forma mais independente. A seção
três trabalhará esse ponto.

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3. Considerações sobre um Banco regional de desenvolvimento


Apesar da criação do BID, esse não foi capaz de responder esses desafios em função de sua
própria agenda, distanciando-se das teses iniciais.
A pauta de uma instituição de fomento regional nesse momento não se choca diretamente com
as necessidades de uma reorganização do sistema financeiro internacional. Uma nova reestruturação
internacional passa por repensar essa questão, onde os países da América Latina poderiam consolidar
suas instituições capazes de financiar a integração regional de maneira autônoma e com mais identidade
regional.
A necessidade de financiamento é, sem dúvida, uma condição mais do que necessária para se
superar os da integração, como aponta Prebisch (2000, p. 408): “A maioria dos países em
desenvolvimento conta com uma margem de segurança escassa ou inexistente para enfrentar as
diminuições acentuadas da disponibilidade de divisas”.
É fato que América Latina dispõe de um conjunto de instituições que atuam no fomento.
Calixtre; Barro (2010) destacam ao menos três: BID, a Cooperação de Fomento (CAF) e o Fundo
Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata).
A questão que se coloca é, essas instituições de fomento são capazes de impulsionar a
integração regional de maneira exitosa frente à experiência internacional, financiando uma política de
integração comum dentro da América Latina, que possam ser capazes de consolidar o desenvolvimento
regional.
Um dos eixos que entendemos essenciais para integração seria constituir as condições mínimas
para se constituir essas bases de integração, ou seja, a constituição de um parâmetro único no nosso
subcontinente (FURTADO, 1986.).
A grande dificuldade que se apresenta refere-se justamente as condições em que se daria o
financiamento, ou seja, quem seria o pagador em última instância dos projetos sem criar um clima de
sub-imperialismo sul americano, onde as nações menores ficassem reféns de uma instituição nacional
em particular e ainda da priorização desses projetos (SCHOBERT, 2012). Quais seriam viáveis de fato e
qual instituição seria capaz de consolidar essa ação? “En resumen, el desarrollo de una red densa de instituciones
regionales y subregionales de financiamiento Del desarrollo y cooperación” (OCAMPO, 2006, p. 25)
A fim de minimizar as diferenças entre as várias nações e constituir um plano de informações
que seja capaz de unificar os discursos dos agentes na tomada de investimentos, uma base institucional
orgânica e coesa, diminuindo os riscos da tomada do crédito dos agentes econômicos. (OCAMPO,
2006)
Algumas das instituições internacionais que já existem dentro da América Latina, de alguma
maneira, propõem-se a cumprir esse papel ou se constituir como mecanismo de integração regional a
fim de superar os entraves de financiamento.

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A literatura tem demonstrado que não existe uma contraposição de instituições financeiras
regionais mas que, pelo contrário, são complementares.
OCampo destaca:
Ante la falta de instituciones supranacionales, los bancos regionales y subregionales de
desarrollo juegan um papel importante em resolver problemas que exigem medidas de
ación colectiva em los procesos regionales. Estos bancos pueden ofrecer mecanismos
de coordinación que permitan a los países miembros planificar y financiar la
infraestrutuctura regional (OCAMPO, 2007, p. 33).

Fica evidente que esse foco seria a “cooperação regional para o financiamento do desenvolvimento”, dadas
as próprias condições de pouco liquidez de crédito do setor privado, que exige um bom tempo de
maturação dos investimentos em função da taxa de retorno que se tem. Em suas conclusões,
(OCAMPO, 2006, p. 50) destaca que a algumas modalidades de instituições regional de
desenvolvimento que poderiam adotar a cooperação financeira regional em direção ao financiamento
do desenvolvimento regional (BONIFAZ,2006).
Sagasti; Prada chamam atenção ainda para o fato de que:
El `modelo` de los bancos multilaterales de desarrollo es quizás uma de las inovaciones institucionales
más valiosas surgidas en el campo del financiamiento para el desarrollo en los últimos seis decenios
han tenido una trayectoria razonablemente positiva. Ni las fuentes Del sector privado ni los
organismos bilaterales podrían haber movilizados recursos financieros con tanta eficiencia
(SAGASTI; PRADA, 2006, p. 92).

Desde o final da Segunda Guerra Mundial foram criadas, cerca de trinta instituições entre
bancos multilaterais e de desenvolvimento, isso apenas para ilustrar o grau de complexidade do
processo de integração regional. Portanto, vemos a necessidade de olhar a constituição dessas políticas.
Os bancos regionais são concepções que se afloram desde os anos 1950 e 1960 e que se
baseiam na percepção de alavancar o desenvolvimento regional e integração.
A criação do Bansul pode trazer um conjunto de sinergias para alavancar o desenvolvimento
regional, com base na própria experiência regional de seus atores, e suas demandas, rompendo os
vínculos de financiamento entre centro-periferia.

4. Algumas propostas objetivas para constituição dos trabalhos de uma instituição de


fomento

Sugerimos que uma alternativa seria a própria criação do Bansul, se o mesmo for gerido de
forma a focar nessa estratégia. Em outras palavras, faz-se necessária uma instituição que nasce da
própria constatação da necessidade de se construir uma instituição independente das influências
políticas de países externos ao continente e mesmo de outras instituições internacionais.
Essa instituição poderia ser um grande laboratório de debate sobre o desenvolvimento da região
e suas prioridades, chamando para si essa responsabilidade, apesar de todos os problemas políticos,
livre do peso de uma disputa com uma grande potência, e sua quase necessidade de interferência
sistemática nos rumos da região.

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Uma instituição que se propõe a liderar essas ações no âmbito da integração regional e no
desenvolvimento, via de regra sempre passa por problemas básicos relacionados ao financiamento dos
projetos.
Uma alternativa a essa questão é dar um papel às reservas internacionais que se encontram nas
mãos dos países do latino-americano vindo a cumprir assim uma tarefa muito importante.
A proposta que se coloca pode ser entendida como uma alternativa prática para utilização de
parte das reservas internacionais, sem comprometer as mesmas no longo prazo.
A evolução constante das reservas de 2002 até 2011 (2011 é o último ano disponível dos dados
das reservas). Do volume de reservas internacionais, salta de US$ de 162 bilhões de dólares para US$
776 bilhões, um aumento de mais de quadro vez no período das reservas, propiciando um colchão de
recursos até então inédito para grande maioria dos países da América Latina.
A utilização de parte desses recursos de forma objetiva seria uma maneira de fugir da
financeirização desses recursos e disponibilizar na forma de financiamentos, ajudando assim a
consolidar uma base material das economias latino-americanas, com base em recursos próprios. Ou
seja, aproveitando a janela de oportunidade que se tem nesse momento, esquivando-se da aquisição de
recursos externos e aproveitando o bom momento das economias locais.
Esse aumento das reservas internacionais se dá em função do próprio ciclo positivo das
exportações das exportações de commodities e o ambiente favorável de financiamento externo
(OCAMPO, 2007).
A utilização das reservas abre um importante espaço para o debate da política macroeconômica,
como a própria história da América Latina tem demostrado nesses últimos 60 anos esse ambiente de
bonança macroeconômica não tende ser perene.
Sobre o comportamento dos fluxos financeiros para América Latina e alguns países do
continente, vemos claramente que de 2006 até 2012 houve um crescimento de 6,70% na entrada de
capitais. Na América do Sul esse crescimento é de 12% e Caribe chega a 39%.
O importante desse quadro não é em si o comportamento de 2006 para 2012, mas sim a
vulnerabilidade de ele nos apresenta. Nos anos de 2008 para 2009 percebe-se nitidamente essa situação.
A crise de 2008 que afetou as principais economias capitalistas repercutiu no comportamento dos
fluxos em 2009, ocorrendo uma queda significativa na entrada desses capitais. No total, foi de 67% de
um ano para outro. Em países como Brasil, Argentina e México foram quedas significativas, sendo o
Chile a exceção que teve uma queda mais suave. Isso demonstra a exposição e pouca autonomia sobre
esses capitais.
A formação de capitais para uma instituição como essa poderia ser construção de um mercado
regional de bônus organizado e vinculado a essa instituição de fomento. A constituição de um mercado
regional poderia sinalizar para o conjunto dos países da região uma resposta aos mercados globais de

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capitais, dando assim mais segurança e opção as ações para romper essa dependência ou minimizar a
exposição a esses capitais (OCAMPO, 2007).
É uma forma de minimizar a dependência dos recursos externos e a própria exposição aos
ciclos externos.

5. Conclusão

A falta de uma instituição financeira internacional autônoma na América Latina, expõe os países
aos ciclos financeiros internacionais de maneira crítica, acentuando sua dependência na construção de
políticas que visem ao desenvolvimento autônomo.
A necessidade de se criar condições de mecanismos de financiamentos internos próprios é um
campo muito vasto para se analisar, tendo vasto um grande leque de questões para de debater. Nesse
sentido, a última proposta sobre esse ponto, a criação do Banco do Sul, é importante mas não
suficiente, já que é necessário instrumentalizá-lo para sua atuação como agente dinamizador dessa
tarefa.
Outra questão relevante é a constituição de uma moeda local para as transações entre os países
da região ou efetivação de fato de um sistema de pagamentos que seja capaz minimizar os custos de
transação entre os países da região.
O papel do multilateralismo e a integração regional, e nesse ponto muito mais do que qualquer
outro, pode ser orquestrado por uma instituição de fomento e sua capacidade de financiamento da
integração regional.
Os dados revelam a necessidade de criação de um fundo de desenvolvimento regional que
disponibilizaria as reservas internacionais dos países da América Latina para setores que sejam capazes
de gerar alto valor agregado, construindo sinergias em áreas comuns entre os diversos países, tornando
os complementares e não concorrentes entre si.
Apesar das fragilidades, as condições atuais da América Latina são confortáveis, comparadas a
outros momentos históricos. Contudo, esse cenário pode mudar rapidamente, ainda mais em países que
são vulneráveis aos movimentos ciclos das economias centrais. Portanto, temáticas como
financiamento autônomo do desenvolvimento, integração regional e multilateralismo continuam
presentes na pauta de nossa sociedade.

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O Mercosul à luz do setor calçadista: integração ou competição?

Luiza Depierri Sinico


Hannah Paes Tsubaki
Natalia Noschese Fingermann

1. Introdução

C
om a globalização as nações são pressionadas a diminuir seus custos e a produzirem em
escala aumentando a sua vantagem competitiva. Logo, surge uma tendência à cooperação
entre os Estados, por meio de acordos nos quais as nações se uniriam em blocos econômicos
visando a obtenção de ganhos econômicos. Na América do Sul o principal bloco econômico é o
Mercosul, criado por meio da assinatura do Tratado de Assunção em 1991, pelos os países membros
(Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela)1, com o objetivo de se estabelecer uma zona de livre
comércio e posteriormente uma união aduaneira.
O Mercosul já possibilitou o aumento de comércio entre os países membros por meio de
política de liberalização que visa a redução tarifária, porém esta liberalização do comércio não é sempre
positiva para todos os setores envolvidos. Esse fato pode gerar a criação de barreiras não tarifárias, tais
como: regulamentações sanitárias e de padrões de qualidade, regulamentação de embalagem e etiquetas,
procedimentos alfandegários, subsídios, quotas de importação/exportação etc.
A queda da balança comercial do setor calçadista dentro do Mercosul durante o período de
crise de 1998 e 2001 é um exemplo dessa política hostil no Bloco. Para entender quais foram os
incentivos que levaram os atores em tomar decisões auto-interessadas dentro do setor calçadista do
Mercosul e como as políticas comerciais restritivas do período da crise ainda impactam nas relações
entre os países nesse setor, esse trabalho buscou estudar o processo de tomada de decisão na
determinação da política comercial de aplicação de barreiras não-tarifárias, na Argentina e no Brasil, no
período de 1990 a 2011, e o seu impacto na balança comercial desses países .
Para atingir estes objetivos, foi realizada uma pesquisa exploratória em artigos científicos, livros
e demais publicações na área, visando o melhor entendimento dos problemas ocorridos com a indústria
calçadista brasileira e argentina, além do levantamento de dados descritivos do comércio intra-regional,
entre o período de 1990 a 2011. A partir do levantamento, observou-se que durante um período o
Mercosul atingiu o objetivo proposto no Tratado de Assunção, promovendo crescimento comercial
para os países membros, porém passado este período os interesses próprios de cada país começaram a

1 A Venezuela se tornou membro a partir da suspensão do Paraguai em 2013. O Paraguai era o único membro que não
tinha aprovado em Congresso a entrada da Venezuela. O Bloco conta também com Bolívia, Chile, Peru, Colômbia e
Equador como países associados, que são aqueles que buscam a criação de uma zona de preferência com países do
Mercosul podendo evoluir para uma zona de livre comércio. (Mercadante, Junior e Araújo 2006)
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 261

prejudicar o aprofundamento do bloco. Decisões visando o bem estar próprio e imposição de barreiras
não tarifárias causaram além de desconfortos um impacto negativo na balança comercial e são
observados até os dias de hoje.

2. Enquadramento Teórico

2.1 Teorias de tomada de decisão


Na política doméstica e nas relações internacionais as ações tomadas pelos principais atores são
chamadas por Robert D. Putnam (2010) de “Jogos de dois níveis”. Segundo o autor, as negociações
internacionais são um jogo no qual o negociador age de acordo com dois níveis interligados de maneira
a buscar uma harmonização dos interesses domésticos (segundo nível) com os parceiros comerciais
internacionais (primeiro nível) (LIMA, 2007).
A metáfora dos Jogos de dois níveis é utilizada por Putnam (2010) para descrever a dinâmica e
o papel de cada ator envolvido em uma negociação internacional, considerando as estratégias e táticas
utilizadas pelos negociadores, seu papel e interesses, além das influências que cada tomada de decisão
recebe das coalizões e das pressões externas.
Putnam (2010) afirma que a política e interesses domésticos podem influenciar a política
externa, assim como fatores externos podem direcionar os interesses domésticos. Uma visão
semelhante é formulada por Vigevani (1997), que com base em outros autores como Almond (1950
apud VIGEVANI, 1997), descreve que as decisões e medidas adotadas pelos países não são
complementares, mas sim tomadas com base em negociações e em barganhas, em que seus
negociadores e governos possuem níveis de alcance e de interesses diferentes, já que toda organização
burocrática é influenciável.
O autor utiliza a estrutura criada por Almond (1950; apud VIGEVANI, 1997) para melhor
descrever as influências em que o negociador é submetido:

Figura 1 - Estrutura de influências na tomada de decisão


Fonte: Elaboração própria a partir de Almond (1950; apud VIGEVANI, 1997)

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Observa-se que cada nível recebe e distribui influência sobre o nível seguinte. Segundo Almond
(1950; apud Vigevani, 1997), no círculo central encontra-se a “Liderança”, composta pelos principais
atores que participam efetivamente de todo o processo decisório. No segundo círculo, estão as “Elites
Relacionadas” ao tema e que assumem o papel de formadores de opinião, agindo conforme as pressões
domésticas, que a princípio buscam aumentar seus ganhos individuais absolutos. O círculo seguinte é
composto pelo “Público Interessado” no assunto abordado, que buscam informações e discutem sobre
o mesmo, podendo também ser nomeados como platéia das discussões realizadas pelas elites. O último
círculo é formado pelo “Público Geral”, que em sua maioria é alheio ao que está sendo tratado no
âmbito da política externa, interessando-se somente quanto o assunto ganha maior destaque nos meios
de comunicação ou quando suas consequências influenciam seu cotidiano.
No nível internacional os governos nacionais procuram aumentar suas habilidades de atender as
demandas e pressões domésticas, ao mesmo tempo em que buscam diminuir as consequências das
evoluções internacionais (PUTNAM, 2010).
A formulação das negociações internacionais é tomada por dois ou mais representantes
políticos de cada país que se organizam em um tabuleiro, como descreve Putnam (2010). Em cada
ponta do tabuleiro posiciona-se uma contraparte estrangeira, na frente o representante político que está
participando da negociação e atrás os assessores e diplomatas, parlamentares, figuras partidárias, porta-
vozes das agências domésticas e representantes de grupos importantes.
Conforme delineia Vigevani (1997), as situações de conflito e cooperação na esfera
internacional são desenvolvidas em duas etapas. Na primeira, cabe aos governos definir quais são os
interesses nacionais a partir de uma análise dos demais atores domésticos. Na segunda etapa, os
governos estão hábeis para realizar as negociações com os demais países.
Toda a negociação é cautelosa visto que uma decisão simples tomada no âmbito nacional não
surte o mesmo efeito no âmbito internacional, podendo desagradar o outro negociador desorganizando
o jogo. E se a parte desagradada for do seu próprio território nacional o negociador pode ser facilmente
destituído do cargo que ocupa e ser retirado das negociações. Desta forma, o líder deve ser sagaz,
usufruindo das mudanças no cenário nacional e internacional para beneficio próprio (PUTNAM, 2010).
As decisões tomadas dentro do Mercosul passam pelos mesmos processos, porém com suas
peculiaridades que serão explicadas à seguir.

2.2 O caso do setor calçadista

2.2.1 Barreiras não tarifárias e seus impactos no comércio Brasil-Argentina


O caso das barreiras não tarifárias (BNT’s) entre Brasil e Argentina no setor de calçados foi
oriunda das tomadas de decisões de ambos os lados quanto à exportação e importação de calçados.
Conforme gráfico abaixo, as exportações de calçados do Brasil para a Argentina aumentaram
consideravelmente entre 1994 e 1998, sendo um dos motivos pelos quais o governo argentino decidiu

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 263

estabelecer algumas políticas de proteção a sua indústria nacional, impondo cotas a importação de
calçados advindos de todos os países, exceto àqueles membros do Mercosul.

Gráfico 1 - Exportações de calçados Brasil – Mercosul


Fonte: Anderson (2001) adaptado

Com isso, o governo brasileiro vislumbrou a oportunidade de exportar ainda mais calçados para
a região, estipulando um aumento de 74,3%, passando de 10,9 milhões de pares em 1998 para 17
milhões de pares em 1999. (ANDERSON, 2001). A partir de então a Argentina passou a impor
barreiras conforme abaixo:

O que pensavam as empresas


Barreiras impostas pela Argentina
brasileiras exportadoras de calçados

Figura 2 – Medidas argentinas e posição brasileira diante a crise dos calçados


Fonte: Anderson (2001) adaptado

As decisões e medidas tomadas durante esse período influenciaram e ainda influenciam


diretamente a comercialização entre Brasil e Argentina, como será exemplificado adiante.

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2.2.2 Processo de tomada de decisão no caso do setor calçadista

De forma geral, dentro do Mercosul, o processo de tomada de decisão deve levar em conta o
que fora previamente estabelecido no Tratado de Assunção e complementado pelo Protocolo de Ouro
Preto (1994). As decisões que impactam os países membros e o bloco em si devem ser tomadas em
conjunto, com a participação dos governos e os órgãos responsáveis do bloco.
Durante o processo de decisão há uma série de reuniões com os governos até que seja definido
o procedimento para instauração das normas, dando ao sistema de tomada de decisões do Mercosul um
caráter intergovernamental, ou seja, elas acontecem com um consenso de todos os governos dos
Estados (AMARO, 2007). Porém, segundo o autor, os Estados se articulam internamente para que as
decisões tomadas em conjunto sejam postas em prática de acordo com os próprios interesses e suas
próprias políticas.
O processo de decisão no que tange a exportação de calçados brasileiros para a Argentina
analisado por meio dos níveis de Almond (1950; apud VIGEVANI, 1997) são divididos em Lideranças,
Elite Relacionada, Público Alvo e público relacionado:

Figura 3 - Círculos de influência dos calçadistas brasileiros e argentinos


Fonte: Elaboração própria a partir de Almond (1950; apud Vigevani, 1997 )

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O quadro abaixo apresenta os atores envolvidos em cada nível no caso dos calçados Brasil-
Argentina.

Brasil Argentina
Poder Executivo, Legislativo, Câmara de Poder Executivo, Ministério da
Comércio Exterior (CAMEX), Ministério de Indústria (MIND) e a Comissão
Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior Nacional de Comércio Exterior
(MDIC) e Ministério das Relações Exteriores (CNCE), o Ministério da Indústria
Liderança (MRE), Secretarias de Comércio Exterior (MIND), a Comissão Nacional de
(SECEX), Secretaria de Desenvolvimento da comercio exterior (CNCE) e o
Produção (SDP), Secretaria de Desenvolvimento Instituto Nacional de Tecnologia
Industrial (STI). Industrial (INTI).

Empresários da industrial calçadista brasileira, Empresários do setor calçadista


que são donos, acionistas ou gestores das argentino e algumas Câmaras de
principais produtoras de calçados no Brasil, Comércio que não são atreladas
Associação Brasileira de Calçados (Abicalçados), diretamente com o governo Federal,
Elites
relacionadas Sindicato da Indústria de calçados de Franca como a Câmara Argentina de
(Sindifranca), Sindicato do Polo Calçadista de Comércio e a Câmara da Indústria
Birigui (Sinbi) e Sindicato da indústria de do Calçado
calçados do Rio Grande do Sul (SICERGS).

Acadêmicos que analisam e estudam as decisões Estudiosos no assunto e a imprensa


tomadas suas consequências e influências, e que é composta por jornais
Público também a imprensa que busca informações para importantes no país como o El
interessado noticiar os acontecimentos. Litoral, El País e La Nation, entre
outros

Sociedade que tomou conhecimento da situação Sociedade que tomou conhecimento


por meio da imprensa. da situação por meio da imprensa.
Público geral

Figura 4 - Componentes de cada nível de tomada de decisão


Fonte: Elaboração própria (2013)

De maneira geral a liderança brasileira visa os interesses da nação, porém não age de forma
extremamente protecionista na indústria calçadista, ao contrário do que ocorre em outros ramos da
indústria como o automotivo, por exemplo, no qual o governo atua de forma fortemente protecionista.
A elite relacionada posiciona-se sempre em favor da indústria nacional sendo extremamente
protecionista e visando somente a maximização dos lucros e das qualidades dos produtos das indústrias
brasileiras.
A liderança Argentina, segundo os círculos de influência de Almond (1950; apud VIGEVANI,
1997), age de forma protecionista, com o propósito de diminuir as importações e aumentar as
exportações, por meio de barreiras comerciais e incentivos governamentais. A elite relacionada
argentina sempre visa o seu próprio interesse, pois são afetadas diretamente pelo assunto abordado.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 266

Os públicos interessados de ambos os países são responsáveis por analisar e divulgar ao público
geral os acontecimentos agindo como formadores de opinião,
Embora o público geral argentino não tenha tido participação efetiva nessa crise agindo apenas
como expectadores, observa-se um histórico de maior participação em fatos passados, como por
exemplo durante o governo Menem (1988 a 1999), quando os acadêmicos do país ganharam
notoriedade opinando sobre o pensamento político e processo de tomada de decisões internas e
externas. (SILVA, 2009)
O Brasil tem uma história que marca certo desinteresse quanto a opinião pública nas questões
de política externa. Uma forma de se identificar este desinteresse, conforme Lima (2005) é o fato de
não haver disputas entre forças partidárias com o posto de Ministro das Relações Exteriores.
Apresentaremos as decisões tomadas e seus impactos nas relações comerciais entre Brasil e
Argentina na época da crise no setor calçadista, para posteriormente averiguarmos os impactos que
estão causando atualmente na comercialização.

2.3 Impactos da política comercial


O Mercosul que possui como principais atores o Brasil e Argentina, embora tenha se
desenvolvido em grandes proporções desde o seu início, ainda não chegou a um nível ideal de
integração, o que resulta em uma série de impasses ao comércio, como as barreiras não tarifárias.
Neste tópico iremos apresentar os resultados de comércio entre os dois países nos últimos anos,
focando o comércio de calçados e os impactos da política comercial adotada, a imposição de barreiras
não tarifárias, que surgiram em meados de 1998 e continuam sendo um impasse ao comércio até os dias
de hoje.
Na década de 90 foi observado um crescimento significativo das relações comerciais intrabloco,
principalmente Brasil-Argentina uma vez que estes são os principais sócios do bloco, porém o
crescimento sofreu uma crise em meados de 1998 e 1999, sendo este o ápice da crise que acomete o
Mercosul. Como podemos observar, de 2003 a 2011 o comércio do Brasil com os países bloco teve um
crescimento significativo, com uma queda em 2009, período da crise econômica que afetou o mundo
como um todo, retomando seu crescimento a partir de 2010.

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Exportações brasileiras totais para o


Mercosul e Argentina
Em US$ 1000 FOB
30.000.000
25.000.000
20.000.000
15.000.000 Mercosul
10.000.000
Argentina
5.000.000
0

2003
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002

2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Gráfico 2 – Intercâmbio Comercial Brasil-Mercosul
Fonte: MDIC (2012) adaptado

Estas análises do comércio do Mercosul, principalmente Brasil e Argentina como um todo,


servem como base para compararmos o ocorrido com o setor calçadista, que é nosso objeto de estudo.
Para isso começamos com o gráfico abaixo, elaborado com base em dados do Radar Comercial,
trazendo uma lista dos 10 principais países fornecedores de calçados para a Argentina entre 2005 e
2011, e como podemos ver, o Brasil liderou esta lista em todos os anos.

Gráfico 3 – Principais fornecedores de calçados para a Argentina


Fonte: Radar comercial (2012) adaptado

Analisando então o comércio de calçados entre Brasil e Argentina no período de 2002 a 2011,
observamos períodos de queda de comércio principalmente em 2007, 2009 e 2011. De acordo com
reportagens da imprensa brasileira divulgados nos jornais de grande circulação no país como: Folha de
São Paulo, Estado de São Paulo e jornais online como g1.com.br e economia.uol.com entre outros, o
ano de 2007 foi marcado por uma série de novas barreiras impostas pela Argentina para a entrada de
calçados brasileiros; a queda de 2009 refere-se principalmente a crise econômica que abalou o mundo
como um todo e a nova queda em 2011 é marcada por novos problemas com barreiras não tarifárias.

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Gráfico 4 – Total de exportações brasileiras de calçados para Argentina


Radar comercial 2012 adaptado

Uma reportagem do jornal Folha de São Paulo aponta em 2007 que o Brasil estava perdendo
mercado para os novos entrantes Uruguai, China e Vietnã. Sobre 2009, além da crise econômica que
abalou o mundo como um todo, pudemos observar uma grande quantidade de reportagens tratando do
assunto das barreiras comerciais impostas pela Argentina para importação de diversos produtos, dentre
eles os calçados.
Embora os gráficos nos mostrem um pequeno crescimento no comércio de calçados em 2011,
conforme Ogliari (2001) para o jornal Estado de São Paulo, a quantidade de calçados barrados em 2011
chegou a 3,3 milhões de pares a espera de licenças não automáticas. A liberação destes calçados podia
chegar a 60 dias, o que causou transtornos aos produtores brasileiros e também aos lojistas argentinos
que estavam a espera dos calçados.
O gráfico 6 abaixo apresenta o valor total de exportação de calçados brasileiros para a
Argentina. Observa-se que em 2012 houve uma queda de 22% no total de exportações com relação a
2011:

Calçados brasileiros exportados


para a Argentina
Em US$ 1000 FOB
30.000

20.000

10.000 Exportação

-
2011 2012
Gráfico 5 – Calçados brasileiros exportados para Argentina
Fonte: MDIC (2012) adaptado

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 269

Tendo em vista os dados obtidos e aqui demonstrados por meio de gráficos, podemos chegar a
uma resposta à pergunta central deste problema e a contestação que há uma constante política
comercial de proteção do setor calçadista argentino que se inicia com a crise do Mercosul em meados
de 1998 e continua até os dias de hoje. A postura argentina de protecionismo não está relacionada
diretamente a uma crise interna grave como a de 1998-2001 que abalou o Mercosul, mas sim a uma
falta de investimento no setor por parte da elite protecionista, que o torna não competitivo, nesse caso,
perante o setor calçadista brasileiro que investe constantemente em novas tecnologias para atingir um
melhor custo-benefício.
Este resultado reforça o que autores como Camargo (2006) e Ruiz (2007) afirmam, o Mercosul
não está seguindo o que foi estabelecido no Tratado de Assunção com relação a integração e
cooperação entre os países membro e se continuar desta forma, não poderemos ter grandes
expectativas de desenvolvimento entre os países.
Estudos feitos pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) em 2009 apontavam que naquele
período as medidas argentinas impactavam negativamente 13,5% das exportações brasileiras,
ocasionando numa perda de market share brasileiro de cerca de 10% passando de 42% no grupo de
produtos atingidos pelo protecionismo argentino (brinquedos, calçados, tecidos, linha branca,
automóveis, papel etc) para 31,5% entre 2008 e 2009. Enquanto isso foi observado um crescimento da
participação de produtos chineses de 21,5% para 30,5% neste mesmo período.
A estratégia adotada pela elite brasileira durante o período estudado foi trabalhar na solução
destes impasses com flexibilidade e tolerância com as demandas argentinas. Porém de acordo com o
estudo da CNI (Confederação Nacional da Indústria) (2009) e também com base nos dados obtidos
dos anos seguintes, esta forma de trabalho não está sendo benéfica.
Constata-se que as lideranças e elites relacionadas, argentinas e brasileiras, não possuem um
bom relacionamento, pois demonstram possuir dificuldade para comercializar. Essa falta de
entendimento prejudica ambos os países, o Brasil não consegue exportar seus calçados para a Argentina
prejudicando assim seus ganhos comerciais e prazos de entrega, refletindo na geração de empregos,
renda e consequentemente na economia. Enquanto a Argentina precisa impor medidas para proteger a
indústria interna e não vislumbra os ganhos que a economia do país poderia ter com uma maior
abertura comercial.
A sugestão de alguns autores, elite empresarial brasileira e também da CNI é que o governo
brasileiro abra um painel na OMC para tentar solucionar essa questão (não apenas do setor calçadista,
uma vez que as medidas afetam também outros produtos), antes que a Argentina crie mais entraves
dentro do Mercosul.

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3. Considerações finais

Partindo do conceito de teorias de tomada de decisão foram abordados conceitos relacionados


às políticas do Brasil e Argentina dentro do Mercosul e uma análisa da aplicação dessas teorias focando
no caso do setor calçadista que sofreu e sofre até hoje com uma série de barreiras não tarifárias
impostas pelo governo argentino para barrar o avanço de calçados brasileiros na região.
O Mercosul foi criado com motivações como, por exemplo, a promessa de promoção de uma
estabilidade econômica advinda de uma união de economias seguindo rumo a um mesmo objetivo - o
desenvolvimento interno – compartilhando tecnologias, avanços e recursos para se fortificar perante o
mercado externo. De certa forma o objetivo foi atingido promovendo um crescimento nos seus países
membros, principalmente Brasil e Argentina, porém em determinado momento não foi possível mais
observar tamanho crescimento, e, ao invés disso, passou a se observar que o que fora estabelecido no
Tratado de Assunção não estava mais sendo seguido por questões de interesse particular de cada país.
A partir de então, visando o crescimento interno independente de cooperação regional, os
governos dos países membros do Mercosul passaram a tomar suas decisões visando o bem estar
próprio, dando origem as barreiras não-tarifárias como forma de proteção a indústria interna até
mesmo dentro do bloco. Estas barreiras impostas em meados de 1998 ainda são aplicadas nos dias de
hoje causando o mesmo desconforto e impacto negativo na balança comercial dos países,
principalmente Brasil e Argentina por serem os mais fortes do bloco.
No caso do setor calçadista, as barreiras foram impostas devido a uma constatação do governo
argentino: os calçados brasileiros são de melhor qualidade e despertam mais interesse nos consumidores
argentinos. Além disso, devido a tecnologia desenvolvida no Brasil, os calçados conseguem atingir um
custo-benefício melhor em relação aos calçados argentinos, deixando-os mais uma vez em
desvantagem.
Considerando que o objetivo da criação do bloco comercial era que os países se integrassem e
se desenvolvessem em conjunto, tornando-se mais fortes aos demais países do globo, era de se esperar
que ao invés de barreiras não tarifárias, fossem tomadas medidas para que o governo argentino pudesse
aproveitar as vantagens comparativas e competitivas do Brasil com relação aos calçados, criando uma
oportunidade de crescimento para ambos os países. O fato de isso não ter acontecido, reforça a ideia
que o Mercosul não possui uma estrutura forte o suficiente para continuar crescendo enquanto bloco
econômico, o que o caracteriza como uma União Aduaneira imperfeita.
Acredita-se que este passo poderia trazer consequências negativas com relação ao clima de
cooperação entre os países, que já está abalado. Essas consequências negativas poderiam acontecer pois
o clima entre Brasil e Argentina já é de competição, quando na verdade deveria ser integração
considerando o que fora proposto no Tratado de Assunção, a abertura de um painel representaria uma
ruptura ainda maior da relação de cooperação entre os dois países, o que poderia gerar maior
instabilidade e maiores entraves ao comércio. Portanto fica a proposta que próximos estudos analisem
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 271

de que forma um painel na OMC poderia ajudar ou não a solução desta controvérsia e até que ponto
ela é realmente necessária.

Referências
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Brasília, v. 9, n. 85, jun./jul, 2007
ANDERSON, Patricia. Barreiras não tarifárias às exportações brasileiras no Mercosul: o caso de calçados. Texto
para discussão (IPEA), 26 p., Brasília, 2001.
CAMARGO, S. Mercosul: Crise de crescimento ou crise de terminal. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, v.
68, p. 57-90, 2006.
CNI – Confederação Nacional da Indústria. Medidas unilaterais da Argentina: uma nova estratégia brasileira. Disponível
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LIMA, Maria Regina Soares. A Política Externa Brasileira e os Desafios da Cooperação Sul-Sul. Revista Brasileira
de Política Internacional, Brasília, DF, v. 48, n.no. 1, p. 24-59, 2005.
LIMA, Marília M. de O. Jogo de dois níveis: Grupos de Interesse e Política Externa. Relatório Científico. FAPESP
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MERCADANTE, A. A. (Org). Blocos Econômicos e Integração na América Latina, África e Ásia. 1. ed. Curitiba: Juruá,
2006. v. 1. 399 p.
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR. Balança Comercial
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10 jun. 2012
OGLIARI, Elder. Argentina volta a barrar calçados brasileiros. Disponível em:
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+geral,argentina-volta-a-barrar-calcados-
brasileiros,86050,0.htm. Acesso em 25 out. 2012.
OLIVEIRA, Ivan Tiago Machado; SOUZA, André de Mello e. ; GONÇALVES, Samo. . Integrando desiguais:
assimetrias estruturais e políticas de integração no Mercosul. Texto para Discussão (IPEA), v. 1477, p. 1-49, 2010.
PUTNAM, Robert D.. Diplomacia e política doméstica: a lógica dos jogos de dois níveis. Rev. Sociol. Polit.
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PROTOCOLO DE OURO PRETO. Disponível em: http://www.mercosul.gov.br/. Acesso em: 21.03.2012
RUIZ BRICENO, J . O MERCOSUL: Reflexões sobre a Crise de seu Modelo de Integração e seu
Relançamento. Cadernos PROLAM/USP, v. 1, p. 187-209, 2007.
SILVA, Vera Lucia Correa. Uma análise da política externa argentina de 1983 a 2007: ideias, crenças e
percepções. Relações Internacionais no Mundo Atual, v. 9, p. 97-122, 2009.
SINDICALÇADOS. Dados do setor calçadista. 2009. Disponível em: www.sindicalcados-es.com.br/Informa.doc.
Acesso em: 21.09.2012
VIGEVANI, Tullo; MARIANO, Karina L. Pasquariello. A burocracia na integração regional (e no Mercosul): influência
no processo decisório, 46p, 1997.

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A adesão da Bolívia ao Mercado Comum do Sul:
perspectivas e desafios

Marcelo Marques de Almeida Filho1


Paulinny Marques Freitas2
Ana Paula Vilanova3
Ícaro Felipe Soares Rodrigues4

Introdução

C
onforme a evolução histórica da economia latino-americana, a Bolívia tem desenvolvido uma
série de acordos e tratados com os demais países da América Latina, bem como esta faz parte
de uma série de processos de integração regional, onde podemos destacar seu papel na
Comunidade Andina de Nações (CAN), bem como sua posição como membro-associado5 ao Mercado
Comum do Sul (Mercosul), ressaltando que o país está próximo de ser transformado em Estado-
membro do bloco do Cone Sul-Americano6.
Internamente na Bolívia, várias discussões têm sido levantadas sobre os riscos e problemas que
poderão ocorrer caso o país efetive a adesão, como a possível fragilização dos vínculos comerciais desta
com os países da Comunidade Andina e da própria CAN como processo de integração, a forte
concorrência da produção dos países do Mercosul, sobretudo no que diz respeito à questão tecnológica
(dada a baixa competitividade boliviana nesse setor em relação aos países do Mercosul, sobretudo Brasil
e Argentina) e produção agrícola semelhante, principalmente da soja, bem como o protecionismo que
ocorre no bloco a alguns setores da economia, o que dificultaria o ingresso de produtos bolivianos nos
mercados do Mercosul. Outro ponto levantado é que a entrada da Bolívia no Mercosul tem como um
de seus fatores a busca pelo desenvolvimento econômico, dados os acordos já firmados entre o país e o
bloco e as possibilidades que os novos mercados oferecem. Leva-se ainda em conta que o processo,
que está em negociação, não deve restringir a Bolívia, enquanto Estado soberano.
Partiremos da prerrogativa de que o processo de adesão boliviano é parte da estratégia do
Mercosul de expandir a zona comercial do bloco, ampliando o destino das exportações dos países

1 Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás. Bolsista CAPES – Demanda Social. E-mail:
mma_filho@hotmail.com.
2 Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás. Bolsista da Fundação de Amparo a Pesquisa do

Estado de Goiás (FAPEG). Currículo Lattes disponível em: http://lattes.cnpq.br/7215025420741172. E-mail:


paulinnymarques@hotmail.com.
3 Bacharel em Secretariado Executivo Bilingue pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail:

anapcristal@gmail.com.
4 Graduando em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás. E-mail: icarofelipe@hotmail.com
5 Os Estados Associados possuem uma série de acordos econômicos e de outras ordens firmados com os membros do

Mercosul.
6 Excetua-se o Chile, que mesmo sendo um país parte do Cone Sul-Americano, Estado-associado do Mercosul, com o qual

mantém acordos de livre-comércio e de outras naturezas, não é, entretanto, um membro pleno do bloco.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 273

deste, bem como a Bolívia tem intenção parecida para com o bloco, dado que atualmente o sistema
internacional se encontra em recessão.
A relevância da seguinte pesquisa reside no fato de a integração regional ser um tema das
Relações Internacionais contemporâneas que está em evidência, onde as interações entre países
economicamente integrados têm se mostrado uma fonte farta de estudos, dado o dinamismo e a
complexidade que estes processos possuem. O tema é ainda complementar a outros objetos de estudos
importantes das Relações Internacionais, como a globalização, a interdependência entre as Nações e a
liberalização econômica a nível mundial. Além disto, a importância energética, política e estratégica da
Bolívia para a América Latina, sendo produtora de petróleo, gás natural e também possuir potenciais
recursos hídricos que permitem a produção de energia através de usinas hidrelétricas, bem como a ação
política do governo Evo Morales tem chamado a atenção do mundo todo, gerando uma série de
polêmicas e de mudanças sociais, conjunto de motivos que tem levantado a curiosidade de
pesquisadores do mundo todo.
Buscando enriquecer a discussão sobre a possível inclusão da Bolívia ao Mercosul como seu
membro pleno, o presente escrito será desenvolvido com base em números oficiais, artigos científicos
relevantes ao tema, textos diversos referentes, entre outros, sendo de natureza qualitativa. Para efeito
desta, partiremos da análise da economia e da política boliviana, realizando uma breve análise histórica,
que enfatizará alguns momentos importantes para a economia do país, ao nível de contextualização.

Breve análise do quadro político-econômico da Bolívia

Corridos vários anos após sua independência, a Bolívia acabou se tornando um dos países mais
pobres da América, com sérios indícios de desigualdade social, havendo ainda uma série de disputas de
cunho étnico-sociais e regionais, que tem se abrandado com o tempo. Historicamente construída, essa
pobreza foi agravada com a Guerra do Pacífico contra o Chile (1879), onde o país perdeu a saída para o
mar e territórios fonte de guano7 e salitre (onde o Chile descobriu cobre e uma série de outros minerais
posteriormente), com a Guerra do Chaco contra o Paraguai (1932-1935), onde perdeu uma gama de
territórios e a venda da região do atual estado do Acre ao Brasil, diminuindo ainda mais suas dimensões
territoriais (PIEDRAS, 2008).
A Bolívia por muito tempo foi caracterizada como um país politicamente instável, dados os
quase 200 golpes de Estado durante sua fase republicana. Entretanto, com a Revolução de 1952, uma
insurreição armada dos trabalhadores urbanos e dos operários mineiros do país, colocou Victor Paz
Estenssoro no poder, o qual aumentou a participação do Estado na economia, aplicando a reforma
agrária, a criação de empresas estatais e nacionalização da exploração de alguns setores da economia, a
garantia de alguns direitos básicos à população e a implantação do sufrágio universal. No período que

7 Fezes de pássaros marinhos altamente ricas em minerais, utilizados para a fertilização do solo.

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vigorou após a Revolução de 1952, foi permitido ao país aproveitar um desenvolvimento econômico
mais aprofundado que ainda não havia sido visto na história do país, um considerável desenvolvimento
industrial e melhorias na situação da mineração. Houve considerável progresso no sentido de se
estabilizar politicamente o país durante o período que se correu, até o golpe militar de 1964 (MARTINS
VIANNA, 2010).
De acordo com o historiador Marcus Vinícius Martin Vianna, a Bolívia após o período
revolucionário viveu a fase de ditadura civil-militar, que se estendeu de 1964 a 1982, sendo que neste
período se sucederam no poder uma série de governos de curta duração, que levaram a cabo políticas
de reformas econômicas conservadoras. Por outro lado, a resistência ao regime em forma de guerrilha
que estava começando a ter mais força (com o apoio de Cuba), em 1967, após a captura de Ernesto
Che Guevara na selva boliviana, toma um duro golpe e começa a enfraquecer. Em 1971 aumenta a
repressão e o regime se endurece ainda mais, liderado pelo Coronel Hugo Banzer. No início da década
de 1980 começa a reabertura democrática no país, sendo consagrada com a eleição de Hernán Siles
Zuazo em 1982.
Após a queda do regime militar boliviano, o governo Zuazo (1982-1985), primeiro governo da
redemocratização, teve que enfrentar sérios problemas da conjuntura internacional advindos da Crise
da Dívida Externa8, o que gerou hiperinflação no país e a contração da renda real per capita nacional, em
um cenário de descontrole das contas públicas, o que gerou instabilidade no sistema democrático
recém-retomado, piorado pelo fato de o presidente não conseguir o apoio da maioria no Congresso, o
que fez com que as eleições fossem convocadas antecipadamente. É reeleito Paz Estenssoro (1985-
1989), responsável por implementar a “Nova Política Econômica” (NPE), programa dotado de
medidas liberalizantes iniciais, com o intuito de modernizar a economia e retirar o Estado boliviano do
papel de “promotor do desenvolvimento”, típico do Estado desenvolvimentista. O plano econômico
buscou a atração de investimentos estrangeiros no país, a exploração das vantagens comparativas do
país pelo setor privado exportador, liberalização do mercado (de bens, fatores de produção, entre
outros), bem como a geração de um ambiente macroeconômico estável (CUNHA, 2004).
Após o fim do mandato de Estenssoro, Paz Zamora (1989-1993) passou a governar o país.
Mesmo ficando em terceiro lugar, uma singularidade do sistema eleitoral boliviano (o presidente deve
ser eleito por maioria absoluta, ou seja, 50% dos votos válidos mais 1%) permitiu que o presidente
subisse ao poder, respaldado pelo Parlamento, já que os dois outros candidatos não atingiram maioria
absoluta nas urnas, o que gerou a sensação de falta de respaldo popular durante seu governo. Verificou-
se pouco avanço no processo de privatização das empresas nacionais mais importantes durante esse
período. O próximo governo foi o de Gonzalo Sanchéz de Lozada (1993-1997 e 1997-2002), onde o

8Crises econômicas e financeiras que recaíram sobre o Terceiro Mundo na metade dos anos 80, deflagradas pela declaração
de moratória da Dívida Mexicana em 1982.

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processo de liberalização da NPE atingiu seu ápice (CUNHA, 2004). Durante o governo Lozada, um
grande desafio enfrentado foi a forte retração da economia boliviana, que até então atingia números
positivos após a adoção do PNE.
Ricardo Piedras (2008), economista e técnico da Petrobrás, pontua que mais uma série de
medidas liberalizantes começaram a ser tomadas durante o governo Lozada, o que incluiu a privatização
de empresas estatais nas áreas ferroviária, de telecomunicações, de transporte aéreo, energéticas
(petróleo, gás e energia elétrica), ampliação das reformas liberais e a busca por modernizar o país, não
gerando ganhos sociais consideráveis, entretanto. O mesmo presidente chegou a ser reeleito em 2002
(derrotando inclusive Evo Morales), quase mergulhando o país em uma situação de guerra civil9, em
2003. Após Sanchéz Lozada fugir do país (em 2003), o vice-presidente Carlos Mesa10 passou a
administrar o país, até o momento em que a falta de apoio político fez com que este renunciasse, em
2005. Assume, então, Eduardo Rodríguez, presidente do poder judiciário, que convocou as eleições que
aconteceram no final de 2005, tendo como vitorioso o atual presidente Evo Morales, por ampla maioria
(PIEDRAS, 2008).
Após a assinatura dos acordos com o Brasil (ao qual derivaram a construção do gasoduto Brasil-
Bolívia (GASBOL)) e da celebração do contrato entre YPFB e Petrobras, e também após este processo
de privatização-capitalização, a atividade petrolífera na Bolívia teve um desenvolvimento muito grande.
Três campos gigantes de gás natural foram descobertos: San Alberto (SAL), San Antonio (SAN) e
Margarita, em ordem cronológica. Os dois primeiros campos foram descobertos pelo consórcio
formado por Andina, Petrobras e a francesa Total, o terceiro campo foi descoberto pelo consórcio
formado por Repsol, a inglesa BG e a argentina PAE (PIEDRAS, 2008). De acordo com Barros (2010)
Essas alterações aumentaram consideravelmente a arrecadação do Estado, o que
permitiu ao governo a execução de uma série de novas ações sociais e econômicas,
garantindo a superação dos efeitos da crise de 2009 sem causar déficit fiscal ou
comprometer o combate às pressões inflacionárias. Houve um aumento de US$ 5
bilhões nas receitas fiscais devido à “nacionalização”. Historicamente, a Bolívia sofria
demasiadamente com os choques externos, em particular os que derrubaram os preços
dos minérios e do petróleo (que, indiretamente, definem o preço do gás natural). Em
2009, porém, isto não ocorreu, devido à menor vulnerabilidade externa e ao maior
dinamismo do mercado interno.

É importante lembrar que no contexto dos investimentos petrolíferos, houve a pressão


internacional, sobretudo dos Estados Unidos, para a criação de alternativas ao cultivo da coca e
refinamento da cocaína, uma atividade que acabou se desenvolvendo, sobretudo nas comunidades

9 As revoltas começaram com o anúncio de um novo projeto de aplicação de impostos sobre os salários e com a
privatização dos serviços de fornecimento de água na região de Cochabamba, tendo chegado ao ápice após a divulgação do
projeto de exportar gás natural liquefeito através de portos chilenos (PIEDRAS, 2008).
10 [...] Nos últimos dias do governo de Carlos Mesa, vice de Sánchez de Lozada, foi promulgada a Nova Lei de

Hidrocarbonetos, que promoveu uma reforma ‘anti-neoliberal’, aumentando a participação do governo na renda petrolífera
e prometendo uma reestruturação do setor, com a volta da ação governamental através da YPFB, mantida até então como
empresa de gestão de contratos [...] (PIEDRAS, 2008).

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rurais do país, as mais pobres. As medidas contra a produção da coca acabaram por gerar o aumento do
êxodo rural no país.
As relações com o Brasil no ramo petroleiro se tornaram estremecidas após a nacionalização de
postos de alguns postos de exploração de hidrocarbonetos (petróleo, gás natural e derivados) pelo
governo boliviano em 2006, o que incluíram algumas unidades produtivas da Petrobrás, onde o
governo boliviano utilizou-se inclusive de força militar. Este impasse acabou sendo resolvido por jogo
diplomático, mas houve a formação de algumas “ressalvas” por parte das empresas brasileiras (e do
mundo todo) sobre questões de novos investimentos na Bolívia, ao menos nos próximos anos que se
seguiram (PIEDRAS, 2008).
De acordo com a economista Mylena Soares de Araújo (2010), a balança comercial boliviana
após um período de déficits que compreendem o prazo de 2000 a 2004, começou a apresentar
superávits e tem mostrado sinais de que vem se equilibrando. Apresentando dados de avanços, Araújo
(2010) coloca que
Um dado positivo é a redução da porcentagem da população que se encontra abaixo
do nível de pobreza, de cerca de 70% em 2000, para cerca de 60% em 2008. A taxa de
desemprego no mesmo ano foi estimada em 7,5%.
Em 2008 o pais produziu ainda mais de 5 bilhões e meio de kWh (estimativa), sendo
54% oriunda de hidroelétricas. O consumo no mesmo ano foi estimado em 5,092
bilhões de kWh.

Isto representa avanços nas questões sociais do país e também tem mostrado que houveram
investimentos na área energética, o que não retira o país da lista dos mais pobres do mundo.
Podemos constatar que tem havido mudanças no quadro socioeconômico do país. Segundo
Barros (2010), houve aumento progressivo da arrecadação no setor público decorrentes das mudanças
na tributação dos hidrocarbonetos e também pelo crescimento econômico ocorrido nos quatro
primeiros anos do governo Morales através de uma série de programas sociais, bem como houve
melhoria no sistema de arrecadação. O país tem apresentado superávits fiscais nominais
constantemente, mesmo com o considerável aumento dos gastos públicos. Em outras palavras, ao
passo que o país se preparava para uma eventual futura crise econômica, houve o melhoramento e a
criação de uma série de incentivos (políticas públicas) ao crescimento dos setores sociais e econômicos
do país, mantendo a austeridade fiscal nas contas do governo.
Após os 3 primeiros anos do governo de Evo Morales, o PIB do país cresceu à taxa média de
5,2%, fechando o ano de 2009 em 3,5%, a maior taxa da América Latina em meio ao auge da crise
internacional. Nesse mesmo período, a formação bruta de capital fixo aumentou de 13% para 17%,
superando os anos 1990, mas que ainda é um índice baixo, mesmo se comparado aos índices
internacionais. Nesse contexto, houve considerável transferência de renda à população, através de
programas específicos desenvolvidos pelo governo. Em 2009, estes programas já alcançavam 27% da
população boliviana, ajudando a formar o conjunto de ações que definiram o crescimento positivo do
PIB (BARROS, 2010).
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Conforme o economista Pedro Barros (2010), a inflação foi controlada durante todo o governo
Morales, sofrendo alta apenas nos anos de 2007 e 2008 (em torno de 11%), devido, sobretudo, ao
aumento dos preços internacionais das commodities no período, iniciando processo de reversão já em
2009, quando os preços internacionais dos alimentos recuaram, tornando a taxa de inflação boliviana
praticamente nula nesse ano. De acordo com o autor, o investimento público, que era de US$ 630
milhões em 2005, passou a ser de US$ 1, 85 bilhão (próximo a 10% do PIB) em 2009, sendo que
grande parte deste tem sido aplicado na modernização do país, sendo que cerca de 35% do
investimento público em 2009 foram destinados para a construção de estradas e rodovias e 20% para a
infraestrutura do setor de hidrocarbonetos, ocorrendo também uma importante mudança na
composição da origem destes investimentos. Houve ainda a expansão do crédito produtivo,
principalmente através do Banco de Desenvolvimento Produtivo (BDP) que emprestou mais de B$1
bilhão (ou US$ 142 milhões) a taxas de juros de 6% ao ano, com vista a combater a crise e aquecer a
economia, o que o governo considera ter sido responsável pela geração de 128 mil empregos, mesmo
em um período de recessão internacional (BARROS, 2010).
As empresas públicas bolivianas também desempenharam importante papel no crescimento da
economia boliviana e na contenção dos efeitos da atual recessão mundial no país, onde a capacidade
produtiva destas foram ampliadas, sendo que o investimento governamental e os fomentos industriais
foram destinados a todos os departamentos (províncias, estados) do país, descentralizando o repasse de
verbas. Este investimento nas empresas públicas, que em 2005 era de 37% de financiamento
doméstico, passou a ser de 70% em 2009. A pauta produtiva do país também tem se diversificado,
passando o país a produzir e exportar, açúcar, castanha, embalagens, papel e celulose, cimento,
produtos laticínios, energia elétrica ferro, minérios diversos, e, certamente, de hidrocarbonetos e
derivados (BARROS, 2010).
Outro importante ponto da economia e das diretrizes políticas bolivianas são a importância
conferida aos processos de integração regional, sobretudo à Comunidade Andina (CAN) e ao Mercado
Comum do Sul (Mercosul). Estes processos surgem como possibilidades de abertura de mercado,
fortalecimento do poder de barganha política no meio internacional, oportunidades de negócios, bem
como promove a aproximação das Nações americanas e através destes busca-se diminuir os riscos
internacionais.

Desafios e o futuro do processo de integração na América Latina

Apesar de não ser um membro efetivo do Mercosul, a Bolívia acompanhou de perto as


negociações para formação do bloco, e esteve presente em diversas das reuniões preparatórias. No
entanto, haviam empecilhos legais prescritos nas cartas constitutivas do Mercosul ao pertencimento
simultâneo a ambos os blocos, o que fez com que a Bolívia optasse pela manutenção da filiação à CAN,
devido às conquistas já adquiridas. Recentemente, o governo Morales manifestou seu desejo de fazer
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parte do Mercosul, sem que deixasse de ser membro pleno da CAN. Do ponto de vista concreto, a
maior parte do comércio exterior boliviano já é com países do Mercosul, o que justifica sua pretensão
em fazer parte do bloco, sendo o Brasil o maior comprador de produtos bolivianos e o maior
fornecedor de importações, desde 200111. Em 2008, o Brasil e a Argentina já se caracterizavam como os
maiores parceiros comerciais bolivianos, onde a importação de hidrocarbonetos por estes representava
a metade das receitas de exportação boliviana. A Argentina também recebe uma parcela de produtos
manufaturados advindos da Bolívia. Outros parceiros comerciais importantes do país são os EUA,
Japão, Chile, China, Peru, Colômbia e Venezuela (ZUCCO JR., 2008).
É consenso que o Mercosul aprofundou o processo de abertura comercial entre os países do
bloco, o que tem sido promovido de forma gradual e se encontra em vias de evolução. Ao passo que o
Mercosul se consolida e evolui, uma série de acordos e tratados com outros blocos foram sendo
criados.
Na América Latina, a Comunidade Andina (CAN) é um dos blocos que mais se inter-
relacionam com o Mercosul, sendo a totalidade de seus países constituintes Estados associados do
Mercosul. Os Acordos de Complementação Econômica nº. 39, 56 e 59 são algumas das principais
diretrizes dessa relação, havendo ainda uma série de acordos em diversas áreas, sobretudo de integração
física, energética, outros. Conforme o economista e internacionalista José Ultermarda Silva (2006), a
Comunidade Andina tem por objetivo o desenvolvimento balanceado de seus membros, através da
integração e da cooperação econômica e social, buscando a aceleração do crescimento nesses países,
gerando empregos, a participação popular no processo e se transformando gradualmente em um
mercado comum latino-americano, bem como,
Reduzir a vulnerabilidade externa dos países-membros e impor sua posição no
contexto econômico internacional, reforçar a solidariedade regional e reduzir as
diferenças no desenvolvimento que existem entre os países e, por fim, definir metas
sociais orientadas para a melhoria da qualidade de vida dos diferentes grupos, com o
fito de promover o desenvolvimento comum (SILVA, 2006).

Dessa forma, a CAN tem atuado em prol da constituição de parcerias e associações para
promover o progresso comum, buscando a liberalização comercial entre seus membros como objetivo
do desenvolvimento econômico e social dos países andinos e de seus parceiros, objetivando ainda a
demonstração de sua importância nos negócios latino-americanos e no cenário internacional (SILVA,
2006).
Uma consideração sobre a Comunidade Andina é que assim como o Mercosul, sofre com o
problema da divergência decorrente da formação histórica entre os países latino-americanos, que

11 O Brasil passou a ser o maior país em volume de exportações para a Bolívia a partir de 2002. Desde 2003, a Bolívia vem
apresentando um superávit comercial com o Brasil, passando a representar 47% da balança comercial do país em 2006 (o
Brasil foi a origem de cerca de 20% das importações e o destino de aproximadamente 40% das exportações bolivianas).
Brasil e Argentina juntos compraram cerca de 45% das exportações e forneceram 35% das importações no período e o
fluxo comercial entre estes países tem crescido progressivamente (ZUCCO JR., 2008).

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mesmo após anos de história e constantes avanços e conciliações, não foram totalmente superados, o
que emperra um maior aprofundamento das relações entre os Estados da região.
A Comunidade Andina firmou acordos constantes com o Mercosul, visando à formação de
convênios de financiamento para a dinamização do processo de integração regional e cooperação
econômica dentro do bloco, tendo em vista a amplificação do seu desenvolvimento. Os acordos
regulamentam as relações comerciais, abrangendo as previsões de integração física, de promoção
comercial e cooperação técnico-científica (SILVA, 2006).
Após a assinatura do Protocolo de Adesão formal ao Mercado Comum do Sul em dezembro de
2012, na figura de seu presidente Evo Morales, o Estado boliviano tem se deparado com alguns
empecilhos e dilemas sobre a adesão ao bloco e, conseguinte, das negociações do termo de sua inserção
e dos acordos que serão firmados. A maioria deles parte da própria sociedade boliviana e estão
relacionados aos possíveis problemas que serão causados pela entrada do país no Mercosul à economia
nacional. A Bolívia pretende ainda entrar para o Mercosul sem renunciar ao seu posto como membro
pleno da CAN, da qual faz parte desde sua fundação há mais de quatro décadas, o que foi anunciado
pela autoridade responsável pela negociação de convênios comerciais bolivianos (QUIROGA, 2012).
Segundo o jornalista Carlos A. Quiroga (2012), a incorporação da Bolívia ao Mercosul já era
esperada na capital La Paz, desde que o presidente Evo Morales anunciou que “aceitava um convite
oficial para que seu país se convertesse em membro pleno do grupo, ao qual está ligado atualmente
como associado”. Houve, entretanto, uma série de advertências empresariais no país, bem como se
gerou apreensão sobre os possíveis prejuízos que uma possível ruptura com a CAN representaria para a
Bolívia e para o povo boliviano, o que foi endossado pelos pareceres de analistas. O bloco que também
é integrado por Colômbia, Equador e Peru é um dos responsáveis por absorver a maior parte das
exportações da produção agrícola do país.
De acordo com o vice-ministro de Comércio Exterior do país, Pablo Guzmán, o governo
considera que o convite para pertencer ao Mercosul não é necessariamente um chamado para que o
país se retire da Comunidade Andina, mas sim um convite para que a Bolívia faça parte dos dois, visto
as boas relações comerciais entre o Mercosul e a CAN e que estes são os termos pelos quais o país foi
convidado a fazer parte do bloco. Segundo ele, o país já possui alguns benefícios e facilidades por ser
membro associado, mas espera manter e melhorar estes ao se tornar membro pleno do bloco. O vice-
ministro liderou a equipe da chancelaria boliviana que esteve negociando rapidamente os acordos
iniciais de ingresso da Bolívia ao Mercosul, o que foram revisados e eventualmente assinados durante a
cúpula do grupo em dezembro de 2012 no Brasil. A presente reunião foi a primeira da Venezuela como
membro pleno e contava ainda com a sanção política ao Paraguai, em cumprimento da cláusula
democrática expressa no Protocolo de Ushuaia. O presidente Evo Morales, em ocasião, disse que
mesmo ao aceitar o convite do Mercosul, manteria a relação com a Comunidade Andina, garantindo a

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continuidade dos privilégios comerciais, nos moldes da Venezuela, só que sem renunciar ao seu posto
de membro-pleno (QUIROGA, 2012).
O mesmo documento conta com a recomendação de que os países do Mercosul devem se
esforçar pela superação da crise econômica mundial e a consequente recuperação econômica mundial e
da geração de emprego e renda, bem como os países devem estimular a complementação produtiva de
seus respectivos modelos econômicos. Os líderes afirmaram ainda que deve haver expressivos esforços
em prol do combate à pobreza e à miséria, contra a exclusão social e que os países devem se lançar em
busca do pleno desenvolvimento, com vistas à consolidar a democracia na região (QUIROGA, 2012).
Apesar da assinatura do protocolo de adesão ao Mercado Comum do Sul, a Bolívia tem se
deparado com a crítica de diversos setores da sociedade à possível adesão ao bloco. O Instituto
Boliviano de Comércio Exterior (IBCE) afirmou em nota que espera que a entrada do país como
membro pleno no Mercosul não caracterize um impedimento às negociações unilaterais e bilaterais do
país e que não prejudique as manobras comerciais bolivianas com outras regiões e blocos, ou seja, que a
Bolívia seja capaz de manter de forma autônoma e soberana suas diretrizes de política externa. Segundo
o gerente do IBCE, Gary Rodriguez (2012 apud AGÊNCIA EFE, 2012), a assinatura do protocolo de
adesão é um passo que “não acarretará novas possibilidades de comércio”.
Também pediu que o ingresso no bloco não afete às vendas da Bolívia na Comunidade Andina
(CAN), da qual é membro pleno, e que também não se imponha uma alta de tarifas para favorecer à
produção do Mercosul em detrimento das taxas da Ásia, dos Estados Unidos e da Europa, se referindo
ao caráter protecionista que o Mercosul tem assumido em algumas áreas. O Instituto de Comércio
Exterior boliviano apontou ainda a questão das barreiras para-tarifárias e não tarifárias que limitam de
forma concisa o acesso de produtos manufaturados aos mercados do Brasil e da Argentina, o que tem
prejudicado a produção boliviana pela falta de acesso a esses mercados, pedindo a sua suspensão. Uma
das visões que se tem é de que os mercados dos países do Mercosul, sobretudo do Brasil e Argentina
são extremamente competitivos (devido ao poder econômico dos dois países, bem como por seu
desenvolvimento tecnológico e científico estar bem mais avançado que no país), o que pode acarretar o
sufocamento da economia boliviana, com a invasão desordenada de produtos destes dois países ao
território do país, competindo fortemente com a produção local e freando a entrada dos produtos
bolivianos aos seus mercados, justamente através destes e de outros mecanismos (AGÊNCIA EFE,
2012).
Para o especialista, embora o livre acesso dos produtos bolivianos ao bloco esteja supostamente
garantido, produtos manufaturados e com valor agregado “encontram sistematicamente obstáculos
alfandegários, financeiros, burocráticos e legais que impossibilitam suas exportações” (Rodriguez, 2012
apud AGÊNCIA EFE, 2012). Pelo uso de tecnologias de ponta na produção e pelas vantagens no nível
de desenvolvimento, os países do Mercosul se mostram muito mais competitivos que os da Bolívia e

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são fortes concorrentes comerciais, ao passo que a relação do país com a CAN assume um caráter de
complementaridade em relação às exportações e a produção.
Houveram ainda reservas por parte de alguns setores importantes da agricultura. Demétrio
Pérez (2012 apud AGÊNCIA EFE, 2012), presidente da Associação Nacional de Produtores de
Oleaginosas, levantou preocupação do setor, sobretudo sobre a situação da produção de soja e
derivados no país com a entrada no Mercosul, já que historicamente o principal mercado da soja
boliviana sempre foi a Comunidade Andina, já que a Bolívia é o único membro pleno produtor de soja
no bloco. O setor tem feito pressão ao governo para que este produto seja considerado nas negociações
das preferências tarifárias. O dirigente ressalta ainda que a produção de soja nos países do Mercosul
oferece risco à produção boliviana, dado que os países membros do bloco se utilizam de tecnologias
que ainda não foram nem aprovadas na Bolívia, o que otimiza consideravelmente as produções dos
países do Mercosul.

Considerações finais

Apesar da preocupação de alguns setores bolivianos com a entrada do país no Mercosul, a


relação da Bolívia e da própria CAN com o bloco tem gerado números econômicos expressivos, bem
como os países dos dois blocos possuem uma ampla e histórica relação, perpassando a criação de
acordos em diversas áreas, pautados no princípio da cooperação e da solidariedade regional.
Um dos maiores empecilhos à entrada da Bolívia no Mercosul reside no fato da cláusula que
limita a participação de seus membros em outros organismos da mesma natureza. A posição adotada
pelo governo boliviano é sinal de que o bloco terá que se adequar para a entrada não só da Bolívia, mas
também de novos membros, o que demanda a revisão do processo de institucionalização do bloco.
Através dos mecanismos de negociação e pelo bom histórico das relações entre a Bolívia e o
Mercosul, acredita-se que a futura entrada do país no bloco gere ganhos para todos os membros
envolvidos, maximizando as relações comerciais já existentes e que o processo de integração permita a
continuidade e ampliação das medidas do governo boliviano para redução da pobreza e das
desigualdades sociais, contribuindo para o progresso da América Latina.

Referências

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<http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI6363552-EI294,00-Instituto+Boliviano+de+Comercio+
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Brasil, do Chile, da Venezuela, da Bolívia e do Uruguai (Dissertação). Disponível em:
<http://www.feac.ufal.br/mestrado/economia/sites/default/files/dissertacoes/dissertacao-MYLENA.pdf >.
Acesso em: 10 maio 2013.
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DINIZ PINTO, Jairo. As Causas Econômico-Políticas da Entrada da Venezuela no Mercosul, através da teoria do
intergovernamentalismo liberal. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/
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GIRALDI, Renata; MACEDO, Danilo. Documento final do Mercosul destaca adesão da Bolívia. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/documento-final-do-mercosul-destaca-adesao-da-bolivia>. Acesso
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Análise a Partir da Teoria do Sub-Imperialismo Brasileiro (Monografia, Nível Especialista). Disponível em:
<http://www.historialivre.com/revistahistoriador/tres/marcusvianna.pdf>. Acesso em: 05 jun. 2013.
PIEDRAS, Ricardo. Integração Sul-Americana: Uma Visão a Partir da Experiência da Bolívia. Disponível em:
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QUIROGA, Carlos A. Bolívia pretende ingressar no MERCOSUL sem renunciar à Comunidade Andina. Disponível em:
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<http://www.plataformademocratica.org/Publicacoes/22072.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2013.

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Cooperação monetária no Mercosul: o exemplo do Sucre

Marcelo Pereira Fernandes (UFRRJ)1

Alexandre Jerônimo de Freitas (UFRRJ)1

1. Introdução

O
Mercosul conta hoje com cinco Estados Partes, Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e
Venezuela, e mais cinco Estados Associados, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
No momento da sua criação em 26 de março de 1991, prevalecia a visão liberal do
regionalismo em que o Mercosul faria parte de um processo de liberalização mais abrangente
(GONÇALVES et al, 1998, p.89). No começo dos anos 2000 com a chegada ao poder de governos de
esquerda e centro-esquerda, o Mercosul passou a buscar novos rumos que pretendiam ir além dos
objetivos meramente econômicos de integração (VADELL ET AL, 2009; VEIGA; RÍOS, 2007).
Nesse sentido, a cooperação monetária e financeira cumpre um papel fundamental, não
somente econômico, mas também político. Conforme a Cepal (2012), os sistemas de pagamento são o
mecanismo mais antigo de cooperação financeira da América Latina. Em setembro de 2008 começou a
funcionar um acordo bilateral entre os bancos centrais de Brasil e Argentina que envolvia um Sistema
de Pagamentos em Moeda Local (SML). No ano seguinte foi criado o Sistema Único de Compensação
Regional de Pagamentos (Sucre) entre os países que compõe a Alternativa Bolivariana para os Povos da
Nossa América - Tratado de Comércio dos Povos (Alba-TCP).2 Ainda que o Sucre tenha se realizado
depois, é notório que o acordo vem avançando mais rapidamente que o SML do Mercosul.
O objetivo deste artigo é analisar as possibilidades de cooperação monetária no Mercosul que
envolva a criação de um sistema de pagamentos regional (SPR). Para isso, faremos uma análise a
respeito do Sucre levantando quais características desse sistema podem servir de exemplo ao SML.
Além desta introdução o artigo está dividido em mais quatro seções. Na segunda seção serão
demonstradas as principais características dos sistemas de pagamentos regionais; na terceira será
analisada será analisada a formação do SML do Mercosul e do Sucre da Alba. Conforme veremos, a
experiência da Alba vem conseguindo resultados mais visíveis, apesar de se tratar de uma iniciativa
bastante ambiciosa. Na quarta, faremos uma breve avaliação sobre as vantagens em termos de
economia de divisas caso os países do Mercosul adotassem o SPR. Por fim, as considerações finais.

1Professores doutores do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)
1A Alba-TCP é atualmente integrada pela República Bolivariana da Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, Nicarágua, São
Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda e Dominica. Mas apenas os cinco primeiros utilizam o Sucre.
2A Alba-TCP é atualmente integrada pela República Bolivariana da Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba, Nicarágua, São

Vicente e Granadinas, Antígua e Barbuda e Dominica. Mas apenas os cinco primeiros utilizam o Sucre.
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2. Sistema Regional de Pagamento

Os Sistemas de Pagamento Regionais (doravante, SPR) são tidos como um primeiro passo na
direção de uma cooperação monetária mais profunda. São vistos comumentemente como arranjos
monetários que facilitam o comércio regional, na medida em que reduzem os custos de transação
através da liquidação de pagamentos em moedas locais. Também, deve-se enfocar seu impacto sobre o
uso de reservas internacionais nestas operações possibilitando uma redução de seu montante e
liberando seu uso para possíveis ajustes no balanço de pagamentos, protegendo a economia nacional de
choques externos que possam exigir ajustes recessivos (FRITZ ET AL, 2010, p.23; UNCTAD, 2011).
O seu modo de operação, sob a ótica dos usuários, é simples: caso uma firma peruana deseje
importar uma mercadoria e/ou contratar um serviço de uma firma colombiana, ela deve utilizar-se de
meios de pagamento aceitos na Colômbia. Ela pode adquirir o montante diretamente em pesos
colombianos ou, mais comum, em uma divisa, como o dólar para depois convertê-la na moeda
colombiana. Os custos relacionados com a conversão das moedas encarecem a transação – podendo até
inviabilizá-la, dependo do montante da operação.
Uma forma de evitá-los seria a criação de um SPR no qual, a partir de um acordo entre os
Bancos Centrais dos dois países, a firma peruana pagasse pelo serviço em novo-sol e a firma
colombiana recebesse em pesos colombianos. A transação ocorreria com uso apenas de moedas locais
sem a necessidade de operar com uma terceira moeda. A conversão das moedas ficaria sob
responsabilidade dos Bancos Centrais.
A redução no uso de moeda estrangeira no comércio intra-regional não é a única forma de
reduzir os custos deste comércio. É possível reduzir o número final de transações efetuadas pelo SPR
ao necessário para compensar os saldos líquidos entre os países. Estipula-se um período de tempo
durante o qual as operações, efetivadas diariamente, são contabilizadas através de uma Câmara de
Compensação criada pelos Bancos Centrais.
Ao fim do período, as transações de mesmo montante são canceladas e o volume final de cada
compensação refletiria somente a diferença entre vendas e compras acumuladas durante o período
estipulado. Logo, créditos e débitos são cancelados sem a necessidade de uso de divisas, restando
apenas o saldo final a ser liquidado. Caso cada transação seja liquidada individualmente, como num
sistema descentralizado, todas as compras e vendas envolveriam o uso de alguma moeda internacional.
Vejamos o quadro abaixo:

Importação Exportação Saldo


Pais A 100 milhões 120 milhões 20 milhões
País B 120 milhões 100 milhões - 20 milhões

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Na ausência de um sistema de pagamentos entre os países, o país A precisaria utilizar 100


milhões numa terceira moeda aceita pelo país B que, por sua vez, precisaria de um montante de 120
milhões. Com um sistema de pagamentos nos moldes explicados acima, apenas o saldo líquido
precisaria ser quitado, logo o país B precisaria apenas de 20 milhões e o país A não utilizaria nada.
Assim, para pagar pelo comércio intra-regional, o banco central do país em déficit precisa
apenas transferir a moeda reserva no fim do período de compensação. Não é necessário operar com
volume bruto de divisas diariamente, mas apenas com os montantes líquidos no final do período de
compensação.
A sustentabilidade de um SPR esta diretamente ligada à questão econômica, mas também passa
por motivos políticos. No plano econômico, o SPR será mais duradouro quanto mais eficiente for seu
mecanismo monetário. Ao longo do tempo, é possível avaliar a importância do acordo a partir da
diferença entre o volume e o número de transações totais – bruto – e o efetivamente liquidado
(CHANG, 2000, p.33). Trata-se de comparar o volume total de pagamentos do comércio regional com
o volume canalizado pelo acordo. Esta comparação possibilita diagnosticar a aceitação do sistema pelas
firmas participantes no comércio regional, permitindo que se possam criar mecanismos que estimulem
sua utilização.
Um tema mais delicado e essencial para que o acordo perdure são os desequilíbrios persistentes
que possam existir no comércio regional. Países cronicamente deficitários serão beneficiados com o uso
do SPR já que poderão postergar parte de seu saldo devedor e se utilizar de possíveis linhas de crédito
adicionais, podendo ainda saldar seu déficit em moeda nacional. Por outro lado, os países superavitários
poderão perder interesse no acordo na medida em que o montante de saldo acumulado restrinja suas
possibilidades de investimento (FRITZ ET AL, 2010, p. 7).
Esta é uma questão estrutural de longo-prazo que apenas o acordo monetário não será
suficiente para resolver, é preciso que os países conjuguem uma vontade política comum em prol de
uma integração regional. Desta forma:
Los requisitos ... para que los mecanismos propuestos produzcan el equilibrio del comercio
intraregional de los países latinoamericanos sin que se reduzcan los niveles globales de ese intercambio
[…] las hacen dependientes de decisiones políticas de gran alcance y que, de existir, significarían una
adhesión efectiva de los países a la integración de sus mercados a nivel multinacional. (ARAGÃO,
1984, p. 16).

Essa vontade política é que fará que o SPR torne-se viável no longo-prazo, e possa servir como
passo inicial de uma cooperação monetária e financeira mais profunda.

3. Sistema de Pagamentos Regional: Mercosul e Alba

A formação de um SRP no Mercosul teve seus primeiros passos com o acordo de Cooperação
mútua entre os bancos nacionais dos Estados Partes acordado em novembro de 1994. O acordo
ocorreu entre o Banco do Brasil, Banco da Nação Argentina, Banco da República Oriental do Uruguai

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e o Banco Nacional de Fomento (Paraguai) e tinha o objetivo de conceder financiamentos que


facilitassem o comércio exterior do Mercosul. Outro passo foi dado durante a 14ª reunião em julho de
1998 do Conselho do Mercosul em Ushuaia (Argentina) quando os presidentes do Brasil, Argentina,
Uruguai e Paraguai assinaram um protocolo prevendo a criação de uma moeda. No acordo não foi
determinado uma data para criação da nova moeda, porém tentou-se estabelecer um plano de
uniformização de taxas de juros, índice de déficit e taxas de inflação, medida considerada necessária
para este objetivo3.
Entretanto, a criação de uma moeda única, pelo menos nos marcos da experiência europeia,
estava (e ainda está) muito mais para um desejo distante do que algo factível. A formação de uma
moeda única pressupõe que os países terão que assumir normas econômicas rígidas, entre elas a
estabilidade de preços e salários. Isto era evidentemente impossível, especialmente no fim dos anos
1990, uma vez que, Brasil e Argentina, viviam momentos de fortes turbulências econômicas4.
Um passo mais exequível foi dado com a Decisão nº 25, em 2007, do Conselho do Mercado
Comum, prevendo a criação do sistema de pagamentos em moeda local (SML) entre os Estados Partes
do Mercosul, por meio de convênios bilaterais entre os Bancos Centrais competentes. Em 3 de outubro
de 2008 foi criado o SML entre Brasil e Argentina, integrando os sistemas de pagamentos dos dois
países. Em linhas gerais o SML reproduz o SPR analisado na segunda seção, ou seja, permite que as
transações comerciais entre os dois países sejam efetuadas em suas respectivas moedas, reduzindo os
custos de transação (financeiros e administrativos). Isto melhora o acesso aos pequenos e médios
exportadores e importadores, ampliando o mercado real/peso. A adesão é voluntária, mas qualquer
pessoa física ou jurídica pode participar do SML. Os bancos centrais divulgam diariamente a taxa do
SML, calculada a partir das taxas médias de mercado das respectivas moedas frente ao dólar americano
(Barreto, 2009). A compensação ocorre diariamente ou semanalmente de forma bilateral entre os
bancos centrais.
No momento em que foi assinado, o acordo pretendia desenvolver um "projeto piloto" para os
demais países do Mercosul. Na XXXVII Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum em
julho de 2009, foi aprovada o SML para o comércio entre os todos os Estados Partes do Mercosul.
Assim, em 23 de outubro de 2009, os bancos centrais de Brasil e Uruguai assinaram uma Carta de
Intenções a fim de iniciar o processo de implantação do SML entre os dois países (Carta de Intenções...
2009).
Em 2009 a Alba também inaugurou uma experiência de SPR, mas com uma diferença
significativa a ser ressaltada adiante: a criação de uma moeda virtual. O Sucre entrou em vigor em 27 de

3 Na realidade no Tratado de Assunção que criou o MERCOSUL já estaca previsto à coordenação progressiva das políticas
macroeconômicas entre os Estados Partes. Cf. http://www.mercosul.gov.br/normativa/decisoes/2007/mercosul-cmc-dec-
no-25-07-1/mercosul-cmc-dec-no-25-07/
4 O Brasil sofreu uma fuga de capitais em janeiro de 1999 que levou a maxidesvalorização do câmbio. Em 2001 a Argentina

sofreu a pior crise econômica da sua história que terminou com o Plano de Conversibilidade que já durava 10 anos.

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janeiro de 2010 e, ao contrario do SML no Mercosul, desde o inicio incorporou as principais economias
que integram a Alba5. De acordo com as autoridades dos países que constituem a Alba, a crise
financeira de 2008 reafirmou a necessidade de se construir uma nova arquitetura financeira regional que
reduza a vulnerabilidade externa e as assimetrias estruturais dos seus países, além de estimular a
capacidade produtiva e o comércio na região (CONSEJO, 2011; PUÑAL, 2009, p.80).
Conforme expresso pelo informe das autoridades do Sucre (Consejo, 2010), podemos citar pelo
menos sete objetivos do sistema: i) dissociar a utilização progressiva do dólar no comércio intra-
regional; ii) diminuir o uso de divisas para realização de pagamentos internacionais; iii) incoporar novos
atores aos fluxos de comércio exterior; iv) incentivar o equilibrio comercial entre os países
participantes, como um mecanismo para reduzir as assimetrias, gerar novos mecanismos estabilizadores
e fortalecer o próprio sistema; v) promover a expansão do comércio entre os países participantes, com
base em complementaridade produtiva; vi) proteger ante os impactos negativos das crises financeiras
globais; vii) estabelecer as bases para o aprofundamento de novos mecanismos de integração regional
nos ambitos politicos e sociais.
O Sucre vem obtendo resultados importantes. Embora a magnitude das transações efetuadas
via Sucre seja uma parcela pequena do comércio entre os países, deve-se levar em conta sua tendência
de crescimento desde que o sistema entrou em vigor, e o fato que encontra-se ainda na etapa de
implantação. Em 2010 o volume de comércio canalizado pelo Sucre foi de XSU 10.107.642,51; e, em
2012 foi de XSU 852.066.603,84.
Desde que entrou em funcionamento o SML também tem crescido substancialmente. Porém,
assim como o Sucre, ainda é uma parte muito pequena do comércio total entre Brasil e Argentina
(CEPAL, 2012, p.104).
Por outro lado, tanto o SML quanto o Sucre são bastante assimétricos. Segundo o BCB, de
janeiro a junho de 2013 o Brasil exportou para Argentina R$ 588.297.020,13 e importou somente R$
4.502.147,47 dentro do SML6. O mesmo padrão pode ser observado em relação ao Sucre: em 2012,
83,64% das importações dentro do sistema foram realizadas pela Venezuela, enquanto 81,41% das
exportações saíram do Equador (CONSEJO, 2012). Como reduzir essas assimetrias, é um desafio
considerável.
O Sucre possui alguns mecanismos que podem servir de parâmetro ao SML, inclusive com o
intuito de reduzir as assimetrias. Em primeiro lugar o Sucre possui uma Cámara Central de
Compensación de Pagos (CCC), no qual todas as operações realizadas entre os países participantes são
registradas. Apenas são autorizadas as transações que estejam diretamente ligadas ao comércio de bens
e serviços excluindo qualquer operação de caráter puramente financeiro (BCV, 2009, p.9).

5 Inicialmente com a Venezuela, Equador, Cuba e Bolívia, e depois com a entrada da Nicarágua que realizou sua primeira
operação com em fevereiro de 2013. Em março de 2013 o Uruguai também assinou sua adesão ao Sucre.
6 Cf. www.bcb.org.br

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Atualmente o sistema oferece aos países deficitários formas alternativas de liquidarem seu saldo
negativo. É possível utilizar-se de crédito bilaterais entre os Bancos Centrais participantes ou efetuar
operações comerciais de venda futura – através de pagamento antecipado de exportações - ou ainda
utilizar-se do sobregiro intradiário através do Fondo de Reservas y Convergencia Comercial (FRCC)
(Consejo, 2013, p. 14).
Operado a partir do Banco de Desarrollo Económico y Social de Venezuela (BANDES), o
FRCC apresenta dois objetivos. Primeiramente, o Fundo contribui para o funcionamento da CCC,
fazendo a intermediação de recursos em sucres dos países com superávit até os países com déficit
comercial dentro do sistema, permitindo aos países deficitário financiamento durante (intradiário) e
após (interperíodo) o período de compensação (CONSEJO, 2013, p.19).
Em segundo lugar, o Fundo também provê financiamento de projetos dirigidos ao
desenvolvimento de atividades econômicas que impulsionem as exportações em benefício dos países
com déficits crônicos no comércio com os demais países membros, além de financiar políticas
anticíclicas em momentos de crises (CONSEJO, 2011, p.11). Os projetos de investimento devem ser
efetuados em território dos países signatários cujo capital também deve ter origem nos mesmos. A
possibilidade de que firmas tenham origem em mais de um país participante, estimula a formação de
cadeias produtivas regionais.
Portanto, o FRCC pode ser um instrumento relevante para reduzir as assimetrias comerciais,
evitando ajustes recessivos por parte dos países deficitários, o que o torna uma importante inovação do
sistema.
A criação de uma moeda virtual é a principal característica que distingue o Sucre de outras
iniciativas regionais de sistema de pagamentos na América Latina (BCE, 2012). A princípio o sucre
(XSU) não circulará como moeda de curso forçado, sendo utilizada exclusivamente como unidade de
conta e meio de pagamento pelos bancos centrais dos países membros. O seu valor é calculado usando
duas cestas de moedas: i) uma cesta de moedas intraregional, na qual abrange as taxas de câmbio das
moedas nacionais dos países membros do Sucre, sendo que cada moeda na formação da cesta
corresponde ao peso relativo das economias e, ii) uma cesta de moedas extraregional com as principais
moedas conversíveis; são elas: o dólar, o euro, a libra esterlina, o iene e o franco suíço. As flutuações
nas duas cestas de moedas têm impacto no valor do sucre (TRUJILLO, 2012). Deste modo, espera-se
que a evolução do sucre seja estável e que as diferenças entre as taxas de câmbio entre os países
participantes sejam reduzidas, incentivando o comércio.
Deste modo, ainda que o SPR seja frequentemente entendido apenas como um sistema de
pagamento direcionado para reduzir custos de transação, o Sucre é uma ação mais ousada: faz parte de
um plano com o objetivo de avançar na integração produtiva das economias participantes. A adoção de
uma unidade de conta, que exige certa coordenação cambial, permite que seja um passo inicial para a

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criação de uma nova arquitetura financeira regional, essencial para que os projetos de desenvolvimento
e as estratégias de integração política e econômica da região possam evoluir.

4. Sistema de Pagamentos Regionais no Mercosul

É possível, ainda que de forma inicial7, procurar avaliar o quanto que os países do Mercosul
economizariam caso adotassem um mecanismo de pagamentos regionais de maneira a efetuar todo o
comércio intra-bloco em moedas locais, sem a necessidade do uso de dólares.
Isso pode ser feito considerando o funcionamento de um acordo semelhante ao descrito na
parte 2 deste artigo. Analisando apenas os últimos cinco anos, a Argentina exportou para o Mercosul
um total de US$87.639 milhões e importou um total de US$ 92.653 milhões (ver tabela abaixo8).

Saldo Comercial da Argentina com o Mercosul (em milhares de dólares)


2008 2009 2010 2011 2012
Exportações 16.122.943 13.833.046 17.133.458 20.707.134 19.842.714
Importações 19.997.362 12.866.451 18.972.405 22.919.083 18.898.297
Saldo -3.574.419 966.595 -1.838.947 -2.211.949 944.417

Sem a presença de um sistema de pagamentos regionais os argentinos foram obrigados adquirir


no mercado internacional os dólares necessários para pagar suas importações. Caso houvesse um
acordo regional de pagamentos, apenas o saldo final seria compensado. Em 2008, ela necessitaria de
apenas US$ 3.574 milhões (aproximadamente 22% do total do volume importado) para realizar seu
comércio intra-bloco. Já em períodos em anos em que este comércio é positivo, o país apenas recebe a
diferença sem precisar utilizar dólares em suas transações comerciais com o Mercosul (anos de 2009 e
2012).
O mesmo raciocínio poder ser feitos para os demais países do bloco. Para o caso brasileiro é
possível verificar que o acordo seria extremamente vantajoso. Na medida em que o país obteve um
superávit comercial durante todo o período, ele apenas receberia o diferencial positivo sem precisar
usar dólares nas suas relações comerciais com os demais membros do bloco.

7 Cada país do Mercosul possui uma legislação própria sobre o acesso aos mercados de câmbio de forma que os custos
envolvidos nestas operações são diferenciados em cada país. Uma análise que englobe todos estes custos foge do escopo
deste trabalho.
8 Todos os números desta seção foram obtidos no Sistema de Información de Comercio Exterior da ALADI. <

http://consultaweb.aladi.org/sicoex/jsf/home.seam>

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Saldo Comercial do Brasil com o Mercosul (em milhares de dólares)


2008 2009 2010 2011 2012
Exportações 21.737.308 15.828.947 22.690.506 27.852.506 22.801.529
Importações 15.591.951 13.623.172 17.215.231 20.048.630 19.917.090
Saldo 6.145.357 2.205.775 5.475.275 7.803.876 2.884.439

Os sócios menores do Mercosul também seriam beneficiários do acordo. Ambos possuem um


déficit comercial estrutural com relação ao bloco (principalmente em suas relações com Brasil e
Argentina). Além disso, possuem dificuldades de acesso aos dólares nos mercados internacionais.

Saldo Comercial do Paraguai com o Mercosul (em milhares de dólares)


2008 2009 2010 2011 2012
Exportações 2.103.691 1.532.736 2.194.334 2.817.096 3.554.021
Importações 3.822.990 3.036.351 4.149.191 5.167.933 4.778.515
Saldo - 1.719.229 -1.503.615 -1.954.857 -2.350.837 -1.224.494

Saldo Comercial do Uruguai com o Mercosul (em milhares de dólares)


2008 2009 2010 2011 2012
Exportações 1.600.597 1.529.212 2.155.125 2.405.102 2.338.858
Importações 3.919.244 3.129.527 3.110.643 4.168.937 3.917.248
Saldo -2.318.647 -1.600.315 -955.518 -1.763.835 -1.578.390

5. Considerações finais

O poder crescente adquirido pelo mercado financeiro internacional nas últimas três décadas tem
desafiado de forma permanente os bancos centrais em todo mundo, com a única provável exceção do
Fed, banco central norte-americano. Nessa conjuntura a cooperação monetária ganha uma importância
enorme.
Em relação aos países periféricos, a cooperação monetária ganha uma dimensão ainda maior
por se tratar de economias que não emitem moeda conversível, portanto por serem mais propensas ao
efeito contágio de crises financeiras e a excessiva volatilidade da taxa de câmbio. A cooperação
monetária, não necessariamente deve terminar em união monetária. Porém, se o objetivo for o
aprofundamento das relações financeiras é indispensável à adoção de uma unidade de conta, já que
neste caso a relação envolveria a emissão de títulos.
Conforme destacamos, o Sucre ao adotar uma unidade de conta e mecanismos com o objetivo
de reduzir as assimetrias dos países envolvidos transformou-se numa forma de cooperação mais
avançada. Neste caso, não há como deixar de considerar o papel de liderança que Venezuela vem
cumprindo na promoção do sistema. Esse é um papel que evidentemente cabe ao Brasil no caso do
SML do Mercosul.

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Referências
ARAGÃO, José Maria. Los Sistemas de Pagos Latinoamericanos. Integración Latinoamericana, N° 94, 1984.
BARRETO, Pedro. Liderança continua - Iniciativas em busca de nova moeda internacional ainda são tímidas.
Desafios do Desenvolvimento, IPEA, nº53, mar, 2009.
BANCO CENTRAL DEL ECUADOR (BCE) (2012): Resumen de los elementos técnicos de La configuración
del Sistema Unitario de Compensación Regional Sucre. Disponível em: <
http://www.bce.fin.ec/documentos/ServiciosBCentral/SUCRE/sucDoc08.pdf>. Acesso em: 30/01/2013.
CEPAL. El papel de la arquitectura financeira regional frente a las adversidades de la economía internacional,
cap. V. Estudio económico de América Latina y el Caribe. 2012.
CHANG, Roberto. Regional monetary arrangements for developing countries. 2000. Disponível em:
<http://www.g24.org/Workshops/chang.pdf>. Acesso: 02/12/2012.
CONSEJO Monetario Regional del Sistema Unitario de Compensación Regional de Pagos (SUCRE) (2011)
“Informe de Gestión, 2010”. Disponível em: <http://www.sucrealba.org/index.php/cmr/informes-de-gestion-
del-cmr>. Acesso em: 22/01/2013.
CONSEJO Monetario Regional del Sistema Unitario de Compensación Regional de Pagos (SUCRE) (2010).
Sistema Unitario de Compensación Regional de Pagos. Disponível em:
<http://www.bce.fin.ec/documentos/PublicacionesNotas/ComunicacionMedios/Documentos/R2DOC05.pdf
>. Acesso em: 22/01/2013.
FRITZ, Barbara et al (2010). “Regional monetary arrangements for developing countries: a comparative analysis
of regional payments systems”. FMM Conference, October, 29. Disponível em:<http://www.lai.fu-
berlin.de/homepages/fritz/publikationen/Vortraege/Regional_Payment_Systems_fmm291010.pdf>. Acesso
em: 26/01/2013
GONÇALVES, Reinaldo et al. A nova economia internacional: uma perspectiva brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
PUÑAL, Antonio Martínez. “O Acordo Marco da Alba para o Sistema Único de Compensación Rexional de
Pagos (SUCRE): algunhas consideracións.” Tempo exterior nº 19, vol. x (I), 2009.
TRUJILLO, Freddy. Sistema Unitário de Compensación de pagos (sucre) UNCTAD. Multi-Year Expert
Meeting on International Cooperation: South-South Cooperation and Regional Integration. Fourth session.
2012.
UNCTAD. “Regional Monetary Cooperation and Growth-Enhancing Policies: The New Challenges for Latin
America and the Caribbean”. Study prepared by the secretariat of the United Nations Conference on Trade and
Development. UNITED NATIONS, New York and Geneva, 2011.
VADELL, Javier, et al. Integração e desenvolvimento no Mercosul: divergências e convergências nas políticas
econômicas nos governos Lula e Kirchner. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 17, n. 33, 2009.
VEIGA, Pedro da Motta e RÍOS, Sandra. O regionalismo pós-liberal, na América do Sul: origens, iniciativas e dilemas.
División de Comercio Internacional e Integración, CEPAL, Santiago de Chile, 2007.

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A produção de commodities energéticas na América Latina

Manuel Victor Martins de Matos1*

1. Introdução

T
anto em perspectiva histórica, quanto numa análise mais contemporânea do processo de
desenvolvimento econômico latino-americano, as commodities energéticas possuem
importante papel na esfera macroeconômica, assim como nas políticas industriais e de
desenvolvimento regional, tendo em vista o potencial da região em relação ao setor energético. A
dependência das commodities e a abundância de recursos naturais podem ser entendidas como
“maldição” e o modelo de vantagens comparativas pode falhar nestas circunstâncias. Por outro lado,
existem exemplos de resultados positivos derivados de boa governança; e de uma combinação entre
condições naturais, estrutura produtiva, instituições e relações político-econômicas. No contexto da
América do Sul vemos Brasil e Venezuela como principais produtores das commodities energéticas.
Assim, este trabalho objetiva esclarecer alguns conceitos, objetivos, resultados e perspectivas
relacionadas à produção das commodities energéticas na região, tendo em conta as peculiariadades
econômicas, sociais e diplomáticas da região como um todo e principalmente dos países citados.

2. Commodities energéticas e desenvolvimento econômico liderado por recursos naturais

As commodities, segundo Sinott et al (2010), se caracterizam por serem produtos com baixo
processamento industrial e elevado conteúdo de recursos naturais. Em estudo do Banco Mundial (2010,
p.3) são definidas “como produtos comercializados a granel, sem marca, com pouco processamento,
cujas qualidades e características podem ser especificadas objetivamente e que são fornecidas sem
diferenciação qualitativa em certo mercado”. Assim, as commodities energéticas são aquelas que se
destinam à oferta de energia, conforme o conceito acima.
As commodities energéticas apresentam características diferenciadas de outros produtos no que
tange as implicações econômicas, sociais e políticas. Inicialmente, as altas rendas econômicas deixariam
os países suscetíveis à doença holandesa2. Por outro lado, a exploração de recursos minerais exige
investimentos iniciais altos e prazos maiores de retornos incertos, desincentivando investimentos
privados. Outro ponto, é que a maioria dos recursos naturais não é renovável, embora os avanços

1 Mestrando do programa de pós-graduação em Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal


Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Agência Financiadora: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
(FAPERJ).
2 A “Doença Holandesa” seria causada pela valorização da taxa real de câmbio devido à descoberta de recursos naturais

numa determinada região ou país. Estes novos recursos com preço de mercado superior ao custo marginal de produção,
gerariam uma apreciação da taxa de câmbio real, produzindo uma externalidade negativa sobre o setor industrial, segundo
Bresser-Pereira (2008).
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tecnológicos e a movimentação de preços, aumentem suas reservas. Por fim, a exploração se dá


concentrada em localidades específicas trazendo enclaves sobre a propriedade dos recursos.
O conceito de vantagens comparativas de Ricardo ainda é fortemente difundido, tendo sido
expandido por outros autores. A partir deste, se chega à conclusão que o melhor resultado econômico
para um país abundante em recursos naturais é a especialização em commodities e o livre comércio. O
trabalho de Hausmann (2007) apud Reis (2012) retoma o argumento contra a especialização produtiva.
O ponto principal colocado é que a especialização em commodities pelos países periféricos acarretam
menor dinamismo econômico e que é possível alcançar a transformação da estrutura produtiva através
de políticas econômicas específicas.
A comparação do desempenho entre os países que adotaram uma estratégia de
diversificação, os asiáticos, em contraposição àqueles que optaram por retomar o
desenvolvimento com base nas vantagens comparativas estáticas abandonando as
estratégias de industrialização, os latinoamericanos, mostra claramente a superioridade
do desempenho dos primeiros. Nos trinta anos que correspondem ao período da
globalização, entre 1980 e 2010, os países da Ásia em desenvolvimento crescem a uma
taxa cerca de três vezes superior aos da América Latina e este diferencial se mantém
nos anos 2000 a despeito do boom de preços das commodities. (CARNEIRO, 2012;
pp.11)

O Banco Mundial (BM) lembra que a dependência de commodities compromete as perspectivas


de crescimento econômico e isso foi cunhado de “maldição dos recursos naturais”. Sachs e Warner
(1995) apud Sinnott et al (2010) demonstram que o modelo de vantagens comparativas pode falhar no
caso de abundância de recursos naturais e estes são vistos não como uma escolha, mas como
característica intrínseca considerada maldição para o progresso econômico. Por outro lado o órgão
financeiro observa que a literatura recente tem questionado essas afirmações, pois não há como dizer
que os países não cresceram porque são dependentes de commodities. Além disso, entende que talvez
seja incoerente falar em maldição se os resultados negativos se restringem aos que sofrem da má
governança.
A instituição citada coloca que as tendências de produtividade têm sido tão boas para as
commodities quanto para outros setores da atividade produtiva. Além disso, as ligações e externalidades
positivas geradas na produção de commodities tem sido semelhantes à de manufaturas. Vale notar que
no caso das commodities energéticas, estas são menos susceptíveis a variações de preços e atuam como
“plataforma de lançamento” de outros setores.
Autores como Prebisch e Hirschman entendem que a abundância e especialização em recursos
naturais podem ser prejudiciais, dependendo de fatores como: mercado de commodities, intensidade de
efeitos de encadeamento do setor de exportação, aplicação das rendas de recursos naturais. Ao mesmo
tempo, os autores apontam que as rendas advindas são fundamentais para a balança de pagamentos, e
recomendam que as receitas fossem direcionadas para o setor de manufatura doméstico, a fim de
melhorar o padrão de vida nacional e obter progresso técnico.

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Gráfico 1: Índice de Preços Internacionais de Commodities


Energéticas e Petróleo (ano base=2005)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Fundo Monetário Internacional (FMI)

Nesta última década, como visto no gráfico acima, ocorre um ciclo de preços em alta, peculiar
pela duração e abrangência de produtos; com destaque para as commodities energéticas. Isso se explica
pelo deslocamento da produção para áreas de custos mais elevados, progresso técnico, pelo cartel da
Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e produção monopolizada. A OECD
destaca,
[...] como fator básico de aumento de preços as mudanças ocorridas no âmbito da
oferta e, mais precisamente, aos custos crescentes da produção de energia e sua
propagação direta e indireta para as demais commodities. Assim, teríamos o
encarecimento da produção de energéticos, sobretudo petróleo, com o deslocamento
da exploração para áreas com custos mais elevados, com destaque para os campos de
águas profundas. Este aumento de preços torna competitiva a produção de
biocombustíveis que por sua vez disputam terras agricultáveis com os alimentos e
matérias-primas, restringindo a sua produção e pressionando preços. (OECD, 2011
apud CARNEIRO, 2012; pp.21)

3. O cenário energético latino-americano

Até a década de 1940, o setor energético na América Latina operava através de concessões a
empresas estrangeiras em seus sistemas de geração, transporte e distribuição. A partir daí o
desenvolvimento do setor energético na América Latina foi constituído através do modelo europeu que
encarregava às empresas estatais de abastecer a crescente demanda de produtos energéticos. As
empresas públicas de eletricidade, petróleo e de gás estabeleceram planos de negócios, muitas vezes
coordenados pelo Estado, com o objetivo de ofertar os níveis adequados das demandas impulsionadas
pela urbanização e modernização das sociedades.
Conforme Kozulj (2008), durante os anos de 1950 até 1970, as empresas públicas buscaram
manter seus investimentos com apenas rendas geradas a partir de seu fluxo de caixa e com aportes do

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Estado. Nos anos 1980, muitas sofreram com desequilíbrios financeiros e somado a isso, a alta taxa de
juros tornou custoso o crédito para obras de infraestrutura. Paralelo ao processo de reprimarização na
região, que ganhou força nos anos 1990, se produz novamente os regimes de concessões, licenças e
participação das empresas estrangeiras. As reformas econômicas tiveram efeitos na área energética
havendo a criação de marcos regulatório e legislação das atividades. Este último estabeleceu uma
separação entre as atividades de produção de gás, geração de energia elétrica, distribuição e
comercialização de gás e eletricidade.
A comparação da América Latina aos países desenvolvidos com abundância de recursos
naturais, mostra segundo Sinott et al (2010) uma dependência da primeira em relação ao produto,
exportação e arrecadação fiscal nesses recursos devido à baixa diversificação econômica. Carneiro
(2012) cita que a região optou por uma estratégia de rápida abertura e integração que conduziu a uma
re-especialização da estrutura produtiva em setores baseados em recursos naturais.
Conforme o Sinott et al (2010), a produção de commodities energéticas geralmente se associa a
grandes rendas com consideráveis entradas de moeda estrangeira. Porém, caso ocorra concentração das
exportações em poucos produtos, o crescimento econômico em longo prazo tende a reduzir. A doença
holandesa teria relação negativa com o crescimento, mas estudos recentes constataram que a
abundância de commodities ou exerce efeito positivo ou não exerce efeito algum. O que se questiona é
como se aloca com eficiência as rendas, sem que haja fundos desperdiçados. Isso depende da qualidade
institucional do governo podendo variar os retornos sociais dos gastos das receitas.

Gráfico 2: América Latina: Produção de Energia em Ktep

Fonte: International Energy Agency (IEA)

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É importante garantir que o setor energético contribua com todo seu potencial para o
crescimento econômico. A necessidade de grandes investimentos iniciais acaba por direcionar esses
projetos a propriedade pública e existem na região empresas deste tipo dirigidas com eficiência. A
propriedade privada tende a limitar as políticas redistributivas, pois se associa a uma apropriação fiscal
mais baixa do governo. Em geral, as estatizações e privatizações do setor de recursos naturais são
fenômenos cíclicos e se manifestam em ondas que envolvem vários países.
A geração elétrica fica em grande parte com a energia hidrelétrica e o gás. Na indústria e nas
residências, o consumo de energia fica dividido entre biocombustíveis, derivados de petróleo, gás e
eletricidade. No transporte os biocombustíveis já detém maior parte que o gás.

Tabela 1: América Latina: Balanço dos Principais


Produtos Energéticos em ktep (2009)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da IEA

O balanço energético da região segundo Hernández-Barbarito (2009) conta com alta


disponibilidade de recursos energéticos para alcançar a autossuficiência. O padrão de consumo
privilegia o petróleo e em seguida a hidroeletricidade, com o gás em terceiro lugar. O petróleo é
produzido fundamentalmente por Venezuela, México, Equador, Argentina, Brasil e Colômbia. Quanto
ao gás se destaca Venezuela, Argentina e Bolívia. O carvão e a energia nuclear apresenta importância,
mas a última se encontra apenas no Brasil e Argentina.
A América Central e do Sul juntas apresentam baixa produção de petróleo em relação às demais
regiões do mundo, porém no que tange as reservas provadas, esta região apresenta significativa
importância perdendo apenas para o Oriente Médio. A Venezuela detém a maior produção e as maiores
reservas na região, mas as descobertas brasileiras e a tendência do aumento da produção no país, desde

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2003, aproximam os valores de ambos na produção petrolífera. Por outro lado, a Argentina perdeu a
posição de terceira maior produtora para a Colômbia a partir de 2010. Cabe destacar que o México,
também considerado um país latino americano, apresenta produção semelhante a da Venezuela.

Gráfico 3: Produção de Petróleo (mil barris/dia)

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da BP Statistical Review of World Energy 2013

A América Latina possui alguns pontos positivos na área energética. Dentre eles, o controle de
certa capacidade tecnológica, boa capacidade de investimento, experiência de intercâmbio energético
via acordos de cooperação e gasodutos, interesse dos governos em superar as limitações do setor e a
coordenação e estudos da Organização Latino-Americana de Energia (Olade).
Segundo Hernández-Barbarito (2009), o panorama presente condicionou a integração regional
em busca de melhores condições e satisfação da demanda regional. A Aliança Bolivariana para as
Américas (Alba) destaca a solidariedade social e complementariedade econômica para alcançar a
segurança alimentar e energética em moldes justos, além de investimentos em infraestrutura na região.
Além disso, existe a tentativa de independência financeira com o Banco do Sul e Banco da Alba
substituindo o FMI e o BM. A proposta de integração energética partiu da Venezuela e desde 2005 vem
avançando.
Kozulj (2008) alerta que a integração se faz mais necessária, mas também é incerta frente às
várias opções e variações que estão sendo analisadas. A entrada das reservas da Venezuela no cenário
do abastecimento da região pode ser o mais conveniente com o cenário mundial incerto e complexo. A
construção do gasoduto latino americano equilibraria o balanço energético da região assegurando gás
em longo prazo. Mas a questão é se o Brasil aceitará isso e se os EUA permitirão a liderança do
governo Venezuelano. O balanço energético da região mostra a disponibilidade de recursos para a
autossuficiência dos países.

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A tendência ao consumo e produção de biocombustíveis a partir da legislação ambiental


mundial, tem levado a utilização de terras para a produção de insumos energéticos como cana de
açúcar, soja e milho. A América Latina busca ser propulsora neste setor, com políticas para aumentar a
produção e incrementar a demanda interna. Isso se faz por meio da obrigatoriedade da mistura gradual
de etanol à gasolina e de biodiesel ao diesel. Essa decisão passa pela tentativa de reduzir a dependência
dos combustíveis fósseis e a redução da poluição local. Porém, conforme Kozulj (2008), as vantagens
ambientais devem ser pagas pelos pobres, pois a demanda tem levado os preços de terras e alimentos a
subirem.

4. A estrutura produtiva e as commodities energéticas no Brasil e na Venezuela

Quanto ao caso brasileiro, no período pós 1980, a variação da renda devido aos programas de
estabilização e redução da inflação, gerou aumentos na demanda. A crise da dívida que assolou o
continente abriu caminho para os experimentos liberais a partir de três vetores segundo Carneiro
(2008): a abertura comercial, a abertura financeira e redução da pobreza. Neste contexto, Coutinho
(1997) apud Carneiro (2008) coloca que o impacto da abertura posta e da apreciação da moeda levou a
uma especialização regressiva da indústria, com queda da participação no PIB e redução do peso de
setores intensivos em tecnologia. Palma (2005) sugere para o caso brasileiro, uma forma particular de
doença holandesa3, onde o setor de serviços tende a ganhar maior peso.
Após 1999, indústrias importantes estagnaram como transformação e construção civil. A
melhora deve-se a segmentos como telecomunicações e indústria extrativa. Carneiro (2008) observa que
de 1996 a 2006 o único segmento que conseguiu adensar as cadeias produtivas foi o de recursos
naturais, explicada pelo crescimento do segmento de Petróleo. Quanto à indústria intensiva em
tecnologia ocorre perda de relevância. Segmento de notória especialização e importância é a indústria
intensiva em escala4, isso devido à produção das chamadas commodities industriais baseadas em
recursos naturais.
A inserção externa da indústria brasileira confirma o padrão de especialização, uma pauta
exportadora concentrada em commodities. Porém, segundo Vidal (2008), as exportações têm crescido e
há saldo comercial positivo, com aumento em recursos naturais e algumas manufatureiras. O
crescimento e diversificação das exportações é uma realidade única na região, devido as transnacionais
com matriz no Brasil.

3 Conforme o autor, a doença holandesa teria sido causada pela mudança súbita do regime de política econômica. Não
sendo originada pela descoberta de recursos naturais ou pelo desenvolvimento do setor de exportação de serviços. Além
disso, as políticas neoliberais levaram a um cenário de re-especialização da estrutura produtiva e reprimarização.
4 Apresenta ampla economia de escala de processo, learning e organizacionais, bem como uma elevada complexidade nas

atividades de engenharia. Destaque para segmentos como: metalurgia, papel, petroquímica e material de transporte.

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Segundo a Fiesp (2010), o Brasil, é o décimo maior consumidor mundial de energia sendo o
maior produtor e demandante da região. As novas descobertas na camada pré-sal, permitirão que o país
se torne um exportador líquido.
O desenvolvimento do setor energético e da economia do país esteve atrelado à Petrobrás. Esta
apresenta influência internacional, buscando liderar o setor energético na região, com notória evolução
em inovações e detenção de alta tecnologia na produção de energias tradicionais e em energias
renováveis.
Em 2011, José Gabrielli5, em reunião sobre o setor de petróleo e gás na Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) apresentou suas perspectivas para o setor energético, dizendo que
nos próximos anos a demanda aumentará mais que a mundial e será puxada pelos países emergentes.
Completou mostrando boas perspectivas em razão das descobertas, e que resta como solução para a
Petrobrás, construir novas refinarias. A infraestrutura energética alcançou boas taxas de investimento se
comparadas aos demais setores. Porém, a divisão das rendas petrolíferas6 com os governos
subnacionais tem causado discussões.

Gráfico 4: Brasil: Produção de Energia em Ktep

Fonte: IEA

5 PhD em economia pela Boston University e presidente da Petrobrás entre 2005 e 2012.
6 Conforme Caselli e Michaels (2009) apud Sinnott et al (2010), “aumentos nas receitas municipais, oriundas da exploração
do petróleo, e o crescimento das despesas não foram acompanhados por melhoria correspondente no fornecimento de
bens e serviços públicos”. Outros pesquisadores encontraram evidências de que as grandes transferências para os
municípios brasileiros elevaram o grau de corrupção política. Essa seria mais uma “maldição”, porém Perry e Oliveira
(2009) apud Sinnott et al (2010) advertem que os efeitos negativos são evitáveis dependendo de qualidade institucional,
capacidade administrativa e políticas públicas.

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O consumo de gás natural foi mais da metade importado da Bolívia, mas especialistas indicam
reservas gigantescas e com isso a oferta pode aumentar. É prevista a autossuficiência do produto dentro
de alguns anos. Nas exportações, destacam-se biocombustíveis, petróleo e seus derivados. A geração
elétrica se concentra em hidrelétricas.
Os biocombustíveis possuem grande participação, com destaque em setores como indústria e
transportes. O Brasil é líder no cenário internacional de biocombustíveis, sendo o maior exportador e
segundo maior produtor mundial de etanol conforme Fiesp (2010). A experiência da utilização de
etanol remonta da década de 1970 com o Pró-Álcool.

Tabela 2: Brasil: Balanço dos Principais


Produtos Energéticos em ktep (2009)
Derivados de
Petróleo Gás Natural Nuclear Hidrelétrica Biocombustível Eletricidade Total
Petróleo
Produção 103862 0 9880 3377 33625 76701 0 230307
Importação 19347 13358 7115 0 0 1 3532 52427
Exportação -27118 -7852 0 0 0 -1715 -93 -36778
Oferta Total de Energia Primária 94979 247 16995 3377 33625 75898 3439 240162
Plantas de eletricidade 0 -3200 -2499 -3377 -33625 -4223 40116 -9643
Refinarias de Petróleo -96590 95899 0 0 0 0 0 -691
Uso Próprio na Indústria Energética 0 -4930 -4841 0 0 -12543 -1613 -24338
Consumo Final por setor 0 85661 9589 0 0 55306 35025 190786
Indústria 0 12215 6777 0 0 31462 16020 71135
Transporte 0 47542 1754 0 0 13156 137 62588
Residencial 0 6123 226 0 0 8111 8753 23213
Comercial e Serviços Públicos 0 872 169 0 0 158 8688 9888
Agricultura 0 5606 2 0 0 2418 1428 9453

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da IEA

A Venezuela obteve resultados expressivos em termos de crescimento econômico, porém com


as reformas neoliberais estiveram abaixo da média regional. Baruco (2011) destaca que o principal setor
econômico é o petroleiro, com grande produção. Além disso, o país possui um desenvolvimento
industrial e agrícola prematuro. O governo possibilitou que os problemas gerados pelo petróleo na
economia e sociedade fossem convertidos num meio de diversificar e crescer melhorando o padrão de
vida da sociedade.
Desta forma, o controle sobre os recursos do petróleo pelo Estado é indispensável para as
transformações requeridas. Este projeto encontra-se na Constituição de 1999, em leis como a dos
hidrocarbonetos e do Banco Central da Venezuela (BCV) e documentos oficiais. Destacam-se
elementos como a centralidade do Estado, na orientação e regulação da atividade econômica, na
reforma petrolífera, no incentivo de economia social e democracia participativa. Quanto à diversificação
produtiva, os objetivos são avançar na soberania nacional e reduzir a dependência do petróleo.

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Vidal (2008) sugere que as exportações tendem a crescer com os altos preços do petróleo, o
aumento das reservas e sua boa capacidade de produção. O saldo da conta corrente é positivo e
equivale a mais de 10% do PIB, desde 2003, mesmo com o crescimento das importações. Em 2005, o
governo anunciou que as empresas onde operavam convênios deveriam transformar-se em mistas.
Baruco (2011) nota a participação do petróleo do setor público nas exportações totais que passaram de
78,3% em 1999 para 94,7% em 2010.
O país é o maior produtor e exportador de petróleo da região e pertence a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Como Furtado analisou, a sobrevalorização da moeda
constitui um mecanismo de distribuição dos benefícios da alta produtividade do setor petroleiro e a
forma como o governo participa dos lucros da indústria petrolífera é o fator dinâmico da economia
venezuelana.
Tabela 3: Venezuela: Balanço dos Principais
Produtos Energéticos em ktep (2009)
Derivados de
Carvão Petróleo Gás Natural Hidrelétrica Biocombustível Eletricidade Total
Petróleo
Produção 6418 168164 0 20680 7728 541 0 203531
Importação 0 0 0 1717 0 0 22 1739
Exportação -6188 -90364 -34354 0 0 0 -54 -130960
Oferta Total de Energia Primária 52 68717 -32504 22397 7728 541 -32 66898
Plantas de eletricidade 0 0 -4338 -4703 -7728 0 10616 -6152
Refinarias de Petróleo 0 -62287 60959 0 0 0 0 -1328
Uso Próprio na Indústria Energética 0 0 -6280 -4567 0 0 -266 -11114
Consumo Final por setor 52 0 25313 12035 0 525 6955 44879
Indústria 52 0 5403 10529 0 331 3067 19382
Transporte 0 0 17759 10 0 0 25 17794
Residencial 0 0 1496 1151 0 194 1980 4821
Comercial e Serviços Públicos 0 0 17 345 0 0 1843 2205
Agricultura 0 0 0 0 0 0 39 39
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da IEA

Conforme Kozulj (2008), o setor petroleiro conviveu com concessões de exploração a empresas
estrangeiras, mas houve a nacionalização e mudanças de legislação a partir da primeira crise petroleira
mundial. A presença estatal acabou por promover as reservas dos recursos petroleiros. O consumo de
energia aumenta gradativamente para suprir a demanda interna advinda dos setores que se encontram
em crescimento. O país cresceu entre 2003 e 2008 em média 7%, mostrando o impacto positivo das
exportações de petróleo e destas no mercado interno.

5. Conclusão

A doença holandesa teria relação negativa com o crescimento, mas estudos recentes
constataram que a abundância de commodities ou exerce efeito positivo ou não exerce efeito algum. O

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que se questiona é como se aloca com eficiência as rendas, sem que haja fundos desperdiçados. Isso
depende da qualidade institucional do governo, podendo haver variações dos retornos sociais com os
gastos. O balanço energético da região mostra a disponibilidade de recursos para a autossuficiência dos
países. A região possui o controle de certa capacidade tecnológica, capacidade de investimento,
experiência de intercâmbio energético e interesse dos governos. A integração energética deve focar na
luta contra a pobreza, na criação de empregos produtivos e construção de um desenvolvimento
sustentável. Assim as perspectivas são positivas quanto às commodities, com boas tendências de
produtividade tanto quanto se comparado a outros setores. Além de gerar externalidades positivas na
produção, semelhantes ao setor de manufaturas.

Referências
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hegemônica. Tese de doutorado, UERJ, 2011
BP. Statistical Review of World Energy. Acesso a www.bp.com/statisticalreview disponível em 30/07/2013. Junho
de 2013.
BRESSER-PEREIRA, L.C. “The Dutch Disease and Its Neutralization: a Ricardian Approach”, Revista de
Economia Política, Vol. 28, N.1, 2008.
CARNEIRO, R. Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América Latina. Cepal, 2012
CARNEIRO, R. Impasses do desenvolvimento brasileiro: A questão produtiva. Texto para discussão. IE/UNICANP, nº
153, novembro 2008.
FIESP. Panorama Energético das Américas e Caribe, 2010
FIRJAN. Carta da Indústria. 3 a 16 março/2011; 16 a 22 junho/2011.
FURTADO, C. Ensaios sobre a Venezuela: Subdesenvolvimento com abundância de divisas. Rio de Janeiro: Centro Celso
Furtado/Contraponto, 2008.
HERNANDÉZ-BARBARITO, M. La Integración Energética de América Latina y el Caribe. Revista DEP,
número 9, 2009.
IEA. Acesso a www.iea.org disponível em 15/02/2013
KOZULJ, R. Transformaciones del Sector Energético. In: CORREA, E.; DÉNIZ, J.; PALAZUELOS, A.
América Latina y Desarrollo Económico: Estructura, inserción externa y sociedad. Madrid: Akal, 2008.
MATOS, M.V.M. A produção de commodities energéticas e a estrutura produtiva na América Latina entre 1990
e 2010. Nova Iguaçu, 2012. Monografia (Graduação em Ciências econômicas). Instituto Multidisciplinar, UFRRJ.
PALMA, G. Quatro fontes de “Desindustrialização” e um novo conceito de “Doença Holandesa”. Trabalho apresentado na
Conferência de Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento organizada pela FIESP e IEDI, Centro
Cultural da FIESP, 2005
REIS, C. F. B. Desenvolvimento Econômico Liderado por Recursos Naturais: Uma Discussão Teórica e Crítica. Informações
FIPE, 2012
SINNOTT, E; NASH, J; DE LA TORRE, A. Recursos Naturais na América Latina: Indo além das altas e baixas.
Washington, Banco Mundial, 2010.
VIDAL, G. Estructura Produtiva, Características, Tendencias y Nuevo Papel del Estado. In: CORREA, E.;
DÉNIZ, J.; PALAZUELOS, A. América Latina y Desarrollo Económico: Estructura, inserción externa y sociedad. Madrid:
Akal, 2008

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Cooperação técnica internacional no âmbito do
Mercosul: o que mudou com a aprovação das
“Diretrizes da Política de Cooperação
Internacional do Mercosul”?

Michelle Silva Santos1


Andréa Freire de Lucena2

1. Introdução

O
Mercado Comum do Sul, ou Mercosul, foi constituído por meio do Tratado de Assunção,
em 26 de março de 1991, formado inicialmente por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Sua instituição veio de encontro às demandas de ampliação dos mercados dos Estados
Partes, a partir do entendimento de que a integração poderia lograr a tais países melhor inserção
internacional. Hoje, o bloco já conta com a incorporação da Venezuela, da Bolívia (em fase de adesão)
e com a associação de outros países como Chile, Colômbia, Peru, Equador, Guiana e Suriname
(MERCOSUL, 2013a).
Além dos objetivos descritos no Tratado de Assunção diretamente relacionados ao propósito de
dinamizar a economia dos países da região, a necessidade de promoção do desenvolvimento científico e
tecnológico e da modernização das economias dos países do bloco também foi descrito como um dos
objetivos do Mercosul (MERCOSUL, 1991a).
A integração pode ser considerada como uma forma de cooperação entre Estados, sendo mais
complexa e ampla do que a cooperação internacional, uma vez que pode resultar em novas unidades
políticas. Assim, abandonar um processo de integração pode gerar altos custos para os governos, em
especial quando o processo já gerou um alto grau de interação entre os atores envolvidos (MARIANO,
2007).
Para Keohane (1984), a cooperação internacional é um processo de coordenação de políticas
por meio da qual os atores ajustam seu comportamento às preferências reais ou esperadas dos outros
atores. De modo mais específico, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
define cooperação internacional como um mecanismo por meio do qual um país ou uma instituição
pode promover o intercâmbio de experiência e de conhecimento técnico, científico, tecnológico e
cultural. Tal cooperação se daria por meio da implantação de programas e projetos em parceria com
outros países ou instituições (ANVISA, 2013).

1Mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: santosmichelle1784@gmail.com
2 Doutora em Relações Internacionais (política internacional comparada) pela Universidade de Brasília. Professora da
graduação em Ciências Econômicas e do mestrado em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás (UFG). Atua nas
seguintes linhas de pesquisa: regime e política comercial, avaliação de políticas públicas. E-mail: andrealucena@face.ufg.br
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 304

Enquanto isso, cooperação técnica, de acordo com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC),
é operacionalizada por meio de programas que permitam transferir ou compartilhar conhecimentos,
experiências e boas práticas. Tal compartilhamento se daria por meio do desenvolvimento das
capacidades humanas e institucionais a fim de promover benefícios duradouros (ABC, 2013a).

2. A Cooperação Técnica Internacional no Mercosul antes da aprovação da Política de


Cooperação Internacional do Mercosul
A formalização da política de cooperação do Mercosul envolveu normativas referentes à
organização administrativa e a condução de ações. Nesse sentido, a cooperação internacional começou
a ser conduzida como ação coordenada no bloco, a partir da aprovação, pelo Conselho do Mercado
Comum (CMC), da decisão de número 10/91, aprovado em 17 de dezembro de 1991. Conforme o
artigo 10 do Tratado de Assunção, o CMC é o órgão superior do Mercosul responsável pela condução
da política e do processo de integração. Integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e Ministros
da Economia dos Estados Partes, o CMC se comunica por meio de decisões, que são obrigatórias aos
Estados Partes. (MERCOSUL, 1991b).
A decisão 10/91 foi aprovada considerando a importância da Cooperação Técnica Internacional
prestada a processos de integração regional, diante da vontade manifestada por organismos
internacionais de colaborar com o desenvolvimento do Mercosul e por conta dos já iniciados
requerimentos ofertando ajuda, oferecidos por diferentes organismos internacionais. Assim, a
coordenação de ações visava alcançar o aproveitamento dos recursos que poderiam ser obtidos por
meio da cooperação técnica. A expectativa era que tal ordenamento contribuísse com a organização
interna dos Estados Partes e com a relação entre o Mercosul e os organismos que se dispusessem a
prestar ajudas (MERCOSUL,1991b).
Antes da aprovação da decisão 10/91 a aprovação de ofertas de cooperação internacional era de
responsabilidade do CMC. Com a aprovação da decisão 10/91, o Grupo Mercado Comum (GMC)
passou a ser o responsável pela aprovação das iniciativas de cooperação técnica destinadas ao apoio do
Mercosul. O GMC, conforme dispõe o artigo 13 do Tratado de Assunção, é o órgão executivo do
bloco coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores dos Estados Partes (MERCOSUL, 1991b).
Em 02 outubro de 1992 foi aprovada a resolução 26/92. Nela, o Grupo Mercado Comum
constituiu o Comitê de Cooperação Técnica do Grupo Mercado Comum (CCT/GMC), em caráter
permanente. Tal comitê foi criado a fim de guiar, por meio da orientação do GMC, as ações de seleção,
aprovação e implantação de projetos de cooperação técnica internacional de apoio ao bloco. Este
deveria ser constituído por três membros de cada um dos Estados Partes. O comitê, subordinado ao
Grupo Mercado Comum, teria por função examinar os projetos e as iniciativas de cooperação técnica
relacionadas aos organismos governamentais e intergovernamentais (MERCOSUL, 1992).

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 305

Em 1997, a resolução n° 77/97 determinou as atribuições e procedimentos básicos do Comitê


de Cooperação Técnica. Ela foi aprovada a fim de levar adiante as ações coordenadas de Cooperação
Técnica no Mercosul, e de identificar, selecionar, aprovar, implementar e dar seguimento aos
programas, projetos e atividades de cooperação técnica do bloco. Considerou-se, também, que seria
conveniente canalizar todas essas ações no comitê. Além disso, reconheceu-se a necessidade de serem
estabelecidas regras quanto às competências do comitê e quanto aos procedimentos que deveriam ser
adotados, uma vez que o documento considerou que as demandas por cooperação técnica haviam
aumentado (MERCOSUL, 1997).
Assim, determinou-se que ao Comitê de Cooperação Técnica (CCT) seriam atribuídas as tarefas
de selecionar, aprovar e dar seguimento as ações de cooperação técnica do Mercosul com países fora do
bloco, associações regionais e organismos internacionais. Ao comitê também foram atribuídos às
tarefas de identificar, negociar e implementar tais iniciativas. A resolução 77/97 foi a primeira no
âmbito do Mercosul que trouxe algo próximo a uma definição do que o bloco estava considerando
como Cooperação Técnica Internacional, que foi descrita como ações de transferência, incorporação e
desenvolvimento de conhecimentos específicos e meios necessários para este fim. Essa resolução
também estabeleceu como parâmetro para a avaliação de propostas de cooperação técnica a priorização
de projetos que contribuam para o avanço do processo de consolidação do Mercosul e com o
relacionamento externo do bloco (MERCOSUL,1997).
Em 05 de dezembro de 2001, o Grupo do Mercado Comum aprovou a resolução n° 47/01, de
Avaliação de Projetos de Cooperação Técnica no Mercosul. Tal aprovação foi motivada pela
necessidade de avaliar os projetos de cooperação técnica já finalizados e em execução. Tal avaliação
poderia servir para aperfeiçoar a alocação dos recursos destinados a estes processos, considerados
como apoiadores do processo de integração. Os resultados seriam submetidos à análise do Grupo do
Mercado Comum (MERCOSUL, 2001).
A resolução aprovou formulários que seriam utilizados pelo Comitê de Cooperação Técnica
como instrumentos para a avaliação dos projetos. A avaliação deveria ser realizada por meio do contato
com diferentes âmbitos institucionais que fossem beneficiários dos processos de cooperação em
questão. Os resultados seriam levados ao GMC, pelo menos uma vez por ano, a fim de que o grupo
pudesse avaliar os avanços da cooperação (MERCOSUL, 1991).
Em 25 de novembro de 2005, o Grupo do Mercado Comum aprovou, por meio da resolução N
57/5, o Regulamento do Comitê de Cooperação Técnica e Procedimentos para a Cooperação no
Mercosul. Sua aprovação veio de encontro à necessidade de ordenar os procedimentos para a avaliação
e aprovação das iniciativas de cooperação técnica do bloco e de criar um mecanismo capaz de
estruturar as iniciativas de cooperação dos organismos doadores e as demandas do Mercosul
(MERCOSUL, 2005).

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O regulamento reafirmou a competência do Comitê de Cooperação Técnica (CCT), de tratar


de todas as questões relativas à cooperação técnica do bloco, e discriminou de modo detalhado as suas
atribuições. De acordo com o Art. 6 desta resolução, as propostas de cooperação recebidas pelo CCT
deveriam estar direcionadas a promover conhecimentos, recursos humanos e/ou financeiros que
pudessem fomentar a capacidade técnica, administrativa e tecnológica dos países do bloco, a fim de
fortalecer o processo de integração. Para tanto, conforme o Art. 9, as propostas deveriam estar de
acordo com as modalidades de capacitação, fortalecimento institucional, transmissão de conhecimentos
e tecnologias, estudos e diagnósticos sobre aspectos pontuais e realização de foros de discussão de
debate (MERCOSUL, 2005).

3. A Política de Cooperação Internacional do Mercosul

Aprovada pelo CMC em 29 de junho de 2012, a Política de Cooperação Internacional do


Mercosul foi formulada com o objetivo de atualizar as orientações sobre Cooperação Técnica
Internacional no âmbito do bloco, no que tange a seus princípios, objetivos e modalidades. Para tanto,
foram compiladas no documento, as novas “Diretrizes da Política de Cooperação Internacional do
Mercosul” (MERCOSUL, 2012a).
Além dos objetivos descritos nas normativas anteriores, relacionados ao apoio ao
desenvolvimento do processo de integração do bloco e fortalecimento de seus órgãos da estrutura
institucional, as novas diretrizes avançaram em outras direções. Nela, a cooperação no Mercosul deve
também buscar a promoção e o desenvolvimento de terceiros países e de outros processos de
integração. Além disso, deve buscar também aprofundar o relacionamento externo do Mercosul por
meio de parcerias de cooperação horizontal e triangular (MERCOSUL, 2012a).
As novas diretrizes também inovaram ao descrever o entendimento do Mercosul a respeito das
modalidades de cooperação. Cooperação recebida é descrita como aquela na qual Mercosul seja
beneficiário. Tais projetos poderiam ser estabelecidos com Organismos Internacionais, Associações
Regionais e países extrazona. Esse tipo de cooperação deverá fortalecer o processo de integração,
conforme as prioridades do bloco (MERCOSUL, 2012a).
A cooperação horizontal é compreendida como as parcerias de cooperação estabelecidas entre o
Mercosul e outros países ou processos de integração. Neste tipo de parceria, o Mercosul poderia fazer
uso de seus conhecimentos e capacidades técnicas, colocando-os a disposição de seus parceiros. A
cooperação triangular diz respeito aos processos de cooperação horizontal estabelecidos entre o
Mercosul em associação com terceiros países, organismos internacionais ou regionais. Este tipo de
cooperação visaria contribuir com a racionalização dos custos da cooperação, com a coordenação dos
atores e com a ampliação do alcance de seus resultados (MERCOSUL, 2012a).
Enquanto isso, a cooperação intra-Mercosul diz respeito às parcerias estabelecidas entre os
Estados Partes que tenham por objetivo fortalecer o processo de integração do bloco. Por fim, há a
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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 307

descrição da cooperação entre agências e órgãos de cooperação dos Estados Partes. Esta pode servir
para a aproximação dos Estados Partes em matéria de cooperação, por meio do intercâmbio de
informações e do aprofundamento das relações de cooperação. Ademais, a referida aproximação pode
contribuir com a definição dos mecanismos comuns de cooperação entre os estados, e com o
planejamento, monitoramento e avaliação das iniciativas de cooperação do bloco em todas as suas
modalidades (MERCOSUL, 2012a).
Além da definição das modalidades de cooperação, as novas diretrizes trouxeram o
entendimento do bloco acerca dos princípios que devem nortear os processos de cooperação. Os
princípios gerais estabeleceram que a cooperação deve ser utilizada como instrumento para aprofundar
as relações externas do Mercosul, que os mecanismos de prestação de contas da cooperação devem ser
aperfeiçoados, pois a transparência deve ser compreendida como um elemento fundamental na política
de cooperação do bloco, e, por fim, que os projetos devem ser geridos de modo a alcançar os objetivos
definidos em seu planejamento (MERCOSUL, 2012a).
Também foram definidos princípios para nortear a cooperação recebida pelo bloco. Assim, a
cooperação recebida deve ser definida pelo Mercosul, ou seja, é o bloco quem deve identificar suas
próprias necessidades, deve contribuir para o processo de integração e deve estar de acordo com os
interesses do bloco. A destinação de recursos deve dar prioridade à formação de atores locais, a fim de
fortalecer as capacidades institucionais do bloco, e o envio dos recursos deve ser otimizado, reduzindo
custos desnecessários e aumentando o alcance dos resultados da cooperação (MERCOSUL, 2012a).
Em consonância com a inclusão inédita de objetivos relacionados à promoção e ao
desenvolvimento de terceiros países e de outros processos de integração, foram descritos, nas diretrizes,
os princípios da cooperação oferecida pelo Mercosul. Assim, a cooperação prestada pelo bloco deverá
ser pautada pelos princípios de: Solidariedade, em especial no relacionamento com países em
desenvolvimento; Horizontalidade, devendo a cooperação ser estabelecida de forma voluntária por
ambas as partes; Consenso, a execução da cooperação deve ser de comum acordo entre as partes;
Equidade, uma vez que os benefícios da cooperação devem ser distribuídos de forma equitativa entre
todos os participantes, e os custos, por sua vez, devem ser assumidos conforme a possibilidades de
cada parceiro (MERCOSUL, 2012a).
Na mesma data da aprovação da “Política de Cooperação Internacional do Mercosul”, o CMC
aprovou a decisão n° 10/12, que instituiu o Grupo de Cooperação Internacional (GCI), formado por
um coordenador titular e um alterno designados por cada Estado Parte. Ele foi criado considerando a
conveniência da existência de um único órgão que centralizasse as ações de cooperação do bloco e o
interesse de ampliar o papel do Mercosul como um ator envolvido em ações de cooperação horizontal
(MERCOSUL, 2012b).
O GCI passou a ser o único órgão competente para tratar toda a cooperação técnica do bloco,
tornando o Comitê de Cooperação Técnica inexistente. O GCI foi encarregado de aplicar e atualizar a

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Política de Cooperação do Mercosul e contaria com o apoio da Unidade Técnica de Cooperação


Internacional (UTCI), que foi criada pelo GMC por meio da resolução n° 37/12, de 18 de outubro de
2012 (Mercosul, 2012b). Funcionando no âmbito da Secretaria do Mercosul e financiada pelo
orçamento da secretaria, a UTCI tem por principal função apoiar o Grupo de Cooperação
Internacional no acompanhamento dos projetos de cooperação técnica e nas demais atividades que o
GCI julgar necessárias (MERCOSUL, 2012c).

4. Considerações finais

Após empreender uma análise dos principais documentos relacionados à cooperação


internacional anteriores a aprovação da “Política de Cooperação Internacional do Mercosul” e realizar
uma comparação entre eles, podemos, enfim, efetuar algumas considerações. Desde que a cooperação
começou a ser conduzida como ação coordenada a partir da aprovação da decisão n° 10/91, falava-se
apenas em cooperação recebida. A cooperação técnica era compreendida como aquilo que outros
países, blocos e organismos poderiam oferecer ao Mercosul. A expectativa era de que a cooperação
recebida pudesse contribuir com a organização interna dos Estados Parte e com a relação entre o
Mercosul e os organismos que se dispusessem a prestar ajudas.
A primeira definição de Cooperação Técnica Internacional dada por uma resolução do
Mercosul foi feita em 1997, pela resolução n° 77/97. Nela, a Cooperação Técnica Internacional foi
descrita como ações de transferência, incorporação e desenvolvimento de conhecimentos específicos e
meios necessários para este fim. A mesma resolução estabeleceu que as propostas de cooperação
técnica deveriam contribuir para o avanço do processo de integração do Mercosul e para o
relacionamento externo do bloco. Mais uma vez, foi levada em conta apenas a cooperação que poderia
ser recebida pelo bloco, sempre com o propósito de promoção do avanço do processo de integração.
Em 2005, a resolução n° 57/05 discriminou de modo mais detalhado os objetivos da
cooperação recebida pelo Mercosul, se comparado aos documentos anteriores. A cooperação deveria
promover conhecimentos, recursos humanos e/ou financeiros que pudessem fomentar a capacidade
técnica, administrativa e tecnológica dos países do bloco, a fim de fortalecer o processo de integração.
A aprovação da “Política de Cooperação Internacional do Mercosul”, em 2012, trouxe, pela
primeira vez, a descrição de algo além da cooperação recebida. Neste documento, o Mercosul passou a
considerar também modalidades de cooperação horizontal, triangular, intra-Mercosul e entre agências e
órgãos de cooperação dos Estados Partes. O documento também definiu o entendimento do bloco
sobre cada uma das modalidades de cooperação e quais os princípios que deveriam norteá-las.
A análise dos documentos também nos permite realizar considerações acerca da
responsabilidade dos processos de cooperação, dentro do Mercosul. A aprovação das ofertas de
cooperação era feita pelo CMC até que a decisão 10/91 definiu o GMC como novo responsável pela
aprovação das iniciativas de cooperação. Por meio da resolução 26/92, o GMC constituiu o Comitê de
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Cooperação Técnica (CCT), que a partir de então guiaria as ações de cooperação do bloco, sob as
orientações do GMC. A resolução 77/97, cuja aprovação foi justificada devido ao aumento das
demandas de cooperação técnica, estabeleceu as regras para a ação do comitê e os procedimentos que
ele deveria adotar, atualizados pela resolução 57/05.
Relacionadas à aprovação das novas diretrizes, também existiram outras normativas que
alteraram a ordem das responsabilidades pela cooperação técnica do bloco. Por meio da decisão n°
10/12 foi criado o Grupo de Cooperação Internacional (GCI), com o objetivo de centralizar as ações
de cooperação internacional. Com sua criação, foi extinto o Comitê de Cooperação Internacional, que
havia sido criado pela resolução 26/92. A resolução 37/12 criou a Unidade Técnica e Cooperação
Internacional (UTCI), como auxiliar do GCI.
Ainda que as diretrizes tenham incluído as modalidades de cooperação horizontal, triangular e
intra-Mercosul, no que se refere à cooperação horizontal, o bloco ainda não firmou nenhum acordo
para prestar cooperação a outros países ou processos de integração. Enquanto isso, as modalidades de
cooperação triangular e intra-Mercosul já tiveram convênios firmados mesmo antes da aprovação das
novas diretrizes (ABC, 2013b). Assim, vê-se que as novas diretrizes vieram normatizar e atualizar
processos de cooperação já existentes e, ao mesmo tempo, promover o ordenamento inicial para
possíveis acordos de cooperação horizontal.

Referências

ABC 2013a. Conceito. Disponível em: <http://www.abc.gov.br/CooperacaoTecnica/Conceito>. Acesso em: 08


set. 2013.
ABC 2013b. A cooperação técnica do âmbito do MERCOSUL. Disponível em:
<http://www.abc.gov.br/Projetos/CooperacaoSulSul/Mercosul>. Acesso em: 20 set. 2013.
ANVISA 2013. Cooperação Internacional. Disponível em:
<http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Agencia/Assunto+de+Interesse/Relacoes+
Internacionais/Cooperacao+Internacional>. Acesso em: 05 set. 2013.
KEOHANE, O. After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Economy. New Jersey: Princeton
University Press, 1984.
MARIANO, Karina. Globalização, Integração e o Estado. Lua Nova, [online], n. 71, p. 123- 168, 2007.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
64452007000200005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 08 set. 2013.
MERCOSUL 2013a. Quem Somos. Disponível em: <http://www.mercosur.int/
t_generic.jsp?contentid=3862&site=1&channel=secretaria&seccion=3>. Acesso em: 05 set. 2013.
_______. 1991a. Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991. Disponível
em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaAdpf101/anexo/Tratado_de_Assuncao..pdf
>. Acesso em: 11 set. 2013.
_______. 1991b. Decisão do Conselho Mercado Comum n° 10/91, de 17 de dezembro de 1991. Disponível em: <
www.sice.oas.org/trade/mrcsrs/decisions/dec1091p.asp>. Acesso em: 12 set. 2013.
_______. 1992. Resolução do Grupo Mercado Comum n° 26/92, de 02 de outubro de 1992. Disponível em:
<http://www.mercosur.int/innovaportal/v/3101/1/secretaria/resoluciones_1992>. Acesso em: 11 set. 2013.
_______. 1997. Resolução do Grupo Mercado Comum n° 77/97. Disponível em: <
http://www2.uol.com.br/actasoft/actamercosul/espanhol/res_77_97.htm>. Acesso em: 11 set. 2013.

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_______. 2001. Resolução do Grupo Mercado Comum n° 47/01, de 05 de dezembro de 2001. Disponível em: <
http://www.mercosur.int/msweb/Normas/normas_web/Resoluciones/PT/Res_047_001_Aval%20Proj%20C
oopT%C3%A9cnica_Ata%203_01.PDF>. Acesso em: 11 set. 2013.
_______. 2005. Resolução do Grupo Mercado Comum n° 57/05, de 25 de novembro de 2005. Disponível em: <
http://www.mercosur.int/msweb//portal%20intermediario/Normas/normas_web/Resoluciones/PT/RES_05
7-005_PT_Regulamento%20CCT.PDF>. Acesso em: 11 set. 2013.
_______. 2012a. Decisão do Conselho Mercado Comum n° 11/12, de 29 de junho de 2012. Disponível em:
<http://www.mercosur.int/innovaportal/file/46/1/dec_0112012_pt_politica_cooperacao_internacional_mcs.p
df>. Acesso em: 12 set. 2013.
_______. 2012b. Decisão do Conselho Mercado Comum n° 10/12, de 29 de junho de 2012. Disponível em:
<http://vlex.com/vid/grupo-internacional-410024758> . Acesso em: 12 set. 2013.
_______. 2012c. Resolução do Grupo Mercado Comum n° 37/12, de 18 de outubro de 2012. Disponível em:
<http://vlex.com/vid/unidade-tecnica-internacional-409287186>. Acesso em: 11 set. 2013.

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O Estado para o desenvolvimento na trajetória recente
da integração econômica sul-americana: uma análise
a partir do financiamento do investimento1

Rubia Cristina Wegner2

Introdução

O
financiamento da integração será aqui entendido como sendo todos os instrumentos
financeiros utilizados sob acordos ou convênios firmados entre as economias regionais
para respaldar movimentos característicos tais como intensificação dos fluxos de
comércio, complementaridade produtiva, crescimento equitativo entre os países-parte e amparar seus
balanços de pagamentos. Dessa forma, instituições financeiras regionais datadas do pós- Segunda
Guerra Mundial têm em sua base fornecer recursos para aprofundar a integração econômica regional
facilitando o comércio e financiando investimentos. Banco Regional de Desenvolvimento da América
Latina (CAF, 1968) e Fonplata (1976) serão aqui tratadas como instituições que outorgam empréstimos
a seus países membros – no caso da CAF são acionistas – para investimentos em diferentes setores,
bem como se valem de uma dinâmica específica de funding. O papel do Estado no financiamento da
integração sul-americana será, portanto, analisado a partir de ambas essas instituições, do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), dada a sua mais expressiva participação na integração sul-
americana a partir de 2000s. O objetivo deste trabalho é expor os esquemas de financiamento da
integração econômica sul-americana. Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem) e
BNDES serão apresentados como parâmetro de comparação.
Na primeira seção as necessidades da integração serão analisadas e na segunda, as ações
principais e a estrutura das principais instituições financeiras regionais.

1. Financiamento do investimento da integração e desenvolvimento econômico

Processo de integração econômica está associado a acordos preferenciais em torno de tarifas de


comércio exterior dos países envolvidos. O regionalismo liberal em suas raízes teóricas termos de bem-
estar, sendo um caso de second best em relação a uma abertura econômica multilateral, como seria
defendido na década de 1990, sobretudo. Tendo em vista que a teoria ortodoxa do comércio
internacional não se aprofunda em aspectos relacionados a transformações estruturais e a progresso
técnico, a sua concepção a respeito da integração é comercialista (CORAZZA, 2006; TEIXEIRA e
DESIDERÁ, 2012).

1Deriva da pesquisa realizada no âmbito PNPD – IPEA entre 2011-2012.


2Professora do Departamento de Economia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e doutoranda do PPGE-
UFRJ. rubicawegner@gmail.com
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O panorama da integração latino-americana nos anos 1990 não se mostrou promissor até
mesmo quanto à intensificação dos fluxos de comércio entre os países-parte. Veiga e Ríos (2007)
destacam que Mercosul e CAN seriam aqueles esquemas de integração regional que mais avançaram em
termos de liberalização comercial, sendo que no Mercosul, as exceções aos produtos automotivos e ao
açúcar, em 2006, teriam sido de 93% e em termos de linhas, 80%, enquanto que na CAN, a
liberalização teria sido integral dois acordos sub-regionais que explicitamente optaram pelo modelo de
união aduaneira e por projetos de integração mais profundos foram capazes de estabelecer, nos últimos
quinze anos, áreas de livre comércio com cobertura expressiva – objetivo que [...] é apenas uma meta
intermediária” (VEIGA e RÍOS:2007:10).
No início dos anos 2000, o movimento de ‘virada à esquerda’ (FIORI, 2011) dos países sul-
americanos representou a criação de fundamentos que permitiriam o resgate de idéias
desenvolvimentistas. Um dos aspectos mais notáveis deste novo contexto é a Unasul (União Sul-
Americana de Nações) cujo início se deu com a criação – sob a liderança brasileira –, em 2000, da Iirsa
(Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana). A incorporação dos projetos da
Iniciativa para Integração de Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) pelo Conselho de
Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), o que de acordo com TEIXEIRA e DESIDERÁ (2012) seria
um meio para abandonar a perspectiva de criação de corredores de exportação (SARTI e HIRATUKA,
2010; GUDYNAS, 2008) e, com vistas à integração de cadeias produtivas entre os países sul-
americanos, promover a integração física entre os países do continente.
Em 2009, os países membros da Unasul criaram o Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento (Cosiplan) com vistas a conferir maior complexidade política e estratégica para as
atividades de integração de infraestrutura física regional. Dessa forma, pretende-se fazer com que a
gestão dos recursos para o financiamento do investimento em infraestrutura não esteja à margem da
promoção da integração econômica e do desenvolvimento (CALIXTRE e BARROS, 2010). O relativo
descolamento das propostas de integração financeira e da criação da moeda única são aspectos
relevantes nessa retomada do regionalismo desenvolvimentista. A Nova Arquitetura Financeira
Regional (NAFR) objetiva reduzir a dependência dos países sul-americanos em relação ao dólar, bem
como custos do comércio, bem como financiar o desenvolvimento econômico da América do Sul
autonomamente em relação a instituições como BID e Banco Mundial (FURTADO, 2008). Desse
modo, no horizonte da NAFR, está a proposta do Banco do Sul que buscaria a concessão de
empréstimos além dos critérios de rentabilidade dos investimentos (FURTADO, 2008; CIA, 2012).
Foram estabelecidos nove eixos de integração e desenvolvimento (EID) para o território sul-
americano, os quais contemplam porções relativamente próximas em termos geográficos,
sócioeconômicos e produtivos para estabelecer os investimentos necessários para energia,
telecomunicações e transportes que deverão conectar os países sul-americanos em prol de uma inserção
competitiva nos mercados internacionais, bem como deverão impulsionar ligações de cadeias

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produtivas. Assim, ao todo são 587 projetos estimados em US$ 157 bilhões dos quais apenas 85 estão
concluídos e que representam em torno de 10% do investimento total estimado e 176 estão em
execução, o equivalente a 48% do montante estimado (tabela 1).

Tabela 1. Cosiplan: etapa do projeto por EID e investimento estimado (2013)


(Em US$)

Perfil Pré-execução Execução Concluído


EID N° Investimen N° Investimen N° Investimen N° Investimen
proje to estimado proje to estimado proje to proje to estimado
tos tos tos estimado tos
Andino 20 1.743,43 8 451,68 22 6.186,10 15 802,32
Capricórnio 18 1.348,97 34 7.891,27 18 3.561,40 10 1.173,00
Hidrovía 30 1.509,65 34 1.898,80 22 3.121,67 8 1.299,00
Paraguai-
Paraná
Amazonas 27 2.171,87 26 4.305,02 30 18.776,66 9 3.095,36
Escudo 6 51,00 2 3.270,00 6 1.127,90 6 71,50
Guianense
Sul 6 706,50 7 664,00 9 946,00 6 445,50
Interoceânico 12 575,50 14 2.459,65 24 5.421,28 11 193,60
Central
Mercosul- 32 8.457,30 36 23.329,83 35 13.595,86 18 7.313,14
Chile
Peru-Brasil- 8 2.793,99 6 1.391,13 10 23.008,23 2 1.896,40
Bolívia
TOTAL 159 19.358,21 167 45.661,38 176 75.745,10 85 16.289,82
Fonte: Base de dados Iirsa

O financiamento transcorre a partir de Tesouros Nacionais, estaduais e municipais, além da


CAF, Fonplata, BID, Grupo Banco Mundial, bancos privados e, em menor escala, Fundo de
Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), dentre outros. Até 2009, cabia a CAF, BID e Fonplata
– instituições-membro do CCT Iirsa – coordenar os esquemas de financiamento para esses projetos, o
que se propunha ser feito com base em arranjos público-privados, isto é, que diante da incipiência de
segmentos de longo prazo dos sistemas financeiros dos países da região, aquelas instituições seriam
capazes de buscar ‘fontes alternativas’, o que de fato não ocorreu (PADULA, 2011; SEVERO, 2011).
O setor privado é tipo de financiamento, em 2013, apenas em setenta e seis projetos com montante de
US$ 24 bilhões, o setor público é mais expressivo articulador de provisão de recursos: 431 projetos a
US$ 86 bilhões, uma vez que sob público-privado 74 projetos a US$ 47 bilhões estão enquadrados.

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Tesouro Nacional segue sendo a principal fonte de recursos da carteira Cosiplan. São 355
projetos ou US$ 100 bilhões, dos quais 307 sob respaldo público (US$ 63 bilhões); trinta e nove estão
sob público-privado para investimento estimado de US$ 35 bilhões e nove projetos são de alçada
privada, perfazendo US$ 3 bilhões. Banco Regional de Desenvolvimento da América Latina (CAF), por
sua vez, consta em vinte e oito projetos apenas cujo investimento total previsto é de US$ 6,4 bilhões e a
ela cabem US$ 3,3 bilhões, sobretudo em caráter público, são 24 projetos; BID e Grupo Banco
Mundial tem participação ainda mais modesta. Em 2000, quando efetivamente teve início a Iirsa, o
setor privado era visto como agente capaz de dinamizar investimentos em infraestrutura, dado que
setores como telecomunicações, energético e de transportes vinham sendo privatizados ou postos em
regime de concessão. Todavia, não é peremptório que os investimentos privados nestes setores tenham
sido expressivos, afinal, em muito foi uma transferência de propriedade, sem implicar em formação
bruta de capital fixo, exceto para telecomunicações3: “la mayoría de las veces el destino de los recursos
que generó la venta de tales empresas fue el financiamiento del gasto corriente de los gobiernos y no el
incremento de la infraestructura del sector.” (ROZAS, 2010, p. 71). O financiamento multilateral – leia-
se BID, Banco Mundial e CAF – direcionou-se para o setor privado, ou melhor, as políticas foram
desenhadas de maneira a multiplicar os fluxos de investimento privado em infraestrutura.
Além de estabelecer, em 2012, da Agenda de Projetos Prioritários para a Integração (API) –
construída por meio dos planos nacionais de desenvolvimento, além das estratégias e políticas setoriais
– o Cosiplan busca atrelar o financiamento da conexão física regional a necessidades de
desenvolvimento dos governos da Unasul. Deste modo, não caberia a instituições financeiras decidir
sobre o caráter dos investimentos. A primeira carteira de investimentos, desenhada em 2004 no âmbito
da Iirsa, tinha 335 projetos de infraestrutura com US$ 37 bilhões; em 2010, ela foi atualizada para 524
projetos a US$ 96 bilhões. Em 2011, sob o Cosiplan, a atualização da carteira ocorreu com base na
identificação pelos governos dos países de projetos necessários para a integração: passou-se a 531
projetos com investimento de US$ 116 bilhões.
Tomada a carteira Cosiplan como parâmetro, em termos de atendimento da necessidade de
integração entre os países sul-americanos, é iminente a atuação dos Tesouros nacionais, bem como do
financiamento público em relação a instituições financeiras regionais e ao setor privado. Todos os
países da região enfrentam certo grau de deficiência em infraestrutura, a qual se aprofundou entre 1980
e 1990, dada a sua dificuldade em manter o volume adequado de investimentos sobretudo, no caso do
gasto público, em função das restrições financeiras impostas pela crise da dívida, bem como do

3 De acordo com dados de Calderón e Servén (2004) e do Banco Mundial, Rozas (2010) mostra que em telecomunicações,
o gasto privado em relação ao PIB saiu de 0,15% entre 1980-85 para 0,47% entre 2002-06, enquanto o público, caiu de
0,30% para 0,01%, respectivamente.

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processo de privatização4. Interligar economias é nevrálgico em um processo integracionista. Malhas


rodoviárias, ferroviárias e investimentos em portos e aeroportos; interconexão energética e por
telecomunicações são elementos também de suporte para industrialização e desenvolvimento
econômico dos países.
Castro (2011) ressalta que o aprofundamento da integração regional requer mais investimentos
não somente para o comércio e, incremento dos mecanismos de financiamento de longo prazo no que
os Estados deveriam ocupar papel de destaque. Os bancos de desenvolvimento regionais deveriam
canalizar os investimentos para setores com maior potencial para geração de economias externas. Para
o autor, seria necessário “buscar explorar a possibilidade de que a atuação dos bancos de fomento seja
orientada pela meta de integração regional da América do Sul, prioridade da política externa brasileira”
(Idem, 2011, p. 104-105).
Carrera et al (2011), por outro lado, destacam que em meio à pluralidade de fontes de
financiamentos disponíveis – mercado interno, emissão de títulos respaldada por ativos, organismos
multilaterais, fundos soberanos, banco internacional etc. – , cabe a análise cuidadosa pelos países da
região, uma vez que o financiamento desses projetos necessita de uma melhor coordenação do que os
autores consideram ser ‘múltiplas fontes’ de forma que aos países caberia desenvolver capacidades para
administrar e orientar o destino dos empréstimos.
É necessário, para Deos e Mendonça (2010), ter em mente o momento histórico em questão,
bem como o arcabouço institucional e estrutura econômica e financeira em que essas instituições
financeiras públicas atuam. Em contraposição à atuação em falhas de mercado, os bancos públicos
poderiam ser relevantes no sentido de criar mercados inexistentes nos quais atuariam em duas
dimensões: regulação da concorrência; atuação anticíclica. Ao passo que até mesmo em países com
sistemas financeiros maduros, há bancos públicos atuantes (DEOS E MENDONÇA, 2010).
Bancos regionais e sub-regionais de desenvolvimento têm sido cada vez mais solicitados por
seus membros, tendo-se em conta as constantes demonstrações de assimetria entre países
subdesenvolvidos e desenvolvidos na ordem financeira internacional. Para Sagasti e Prada (2006) trata-
se de intermediários financeiros em escala internacional ou regional que dentre seus acionistas, estão
países não desenvolvidos e seu papel básico é mobilizar recursos dos mercados de capitais privados e
fontes oficiais para fornecer crédito sob condições melhores, especialmente aquele de longo prazo. É
recorrente na literatura o argumento de que a proximidade dessas instituições dos países demandantes
de recursos as tornaria mais eficientes no atendimento das necessidades desses países.

4Rozas (2010) com base em dados para Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, México e Peru, mostra que entre 1980-
85 os gastos, relação ao PIB, com investimento em infraestrutura representaram 3,71%, entre 1996 e 2001, esses gastos
caíram para 2,24% do PIB, mantendo a tendência de queda de fins de 1980, sendo que entre 2002 e 2006, 1,46%. De
acordo com Perrotti e Sánchez (2011), entre 2007-08, nesses países o investimento em infraestrutura representou 2,0% do
PIB.

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2. Instituições financeiras e sua contribuição para o aprofundamento da integração sul-


americana

2.1 Fundo Financeiro para o Desenvolvimento dos Países da Bacia do Prata (Fonplata)
O seu objetivo é financiar a realização de estudos, projetos, programas e demais obras que
promovam o desenvolvimento harmonioso e a integração física entre os países da Bacia do Rio da
Prata, com base no disposto no Tratado da Bacia do Prata, assinado entre Argentina, Bolívia, Brasil,
Paraguai e Uruguai em 1969, que estabelecia a elaboração e implementação de grandes projetos de
construção de hidrelétricas, sobretudo, aproveitar o potencial hidrelétrico da usina de Itaipu. Esse
desenho do Tratado da bacia do Prata é condizente com os objetivos contemporâneos da integração via
infraestrutura, que para Zugaib (2006) pode ser descrito como ‘precursor’. Trata-se de uma área
potencialmente estratégica, estando o potencialmente associado, aqui, à navegabilidade com vistas à
circulação de mercadorias e à saída do continente e aos recursos energéticos e minerais. São 5.800 Km
de rios navegáveis, reservas de 1,2 bilhão toneladas de ferro, 100 milhões de toneladas de manganês,
além de extensões de terras agriculturáveis.
Argentina e Brasil, com maior participação de capital, possuem as maiores participações, na
carteira de crédito5, ano a ano desde 2005, com destaque para o Brasil que em 2005 detinha 32% dos
empréstimos e, em 2012, passou para 45%. Enquanto que Paraguai e Uruguai diminuíram, no período
em tela, a tomada de crédito junto ao Fundo em 9% e 13%, aproximadamente, tornando-se as
economias que menos recorrem a essa instituição. Em simultâneo, Paraguai e Uruguai aumentaram suas
participações na carteira da CAF: de 0,73% em 2005, para 0,82% em 2012 e 0,28%, em 2005 para
2,01%, em 2012, respectivamente.
Em abril de 2010, na Assembleia de Governadores, resolveu-se pelo capital autorizado de US$
489,2 milhões, sendo integralizados US$ 449,2 milhões6 e em junho de 2013 foi aprovada a triplicação
de capital, que passaria a US$ 1.600 milhões, sendo que os países membros aportam US$ 160 milhões,
de acordo com a seguinte distribuição: Argentina e Brasil, 33% cada e Bolívia, Paraguai e Uruguai, 11%
cada7. Assim, entre 2005 e 2012, houve expansão considerável do patrimônio desta instituição: o ativo
total foi sucessivamente crescente com variação, em 2012, de 25% em relação a 2005, além do

5 Os critérios adotados pelo Fundo para aprovar empréstimos se baseiam na análise do projeto quanto aos seguintes
aspectos: solidez técnico-administrativa, segurança financeira, adequado marco institucional e licença ambiental
(FONPLATA, 2013).
6 De acordo com Resolução da Assembleia de Governadores 112/2010.
7 No artigo I do Tratado da Bacia do Prata, a expressão “zona de influência direta e ponderável” faz com que a distribuição

geográfica dos países signatários na bacia do Prata adquira outra perspectiva: Brasil menor parte do seu território sob
influência da bacia (17%), em seguida está a Bolívia (18,5%) e, então, a Argentina (37%). Enquanto que Paraguai e Uruguai
apresentam boa parte de seu território pertencente à bacia; 100% e 79,3%, respectivamente (Zugaib, 2006).

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patrimônio líquido e passivo total, que aumentaram em 24%. Também a carteira de empréstimos foi
ampliada (36% entre 2012 e 2005), passando a representar 52% do ativo total, em 20128.
A partir de 2011, a Assembleia de Governadores decidiu por alteração da política de aplicações
financeiras do Fonplata, autorizando-o a comprar títulos da dívida da CAF e do BID, além da
tradicional alocação de recursos em títulos do Tesouro Nacional dos EUA. Assim, se em 2011, as
aplicações financeiras9 mantidas (bônus) em títulos do tesouro americano foram de US$ 106 milhões;
US$ 13 milhões em bônus do BID e US$ 9,4 milhões, da CAF, em 2012, aquelas se reduziram para
US$ 75 milhões, enquanto a alocação de recursos em bônus do BID e da CAF aumentaram para US$
17 milhões e 34 milhões, respectivamente. É válido observar que essa mudança de estratégia de
aplicações financeiras é consetânea ao aumento de carteira de empréstimos, de patrimônio líquido e de
ativo.
Sua participação na carteira de integração física sul-americana se insere em uma estratégia
representada em três grupos básicos que, de modo geral, buscam promover o desenvolvimento
intrarregional entendendo-o como facilitação do escoamento de produtos agropecuários tanto para os
países da América do Sul, quanto via Pacífico e Atlântico, além de vincular territórios na região. Dessa
forma, o projeto “Otimização do cruzamento Ponte Ñeembucú-Rio Bermej” pertence, dentro do eixo
Capricórnio, ao projeto da Agenda Prioritária de Integração (API), qual seja, Corredor Ferroviário
Bioceânico Paranaguá-Antofagasta – entre Argentina, Brasil, Chile e Paraguai – com investimento total
estimado em US$ 2,7 bilhões. Ambos os projetos do eixo de Capricórnio possuem caráter determinante
de vinculação de mercados de países sul-americanos com fins de facilitação de comércio internacional,
sendo que o projeto “Otimização do Nodo Clorinda-Assunção”10 prevê somente a modernização de
postos de fronteira entre Argentina e Paraguai.
Há outro ponto relevante da atuação do Fonplata que merece destaque: aprovações de
empréstimos para municípios. Os projetos financiados se distribuem em áreas com objetivos
específicos, ou melhor, entre programas que não se relacionam com a promoção da integração
propriamente dita, mas sim, com necessidades de municípios ou regiões de países membros. Vale
ressaltar que se identificou o direcionamento específico de empréstimos para programas municipais
e/ou específicos às necessidades de províncias dos países membros, haja vista os países não contarem
com empréstimos em todos os setores, que em 2012, somaram US$ 282 bilhões. Um expediente de
análise da proposta em termos das áreas prioritárias de atuação do Fundo, quais sejam: infraestrutura
que complemente sistemas regionais existentes, educação, saúde, infraestrutura básica, fornecimento de

8 Utiliza-se de recursos próprios e de outras fontes de financiamento, que basicamente têm origem na obtenção de
empréstimos externos sob a responsabilidade solidária dos seus países membros, estando livre de quaisquer obrigações.
9 Registra-se, para aplicações financeiras, o valor nominal dos títulos inicial sob critério da taxa de juros efetiva, sendo que a

diferença entre o valor pago e aquele valor nominal é amortizado durante a sua vigência. O uso de títulos para aplicações
financeiras obedece à política de controle de riscos, especialmente o de liquidez. Também em atenção a esse risco, os
empréstimos são outorgados somente sob risco soberano.
10 É projeto da API, que é Conexão viária Foz – Cidade do Leste – Assunção – Clorinde.

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água potável, bem como promoção da agropecuária, indústria e das exportações. Essas áreas podem
explicar a outorga de crédito para os programas, sobretudo municipais ou estaduais, que tem sido uma
das suas principais atuações na região.

2.2 Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)


Trata-se de uma instituição cujas decisões de concessão de empréstimo passam ao largo de
países periféricos, como os sul-americanos. O financiamento do investimento em infraestrutura da
integração requer uma instituição que entenda e atua nas especificidades da região (CULPEPER, 2006).
A difusa participação da América do Sul em seu processo decisório, bem como a contundente
participação dos Estados Unidos no mesmo faz com que sua atuação na região fique a mercê de um
jogo de forças de grupos de interesse específicos (CASTRO, 2011).
Em seu Convênio Constitutivo, de 1959, está que seu propósito é “contribuir para a aceleração
do processo de desenvolvimento econômico e social dos países-membros da região em vias de
desenvolvimento, de forma individual e coletiva.” Desta forma, toda sua atuação seria voltada para
financiar a promoção de investimento em seus países-membros (CASTRO, 2011). Ademais, a
integração regional sempre esteve dentre os objetivos desta instituição, embora nos seus primeiros 30
anos não tenha aparecido como prioridade. Em 1994, entretanto, na reunião da Assembléia de
Governadores sobre a Oitava Reposição do capital do BID, ao reformular sua estratégia, o Banco inclui
como uma das prioridades modernizar o Estado e a integração regional. Mais especificamente, a
instituição sustenta que a integração regional deve ser construída de forma a integrar as economias
regionais ao mercado mundial.
Em 1999, a estratégia do BID para a integração é novamente reformulada em função dos
parcos avanços nas iniciativas sub-regionais. É nesse momento que a infraestrutura passa a adquirir
contornos de prioridade na estratégia dessa instituição financeira. E, assim, o seu apoio a Iniciativa para
a Integração da Infraestrutura Regional Sul-americana (Iirsa). O maior número de projetos com
financiamento aprovado, em 2012, pertence à infraestrutura, sendo que integração e comércio foi o
grupo com menor participação, 6% (BID, 2013).
Sua importância para o financiamento da integração física sul-americana pode ser analisada,
também, quanto a alguns indicadores patrimoniais: em 2012, o ativo total da CAF era de US$ 24.503
milhões, enquanto o do BID era mais do que o dobro, US$ 92.209 milhões. O total de subscrições
nessa instituição, em 2012, foi de US$ 132.344 milhões, ao passo que a CAF, alcançou capital
integralizado de US$ 3.637 milhões nesse mesmo ano. Além disso, o banco latino-americano não
apresenta política creditícia e financeira tão robusta como o BID, haja vista sua relativa facilidade a
captações de longo prazo em mercados de capitais internacionais, mesmo que a CAF tenha
incrementado o volume captado no exterior. Em 2003, a sua emissão de títulos teria representado

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68,5% dos seus recursos administrados e a colocação de outros papéis de curto prazo representou
24,4%11.
A carteira de projetos mantida pelo BID, em julho de 2013, totalizava US$ 10.219 milhões, em
2008, US$ 1.295 milhões – sem incluir garantias. Severo (2012) aponta que o total financiado pelo
banco, em 2011, era de US$ 2.900 milhões referente a 28 projetos – uma variação positiva, entre 2011 e
2013, de 252%. Ao passo que a base de dados Iirsa indica que em julho de 2013, a instituição financiava
aproximadamente US$ 3.771 milhões de US$ 9.252 milhões de 35 projetos de investimentos. O
financiamento de caráter público é a base das operações: 26 projetos com inversões estimadas em US$
8.262 milhões dos quais US$ 3.492 milhões são financiados pelo BID e US$ 4.770 milhões por recursos
próprios dos governos (Tesouro Nacional e Estadual).
Cumpre destacar que a natureza do processo decisório desse Banco ou a sua atuação não
regionalizada apenas para a América do Sul representam obstáculos para um alinhamento do BID com
a Unasul. No entanto, ele tem sido a principal fonte de financiamentos de longo prazo na América do
Sul e dentre os bancos que participam do Comitê de Coordenação Técnica – quais sejam: CAF,
Fonplata e BID – é aquele que possui maior capacidade financeira e maior poder de atração de
investimentos, além da sua experiência no cofinanciamento de projetos (CASTRO, 2011).
Dessa forma, o BID se constituiu um desafio para a integração sul-americana. A fluida
participação da América do Sul em seu processo decisório, bem como a contundente participação dos
Estados Unidos no mesmo faz com que sua atuação na região fique a mercê de um jogo de forças de
grupos de interesse específicos. E sobre a sua importância para o financiamento de longo prazo na
região.

2.3. Banco regional de desenvolvimento da América Latina (CAF)


A origem da CAF vem da busca por um organismo financeiro que apoiasse a integração
econômica dos países andinos, nos anos 1960, no âmbito da Aladi. Assim, em 1966, a Declaração de
Bogotá – tendo em vista o Tratado de Montevidéu – concretizou essa busca, sendo assinantes:
Colômbia, Peru, Chile, Equador e Venezuela, em 1967, a Bolívia juntou-se a CAF. Seu compromisso a
integração econômica e coordenação de politicas entre os países acionistas estão firmados desde a
Declaração de Bogotá. De fato a CAF foi institucionalizada em banco múltiplo e agência de promoção
do desenvolvimento econômico e da integração andina a partir do seu convênio constitutivo, assinado

11 Constituir-se como uma instituição supranacional lhe permite privilégios nos mercados internacionais de modo que a
emissão de bonos pela CAF aumentou a partir de meados de 2000 conforme o aumento das suas qualificações de risco por
agências internacionais. Nesse sentido, vale ressaltar, que em 2011, o capital subscrito dessa instituição foi aumentado em
US$ 2.000 milhões, a ser pago entre 2013-2016 junto com os outros aportes de capital de US$ 4.000 milhões, anteriormente
aprovados. Em 2005, sua qualificação de risco na Standard & Poor’s era AA-1; em 2011 A+A-1, isto é, baixo risco de
crédito. Em 2011, a CAF consolidou sua posição nos mercados de capitais de países desenvolvidos, com a emissão de US$
1.400 milhões nos mercados suíço, europeu, japonês e estadunidense.

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em 1968. No ano seguinte, foi estabelecida, por meio do Acordo de Cartagena, a conexão entre essa
instituição financeira e a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc).
Nas suas duas primeiras décadas de existência, a CAF deu prioridade para o financiamento do
comércio internacional de seus países acionistas, sobretudo os andinos, de forma que sua carteira teve
grande participação de linhas de curto prazo para o setor bancário privado para fomentar as
exportações e apoiar o comércio. Em 1970, seu capital autorizado era de US$ 100 milhões, o qual foi
aumentado para US$ 1.000 milhões, em 1985 para funcionar como fonte de capitalização para os países
andinos, ante seu contexto de crise. As aprovações dessa instituição de 1970 a 1990 somaram US$
3.466 milhões; os desembolsos foram de US$ 2.250 milhões. Em 1970, quando de fato a CAF passou a
operar, a carteira de empréstimos12 foi de US$ 20 milhões, em 1985, passou para US$ 169 milhões
chegando a US$ 2.363 milhões, em 1995, quando o financiamento da infraestrutura adquiriu maior
projeção nessa instituição. Por outro lado, em cada um dos seus três primeiros quinquênios de
existência – 1970-75; 1976-80 e 1981-85 – essa instituição financeira aprovou menos de US$ 2.000
milhões para a infraestrutura de seus países acionistas (CAF, 2005). Portanto, até a década de 1990, a
infraestrutura detinha participação relativamente menor.
Em 2007, foi aprovada em Assembleia da CAF modificação no seu Convênio Constitutivo para
a inclusão dos países do Mercosul mais o Panamá como acionistas série “A”, além da inclusão de
outros países da região nas séries “B” e “C”. Consolida-se, assim, como instituição essencialmente
latino-americana – ou melhor, assume características de um banco regional de desenvolvimento –,
transição que também se comprova pelo aumento da participação dos acionistas de série “C” nas suas
aprovações com mais de 30% do total aprovado, US$ 6.607 milhões, em 2007. Os aportes seguiram
sendo destinados para infraestrutura (US$ 1.675 milhões), desenvolvimento social (US$ 1.300 milhões),
bem como passaram a responder a maior demanda por recursos do setor privado.
Concessão de empréstimos está, portanto, desde a sua origem atrelada principalmente aos
setores de infraestrutura, bem como de integração. Além deles, o financiamento estruturado é usado
especificamente para obras de infraestrutura, petróleo e gás natural que tenham demanda – ou
contratação de governos nacionais. É institucionalmente diversificada quanto aos instrumentos que
oferece aos acionistas, isto é, mesmo que as operações de empréstimos sejam mais expressivas, também
são oferecidas garantais e avais cujo objetivo é desenvolver o mercado de capitais na região e também
modalidades mais robustas com financiamento sindicado e estruturado.
Os empréstimos concedidos podem ser para financiar projetos, capital e trabalho, atividades de
comércio, bem como para elaborar estudos de factibilidade e pré-inversão. A outorga de créditos
ocorre de acordo com riscos soberanos – sob garantia de governos nacionais – e não soberanos – para
setores empresariais e financeiros, sem garantia de governos nacionais. As aprovações por risco

12 Inclui carteira gestionada pela CAF, bem como operações de garantias parciais de crédito.

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soberano superam aquelas por risco não soberano, menos em 2007, 2008 e 2001 – quando as
aprovações por risco não soberano foram 21%, 38% e 22% maiores, respectivamente. Em 2012, foram
ao todo aprovados US$ 13.230 milhões de crédito, sendo US$ 4,5 milhões aquelas com risco soberano,
US$ 3.273 milhões para o setor privado, sem risco soberano e o restante para programas de
infraestrutura. Ao longo do período considerado, as aprovações por risco não soberano foram
crescentes, indicando ganho de capacidade por essa instituição de financiar projetos de seus países
acionistas.
Países andinos são os principais tomadores de empréstimos, ainda que a partir de 2006, a
participação do Brasil na carteira total venha aumentando significativamente mais do que dos demais
países do Mercosul (tabela 2). Considerando-se apenas os países acionistas sul-americanos – isto é,
excluídos Guiana, Suriname e Chile – é possível observar que são os principais tomadores de recursos
dessa instituição, bem como que a conversão de países do bloco econômico do Cone Sul para
acionistas “A” não implicou em aumento da carteira dos países sul-americanos de modo geral. Porém,
sua carteira é majoritariamente destinada a seus acionistas do sub-continente.
Tabela 2. CAF: carteira de empréstimos por país (2004-2012) (US$ milhões)
Países 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Argentina 34 98 421 693 1.157 1.395 1.913 2.117
Bolívia 989 1.031 1.048 1.110 1.166 1.309 1.426 1.605
Brasil 245 323 807 825 1.034 1.116 992 1.258
Colômbia 1.901 1.620 1.633 1.707 1.695 1.974 1.829 1.850
Costa Rica 11 25 22 107 126 121 118 110
Equador 1.231 1.371 2.150 2.018 2.052 2.437 2.509 2.649
Panamá 25 38 63 72 76 90 246 479
Paraguai 48 41 39 37 28 66 100 135
Peru 1.722 1.806 1.809 1.774 1.869 2.186 2.578 2.670
República
Dominicana -- -- -- 55 75 120 158 176
Uruguai 24 31 62 232 582 657 352 332
Venezuela 1.135 1.724 1.470 1.535 1.765 2.228 2.652 2.816
Outros Países 96 84 98 94 148 181 218 306
Total 7.462 8.191 9.622 10.259 11.772 13.878 15.093 16.502
Demais Países 1,8% 1,8% 1,9% 3,2% 3,6% 3,7% 4,9% 6,5%
MERCOSUL 4,7% 6,0% 13,8% 17,4% 23,8% 23,3% 22,2% 23,3%
UNASUL* 93,51% 92,20% 84,29% 79,38% 72,60% 73,02% 72,84% 70,23%
UNASUL 98,2% 98,2% 98,1% 96,8% 96,4% 96,3% 95,1% 93,5%
Fonte: Relatórios anuais CAF (2008-2012)

Da Agenda Prioritária para a integração, financia US$ 455 milhões de quatro projetos com
investimento total de US$ 866 milhões. Ao passo que o financiamento total – incluindo API – em
setembro de 2013, somava US$ 3,3 bilhões de vinte e oito projetos cujo investimento total é de US$ 6,4
bilhões, constituindo, assim, a instituição financeira regional com maior aporte de recursos. Desses,

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somente três são de abrangência binacional e um trinacional – sendo todos em setor de transportes –
com investimento estimado em US$ 818 milhões, cabendo à CAF financiar US$ 482 milhões. Apenas
quatro projetos, todos de abrangência nacional – na Argentina –, estão concluídos e US$ 649 milhões
do investimento total de US$ 1.120 foram assumidos. De modo geral, os projetos que ela financia
pertencem a grupos que prevêem vinculação entre territórios de países diferentes com vistas a
incrementar os níveis de comércio regional e da região com os mercados internacionais – por meio da
construção de corredores com saída para o Pacífico e Atlântico, além de grupos que detêm a visão
estratégica de fomento da articulação e desenvolvimento de cadeias produtivas regionais. No eixo
Mercosul-Chile, sete projetos são financiados – em torno de 28%, ou US$ 898 milhões, do total que
financia da carteira Cosiplan – dos quais três se enquadram no grupo energético, ou melhor, devem
potencializar a qualidade, a eficiência e, também, o intercâmbio de energia elétrica entre os países.

2.4. Financiamento da integração: espaço para atuação de Focem e BNDES


O Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (CMC no 45/04 e 18/05) se destina ao
financiamento de programas no âmbito dos países-membro do Mercosul nas seguintes dimensões:
convergência estrutural, desenvolvimento e competitividade, coesão social e fortalecimento da estrutura
institucional e do processo de integração. Essas áreas correspondem às conclusões obtidas com o
Grupo de Alto Nível13 criado pelo Conselho do Mercosul para identificar meios pelos quais se poderia
incrementar a competitividade dos países do bloco – com ênfase nas economias menores e na
convergência estrutural – e propor formas alternativas de financiamento para essas iniciativas
propostas.
Há um nítido limite quanto à aprovação de projetos de investimento pelo Focem, o que, para
Santos (2011), poderia ser resolvido por meio da concessão de garantias, por outro organismo
multilateral, para alavancar os seus financiamentos, uma vez que a exigência de contrapartida do país
beneficiário entrava aprovações contínuas de projetos. Ademais, sob situações de mora não são
aprovados projetos pelo Conselho do Mercado Comum e não se efetua o primeiro desembolso em
favor de projeto já aprovado14, ainda que, desembolsos de projetos em execução não serão
interrompidos quando sobrevier mora do Estado beneficiário, haja vista a previsão de reserva de
contingência que é constituída por 10% dos desembolsos anuais realizados e visa garantir a não
interrupção de financiamento de projetos em execução.
Seu papel na cooperação financeira regional é garantir que propostas mais abrangentes sejam
demandadas e executadas. Nessa perspectiva, a Decisão no 08/07 do Conselho do Mercosul,

13Mercosul/CMC/Dec. no 19/04.
14A UTF deverá comunicar a Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul (CRPM) que o desembolso não foi
efetivado.

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estabeleceu dez ‘projetos-piloto’ em função da sua viabilidade técnica e financeira, dos quais oito15 são
apresentados, a seguir: Mercosul-Habitat de promoção social, fortalecimento do capital humano e social
em assentamentos em condições de pobreza (US$ 13 milhões); Mercosul-ROGA (US$ 10 milhões);
reconstrução e melhoramento de rodovias de acesso a Grande Assunção (US$ 5 milhões); – programa
de apoio integral a microempresas (US$ 5 milhões); laboratório de biossegurança e fortalecimento do
laboratório de controle de alimentos, no Paraguai (US$ 4,8 milhões); a chamada ‘Rodovia 26’ entre
Melo e Arroyo Sarandi de Barceló, no Uruguai (US$ 7,9 milhões); internacionalização da especialização
produtiva via desenvolvimento e capacitação tecnológica dos setores de software, de biotecnologia e
eletrônica e cadeias de valor correlatas, apresentado pelo Uruguai (US$ 1,5 milhão); economia social de
fronteira, pelo Uruguai (US$ 1,6 milhão); “Mercosul livre de aftosa”, pelo Comitê específico (US$ 16, 3
milhões).
É prevista pelo bloco uma atuação voltada para objetivos considerados estratégicos para o
aprofundamento da integração entre os países do Mercosul em termos de inserção competitiva em
cadeias globais de valor. O projeto em execução no âmbito do programa de desenvolvimento e
competitividade que objetiva desenvolver cadeias produtivas em setores dinâmicos entre os países do
Mercosul. O automotriz é um exemplo. Especialmente porque financiará16 - pequenos fornecedores de
autopeças, sendo o caráter de melhoria da inserção nos mercados internacionais evidente, pois se
pretende substituir importações e aumentar exportações por meio da capacitação tecnológica das
empresas. Petróleo e gás, dentro do eixo de representarem setores regionais dinâmicos, são objeto de
financiamento17 do Fundo nos seguintes aspectos: desenvolvimento e crescimento de empresas
fornecedoras através da produção gestão de informação sobre condições de negócio no setor;
desenvolvimento de competências administrativas e inovação tecnológica daquelas empresas
fornecedoras; abrir mercados para essas empresas dentro da cadeia dos países do bloco e promover
acompanhamento e avaliação do projeto, tendo em vista articulação e integração enre as empresas,
promoção do comércio entre as empresas, promoção de transferência de tecnologia e aumento do
volume de comércio de intermediários deste setor. Ambos os projetos abarcam temas cruciais para a
integração entre os países do bloco, embora não estejam concluídos e, por isso, não se possa estimar os
seus impactos sobre a articulação entre essas cadeias produtivas, são questionáveis pelo reduzido
montante financiado, tendo em vista a complexidade dos setores em relação ao que se propõem os
projetos.
Financia oito projetos de seus países membros da carteira Cosiplan de investimento total
previsto em US$ 1.412 milhões dos quais US$ 676 milhões – o equivalente a 48% - cabem ao Focem.

15 Constam dois projetos direcionados ao fortalecimento institucional da secretaria do Mercosul (US$ 50 mil) e para base de
dados jurisprudenciais do bloco, também com investimento de US$ 50 mil.
16 O investimento total é de US$ 3,9 milhões, dos quais o Focemfinancia 75% e o restante está sob rubrica local.
17 Investimento total de US$ 3,7 milhões, dos quais o Focem aporta 78%, sendo o restante sob rubrica local.

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São projetos que objetivam promover a conexão física por meio da melhoria do serviço e da oferta de
energia elétrica, bem como da renovação e construção de rodovias nacionais e internacionais, caso do
corredor Mercosul-Chile. O projeto de interconexão elétrica entre Uruguai e Brasil, por exemplo, busca
diversificar o comércio internacional de energia elétrica, além de habilitar mercados para exportação de
eventuais excedentes das centrais do mercado uruguaio, enquanto que Adequação do corredor Rio
Branco – Montevidéu – Colônia – Nueva Palmira se enquadra na estratégia de constuir um corredor
viário desde São Paulo (Brasil) até o Chile.
O projeto Sistema de 500kV, entre Brasil e Paraguai, pertence à Itaipu Nacional foi aprovado
em julho de 2010 pelo Conselho do Mercosul – após aprovação da Unidade Técnica e do Grupo
Mercado Comum –, sobretudo, como forma de incorporar os entendimentos firmados, em maio de
2010, entre os chefes de Estado da Unasul é o mais significativo dos projetos que financia no Cosiplan.
Itaipu Binacional foi criada por esses países em 1973, quando eles concordaram, via Tratado
Internacional, realizar o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná, desde Salto
Grande de Sete Quedas até Foz do rio Iguaçu. Foi criada sob igualdade de direitos e de obrigações,
cabendo participação igualitária entre a empresa estatal brasileira Eletrobrás (Centrais Elétricas
Brasileiras S.A.) e ANDE (Administración Nacional de Eletricidad), bem como um Conselho de
Administração comum, sem ‘prevalência hierárquica’.
Ao passo que na carteira Cosiplan, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) mantém participação em três projetos18, todos no setor de transportes/rodoviário e de
execução na Bolívia, país com o qual o Brasil não possui linha de crédito recíproca de monta (US$ 1
milhão, somente). Por outro lado, as informações obtidas permitem afirmar que o BNDES ainda não
desembolsou recursos para projetos de integração específicos da carteira Cosiplan.

3. Considerações finais
A discussão apresentada expõe um sinuoso caminho para a consolidação de um esquema
alternativo – ou inovador como é apontado em textos técnicos do BID – para o financiamento da
integração física. A estrutura institucional usada no financiamento de projetos da carteira Cosiplan –
isto é, CAF, BID, Fonplata, Focem, além do Grupo Banco Mundial – tanto em fontes públicas, quanto
privadas e público-privadas não tem demonstrado efetividade mensurável em termos de financiamento
de longo prazo. Afinal, como demonstrado na terceira seção, boa parte dos financiamentos dessas
instituições e fundos está em fase de solicitação ou de aprovação; poucos estão finalizados. Ao setor
privado tem participação bastante modesta, enfatizada em projetos estruturados em eixos de maior
desenvolvimento econômico relativo.

18Projeto Rodovia Cobija – El Choro – Riberalta, no eixo Andino; Pavimentação Potosí-Tupiza-Villazón, nos eixos
Capricórnio e Interoceânico Central e Pavimentação de culminação Potosí-Tarija, no eixo Peru-Brasil-Bolívia. Ao total, o
BNDES financiaria US$ 201 milhões, nos três projetos.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 325

Referências

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RESUMOS
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 327

Resumo

Es posible el Sur? Mercosul histórico, desafios passados e presentes

Albene Miriam Menezes Klemi

O
ensaio examina a experiência da integração regional nas Américas a partir do processo
histórico do Mercosul. A trajetória do bloco e seu lugar na paisagem política de integração
do continente, particularmente da América do Sul, coloca-se no cerne da análise. As
mudanças no cenário internacional e regional, de alteração do processo de globalização e integração sob
parâmetros do regionalismo aberto para um “reviver” de marcos protecionistas do Estado-nação, são
aspectos, também enfocados. A implantação e distorções das propostas inicias do Mercosul - ampla
integração econômica sob os preceitos do regionalismo aberto -; assim como as crises, notadamente a
institucional, na dinâmica do processo de seu alargamento (particularmente o geográfico, com a entrada
da Venezuela) e aprofundamento pautam a linha norteadora da abordagem temática.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 328

Resumo

A crise econômica europeia – uma crise do euro?

Antony Peter Mueller

E
ste artigo investiga o problema se a adopção da moeda comum europeia por um grupo de
países da União Europeia representa um falido projeto político que precisa ser abandonado
em frente da atual “crise do euro”. A crise da dívida da Grécia junto com a profunda
fraqueza econômica em vários países da periferia da Área do euro alertou sobre o possível colapso do
sistema monetário europeu. Diferente da tese do fiasco da moeda comum se argumenta neste artigo
que a instalação do euro era uma necessidade para manter e aprofundar a integração econômica
europeia. A origem do problema não é a união monetária com o euro, mas a má alocação de recursos
pelos mercados financeiros em cooperação com as autoridades da política econômica dos países em
crise. O artigo chega à conclusão que a crise vai ter benefícios no fim porque incentivou a implantação
de novas instituições que ajudam agora de segurar a estabilidade da moeda comum.

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Resumo

Rodada de Doha: como teria sido para o Mercosul?

Rosana Curzel

P
retende-se dimensionar custos e benefícios do fracasso da Rodada de Doha para o Mercosul.
É utilizado um modelo de equilíbrio geral multirregional e multissetorial (GTAP -Global
Trade Analysis Project), em que está associada uma base de dados de 113 países e/ou regiões
e 57 setores da atividade econômica. A agregação explicita os países das Américas e os restantes estão
agregados em União Européia e Restante do mundo. Simula-se a eliminação dos subsídios à produção
agrícola, às exportações e as tarifas às exportações, em conformidade com as fórmulas de redução
estabelecidas pela OMC e que não obtiveram consenso na Rodada de Doha. Pretende-se avaliar os
possíveis impactos por setores e países do Mercosul. Embora a utilização do modelo GTAP sem um
tratamento específico da base de dados tarifária não seja recomendada, trata-se de uma simulação com
o objetivo de comparar seus resultados com os de outros trabalhos já publicados, de modo a verificar a
consistência do modelo.

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IV

Regionalismos e
Relações entre Blocos
ARTIGOS
O Estado e o “combate” à pobreza via Programas de
Transferência de Renda no contexto da
América Latina

Andréa Lemos Gomes1


Michelle Lins de Moraes2

1. Introdução

N
o presente trabalho, parte-se da premissa segundo a qual, na sociedade capitalista, existe
uma relação orgânica entre as necessidades dos trabalhadores, a produção de mercadorias e
o consumo.
Nesse contexto, o Estado atua como um mediador das relações entre capital e trabalho, através,
inclusive, da implementação de Políticas Sociais, as quais, em sua essência, buscam satisfazer
necessidades contraditórias entre si: como, por exemplo, aquelas inerentes prevalentemente ao mercado
e a classe que vive do trabalho.
A partir de um contexto de crise do Estado de Bem Estar Social e de influência dos ideais
neoliberais, as políticas sociais de alguns países passaram a contemplar Programas de Transferência de
Renda, os quais são caracterizados por seu elevado nível de seletividade, além de sua focalização na
redução de um determinado tipo de pobreza; são exatamente sobre estes pontos que o trabalho a seguir
debruça suas reflexões.

2. Contextualizando a pobreza
A fim de discutir a relação estabelecida pelo Estado no combate à pobreza nos países, é
necessário que se reflita inicialmente sobre o conceito de pobreza.
Netto (2012) afirma que, embora a pobreza não seja exclusivamente ligada a fatores
econômicos, mas também de acesso a bens e serviços essenciais como transporte, saúde, lazer,
educação, não há como negligenciar a “elementariedade econômica” da sua definição.
Salama (2012, p. 15), ao diferenciar a pobreza absoluta da pobreza relativa, diz que a primeira se
dá “quando a pessoa não dispõe de recursos monetários em quantidade suficiente para se reproduzir”,
ou seja, não satisfaz nem a necessidade básica da alimentação, e a segunda “quando a pessoa dispõe de
um rendimento monetário abaixo de 50% do rendimento mediano.” Assim, diz ser impossível erradicar
a pobreza relativa visto que esta se associa ao conceito de distribuição de renda.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão.


2 Doutoranda em Economia pela Università Degli Studi di Ferrara.
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Vê-se, ainda, que a construção da linha de pobreza, que permite diferenciar pobres de
indigentes, baseia-se em um determinado conjunto de necessidades consideradas básicas para
reprodução da população.
A partir da enquete, estabelece-se qual é a composição de uma cesta de bens de
consumo que permita adquirir um certo nível de calorias. Convertida em preço, esta
cesta indica o nível de renda de estrita reprodução que define a pobreza extrema
(indigência). Multiplicada por um coeficiente, chamado de coeficiente de Engel, para
que se possa ter em conta as necessidades de moradia, transporte, etc., obtém-se uma
renda que corresponde à linha de pobreza. (Ibid., p. 16)

Conforme o autor, esta definição difere da do Banco Mundial para o qual indigente é o
indivíduo que não recebe pelo menos um dólar diariamente e pobre o que não recebe pelo menos dois
dólares ao dia.
Ao fazer um resgate histórico da pobreza, Williams et al. (2012), afirmam que já na
contemporaneidade, o pobre ainda era visto como responsável por sua condição, porém, graças a
organização e pressão da classe trabalhadora, o Estado passou a ofertar políticas sociais que se
propunham a satisfazer as necessidades da população beneficiada.
Com a crise de 1929, alguns países da Europa instituíram um Estado Providência, também
conhecido como Welfare State ou Estado de Bem Estar Social, em que, influenciado pelas ideias
keynesianas e pelo modelo fordista de produção, passou a intervir através de medidas econômicas e
sociais.
Porém, por volta da década de 70, devido ao crescente endividamento público e privado, o
Estado Providência passa a ser questionado e ressurgem com grande força as ideias liberais, agora
instituído o neoliberalismo, que “favorece a acumulação e o crescimento apenas dos países
dominantes”. (WILLIAMS ET AL, 2012, p. 68)
Netto (2012, p.97) destaca que a “América Latina é a região do planeta onde existem as maiores
desigualdades e onde os mais ricos recebem uma proporção maior de renda.”
A pobreza não se restringiu, porém, aos países subdesenvolvidos e a partir dos anos 80 os
efeitos da reestruturação produtiva, com o aumento do desemprego e da concorrência, passaram a ser
sentidos também pelos trabalhadores dos países desenvolvidos. (WILLIAMS ET AL, 2012)

3. O estado e a implementação de políticas sociais face à crise

O´Connor (1997 apud FALEIROS, 2009) afirma que o Estado capitalista cumpre duas funções
básicas: a acumulação do capital e a legitimação da ordem social. Sendo assim, as políticas sociais
seriam, conforme Draibe (1990 apud SCHONS, 2008), ofertadas de maneira residual, complementares
àquilo que não pode ser solucionado através do mercado ou de recursos da família e da comunidade.
Faleiros (2009, p.46) lembra, porém, que as políticas sociais implementadas pelo Estado
capitalista são fruto das lutas de classes e “contribuem para a reprodução das classes sociais.”

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O Estado cumpre, assim, seu papel mediador. Farias (2001, p. 40) diz que o Estado “participa
da resolução das contradições entre os indivíduos mercantis simples, bem como entre capitalistas e
trabalhadores assalariados.”
Embora a visão liberal defenda a não intervenção estatal, Rein (1970 apud FALEIROS, 2009)
afirma que as políticas sociais se caracterizam como intervenções provenientes de um âmbito fora do
mercado, mas que cada vez mais se tornam ligadas aos interesses deste.
“O Estado intervém no mercado pelo apoio que dá às empresas ou aos indivíduos para
produzir ou ascender aos bens e serviços existentes no mercado.” (FALEIROS, 2009, p.47)
O mencionado autor, baseado nas ideias de Poulantzas (1974), afirma que o Estado é
caracterizado pelas relações sociais que o compõem e, por assim ser, é um “campo de batalhas” no qual
as classes dominantes e dominadas disputam seus interesses.
Mas as concessões feitas pelo Estado se inscrevem num contexto de produção
capitalista, onde devem por um lado assegurar a garantia da propriedade privada e a
acumulação de capital e por outro lado, garantirem o clima social necessário a esta
acumulação. (FALEIROS, 2009, p.53)

O Estado, longe de ser neutro, objetiva com suas ações proteger o mercado, o consumo e a
produção; após os anos 80, com a adoção do neoliberalismo como modelo que orienta os programas e
políticas na maior parte do mundo, inclusive na América Latina, houve uma “ruptura com o contrato
social democrata tão caro ao desenvolvimento e expansão da seguridade social.” (BOSCHETTI, 2009,
p. 175)
Isso porque, ainda segundo Boschetti (2009), os momentos de crise do capital iniciados a partir
do final da década de 70 e início dos anos 80 levaram a uma contra-reforma na seguridade social,
atingindo o desenvolvimento de políticas sociais e levando a um remodelamento do Estado no que diz
respeito às suas funções típicas, às políticas públicas e ao setor de serviços.
Nesse contexto, houve um avanço dos ideais neoliberais e uma consequente submissão dos
Estados Nacionais “aos ditames dos organismos internacionais como ONU, Banco Mundial, FMI,
OMC”. (Ibid., p. 181) que viam como prejudiciais ao desenvolvimento econômico o desenvolvimento
de políticas redistributivas, como as da seguridade social, e defendiam a contenção de gastos na área
social e o desenvolvimento de reformas fiscais e das políticas públicas.
Diante dos efeitos das reformas realizadas no setor previdenciário houve, por sua vez, segundo
a mencionada autora, “a expansão de benefícios não contributivos, de natureza assistencial, focalizados
em situação de extrema pobreza.” (Ibid., p. 190)
Assim, a partir da década de 80, há a introdução dos programas de transferência de renda em
países da América Latina e Caribe, época em que iniciaram também as reformas da previdência nos
respectivos países.

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4. Programas de transferência de renda e redução da pobreza na américa latina

Os programas de transferência de renda podem ser considerados um passo, necessário - ao


menos inicialmente - mas não suficiente, em direção a redução dos níveis de pobreza de una nação.
Todavia, caso tal medida não seja acompanhada de alterações de âmbito estrutural (como uma efetiva
redistribuição dos recursos econômicos, por exemplo), corre-se o risco que o “combate a pobreza” se
torne um mero instrumento do processo de acumulação do grande capital, através do incremento da
oferta de mão-de-obra mais qualificada e da demanda de produtos e serviços.
Las evaluaciones sobre los efectos de los PTC [Programa de Tranferência Condicionada] en las
capacidades humanas revelan que se han producido avances en materia de objetivos intermedios, como
el acceso a la escuela y los servicios de salud. (...) Las evaluaciones disponibles en cinco países (el
Brasil, Colombia, México, Nicaragua y el Paraguay) muestran que el consumo de los hogares
aumenta como resultado de su participación en los PTC. En particular, se nota un alza en el
consumo de alimentos y en la compra de vestuario (...)3 (CEPAL, 2011, p.118;142)

Outro aspecto a ser considerado é a possibilidade de utilização de tais programas como


entorpecentes sociais de massa, na medida em que eles têm a capacidade de conduzir uma parte
significativa da população dos países periféricos à manutenção de um status quo estrutural preexistente,
em termos econômicos, políticos e sociais. Podendo-se tratar até de um processo de “hegemonia às
avessas”, através do qual, aparentemente:
[...] não são mais os dominados que consentem em sua própria exploração; são os dominantes
– os capitalistas e o capital, explicite-se – que consentem em ser politicamente conduzidos
pelos dominados, com a condição de que a “direção moral não questione a forma da
exploração capitalista. (OLIVEIRA, 2010, p.27, apud TESSAROLO E KROHLING 2011,
p.86).

Em relação ao atraso estrutural das nações periféricas consideradas, o nível de assimetria entre a
América Latina e a União Europeia na distribuição dos recursos econômicos entre as diferentes faixas
de renda pode ser considerado um indicador de tal situação (Fig. 1); em 2012, enquanto a concentração
de renda na faixa Q14, ou seja, a mais pobre, era de 8,2% na União Europeia, na América Latina, tal
participação era de somente 3,8%. Isso, apesar da mesma ter apresentado reduções na UE (devido,
inclusive, aos efeitos da recente crise) e aumentos na AL no período 2000-2012.
Consideramos oportuno recordar a importância da distribuição dos recursos gerados para a
configuração socioeconômica das nações, enquanto é um dos principais fatores à base das lutas de
classe e da interrelação entre estrutura e superestrutura.

3 “No tocante a transformação do “pobre” em consumidor para atender a lógica do mercado, é notória que a intenção do
governo [brasileiro através do PBF] é responsabilizar o individuo pela situação social que vivencia, esquecendo que ela é
fruto de uma relação antagônica entre Capital e Trabalho.” (SANTOS et al, 2012, p.19)
4 O quintil de renda é calculado através da divisão em cinco partes iguais da população, ordenando-as dos mais pobres aos

mais ricos, com isso, o primeiro quintil (Q1) representa a parcela da renda concentrada na faixa mais pobre e o quinto
quintil (Q5) naquela mais rica.

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Figura 1: Distribuição de renda por quintil

Fonte: Cepalstat e Eurostat

Nesse contexto, é importante destacar o fato que o peso dos mencionados programas de
transferência na renda total nacional de países como Brasil, Chile e México “é bastante modesto, indo
de quase zero, no caso do Chile Solidario, a mais ou menos 0,5%, no caso do Oportunidades (México)
e do Bolsa Família (Brasil)” (SOARES et al, 2007, p.25). Por conta da atual configuração:
[...] eses programas de transferência de renda, além de ineficazes do ponto de vista do
enfrentamento à pobreza, sobretudo porque não combatem as raízes da desigualdade
na região, ainda acabam por reforçar o estigma da subalternidade, visto que a pobreza
permanece tratada à margem das políticas sociais, portanto, relegada ao campo do não
direito. (NASCIMENTO; REIS, 2009, p.191)

Todavia, os Programas de Transferência de Renda surgiram ancorados na ideia de que o direito


à renda “se constitui elemento agregador de direitos sociais.” (COUTO e MARTINELLI, 2012, p. 221)
O direito à renda apareceu assim “associado ao direito do usuário de utilizá-la a partir das necessidades
sentidas por ele e por seu grupo familiar.” (Ibid., p. 221)
Os mencionados programas de transferência surgiram na América Latina no final dos anos 80
como uma estratégia de enfrentamento da crise econômica e social existente, influenciada pelas
concepções neoliberais e estimulada posteriormente pelos objetivos estabelecidos na Conferência de
Compenhagen, em 1995, e na Declaração dos Objetivos do Milênio.
Em 2000, a Organização das Nações Unidas estabeleceu oito metas, denominados Objetivos do
Milênio ODM5, as quais deveriam ser atingidas pelos países aderentes até 2015. Os mencionados
objetivos foram definidos nos seguintes termos: 1) acabar com a fome e a miséria, 2) educação básica
de qualidade para todos, 3) igualdade entre sexos e valorização da mulher, 4) reduzir a mortalidade
infantil, 5) melhorar a saúde das gestantes, 6) combater a AIDS, a malária e outras doenças, 7) qualidade
de vida e respeito ao meio ambiente e 8) todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento.

5 Disponível em:< http://www.objetivosdomilenio.org.br/objetivos/> Acesso em: 10 de set de 2013.

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Independente da nobreza que possa existir por trás destas metas, um dos aspectos importantes
a serem questionados é se estas emergiram realmente das necessidades dos países em desenvolvimento
ou se são somente mais um instrumento do processo de acumulação do grande capital. A significância
de tal aspecto se deve, inclusive, a sua relevância na definição das estratégias a serem seguidas pelos
Estados para o cumprimento dos ODM
[...] a realização destes objetivos depende de uma boa governação no plano
internacional e da transparência dos sistemas financeiros, monetários e comerciais.
Propugnamos um sistema comercial e financeiro multilateral aberto, equitativo,
baseado em normas, previsível e não discriminatório. (ONU, 2000, p.7)

De acordo com Jimenez & Segundo (2007, p. 119), esta e outras concepções, como
[...] a relação traçada entre educação e pobreza [pelos organismos internacionais],
traduz uma retórica mistificadora, representando um instrumento de ajuste ao projeto
de reprodução do capital, diante do agravamento das dificuldades de acumulação do
lucro postas pela crise estrutural contemporânea.

Em relação às políticas públicas “sociais” implementadas na América Latina, é possível


identificar a presença de um “alinhamento” entre seus objetivos e aqueles dos ODM: enquanto,
segundo estes últimos, é necessário que se garanta que todas as crianças concluam o ensino básico,
reduza-se em dois terços a taxa de mortalidade de crianças menores de cinco anos e em três quartos
aquela materna.
No que concerne aos níveis de pobreza, uma das principais metas da ODM é reduzir pela
metade, entre 1990 e 2015, a proporção da população com renda inferior a um dólar por dia. No caso
do Brasil, atuando através de programas de transferência de renda como o Programa Bolsa Família
PBF, o qual tem como principal público alvo a população com renda inferior a R$ 70 mensais 6, o
objetivo de reduzir pela metade o número de pessoas vivendo naquela faixa de pobreza já teria sido
cumprido em 2010 (tabela 1); entre os 18 países da América Latina para os quais os dados estão
disponíveis, 12 atingiram a meta dos ODM neste âmbito.

6Caso consideremos que o câmbio entre as moedas real e dólar seja 2,3 e multiplicarmos tal valor por 31 (dias) teremos um
ponto cut-off, segundo os ODM, de R$ 71,2.

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Tabela 1: Proporção e variação da população com renda inferior a um dólar por dia na América
Latina, entre 1990 e o último dado disponível.

Fonte: Cepalstat

Assim, os primeiros programas desenvolvidos foram, segundo Stein (2009), o Programa Beca
Alimentaria, na Venezuela, em 1989; o Programa de Auxílio à Família, em Honduras, em 1990; o
Programa de Educação, Saúde e Alimentação, no México, em 1997; o Bono Solidario, no Equador, em
1998 e as experiências nos municípios de Distrito Federal, Campinas e Ribeirão Preto, em 1995, no
Brasil.
A partir dos anos 2000 tais experiências foram multiplicadas e os demais países da América
Latina passaram a desenvolver programas de transferência de renda com características semelhantes.
Dentre as características dos programas de transferência de renda implementados vê-se que são
todos categoriais, focalizados em categorias específicas ou em situações específicas ligadas à miséria
e/ou vulnerabilidade extrema. São concedidos mediante o cumprimento de condicionalidades, têm
valores reduzidos e “não asseguram a satisfação das necessidades básicas”. (BOSCHETTI, 2009, p.
193)
Embora os países apresentem particularidades na operacionalização de tais programas, estes
apresentam, de maneira geral, as seguintes características: são “a última rede de segurança econômica ou
de assistência social” no caso dos países europeus e “a primeira e única possibilidade de acesso na
América Latina e consistiriam em transferências monetárias do Estado às famílias.” (STEIN, 2012, p.
197)
Mesmo sendo destinados a todos, uma vez que não carecem de contribuição prévia a nenhum
outro sistema, apresentam, segundo Stein (2009), um caráter condicional já que o direito à renda é
condicionado à situação de renda familiar do beneficiário.
Os Programas de Transferência de Renda constituem, no caso brasileiro, um forte eixo da
proteção social desenvolvida no país, contribuindo para a redução de suas taxas de miséria e pobreza.
Segundo a definição da NOB/SUAS (2005, p.20) são de transferência de renda
[...] os programas que visam o repasse direto de recursos do fundo de Assistência
Social aos beneficiários, como forma de acesso à renda, visando o combate à fome, à
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pobreza e outras formas de privação de direitos, que levam à situação de
vulnerabilidade social, criando possibilidades para a expansão, o exercício da
autonomia das famílias e indivíduos atendidos e o desenvolvimento local.

Merecem destaque no Brasil o Benefício de Prestação Continuada BPC e o Programa Bolsa


Família PBF. O BPC é garantido, segundo a Lei Orgânica de Assistência Social- LOAS- para idosos a
partir de 65 anos e pessoas consideradas sem condições para a vida independente e para o trabalho,
com renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Tem seus recursos advindos do Fundo
Nacional de Assistência Social, mas é operacionalizado através do INSS.
Já o Programa Bolsa Família se caracteriza como um programa de transferência de renda que
possui condicionalidades nas áreas da saúde e educação. Encontramos o compromisso das famílias em
manter crianças e adolescentes devidamente matriculados na escola e, na área de saúde, de acompanhar
o cartão de vacinação e o crescimento e desenvolvimento das crianças menores de sete anos; as
gestantes ou nutrizes devem realizar o pré-natal e o acompanhamento da sua saúde e do bebê7.
Criado pela lei 10836, de 09 de janeiro de 2004, a partir da unificação dos demais programas de
transferência de renda federais, beneficia mais de 13 milhões de famílias no país. Tem como um dos
objetivos básicos a promoção do acesso à rede de serviços públicos, o combate à fome e a promoção
da segurança alimentar e nutricional, ou seja, a satisfação de uma das necessidades básicas que é a
alimentação.
Os valores repassados variam conforme a composição familiar e os benefícios são: Benefício
Básico, no valor de R$70,00 para famílias com renda per capita até R$70,00, independente de sua
composição; Benefício Variável, no valor de R$32,00 para famílias com renda per capita de até
R$140,00 e que possuam crianças, adolescentes de até 15 anos, gestantes e / ou nutrizes, com limite de
cinco por família; Benefício Variável Vinculado ao Adolescente, no valor de R$38,00 para a família que
possuir jovem entre 16 e 17 anos regularmente matriculado na escola, com limite de dois por família e o
Benefício para Superação da Extrema Pobreza , cujo valor é calculado caso a caso e é repassado para
famílias que não saíram da condição de extrema pobreza, mesmo após o recebimento de outros
benefícios.
Dentre as características do Bolsa Família, Stein (2009) destaca: os critérios de seletividade
usados caracterizam-se pela focalização em indivíduos e famílias extremamente pobres, com valor de
renda per capita estabelecidos; dentre seus objetivos está o combate à pobreza, a intersetorialidade e
complementaridade entre as diferentes políticas públicas e o combate à fome; é ligado a
condicionalidades nas áreas da saúde e educação e disponibilizam os benefícios através do uso de cartão
eletrônico.

7 As condicionalidades são os compromissos assumidos pelas famílias beneficiárias do Bolsa Família para receber o
benefício. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/condicionalidades> Acesso em: set de 2013.

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Além dessas características, utiliza ainda o Cadastro único para acesso aos programas sociais
governamentais como forma de identificação dos beneficiários e realiza o monitoramento e avaliação
das atividades a partir da Secretaria de Avaliação e Gestão do Ministério de Desenvolvimento Social e
Combate à Fome e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA.
É importante ressaltar, porém, que apesar da grande abrangência do programa e da sua
importância na diminuição da pobreza e alívio das dificuldades dos mais pobres, as transferências
sociais não são, segundo Salama (2012) a solução para suprimir a pobreza absoluta.
Williams et al (2012, p.76) afirmam que “as políticas e programas sociais não têm modificado a
situação de pobreza de milhões de famílias, pois são insuficientes para atender suas necessidades.”
Tratam-se, assim, de políticas focalizadas e centradas sobre a indigência que operam com a
minimização do Estado e seu papel interventivo e, embora sejam operacionalizadas visando combater a
pobreza e a miséria, não interferem no quadro de desigualdade social e concentração de renda dos
países. (NETTO, 2012)

5. Considerações finais

Segundo Farias (2001, p.40), uma das principais funções do Estado é mediar o processo de
resoluçao de contradições entre os atores da sociedade. Ainda segundo o autor, a forma através da qual
o Estado intervem é historicamente determinada por aspectos relacionados, inclusive, ao seu próprio
papel de mediador nos diferentes espaços e períodos em que ele esteve presente.
Concernente ao processo histórico que levou à atual configuração (periférica) da América
Latina, a sua relevância para as análises relativas às políticas socioeconômicas ali implementadas, como
as de transferência de renda, está no fato que, entre outras coisas, revela as contradições presentes entre
os diferentes atores da sociedade tanto a nível nacional como internacional.
A aceitação por muitos dos países latino-americanos de certos padrões de políticas de
“combate” a pobreza “sugeridos” por organismo internacionais pode ser considerado um exemplo
neste sentido, ao determinar não só quem e como seriam contemplados, mas, principalmente, quem e
como não seriam contemplados.
A redução da pobreza denominada extrema e o aumento de certos índices de educação e saúde
podem ser considerados aspectos positivos para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
Todavia, é importante nos questionarmos o quanto tais medidas têm um fim em si mesmas e o quanto
são somente instrumentos do grande capital, ou seja, de dominação política, social e econômica.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 341

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Mercosul e Alba: contribuições para a formação
de um bloco latino-americano

Felipo Pereira Bona1

1. Importância da Integração Regional para a América Latina

P
ara compreender a importância processo de integração e de formação de bloco latino-
americano é pertinente destacar a relevância do chamado Novo Mundo para as potências
europeias. A expansão marítima, a assinatura do Tratado de Tordesilhas (1494), o
mercantilismo e o colonialismo estabeleceram um novo quadro na recém descoberta América,
partilhada por Portugal e Espanha, sendo depois território disputado pela Coroa Britânica, Holanda e
França.
Após a Era das Revoluções2, marcada pelo avanço industrial e necessidade de novos mercados
consumidores, inaugurava-se o Neocolonialismo ou Imperialismo, momento de novo expansionismo
europeu à procura de mercado consumidor. As consequências foram além dos elementos econômicos,
ocasionando disputas entre as colônias (algumas já independentes), além de divisões fronteiriças,
períodos de ingerência governamental estrangeira e instabilidade democrática não apenas em nações
sul-americanas, mas também caribenhas.
Embora contem com histórico comum, características econômica e culturalmente similares, os
33 Estados soberanos que compõem a América Latina e o Caribe têm buscado firmar alianças para
alcançar certo grau de independência e eficiência econômica3.
Neste ponto a formação de blocos regionais atende ao proposto, visto tentar aproximar países
vizinhos, centrando no aspecto econômico e nas relações comerciais o mote do acercamento.
Entretanto, economias subdesenvolvidas e em desenvolvimento necessitam de maior cautela quando se
pretende a formação de zonas econômicas.
Os efeitos nocivos de uma integração não comprometida com o desenvolvimento interno do
projeto integracionista que não pretenda a elevação de níveis sociais e que submeta as economias dos
estados às variações do mercado (GALEANO, 2009, P.327). É o que também entendeu a Comissão
Econômica para América Latina (Cepal), que por meio de principais expoentes, Celso Furtado e Raúl

1 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, beneficiário de Bolsa do


Programa Demanda Social (DS) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Grupo de
Pesquisa Integração regional, Globalização e Direito Internacional. Orientadora: profª Drª Eugênia Cristina Nilsen Ribeiro
Barza. E-mail: felipobona@yahoo.com.br
2 Nomenclatura dada por Eric Hobsbawn, historiador inglês, ao período de 1789-1848 marcado pela “dupla revolução”, a

Revolução Francesa de 1789 e a revolução industrial (inglesa) contemporânea.


3 Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dominica,

El Salvador, Equador, Granada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru,
República Dominicana, Santa Lúcia, São Cristóvão e Nevis, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago,
Uruguai, Venezuela.
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Prebisch, ao atentar para o possível desvirtuamento do processo de industrialização iniciado na região


em dependência econômica.
Aos processos de integração, portanto, é imprescindível rever os sistemas de dependência que
dificultam o desenvolvimento regional, tendo em vista que a superação de obstáculos pode e deve ser
estudada em âmbito regional, até porque coincidem na maioria dos países (PREBISCH, 1962 apud
GALEANO, 2009, p. 328).
Neste sentido os princípios de cooperação e solidariedade são fundamentais nesta empreitada
posto que a manutenção de estabilidade nas relações diplomáticas na região possui tripla função:
aprofunda o relacionamento intrazonal, incentiva a adesão de novos membros e incentiva o aporte de
investimentos. Isto significa dizer maior cumplicidade entre as nações e maior disposição na atuação em
bloco, compromisso para com o projeto integracionista, entendido como estabilidade e, por
conseguinte, o interesse de países terceiros constituírem a união.
Às vistas da sociedade internacional a estabilidade atrai investimentos, dá credibilidade, com
possibilidades de aportar capital na região, elevando o poder de barganha do bloco e dos países-
membros, o que representa a maior vantagem de processos de integração relevantes para a América
Latina: convergência política e atuação mais efetiva em organismos internacionais.

2. Mersocul/Alba-TCP

A integração sul-americana nos remonta às primeiras décadas do século XIX quando Símon
Bolívar tentou, pioneiramente, reunir no Congresso do Panamá, de Julho de 1826, governos de
diferentes Estados a fim de promover a assinatura do Tratado de União, Liga e Confederação Perpétua.
O destaque histórico apenas ressalta a intenção no processo, mas em termos objetivos a
integração deve ser datada quando da criação da Comissão Econômica para América-Latina (Cepal),
agência vinculada às Nações Unidas que realizou estudos de viabilidade e sugeriu algumas alternativas,
sendo diretamente responsável pelas diversas experiências integracionistas.
Um exemplo disto é o Tratado de Montevidéu de 1960, estabelecendo a Associação Latino-
Americana de Livre-Comércio (Alalc), cujo objetivo era firmar uma zona de livre-comércio com fins de
estruturar um Mercado Comum Regional no prazo de 12 anos. Eram membros: Argentina, Brasil,
Bolívia, Colômbia, Chile Equador, México, Paraguai, Uruguai, Peru e Venezuela.
O fracasso deste projeto deveu-se a própria brevidade do prazo estabelecido e dos desafios
políticos (ditaduras militares) e econômicos (mercado interno com reduzido fluxo de intercâmbio)
enfrentados pelos países signatários.
Vinte anos depois, o projeto de integração foi revisto com a assinatura do Tratado de
Montevidéu de 1980, criando a criação da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). A
premissa para o projeto foi a necessidade de homogeneização dos países-membros, continuidade ao
processo de integração com vistas ao desenvolvimento econômico e social, harmônico e equilibrado.
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Neste sentido a Aladi objetivava a criação de um Mercado Comum através da promoção do comércio
intra-regional, entretanto, a condução deste projeto esteve centrada somente nos atores Estatais, cujos
alicerces foram prejudicados diante do endividamento externo no início dos anos 80 e da concorrência
com outros tipos de associações consideradas Blocos Econômicos (NAFTA, CEE, CAN, etc.)
organizados pelo mundo.
Com os movimentos de redemocratização4 países da América do Sul em meados da década de
80 também visaram expandir as relações com seus vizinhos, época em que José Sarney e Raúl Alfonsín,
em 1985, assinaram a Declaração de Iguaçu, documento base para a construção de um Mercado
Comum no Sul.
Os anos seguintes trouxeram a criação do Programa de Integração e Cooperação Econômica
em 1986 (PICE) cuja proposta era aproximar o eixo Brasil-Argentina e revelou-se uma articulação
estatal-burocrática bilateral que passou a promover a conformação de uma estrutura institucional
intergovernamental com estabelecimento de órgãos para levar adiante o processo de integração
regional.
Em seguida, assinou-se o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento de 1988
(TICD), significou a absorção de ideias neoliberais pelos países signatários, previa a conformação de
um espaço econômico comum num prazo de 10 anos, além de eliminar parcialmente barreiras
alfandegárias e não-alfandegárias e organizar uma liberalização de comércio gradual.
Não obstante o exíguo prazo e todos os desafios pelo qual todo processo de integração
econômica enfrenta, as presidências de Fernando Collor de Mello e de Carlos Menem ávidos por maior
inserção mundial e abertura de mercados, firmaram em 1990 a Ata de Buenos Aires antecipando a
conformação do espaço comum para 1994.
Finalmente, em novembro de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai organizaram-se em
bloco a partir do Tratado de Assunção5. Este dividiu claramente o processo integracionista em duas
etapas: a primeira, provisória com prazo para dezembro de 1994, significaria o início mais dedicado à
formação do Mercado Comum; a segunda, iniciada a partir de janeiro de 1995 seria uma etapa definitiva
com a consolidação de uma “União Aduaneira imperfeita”6 (ACCIOLY, 2003, p. 71)
Já se avançou substancialmente no sentido da integração econômica com a adoção de políticas
comerciais externas comuns, consectário da aceitação da Tarifa Externa Comum (TEC). Quanto à
inserção global, o Protocolo de Ouro Preto de 1994 (POP) em seus artigos 34 e 35 conferiu
personalidade jurídica de Direito Internacional ao Mercosul.

4 Redemocratização da Argentina ocorreu em 1983 e do Brasil em 1985.


5 Além do Tratado de Assunção, regem o Mercosul: o Protocolo de Ouro Preto de 17/12/1994; o Protocolo de Brasília de
17/12/1991; e, o Protocolo de Olivos de 18/02/2002.
6“Essa primeira etapa no processo de integração resultou em uma União Aduaneira imperfeita porque sua formação

implicava uma Tarifa Externa Comum (TEC), a qual não chegou a alcançar sua forma plena porque ainda não engloba
todos os produtos da região.” (FERNANDES, 2003, p. 74)

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Atualmente compõem o bloco mercosulino enquanto Estados-parte: Argentina, Bolívia7, Brasil,


Paraguai, Uruguai e Venezuela; Estados Associados: Chile (1996), Peru (2003), Colômbia (2004),
Equador (2004), Guiana (2013) e Suriname (2013)8; e, como Estados Observadores, México e Nova
Zelândia (2010).
O principal obstáculo enfrentado neste século XXI tem sido a questão da possibilidade de
atribuição de caráter supranacional aos órgãos que estruturam o Mercosul em substituição ao método
intergovernamental. O regime de coordenação de soberanias requer o consenso na tomada de decisões
do bloco e isto tem enfraquecido a unidade integracionista o que, por conseguinte, reduz a credibilidade
internacional da união.
A despeito das dificuldades, o Mercosul ainda tem muito potencial para expandir, sendo que
Elizabeth Accioly (2003, p. 73) afirma que existe vontade política de aprofundar as relações
mercosulinas e ressalta que o objetivo do Mercosul é a conformação de um Mercado Comum, projeto
este que se vê protelado em função de tantas instabilidades econômicas que o bloco há enfrentado.
(2003, p. 73)
Até o momento o projeto de integração do Mercosul tem avançado no sentido de estabelecer
um mercado comum com a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, mediante o
estabelecimento da tarifa externa comum e a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais,
bem como uniformizando legislações9.
Percebe-se que a locomotiva do processo de integração econômica na América latina tem sido a
aproximação territorial dos países, a necessidade de superação de crises, as semelhanças políticas,
econômicas e culturais da região e a inserção em bloco na disputa pela economia globalizada.
Não contrariando as aspirações sociais, econômicas e políticas acima descritas, mas com um
processo integracionista notadamente controlado pelo Estado, o que acentua características de uma
economia planificada, surge em 2004 a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, resultado
do Tratado de Comércio dos Povos (Alba-TCP-TCP10).
Antes, porém, é mister uma breve explanação do que se revelou a Área de Livre-Comércio das
Américas. A ALCA surgiu da sugestão de criação de uma zona de livre-comércio na América do Sul
(ALCSA11), quando os EEUU aproveitaram a iniciativa para logo em 1994 editarem a Declaração de

7 O Estado Plurinacional da Bolívia faz parte do Mercosul desde 1996, quando ocupava status de Estado Associado, desde
7 de Dezembro de 2012 firmou-se Protocolo de Adesão que ainda depende de análise pelos outros Estados Membros.
8 A Guiana e o Suriname integram o Bloco enquanto Estados Associados depois de firmarem Acordos Quadro com a

Entidade, todavia os Acordos ainda dependem de ratificação.


9 Artigo 1º do Tratado de Assunção.
10 Anteriormente chamada de Alternativa Bolivariana para as Américas teve sua nomenclatura alterada em 24 de Junho de

2009 quando os Estados-membros inauguraram uma fase mais dinâmica no processo de integração.
11 Área de Livre Comércio Sul-Americano foi proposta pelo então presidente brasileiro Itamar Franco por ocasião da VII

Reunião dos Presidentes do Grupo do Rio em Santiago em outubro de 1993.

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Princípios e Planos de Ação para toda América12 temendo que a organização dos países sul-americanos
significasse perda de mercado.
A pressão do EUA sobre os países sul-americanos para que acordassem na formação da ALCA
foi tão incisiva que acabou por incentivar verdadeiros movimentos de rechaço à proposta do Norte.
As negociações que deveriam estender-se até 2005 quando da criação deste espaço econômico,
fracassaram. O bloco revelou-se uma tentativa de fixação da hegemonia estadunidense na América
Latina e o projeto fora abandonado desde a última reunião, a Quarta Cúpula das Américas.
Para Victor Hugo Jijón (2010), as obrigações de pagamento dos serviços da dívida externa, as
pressões estadunidenses para que se criasse a ALCA ou se firmassem Tratados de Livre Comércio
bilaterais e a vulnerabilidade do setor externo foram os três fenômenos regionais que marcaram a
conjuntura latino americana nos últimos anos.
Foi, então, que no III Fórum de Chefes de Estado e Governo da Associação dos Estados do
Caribe celebrado na Ilha de Margarita, em Dezembro de 2001, o Presidente Hugo Chávez da República
Bolivariana da Venezuela propôs a criação da Alternativa Bolivariana para os Povos de Nossa América
(Alba-TCP), cujo projeto foi inicialmente aprofundado por Cuba e Venezuela.
A Alternativa Bolivariana pretendia fazer oposição ao avanço da ALCA, a Área de Livre-
Comércio das Américas, proposta liderada pelos Estados Unidos comprometida com um modelo a
serviço do capital transnacional que almejava a liberalização absoluta do comércio, serviços e
investimentos no continente americano que, ademais, configurava-se num verdadeiro instrumento
político de estabelecimento da hegemonia dos Estados Unidos na América Latina (JIJÓN, 2010).
A experiência Alba formou-se em 2004 quando da assinatura da Declaração Conjunta de
Criação da Alba-TCP entre o presidente Hugo Chávez e o primeiro ministro Fidel Castro. O
documento faz referência direta à oposição do avanço hegemônico da ALCA13.
Apoiados em princípios de cooperação e solidariedade, direcionados a partir da vontade comum
de implementação dos níveis de desenvolvimento dos países latino-americanos e caribenhos, iniciou-se
um processo de integração que corresponde aos objetivos de desenvolvimento independente e
complementariedade econômica regional a partir da assinatura do Acordo para Aplicação da Alternativa
Bolivariana para os Povos da Nossa América e do Tratado de Comércio dos Povos.
A interpretação que a Alba-TCP faz dos processos integracionistas experimentados pela
América latina é centrada em análises de conjuntura, destacando a dificuldade de alcançar o

12 À exceção de Cuba, contra quem o EUA mantém bloqueio comercial, financeiro e econômico. Ademais, a mesma
proibição de negociar com o Estado Cubano estender-se-ia aos países que porventura compusessem a ALCA, razão que
justificou severos impasses nas negociações deste bloco.
13 Portanto rechaçamos veementemente o conteúdo e as intenções da ALCA, e compartilhamos a convicção de que a

chamada Integração fundada em bases neoliberais, que ela representa, consolidaria o panorama descrito, e nos conduziria à
desunião ainda maior dos países latino americanos, à maior pobreza e desespero dos setores majoritários dos nossos países,
à desnacionalização das economias da região e à subordinação absoluta aos ditames do exterior. Tradução livre do original.

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desenvolvimento independente, sem dependência externa, além de criticar a atuação das empresas
transnacionais14
As razões repetem-se em quase todos os documentos oficiais da Alba-TCP, pode-se citar mais
recentemente parte do discurso15 de Carlos Lage Dávila, Vice-presidente do Conselho de Estado, por
ocasião da adesão de Honduras16.
É por meio do desenvolvimento endógeno do espaço regional que se pretende a criação de
mecanismos que fomentem a criação de vantagens cooperativas entre as nações. Desta maneira,
permitindo a compensação das assimetrias que existem entre os países sul-americanos e o combate à
pobreza e a desigualdade.
Atualmente o bloco conta com os seguintes membros: Cuba (14/12/2004), Venezuela
(14/12/2004), Bolívia (29/04/2006), Nicarágua (23/02/2007), Honduras (09/10/2008-13/01/2010)17,
Dominica (20/01/2008), São Vicente e Granadinas (24/06/2009), Antígua e Barbuda (24/06/2009),
Equador (24/06/2009) e Santa Lúcia (20/07/2013). Compõem o bloco enquanto Estados
observadores o Haiti, Granada, Paraguai, Uruguai e Suriname.
A Alba-TCP, portanto, é um bloco ainda muito recente cujo alcance dos objetivos dependerá
sobremaneira da representatividade e influência política e econômica em âmbito mundial, tendo em
vista que seus membros possuem majoritariamente economias subdesenvolvidas. Chama-se atenção,
entretanto, para o alinhamento político dos governos dos Estados-membros, eis que o laço que os une
não parece ser estritamente comercial, mas sobretudo reconhecedor de uma identidade sociocultural
latino-americana.
Mercosul e Alba-TCP são duas experiências importantes para a América Latina, não
excludentes, antes complementares, pois o ânimo político de mobilização e união dos países latino
americanos é renovado e tira proveito de todo arcabouço estrutural já desenvolvido desde o Tratado de
Assunção.

14 Analisamos historicamente o processo de integração da América Latina e do Caribe, e constatamos que este, longe de
atender aos objetivos do desenvolvimento independente e da complementariedade econômica regional, tem servido como
um mecanismo de aprofundamento da dependência e da dominação externa.
Constatamos também que os benefícios obtidos durante as últimas cinco décadas pelas grandes empresas transnacionais, o
esgotamento do modelo de substituição das importações, a crise da dívida externa e, mais recentemente, a difusão dos
políticos neoliberais, com uma maior transnacionalização das economias latino-americanas e caribenhas e com a
proliferação das negociações para a conclusão dos acordos de livre-comércio de natureza igual à ALCA, criam bases que
distinguem o panorama de subordinação e atraso do qual sofre nossa região. Tradução livre do original: Declaración
Conjunta entre El Presidente de La República Bolivariana de Venezuela y el Presidente Del Conselho de Estado de la
República de Cuba para la creación dela Alba-TCP, La Habana, 14 de diciembre de 2004.
15 Discurso: “El Alba-TCP fue uma inspiración, luego um proyecto, hoy es uma esperanza”.
16 A Alba-TCP é o verdadeiro modelo de integração latino-americano. Integração dos povos, não somente dos mercados, a

Alba-TCP é complementariedade, não competitividade, promove solidariedade, e rechaça os mesquinhos egoísmos


nacionais, é compreensão das diferenças e atenção diferenciada para os mais vulneráveis. Tradução livre do original.
17 Honduras aderiu ao bloco durante o mandato do presidente Manuel Zelaya e manteve-se até janeiro de 2010 em função

da denúncia do acordo Alba-TCP-TCP pelo Congresso em Dezembro de 2009. A brevidade da associação deste país é
conseqüência do golpe de estado ocorrido em 2009 que empossou enquanto presidente interino Roberto Micheletti, então
líder do Congresso Hondurenho e principal opositor ao governo deposto.

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Neste ser assim, é conveniente avaliar quais caminhos o processo de integração mercosulino
vem trilhando e perceber de que forma a Alba-TCP pode contribuir na formação de uma zona
econômica mais fortalecida.

2.1. O modelo de integração proposto pelo Mercosul


O bloco constitui um acordo predominantemente comercial e tributário. O preâmbulo do
acordo registra a vontade de intensificar a livre circulação dos fatores de produção, estabelecer tarifa
externa comum e política comercial comum, além de coordenar a política macroeconômica18.
Neste sentido, a primeira medida foi a de estimular a produção interna dos países-membros
através da livre circulação de bens. Estabeleceram-se, então, regras de origem de modo que fosse
possível identificar quais os bens genuinamente nacionais desses Estados e determinar o mínimo de
conteúdo local que um bem ou serviço deve apresentar para ser considerado nacional ou regional e,
assim, beneficiar-se da livre circulação.
Ainda como consectário da liberdade de circulação de bens e serviços, há a eliminação de
gravames e restrições tarifárias, bem como as de efeito equivalente19. Ora, direitos aduaneiros, tributos
de importação ou e quaisquer outros encargos, pecuniários ou não, medidas de caráter administrativo,
financeiro ou cambial, que dificulte o acesso de produtos e serviços ao mercado regional são
desestimulados, restritos e, eventualmente, eliminados.
As políticas de liberação comercial no Mercosul estão dispostas no Anexo I ao Tratado de
Assunção e formam o Programa de Liberação Comercial que obedecerá a uma redução progressiva,
linear e automática até que se chegasse à tarifa zero o pagamento de direitos aduaneiros.
Concomitantemente, tendo em vista as disparidades entre as economias dos Estados-membros
e o prejuízo causado por pela redução drástica dos direitos aduaneiros, formaram-se listas de exceções,
de caráter eminentemente temporário, para as quais se limitou a quantidade de itens e previu-se a
redução ano a ano.
Há, também, a previsão de regimes especiais, que é outra exceção ao Programa de Liberação
Comercial, e consiste na preparação de produtos específicos para a entrada na união aduaneira, açúcar e
automóveis são dois exemplos. Os acordos preveem tanto regras para o comércio extrazona quanto
para o intrazonal como a fixação de preferências tarifárias, quotas de importação, índices de comércio.
Os regimes especiais cuidam, na verdade, de produtos mais sensíveis à entrada no Mercado Comum.
Fora do Mercosul, incentivou-se ainda, a negociação de preferências nos âmbito dos Acordos
previstos no Tratado de Montevidéu 1980, isto é, da Aladi. Esta diretriz demonstra claramente a
disposição de aprofundar as relações comerciais com os países da região.

18Artigo 1º do Tratado de Assunção.


19São consideradas medidas de efeito equivalente restrições não tarifárias como estabelecimento de cotas de importação ou
exportação, normas técnicas discriminatórias, controles alfandegários abusivos, etc.

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Quanto ao comércio externo, o Mercosul coordena políticas macroeconômicas e setoriais,


transformando a zona econômica numa união aduaneira, isto significa dizer o estabelecimento de uma
tarifa externa comum e uma política comercial externa comum.
Estas medidas são indispensáveis para garantir a atuação do bloco, evitando a negociação
bilateral de vantagens pelos Estados-partes. Previne também o desvio de tráfego de produtos
importados, bens oriundos de países terceiros adentram o espaço econômico com os mesmos ônus por
qualquer fronteira.
Em matéria comercial estas foram os avanços efetuados no âmbito do Tratado de Assunção,
apesar das extensões de prazo concedidos para o fim das listas de exceção ainda não foi possível
concretizar a tarifa zero para o comércio interno.
O bloco foi relegado ao segundo plano nas políticas internacionais dos Estados-partes durantes
os últimos anos, bem recentemente é que se retomaram as discussões em torno da integração
mercosulina, discute-se atualmente a coordenação de blocos na América Latina, a estrutura institucional
do Mercosul e a coordenação de soberanias e o método decisório da instituição, tudo a fim de
possibilitar aprofundamento no processo integracionista.

2.2. As contribuições da Alba-TCP


Como já se viu a Aliança Bolivariana conta apenas nove anos de existência. Possui um projeto
ambicioso de formação de uma zona econômica e monetária entre todos os países da América Latina e
do Caribe.
Fundamentada em princípios de solidariedade e cooperação, pretende a erradicação da pobreza,
a promoção de desenvolvimento sustentável da região e a preservação e respeito da identidade cultural
dos povos sul-americanos.
Na prática o que existe concretamente em matéria comercial até o momento é o Tratado de
Comércio dos Povos, documento constitutivo da Aliança e orientador da integração proposta pelos
países signatários.
Talvez a maior contribuição da Alba-TCP seja aproximar os países latino-americanos e do
Caribe, estabelecendo pautas comuns de reivindicação e homogeneizando posicionamentos. A
capacidade de articulação política já soma mais de dez países orbitando o bloco recém-formado.
Intrazona, Venezuela e Cuba eliminaram todas as taxas alfandegárias e de efeito equivalente
para os produtos bolivianos e garantiram a compra dos excedentes de produtos da cadeia oleaginosa,
agrícola e industrial. Entre os dois primeiros países já se reduziram as taxas aduaneiras restando
somente listas preferenciais.
Em contrapartida, a Bolívia compromete-se a exportar matérias prima, hidrocarbonetos a fim
de contribuir para a segurança energética da Venezuela e de Cuba, e isenta de impostos os
investimentos estatais e de empresas mistas que se formarem entre os países.

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Como na experiência mercosulina editou-se um cronograma de desgravação progressiva para os


bens em que ainda incidem direitos alfandegários. Preferências aduaneiras também são negociadas com
outros blocos e Estados da região.
Quanto à intervenção na construção do espaço econômico, sendo a Aliança regulada e
coordenada nitidamente por agentes públicos, é dito que atuarão por meio de projetos e empresas
grannacionales20.
Os chamados projetos grannacionales abrangem as áreas social, econômica, política, financeira,
cultural, científica, industrial e qualquer outra que tenha relevância para o bloco. Alguns projetos, por
sua vez, orientam a criação de empresas grannacionales, que também são instrumentos de ação e
execução dos princípios e fins da Alba-TCP. A última reunião da Câmara em Cochabamba, em 17 de
outubro de 2009, aprovou a criação da empresa comercializadora grannacional de exportações e
importações, a Alba-TCPEXIM.
É importante observar que existe um propósito em se chamarem grannacionales, pois estas
empresas seriam o contraponto às empresas transnacionais, operadoras das políticas neoliberais da
Alca. Isto não significa dizer que o capital formador dessas instituições e sua atuação não ultrapassem
fronteiras.
O aporte de capitais nestas empresas é preferencialmente misto, ou seja, de mais de um país-
membro, todavia reservam-se, sempre que a natureza e o custo do investimento permitam, 51% das
ações para o país sede.
Recentemente estruturou-se o Banco do Alba-TCP, que é uma espécie de câmara de
compensação e fonte de investimentos para os projetos da Aliança. Impulsiona-se hodiernamente o
debate acerca da criação de um fundo de compensação e de uma moeda comum, para tanto o
estabelecimento do Sistema Unitário de Compensação Regional de Pagamentos (Sucre).

20 Por motivos de fidelidade textual e com receio de que a tradução livre não signifique o que o termo pretende, prefiro
mantê-lo no idioma original e expor as razões da Alba-TCP para justificar a expressão: “El concepto grannacional puede
asimilarse al de mega estado, en el sentido de la definición conjunta de grandes líneas de acción política común entre
estados que comparten una misma visión del ejercicio de la soberanía nacional y regional, desarrollando y desplegando cada
uno su propia identidad social y política, sin que ello implique en el momento actual la construcción de estructuras
supranacionales.
Posee también un fundamento socio–económico, basado en la constatación de que la estrategia de desarrollo de las
economías de nuestros países hasta el grado de producir la satisfacción de las necesidades sociales de las grandes mayorías,
no puede limitarse al ámbito local. En esencia, se trata de superar las barreras nacionales para fortalecer las capacidades
locales fundiéndolas en un todo para ser capaces de enfrentar los retos de la realidad mundial. Cada día se hace más patético
el hecho de que nuestra realidad local es nuestra realidad regional.
Por último, este concepto posee un fundamento ideológico que viene dado por la afinidad conceptual de quienes
integramos al Alba-TCP, en cuanto a la concepción crítica acerca de la globalización neoliberal, el desarrollo sustentable
con justicia social, la soberanía de nuestras naciones y el derecho a su autodeterminación, generando un bloque en la
perspectiva de estructurar políticas regionales soberanas.
En consecuencia, lo grannacional es el proceso que experimentamos hoy bajo los principios del Alba-TCP, en la
perspectiva de alcanzar la unión política de nuestras repúblicas para construir la gran nación que soñaron nuestros próceres,
y hacia la cual nos empuja la dinámica del mundo actual dominado por las grandes potencias industrializadas y los bloques
económicos hegemônicos”.

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Não obstante tantas propostas e encaminhamentos, nada ainda se concretizou, por isso a
opinião de que, por enquanto, a representatividade da Alba-TCP limita-se ao alinhamento político, a
colocação em pauta da integração latino-americana e a homogeneização das economias dos Estados-
membros.

3. Análise dos resultados das propostas liberalizantes do Mercosul e da Alba-TCP

De fato o que existe entre os países do Mercosul é uma união aduaneira que ainda possui
muitos produtos em listas de exceção, por isso imperfeita. Os mercados nacionais ainda são bastante
dependentes das exportações para países terceiros e o mercado intrazonal é majoritariamente
controlado pelo Brasil.
A Aliança Bolivariana contribui na medida das articulações políticas que estabelece com os
países da América Latina e do Caribe, esse tem sido o seu principal papel, chamar atenção para esta
região do planeta e sensibilizar políticas de modo convergente à sua pauta integracionista.
É verdade ainda que estas experiências associativistas tenham atraído maiores investimentos
para a região. Seja pelo aporte de capital público no âmbito da Alba-TCP, seja de capitais transnacionais
no caso do Mercosul. De uma forma ou de outra, o capital tem flutuado menos de forma centrífuga.
Outrossim, no que diz respeito à atuação em fóruns e organizações internacionais tem sido
fundamental o espaço prévio de concertação política. A defesa de um mundo multipolarizado tem
conquistado suporte entre os países membros de ambas as experiências e propicia o desiderato da
inserção global. Observe o respaldo do discurso do presidente Lula na Cúpula da ONU sobre mudança
climática e o recente repúdio ao bloqueio do espaço aéreo de alguns Estados Europeus para a passagem
da aeronave presidencial de Evo Morales, por exemplo.

Considerações finais

O aspecto econômico da globalização condicionou a interdependência das nações. Neste


sentido, fizeram-se levantar as bandeiras da reciprocidade, da nação mais favorecida e da
complementação econômica. Por óbvio o movimento integracionista não se estabelece repentinamente,
ao revés, demanda aprofundamento nas relações políticas, econômicas e diplomáticas entre os Estados.
O espírito associativista sul-americano apesar de fundar alicerces ideológicos no discurso
bolivarista de pan-americanismo revela seu viés econômico-financeiro em acordos bilaterais e
multilaterais de comércio. A formação de zonas econômicas aproxima seus membros, facilita o
combate de problemas comuns e permite inserção mais significativa dos Estados no cenário mundial.
Mercosul e Alba-TCP, congregam vinte e um países da América Latina e do Caribe e um da
Oceania, a aproximação entre eles e o aproveitamento das medidas adotadas no sentido de liberalização
comercial podem contribuir na construção de elos mais fortes entre seus membros.

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Entretanto, qualquer trabalho que tente unificar as duas experiências será levado à exaustão.
Apesar de convergirem internacionalmente em algumas pautas de reivindicação, os blocos encontram-
se em momentos diferentes. A Alba-TCP engatinha na construção do seu projeto, enquanto o
Mercosul acomodou-se na formação de uma união aduaneira imperfeita.
Cabe ao primeiro refletir acerca da experiência do Tratado de Assunção a fim de traçar a sua
própria história, e, ao segundo, desenvolver ânimo e vontade política de aprofundar as relações entre
seus Estados-membros.
A Venezuela que agora compõe o Mercosul na qualidade de Estado-membro e é a locomotiva
da Aliança Bolivariana pode servir de ponte para o intercâmbio dessas experiências. Neste diapasão
têm-se formado acordos de integração energética regional21, de coordenação política internacional22 e de
aproximação comercial e política com o Brasil23.
É uma oportunidade de coordenar as atividades dos blocos para, talvez, no futuro possibilitar a
formação de uma zona econômica a partir da fusão entre os dois blocos e concretizar a atuação
unificada de toda América Latina e do Caribe.

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CHEREN, Giselda da Silveira. Organização mundial do comércio: economia, direito e subsídios. Curitiba: Juruá, 2003.

21 Declaración de Puerto Iguazú, de 4 de Maio de 2006, articula Argentina, Brasil, Bolívia e Venezuela no debate acerca das
fontes de energia, em especial quanto ao abastecimento gás, procurando estabelecer o diálogo bilateral e coordenar políticas
de estabelecimento de preços.
22 Declaración de Ciudade de Guayana, de 28 de Março de 2005, feita por Brasil, Colômbia, Espanha e Venezuela, trabalha

temas como terrorismo, segurança e integração. Aproveitou para declarar apoio à candidatura do Brasil à vaga permanente
no Conselho de Segurança da ONU.
23 Formação da Aliança estratégica Venezuela- Brasil, em 14 de Fevereiro de 2005, quando os governos decidiram trabalhar

para promover o reforço das relações bilaterais e unir esforços na consolidação da integração regional.

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Prolegômenos à crítica do modo estatal global

Flávio Bezerra de Farias1

Introdução

D
iante da grave crise imperialista e da guerra, os bolcheviques experimentaram “o critério
especificamente socialista seguinte: a única via conduzindo à gênese de uma melhor
organização da Europa e do mundo é de colocar a questão social e de resolvê-la pela luta
de classes.” (BORDIGA, 1975, p. 76). Na Rússia, em 1917, os opositores vulgares do socialismo e os
intelectuais orgânicos “da ordem estabelecida sentem a terra estremecer sob seus pés”, pois “a revolução
está na ordem do dia da História.” (Ibidem, p. 78). Na Alemanha, em 1915, Luxemburg (2009, p. 272-273),
afirmara que a luta classista “nos limites dos Estados burgueses contra as classes dirigentes e a
solidariedade internacional dos proletários de todos os países são as duas regras de vida inseparáveis da
classe operária no combate, de uma importância histórica mundial, que ela conduz para a sua
emancipação.”
As antinomias fetichistas reforma-revolução e oriente-ocidente dos socialistas vulgares e
superficiais foram contestadas, sobretudo na análise gramsciana dos conselhos russos e italianos (DIAS,
2000, 2006), derivados de uma atitude proletária firmemente anticapitalista e antirreformista, contra a
guerra e contra o imperialismo. As reificações reformistas tornam-se inócuas na “nova ordem” –
[...] na base da qual se torne impossível a existência da sociedade de classes, e cuja
evolução sistemática tenda, por isso, a coincidir com o processo de desaparecimento
do poder do Estado, com a dissolução sistemática da organização política de defesa da
classe operária, que se dissolve como classe para se tornar humanidade. (GRAMSCI,
1976, p. 123-124).
Sobre a permanência do imperialismo e o fortalecimento da forma de Estado fordista, não basta
apenas de retomar as teses marxistas contra a estratégia de organização pacífica da economia mundial
do ultra imperialismo (LÊNIN, 1975) e de integração operária do capitalismo organizado (MATTICK,
1972a,b). Para além da crise do pós-fordismo e da globalização neoliberal, não se configura um retorno
mecânico, pendular de categorias pretéritas, como numa utopia socialista vulgar e superficial. Contra a
repetição da história,
[...] a estrutura dialética da teoria marxista implica que seus conceitos mudam na
medida em que se transformam as relações de classes fundamentais na direção das
quais tendem – mas, de tal maneira que o conteúdo novo é obtido pelo
desenvolvimento dos elementos inerentes ao conceito original, preservando assim a
coerência teórica e até mesmo a identidade do conceito. Tudo isto está igualmente
ligado à noção onde culmina a teoria marxista da transição para o socialismo – noção
de coincidência histórica objetiva entre o progresso da civilização e a ação
revolucionária do proletariado industrial. (MARCUSE, 1971, p. 13).

1 Professor da UFMA. Doutor em economia.


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Evidenciou-se a vitalidade do método crítico e revolucionário (MARX, 1976a,b, 1977) em outras


ocasiões, sobretudo no uso dos princípios gnosiológicos indispensáveis à análise das formas estatais
capitalistas atuais (FARIAS, 1988, 2000), assim como na articulação das categorias ontológicas da
elaboração, próprias ao modo de existência estatal global (FARIAS, 2001, 2004), como fenômeno
histórico a ser apreendido e ultrapassado no seu contexto real.2 Com base no legado marxista, no
quadro mais amplo da crítica do imperialismo global (FARIAS, 2013a), combina-se então o rigor teórico,
na inteligência concreta do modo estatal global (FARIAS, 2013b), com a radicalidade da práxis
transformadora, na superação da situação concreta de suas formas nacionais, regionais e planetárias. A
ideia socialdemocrata de ultra imperialismo, em compensação, supõe que existem “as condições
econômicas e políticas de uma estabilização e de uma integração hierárquica do mundo capitalista”, mas
tais premissas “aparecem utópicas na visão da teoria marxista, a não ser que se desenvolvam as forças
reais que eliminem as contradições e os conflitos entre as potências imperialistas.” (MARCUSE, 1971,
p. 37).
Para não divagar nas ideias positivistas do tema, sejam nas visões marxistas do neoimperialismo,
sejam nas querelas pós-marxistas ocidentais em torno do Império e do Estado cosmopolita ou transnacional
(FARIAS, 2013a), adota-se abaixo o princípio marxista da “especificação histórica” (KORSCH, 1971),
no sentido próprio; e, em geral, faz-se “uma Experiência que não é somente aquela que se faz do
mundo, mas que ocorre no mundo, que é a experiência real que o mundo faz dele mesmo.” (BLOCH, 1981, p.
253).

Experiência de superação do sistema estatal

Marx (1975), Engels (1977) e Lênin (1975) foram opositores radicais da realpolik burocrática do
socialismo estatista. Porém, este realismo político foi posto em prática pelos stalinistas no império
soviético, inclusive nas experiências decorrentes da “adaptação seguida pelos países os mais diversos,
com justificativas ideológicas as mais variadas” (LUKÁCS, 1989, p. 81), conforme os interesses
reformistas ora centrais (ocidentais), ora periféricos (orientais). Na tentativa socialista bolchevique de
extinção do sistema estatal, “Lênin nos prova, na política prática, com o testemunho irrecusável de uma
revolução, que o marxismo é o único meio de prosseguir e superar Marx.” (MARIÁTEGUI, 2007, p.
88).
No fim do século XIX, Lênin (1980) apreendera a natureza revolucionária da crítica da economia
política, no seu objetivo principal de combinar a compreensão e a transformação do estado de coisas
presente, pois assumiu a tarefa “de evidenciar todas as formas do antagonismo e da exploração na

2Sem qualquer “revisionismo”, pois “não cabe aqui readaptar uma filosofia viva ao curso do mundo; aquela se adapta a este
por ela mesma através de inúmeras iniciativas, inúmeras pesquisas particulares, porque ela está inserida no movimento da
sociedade.” (SARTRE, 2005, p. 12).

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sociedade contemporânea, de acompanhar sua evolução, de demonstrar seu caráter transitório, sua
transformação inevitável num outra forma e, por isso mesmo, de ajudar o proletariado a acabar tão rápido e tão
facilmente quanto possível com toda exploração.” (Ibidem, p. 318).
Ao longo de cinco anos após a revolução de 1917, antes mesmo da última luta de Lênin (1997, p.
103 et seq.), a experiência soviética foi marcada por um estado de guerra permanente, sob a pressão da
guerra civil (inclusive da fome decorrente das guerras) e do imperialismo (inclusive buscando a
precarização da indústria pesada por recusa de financiamento), sem esquecer a herança da burocracia
czarista, do baixo nível de educação e do subdesenvolvimento econômico, depois de experimentar o
comunismo de guerra, adotou a tática de uma nova política econômica (1921-1928), orientou-se para um
transitório capitalismo de Estado e, sobretudo depois da morte de Lênin (em 1924), fixou-se em definitivo
como um regime ditatorial, que descartou da estratégia de construção do comunismo, tornando-se um
socialismo de Estado, em que foi vitoriosa a brutal reação estatista (autoritária, burocrática e planista),
sobretudo a partir de 1928 e, com a Constituição de 1936, marchando contra a superação do estado de
coisas presente através de uma democracia proletária (LÊNIN, 1975). Evidentemente, este processo
não é a mesma coisa que o socialismo real – marcado pela herança stalinista de exaltação e apreço para
com a ditadura da burocracia, o qual se sustentou, aos trancos e barrancos até o fim da guerra fria, no
término dos anos 1980. Para Jean-Marie Vincent (in RIOT-SARCEY et alii, 2001, p. 173), até mesmo o
“projeto originário” de Lênin “estava contaminado e minado pelo economicismo (os sovietes mais
eletrificação, a imitação do capitalismo de Estado alemão e do taylorismo), e que empregou meios em
contradição com toda emancipação (a coerção em vez da democratização).” Como disse Lênin (1997,
p. 114), uma vez adquirido que “conquistamos o poder para os operários, e que nosso objetivo reside
em estabelecer o sistema socialista com a ajuda de dito poder..., o mais importante para nós era assentar
as bases econômicas da economia socialista. Isto é algo que não podíamos fazer de forma direta, mas
que nos vimos obrigados a recorrer a alguns rodeios.” Porém, já estava se consolidando a “verdadeira
alternativa”, a saber: “stalinismo ou democracia socialista” (LUKÁCS, 1989, p. 45). Em vez da
democracia proletária, de rodeio em rodeio, de tática em tática, foi instaurada a ditadura stalinista, no
quadro do socialismo real e de seu poderoso Estado soviético, elevado sobre os escombros do
desmonte da estrutura dos sovietes (ibidem, p. 102). Nesta situação concreta, uma burocracia
socialmente específica empreendeu “a transformação do método de Lênin e – através dele – do de
Marx” e, em última instância, “implicou em fazer dele algo de diametralmente oposto, quando
aparentemente se tinha grande cuidado de insistir sobre a mais absoluta continuidade, a manutenção
escrupulosa da integralidade.” (p. 97). Porém, “as diferenças entre os primeiros anos da revolução
bolchevique e o Estado stalinista plenamente desenvolvido são evidentes...” (MARCUSE, 1971, p. 94),
do mesmo modo que as abordagens marxianas, engelsianas e leninistas diferem das estalinistas; de sorte
que “estes mesmos que se creem os porta-vozes os mais fiéis de seus predecessores, apesar de sua boa

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vontade, transformam os pensamentos que querem simplesmente repetir; os métodos se modificam


porque se lhes aplica a objetos novos.” (SARTRE, 2005, p. 12).
Assim, houve certa ruptura na passagem do capitalismo de Estado leninista, buscando superar
conjunturalmente o cerco imperialista e o subdesenvolvimento através da industrialização, sob o poder
dos sovietes, ao socialismo de Estado stalinista, na estratégia imperialista de ultrapassar do ponto de vista
econômico e militar os países capitalistas desenvolvidos do centro, por intermédio do poder da burocracia.
Neste caso, em detrimento da análise concreta, e, portanto da dialética, houve uma brutal rigidez, uma
reificação inerente às situações concretas onde prevalecem táticas de realpolitik, para operacionalizar uma
antinomia ou, pior ainda, um dualismo entre teoria e práxis. Com efeito, “desde o instante em que a
URSS, sitiada, solitária, empreendia seu esforço gigantesco de industrialização, o marxismo não poderia
deixar de sofrer o contragolpe dessas novas lutas, das necessidades práticas e dos erros que lhes são
quase inseparáveis.” (SARTRE, 2005, p. 25).
O stalinismo sob a denominação de marxismo-leninismo passou a ser “filosofia oficial do
Estado”, impecavelmente adequada àqueles que personificavam os aparelhos estatais, “agora que as
ciências da natureza e a técnica formavam a base de um sistema de produção que se desenvolvia
rapidamente sob sua direção e que eles viam se esboçar um futuro onde seriam a classe dirigente de um
imenso império, onde só se defrontariam com uma oposição de camponeses ainda envoltos por
superstições religiosas.” (PANNEKOEK, 1970, p. 106). A ditadura sobre o proletariado tornou-se
repressora das liberdades e do exercício da democracia socialista pluralista dos sovietes, que “perderam
progressivamente sua qualidade de órgãos através dos quais se exprimia a autodeterminação das massas,
e se viram reduzidos ao papel de simples engrenagens do aparelho governamental.” (PANNEKOEK,
1982, t.1, p. 157).
As tendências políticas contrapostas depois da revolução bolchevique foram extintas em favor
de práticas monolíticas (anos 1920), finalmente assumidas como marxismo-leninismo; os burocratas
liderados por Stálin foram aumentando seus privilégios socioeconômicos e consolidando sua
dominação política, através do controle violento do governo, do sindicato, do partido, das forças
armadas, etc. Em suma, “parafraseando Trotsky, poderíamos dizer que a burocracia, do seu modo e
com meio bárbaros, nem tentou a construção socialista da sociedade sem classes, nem buscou restaurar
o capitalismo, mas defender e estender seu próprio poder e seus privilégios.” (MANDEL, 1992, p. 2).
Desencadeou-se uma contra revolução política que, em menos de uma década, derrotou especialmente
as facções bolcheviques mobilizadas em torno da construção do socialismo dos conselhos e do
internacionalismo proletários, cujo “processo de democratização” (LUKÁCS, 1989, p. 15) era
defendido pelos efetivos construtores de comunismo como um passo decisivo na realização desta
antecipação concreta.
De fato, não existe passagem real do capitalismo ao comunismo sem a mediação socialista, num
regime político transitório de democracia proletária, sob a primazia da estratégia de construção uma

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sociedade historicamente determinada cuja divisa, no seu estádio superior, será “de cada um segundo
suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades!” (MARX, 1975, p. 16).
Em vez de aceitar que se leve “ao extremo uma forma de naturalização do poder em detrimento
da historicidade constitutiva da vida social e de suas instituições” (BENSAÏD, 2008, p. 54), cabe realizar
a utopia concreta de um mundo melhor, superando a era da barbárie por meio do socialismo, que
somente
[...] acontece por intermédio de práticas e lutas, de um novo ciclo de experiências, de
uma atenção paciente aos esgarçamentos da dominação de onde pode surgir uma
possibilidade intempestiva, pela preparação a « esta decisão excepcional que não
pertence a nenhum continuum histórico », e que é próprio da razão estratégica. (Ibidem,
p. 357).
Nesse processo social e histórico, seriam superadas as condições objetivas que fazem com que a
humilhação, a dominação e a exploração do homem pelo homem continuem existindo. A URSS, ao
contrário, se tornou in fine
[...] uma sociedade pós-capitalista, congelada numa etapa de transição entre o
capitalismo e o socialismo, como resultado de seu isolamento internacional
relativamente aos países industriais mais avançados, de um lado; e, do outro dos
efeitos negativos da ditadura burocrática em todos os campos da vida social. Poderia
ter havido uma regressão ao capitalismo. Caso o poder da burocracia tivesse sido
derrubado através de uma revolução política, teria feito avanços significativos para o
socialismo. (MANDEL, 1992, p. 3).
Como alternativa eficaz à barbárie capitalista, o socialismo como fenômeno historicamente
determinado exige uma estratégia relacionando a situação da formação socioeconômica atual com o
passado e, também, com o futuro. Seja na resposta concreta à problemática de um progressivo período de
transição (BOUKHARINE, 1976) e de uma acumulação socialista primitiva (PRÉOBRAJENSKY, 1972),
imposta pela realpolik burocrático-planista, visando superar os problemas econômicos do socialismo na URSS
(STÁLIN, 1985), seja na problemática geográfica recente do novo imperialismo dos países centrais baseado
na acumulação por despossessão (HARVEY, 2010), todas essas reificações econômicas e espaciais, além de
fazerem prospectivas positivistas sobre o desenvolvimento do imperialismo (seja como socialismo real,
seja como socialdemocracia, ambos na escala global), fazem abstração da dialética entre a base e a
superestrutura, na riqueza das suas determinações formais e funcionais.
Contra o isolamento estrutural e economicista, evidenciou-se que a ideologia de combinar sem
luta a base e a superestrutura serve de premissa tanto para a práxis ditatorial stalinista, para superar os
problemas econômicos na experiência de socialismo real (MARCUSE, 1971), quanto para a práxis libertária
habermasiana, para superar a colonização interna do mundo vital pelo sistema, na proposta de
socialdemocracia radical (FARIAS, 2001), em favor da razão dualista e da razão antinômica,
respectivamente, mas ambas em prejuízo do materialismo dialético e histórico. Ambas fazem abstrações
hipostasiadas reunindo sem antagonismo a base e a superestrutura, onde esta é metódica e
sistematicamente assimilada àquela, no primeiro caso; e, no segundo caso, lhe é paralelizada numa simples
taxinomia funcionalista (HABERMAS, 2000).

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A teoria crítica da escola de Frankfurt (VINCENT, 1975) posicionou-se contra a realpolitik de


integração da classe proletária seja no capitalismo organizado, seja no socialismo real, cujos
conhecimentos cristalizados, dogmáticos, autoritários, etc. falhavam na atividade social e na ação
histórica, exigindo o restabelecimento da autêntica unidade entre teoria e a prática; mas, pôs em obra o
abandono da utopia concreta de alcançar uma sociedade comunista através da luta de classe contra a
exploração, a dominação e a humilhação, sob o pretexto de que a subversão proletária não fornece uma
saída natural aos impasses históricos do capitalismo. Em compensação, na totalidade concreta do ser-
precisamente-assim [Geradesosein] de uma formação socioeconômica historicamente determinada, conforme
a exigência de organicidade entre a teoria e a práxis, “o conhecimento da legalidade específica de tal ser-
precisamente-assim é tão importante quanto aquela das determinações e das leis universais. Mesmo
para a práxis, que só é realizável no hic et nunc concreto de uma situação social e histórica, a
compreensão adequada deste ser-precisamente-assim reveste uma prioridade, por assim dizer,
incontornável.” (LUKÁCS, 1989, p. 14).
A dinâmica da luta de classes se estabelece na totalização envolvendo as múltiplas
determinações subjetivas e objetivas próprias às situações concretas; trata-se de uma dinâmica
especialmente condicionada às condições da produção, da acumulação, da reprodução do capital social
total e da crise dos capitais numerosos. Assim, a categoria capital suscita inevitavelmente a luta de
classes, fixa-lhe seu quadro de evolução, mas sofre por seu turno o impacto desta última, de sorte que
nesta relação dialética não há círculo vicioso, mas “reprodução ampliada da relação social (dominância
da economia) ou desagregação progressiva dessa relação (crise social) em função do modo da
intervenção política.” (VINCENT, 1975, p. 86). Na unidade entre a teoria e a práxis revolucionárias,
especialmente na passagem dialética da crítica da economia política à crítica da política, cujas categorias
trazem a marca da história, considera-se a contribuição metodológica dos marxistas do século XX que
criticaram as reificações das experiências reformistas tanto social-democráticas, quanto socialistas reais e
atualizaram a categoria marxiana de “possível” na escala mundial, atribuindo-lhe o “estatuto de princípio
de decifração do real e de alavanca de sua transformação”, de maneira específica e criativa, embora
orientados pela mesma antecipação concreta, “no sentido de que neles a utopia não é de maneira alguma
apresentada como um produto do imaginário ou do sonho, mas precisamente como uma dimensão da
realidade susceptível de assegurar sua superação.” (LEFEBVRE, 2000a, prefácio de Georges Labica, p.
15).

Experiência de superação da totalidade estatal

Para além da perestroika (MANDEL, 1989), a crise do socialismo real, cuja resolução levou à
democracia de tipo ocidental e à restauração da primazia do mercado, no quadro da unificação do
mercado mundial sob o neoliberalismo, já em curso desde o início dos anos 1980, não deixou de
contribuir para o pessimismo da vontade de superação da sociedade burguesa, embora a crise estrutural
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do capitalismo global persista em recriar elementos objetivos para aquela ultrapassagem. Porém,
subjetivamente, o impulso marxista de superação das formas estatais capitalistas seria absurdo se
fundado seja num “medíocre e passivo sentimento determinista.” (MARIÁTEGUI, 2007, p. 46), seja
numa “utopia reacionária” (MANDEL, 1992, p. 4) de construção do socialismo do século XXI, num
contexto nacional e isolado. Com efeito, “é uma utopia reacionária o fato de querer criar no quadro
nacional um sistema harmonioso e suficiente composto de todos os ramos econômicos sem levar em
conta condições geográficas, históricas e culturais do país que faz parte da unidade mundial.”
(TROTSKY, 1976, A revolução permanente, prefácio, p. 249). De início, isso é decisivo para observar
radicalmente os elementos das formas estatais capitalistas enquanto totalidade realmente existente na
escala global, como parte de vastas realidades capitalistas; em seguida, para se inserir na dinâmica de
suas potencialidades, suas tendências e suas mutações recentes; enfim, para se engajar na fronte das
suas transformações sociais e históricas, quando a base técnica e econômica, no mesmo diapasão e
correspondente às formas superestruturais globalizadas, depois de adquirir uma relativa coerência,
ampliou e aprofundou sua crise estrutural, cujas mediações estatais sejam reificadas, sejam eternizadas
somente lhe trazem soluções provisórias. De fato, enquanto o modo de produção capitalista for apenas
“abalado, e não transtornado radicalmente pela luta revolucionária do proletariado, as formas do
intelecto, com raízes sociais profundas, da época burguesa só podem ser criticadas, mas não
definitivamente suplantadas pela teoria revolucionária do proletariado.” (KORSCH, 1971, p. 169). Para
tanto, não se deve ignorar, omitir ou abstrair as fontes e as partes constitutivas do pensamento crítico e
revolucionário, arraigado inclusive para além dos próprios marxistas. Com efeito, para Engels (1976,
1977), como para Lênin (1973, 1975), “a importância do marxismo consiste precisamente em se
mostrar capaz de utilizar a totalidade das conquistas importantes adquiridas até hoje pelo
desenvolvimento da civilização...” (LUKÁCS, 1989, p. 99).
Constata-se que “em certas circunstâncias bem definidas, uma filosofia se constitui para dar sua
expressão ao movimento geral da sociedade; e, enquanto ela vive, é ela que serve de ambiente cultural
aos contemporâneos”, por um lado; que, do outro lado, “este objeto desconcertante se apresenta ao
mesmo tempo sob aspectos profundamente distintos, cuja unificação é operada constantemente por
ele.” (SARTRE, 2005, p. 9). Seus ideólogos são intelectuais que se dedicam “à teoria das funções
práticas”, enquanto “homens relativos”, herdeiros do “pensamento vivo dos grandes mortos.” (Ibidem, p.
13).
Atualmente, na situação real da crise estrutural global, com aumento da exploração, da
superpopulação relativa, etc. entre a consciência de classe proletária e as ideologias burguesas de
unificação, ou melhor, de integração por meio da controlabilidade do capital, da empregabilidade, das
regulações reformistas e compensatórias, etc., existe uma grande ruptura que deve ser evidenciada pelos
marxistas, de sorte que sublinhar esta ruptura

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[...] é se rebelar contra o interesse prático que tem a classe dominante na manutenção
dessa situação, e seu interesse teórico na manutenção dessa aparência fetichista em
virtude da qual a responsabilidade do desperdício e dos horrores, que crises
catastróficas provocam hoje, no estádio ora e já alcançado pelo desenvolvimento das
forças produtivas, se acha deslocada da esfera da ação humana para a esfera das
relações pretensamente naturais e imutáveis entre as coisas. (KORSCH, 1971, p. 156).
A estratégia estatal não deve ser confundida com as próprias superestruturas ideológicas,
políticas, culturais, etc., mas nem por isso deixa de ter relações dinâmicas, variáveis no tempo e no
espaço, com outros elementos do mesmo domínio, como também do modo de produção. Assim, a
grande transformação social e histórica que se exprimiu através do advento da mundialização do capital
(CHESNAIS, 1994; CHESNAIS et alii, 1996, 2001, 2006) leva, também, ao processo de mundialização
do Estado. De fato, a mundialização capitalista envolve, pelo menos, os dois momentos decisivos, a
saber, o econômico e o político, de uma mesma totalidade concreta, complexa e contraditória. Não se
trata de um todo unificado sem luta, decorrente do neoliberalismo e do fim de guerra fria, reafirmando
tanto a supremacia estadunidense, quanto uma revanche do ultra imperialismo pacífico sobre o
imperialismo guerreiro (pelo menos nos países centrais); de sorte que, como no sonho kautskista, a
ampla e progressiva organização e combinação do capitalismo financeiro, personificado através de
cliques pacifistas, possibilitariam a evolução política natural para um novo imperialismo, excluindo
oposições entre os capitais financeiros nacionais em proveito de uma exploração coletiva, exercida pelo
capitalismo financeiro na escala global. Tudo isso não passa de uma revisão ilusória da categoria capital,
que na realidade totaliza a exploração do homem pelo homem tanto na unidade do capital em geral,
quanto na luta dos capitais numerosos, como mostrou a crítica da economia política. A superação desta
forma de exploração na escala global não pode se resumir à eutanásia apropriada e assistida de uma
máfia de capitalistas financeiros, para além da mundialização neoliberal. Trata-se de um caso em que a
árvore específica das finanças mundializadas impede de ver a floresta genérica da mundialização do
capital em geral e dos capitais numerosos.3
Mas, Sartre (2005, p. 30) tinha razão de criticar a perspectiva “idealista voluntarista” de superação
do “imperialismo mundial”, onde “a pesquisa totalizadora é substituída por uma escolástica da
totalidade” sem frases, de um lado; e, do outro, os “comentaristas apresentam o imperialismo mundial
como uma força inesgotável e sem face, cuja essência não varia qualquer que seja seu ponto de
aplicação.” (Ibidem, p. 32). Deste modo, ocultam “o significado dos condicionamentos recíprocos entres
as diferentes partes do mundo, sua sensibilidade ao deslocamento das relações de força, a
impossibilidade para o Estado nacional de se separar de sua articulação com as relações de força
internacionais.” (VINCENT in COLLETTI, 1975, p. 115). A tese de que “o socialismo não é um
processo nacional, mas mundial” (COLLETTI, 1972, p. 310), se atualiza e se torna urgente com a crise

3 O reformismo financeiro neokeynesiano é também herdeiro do socialismo “superficial” ou “vulgar”. MARX, 1972,
anexos, p. 189; 1976b, tomo III, anexos, p. 535 et seq.

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estrutural global. Neste quadro, “Lênin não está superado, mas o socialismo nacional, mas a «
construção do socialismo num só país » o estão.” (p. 311).
No pressuposto de totalidade concreta, numa perspectiva materialista, dialética e histórica, será
que o desenvolvimento das formas estatais capitalistas planetárias (que se manifestam como OTAN,
FMI, Banco Mundial, G20...) e regionais (que aparecem nas construções da União Europeia, da
Unasul...), assim como a expansão do globalismo jurídico e militar provocaria uma tendência à extinção
do Estado-nação e à sua exclusão do todo orgânico em constituição? O advento da configuração estatal
coletiva ideal planetária poderia se realizar sem causar mudanças formais e funcionais nas categorias
estatais nacionais e regionais? A emancipação através de uma democracia proletária deveria ser centrada
no modo estatal global, sem estabelecer qualquer primazia no seio das formas estatais nacionais,
regionais e planetária?
As formas estatais capitalistas contemporâneas estão configurando um grande silogismo (HEGEL,
1976, 1981, 1993; MARX, 1976a, 1977), no sentido de que suas existências reais se tornam universais
(forma de existência coletiva ideal planetária), particulares (formas de existência regionais) e singulares
(formas de existência nacionais). Cada totalidade concreta, complexa e contraditória constitui um
pequeno silogismo, que implica homogeneização, diferenciação e hierarquização (LEFEBVRE, 1980,
1975, 1978). No contexto desse grande silogismo estatal, de acordo com a lei do desenvolvimento
desigual, sua coexistência conflitiva engendra uma nova totalização concreta, complexa e contraditória
– cuja expressão através da categoria sistema de Estados-nações, num quadro de “influências”
recíprocas entre seus componentes, permanece parcial, inadequada, insuficiente, etc., sendo abstraídas,
“simultaneamente, a unidade do capitalismo e sua diversidade, portanto suas contradições.”
(LEFEBVRE, 2000b, p. 17). Como expressão da ideologia pequeno-burguesa, “certos espíritos
sistemáticos oscilam entre as imprecações contra o capitalismo, a burguesia, suas instituições
repressivas, e a fascinação, a admiração apaixonadas.” (Ibidem, p. 18). Ao se renderem a um “sistema”
pretensamente insuperável, buscam “a coesão que lhe falta, fazendo da sociedade « o objeto » de uma
sistematização dando-lhe uma forma acabada para fecha-la.” (Ibidem). Assim, no novo imperialismo,4 na
sua configuração de guerra fria,
[...] as circunstâncias e a luta da atividade econômica, política e militar levaram a uma
situação a partir da qual os EUA podem dominar o mundo capitalista. Na ausência de
uma redistribuição do poder entre os interesses imperialistas ou de uma mudança no
equilíbrio do poder entre o mundo imperialista e o não imperialista, os EUA podem
dar as cartas, como maior protetor e organizador da rede imperialista. (MAGDOFF,
1978, p. 190).

4 Sobre esta categoria, Callinicos (2009, p. 72) se mostrou muito próximo de Harvey (2010), apesar da identificação de
certas ambiguidades presentes no texto do geógrafo marxista. Na realidade, existe uma verdadeira divergência entre os dois
autores, inicialmente, porque o primeiro não aceita a tese kautskista do ultra imperialismo, retomada pelo segundo; em
seguida, por causa tanto da confusão feita por Harvey entre condições estatais prévias e permanentes da expansão do
capital, quanto à sua centralização regulacionista estreita ao duplo molinete que assegura a permanência do assalariamento e,
portanto, em razão de seu socialismo vulgar e superficial e de sua ideia confusa e limitada do conceito de capital, de seu
movimento e das contradições intercapitalistas.

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Após a guerra fria, teria ocorrido “a emergência de formas especificamente neoliberais de


imperialismo”, cuja problemática estruturalista se exprime por um dualismo de poderes, a saber: 1º “a
acumulação por despossessão” se torna “um dos aspectos principais da lógica capitalista”, que junto
com “lógica territorial” formam um sistema; 2º a ação agressiva “no exterior tende a produzir a
insegurança crônica no interior” do Estado capitalista (HARVEY, 2010, p. 214 et seq.). Para o marxista
geográfico,
[...] a acumulação ilimitada do capital produz crises periódicas no seio da lógica
territorial, porque ela tensiona a acumulação paralela da potência político-militar.
Quando o controle político muda no seio da lógica territorial, os fluxos de capital
devem também se adaptar a isso. Os estados regulam seus negócios segundo suas
regras e suas tradições específicas; produzem, então, estilos distintos de governança.
Trata-se da base dos desenvolvimentos geográficos desiguais, das lutas geográficas e
das formas diferentes de política imperialista. Consequentemente, não se pode
compreender o imperialismo sem, primeiramente, se confrontar com a teoria do
Estado capitalista em toda sua diversidade. (Ibidem, p. 213).
O voluntarismo da ideologia da governança global se funda na premissa de que as práticas
tradicionais de gestão e de governo referenciadas na soberania dos Estados nacionais – e, portanto, na
cooperação internacional, na transparência do vínculo entre matrizes e filiais das firmas multinacionais,
no estabelecimento da solidariedade entre gerações, no controle da mobilidade dos capitais, etc. –, não
podem mais resolver os problemas provocados pela globalização. Na fase mais atribulada da
globalização, “o reformismo aparece como o horizonte insuperável de nossa época.” (GIRAUD, 2008,
p. 158).
Para os reformistas Aglietta e Berrebi (2007, p. 400), a coexistência dos tipos distintos de
capitalismo nas “finanças globais” deve ser organizada por uma “governança política transnacional”, do
mesmo modo que os Estados só podem levar a cabo seus fins coletivos de “coesão social” no seio das
nações se buscam atingir “objetivos transnacionais de cooperação” com os outros – para que possam
lutar contra sua diminuição e “restabelecer uma regulação das finanças globais.” Trata-se de um uso
socialista vulgar e superficial da governança: um fetichismo que “simboliza o privilégio atribuído à
empresa, enquanto modelo global, e reino da mercantilização”, um termo corporificado por instituições
[...] supranacionais, tais como o FMI, a OMC, o Banco Mundial, ou coalizões
regionais, do gênero ALCA ou OTAN, cujo papel consiste em assegurar em toda
parte o triunfo dos interesses das classes dominantes. No plano nacional, o liberalismo
se encarrega de converter em empresas de regime privado, os principais serviços
públicos... Este dispositivo se acompanha de uma camisa de força social sem cessar
reforçada, que se exprime quer pela vigilância, quer pela coerção direta. (LABICA,
2008, p. 9).
Na escala planetária, o desenvolvimento desigual suscita a violência imperialista global. Porém,
nessa combinação das formas econômicas e políticas, “a desigualdade tomada isoladamente não basta
para explicar a violência; somente a existência do Estado, estimulada pelas desigualdades, pode explicá-
la.” (LEFEBVRE, 1975, p. 140).

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Conclusão

A concepção materialista e dialética das formas sociais e históricas foi enriquecida e atualizada
pela ontologia dos marxistas do século XX. Certos princípios desta atualização metodológica, que
foram explicitados nas investigações anteriores, já serviram tanto para uma análise concreta das formas
estatais capitalistas atuais, quanto para a crítica da filosofia política correspondente, articulando e
contextualizando duas categorias inéditas, a saber, o modo estatal global (2013b), no quadro mais amplo do
imperialismo global (2013a). As formas de existência historicamente mais avançadas incorporam e
conservam as suas formas precursoras lógicas e históricas mais simples, que se reconfiguram como
elementos de toda a formação socioeconômica global.
A natureza de classe e as bases capitalistas do Estado, com seus aparelhos fenomênicos de
legitimação e burocracia, atualmente estruturam-se na escala mundial, como potência nacional,
superpotência continental e hiperpotência planetária. O desafio do pensamento crítico e revolucionário
no início do século XX residia na simples extinção do Estado nas suas formas nacionais, constitutivas de
um sistema de Estados; no início do século XXI, reside na complexa extinção do modo estatal global. A
antecipação concreta de extinção da totalidade estatal se projeta na via “de uma luta multiforme,
polivalente, mais do que política exclusivamente, ou econômica, ou ideológica e teórica simplesmente.”
(LEFEBVRE, 1975, p. 105-106). No sentido marxiano, “a revolução total”, contra a ordem capitalista,
se distingue das grandes transformações da realpolitik, pela realização de reformas sociais, que
mantenham a ordem capitalista, “pela promoção ou ascensão do social contra o político e o
econômico.” (Ibidem, p. 134).
Enfim, de acordo com o materialismo dialético, a realização prática da tática da extinção anti-
sistêmica das formas estatais específicas não deve negar, mas se combinar com a estratégia da sua
superação como totalidade concreta universal. A situação atual de imperialismo global imprime um relevo
socialista internacionalista à questão da luta de classes e, portanto, do Estado capitalista como um todo,
cuja análise envolve a unidade e a luta das formas estatais concretas (nacionais, continentais e
planetárias), especialmente quando uma grande crise representa uma ameaça ampla e profunda ao
capitalismo. Em suma, a problemática da extinção de suas formas estatais assume uma escala
efetivamente global.

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Regionalismo “pós-liberal”: novo rumo à
integração latino-americana?

Regiane Nitsch Bressan1

Introdução

C
om o fim da Guerra Fria, a emergência da nova ordem internacional transformou as relações
internacionais dos países latino-americanos. Ainda na década de 1980, estes países
recuperaram gradativamente a democracia, ao mesmo tempo em que abandonaram
completamente a política de substituição de importações e o modelo de supremacia do Estado na
economia implantado nas décadas anteriores. A debilidade das economias latino-americanas e a
persistente instabilidade macroeconômica na região facilitaram a adesão completa às receitas
neoliberais, propostas pelas agências multilaterais e pelos Estados Unidos. Assim, durante os anos 1990,
a política econômica dos Estados latino-americanos caminhou para abertura comercial e liberalização
econômica. Era o neoliberalismo instalando-se na região por meio do “Consenso de Washington”, o
qual propunha reformas econômicas estruturais, incluindo privatizações, desregulamentação financeira
e disciplina fiscal.
Embora a adesão ao neoliberalismo tenha sido generalizada, os países adotaram estratégias
nacionais diversificadas no que tange à liberalização comercial. Enquanto o Chile privilegiou a abertura
unilateral com acordos bilaterais, outros países, como o México, firmaram acordos preferenciais com os
países desenvolvidos, e muitos se aproximaram dos países vizinhos, estabelecendo acordos aduaneiros e
formando projetos de integração, como foi entre Brasil e Argentina.
Neste contexto, vislumbraram os processos de integração na região da segunda fase. O
regionalismo aberto denotou um novo momento do sistema internacional contemporâneo. Esse
movimento visou estreitar as relações comerciais entre países de uma região, aumentando as condições
de competitividade e fortalecendo-se diante da intensificação da globalização, a qual propunha maior
liberalização comercial. As iniciativas regionalistas variavam entre a proposta hemisférica da ALCA
pelos Estados Unidos, e propostas regionais, como o Mercosul, marco do regionalismo aberto na
América do Sul.
Não obstante, na década de 2000, cresceu o desencanto da sociedade sul-americana com as
reformas neoliberais da década de 1990. As críticas às políticas econômicas adotadas na região na
década anterior agravaram-se, sobretudo a partir da sucessão de crises econômicas na virada do século,
como a crise da desvalorização do real no Brasil em 1999, e crise argentina em 2001. Além disso, a

1ProfessoraAdjunta do curso de Relações Internacionais, Escola Paulista de Política, Economia e Negócios (EPPEN),
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Doutora e Mestre em Integração da América Latina, Universidade de São
Paulo (PROLAM/USP). Email: regiane.bressan@unifesp.br
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constatação do fraco desempenho das economias sul-americanas culminou no questionamento às


estratégias nacionais e no papel do Estado na economia. Os maiores países da região revisaram suas
escolhas econômicas, e as políticas liberalizantes comerciais, sobretudo com os países desenvolvidos,
entraram em erosão.
No plano doméstico, esse cenário propiciou a ascensão de governos considerados, em
diferentes medidas, de ‘esquerda’ e conhecidos também como “progressistas”: Hugo Chávez na
Venezuela; Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil; Nestor Kirchner na Argentina; Tabaré Vazquez no
Uruguai; Michelle Bachelet no Chile; Evo Morales na Bolívia; Daniel Ortega na Nicarágua e Rafael
Correa no Equador. A série de vitórias eleitorais desses governos esquerdistas, movimento conhecido
também como “onda rosa”, refletiu a insatisfação ao modelo neoliberal no âmbito social. Mesmo que o
neoliberalismo beneficiasse alguns setores da economia desses países, prevaleceu o desagrado
populacional advindo das ineficiências internas. Assim, a expressão popular passou a reivindicar maior
atenção dos Estados às necessidades das classes mais baixas, discurso ofertado justamente pelos
políticos progressistas.
Embora tais governos defendessem necessidades imperiosas de transformação social,
apresentaram disparidades entre suas políticas e ideologias, como os governos do Brasil e da Argentina.
Ainda que fossem contrários ao arranjo neoliberal, algumas diretrizes desse modelo perpetuaram na
região, marcada por governos com projetos políticos econômicos heterogêneos, que mesclaram
prerrogativas sociais, embasadas no nacionalismo, com políticas econômicas ortodoxas.
Alguns destes governos da vertente esquerdista, conformaram nos primórdios do século XXI
uma nova forma política, o “neopopulismo” (WEYLAND, 2004)2. Inspirados no populismo clássico,
os líderes neopopulistas se aproveitaram da insatisfação populacional com as reformas econômicas
liberais e dos governos instáveis na região que não lograram êxito nas promessas de desenvolvimento
social. Dessa forma, tais lideranças usufruíram desse descontentamento, sustentando-se como novos
representantes do povo (WEYLAND, 2004).
Especialmente a América do Sul presenciou uma alteração gradativa nas elites e lideranças,
principalmente políticas, no núcleo do poder nacional (STEFANONI, 2012). Ademais, assistiu-se a
renovação da participação da sociedade civil na política, assim como organizações não-governamentais
e movimentos sociais eclodiram no final dos anos 1990, ganhando novos espaços de atuação e
reivindicação nos anos 2000. Estes novos atores começaram a conformar mudanças no plano
doméstico, e no entendimento do que deveriam ser os processos de integração regional.
Nas relações internacionais, após a estagnação das negociações multilaterais da Organização
Mundial do Comércio na Conferência de Seattle, de 1999, somada às dificuldades econômicas vividas

2Ainda que sua definição exata seja bastante controversa e complexa, o neopopulismo é considerado um modelo político
pós-moderno (TRAINE, 2004).

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 369

pelos países da região, redefiniu-se a estratégia de inserção internacional dos países latino-americanos. A
convergência de abertura comercial regional esmaeceu em detrimento de estratégias diversas adotadas
por esses países de inserção internacional.
Alguns Estados buscaram ampliar sua inserção na economia internacional, através de políticas
de abertura comercial para bens e serviços e proteção aos investimentos estrangeiros, como Peru e
Colômbia. Outros grupos de Estados firmaram acordos comerciais com os Estados Unidos, como o
Tratado de Livre Comércio entre Estados Unidos, América Central e República Dominicana. Por sua
vez, perante os obstáculos comerciais impostos pelos países desenvolvidos, como os subsídios agrícolas
e medidas antidumping, acordos com os países em desenvolvimento foram firmados, especialmente pelo
Brasil, que assim o fez com a África do Sul e Índia (TUSSIE, 2010).
No âmbito do Mercosul, Argentina e Brasil firmaram o Consenso de Buenos Aires, em alusão
ao Consenso de Washington. A intenção do documento foi balizar as ações dos dois países,
abrangendo vários temas de interesse comum. O Consenso de Buenos Aires apresentou forte ênfase
política e social, reafirmando os princípios da democracia, da justiça e da equidade, em detrimento do
tema econômico. Neste pacto, Brasil e Argentina prometeram coordenar objetivos comuns, reforçando
a integração regional para lograr interesses nacionais e atingir resultados equilibrados nas negociações
multilaterais (ALMEIDA, 2003).
Passado alguns anos, o cenário internacional intensificou crítica do projeto liberal de abertura
dos mercados e desregulamentação econômica e exacerbou os novos rumos latino-americanos. A crise
econômica de 2008 agravou a sensação dos riscos da interdependência e provocou novas tensões e
conflitos econômicos, dificultando a cooperação internacional. Assim, nos países em desenvolvimento,
revigorou o ideal do Estado forte na economia, com instrumentos de provisão da segurança e coesão
social, ameaçadas pelas incertezas e instabilidade econômicas internacionais (VIGEVANI;
RAMANZINI JÚNIOR, 2010; VEIGA; RIOS, 2011).
Desta forma, um grupo de países mostrou-se cada vez mais resistente à maior abertura
comercial, assumindo, em contrapartida, compromissos de outras naturezas no âmbito dos processos
de integração regional, como Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela (VEIGA; RIOS, 2011).
Inclusive, alguns deles provocaram fortes alterações em suas políticas econômicas ao enrijecer o
protecionismo comercial e expropriarem ativos estrangeiros, como aconteceu na Venezuela e Bolívia,
além do posicionamento intensificado, após a crise econômica mundial de 2008, quando se iniciou um
processo global de revisão de paradigmas de política econômica.
Em resposta à crise da liberalização comercial por meio de iniciativas heterogêneas, surgiram
outros projetos de integração como a Unasul e a Alba, desenvolvidos no marco do “regionalismo pós-
liberal” (VEIGA; RIOS, 2007), pós-comercial ou pós-hegemônico (SERBÍN, 2011). Este novo
conceito expressa uma nova ordem de prioridades regionais, e uma agenda deslocada à esquerda do
eixo do poder político. A principal característica é a crítica ao paradigma liberal, em que se basearam

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 370

tanto as iniciativas de integração latino-americana nos anos 1990, quanto às políticas econômicas
domésticas dos países da região.
Segundo seus precursores, no regionalismo aberto, os processos de integração ignoraram temas
relacionados às assimetrias estruturais entre os países-membros, bem como desprezaram preocupações
com as dimensões produtivas e de desenvolvimento. Portanto, esse fenômeno decorreu do
ressurgimento do nacionalismo econômico e politização das agendas econômicas externas de vários
países da região. Tal fenômeno se insere em um marco internacional amplo, que favorece o
protecionismo e o nacionalismo econômico, inclusive nos países desenvolvidos.
O regionalismo pós-liberal é composto tanto por uma agenda integrativa de cunho
desenvolvimentista, resistente à abertura comercial, quanto por uma agenda antiliberal, que propicia a
formação de coalizões entre países afins ideologicamente. A hipótese primordial é que a liberalização
dos fluxos de comércio e os investimentos nos acordos comerciais, não são capazes de promover o
desenvolvimento no interior do processo, reduzem o espaço para implantação de políticas nacionais
desenvolvimentistas e dificultam a adoção de uma agenda de integração voltada aos temas de
desenvolvimento e equidade social.
Por conseguinte, a segunda proposta desse paradigma é a ampliação temática da agenda de
integração, abrangendo assuntos econômicos não comerciais e temas não econômicos. Os novos temas
são selecionados segundo critérios diversificados, mas sempre relacionados com os ideais do novo
paradigma, como necessidade pelo desenvolvimento e pela busca da equidade social, superação da
pobreza e desigualdade, bem como a incorporação de grupos sociais que foram excluídos dos modelos
liberais de integração (VEIGA; RIOS, 2007).

Os novos processos de integração no marco pós-liberal

Os projetos regionais mais emblemáticos e criados na era “pós-liberal” constituem os projetos


da Alba-TCP, Unasul além da CELAC (CIENFUEGOS; SANAHUJA, 2010; ALTMANN, 2011).
Redefinido o seu nome para Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado de
Comércio dos Povos, a Alba-TCP é permeada predominantemente por questões políticas. O
protagonismo crescente da Venezuela na região, junto aos ganhos derivados da exportação de petróleo,
contribuíram para o projeto ganhar força entre países ideologicamente próximos, já que seus principais
objetivos baseiam-se em questões sociais, como a luta contra a pobreza e a exclusão social. Ademais, as
lideranças na Alba enfatizam, mormente o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o anti-
imperialismo e o ideal “bolivarianista. Atualmente o bloco abriga Venezuela, Equador e Bolívia na
América do Sul, além dos países da América Central e Caribe. A Unasul, União das Nações Sul-
Americanas, caracterizada por seu forte conteúdo político, advêm do intento regionalista de iniciativa
brasileira, ainda na década de 1990, com a ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-americana). Anos mais
tarde, em 2004, na tentativa da convergência da Comunidade Andina e no Mercosul neste projeto, foi
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criada a Comunidade Sul-americana de Nações (CASA/CSN). No âmbito da CASA, foram definidos


os princípios básicos da integração que se desenvolvia:
a. Coordenação das políticas exteriores, com o propósito de conferir à América do Sul, um
espaço regional de intensas relações internacionais.
b. Convergência da CAN, Mercosul, Chile, Guiana e Suriname na ALCSA.
c. A integração física, energética e de comunicação com a Iirsa.
d. Criação posterior do Banco do Sul para amenizar as assimetrias regionais.

Em 2008, conformou-se a Unasul como catalisadora de um projeto de socialização da região,


favorecido pela convergência de discursos e ideologias. A Unasul também visa facilitar a relação entre
os países pela sua flexibilidade e pouca exigência no comprometimento comercial e econômico das
nações envolvidas.
Contemporânea à Unasul e a Alba, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos
(Celac) resultou dos encontros do Grupo do Rio e da CALC, (Cúpula da América Latina e Caribe sobre
Integração e Desenvolvimento). Participam deste órgão, 33 países da região, incluindo Cuba.
Estes três projetos consolidam a nova fase do regionalismo, de características transformadoras,
pela grande politização na agenda regional, distanciamento dos temais comerciais e econômicos em
razão de temas de forte cunho político, que expressam um retorno da política nas relações
internacionais e políticas de desenvolvimento. Ademais, estes processos estão associados ao retorno do
protagonismo do Estado, em detrimento dos atores privados da economia de mercado, características a
serem esboçadas adiante.

Principais traços do regionalismo pós-liberal

Embora os projetos que despontaram neste período revelem diferenças entre suas intenções e
estrutura, eles compartilham traços característicos deste período que inferem também os caminhos
atuais das relações regionais.

1. Agenda Desenvolvimentista
O retorno da agenda desenvolvimentista, balizada pelo movimento do pós-liberalismo, afastou
a região dos objetivos do neoliberalismo, do regionalismo aberto, do Consenso de Washington e de
suas fórmulas em função de um impulso neo-desenvolvimentista, aproximando-os dos temas sociais e
políticos. É percebido o impulso gerado pelos governos progressistas à consolidação da democracia, da
defesa dos direitos humanos, da inclusão e construção da cidadania, através da maior participação do
Estado na economia e esforços eminentes ao desenvolvimento e redução de desigualdade. Por
conseguinte as nações da região também buscam maior autonomia frente ao mercado, no campo da
política de desenvolvimento e frente à política exterior dos Estados Unidos
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
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Além disso, foi construído um vínculo entre os ideais da integração regional e os esforços
sociais, como a redução da pobreza e desigualdade, em um contexto político em que a justiça social
adquiriu um novo e maior peso na agenda política da região (SERBÍN, 2011).

2. Estado Forte
O primeiro ponto constitui no retorno do Estado forte e eficiente na política, nas relações
internacionais e no desenvolvimento econômico e social, implicando maior atuação do Estado frente
aos atores privados e forças da economia de mercado. Esta estratégia visa contrapor os Estados ao
fantasma da ameaça e do poder tradicional hegemônico hemisférico dos Estados Unidos pois, na
prática, estes projetos regionais que se conformam são reativos e defensivos à potência estadunidense
(SERBIN, 2011).
Além disso, na ideologia pós-liberal, nacionalismo e regionalismo não se contrapõem. O
regionalismo se fortaleceu perante discursos e políticas neonacionalistas, em conformidade com a
reavaliação dos princípios de soberania nacional. O neonacionalismo intenta construir marcos
regulatórios e instituições regionais e multilaterais efetivas, afastando-se do entendimento que processos
regionais e multilaterais serviriam para fomentar a globalização (SANAHUJA, 2013).

3. Intergovernamentalismo
Ainda que exista a vontade da criação de instituições mais sólidas no âmbito regional, no
concerto pós-liberal, a soberania nacional é legitimada, e o Estado permanece o principal promotor das
iniciativas de integração. Predominam os acordos intergovernamentais, os quais não comprometem a
autonomia ou independência dos Estados.
Contudo, a construção de instituições estritamente intergovernamentais, como instrumento
para a tomada de decisão regional em um contexto altamente politizado, pode impedir o
aprofundamento da arquitetura e de regulamentos regionais mais institucionalizados (SERBIN, 2011).

4. Renovação da Agenda Regional


O pós-regionalismo resgata o retorno da política nas relações regionais e no desenvolvimento
social, com menos ênfase às questões comerciais e de liberalização econômica que dominaram as
políticas regionais na década anterior. Houve uma reestruturação nas prioridades da agenda regional,
agora outorgada a uma série de novos temas, que incluem temas como a paz, segurança, defesa, gestão
de crises, consolidação da democracia, defesa dos direitos humanos e coordenação de política exterior.
Além disso, é possível identificar empenho na criação de instituições e política comuns,
cooperação nos âmbitos não comerciais e maior ênfase nas dimensões sociais e nas assimetrias
existentes. Ainda há a inclusão de matérias como infraestrutura regional, energia, finanças, segurança,
imputadas tão logo no documento de criação da CASA (SANAHUJA, 2013).

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5. Cooperação sul-sul
Nos últimos anos, presenciou-se também uma crescente atenção à cooperação sul-sul, como
estratégia também para exercer alguma liderança regional e global, como nos casos de Venezuela e
Brasil. Ambos os países, iniciaram diversas iniciativas de cooperação com países do hemisfério sul,
almejando uma vinculação extra-regional e projeção global (SERBÍN, 2011).

6. Agenda Positiva de Integração


O novo contexto é marcado também por ênfase à agenda positiva da integração, centrada na
criação de instituições e políticas comuns, na cooperação recíproca nos âmbitos comerciais e sociais,
reforçando a agenda ativa de cooperação sul-sul no âmago regional. Esta diretriz também fomenta a
emergência de novos mecanismos e agendas de cooperação em campos como segurança energética,
coordenação macroeconômica, temas monetários e finanças para o desenvolvimento. Com isso, é
possível perceber a promoção de uma comunidade política regional através do diálogo político e do
acordo, pese às divergências e tensões que possam existir em seio meio (SANAHUJA, 2013).

7. Desenvolvimento e Infraestrutura
Concomitante à agenda positiva de integração e às novas temáticas somadas aos projetos
regionais, é possível identificar na nova agenda, as crescentes preocupações com os gargalos do
desenvolvimento que assolam os países da região, como a falta de infraestrutura regional. O empenho e
cooperação nesta área, através de projetos como a Iirsa, objetivam melhorar a articulação dos mercados
regionais e, ao mesmo tempo, facilitar o acesso a mercados externos.

8. Demanda social
O último item concerne à busca de fórmulas para promover maior participação de atores não
estatais e legitimação social dos processos integração. Na última década foi possível identificar novas
demandas sociais por maior participação política em decorrência da própria evolução da democracia,
estimulando tanto o aprofundamento e consolidação de estruturas institucionais dos sistemas
democráticos. Ademais, tais movimentos pressionaram pela implementação de políticas adequadas para
superar profundas desigualdades sociais, econômicas e étnicas que caracterizaram a região, no intuito de
aprofundar tanto os direitos políticos e civis, como os direitos econômicos, sociais e culturais.

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Para onde caminha a integração latino-americana no marco pós-liberal?

A integração na América Latina percorreu diversas fases sendo permeada por distintos projetos
regionais e sub-regionais. Destes, alguns fracassaram, outros sobreviveram enfrentando às alterações
políticas e econômicas de cada época. O desafio atual é contemplar e se adequar às novas características
e demandas determinadas pelo momento “pós-liberal”.
A Comunidade Andina, projeto pioneiro no esquema sub-regional, debilitou-se diante à saída da
Venezuela e ao enfraquecimento institucional, com uma possível dissolução do Parlamento Andino,
aconselhada pelos seus respectivos chanceleres e pelo próprio Congresso Nacional da Colômbia. O
bloco parece enfrentar sérias divergências internas em razão dos diferentes intentos políticos de seus
governantes. Colômbia e Peru, com o acordo bilateral com os Estados Unidos, estão mais inclinados à
Aliança do Pacífico, perseguindo os antigos objetivos de abertura comercial. Bolívia e Equador
conformam a Alba e se alinham ao protagonismo venezuelano e aos ideais pós-liberais. A rachadura
criada no seio do bloco demonstra as direções diferentes em que caminham, desmantelando dia após
dia a CAN.
Por sua vez, a entrada abrupta da Venezuela ao Mercosul, conjugada com a suspensão paraguaia
em 2012, não contribuíram para maior institucionalidade deste bloco, tampouco para avançar a uma
arquitetura regional mais desenvolvida e comprometida. Ainda assim, o Mercosul parece acompanhar
os objetivos “pós-liberais”.
Com o fracassado projeto da ALCA, vários os acordos bilaterais foram firmados com os
Estados Unidos: alguns países, como o próprio Brasil, mantém uma relação estável com a grande
potência, outros firmaram acordos de segurança, que não somente incluem os aliados como Colômbia,
mas também Brasil. Ou seja, a exclusão deste país do projeto da Unasul não constitui um indicador de
afastamento entre as nações sul-americanas e os Estados Unidos.
Quanto aos projetos criados no marco pós-liberal, a Alba avança baseada em um esboço
inovador e ambicioso, mantendo sua postura contra os Estados Unidos e preceitos neoliberais.
Todavia, a própria força ideológica que move este processo, parece não favorecer a materialização de
seus objetivos, o aprofundamento de sua estrutura, bem como o alargamento do bloco. A retórica de
suas cúpulas e fóruns demonstra limitada vontade política e efetividade em sua implantação.
A Unasul avança na tentativa de convergência do Mercosul e Comunidade Andina, com adesão
de outros países, como Chile, Guiana e Suriname. O seu destino perpassa os modelos contrastantes do
Mercosul e da Alba, em torno dos fatores que articulam diferentes temas: produção industrial e
inserção no mercado internacional, como os temas energéticos, financeiros e de infraestrutura e
cooperação sul-sul.
A dimensão econômica e comercial provoca dúvida se a Unasul e o Mercosul são processos
claramente pós-liberais, dado a manutenção dos acordos comerciais que configuram sua base de

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convergência da CAN e Mercosul, e o desenvolvimento de mega-projetos orientados a favorecer o


intercambio comercial regional e extra-regional como a Iirsa (SERBÍN, 2011). Ainda assim, o núcleo
duro da integração sul-americana parece se concentrar no Mercosul, ainda que haja deficiências e
limitações institucionais neste bloco. Unasul e Alba ainda devem maturar seus propósitos para se
efetivarem e consolidarem este novo caminho “pós-liberal” da integração latino-americana.

Algumas reflexões e breves considerações

Na última década, os governos latino-americanos contestaram as políticas neoliberais identificadas


ao regionalismo aberto e, por conseguinte, os projetos do Mercosul e Comunidade Andina. O
neoliberalismo e a globalização são entendidos no discurso de alguns atores de esquerda como
sinônimos e coadjuvantes, representando a ameaça constante do imperialismo e intervenção
estrangeira, que debilitam o Estado e sua capacidade de promover o desenvolvimento.
No regionalismo “pós-liberal”, em termos políticos, existe um evidente distanciamento do
Consenso de Washington, sobretudo pela maior intervenção do Estado, do fortalecimento da agenda
social e desenvolvimentista.
A Alba qualifica-se neste marco, pela oposição aos Estados Unidos, pelo questionamento das
políticas neoliberais e por abranger novas formas de cooperação e comércio diferenciadas, baseados em
outros princípios e valores.
A Unasul, liderada pelo Brasil, ao almejar o comprometimento político de toda América do Sul,
permite diferentes graus de adesão das nações regionais, e vários níveis de aporte de recursos a suas
instituições.
Apesar das divergências que refletem as propostas da Alba e da Unasul, é evidente que o
regionalismo na América Latina está atravessando uma etapa de transição baseada em algumas
tendências e traços comuns: a maior intervenção do Estado, a re-politização das relações regionais o
neo-desenvolvimentismo.
Entretanto, uma primeira crítica a ser feita ao modelo “pós-liberal” é que não existe a criação e
desenvolvimento de mecanismos institucionalizados de participação da sociedade civil. A persistência
do caráter intergovernamental deixa pouco espaço para a construção de um projeto de integração
regional amplo e abrangente, com amplo apoio da cidadania organizada com a inclusão de uma
dimensão social relevante. Assim, o retorno do Estado neste marco “pós-liberal” vem associado a um
paradoxo evidente com a promoção da integração regional com visões nacionalistas que retomam a
visão tradição da soberania nacional e dificultam a institucionalização de canais democráticos.
Contraditoriamente, alguns programas sociais que são desenvolvidos neste quadro, primeiro,
restauraram e fortalecem o clientelismo; e por outro lado, favorecem os mesmos setores que foram
beneficiados nas últimas décadas, que não contribuem para a redução da pobreza (SERBÍN, 2011).
Ainda assim, prepondera uma cultura política das elites, concentrando as principais decisões em suas
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 376

mãos, perpetuando um amplo déficit democrático, apenas parcialmente legitimado pelos processos
eleitorais.
Assim, além da criação de mais canais democráticos institucionalizados, a renovação da agenda
regional e o interesse pelo neo-desenvolvimentismo, devem desocupar a retórica dos representantes
regionais e passar ao plano de ação efetivo dos projetos regionais. Contudo, as tensões entre alguns
países da região, somados às divergências políticas e ideológicas, e interesses distintos, complicam a
consecução destes objetivos.
Com a criação de novos blocos tão politizados, a região parece causar maior fragmentação. Cabe às
lideranças proponentes destes projetos, superarem este cenário, calçarem-se das possíveis afinidades
“pós-liberais”, no intuito de efetivar o ideal da integração na região.

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O Mercosul frente à Aliança do Pacífico: uma nova
ofensiva comercial do Estados Unidos na região?

Roberto Goulart Menezes1

Nós precisamos levar a integração da América do Sul e Latina mais a sério. Nós temos o
chinês nos comendo de um lado, o americano, com o tal do Pacto do Pacífico, nos comendo de outro, e se
a gente não tomar cuidado, a gente vai ficar isolado, ‘solito’
Lula da Silva, Valor Econômico, 14.05.2013

A
criação da Aliança do Pacífico com forte viés comercial recolocou o debate acerca dos rumos da
integração na América Latina e, em especial, na América do Sul. Fundada por Chile, Colômbia, Peru e
México, ela surge como uma via rápida para países que buscam ampliar a liberalização comercial e
facilitar a circulação de mercadorias, pessoas e capitais entre os países membros e as demais regiões do globo,
com destaque para a Ásia-Pacífico.
Na Cúpula de Cali (maio de 2013), o anúncio ambicioso de se eliminar as tarifas aduaneiras de 90% dos
produtos comercializados entre os membros assim que o acordo de livre comércio entrar em vigor, induz a
comparações com a “lenta construção” do Mercosul, “desafiando” assim o ritmo, o escopo, os objetivos e a
concepção da integração liderada pelo Brasil para a América do Sul.
Ao buscar transmitir um ar de que não há mais tempo a perder com encontros, burocracias, concepções
teóricas de integração, os membros fundadores da Aliança do Pacífico imprimem um ritmo pragmático as
negociações. Entre o lançamento da ideia em 2010, pelo então presidente do Peru, Alan García e a sua
formalização em Cali (2013), foram realizadas sete cúpulas, sendo uma delas via teleconferência. O número de
países observadores aumentou e o Paraguai e Uruguai estão entre eles.
Este trabalho analisa as implicações geopolíticas, comerciais e econômicas representadas pelo
surgimento da Aliança do pacífico na estratégia de integração sul americana do Brasil. Argumenta-se que essa
nova associação poderá impor diversas dificuldades para a consecução da conformação de um espaço sul
americano integrado comercialmente, bem como limitar as opções estratégicas do País na região. O desenho
atual da integração regional parece indicar o reforço da fragmentação ao invés da cooperação regional, com a
ênfase dos Estados Unidos na retomada da sua agenda comercial para a região.

1. A sombra da Alca na construção da integração sul-americana

Por quase uma década Área de Livre Comércio das Américas (Alca) pairou sobre os processos de
integração da região. Entre as Cúpulas de Miami (2003) e Mar Del Plata (2005), ela naufragou. Desde o começo
das negociações, esse ambicioso projeto dos Estados Unidos para amarrar as economias da região despertou
resistências e desconfianças em parte dos países negociadores, sobretudo do Brasil, Venezuela e Argentina. O

1Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (IREL/UnB) e Coordenador do Núcleo de


Estudos do Mercosul (NEM/CEAM/UnB)
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projeto tal como se encontrava, embutia uma concepção de livre comércio abrangente, abarcando aspectos
normativos que incidiam sobre a capacidade reguladora dos países (CRUZ, 2010).
A estratégia da política externa brasileira a partir de 2003 não trazia em si o entusiasmo pela formação da
Alca, o que não implicou pura e simplesmente o abandono das negociações. As negociações hemisféricas foram
duras. Eram lida na chave da ameaça à soberania do País pelos formuladores da política externa brasileira e foi
um grande teste para a diplomacia do governo Lula da Silva (2003-2010) que adotou uma postura mais ofensiva
nas negociações.
O Brasil passou a reforçar em seus discursos e propostas o fato de que o “livre comércio” representado
pela Alca ia bem além das regras negociadas na Organização Mundial do Comércio, e o amplo escopo da
iniciativa impunha dificuldades para se chegar a um acordo final satisfatório e em consonância com os interesses
nacionais brasileiros. Cobrindo nove grandes áreas, a Alca incidia sobre temas-chave para o desenvolvimento
brasileiro, tais como política industrial, de concorrência, investimentos e propriedade intelectual. O calendário
exíguo para que os países apresentassem suas ofertas era outro complicador para o novo governo. O Itamaraty
reorientou a estratégia brasileira em meio ao curto prazo para os países apresentarem suas ofertas para cada uma
das áreas implicadas no processo negociador. As mudanças da equipe negociadora, contexto negociador
complexo e com um calendário que deixava escassa margem para uma eventual correção de rumos.
Na avaliação da diplomacia o modo como o processo negociador tinha sido conduzido até então não
interessava ao Brasil. No entanto, a aversão do governo Lula da Silva à Alca e sua avaliação de que se tratava de
um projeto hegemônico dos Estados Unidos que poderia representar uma anexação da região à economia deles,
norteou a nova estratégia brasileira e desagradou tanto Washington como os seus aliados-chave (Canadá, México
e Chile). Foram elementos importantes para a derrota da Alca a perda de importância do tema na gestão Bush e
novo cenário político da América Latina.
Os impasses na VIII Reunião Ministerial em Miami (2003), a proposta de uma Alca abrangente foi posta
de lado, pois era ambiciosa demais. E um novo formato proposto pelos negociadores brasileiros acabou
contemplado na declaração final da Reunião. Politicamente, a proposta de uma Alca light ou “Alca possível”
consistia em reduzir o escopo do projeto original e torná-lo mais parcimonioso, evitando assim comprometer a
margem de autonomia das partes contratantes. Os diferentes níveis de compromissos significavam que pelo
novo formato de negociação, as partes estavam livres para, a partir de um acordo mínimo, adicionar novos itens
em si, conforme o interesse de cada um dos países.
Os Estados Unidos fez ofertas distintas de acesso a seu mercado, deixando para o Mercosul a mais
modesta delas. Para reduzir este problema da heterogeneidade de interesses, e ao mesmo tempo enfraquecer
coalizões, os Estados Unidos propuseram listas de ofertas dirigidas a grupos de países. Desta forma, a Alca
funcionaria, na prática, como guarda-chuva institucional para coleções de acordos preparados sob medida
visando grupos específicos de países.
A Cúpula de Miami resultou em um profundo impasse nas negociações e representou de certo modo
uma vitória das nações que resistiam a sua conclusão tal como vinha sendo negociada. Pouco tempo depois, na
Cúpula de Mar Del Plata (2005) ela seria finalmente rejeitada pela Venezuela, Brasil e demais países do Mercosul.
Na avaliação do assessor da presidência da República, Marco A. Garcia “ela não foi assinada porque não atendia
o interesse nacional. Não tem nada de ideologia. [...] Não correspondia ao interesse nacional e pelo contrário,

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seria extremamente prejudicial para o interesse nacional. [...] Foi um momento muito importante do ponto de
vista de um afiançamento das relações da Argentina com o Brasil. Não interessava para o País” (Entrevista ao
autor, 2009).
Fechada a porta do ‘livre comércio via Alca, os Estados Unidos reposicionaram o seu projeto estratégico
de integrar as economias da região a partir de seus interesses econômicos, políticos e comerciais, através da
‘negociação’ de acordos bilaterais com o Chile (2003), Peru (2005), Colômbia (2006) e CAFTA-R (2006). Para
Batista Jr. (2008),
Esses acordos bilaterais não diferem muito entre si, uma indicação de que não
há propriamente negociação com Washington, mas a aceitação pura e simples
de um contrato de adesão. Negociam-se apenas aspectos secundários, minúcias
operacionais, prazos de implementação etc. Como observou o economista
norte-americano e Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, “em matéria de
tratados de livre comércio, os Estados Unidos não negociam, impõem” (p. 227-
228).

Nessa mesma linha de argumentação Fiori (2013), trata a Aliança do Pacífico como um projeto liderado
pelos Estados Unidos e que busca conformar um “novo eixo político-diplomático e econômico dentro do
continente” e que tem “mais importância ideológica do que econômica, porque sua força decorre diretamente da
sua aliança com os EUA” (p. 38).
O espectro da Alca reforçou a formulação e execução de uma agenda brasileira mais pró-América do Sul
no primeiro governo Lula da Silva. Com a renovação das lideranças políticas sul-americanas e a rejeição da Alca
esperava-se uma nova dinâmica na lógica dos processos de integração. Afastada a ameaça da estratégia dos
Estados Unidos, uma nova oportunidade se abria para a revisão, ampliação e o aprofundamento do tão sonhado
e suado projeto integracionista regional. Apesar da proximidade de identidades ideológicas essa expectativa não
se consumou como o esperado. A nova fase da integração regional vive uma “situação paradoxal” (GARCIA,
2008) e a liderança brasileira deparou-se com novos desafios no processo de integração no subsistema sul-
americano. A razão maior desse paradoxo está no fato de que apesar dos governos de esquerdas se mostrarem
mais inclinados a apoiar o regionalismo, isso não tem sido suficiente para fazer avançar a integração na região.

2. Sai a América Latina, entra a América do Sul

Enquanto um dos componentes da identidade internacional do Brasil, a dimensão geográfica da


América do Sul sempre esteve presente no horizonte regional da sua diplomacia, desde a proclamação da
República (BUENO, 2002). Essa construção se deu de modo lento, mas persistente. Ao se voltar mais à sua
vizinhança, o País “faz política da sua geografia”. No entanto, em termos práticos, a tomada de consciência pelo
Brasil de se perceber como um país sul-americano deu-se de maneira lenta e em décadas recentes, bem como o
emprego do termo América do Sul nomeia realidades geográficas distintas entre o final do século XIX e o início
do século XXI (SANTOS, 2005).
Tanto a diplomacia do governo Lula da Silva, bem como a do ex-presidente F.H. Cardoso, sempre se
reivindicaram como pró-América do Sul e cada qual buscou fazer do Brasil o vetor de integração regional. A
experiência do Mercado Comum do Sul (1991) assinalou o caminho da integração regional como uma das
prioridades da política externa brasileira. Ele conformou um novo subsistema regional numa reação criativa para

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ajustar os países integrantes às transformações sistêmicas em curso desde meados da década de 1980. No plano
geopolítico, a Iniciativa para as Américas lançada em junho de 1990 pelo executivo dos Estados Unidos foi
decisiva bem como as transformações na ordem internacional advindas do fim do bloco socialista e o fim da
guerra fria.
Em 1995, no discurso de despedida como Ministro das Relações Exteriores do governo Itamar Franco
(1992-994), o embaixador Celso Amorim reforçava a necessidade de se “trabalhar pela afirmação da América do
Sul como conceito não só geográfico, mas também político e econômico”2. Essa construção de um espaço sul-
americano integrado, vislumbrado ainda no governo Itamar Franco com a proposta da Área de Livre Comércio
Sul-Americana (ALCSA), em 1994, está na raiz do atual interesse do Brasil pela região.
Quase uma década depois, com a assinatura, em 2004, do acordo entre o Mercosul e a Comunidade
Andina de Nações, criando uma zona de livre comércio na América do Sul um espaço integrado começou a
ganhar corpo. Essa nova associação regional reúne as três regiões geopolíticas do subsistema sul-americano: o
platino, o andino e o amazônico. E que pode ser fortemente debilitada na medida em que a Aliança do Pacífico
conseguir implementar os seus objetivos e agenda.
Nas duas gestões do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o conceito de América do Sul
firmou-se no discurso diplomático e passou a ocupar o lugar do conceito de América Latina, considerado pelo
presidente Cardoso muito amplo e de pouca operacionalização. Essa percepção estava presente em seu discurso,
mesmo antes de ele assumir a presidência da República. Ainda quando era ministro das Relações Exteriores,
Cardoso defendia a formação de “uma plataforma sul-americana” (1994, p.189). Em 1997, Cardoso afirmava:
“Nunca acreditei na possibilidade de integração latino-americana e muito menos caribenha. Não dá. Então, na
minha visão, o nosso espaço histórico-geográfico é a América do Sul [...] o espaço que nós temos que organizar é
esse aqui.” (SALLUM JR, p. 25). O primeiro encontro dos governos da região, realizado em Brasília no contexto
das comemorações dos 500 anos do Brasília, fez parte dessa nova orientação. Nesse encontro, decidiu-se lançar a
Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (Iirsa), a fim de integrar fisicamente a
América do Sul por meio de 10 eixos de integração com a realização de obras nos setores de transportes, energia
e telecomunicações.
No discurso da diplomacia do governo Lula da Silva, a América do Sul também configurou uma frente
externa de primeira ordem, e diferente do período Cardoso, a ênfase política nas relações com a região merece
destaque. Nas palavras do Ministro Celso Amorim, ela seria a “prioridade das prioridades”, mas tendo o
universalismo como eixo central da política externa brasileira. Segundo Amorim, a América do Sul é a principal
prioridade, mas a política externa do País “não pode estar confinada a uma única região, nem pode ficar restrita a
uma única dimensão. O Brasil pode e deve contribuir para a construção de uma ordem mundial pacífica e
solidária, fundada no Direito e nos princípios do multilateralismo” (AMORIM, 2003, p. 57).
O reforço da presença do Brasil na região e o discurso diplomático que eleva a América do Sul à
condição de prioridade na agenda da nova política externa do País reacendem o debate acerca da liderança
regional do Brasil no espaço sul-americano. A pesquisa desenvolvida por Souza (2009) com integrantes da

2 Discurso de transmissão de cargo para Luiz F. Lampreia em 02/01/1995. Resenha de política exterior do Brasil, n. 76, n.
1, 1995, p. 14.

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comunidade brasileira de política externa mostra que dos dezoitos grandes temas identificados, oito foram
considerados de extrema importância e desses, quatro estão relacionados à atuação do País na região: garantir a
democracia na América do Sul, integrar a infraestrutura, fortalecer a liderança regional do Brasil e fortalecer o
Mercosul.
A iniciativa política do Brasil na criação da Comunidade Sul Americana das Nações (CASA), desde 2007
denominada União das Nações Sul-Americanas (Unasul), abriu uma frente complementar no projeto de
integração sul-americano. E tem se mostrado importante no aprofundamento da confiança entre os países da
região, pois enquanto fórum de concertação político tem conseguido lograr êxitos principalmente na garantia da
democracia regional.
O conceito de integração que está na base da CASA é o da integração multidimensional, para além do
regionalismo aberto proposto pela Cepal no começo dos anos 1990. Por regionalismo aberto entende-se a
liberalização comercial ampla, visto como uma etapa intermediária para a liberalização econômica multilateral. E
que orienta a formação da Aliança do Pacífico.
O espaço significativo que a América do Sul ocupou na agenda da diplomacia do governo Lula da Silva
se refletiu também na área burocrática destinada a cuidar dos assuntos na região3. No Ministério das Relações
Exteriores, a divisão encarregada pela região foi reforçada com a criação da Secretaria Geral para América do Sul
(SGAS), que passou a reunir o Departamento de América do Sul (DAS I e II), Departamento de Integração,
Departamento de Negociações Internacional e Departamento de México, América Central e Caribe, sob a
coordenação do Embaixador Ênio Cordeiro, que a comandou até o segundo semestre de 2009, quando fora
nomeado embaixador em Buenos Aires.
A criação da SGAS pode ser entendida como forte indicativo do grau de importância que a região adquiriu
na última década. No início dos anos 1990, todas as questões relativas ao continente americano estavam sob a
responsabilidade de um único Departamento, o das Américas. A dimensão política e estratégica concedida a
América do Sul e a necessidade de uma Subsecretaria dotada de capacidade para articular as ações da política
externa na região, em um nível mais elevado. E pode ser considerado como o início da construção de um novo
paradigma na política externa brasileira, o sul-americano.
Na trajetória do desenvolvimento da integração latino-americana persistem problemas estruturais tais como a
baixa complementaridade econômica, baixa interdependência, assimetrias e o reduzido poder infraestrutural da
maioria dos Estados, entre outros. A concentração de renda que faz da região a mais desigual de todas segue
sendo um dos principais entraves aliado ao baixo desenvolvimento.

3. Os países da Aliança: livre comércio e integração

Os objetivos que norteiam a criação da Aliança para o Pacífico estão na Declaração Presidencial sobre a
Aliança do Pacífico firmada em Lima em 28 de abril de 2011 e na Declaração de Cali de 2013. Ainda que os
objetivos arrolados como a livre circulação de pessoas, bem, serviços e capitais, a melhora do bem estar de suas

3 Do total de viagens realizadas ao exterior pelo presidente Lula da Silva, 30% delas foram para a América do Sul, o que
somou 145 dias. A Europa com 32% e 137 dias, África com 11% e 51 dias e a América do Norte com 10% e 47 dias. Folha
de S. Paulo, 10. Set. 2010.

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populações, o desenvolvimento e a construção de uma plataforma de projeção política, a Aliança tem como força
maior a liberalização comercial entre seus integrantes. A participação do setor empresarial através do Conselho
Empresarial da Aliança realça e bem o foco desse acordo. Diferente do Mercosul, no qual os empresários se
engajaram pouco no começo e com frequência reclamam da pouco espaço que possuem nos rumos da
integração regional, na Aliança eles figuram como um dos aliados vitais.
Entre as convergências dos quatro países desse acordo, destaca-se o fato deles possuírem acordos de
livre comércio com Estados Unidos e apresentarem um elevado grau de abertura econômica. Em comum Chile,
Peru e Colômbia são economias fortemente dependentes do setor primário ao lado do México que possui um
perfil econômico e comercial mais diversificado. O destino maior dos produtos da Aliança têm como prioridade
os mercados dos países com os quais eles já possuem cerca de 50 acordos de livre comércio ou de preferências
tarifárias.
O Chile desenvolve desde a sua redemocratização uma experiência de inserção múltipla na economia
internacional: tentou, mais de uma vez e sem sucesso, integrar-se ao NAFTA e em outubro de 2000 firmou
acordo com os Estados Unidos nos moldes do previsto em grande parte no projeto da Alca, assinou acordo com
a União Europeia e entrou para Associação de Cooperação do Pacífico. Com uma pauta de exportação centrada
em produtos primários, o Chile sempre foi apresentado como um modelo, um farol para a liberalização
comercial na região. Porém devido em grande parte as dificuldades em competir nos mercados principais, em
1996 o Chile assinou Acordo de Complementação Econômico com o Mercosul (ACE 35) e participada do
acordo sub-regional na condição de país associado. O Peru também associou-se ao Mercosul em 2003 (ACE 58)
e a Colômbia em 2004, juntamente com o Equador e Venezuela (ACE 59). Atualmente o Brasil apresenta
superávits com todos esses países.
O México em função da crise de 2008 e sua dependência estrutural da economia dos Estados Unidos
parece ter na estratégia da Aliança do Pacífico um novo espaço para reduzir a sua dependência do mercado
norte-americano e voltar a disputar parcelas dos mercados latino-americanos.

Conclusão

A crise financeira internacional de 2008 incidiu fortemente sobre a agenda regional. Entre seus principais
efeitos, a região apresentou redução no crescimento das economias, aumento do protecionismo, retração nas
exportações e queda dos investimentos. Apesar das adversidades e dos entraves mencionados acima a integração
segue no horizonte.
A Aliança do Pacífico apresenta-se como uma radical liberalização comercial entre os seus integrantes e
com a possível incorporação da Costa Rica e do Panamá, representa a retomada da concepção de integração nos
moldes do regionalismo aberto. Esse “novo eixo político-diplomático e econômico” no continente traz fortes
ecos da estratégia dos Estados Unidos presente na proposta da Alca e do ponto de vista geopolítico, pode
representar uma reversão na busca de autonomia da região frente as políticas econômicas, comerciais e de
segurança de Washington.A agenda pós-liberal inaugurada há uma década tem diante de si um desafio imenso.
O contraponto da Aliança a concepção de uma integração multidimensional para além dos aspectos
econômicos comerciais, na qual as dimensões produtiva, energética e física são agregadas ao processo parece real.
Assim a epígrafe que abre esse trabalho, na qual o ex-presidente Lula da Silva manifesta preocupação de um

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possível isolamento do Brasil na região e por outro lado as declarações do seu ex-assessor para assuntos
internacionais, Marco A. Garcia de que a Aliança “não tira o sono do Brasil”, são indícios de que a estratégia
brasileira de integração sul-americana poderá sofrer mudanças de rota a fim de fazer frente a esse novo acordo
de livre comércio.

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RESUMOS
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 387

Resumo

Complejidades y perspectivas en la relación Mercosur


Pacto del Pacífico, Pacto Andino, Unasur, Celac

Geronimo de Sierra

E
n la larga historia de los proyectos integracionistas en América del Sur, nunca antes se dieron
tantos avances y consolidaciones como en estos años. Sin embargo hay lecturas -entre
académicos y actores políticos- que fundan su "optimismo" (o pesimismo) en
simplificaciones que ocultan los diversos niveles de contradicciones -actuales o potenciales- existentes
en la relación de los sub bloques entre sí y con Europa, Estados Unidos y China. Se analizan los
avances realizados por cada bloque, sus tensiones internas y entre sub bloques, y algunas perspectivas
del desarrollo posible en el próximo y el mediano plazo. También se presenta la naturaleza diversa -
política y jurídica- de los distintos niveles de acuerdos integracionistas, así como su articulación con los
cambios recientes en las relaciones de China con Estados Unidos, Europa y América Latina.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 388

Resumo

Reflexos sócio-políticos da alta institucionalização


das organizações intergovernamentais Mercosul
e Unasul em atores não-estatais

Jamile Bergamaschine Mata Diz


Clarissa Correa Neto Ribeiro

O
cerne do problema a se investigar será o impacto de políticas sociais erigidas pelo Direito
da Integração latino-americano como forma de legitimação social. Não se pretende
discutir o objetivo da legitimação, mas o que foi, em verdade, alcançado. Ora, em que
medida a organização e a gestão de atores não-governamentais se beneficiam dessa alta
institucionalização que marca o processo integrador latino-americano? Em que medida os agentes
particulares, no âmbito de suas relações sociais e jurídicas privadas, estão vinculados aos programas de
cooperação internacional e às normas editadas por esses órgãos? Como a sociedade civil enxerga essa
tentativa de legitimação social e em que medida corresponde às políticas implementadas? Em que pese
a constatação dessa nova direção, os estudos internacionais tendem a colocar em relevo o processo
legitimação social da alta institucionalização, com raras discussões sobre os reflexos e os impactos
sociais das disposições jurídicas dessasorganizaçoes.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 389

Desafios teóricos para a


Integração Regional

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ARTIGOS
As relações Brasil-Argentina pós-guerra do Paraguai

Ana Paula Brito Vila Nova1


Marcelo Marques de Almeida Filho2

Introdução

A
guerra do Paraguai foi um importante acontecimento da história americana. Na época da
guerra, o Brasil que ainda era império estava em fase de consolidação territorial e também
estava lidando com uma serie de revoltas internas, que foram duramente reprimidas. A
Argentina também se encontrava na mesma situação brasileira, pois não tinha consolidado suas
fronteiras e ainda tinha a pretensão de criar um grande Estado hispânico (que envolvia várias Nações
do antigo Vice-Reino do Prata) no continente Americano, com faces a fazer frente ao Brasil.
Inicialmente as relações entre Brasil e Argentina, eram temperadas por uma grande rivalidade e
por uma acirrada competição, pois estavam em jogo a liderança regional, interesses diversos, questões
geopolíticas, a consolidação nacional de ambas as partes, bem como as Nações representavam uma para
a outra como potenciais inimigos. O Brasil atuou nesse período com um ágil e estratégico jogo de
diplomacia e acabou por “domesticar” o rival, visto que interferiu na política argentina através do apoio
de grupos rebeldes que tomaram o poder, bem como fez alianças estratégicas com outros vizinhos a
fim de enjaular o leão argentino (por exemplo, o Chile e a Bolívia). As relações vizinhas, onde
divergiam as atitudes conflitivas e cooperativas, culminaram na Guerra do Paraguai, onde pela primeira
vez na história essas Nações cessaram as situações conflitivas entre eles e lutaram do mesmo lado
contra um inimigo comum (CERVO; BUENO, 2002).
Posterior a esse evento, o Brasil e a Argentina passaram a ter uma relação que hora os
aproximava, hora os afastava. Estas relações eram calcadas em suas diretrizes de política externa e
dependiam seriamente do perfil político dos chefes de Estado das duas Nações. No período militar, a
partir do governo Geisel, essas relações passaram a melhorar e posteriormente, com a retomada da
democracia nos dois países, a integração entre os dois países cresceram consideravelmente, culminando,
futuramente na criação do Mercosul, que institucionalizou a cooperação e integração entre os dois
países, somando ao processo o Uruguai e o Paraguai.
Esse estudo se mostra importante para as Relações Internacionais e para as Ciências Humanas e
Sociais, sobretudo quanto às relações internacionais americanas, pois a Guerra do Paraguai foi um
conflito que marcou duramente a história americana e envolveu também agentes de outras partes do
globo (Inglaterra, por exemplo), contando com a participação de um número expressivo de países, o

1Graduanda em Ciências Sociais, Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: anapvilanova3@gmail.com.


2Mestrando em Ciência Política, Universidade Federal de Goiás (UFG). Bolsista Capes Demanda Social. E-mail:
mma_filho@hotmail.com.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 392

que envolve suas respectivas populações e uma série de fatores. As relações entre Brasil e Argentina
também é algo importante, por se tratar de duas Nações que divergiam bastante no passado, se
tornaram parceiras ao longo da história e juntas formaram o alicerce do processo integracionista que
deu origem ao Mercado Comum do Sul (Mercosul) e são países que vem evoluindo constantemente no
cenário internacional, adquirindo pouco a pouco “seu lugar ao sol”. A boa relação entre vizinhos no
continente também serve de exemplo para as outras Nações americanas, exaltando a cooperação
regional, assim mesmo não deixam essas relações de ser competitivas, dadas a realidade internacional
(CERVO; BUENO, 2002).
Durante a realização deste, levanta-se a hipótese de que essas relações inicialmente foram de
rivalidade e de certa forma conflitivas, sendo amenizadas durante o passar dos anos, quando a
cooperação sul-americana começou a avançar, passando essas relações a ser de parceria e
competitividade. Essa hipótese busca responder o problema levantado: as relações entre Brasil e
Argentina são ou não conflituosas?
A fim de se testar a hipótese e se responder o problema, avaliaremos o comportamento
desenvolvido por estas Nações em suas inter-relações desde a independência destas até os atuais dias.
Com essa perspectiva, será utilizado nesse artigo o método qualitativo, através de pesquisa e
revisão bibliográfica, que fará uma análise histórica da relação entre essas duas Nações, com ênfase na
participação brasileira, bem como se fará um breve histórico das relações que antecederam essas
relações, tendo como ponto de partida a primeira onda de independência americana. Posteriormente,
analisar-se-á as relações entre as duas Nações no período militar e por fim, o processo de integração
entre as duas Nações, como consolidadora da parceria entre os dois países.
Esta análise abordará inicialmente parte dos fatores históricos regionais que antecederam a
guerra do Paraguai e como essa se desenrolou.

O processo de independência nas Américas e a guerra do Paraguai (1864-1870)3

Desde a primeira onda de independência das Américas, os países latino-americanos tiveram


uma série de desafios a concretizar. Um dos principais desafios foi a delimitação fronteiriça e a busca de
se promover o desenvolvimento regional, inspirado na Revolução Industrial inglesa, o que se mostrou
dificultado pelas grandes potências. Ao contrário dos vários países sul-americanos, o Brasil ao se tornar
independente adotou o regime monárquico de governo, diferente dos outros países latinos que
adotaram o regime republicano-federalista. A questão da coesão nacional foi também um forte fator
que influenciava as relações americanas pós-independência. No Brasil, uma série de levantes e revoltas
aconteceu visando a separação de alguns dos atuais estados da federação brasileira, que foram
duramente reprimidas e o território nacional, mesmo com isso permaneceu unificado. Já no projeto de

3 Data referente à Guerra do Paraguai.

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independência de Simón Bolívar, previa-se a criação de uma grande Nação, derivada do Vice-Reino da
Prata, que compreendia vários dos atuais países hispano-americanos, como a Argentina, o Paraguai e o
Uruguai. Entretanto, ondas separatistas e a formação de fortes grupos regionais ocasionaram a
separação entre as regiões e com isso, o sonho da República Bolivariana das Américas parece ter
chegado a um fim (CERVO; BUENO, 2002).
Posterior ao processo de independência, a delimitação das fronteiras, o desenvolvimento e
comércio, bem como a liderança regional passaram a guiar as relações sul-americanas. O Brasil de certa
forma saiu na frente, dado a unidade nacional que se manteve e das relações comerciais mais
favorecidas pela propicidade do território brasileiro para a produção nacional. Assim, o Brasil passou a
influenciar nas decisões dos países vizinhos, desestabilizando governos e interferindo em assuntos de
política externa, tendo também inserido fortes aliados dentro dos países da América do Sul. Outra
Nação ameaçava forte mente a hegemonia brasileira na Bacia da Prata, pois apresentava um elevado
índice de desenvolvimento e independência, bem como possuía alguns territórios que eram de interesse
brasileiro: o Paraguai. Não obstante, a Argentina, que até então via o Brasil como um sério e poderoso
rival, almejava reconstituir o território do Vice-Reino da Prata em uma mega Nação que pudesse fazer
frente ao império brasileiro. O Uruguai, após a independência, iniciou seu próprio ritmo de
desenvolvimento e ao que parece, simpatizava com o projeto bolivariano e com os planos da Argentina.
O Brasil frustrou esses planos intervindo para que os governos nacionais desses países caíssem,
apoiando grupos revoltosos. As relações entre esses países, que foram discordantes em vários pontos
acabou por culminar na Guerra do Paraguai (CERVO; BUENO, 2002).
A Guerra do Paraguai foi um desastroso acontecimento que envolveu a América do Sul, tendo
como protagonistas, de um lado, Brasil, Argentina e Uruguai e do outro o Paraguai. A guerra em
questão arrasou as estruturas do Paraguai e com isso prejudicou seu desenvolvimento, o que permanece
até os dias atuais. Essa guerra causou milhares de mortes e também trouxe muitos danos às partes
envolvidas, sobretudo ao Paraguai, como já dito, causando ainda um grande endividamento externo aos
países envolvidos. Não é a intenção deste trabalho se aprofundar na Guerra do Paraguai. Apenas
utilizamos esta como referência de um importante ponto da relação Brasil-Argentina.
O Brasil passou a ser visto pelos países da América do Sul como imperialista e aspirante a
hegemonia regional a partir da guerra do Paraguai e dos acontecimentos que a sucederiam, sobretudo
pela Argentina, e com a hábil atitude diplomática que permitiu ao Estado brasileiro a consolidação
territorial nacional, bem como a aproximação com os Estados Unidos colocaram o Brasil em uma
posição de isolamento e de temerosidade, o que será referido a seguir (CERVO; BUENO, 2002).

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Alguns pontos da relação Brasil-América Latina no pós-guerra do Paraguai e as relações


Brasil-Argentina

Mesmo após a vitória da guerra por parte dos três aliados, esses ainda divergiram sobre os
termos do fim da guerra. No fim da Guerra do Paraguai, as Nações aliadas tinham se comprometido a
negociar o Tratado de Paz com o Paraguai em conjunto. Entretanto, devido a divergências entre os
auto-representantes do Brasil (que contava com o apoio do auto representante uruguaio e tinha boas
relações com o governo provisório paraguaio) e da Argentina, os países envolvidos na Guerra
negociaram separadamente os acordos de paz com o Paraguai. O primeiro país a negociar o acordo de
paz com o Paraguai foi o Brasil, causando um sério mal-estar com a Argentina. De ânimos exaltados,
essa atitude brasileira foi considerada pelos argentinos como uma atitude baixa e desleal da coroa e
assim uma séria tensão começou a surgir entre as duas Nações, que começaram a se rearmar para uma
possível guerra entre as duas Nações. Esse conflito só foi evitado, pois ambos os países estavam com
suas condições financeiras e militares seriamente prejudicadas pela Guerra com o vizinho paraguaio,
tendo Bartolomé Mitre resolvido esse contencioso com o governo brasileiro através de diplomacia, em
junho de 1872 (SALES, 2011. Online.).
Entretanto, devido à política externa desempenhada pelo governo brasileiro dos períodos
seguintes, que previam um direcionamento de prioridades para outros países do globo, como os
Estados Unidos e outras potências desenvolvidas, em detrimento das relações com a América Latina, o
Brasil passou a ser visto como um país com intenções hegemônicas no continente, tendo sua imagem
atrelada à imagem negativa dos Estados Unidos no Continente Americano. Esta visão negativa do
Brasil perdurou por um longo período de tempo.
Nos anos que se seguiram, as divergências de política externa entre as duas Nações eram
consideráveis, estando à Argentina mais alinhada à Grã-Bretanha e o Brasil mais aproximado com os
Estados Unidos. Entretanto, as relações entre os dois países melhoraram com a proclamação da
República no Brasil, sendo ainda resolvido um contencioso fronteiriço importante sobre a região de
Palmas/Missões. Firmou-se, em 1898 o Tratado de Fronteiras entre os dois países, assinado pelo
presidente argentino Julio A. Roca e pelo presidente brasileiro Campos Sales. Buscou-se por esses
governos evitar as tensões correntes entre os dois países (CANDEAS, 2004. Online).
O Brasil, sobre influencia de alguns postulados da Doutrina Monroe começa a se rearmar e
reconstituir sua marinha, o que é visto com apreensão pelos argentinos, que também passam a se
rearmar, com vistas a fazer frente ao Brasil. Como reflexo, na América Latina, ocorre o aumento da
percepção do Brasil como um instrumento de controle dos Estados Unidos na região, onde a Nação
brasileira passa a ser vista como um país-chave nas mãos dos estadunidenses4.

4[...]
São as teorias do subimperialismo, do imperialismo por procuração que entram em voga não só junto às esquerdas
latino-americanas. Oscar Camilión, por exemplo, representante do desenvolvimentismo argentino, populariza a versão do
país chave, que toma emprestada dos escritos sobre a política dos EUA em outras regiões. Segundo esta interpretação,

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As visões de política externa entre Brasil e Argentina continuaram divergindo pelos anos que se
seguiram. No período da Primeira Guerra Mundial, por exemplo, o Brasil se alinhou aos países da
Tríplice Entente, enquanto a Argentina se manteve como país neutro. Conseguinte, na Grande
Depressão de 1929, manteve-se aliada à Grã-Bretanha, mesmo que esta não a favorecesse com a
Commonwealth, enquanto o Brasil estreitou cada vez mais os laços com os Estados Unidos, buscando
obter vantagens para se desenvolver e visualizando o declínio da Europa. Segundo o diplomata
Alessandro Warley Candeas,
A Argentina insistiu em permanecer atrelada a uma potência mundial em
declínio – o Reino Unido14 – pois acreditavam que, cessados os efeitos da
Grande Depressão, tudo voltaria à normalidade. A dirigência argentina não
tinha clara a decadência da Europa, sobretudo da Grã-Bretanha, como centro
econômico e financeiro do mundo, e a ascensão dos Estados Unidos aos status
de potência mundial. Com isso, perde a chance de redefinir a estratégia de
inserção mundial e de atualizar sua política econômica, incorporando valor
agregado aos produtos primários e lançando a industrialização (CANDEAS,
2004. Online).

Posteriormente, a esses acontecimentos houve uma aproximação entre as duas Nações no


governo Getúlio Vargas, com vistas a aprofundar o Pacto do ABC e assinando uma série de acordos
comerciais, de navegação e de turismo, aumentando a pauta das relações bilaterais.
Durante a Segunda Grande Guerra, a Argentina inicialmente adota novamente a postura
neutralista quanto ao conflito, o que se alterou com o ingresso do Brasil no conflito. Para a Argentina,
o Brasil ingressou no conflito para obter ganhos econômico-estratégicos dos estadunidenses e também
teria o desejo de representar os interesses destes frente à América Latina, o que forçou a mudança de
posicionamento da Argentina, que declarou guerra ao eixo em 1945, qualificando-a como membro
fundador da Organização das Nações Unidas, assim como o Brasil (CANDEAS, 2004 in. Scielo, 2011).
Nos períodos que se seguem, no Brasil do pós-Segunda Guerra, se tornam presidentes Gaspar
Dutra (1946-1951), o reeleito Getúlio Vargas (1951- 1954, ano de seu suicídio) e Café Filho (1954-
1955), Juscelino Kubitschek (1956-1961), Janio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964). Desde o
primeiro governo Getúlio Vargas, o Brasil passou a buscar a industrialização e o desenvolvimento
como metas principais de governo, surgindo nacionalmente o populismo-desenvolvimentismo. A época
que vai da ascensão de Getúlio até a instauração da ditadura no Brasil foi marcada por forte populismo
presidencial, sobretudo em Vargas, Kubitschek, Quadros e Goulart, que formularam famosas diretrizes
de política externa, como a Operação Pan-Americana de JK, que buscava uma aproximação com a
América Latina e fomento ao desenvolvimento desta pelos Estados Unido e a Política Externa
Independente de Quadros e Goulart, que também pregava o desenvolvimento regional como um fator

Washington delegaria a um key-country em cada área, o mandato de manter a ordem e a estabilidade da Pax Americana,
sendo o Brasil o escolhido para esse papel na América do Sul. (RICUPERO 2002 apud, ABDENUR, 2007, p. 197)

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de combate ao comunismo, prevendo ainda a relação comercial com os países do bloco socialista como
uma das formas de favorecer a balança comercial brasileira (CERVO; BUENO, 2002).
Na Argentina, no mesmo período, surgem também governos populistas, sendo os de maior
expressividade política o de Juan Domingo Perón, que junto de sua mulher Maria Eva Duarte Perón
(ou Evita Perón) criaram uma série de importantes diretivas que aumentaram constantemente a
presença do Estado argentino na promoção do desenvolvimento e Arturo Frondizi, que é considerado
o JK argentino, em termos de desenvolvimento nacional baseado na substituição de importações
(CANDEAS, 2004 in. Scielo, 2011).
Posteriormente, caem os governos populistas e em toda a América Latina ocorrem golpes
militares, formando-se uma série de ditaduras, apoiadas pelos Estados Unidos. Como desvio da política
regional brasileira, pode-se citar que o Brasil apoiou golpes de Estado contra movimentos de esquerda
nos países vizinhos, em ações paralelas das forças armadas.
As pautas para todos os países da América Latina, principalmente para o Brasil, continuam a ser
o desenvolvimento regional e a busca de investimentos dos Estados Unidos para que esse aconteça.
Durante o governo Costa e Silva, o segundo governo militar, mais precisamente em 1969, reuniram-se
19 ministros de Relações Exteriores latino-americanos, que apresentaram ao então presidente Richard
Nixon, através da Cecla (Comissão Especial de Coordenação Latino-Americana) o Consenso de Viña
Del Mar, documento que continha as reivindicações dos latinos, esperançosos em converter a OEA em
instrumento efetivo de cooperação entre as Nações americanas, através da atuação da Aliança para o
Progresso5, criada pelo presidente estadunidense John Kennedy.
Também em 1969, no dia 23 de Abril, foi firmado o Tratado da Bacia do Prata entre Brasil,
Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, para promover um desenvolvimento harmônico e a integração
física da Bacia do Prata e suas áreas de influência. Ainda nesse ano, apareciam as primeiras divergências
com a Argentina sobre o aproveitamento dos rios e o sequestro de aeronaves brasileiras, enviadas para
Cuba (CERVO; BUENO, 2002).
Ainda no governo Médici, o Brasil tentou novamente, junto à Alalc, adquirir preferência na
zona de livre comércio para seus produtos industrializados, mas não obteve êxito. Mas mesmo com
estas últimas investidas que apresentaram pouco sucesso, o Brasil continuou com seu processo de
inserção regional, fazendo com que essa tomasse uma forma mais ousada, se encontrando neste
período a elaboração de grandes projetos de cooperação com o Paraguai (hidroelétrica de Itaipu), com a
Bolívia, para compra do gás natural e complementação industrial, através da Ata de Cooperação de
1973, com a Colômbia, onde promoveu estudos para a criação de uma empresa binacional do carvão e

5A Aliança para o Progresso foi uma das respostas do governo estadunidense para o Pacto de Varsóvia e as medidas que a
URSS tomavam para favorecer os países do bloco. Nisto estava incluso investimentos de grande porte, que ao contrário do
que esperavam os países da América Latina, foram direcionados majoritariamente para a reconstrução europeia, no pós-
guerra.

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com o Uruguai, elaborando projetos de desenvolvimento para as bacias da lagoa Mirim e do rio
Jaguarão, todos os projetos firmados em 1973 (BARBOSA; PANELLI CÉSAR 2004 apud
ABDENUR, 2001).
O Brasil ainda negocia e assina o Tratado de Itaipu com o Paraguai, em 1973, antes de resolver
seus problemas com a Argentina, referentes ao aproveitamento hidroelétrico do Rio Paraná, o que
amplia a sensação de ameaça que o Brasil emanava. Nesta situação, o Brasil, impôs a Argentina o ajuste
de seus interesses para corroborarem com os desígnios brasileiros. Acontece que o Brasil fora capaz de
impor custos à Argentina e esta não dispunha de poder e meios de retaliação, não se fazendo necessária
a negociação com a mesma, do ponto de vista da diplomacia da época. A Argentina passou, então, a
fazer oposição aos esforços de integração que estavam sendo desenvolvido, temerosa às visões
geopolíticas do General Golbery do Couto e Silva, que de fato não influenciaram significativamente a
política externa brasileira. No entanto, a Argentina, mesmo com seus receios, cooperou
harmoniosamente com o Brasil através dos mecanismos do Tratado da Bacia da Prata, que
proporcionaram o surgimento das primeiras resoluções da disputa acerca da construção das
hidroelétricas nos rios platinos. A diplomacia brasileira, sabendo da fragilidade que essa relação
apresentava, foi forçada a reiterar seu total desinteresse e abominação por hegemonias e que estas não
faziam parte das pretensões nacionais, bem como a afirmação do interesse no avanço das negociações e
resoluções dos problemas e divergências existentes, mesmo que fosse necessária a diminuição da
projeção real que o Brasil possuía, tanto frente à América Latina, quanto à que era visível no cenário
internacional (CERVO; BUENO, 2002).
Mesmo com o reconhecimento dos países latino-americanos sobre o fato de o Brasil seguir sua
política externa baseada em seus interesses nacionais e não como interlocutor da vontade
estadunidense, ainda eram necessárias outras ações para uma mudança ainda mais expressiva da visão
destes sobre o Brasil. Além das medidas desenvolvidas, a conciliação com a Argentina sobre a utilização
dos recursos hidrelétricos na Prata, através do Acordo Tripartite (Argentina, Brasil, Paraguai) em
outubro de 1979, foi a que apresentou maior representatividade para a desconstrução da imagem de
novo país hegemônico ou de defensor dos interesses estadunidenses que pairava sobre a sociedade
brasileira. Soma-se a isso também a assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), em julho
de 78 e a participação brasileira no processo de negociação dos contenciosos entre o Peru e Equador e
Argentina e Chile, o que conferiu um progresso significativo quanto à confiança conferida ao Brasil na
América Latina.
Foram ainda assinados uma série de acordos, dentre eles os acordos de desenvolvimento com o
Uruguai (1974, 1975, 1977 e 1978), infindáveis acordos com o Paraguai, em complemento ao tratado de
Itaipu (1974, 1975 e 1978) e os tratados com a Bolívia (1974 e 1977), que reforçavam a posição
brasileira na Bacia do Prata, fora a recusa de uma proposta nuclear, considerada desinteressante após a
conclusão do acordo com a Alemanha, mas que foi revista posteriormente. Segundo Cervo e Bueno

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(2002), as transações comerciais e cooperativas foram fatores fundamentais para a mudança na imagem
do Brasil na América Latina, de inimigo a ser temido a parceiro a ser respeitado. As relações com a
América Latina foram amarradas por uma teia de contratos, por vezes verdadeiros pacotes econômicos,
firmados com todos os países importadores, à exceção da Argentina e do Chile. Somavam-se a estes
dezenas de projetos de cooperação implementados pelo Brasil, com recursos do PNUD (Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento), na América Latina e na África. (CERVO; BUENO, 2002)
Posteriormente ocorreria uma série de Acordos com a Argentina, rompendo os desafetos que
haviam surgido pela não participação inicial desta nas negociações para a construção da Usina de Itaipu,
pois a Argentina temia uma postura de potência hegemônica brasileira e de subordinação aos Estados
Unidos, fora o fato de esta não dispor de poder repressivo para fazer com que o Brasil entrasse em
negociação, pois esta questão também se situava fora da área de interesse brasileira.
Geisel assumia o governo brasileiro em 1974 e em sua atuação manteve a mesma estratégia de
relacionamento com a América Latina que já vinha sendo desenvolvida pelo governo Médici, marcada
por ações em diversos âmbitos como nos órgãos multilaterais regionais, particularmente no SELA
(Sistema Econômico Latino Americano, criado em 1975 por meio de tratado), na OEA (Organização
dos Estados Americanos), na Alalc (Associação Latino-Americana de Livre Comércio, que
posteriormente se transformaria na Aladi – Associação Latino-Americana de Integração), vendendo
uma imagem de país não hegemônico, adepto à integração regional (buscando a eliminação das
pejoratividades pelo qual era visto), por intermédio da diplomacia presidencial personalista, que teve um
grande incremento, sendo alguns deles o afinamento da posição em política internacional, a dissuasão
de consensos de grupos, a demonstração de força quando fosse necessário e promovendo projetos de
intercâmbio e no âmbito bilateral, o reforço dos programas que já se encontravam em andamento e a
ampliação da cooperação, no plano das intenções em volume considerável (CERVO; BUENO, 2002).
Neste mesmo período, a Argentina se tornava o terceiro maior importador dos produtos
brasileiros, perdendo apenas para EUA e Alemanha, mas era o primeiro em importação de produtos
manufaturados. Mas este bom relacionamento se restringia ao campo do comércio, pois o
relacionamento com este país sempre foi delicado. No entanto, em 1975 a Argentina propôs ao Brasil
um acordo de cooperação nuclear, que o Brasil achou por bem não assinar, e como desculpa à recusa,
usou os recentes tratados com o Paraguai e Bolívia, que, segundo o governo nacional, estavam
concentrando os esforços e recursos brasileiros, que já utilizava recursos advindos do PNUD
(Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
A par destes acontecimentos, na década de 80, sobretudo em seu início, ocorreram dois eventos
que influenciaram fortemente o retorno do interesse brasileiro na retomada do processo de cooperação
e articulação política com os demais países latinos, sendo eles a concretização do Acordo Nuclear com
a Argentina (1980), restrito à utilização deste como fonte energética, com fins pacíficos, acontecimento
que marcou o processo de construção de confiança mútua entre as duas Nações, de característica

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estratégico-militar e o apoio brasileiro à Argentina na Guerra das Malvinas (1982) contra o Reino
Unido.
Assim, as relações entre Brasil e Argentina, que antes eram afetadas seriamente por corridas
armamentistas e uma forte rivalidade, começa a rumar principalmente pela cooperação e integração,
tendo como pontos fundamentais a questão nuclear e o intercâmbio comercial (OLIVEIRA, 1998.
Online).
Segundo Brum (1997), a volta dos interesses nacionais para a região latino-americana aconteceu
por conta das dificuldades encontradas pela diplomacia brasileira na inserção em outros espaços
econômicos e também pela deteriorização da imagem negativa que encobria o Brasil aos olhos da
América Latina. Houve, portanto, o crescimento político brasileiro na região, visíveis nos efeitos do
crescimento brasileiro em relação ao continente sul-americano, no aumento da participação do Brasil
nos mecanismos regionais, os investimentos e projetos de cooperação desenvolvida, dentre vários
outros aspectos e, no plano econômico, o crescimento das trocas comerciais crescentes, que
proporcionaram ao Brasil um balanço favorável neste período. Ressalta-se ainda a ação da diplomacia
brasileira em destruir os estereótipos criados acerca do Brasil na América Latina e no reatamento das
relações com a Argentina, que não deveria ter sido excluída em momento algum da integração platina e
sim constituir-se como outra peça chave no êxito desta.
A partir dos anos 80, torna-se evidente o enfraquecimento dos instrumentos de liberalização do
comércio regional na América Latina, dada a vontade política limitada quanto à integração, como pode
ser notada na crise do endividamento externo (1982). Surge então uma corrente de pensamento que
sugere um projeto de integração mais realista e adequado à nova realidade mundial. Dado o perigo de
uma marginalização ainda maior da América do Sul e as constantes mudanças do sistema internacional,
a pauta de integração regional passa a circular em torno da valorização da interdependência ativa entre
os países da região, propiciando um contexto de crescente abertura internacional e de liberalização
econômica interna (BRUM, 1997).
Começa a florescer na América Latina os primeiros sinais de que os regimes ditatoriais estavam
enfraquecendo e que estes cederiam lugar à governanças democráticas. Posterior à esses regimes
ditatoriais, a onda democrática invade a América e começam os movimentos de derrubada das
ditaduras por toda a parte.
No Brasil, a liberalização comercial foi feita gradualmente, ao passo que se mudavam as ideias
sobre os perigos da interdependência e crescia a necessidade de se integrar aos acontecimentos
internacionais da modernidade. Os primeiros esforços concretos da parte brasileira aconteceram no
governo Sarney, tendo como parceiro a Argentina. Em 1986, os presidentes José Sarney e Raúl
Alfonsín finalizam as negociações que instituiriam o acordo de cooperação e de comercio bilateral entre
Brasil e Argentina, ao qual mais tarde viriam se juntar o Uruguai e o Paraguai, respectivamente.

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Nesse contexto, superadas, de uma parte, décadas de receios recíprocos e desconfianças mútuas
(e com o advento da redemocratização – é sempre vital recordar), e, de outra, um modelo econômico
que consagrara a substituição de importações como matriz para a industrialização, a partir de 1985, os
Presidentes da Argentina e do Brasil – democraticamente eleitos – decidem tomar a decisão política de
iniciar um processo real de integração econômica, que não mais estaria subordinado ao ritmo dos
esforços multilaterais regionais, mas seria condicionado pela própria vontade e determinação dos dois
países em fazer avançar no terreno prático a relativa complementaridade já existente entre as duas
economias (BARBOSA; PANELLI CÉSAR 2004 apud ABDENUR, 2001)
Decorrente deste acontecimento, em 1985, os presidentes Sarney e Alfonsin assinaram a Ata de
Iguaçu, que no ano seguinte passou a ser denominada como Programa de Integração e Cooperação
Econômica Brasil-Argentina, com protocolos complexos e institucionalizados. Este programa se
fundamentava nos princípios de gradualidade, flexibilização, equilíbrio e assimetria, que passou a adotar
uma estratégia de integração crescente, gradual, pelos setores industriais, onde a complementaridade
econômica dinâmica se tornava o núcleo deste processo de integração. Os resultados foram
satisfatórios para ambos os lados, sobretudo no que diz respeito às trocas bilaterais, pois estas vinham
de um declínio na primeira metade dos anos 80, aumentando progressivamente após os atos
integracionais, crescendo em torno de 12% ao ano.
Na sequência do processo, em 1988 é conferida nova dinâmica ao processo de integração
bilateral, através da assinatura do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, que previa a
criação de um espaço econômico comum no prazo de uma década, que contaria com a eliminação de
todos os obstáculos alfandegários e não alfandegários (que aconteceria gradualmente) e o
aprofundamento da liberalização comercial bilateral (BRUM, 1997).
Após a restauração da democracia nos diversos países latino-americanos, nos anos 1990, a onda
neoliberal toma conta da região. As políticas promovidas abrangiam diversos setores, mas influenciava
principalmente os planos político e econômico. Em 1990, os presidentes Fernando Collor de Melo e
Carlos Menem decidem acelerar ainda mais o processo de integração que vinha se desenrolando,
antecipando o estabelecimento do mercado comum bilateral para 31 de dezembro de 1994. Esses
passos desenhavam os primeiros contornos do que viria a ser o Mercosul. No mesmo ano, após
intensas negociações, em ato contínuo, os representantes de Brasil e Argentina, junto à Aladi, puderam
firmar um Acordo de Complementação Econômica, que passou a reger as relações econômico-
comerciais entre os dois países entre 1991 e 94. (BARBOSA; PANELLI CÉSAR, 2004 apud
ABDENUR, 2001)
O Brasil conseguiu atingir a cifra de 2,2 bilhões de dólares no comércio com a Argentina em
1990, o que demonstrou a alta lucratividade que o acordo Brasil-Argentina representou, estando à
Argentina em posição ainda mais privilegiada, já que esta duplicou suas vendas para o Brasil, que se

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tornou seu principal destino de exportação (superando os Estados Unidos) e passou a acumular saldos
comerciais favoráveis desde então.
Convém ainda citar a Iniciativa Amazônica, projeto lançado pelo presidente Itamar Franco em
Buenos Aires (1992), no encontro do Grupo do Rio. Consistia na demonstração do interesse nacional
em aumentar as relações comerciais e econômicas para com os países amazônicos (Peru, Bolívia,
Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname), logrando ganhos enumeráveis para todos os
envolvidos. Nesse momento, o Mercosul já demonstrava que constituiria um novo agrupamento sub-
regional no Cone Sul e assim, o Brasil passou a entender como necessária a aproximação com os países
do Norte da América do Sul, visando explorar os potenciais econômicos e comerciais que esta oferecia,
utilizando-se da cooperação política que era proporcionado pelo Tratado de Cooperação Amazônica,
que possuía ao mesmo tempo uma moldura estável e ao mesmo tempo flexível, para possibilitar a
cooperação entre seus membros constituintes (BRUM, 1997).
Esses acontecimentos repercutiram amplamente no contexto regional, onde o Uruguai,
preocupado em ser isolado economicamente pelo desenvolvimento que o processo de integração
proporcionava, engatou as negociações para aderir ao processo de integração corrente. Em um curto
espaço de tempo, o Paraguai também adere ao ato integracionista. Ocorre então uma mudança, no
espaço de poucos meses, na geografia econômica do Cone Sul, que viria a culminar em uma nova
entidade comunitária, que causaria impacto em todos os sentidos na vida econômica, tanto regional,
quanto mundial. Surge então, através da modificação dos mecanismos de integração regional e da
mudança de percepção sobre a interdependência ativa, o Mercosul – Mercado Comum do Sul, um
projeto de união aduaneira entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, pelo tratado de Assunção de
1994, notadamente o processo de integração latino americano que mais prosperou, mesmo com déficits
estruturais evidentes, que precisam ser melhorados, uma iniciativa de zona aduaneira (zona de livre
comércio de uma série de produtos, somada a uma tarifa externa de importação e exportação comum)
que busca atingir o status de zona de mercado comum (economia completamente integrada, com
legislação comercial comum, como na União Europeia).
A diplomacia presidencial, meio pelo qual a figura do governante de Estado toma frente do
corpo diplomático e através da personificação que lhe é conferida, busca fechar negócios de toda a
sorte com outros países foi fator fundamental nesses processos de integração.

Considerações finais

De acordo com a análise histórica e com os fatos que marcaram as relações Brasil-Argentina,
confirmou-se a hipótese de que as primeiras relações entre os países foram conflituosas e de alto teor
de rivalidade, sendo alterada essa situação ao longo da história, onde os países pouco a pouco e
timidamente passaram a se aproximar, divergindo ainda em alguns pontos e por fim, consagrando
através do processo de integração regional e parceria estratégica boas relações nos dias atuais.
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A história entre Brasil e Argentina foi marcada posteriormente ao processo de independência


por aproximações e rivalidade, uma dualidade que perdurou até os anos 1970, onde ocorreu o último
grande contencioso entre as duas Nações, o caso da Usina de Itaipu, que foi resolvido pacificamente
através da diplomacia.
As relações posteriores são acontecimentos que decorrem dos processos de cooperação e
integração regional do Brasil com os países da América Latina, após a mudança da imagem negativa que
o rotulava e se sobressaem às boas relações que foram desenvolvidas com a Argentina, nossa principal
parceira comercial nesta região. Assim, a política externa brasileira vai cada vez mais se latinizando,
sendo ainda mais privilegiada devido à dificuldade de inserção internacional pela qual o Brasil passou
decorrente das crises econômicas e financeiras que recaíram sobre o Terceiro Mundo na metade dos
anos 80, conhecidas como as crises da Dívida Externa e posteriormente com as crises dos países
emergentes.
E desde então, as relações Brasil-Argentina são marcada pela cooperação e pela busca de uma
política comum para o desenvolvimento da região, divergindo em alguns poucos pontos às vezes, o que
é normal, dado o fato de que cada Nação representa seus interesses nacionais.

Referências

ABDENUR, Roberto. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. 2ª Ed. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2001.
BRUM, Argemiro J. Desenvolvimento Econômico Brasileiro. 17ª Ed. Petrópolis. Editora Vozes, 1997.
CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. 2º Ed. Brasília. Editora UNB.
2002.
CANDEAS, Alessandro Warley. Relações Brasil-Argentina: uma análise dos avanços e recuos. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n1/v48n1a07.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2011.
OLIVEIRA, Odete Maria de. A integração bilateral Brasil-Argentina: tecnologia nuclear e MERCOSUL Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v41n1/v41n1a01.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2011.
SALES, Thiago Rabelo. AS Relações entre o Brasil e o Paraguai no Contexto do pós-guerra (1870-1876). Disponível em:
<http://pt.scribd.com/doc/48756081/AS-RELACOES-ENTRE-O-BRASIL-E-O-PARAGUAI-NO-
CONTEXTO-DO-POS-GUERRA-1870-1876>. Acesso em: 10 jun. 2011.

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Geopolítica e finanças na integração brasileira com
os países da América do Sul

Hélio Caetano Farias1

Introdução

A
difusão de ideias liberais, a partir do último quartel do século passado, resgatou a crença de
que o espectro de atuação do Estado deveria se restringir às forças do mercado. Retomava-
se, assim, alguns princípios do liberalismo como estratégia de desenvolvimento econômico e
como justificativa política à intensa internacionalização da produção e à desregulamentação financeira.
Nesta visão neoliberal2, os Estados, sobretudo os da periferia, deveriam ser ajustar às exigências do
mercado e das grandes potências, que patrocinavam a difusão da globalização. Suas prerrogativas se
limitariam a função de fornecedor dos serviços sociais e públicos essenciais a realização plena do capital
internacional, com eficiência e com o mínimo possível de custos.
Na América do Sul, os anos noventa foram marcados pela realização de um conjunto de
reformas administrativas, fiscais e financeiras de corte neoliberal e sob a tutela política do Consenso de
Washington. A superação do atraso e a busca pela integração competitiva nas cadeias globais de
produção pautaram a agenda de política estratégica do Estado e os parâmetros de integração regional.
Entretanto, como idealizado nos discursos da globalização, a ampliação do processo de
internacionalização dos fluxos econômicos não eliminou as bases nacionais do capital privado. Neste
sentido, enquanto os fluxos da economia se internacionalizavam, ampliava-se a histórica tendência de
acumulação de poder e centralização da riqueza em algumas nações. Uma tendência que o
neoliberalismo e a globalização não anularam, pelo contrário, reforçaram.
Desse modo, como defendido por Fiori (2007), os fracassos dos discursos e das políticas em
favor da globalização reafirmaram o retorno da “velha geopolítica das nações”, com o reconhecimento
e fortalecimento das fronteiras nacionais, com o aumento da competição econômica com forte apoio
estatal e com o acirramento das disputas pelas hegemonias regionais.
Para além das explicações essencialmente econômicas, uma estratégia de desenvolvimento
nacional e de inserção externa não prescinde de uma compreensão sobre a lógica do poder, sobre a

1 Aluno de doutorado do Programa de Pós Graduação em Economia Política Internacional do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (PEPI – UFRJ).
2 De acordo com Harvey (2006), o neoliberalismo seria, em primeira instância, uma teoria sobre práticas de política

econômica. O pressuposto básico é que o bem-estar humano poderia ser alcançado por meio da criação de um quadro
normativo-institucional que garantisse as liberdades de mercado. Entretanto, o termo neoliberalismo acaba por ser
superficial para explicar o tropel teórico, político e ideológico de políticas que valorizam a proeminência da perspectiva de
mercado frente à intervenção estatal nos desígnios da organização da sociedade, da economia e do território. Chang (2002:
103), afortunadamente, argumenta que o “discurso neoliberal acerca do papel do Estado contém algumas sérias tensões
internas e, por esse motivo, só pode ser sustentado mediante a contorção intelectual e o compromisso político”.
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geopolítica das nações. O debate sobre o desenvolvimento das nações e sobre a integração regional
evidencia a necessidade de uma inserção diferenciada do Brasil e dos demais países da América do Sul
no sistema hierárquico de poder e riqueza existente no mundo. Um projeto de inserção que reduza as
vulnerabilidades, que elenque prioridades e que seja coerente com uma perspectiva de conquista de
maior autonomia no jogo das disputas de poder do sistema interestatal moderno.
Nos últimos anos, sobretudo a partir da década de 2000, o Brasil vem ampliando as relações de
cooperação política e econômica com os países do Sul, isto é, aquele conjunto de Estados situados na
zona periférica e na semiperiferia do sistema mundial, como proposto por Arrighi (2007)3,
especialmente com os países da América do Sul e da África.
O objetivo deste texto é fazer um breve resgate da literatura sobre o papel dos bancos (em
países que se industrializaram tardiamente) na criação dos mecanismos de direcionamento ao crédito
como respostas nacionais aos desafios da industrialização, do desenvolvimento econômico e, por
conseguinte, da redução das assimetrias de poder em relação às grandes potências mundiais.
Posteriormente, buscar-se-á demonstrar como, no Brasil e nos demais países da América do Sul, os
sistemas de financiamento público são os principais responsáveis pelos projetos de integração regional
e de ampliação das relações econômicas e comerciais. Espera-se, ao longo deste texto, esboçar algumas
ideias que levem a uma aproximação teórica sobre o tema da expansão externa como um elemento
constitutivo de um projeto nacional, que, a um só tempo, busca uma forma de inserção externa que
reforce e desenvolva os efeitos de complementaridade do sistema produtivo nacional.

Estados e bancos na superação do atraso e no desenvolvimento das nações: o BNDES e o seu


papel no direcionamento do crédito

Quando o atraso pode ser uma virtude. É assim que o trabalho de Alexander Gerschenkron
sobre a industrialização dos países atrasados europeus pode ser sintetizado, Analisando as experiências
de industrialização da Alemanha e da Rússia, Gerschenkron explica como as políticas do Estado, e o
papel dos bancos, partiram de estratégias distintas da Inglaterra.
No século XIX, a associação entre as políticas dos Estados, os bancos e as empresas deu uma
nova dimensão ao desenvolvimento industrial dos países da Europa continental. No pós Segunda
Guerra Mundial, retoma-se, em grande medida, a experiência destes países europeus de industrialização
atrasada (latecommers) para a criação de instituições, sobretudo de bancos de investimentos de longo

3 Para Giovanni Arrighi (1997), a estrutura dos Estados no sistema interestatal moderno está dividida em três zonas
principais: o núcleo orgânico, a zona periférica e a zona semiperiférica. O núcleo orgânico seria composto por países que
comandam atividades produtivas e econômicas do sistema e que recebem os bônus da divisão mundial do trabalho. São os
países que estão no topo da hierarquia de Estados. A zona periférica, formada por países que comandam atividades que
incorporam pouco ou nenhum benefício da divisão mundial do trabalho, localizados, portanto, no ponto mais baixo da
hierarquia. A zona semiperiférica seria formada pelo conjunto dos Estados que apresentam uma combinação entre as
atividades de núcleo orgânico e da periferia, são os Estados situados em uma posição intermediária na hierarquia de
Estados.

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prazo, no intuito de recuperar as economias destruídas pela guerra. Como sugere Gerschenkron (1970),
quanto mais complexo o desafio, o campo de tensão entre o atraso e a modernidade, mais precisa e
eficiente deve ser a política e as instituições criadas. Sendo assim, o autor identifica nesta “inovação
institucional” um dos elementos mais relevantes para se reduzir o atraso econômico dos países da
Europa continental diante à industrialização inglesa.
Com uma preocupação semelhante, John Zysman (1983) evidencia a dimensão do atraso nos
mesmos países de industrialização tardia, focando o papel das instituições e dos mecanismos pelos
quais se cria um ambiente favorável para a decisão política de superar os entraves da industrialização.
Zysman (1983) propõe uma divisão dos sistemas financeiros em três tipos, cada um respondendo a
graus diferentes de articulação e autonomia entre bancos, indústrias e financiamentos, assim como na
orientação de políticas de industrialização. O primeiro compreende a existência de um sistema baseado
sobre mercado de capitais com recursos alocados por preços estabelecidos em mercados competitivos.
O segundo previa um sistema baseado em crédito com os preços básicos administrados pelo governo.
E, por fim, o terceiro pautava-se em um sistema baseado no crédito dominado por instituições
financeiras4.
Os três modelos de sistemas financeiros resultam das relações entre as condições políticas e as
características específicas de mercado. Desse modo, deduz-se que o papel do Estado oscila, nos três
casos, entre o regulador, o administrador e o ator (agente principal). Entretanto, os Estados,
independente das características e dos graus distintos de atuação, realizam políticas econômicas que
impactam diretamente no sistema financeiro (oferta da moeda, crédito, taxa de juros etc.). No primeiro
caso dos sistemas financeiros, destaca-se a dimensão do mercado na criação de recursos voltados para o
investimento, distinguindo os sistemas baseados em mercado de capitais e os sistemas fundamentados
no crédito. No segundo, ganha relevância a forma pela qual os preços são fixados pelas instituições
privadas e pelo governo. E, por fim, no terceiro caso, destaca-se a centralidade do Estado no
direcionamento do crédito.
Apesar de serem identificáveis alguns elementos da classificação de Zysman (1983) no sistema
de crédito brasileiro, não é possível compreender a especificidade do país a partir desses modelos
retirados da experiência dos países desenvolvidos, como EUA, Inglaterra, França, Japão e Alemanha.
Não existe, no Brasil, um sistema de financiamento baseado no mercado de capitais e nem um sistema
de crédito essencialmente comandado por bancos universais (TORRES, 2009). Como semelhante a
outros países da periferia, a experiência do Brasil foi distinta e coube aos bancos de desenvolvimento
controlados pelo Estado um papel central.

4 Nas palavras do autor “The three types are: (1) a system based on capital markets with resources allocated by prices
established in competitive marked, (2) a credit-based system with critical prices administered by government, (3) a credit-
based systems dominated by financial institutions” (ZYSMAN:1983, p. 55).

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No Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) se destaca


como uma das mais importantes instituições de planejamento e financiamento dos projetos de
desenvolvimento que já existiram no país. As preocupações com a industrialização, com investimentos
de infraestrutura, com a integração do território e com a superação do subdesenvolvimento
fundamentaram a criação do Banco em 1952 e, por conseguinte, orientaram suas opções políticas. Em
pouco tempo, o BNDE5 se tornou uma das principais referências de planejamento da burocracia estatal
e, imprescindível, aos principais projetos nacionais das mais diversas orientações.
O Banco, em virtude da sua importância, foi objeto de vários estudos, sobretudo os que se
preocupam em analisar o processo de industrialização e a formação do mercado interno. Pode-se, de
maneira, geral, considerar cinco grandes momentos na história do Banco (FARIAS, 2008). O primeiro,
entre 1952 e 1964, ressalta o papel do BNDE no financiamento dos macrossistemas de energia e
transporte; o segundo, entre 1965 e 1981, caracteriza a importância do BNDE na ampliação dos
circuitos produtivos industriais, principalmente com o financiamento dos setores privados nacionais; o
terceiro, entre 1982 e 1989, evidencia-se a inflexão das prioridades históricas do BNDES frente ao
processo de globalização, com destaque para a estratégia de integração competitiva nos mercados
internacionais. O quarto período, predominante durante a década de 1990, o BNDES se destacou
como um dos principais responsáveis pela Política de Privatização. E, por fim, o quinto, e atual
período, caracterizado pela preocupação com a formação de grandes grupos nacionais, com o apoio à
exportação e aos investimentos externos.
Os desembolsos anuais do BNDES situaram-se na ordem de R$ 156 bilhões em 2012, o que
representa uma evolução crescente em seu poder de desembolso, dado que, em 2002, os valores
estavam na ordem de R$ 38,5 bilhões. Trata-se, em termos comparativos, de um montante de recursos
superior aos do Banco Mundial, que em 2012 desembolsou aproximadamente US$ 31 bilhões
(BANCO MUNDIAL, 2012).
Essa especificidade do BNDES deve-se ao fato de a instituição responder no mercado brasileiro
por quase todo o funding6 destinado ao financiamento das aquisições de máquinas e equipamentos
produzidos no país e a obras civis industriais de menor porte. Esse tipo de demanda, por ser
normalmente de menor valor unitário, pode ser atendido com financiamento de prazo de 5 a 7 anos,
enquanto projetos de instalação de plantas ou de obras de infraestrutura precisam, normalmente, de 15
a 25 anos. Isso faz com que, segundo Torres (2009), o prazo médio das operações do BNDES seja de
quatro anos, muito inferior ao de instituições congêneres, o que permite também que a instituição
consiga gerar um volume de desembolsos anual maior, frente a um mesmo valor de ativo de crédito.

5 Apenas em 1982, com a incorporação dos recursos do Fundo de Investimento Social (Finsocial), o então BNDE agregou
a letra “S” em sua sigla e passou, portanto, a se chamar BNDES.
6 O termo funding denomina o provimento de recursos financeiros a longo prazo, ou seja, de mais de dois anos, e o termo

finance para prazos inferiores, geralmente relacionados a provimento de capital de giro.

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Nas demais instituições, os financiamentos concentram-se fundamentalmente nas operações


relacionadas a projetos de investimento de longa maturação na indústria e na infraestrutura.
Desse modo, os elevados desembolsos do BNDES estão diretamente relacionados a três
fatores: i) a importância desses financiamentos para um país que detém uma indústria importante de
equipamentos, principalmente nas áreas de transporte e de equipamentos agrícolas; ii) a dimensão
continental e a importância da produção agrícola para a economia brasileira; iii) aos níveis elevados de
taxas de juros e os prazos curtos praticados no mercado financeiro brasileiro.
A particularidade do BNDES está no fato de ser um banco público de desenvolvimento
mantido prioritariamente por recursos de origem fiscal ou parafiscal. Situação que se originou das
limitações do mercado de crédito doméstico e de uma opção política estratégica de evitar a dolarização
dos financiamentos de longo prazo. Entretanto, tal especificidade reafirma o caráter público, nacional e
estratégico de suas ações, não podendo, a rigor, se limitar as funções de um banco de investimentos
orientado pelas demandas de mercado, mas sim ser um Banco de desenvolvimento voltado ao
fortalecimento do sistema produtivo nacional, à geração de empregos, à redução das disparidades
regionais e, cada vez mais, à inserção externa de setores produtivos estratégicos.

O BNDES e os mecanismos de crédito à inserção externa

As políticas de inserção internacional das empresas estão, na maioria dos casos, dependentes de
instituições de apoio ao crédito. O intuito dessas instituições é o de aumentar a capacidade exportadora
de empresas incapazes de realizarem por meios próprios, ao mesmo tempo em que incentiva, mediante
ao acesso de mercados no exterior, ganhos de competitividade às empresas nacionais.
O aumento das exportações, além de ser um elemento que contribui para reduzir a
vulnerabilidade externa, é um fator que interfere positivamente na elevação do emprego, da renda, da
produtividade e do nível de produção. Trata-se, desse modo, de um fator capaz de elevar o saldo
positivo do balanço de pagamentos de um projeto estratégico de inserção externa.
Desde a década de 1960, existem, no Brasil, iniciativas governamentais de apoio às exportações
e a inserção externa de empresas brasileiras. Entretanto, lograram pouco sucesso, pois até os anos 1990
ficaram quase que circunscritas aos instrumentos de isenção tributária e, de maneira geral, à política
cambial, tendo pouca relevância os mecanismo de direcionamento de crédito7. Na década de 1990, o
contexto de internacionalização do sistema produtivo e a crescente necessidade de aumentar a

7 O Brasil lançou tardiamente seu sistema de apoio às exportações, só na década de 1960, com o Seguro de Crédito às
Exportações (SCE) e com o Fundo de Financiamento às Exportações (Finex). Posteriormente, coube ao Banco do Brasil,
por meio de sua carteira de crédito à exportação, administrar e operar o sistema. Um dado fundamental do sistema
brasileiro é que não foi criada nenhuma agência específica de comércio exterior, sua gestão se deu através da utilização de
instituições já existentes, como o Banco do Brasil, o Banco Central e o Conselho Monetário Nacional. Outro ponto, é que
os recursos de operação da Finex eram exclusivamente públicos. Na década de 1990, o Finex foi extinto, sendo substituído
pelo Proex (Programa de Financiamento às Exportações).

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participação brasileira no mercado internacional fez com que o BNDES e o Banco do Brasil 8 criassem
linhas específicas de apoio às exportações.
O BNDES é a principal fonte de financiamento de longo prazo às exportações brasileiras.
Dentro dos instrumentos de política do Estado, é o mais estratégico mecanismo de apoio e de
direcionamento de crédito existente no Brasil. Busca-se, com esse apoio governamental, reduzir as
incertezas da atuação externa das empresas e dar robustez ao sistema produtivo do país.
As linhas de financiamento à exportação do BNDES surgiram na década de 1990, tendo em seu
portfólio uma gama ampla e diversificada de setores industriais. Os destaques ficavam nos setores
exportadores de bens de capital. Só recentemente o Banco passou a apoiar a exportação de serviços nas
áreas de engenharia, construção, informática, além de bens de consumo, como calçados, têxteis,
alimentos e móveis. Em 1998, o valor desembolsado pelo BNDES foi de R$ 2,1 bilhões, teve uma
evolução gradual de 2003 a 2010, passando de R$ 4 bilhões para R$ 11,2 bilhões. Nos dois últimos
anos, houve uma retração, em 2011 o banco desembolsou R$ 6,7bilhões e, em 2012, o valor ficou na
ordem de R$ 5,4 bilhões. (BNDES, 2013).
Como descreve Catermol (2008), o apoio às exportações necessita de diversos instrumentos,
que vão desde os financiamentos à produção e à comercialização, às linhas de crédito, seguros,
participação acionária, capital de risco, até operações mais precisas, através do financiamento a estudos
de viabilidade de projetos, serviços de inteligência de mercado, garantias de performance9 e bid bonds10.
Cada empresa, de acordo com o seu potencial e fase de inserção internacional, necessita de tipos
diferentes de auxílio.
O BNDES Exim é tido como um dos maiores programas de incentivo e financiamento de
exportações do mundo. Tem crescido em praticamente em todas as suas modalidades de crédito ao
longo dos últimos anos. Os recursos para o programa derivam do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(FAT)11. O BNDES Exim tem duas linhas de financiamento à exportação: Pré-Embarque e Pós-
Embarque.

8 O Banco do Brasil é o braço operacional do Programa de Financiamento às Exportações (Proex), em vigor desde 1991,
entretanto o Proex padece dos mesmos problemas de seu predecessor, o Finex, uma multiplicidade de órgãos públicos
definindo sua normatização e operação. Este problema se agrava quando se considera a escassez de recursos disponíveis, o
que limita a atuação do Programa e dificuldade a elaboração de uma estratégia sólida e duradoura de inserção internacional.
O Proex, enquanto estrutura de financiamento, destina, quase que exclusivamente, seus recursos para as pequenas e médias
empresas.
9 A performance, segundo Torres e Carvalho (2010, p. 298) diz respeito aos “diversos riscos relacionados ao cumprimento,

pelo contratado, das cláusulas estabelecidas em seu contrato de venda.”.


10 Bid Bond, ou garantia de oferta, nas operações financeiras representam instrumentos que garantem a assinatura do

contrato pertinente, caso a empresa vença a concorrência pública aberta no exterior para fornecimento de bens e/ou
serviços. É utilizado para manter firmes as propostas pré-estabelecidas, garantindo a indenização se o Tomador deixar de
assinar o contrato de execução ou de fornecimento previsto no Edital ou Carta-Convite.
11 Segundo Torres e Carvalho (2010, p. 243) a “diferença é que o montante destinado à aplicação em comércio exterior,

como remuneração igual à variação cambial da Libor mais spread, tem como fonte uma parcela do FAT, cuja remuneração
está denominada em moeda estrangeira (FAT cambial)”. E prosseguem os autores, afirmando que “essa é uma das
vantagens do BNDES-exim, uma vez que esses recursos, além de relativamente abundantes, são mais estáveis que os
provenientes do Tesouro Nacional e permitem grande agilidade operacional, pois sua aplicação não exige constante

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A modalidade Pré-Embarque visa o apoio à produção de bens e serviços destinados à


exportação. Volta-se a empresas exportadoras com sede no Brasil, enquanto a modalidade Pós-
Embarque objetiva o apoio à comercialização de bens e serviços nacionais no exterior, através do
supplier’s credit (refinanciamento ao exportador) ou do buyer’s credit (financiamento direto ao
importador)12.
A atuação governamental interfere de maneira significativa no montante das exportações do
país, sendo um mecanismo estratégico de apoio a setores específicos. No Brasil, privilegiam-se os
setores de maior intensidade de tecnologia e com alto valor agregado, como software e serviços de
engenharia.
Nas áreas marcadas pelos elevados graus de tecnologia, o financiamento é condição
fundamental para a inserção internacional e a ampliação do comércio. Nestes setores, as empresas por
si só não são capazes de produzirem diferenciais relevantes para competirem no mercado internacional,
elas precisam ter condições especiais de crédito, financiamento, em termos de prazos, taxas de juros,
moedas de pagamento etc.. Na atual situação de acirrada competição externa, os exportadores, como
sustentam Torres & Carvalho (2010, p. 298), necessitam de um sistema nacional de crédito. Uma
política estratégia “que some, em um jogo de soma positiva, a outras ações (fiscais, cambiais,
promocionais etc.) coordenadas entre exportadores, empresas fabricantes, bancos, seguradoras e
governo”.
Com base no exposto, observa-se que na década de 2000 o financiamento público ao setor de
produção de aeronaves ganhou destaque. A Embraer que já disputava o mercado internacional de jatos,
desde meados de década de 199013, apresentava reverses até que, com auxílio dos financiamentos do
BNDES, passou a se destacar na concorrência internacional, ganhando posições importantes. De 1996
até 2009, o BNDES Exim financiou a exportação de aproximadamente 500 aeronaves.
Os mecanismos de apoio às exportações, disponibilizados pelo banco, incluem um conjunto de
produtos e programas, como é possível verificar nas figuras abaixo.

monitoramento e um complexo sistema de normas e procedimentos operacionais. Em outras palavras, a alçada decisória do
BNDES com relação a aplicação dos recursos do FAT faz com que o BNDES-exim possa atender ao exportador de forma
ágil e na medida de sua necessidade”.
12 Informações retiradas do site do BNDES em julho de 2013.
13 Catermol (2010:170) explica que a Embraer detinha as melhores condições técnicas, mas quando disputava mercados

com os concorrentes internacionais, perdia suas vantagens. A partir do surgimento de uma linha específica de apoio do
BNDES, a empresa passou a ganhar licitações internacionais, como, por exemplo: “Na Feira de Farnborough, na Inglaterra,
ainda em 1996, foram vendidos 25 aviões para a norte-americana Continental Express e opções de mais 175 aeronaves. Em
1997, no Salão de Le Bourget, na França, foi conquistado o maior contrato de fornecimento de toda a história da empresa,
com a encomenda no valor de US$ 1,1 bilhão para a American Eagle, subsidiária de transporte aéreo regional da American
Airlines. As encomendas da American Eagle geraram forte efeito expansivo na estrutura da Embraer. Para atender o
contrato, a empresa brasileira teve de contratar mais de 1.400 funcionários.”.

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Mecanismos do BNDES: Mecanismos dos BNDES:


Produtos e Fundos Programas de Financiamento

Fonte: Elaboração do autor, dados coletados em BNDES (2013).

Cada conjunto de produtos14 e de programas15 apresenta linhas específicas de atuação,


envolvendo desde a exportação de mercadorias e serviços até a implantação de empresas no exterior.
Os principais focos receptores da expansão da influência política, econômica e comercial
brasileira são a África e a América do Sul. Alguns condicionantes destas políticas de Estado e das linhas
de atuação do banco serão analisados nos tópicos abaixo.

As instituições regionais e o BNDES: uma integração sul americana truncada

É bastante ilustrativa a metáfora da sopa de letrinhas utilizada por Martins (2010) para descrever
a quantidade de siglas referentes às organizações internacionais, tratados e acordos visando promover a

14 Dos Produtos tem-se a seguinte descrição: a) BNDES Exim: especializado no financiamento à produção de bens e de
serviços brasileiros destinados à exportação e à comercialização destes itens no exterior; b) BNDES Finem: visando o
financiamento, de valor superior a R$ 10 milhões, a projetos de implantação, expansão e modernização de
empreendimentos. Neste âmbito, as linhas de financiamento dividem-se em: i) internacionalização de empresas: com o
apoio à formação de capital de giro ou investimento de empresas de capital nacional no mercado internacional; ii) aquisição
de bens de capital: com o apoio à aquisição de bens de capital associada a planos de investimentos; c) BNDES Automático:
especializado no financiamento de até R$ 20 milhões a projetos de implantação, expansão e modernização de
empreendimentos.
15 Cada Programa tem os seguintes objetivos: i) BNDES Pró-Aeronáutica: voltado ao financiamento à produção de bens e

serviços destinados à exportação, por parte de MPMEs integrantes da cadeia produtiva da indústria aeronáutica brasileira,
nas fases pré-embarque e pós-embarque; ii) BNDES Profarma: destinado ao financiamento à exportação de bens e serviços
nacionais, inseridos no complexo industrial da saúde, nas fases pré-embarque e pós-embarque; iii) BNDES Proplástico:
voltado ao fortalecimento das empresas, por meio do apoio à internacionalização de empresas de capital nacional da cadeia
produtiva do plástico; iv) BNDES Prosoft: destinado ao financiamento à exportação de software e serviços de tecnologias
da informação nacionais, nas fases pré-embarque e pós-embarque; v) BNDES PSI: destinado ao financiamento, na fase
pré-embarque, à produção de bens de capital destinados à exportação; vi) BNDES Revitaliza: voltado ao financiamento à
revitalização de empresas brasileiras que atuam em setores afetados negativamente pela conjuntura econômica
internacional, apoiando, inclusive, a maior inserção de bens e serviços brasileiros no mercado internacional.

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integração latino-americana. Com o objetivo comum de proporcionar uma maior aproximação entre os
países, as diversas iniciativas invariavelmente esbarram em problemas de ordem financeira ou em
questões de conjuntura política.
A história registra que a maioria das iniciativas pautava-se numa concepção de integração
orientada pelo mercado. O que, em se tratando de economias com fortes estruturas produtivas
primário-exportadoras, apresenta dificuldades dado o baixo grau de complementaridade produtiva e
comercial dos países16. Portanto, a integração passa, necessariamente, por um projeto de Estado. Por
uma concepção de política externa que priorize uma integração estratégica das nações periféricas frente
ao desafio posto pela desigual distribuição de poder e riqueza do sistema interestatal moderno.
Da miríade de siglas existentes, uma parte considerável surgiu nas décadas de 1960 e 1970 e
respondiam aos anseios de integração, por meio da superação dos principais obstáculos ao processo de
industrialização. Surgiram neste período: o Banco Centro-Americano de Integração Econômica, em
1961; o Acordo de Pagamentos e Créditos Recíprocos, em 1965; o Banco de Desenvolvimento do
Caribe, em 1969; a Corporação Andina de Fomento, em 1971; o Banco Latino-americano de
Exportações, em 1972; e o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento dos Países da Bacia do Prata,
em 1976. Entretanto, como demonstram Deos & Wegner (2010), até a década de 1990, essas
instituições mantiveram-se subutilizadas, sem políticas consistentes e duradouras de fomento financeiro
a integração.
Nos anos 2000, outra gama de instituições foram criadas, com destaque, no âmbito do
Mercosul, para o Fundo para a Convergência Estrutural e Fortalecimento da Estrutura Institucional do
Mercosul (Focem), em funcionamento desde 2007, e para o Sistema de Pagamentos em Moeda Local
(SML), criado em 2008. No âmbito da Unasul, as negociações levaram a criação do Banco do Sul, que
previsão de iniciar seus trabalhos ainda neste ano de 2013.
A partir de 2000, os investimentos em infraestrutura aumentaram concomitante ao
aprofundamento das relações comerciais e produtivas. Ressalta-se que a abertura financeira realizada na
década de 1990, em aderência aos ditames do neoliberalismo, não solucionou os problemas crônicos de
falta de recursos privados para o funding dos investimentos.
A experiência internacional, com foco nos países ricos, demonstra que os bancos passaram a
atuação em diferentes frentes nos mercados de capitais, não se trata apenas de gerenciar as
intermediações financeiras dos créditos, incluindo, os de longo prazo. Os bancos – mediante inovações
financeiras – tornaram-se originadores e distribuidores de operação de empréstimos junto ao mercado
de capitais, ampliando o processo de securitização de suas carteiras (COSTA & TORRES, 2012).

16Deos & Wegner (2010: p. 77) colocam essa discussão nos seguintes termos: “deixar que um processo de integração entre
economias periféricas seja conduzido pelos ditames da liberalização de mercados equivale a não sustentar um projeto de
integração que estimule melhorias nas debilidades apresentadas pelos países envolvidos.”.

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Estas transformações começaram nos EUA, através da desregulação de seu mercado


financeiro, e foram paulatinamente sendo difundidas para os demais países. Primeiro nos países
desenvolvidos, como o Japão, no início da década de 1990, e os países europeus, um pouco mais tarde.
Na Ásia, a aderência a desregulamentação financeira foi complexa e diversa, mas foi impulsionada pela
crise de 1997. Na América Latina, o processo foi mais lento e, de certo modo, ainda está e curso.
De modo geral, na América do Sul, especialmente no Brasil, o mercado de títulos corporativos
teve um desenvolvimento restrito, não possibilitando a diversificação da oferta de crédito de longo
prazo. Os Estados e as instituições financeiras nacionais (no caso do BNDES) e regionais se tornaram
os principais articuladores dos investimentos em infraestrutura e dos financiamentos à inserção
internacional.
Além do financiamento de longo prazo, as iniciativas regionais recentes buscam a melhoria das
situações de liquidez externa dos países, para tanto surgiram o Convênio de Pagamentos e Créditos
Recíprocos (CCR), o Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML) e o Fundo Latino Americano de
Reservas (FLAR).
BNDES, um banco nacional, mas com atuação regional e, cada vez mais, global ao incluir a
África no seu rol de financiamento de seus projetos. O banco sozinho tem um aporte de capital
disponível superior ás instituições regionais de financiamento de longo prazo, como o Fundo para a
Convergência Estrutural e Fortalecimento da Estrutura Institucional do Mercosul (Focem), Fundo
Financeiro para o Desenvolvimento dos Países da Bacia do Prata (Fonplata) e Corporação Andina de
Fomento (CAF).
Para ilustrar a profunda assimetria entre as instituições acima, alguns indicadores selecionados –
todos com dados de 2008 - clarificam a dimensão do BNDES em relação aos demais. No que se refere
aos ativos totais o Fonplata apresenta US$ 468,59 milhões, a CAF US$ 14,27 bilhões, enquanto o
BNDES US$ 116,43 bilhões. No caso dos desembolsos: Fonplata US$ 5,84 milhões, CAF US$ 35,20
milhões e BNDES US$ 34 bilhões (DEOS & WEGNER 2010, p. 79).
A atuação do BNDES com vistas à integração regional tem ocorrido de maneira expressiva. O
banco, a partir de 2003, reorientou seu objetivo estratégico e passou a atuar como um agente promotor
da integração da América do Sul e da África, financiando as exportações de bens e serviços, os
investimentos diretos de empresas brasileiras e a integração da infraestrutura regional, incluindo
projetos de construção de hidrelétricas, gasodutos, aquedutos, metrôs, redes de transmissão de energia
e de distribuição de gás. Os gráficos abaixo mostram a distribuição regional dos desembolsos do banco,
com a crescente participação da América do Sul, sobretudo após 2003, e da África, a partir de 2006.

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Evolução dos desembolsos BNDES (em US$ mil)
1.000.000 Obras de infraestrutura -

Valores em US$ mil


800.000 América do Sul

600.000
Obras de infraestrutura -
400.000 Demais da América
200.000 Latina

0 Obras de infraestrutura -
África

Fonte: Elaboração do autor, dados coletados em BNDES (2013).

Evolução total dos desembolsos BNDES (em US$ mil)


Período de 1998 a 2012
3.802.261

2.680.441

1.351.798

Obras de infraestrutura Obras de infraestrutura Obras de infraestrutura


- América do Sul - África - Demais da América
Latina
Fonte: Elaboração do autor, dados coletados em BNDES (2013).

Nas três regiões, os financiamentos para área de infraestrutura estão vinculados aos serviços de
engenharia e de construção executados por empresas brasileiras. Apesar de bastante atuante, os
desembolsos do BNDES para a América do Sul respondem pouco às demandas de projetos levantados
pela Iirsa17. Em 2010, a carteira de projetos da iniciativa apresentava um custo estimado de US$ 95
bilhões, enquanto o BNDES financiou um valor aproximado de US$ 300 milhões (DEOS &
WEGNER, 2010).
Entretanto, é importante ressaltar que os setores de bens e serviços financiados pelo BNDES
respondem a uma demanda de integração regional com projetos de longo prazo e, assim, menos
susceptível às oscilações típicas do mercado.

Considerações finais

A geopolítica, alicerçada numa compreensão dos movimentos de longo prazo do sistema


mundial, tem uma importante contribuição no direcionamento das ações nacionais. As políticas de

17 A Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (Iirsa) surgiu em 2000, num programa conjunto
envolvendo 12 países da América do Sul, visando à modernização da infraestrutura de transporte, energia e
telecomunicações da região. Em 2009, a Iirsa foi substituída pelo Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e
Planejamento (Cosiplan), um órgão vinculado a União das Nações Sul-Americanas (Unasul).

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inserção externa do Brasil necessitam de objetivos claros e duradouros para que os esforços atuais
durem e, de fato, constituam uma estratégia própria em favor da distribuição do poder e da riqueza
internacionais.
Têm-se, como ponto de partida, que os mecanismos de financiamento público são instrumentos
que dão solidez a uma estratégia de inserção externa, ao mesmo tempo em que constituem meios para a
superação da dependência em relação aos países do Norte e para a criação de novas parcerias
econômicas com os países do Sul. Desse modo, a própria atuação do BNDES constitui um mecanismo
que torna possível a inserção ativa (e autônoma) dos interesses estratégicos do país no exterior, através
do incentivo a setores exportadores específicos e do apoio aos investimentos estrangeiros diretos.
Com a crise internacional de 2008, houve uma significativa contração da oferta de créditos às
empresas exportadoras no mundo. No Brasil, os efeitos da crise foram menores em virtude da
ampliação do escopo de atuação do BNDES, tendo um papel proativo e seguindo as orientações de
política do Estado. Como principal instrumento de direcionamento de crédito para as exportações, o
BNDES tem linhas de financiamento que apresentam grande relevância para o surgimento e a
expansão de diversos segmentos da indústria brasileira nos últimos anos, com destaque aos setores de
bens e serviços intensivos em conhecimento, como no caso do setor de aeronaves. Apesar de relevante
em alguns segmentos, a participação total dos produtos industrializados brasileiros no comércio
mundial ainda bastante modesta.
Uma estratégia de desenvolvimento nacional e de inserção externa não prescinde de uma
compreensão sobre a lógica do poder, sobre a geopolítica das nações. Neste sentido, evidencia-se a
necessidade de uma estratégia brasileira de integração regional e global, que reduza as vulnerabilidades,
que elenque as prioridades e que seja coerente com uma perspectiva de conquista de maior autonomia
no jogo das disputas de poder do sistema interestatal moderno. Uma estratégia sólida, que se sustente
ao longo do tempo e que supere as oscilações fomentadas pelas alternâncias de governos ou pelas
“vontades” do mercado, sempre ansioso pelas oportunidades imediatas de lucro.

Referências
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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 415
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RESUMO
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Resumo

Autonomía, desarrollo e integración regional:


conceptos constantes en contextos variables

Emanuel Porcelli

L
os conceptos de autonomía y desarrollo resultan omnipresentes en la literatura vinculada a la
integración regional latinoamericana desde la década de los años 60 hasta nuestros días. Sin
embargo, la utilización y/o la interpretación de estos conceptos se han modificado en la
medida que el contexto político ideológico se ha venido transformando a lo largo del tiempo. Por lo
tanto, el objetivo de este trabajo es comparar y contraponer los modos y usos en que se han utilizado
los conceptos de autonomía y desarrollo en el período delimitado para indagar de qué manera pueden
ser reconceptualizados en el marco de las actuales experiencias de integración que se formulan en
América Latina.

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VI

Estado e Atores Institucionais de


Integração Regional

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ARTIGOS
Eleições na integração regional: desenvolvimento
das proposições nacionais para as eleições diretas
do Parlamento do Mercosul

Bruno Theodoro Luciano1

Introdução

S
ucessor da antiga Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, o Parlamento do Mercosul,
criado em 2006, foi idealizado como um espaço institucional para a introdução de valores
democráticos e pluralistas a um processo de integração regional marcado pelo protagonismo
dos Chefes de Estados em todo seu desenvolvimento. Uma das grandes novidades inseridas com a
constituição do Parlasul foi a introdução de bancadas nacionais proporcionais às assimetrias
populacionais dos Estados-Membros e de eleições diretas para a escolha de seus representantes, como
meios de redução do déficit democrático na integração do Mercosul. O ano de 2014 é a data limite para
a realização das eleições diretas para o Parlasul em todos os Estados-Membros do Mercosul, de acordo
com o Protocolo Constitutivo do Parlamento Regional. Embora, desde 2008, as eleições para o Parlasul
já tenham sido realizadas pelo Paraguai, os demais países do bloco ainda se encontram em fase de
proposição e aprovação das legislações referentes ao seu primeiro pleito regional.
O presente estudo pretende analisar o andamento das propostas legislativas para eleições dos
parlamentares do Mercosul em todos os Estados-Membros do bloco. Será apresentada a situação das
discussões sobre as eleições diretas nos Estados que ainda não aprovaram as diretrizes para as eleições
mercosulinas, bem como a já aprovada e aplicada legislação eleitoral paraguaia. Discute-se se as
legislações aprovadas ou em tramitação nos países do Mercosul seguem a lógica dos sistemas eleitorais
domésticos ou se trazem inovações políticas a esse pleito de natureza regional.
Enquanto os projetos apresentados na Argentina e no Brasil trazem inovações político-eleitorais
para a eleição dos parlamentares do Mercosul em seus países, as resoluções paraguaias não utilizaram
novos sistemas eleitorais nas eleições dos membros do Parlasul, reproduzindo o mesmo modelo
eleitoral adotado nas eleições para o Senado. Ademais, é visto no caso brasileiro o transbordamento da
reforma política brasileira para o plano regional, com a possibilidade de que as eleições para o Parlasul
no Brasil tornem-se um experimento político nacional.

1. Origens e desenvolvimento do Parlamento do Mercosul

Desde o início da construção do Mercosul, a inclusão dos legislativos nacionais na integração


regional era vista como modo de se legitimar um processo de integração desenvolvido por Estados que

1 Mestrando em Relações Internacionais – Universidade de Brasília (IREL-UnB). Bolsista do CNPq.


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estavam, no momento, em um movimento de redemocratização. Com a assinatura do Tratado de


Assunção, de 1991, foi criado, além de órgãos de controle executivo e político da integração,
comandados pelos executivos dos Estados-membros, uma Comissão Parlamentar Conjunta (CPC),
responsável pela facilitação da implementação das normas referentes à consolidação do Mercado
Comum (LUCIANO, 2012). Com o Protocolo de Ouro Preto, em 1994, a CPC passa a formalmente a
ser inserida dentro da estrutura institucional do bloco. Ouro Preto esclareceu a posição e papel da CPC
dentro da estrutura mercosulina. Nas primeiras reuniões da CPC já pode ser encontrado o interesse na
construção de uma instituição parlamentar no âmbito do Mercosul.
Com o início do século XXI, há um novo impulso na integração regional, em virtude da
reaproximação entre Argentina e Brasil e da recuperação econômica desses países. Um esforço de
revitalização da integração é identificado a partir do governo de transição argentino de Eduardo
Duhalde, quando encontros em Brasília e Guayaquil com o presidente Fernando Henrique Cardoso
afirmaram uma redefinição de prioridades para a América do Sul na política externa. A ascensão dos
governos Lula e Kirchner e a convergência ideológica entre os presidentes impulsionaram essa nova
fase do relacionamento bilateral e da integração regional (EPSTEYN & JATOBÁ, 2007). Decorrente
desse contexto, é assinado o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, em 2005, o qual passa
a entrar em vigor em 2006. Esse documento transforma a antiga CPC em uma instituição com
características mais próximas de um órgão legislativo parlamentar no âmbito da integração regional
(RIBEIRO, 2008).
No campo das competências, coube ao Parlasul:
[...] emitir pareceres sobre projetos de norma, apresentar anteprojetos que visem à
harmonização das legislações nacionais, promover audiências públicas, receber petições
de particulares, aprovar seu orçamento e elaborar relatório sobre a situação dos Direitos
Humanos no bloco (Ribeiro, 2008).

As prerrogativas do Parlasul têm se limitado a um papel consultivo no processo decisório do


Mercosul, por meio dos pareceres sobre os projetos pertencentes às demais instâncias do bloco. O
Parlasul, portanto, no escopo legislativo, na formulação e aprovação dos acordos, permanece como
esfera consultiva no Mercosul (LUCIANO, 2012).
A previsão de realização de eleições diretas para escolha dos membros do Parlasul é uma das
inovações mais significativas trazidas pelo Protocolo Constitutivo do Parlasul. Segundo esse
documento, os parlamentares do Mercosul serão eleitos por voto universal e secreto, com base em
legislações nacionais eleitorais a serem referendadas por cada Estado-membro (Art. 6º do Protocolo
Constitutivo do Parlasul). Ademais, a partir de data determinada pelos parlamentares do Mercosul, será
estabelecido o “Dia do Mercosul Cidadão”, data em que as eleições para os parlamentares do bloco
serão realizadas conjuntamente em todos os Estados-membros.
Para a garantia de uma representação mais equilibrada entre os povos do Mercosul, foi aprovada
pelo Parlasul em 2010 os termos da distribuição das vagas do Parlamento para cada Estado-membro.

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Inspirado na evolução institucional do Parlamento Europeu, foi inserido na composição das bancadas
nacionais do Parlasul, de modo gradual, o critério da representação cidadã, análogo ao princípio de
representação atenuada utilizado no âmbito da integração europeia (Drummond, 2009).

Incorporação da representação cidadã no Parlasul


Estados- População Primeira etapa Segunda etapa I Segunda etapa II
membros (aproximada em (2006-2010) (2011-2014) (pós-2014 e adesão
milhões) da Venezuela)
Uruguai 3,3 18 18 18
Paraguai 6,4 18 18 18
Venezuela 27,6 - - 31
Argentina 41,7 18 26 43
Brasil 203,4 18 37 74
Total 282,4 72 99 184
Fonte: Luciano (2012).

Em um primeiro momento, o número das bancadas nacionais manter-se-ia o mesmo, seguindo


a distribuição já utilizada pela antiga CPC. Em uma segunda etapa, em que os Estados nacionais passam
a realizar internamente a eleição direta de seus parlamentares para o Mercosul, o critério de
representação cidadã passa a ser aplicado transitoriamente, mantendo-se as representações paraguaias e
uruguaias com 18 parlamentares, enquanto as delegações argentina e brasileira passam a contar com 26
e 37 vagas, respectivamente. A partir de 2014, com a conclusão da adesão venezuelana e a realização de
eleições diretas para o Parlasul em todos os Estados do bloco, a distribuição das vagas chega a seu
estágio final, quando novamente aumenta-se o número de assentos das representações argentina e
brasileira.
Atualmente o processo de inserção da representação cidadã encontra-se no primeiro estágio de
sua segunda etapa, em que as delegações nacionais já apresentam alguma diferenciação numérica,
porém transitória e reduzida. Até o momento somente o Paraguai realizou eleições diretas para a
escolha de seus 18 representantes, em 2008 e 2013. Segundo o Protocolo Constitutivo do Parlasul, os
demais países teriam até 2014 para passar a escolher seus parlamentares por representação direta.

2. Proposições e legislações nacionais para as primeiras eleições da integração regional

a. Argentina
Desde 2008, diversos projetos de lei já foram apresentados no Senado e na Câmara dos
Deputados da Argentina a respeito das primeiras eleições diretas para o Parlasul no país. “En Argentina,
se debatieron diferentes proyectos de ley pero nunca se llegó a ningún acuerdo” (LUCCI, 2012).

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Em levantamento realizado no sítio eletrônico do Congresso Nacional argentino, 20 projetos


referentes às eleições diretas para o Parlasul foram encontrados2. A grande maioria desses projetos faz
referência à realização de eleições diretas em 2011, em conjunto às eleições para Governador e
Presidente da República, quando 26 representantes argentinos deveriam ser eleitos para o Parlasul,
segundo o critério de representação cidadã. Embora apresentem singularidades em critérios específicos
e em suas justificativas, as proposições argentinas podem ser agrupadas em três categorias, baseadas nos
sistemas eleitorais adotados na escolha dos representantes argentinos para o parlamento regional.
A metade dos projetos apresentados estipula a utilização de um sistema misto para escolha dos
parlamentares do Mercosul (S-1316-09, S-2555-10, S-4005-10, S-103-12, 4009-D-2008, 3794-D-2009,
4634-D-2009, 7116-D-2010, 7979-D-2010, 6091-D-2011). Nesse modelo, parte das vagas seria
destinada a cada uma das 23 Províncias argentinas e à Cidade Autônoma de Buenos Aires, seguindo o
modelo majoritário de escolha do Senado. O restante das vagas, a depender do estágio de inserção do
critério de representação cidadã, seria selecionado pelo país todo, como um distrito único, por listas
partidárias preordenadas.
La representación Argentina debe ser absolutamente igualitaria, dentro de las posibilidades, para el
conjunto de las veinticuatro provincias que conforman nuestro país… De allí nuestra propuesta de una
representación similar de cada provincia si el número de Parlamentarios del Mercosur lo permitiera, o en
su defecto, de una representación justa que marque un punto de equilibrio entre las distintas Provincias
de nuestro país. (SENADO DE LA NACIÓN, 2010) (S-2555-10)

Um segundo sistema eleitoral encontrado nos projetos argentinos de eleições para o Parlasul é
adoção de um sistema eleitoral de distrito único, em que os candidatos serão selecionados pelas listas
partidárias (S-1994-08, S-1572-09, S-530-11, 5453-D-2010, 7120-D-2010, 8196-D-2010, 1790-D-2011).
A presença de diversidade geográfica por províncias e de cotas femininas, com variações entre os
projetos, estariam incluída dentro de cada lista partidária apresentada.
[…] la opción de distrito único representa mejor el espíritu del acuerdo firmado por la Argentina
porque prioriza la representación directa de los ciudadanos en el Parlamento y no la mediación de la
unidad administrativa sub-nacional que invierte el sentido y el espíritu del Parlamento del Mercosur que
tiende a la supranacionalidad. (CÁMARA DE DIPUTADOS, 2010) (1790-D-2010).

Outros modelos eleitorais, diferentes dos dois sistemas mais presentes entre os projetos de lei
para o Parlasul, também são encontrados no Congreso de la Nación Argentina (S-3839-10, 3804-D-2011,
3491-D-2012). Essas demais proposições apresentam um sistema distinto dos modelos anteriores ao
incluir a distribuição de vagas por cinco Regiões nacionais, somatório de Províncias vizinhas, e não por
cada Província argentina e Cidade Autônoma.
Pero nos queda una opción que contiene en sí misma el principio de representación soberana, el
federalismo, y la promoción de las regiones que promueve la Constitución Nacional. Y nos permite
garantizar la representación diversa en las listas.

2 Levantamento realizado pelo autor no sítio eletrônico < http://www.congreso.gov.ar/>, fevereiro, 2013.

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Esta opción es la de un Sistema de distrito único basado en 5 secciones electorales: Norte Grande,
Región Centro, Patagonia, Cuyo, y Buenos Aires. Algunas de ellas están funcionando como regiones, y
otras no, como el caso de Buenos Aires, que estaría integrada por la Ciudad de Buenos Aires y la
Provincia.
Para la representación parlamentaria de cada región se tomará el coeficiente de porcentaje de diputados
nacionales que se eligen por cada distrito. (CÁMARA DE DIPUTADOS, 2012) (3491-D-
2012)

Espera-se que as eleições para o Parlasul na Argentina ocorram conjuntamente às eleições


presidenciais. Dentre as dificuldades encontradas para a aprovação de um dos sistemas eleitorais
apresentados está a necessidade de construção de acordos políticos, a negociação quanto aos critérios
de proporcionalidade, o lugar das minorias políticas e a questão da representatividade entre as
Províncias argentinas. A combinação de todos os esses problemas, com o objetivo de evitar a sobre-
representação de determinados setores, é o cerne das limitações ao alcance de acordo político para a
aprovação das primeiras eleições do Parlasul no país.3

b. Brasil
O debate acerca da inserção de eleições diretas para os representantes brasileiros no Parlamento
do Mercosul tem se centrado em dois projetos de lei, um da Câmara dos Deputados e outro do Senado
Federal, em tramitação simultânea no Congresso Nacional.
O Projeto de Lei da Câmara dos Deputados (PLC) nº 5.279 de 2009, de autoria do deputado
Carlos Zaratini (PT-SP), foi inicialmente previsto para regulamentar as eleições do Parlasul para o ano
de 2010, mas devido a não-conclusão de sua aprovação em tempo hábil, foi incluído o Substitutivo do
mesmo, prevendo a realização das primeiras eleições para o Parlasul no Brasil em 2014, em conjunto às
eleições para Presidente, Governadores, Senadores e Deputados.
O Projeto de Lei do Senado Federal (PLS) nº 126 de 2011, de autoria do Senador Lindbergh
Farias (PT-RJ), tinha o intuito de estabelecer as eleições para o Parlasul ainda em 2012, em conjunto às
eleições municipais. Não tendo sido aprovado no prazo de um ano antes das eleições de outubro de
2012 - conforme determina a regulamentação para a inclusão e/ou modificação da regra eleitoral -, o
citado PLS recebeu substitutivo prevendo a realização do pleito também para 2014, conjuntamente às
eleições de natureza federal e estadual.
Analisando-se comparativamente as proposições da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, encontramos um eixo de pressupostos compartilhados entre os projetos, relacionados aos
princípios eleitorais seguidos durante o pleito para o Mercosul e às disposições vinculadas à propaganda
eleitoral e ao modo de financiamento das campanhas eleitorais.

3Argumentos retirados de entrevista de funcionários do Congresso de la Nación, realizada por Felipe Bueno (UNESP-
Araraquara), Buenos Aires, 2012.

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Em ambos os projetos discutidos, há a fixação da realização das eleições no ano de 2014,


conjuntamente às eleições federais, estaduais e distritais. Seguindo as cláusulas pétreas constitucionais, o
sistema de votação será secreto, universal e obrigatório. O número de vagas disputadas nas eleições (74)
mantém-se de acordo com a decisão emanada nas instâncias do Mercosul, nos dois projetos
apresentados.
Por mais que não seja explícito no PLS, os dois projetos parecem indicar a equiparação de
prerrogativas, deveres e vencimentos dos Parlamentares do Mercosul aos dos Deputados Federais. A
incompatibilidade de mandatos, evidenciada nas duas propostas, é elemento fundamental para a
garantia de exclusividade dos Parlamentares do Mercosul eleitos para seus mandatos regionais.
No âmbito da campanha eleitoral, os dois projetos têm se assemelhado de modo significativo.
As proposições da Câmara e do Senado ressaltam a disponibilidade de tempo exclusivo ao TSE para
divulgação e informação acerca das eleições para o Parlasul, período fundamental para esclarecimento
da população acerca da importância da integração regional para os cidadãos, bem como das atividades e
prerrogativas destinadas ao Parlamento do Mercosul e a seus membros diretamente eleitos. Ademais, o
financiamento das campanhas eleitorais para o Parlasul será exclusivamente de natureza pública (5% do
Fundo Partidário Anual), aproximando-se das diretrizes apresentadas no âmbito da Reforma Política
brasileira (argumento que será posteriormente discutido).
No campo das divergências, o procedimento eleitoral do PLC aproxima-se, com algumas
diferenciações, das vagas do PLS destinadas aos Representantes Federais. Ambos os modelos, do PLC
e dos Representantes Federais do PLS, associam-se ao sistema proporcional e à lista preordenada de
partidos. A grande diferença entre as propostas, nesse sentido, é que PLC prevê circunscrição nacional,
em oposição à circunscrição estadual encontrada no PLS. Enquanto as vagas destinadas ao PLS serão
distribuídas entre os Estados da Federação na mesma proporção das vagas à Câmara Federal, o PLC,
por meio da circunscrição nacional, estabelece que a totalidade das vagas seja disputada em todo
território nacional. A única ressalva feita pelo PLC é de composição das listas partidárias em um
ordenamento que exija a distribuição dos candidatos por regiões distintas do país (a cada 5 candidatos
da lista, 1 deve ser de cada uma as regiões do país). Cada região, de acordo o PLC, contaria em média
com 20% das cadeiras para o Parlasul. Esse modelo de organização de lista partidária garantiria uma
representação mais equilibrada das cinco regiões do país, porém abre a possibilidade de que Estados da
Federação possam não eleger nenhum representante para o Parlamento Regional.
O PLS, com as vagas de representantes federais, reproduz a proporcionalidade existente na
Câmara dos Deputados no Parlasul, mantendo as assimetrias de representação pelos Estados do país. A
proposta do Senado, no entanto, garante que todos os Estados tenham ao menos dois parlamentares
do Mercosul (o número mínimo de um Representante Federal, somado ao Representante Estadual).
Enquanto o PLC tem o potencial de reduzir as discrepâncias de representações por regiões, o PLS
garante que todos os Estados Federais tenham, ao menos, dois representantes no Parlasul. Porém, na

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prática, o projeto do Senado produz uma sobre-representação de regiões do país com menor densidade
populacional (somados Representantes Estaduais e Federais, a região Nordeste receberia 31% das vagas
para o Parlasul, enquanto o Sudeste, com menor número de Estados, mas com maior população,
contaria com 27% dos representantes brasileiros no Parlasul).
Quanto à distribuição de vagas por gênero, o PLC prevê que dois em cada cinco nomes das
listas partidárias sejam de sexos distintos (mínimo de 40%, resultando em 30 vagas), enquanto no PLS
um dos gêneros deverá ter no mínimo 30% das vagas para Representantes Federais (14 de 47 lugares).
A priori, a proposta da Câmara dos Deputados garante maior diversidade de gênero na Representação
Brasileira no Parlasul. No entanto, o projeto do Senado favorece a representação de todos os Estados
brasileiros no Parlasul, não somente pela distribuição entre os Estados das vagas federais, mas também
por meio dos Representantes Estaduais (1 de cada Estado Federal e do Distrito Federal).
A liberdade de coalizões partidárias é garantida pelo PLS nas vagas para Representantes
Estaduais. Na proposição da Câmara, as coalizões são suprimidas, em detrimento das listas partidárias
preordenadas. Enquanto os suplentes do PLC são os próximos das listas partidárias, mantendo as vagas
vinculadas aos partidos políticos, o PLS, nas vagas de Representantes Estaduais, explicita que os
suplentes dos candidatos eleitos são necessariamente os segundos colocados nos Estados,
independentemente do partido político ao qual o mesmo é vinculado. A convenção partidária
responsável pela escolha dos candidatos deve ser de natureza nacional para o PLC. Já no PLS, essas
convenções devem ser realizadas em âmbito estadual. Essas comparações indicam que a proposta do
Senado favorece as coalizões e alianças partidárias, além da organização partidária no âmbito estadual,
enquanto o PLC se distancia das coalizões e fortalece a dimensão nacional dos partidos políticos
brasileiros. Essa divergência de proposições segue as distintas naturezas de cada Casa Legislativa, já que
o Senado, por exemplo, é a esfera por excelência do pensamento baseado na lógica estadual.
Por fim, o PLC destina 5 minutos em cada interrupção para horário eleitoral obrigatório, tanto
de rádio e TV, para os candidatos a Parlamentares do Mercosul, além do tempo destinado ao próprio
TSE, enquanto o PLS estabelece o dobro do tempo (10 minutos) para essas interrupções destinadas às
eleições do Mercosul.
Em suma, enquanto o PLC representa a implantação de listas preordenadas nacionais nas
eleições para o Parlasul, o modelo adotado no PLS, segundo o Relatório da Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional do Senado, do Sen. Antonio Carlos Valadares, é: “(...) um sistema misto
de voto, combinando a eleição majoritária, de forma a garantir a representação de todos os Estados e
do Distrito Federal no Parlamento do Mercosul, com a lista partidária fechada e
preordenada.”(SENADO FEDERAL, 2011).
Em setembro de 2013 foi apresentado pelo Senador Roberto Requião (PMDB-PR) um novo
projeto de lei (PLS 358-2013) o qual também procura regulamentar as primeiras eleições diretas para o
Parlasul no Brasil. Diferentemente dos demais, de acordo com esse projeto “Os parlamentares do

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Mercosul serão eleitos pelo sistema majoritário, com a utilização de listas abertas de candidatos
registrados pelos respectivos partidos” (SENADO FEDERAL, 2013). A distribuição das vagas se dará
proporcionalmente pelos Estados da Federação. Distrito Federal, Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul,
Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins elegerão 1 parlamentar cada Estado; Alagoas, Amazonas,
Espírito Santo, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte 2 deputados; Ceará, Goiás,
Maranhão, Pará, Pernambuco e Santa Catarina 3 representantes; Paraná e Rio Grande do Sul 4
parlamentares; Bahia 5 deputados; Minas Gerais e Rio de Janeiro 6 parlamentares; e São Paulo 9
representantes para o Mercosul.

c. Paraguai
No caso paraguaio, as eleições diretas para parlamentares no Mercosul têm sido realizadas desde
2008, quando o país passou a eleger diretamente 18 representantes para o Parlasul.
Os critérios de eleição dos 18 representantes paraguaios para o Parlamento do Mercosul estão
regulamentados na resolução eleitoral paraguaia no 55 de 2007, referente ao pleito de 2008, e na
resolução no 65 de 2012, acerca das eleições realizadas no ano de 2013. Para ambas as regulamentações,
de eleição de 18 parlamentares titulares e 18 parlamentares suplentes do Mercosul, o país se constitui
em colégio eleitoral único, mesmo critério adotado na escolha de Senadores, Presidente e Vice-
Presidente (PARAGUAY, 2007; PARAGUAY, 2012). Nas duas eleições realizadas, o sistema eleitoral
adotado foi o de listas partidárias preordenadas para as vagas de titulares e suplentes, modelo
igualmente utilizado também na eleição de Senadores do país.
Entre os representantes do Parlasul escolhidos no pleito de 2008, 6 são da Asociación Nacional
Republicana (Partido Colorado), 6 do Partido Liberal Radical Autêntico (partido do atual presidente
Federico Franco), 4 da Unión Nacional de Ciudadanos Éticos (UNACE), 1 do Movimento Popular
Tekojoja (base partidária do ex-presidente Fernando Lugo) e 1 representante do Partido Patria
Querida.4 Nesse sentido, os membros paraguaios desde 2008 são diretamente eleitos para um mandato
exclusivamente regional, ainda que essas eleições tenham sido categorizadas como eleições de segunda
ordem, nos termos de Schmitt (2005), haja vista a preponderância de temas nacionais e não regionais na
campanha eleitoral ocorrida no Paraguai em 2008 (MARIANO, 2011).

d. Uruguai e Venezuela
Tanto no Uruguai como na Venezuela não foram identificadas até o momento nenhuma
regulamentação ou proposição para eleição direta dos representantes dos países no Parlamento do
Mercosul.

4 Dados retirados do sítio eletrônico do Parlamento do Mercosul, disponíveis em:


http://www.parlamentodelmercosur.org/parlasur/p_parlamentario.jsp?contentid=196&seccion=3 . Acesso: 18 de abril de
2013.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 428

Embora o Uruguai seja a sede da maioria das instituições mercosulinas (inclusive do Parlasul) e
um dos membros fundadores do Mercosul, o legislativo uruguaio ainda não apresentou nenhuma
proposta de regulamentação das primeiras eleições de seus representantes para o Parlasul.
Em 8 de novembro de 2011, na Câmara dos Senadores do Uruguai, a questão de inclusão de
eleições diretas foi mencionada em discurso do Senador Carlos Gamou:
Por lo tanto, nada impediría que en octubre de 2014 -si fuera necesario y se alcanzaran los dos quintos
del total de componentes de la Asamblea General-, se hiciera una reforma constitucional en la que se
propusiera la elección directa de los miembros del Parlasur, es decir, para que junto con esa papeleta se
pudiera votar en forma directa -me parece muy importante que así se haga- a los distintos miembros del
Parlamento del Mercosur. (URUGUAY, 2011)

Segundo o parlamentar, não haveria maiores dificuldades na inclusão de eleição direta de 18


representantes para o Parlasul em 2014, data limite para a adoção da representatividade direta em todos
os países do bloco, ainda que lhe pareça ser necessária uma reforma constitucional para a inserção de
eleições diretas para o legislativo regional.
O processo de adesão da Venezuela ao Mercosul somente se formalizou em julho de 2012, no
contexto de suspensão paraguaia do bloco. A partir dessa data o país passa por um processo de adoção
do código aduaneiro e de internalização das normativas mercosulinas ainda não aprovadas pelo
legislativo venezuelano. “...um grupo de trabalho terá 180 dias para definir um cronograma de adequação da
Venezuela ao Mercosul. Para que a adesão ocorra de fato, a Venezuela terá de fazer uma série de ajustes tarifários
(BBC BRASIL, 2012)”. Dada a atualidade da inclusão venezuelana, ainda não foram encontradas
proposições e discussões na Assembleia Nacional da Venezuela referentes à composição da bancada do
país no Parlasul.

3. Análise das propostas eleitorais apresentadas

Por serem eleições voltadas para uma representação política regional, em uma esfera mais ampla
que a do Estado-nação, as proposições nacionais referentes aos primeiros pleitos regionais podem ser
carregadas de inovações político-eleitorais em relação ao sistema de escolha dos representantes do
Parlasul.
Nas propostas encontradas no Congresso Argentino, foram identificadas tanto proposições que
somente copiam os sistemas eleitorais utilizados nacionalmente para a escolha de senados e deputados
argentinos, quanto projetos de lei que introduzem modelos inéditos de escolha dos representantes do
Parlasul, com a sugestão de divisão das vagas em cinco regiões subnacionais.
Os projetos S-2555-10 e 1790-D-2010 ilustram as proposições argentinas que replicam os
princípios eleitorais nacionais em uso para as eleições regionais. Enquanto o primeiro projeto, de
origem do Senado, apresenta um sistema misto de vagas igualitárias por Províncias e Cidade Autônoma
com o sistema de distrito único por meio de listas partidárias proporcionais para o restante de vagas

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 429

disponíveis; o segundo, apresentado na Câmara, somente faz referência ao segundo modelo, a ser
adotado integralmente para as eleições do Parlasul.
A proposta 3491-D-2012, da Câmara dos Deputados, representa esse aspecto inovador trazido
em algumas proposições encontradas no legislativo argentino para as futuras eleições diretas dos
membros do Parlasul. Nessa e em outras proposições, as vagas para o parlamento regional são
distribuídas entre cinco seções eleitorais (Norte Grande, Región Centro, Patagonia, Cuyo, y Buenos
Aires), com o intuito de equilibrar a representação geográfica com a representação populacional. As
propostas dessa natureza são vistas como uma terceira via na escolha dos representantes do Parlasul.
No caso do Brasil, o debate acerca das primeiras eleições diretas para o Parlasul apresenta
aspectos de inovação política para o pleito regional, com a identificação de elementos relacionados à
reforma política brasileira. Tanto o projeto apresentado pela Câmara dos Deputados, quanto a
proposição do Senado Federal representam o transbordamento da reforma política para o plano
regional (MARIANO e LUCIANO, 2012).
Em ambas as propostas, podem ser encontrados elementos característicos da reforma política
nacional, tais como: financiamento público de campanhas políticas; listas preordenadas partidárias;
mudança de escolha de suplentes e fim de coalizões eleitorais para cargos proporcionalmente eleitos.
Todas essas propostas de reforma política incluídas nos projetos para eleições do Parlasul ainda estão
em fase de discussão e debate no Congresso Nacional, todavia foram incorporadas nas propostas de
pleitos para o Mercosul como forma de inovação ou experimento político-eleitoral.
A discussão realizada em sessão plenária da Câmara dos Deputados, em 21 de março de 2012, a
respeito do Projeto de Lei proposto pela mesma Casa Legislativa é mais um indicativo da importância
da inserção de aspectos da Reforma Político-Eleitoral nas eleições para o Parlamento do Mercosul
(DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2012). Os discursos e votos dos deputados e dos
partidos políticos em plenário comprovam que é possível verificar um transbordamento da reforma
política para as eleições do Parlasul no Brasil.
As dificuldades em aprovação e tramitação do PLC não parecem decorrer da falta de consenso
em realizar eleições diretas para os representantes do Parlasul, mas da ausência de acordo nos pontos
específicos incluídos no projeto de lei que são inspirados na reforma política nacional. Nenhum dos
discursos proferidos em plenário foi contrário à realização e à importância das eleições para o Mercosul.
Tanto oposição quanto governo manifestaram-se em plenário favoravelmente ao papel do Parlasul e da
eleição de seus representantes no âmbito da integração regional:
Sr. Presidente, o PSOL entende que as regras para as eleições do Mercosul são
importantes. O Mercosul, que tem de ser um órgão não apenas econômico, mas
também político e cultural – sobretudo neste mundo em que blocos regionais vão se
afirmando, mundo que tenta não ser mais hegemonizado por um modelo, já que não é
mais bipolar –, tem a sua importância e o seu relevo. (Dep. Chico Alencar, PSOL –
RJ);

No dia de hoje precisamos aprovar esse protocolo, um protocolo baseado

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 430
principalmente em experiências do Parlamento Europeu, que vem se construindo há
muito anos. Estamos engatinhando, e nada mais importante, nada mais necessário que
fazermos uma experiência e, além do principal, que é termos os representantes do
Parlasul eleitos pelo povo brasileiro e pelo povo dos países que compõem o Parlasul,
nós fazermos no dia a dia a construção desse Parlamento, onde o debate possa fluir da
maneira mais adequada possível, com transparência. (Dep. Jilmar Tatto, PT-SP).

Apesar do apoio, há dificuldade para os deputados e seus partidos em concordar com as


propostas de reforma política que transbordaram para o projeto de lei do Parlasul:
Sr. Presidente, pelos motivos já alegados aqui, o PR entende a importância de
regulamentar a eleição do Mercosul, mas há um problema muito grave: nós fomos
surpreendidos com essas regras que estão determinando, já para a eleição do
Mercosul, lista preordenada e financiamento público de campanha. Isso, sem dúvida
alguma, é um prelúdio para a reforma política, é a sementinha ali, é o jabuti na árvore.
(Dep. Maurício Quintella Lessa, Bloco/PR–AL).

Enquanto parte dos deputados e dos partidos políticos evitaram votar a matéria em virtude dos
elementos de reforma política existentes no seio do projeto de lei em questão, partidos favoráveis à
estrutura do projeto e à reforma política veem as eleições para o Parlasul como um experimento e uma
inovação política, que pode ser modificada caso não se adapte a realidade ou não obtenha êxito:
[...] chamo a atenção do Líder do PR para o fato de que se trata de uma única eleição,
em 2014, que será um teste, uma experiência. Caso essa experiência não funcione, não
dê certo, esta Casa, o Congresso Nacional, terá a possibilidade de rever as regras.
(Dep. Dr. Rosinha, PT-PR);
Sr. Presidente, a ousadia é necessária. O argumento aqui para o adiamento da votação
é rigorosamente conservador, como se a instância do Mercosul fosse da enorme
tradição brasileira, o voto nominal, pessoal. Não! É uma experiência interessante,
nova. (Dep. Chico Alencar, PSOL – RJ).

O projeto de lei apresentando mais recentemente pelo senador Requião ser uma alternativa às
dificuldades políticas nacionais em se aprovar as propostas apresentadas anteriormente, em virtude dos
elementos de reforma política nacional ainda não aprovados nacionalmente. Essa proposição projeta,
para as eleições mercosulinas, o sistema de listas abertas e voto majoritário, usualmente utilizado nas
eleições nacionais, no sentido de facilitar a aprovação da escolha dos parlamentares do Mercosul nas
próximas eleições, em 2014.
Os regulamentos paraguaios referentes à escolha dos representantes do país no Parlasul,
utilizados em 2008 e 2013, diferentemente das propostas encontradas nos demais países do Mercosul,
não apresentam nenhum aspecto de inovação política e eleitoral. As resoluções eleitorais paraguaias,
conforme exposto, equivalem o modo de escolha dos membros do Parlasul ao sistema eleitoral
utilizado na seleção dos senadores paraguaios, de listas partidárias fechadas em distrito nacional único.
A introdução das eleições para o Parlasul na resolução eleitoral paraguaia ocorreu de forma
muito rápida, sem a aprovação e discussão de projeto de lei pelo legislativo paraguaio, ainda em um
contexto de estabelecimento das proporcionais das bancadas nacionais, no âmbito da representação
cidadã.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 431
Portanto, independentemente da vontade quadripartite, que não foi proclamada, o
Paraguai editou lei eleitoral interna que estabeleceu para a sua bancada no Parlamento o
número de membros constante da representação paritária atual, e elegeu, pelo voto
direto, 18 parlamentares. Tal situação poderá gerar desdobramentos na elaboração dos
números da proporcionalidade. Tratando-se o Paraguai de um dos dois países do bloco
com menor número de habitantes, essa quantidade tenderá a ser assumida como piso da
composição parlamentar definitiva. (ARCANJO & DRUMMOND, s.d.)

A rápida adoção da escolha dos representantes paraguaios do Parlasul pode ter impedido uma
discussão mais aprofundada acerca das primeiras eleições paraguaias para o Parlasul, evitando, por
exemplo, o surgimento de propostas inovadoras para a seleção das vagas regionais. Esse fato pode ter
levado ao mero mimetismo do modelo eleitoral do Senado para a escolha dos representantes do
Parlasul no país.

Conclusão

A grande inovação trazida pela criação do Parlamento do Mercosul em relação à antiga


Comissão Parlamentar Conjunta é a inclusão de eleições diretas e de proporcionalidade nas bancadas
nacionais do parlamento regional. O Parlasul mantém-se como órgão consultivo dentro da estrutura
institucional do Mercosul, sem maiores competências legislativas significativas, a exceção de seu atuação
na internalização e harmonização das normas mercosulinas nos Estados-membros.
Após a aprovação do Protocolo Constitutivo do Parlasul, as delegações nacionais passaram a
negociar os critérios de inserção da proporcionalidade das bancadas no parlamento e a propor normas
referentes à realização das primeiras eleições diretas de seus representantes nacionalmente. O critério
que passou a ser adotado foi o da representação cidadã (tabela 1), inspirado no sistema de
proporcionalidade atenuada utilizado pelo Parlamento Europeu e composto pela gradual inclusão de
bancadas proporcionalmente distintas dentro do Parlasul.
Até o momento somente o Paraguai realizou eleições diretas para escolha de seus
representantes no Parlasul, em 2008 e 2013. No legislativo argentino e brasileiro são identificados
projetos em fase de tramitação, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados. Já no Uruguai e na
Venezuela não foram encontradas proposições nacionais acerca da representação direta de seus
representantes no Parlasul.
Enquanto os projetos apresentados na Argentina e no Brasil trazem inovações político-
eleitorais para a eleição dos parlamentares do Mercosul em seus países, as resoluções paraguaias não
utilizaram novas regras eleitorais nas eleições dos membros do Parlasul, reproduzindo o mesmo
modelo eleitoral adotado nas eleições para o Senado. A rápida incorporação de eleições diretas no
Paraguai parece ter evitado uma discussão mais profunda acerca do sistema de escolha dos membros do
Parlasul pelo país.
É visto no caso brasileiro o transbordamento da reforma política brasileira para o plano
regional, com a possibilidade de que as eleições para o Parlasul no Brasil tornem-se um experimento

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 432

político nacional. Elementos-chave da reforma política discutida no Brasil - financiamento público de


campanhas políticas, listas preordenadas partidárias, mudança de escolha de suplentes e fim de
coalizões eleitorais para cargos proporcionalmente eleitos - estão incluídos em ambos os projetos de lei
acerca das eleições diretas do Parlasul apresentados no Congresso Nacional. Já o recente projeto
apresentado no Senado retira os elementos de reforma visando a uma aprovação mais célere das
eleições para o Parlasul no país.
Parte das proposições argentinas também carrega inovações políticas desenvolvidas para as
primeiras eleições do Parlasul no país, com a sugestão de divisão das vagas para o parlamento regional
entre cinco regiões argentinas, constituídas pelo conjunto de determinadas Províncias do país. A
maioria dos projetos identificados, no entanto, centra-se em duas propostas eleitorais: eleição dos
representantes por lista partidária única, constituindo-se o país como distrito único (similar ao sistema
adotado nas eleições do Parlasul no Paraguai); e sistema misto de vagas igualitárias por Províncias e
Cidade Autônoma com o sistema de distrito único por meio de listas partidárias proporcionais para o
restante de vagas disponíveis.
Espera-se que até 2014 todas as delegações nacionais do Parlamento do Mercosul possam ser
compostas por membros diretamente eleitos. A conclusão da inserção da representação cidadã e das
eleições diretas no Parlasul tem o potencial de trazer novas dinâmicas a atuação, pro-atividade,
configurações políticas e competências institucionais do parlamento regional no âmbito do Mercosul. O
aumento do número de parlamentares e a dedicação exclusiva destes aos mandatos regionais podem
tornar mais relevante a estrutura parlamentar dentro do processo de integração regional.

Referências

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das bancadas nacionais e questões eleitorais internas. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/evmmercosul/publico/setores/000/33/noticias/2008/8/359/pm-artigo-
proporcionalidade-julho2008%20vers%C3%A3o%20final.pdf> Acesso em: 17/10/2008.
BBC BRASIL. Sem Paraguai, Mercosul oficializa entrada da Venezuela. 31 de julho, 2012.
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EPSTEYN, Juan Claudio; JATOBÁ, Daniel. A Argentina nos primeiros cinco anos do século XXI: crise,
transição e transformação. In LIMA, Maria Regina Soares de; COUTINHO, Marcelo (org). A Agenda Sul-
Americana: Mudanças e Desafios no Início do Século XXI. Brasília: FUNAG, 2007.
LUCCI, Juan José. Parlamento del MERCOSUR: debilidad institucional y estancamiento político. Análisis a seis
años de su inauguración. Densidades, no. 11, 2012.
LUCIANO, Bruno T. A Inclusão da Representatividade Direta no Parlamento do Mercosul. Boletim de Economia e
Política Internacional, Ed.11, Brasília, 2012.
MARIANO, Karina. A Eleição Parlamentar no Mercosul. Rev. Bras. Pol. Int. 54(2), 2011.
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MARIANO, Karina. L. P.; LUCIANO, Bruno. T. Implicações Nacionais na Integração Regional: as eleições
diretas do Parlamento do Mercosul. Revista Perspectivas – UNESP/Araraquara, volume 42, 2012.
PARAGUAY, Tribunal Superior de Justicia Electoral. Resolución TSJE no 55/2007. Assunção, 2007.
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PARLAMENTO DO Mercosul. Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. Montevidéu, 9 dez, 2005.
RIBEIRO, Elisa. O Parlamento do Mercosul como Recurso para Construção do Direito Comunitário. Revista
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SCHMITT, Hermann. As eleições de Junho de 2004 para o Parlamento Europeu: ainda eleições de segunda
ordem? Análise Social, vol. XL (177), 2005, 765-794.
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http://www.parlamento.gub.uy/htmlstat/sesiones/pdfs/senado/20111109s0048.pdf

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Parlamento de papel? Desafios e legitimidade do Parlasul

Alex Ian Psarski Cabral1


Cristiane Helena de Paula Lima Cabral2
Mário Lúcio Quintão Soares3

Introdução

C
riado em 1991, através do Tratado de Assunção, o Mercado Comum do Cone Sul
(Mercosul), ainda incipiente, não logrou superar a fase de união aduaneira, sendo composto,
inicialmente, por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. No seu primeiro alargamento,
Equador, Bolívia e Chile assinaram tratados, para figurarem como membros associados, e, em 2009, a
Venezuela ingressou, de forma definitiva, neste bloco econômico, despertando polêmica por sua práxis
democrática.
Seguindo o modelo de integração da União Europeia, o Mercosul ambicionou, em seu tratado
instituidor, alcançar a fase de mercado comum, em um prazo de quatro anos, pautado no sistema
intergovernamental.
O Mercosul consiste em resultado da conquista de maturidade dos Estados do Cone Sul, ao
criar mecanismos pragmáticos para a superação do subdesenvolvimento, através de processo de
integração, matizado de justiça social.
Devido aos esforços empregados na consolidação e busca de superação de sua fase de união
aduaneira, o Mercosul assumiu identidade internacional própria, ao demonstrar que tem potencial para
se tornar um dos grandes atores das relações internacionais do século XXI. Mas para que esse bloco
ganhe de fato projeção no cenário mundial, deve adaptar-se à realidade que ora se apresenta.
Nessa linha de reflexão, percebendo-se a necessidade de maior legitimidade para o bloco
econômico, em 2005, foi aprovado o Tratado Constitutivo do Parlamento do Mercosul (Parlasul),
objeto de discussão no presente artigo.
As decisões e os tratados que constituíram o Parlasul merecem críticas, em face da postura
conservadora adotada pelo Mercosul, para a concretização da participação popular, via parlamento do
Estados membros..
Acredita-se que o desenvolvimento e aprimoramento do bloco de integração do Cone Sul só
será possível, caso a participação popular seja efetiva, para legitimar suas decisões, ao ensejar a mudança
na mentalidade dos governantes que estão por trás do Mercosul.
1 Mestre em Ciências Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor Universitário.
2 Doutoranda em Direito Público Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestre em Ciências
Jurídico-Internacionais pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professora Universitária
3 Bacharel, Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor Universitário
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 435

1. Constituição do Parlamento do Mercosul – a representação popular no processo de


integração
Há discussão sobre a criação de um Parlasul desde o estabelecimento da Comissão Parlamentar
Conjunta, que trazia consigo a ideia de instauração do parlamento do Mercosul.
Em 2000, em uma reunião na cidade de Santa Fé, na Argentina, a Comissão sustentou a
necessidade de reforma do Protocolo de Ouro Preto, no sentido de se permitir a criação do órgão
parlamentar “(...) de la Comissión Parlamentaria Conjunta como representante de la soberanía popular
y principal sustento de la estabilidad democrática de los estados-partes”4.
Na sua XVI Reunião Plenária, em Porto Alegre, a Comissão aprovou disposições, apresentadas
por Brasil e Argentina, referentes aos mecanismos necessários para a implementação do Parlasul. No
entanto, o processo de institucionalização do parlamento supranacional estagnou-se, principalmente
com o agravamento da crise argentina.
Entre 2002 e 2003, os projetos para “parlamentarização” do bloco foram retomados, em
Brasília, quando os presidentes eleitos da Argentina e do Brasil sugeriram a “Agenda para a Criação do
Parlamento do Mercosul”, na qual definiram que “(...) os interesses econômicos poderiam ser melhor
defendidos se houvesse um avanço para assegurar o processo de criação do Parlamento do Mercosul”5.
Para tanto, fazia-se imprescindível a alteração de toda a estrutura da Comissão Parlamentar
Conjunta, o que motivou, em 2004, a aprovação de um “Programa de Trabalho do Mercosul 2004-
2006”, determinando-se que CPC se responsabilizasse em elaborar uma proposta de estabelecimento
do Parlasul6.
Em 2005, a Decisão do Conselho do Mercado Comum, n.º 25/05, trouxe consigo o Protocolo
Constitutivo do Parlamento do Mercosul, com as disposições pertinentes, inseridas na estrutura
institucional do bloco.

4 Cfr. MERCOSUR/CPC/DEC. Nº 02/00. Veja também a Declaração de Santa Fé, publicada através da decisão
MERCOSUR/CPC/DEC. Nº 03/00 que também reafirma, no seu item (1) o compromisso dos países do Mercosul com a
democracia representativa, a promoção dos seus valores e a defesa de suas instituições, em particular com realização de
eleições periódicas, transparentes e supervisionadas com órgãos estatais independentes. FUNDACIÓN KONRAD
ADENAUER; COMISIÓN PARLAMENTARIA CONJUNTA DEL MERCOSUR. Hacia el parlamento del Mercosur –
una recopilación de documentos. 2 ed. Uruguai: Konrad Adenauer Stiftung. pp.124-128. Tradução livre da autora.
5 Cfr. Agenda para Criação do Parlamento do Mercosul. FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER; COMISIÓN

PARLAMENTARIA CONJUNTA DEL MERCOSUR. Hacia el parlamento del Mercosur. Op cit. pp. 141-144. Esses
ideais foram reforçados na reunião dos quatros Presidentes, em Assunção, em 2003, com a assinatura de um documento
que demonstrava a necessidade de fortalecer a CPC e a conseqüente possibilidade de eleições diretas para os seus membros.
6 Cfr. MERCOSUR/XXV CMC/DEC Nº 26/03. FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER; COMISIÓN
PARLAMENTARIA CONJUNTA DEL MERCOSUR. Hacia el parlamento del Mercosur. cit. pp. 272

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 436

O Parlasul, com sede no Uruguai, passou a funcionar, formalmente, como órgão independente
e autônomo, responsável pela representação dos seus cidadãos e não mais dos Estados que o compõem
em substituição à Comissão Parlamentar Conjunta7.
Consolidou-se, assim, mais uma etapa do lento processo de integração do cone Sul, qual seja, a
integração política, pois os Estados membros começaram a almejar um sistema que privilegie a
representação política e cidadã, com vistas a atingir o mercado comum.8.
O texto do Protocolo Constitutivo do Parlasul, aprovado em 2006, entrou em vigor em 2007,
em sessão solene, no Congresso Nacional, em Brasília, trazendo como novidade a possibilidade de
eleições diretas pelos nacionais, à semelhança do processo de integração europeu, onde os cidadãos
elegem, democraticamente, os seus representantes.
O Parlasul também pretende impulsionar o processo de recepção e internalização das normas
produzidas pelo Mercosul, superando os limites impostos pelos mecanismos de recepção dos Estados
Membros.
No que tange à proporcionalidade da representação no Parlasul, na atualidade, está
condicionada aos vinte e seis indicados para a Argentina; trinta e sete, para o Brasil; e, dezoito, para o
Paraguai; dezoito para o Uruguai; e dezoito, para a Venezuela.
Na segunda etapa de transição, entre 2011 e 2014, de estabelecimento do Parlasul, existe a
previsão de que os representantes devem ser sufragados, em eleições diretas, pelos nacionais, sem
indicação dos congressos e/ou assembleias legislativas de cada Estado.
Como última etapa de transição, serão eleitos para o Parlasul, setenta e quatro representantes
brasileiros, quarenta e três argentinos, enquanto Venezuela, Paraguai e Uruguai continuarão com o
número atual de dezoito.

1.1 Competências do Parlasul


As competências do Parlasul estão descritas no artigo 4º do seu protocolo constitutivo, dentre
as quais a que garante ao órgão parlamentar as atribuições legislativas, conforme disposto no parágrafo
11 do artigo 4º, no sentido de que apresente recomendações, relatórios ou declarações referentes ao
desenvolvimento da integração, seja por iniciativa própria ou a pedido de qualquer outro órgão do
Mercosul9.

7 Cfr. MERCOSUR/CMC/DEC. Nº 49/04 e MERCOSUR/CMC/DEC. Nº 23/05. FUNDACIÓN KONRAD


ADENAUER; COMISIÓN PARLAMENTARIA CONJUNTA DEL MERCOSUR. Hacia el parlamento del Mercosur.
Op cit. pp. 21-33. A Decisão nº 49 determina que o Parlamento do Mercosul deveria ser instalado antes do final de 2006.
8 “(...) estamos firmemente convencidos que la instalación del Parlamento del Mercosur contribuirá a optimizar la

legitimidad democrática, la seguridad jurídica y la representatividad cuidadana del proceso de integración Cfr. Nota de
entrega del texto del Proyecto de Protocolo del Parlamento del Mercosur. FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER;
COMISIÓN PARLAMENTARIA CONJUNTA DEL MERCOSUR. Hacia el parlamento del Mercosur. Op cit. pp. 59-60
9 Cfr. MERCOSUL. Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER;

COMISIÓN PARLAMENTARIA CONJUNTA DEL MERCOSUR. Hacia el parlamento del Mercosur. Op cit. pp. 21-32

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Também lhe é atribuída a competência de propositura de projetos de normas ao CMC, que


poderá considerá-los ou não, conforme descrito no artigo 4º, parágrafo 13 do Protocolo Constitutivo.
Nessa atuação, o Parlasul apresentou interessante projeto de norma para a CMC, referente à adoção de
medidas necessárias para se garantir a utilização da bandeira do Mercosul em locais públicos dos
Estados Membros10.
Apesar das prerrogativas inerentes à sua competência, cabe destacar que as deliberações do
Parlasul não são vinculantes e nem dotadas de obrigatoriedade.
Outra novidade trazida pelo Parlasul é a possibilidade de se elaborar estudos e anteprojetos de
normas nacionais concernentes à harmonização das legislações nacionais dos Estados membros, que
deverão ser comunicadas aos parlamentos nacionais, em consonância com o artigo 4º, parágrafo 14 do
diploma pertinente.
Tal competência há de permitir que as normativas mercosulinas sejam incorporadas pelos
Estados membros, de forma mais célere, evitando-se os procedimentos burocráticos e demorados de
internalização.
Não obstante, como sói acontecer neste processo de integração, tal proposição também não é
dotada de obrigatoriedade e vinculação, podendo assim, o Estado Membro seguir os seus próprios
trâmites de recepção de normas.

2. Parlamento de papel? Os desafios do Parlasul

O Parlasul ainda é uma caricatura de órgão supranacional, em termos de representação política,


ou órgão parlamentar meramente formal, pois atua graças à boa vontade de parlamentares, indicados
pelos Estados Membros,
Um dos principais óbices à sua legitimação situa-se na definição das eleições democráticas em
todos os Estados Membros, para que os cidadãos ou nacionais de cada Estado mercosulino estejam
aptos a escolher os seus representantes.
Tais eleições constituem-se na segunda etapa de transição, pelo que deveria haver previsão
legislativa nos ordenamentos jurídicos internos, da forma como estas se pautariam. No entanto, não há
qualquer movimentação por parte dos congressos nacionais dos Estados Membros, em adotar medidas
para implementação dessas eleições.
Lamentavelmente, o Mercosul está refém da visão míope dos governantes de seus Estados
Membros, pautada em sentimento exacerbado de soberania, o que impede que as decisões do bloco
sejam cumpridas.

10 Cfr. MERCOSUR/PM/SO/PROY. NORMA 01/2010. Disponível em: <


http://www.parlamentodelmercosur.org/index1_portugues.asp#>. Acesso em 20 de maio de 2013.

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2.1 As eleições: o primeiro passo


O Protocolo Constitutivo do Parlasul dispõe que as eleições de seus representantes deveriam
ocorrer antes da conclusão da primeira etapa de transição, mediante sufrágio direto, universal e secreto.
Além disso, cada Estado Membro deveria adotar, em sua agenda eleitoral, um dia para a realização das
eleições para o Parlasul.
Ocorre que, apenas o Paraguai, ora afastado do Mercosul, realizou as eleições para a escolha dos
seus representantes11. Brasil, Argentina, Venezuela e Uruguai sequer conseguirão alcançar a meta e
cumprir o estabelecido no Protocolo Constitutivo.
Isso, porque ainda não foi implementada a proporcionalidade ideal, considerando os diversos
percalços existentes, para a definitiva aprovação do “Projeto de Proporcionalidade” acordado por todos
os Estados Membros, em 200912.
Todas as propostas pertinentes, ora discutidas, possuem algumas definições que, ainda não são
de consenso, tais como, por exemplo: voto direto, secreto, universal e obrigatório. Outro item
polêmico: os mandatos, com um prazo de duração de quatro anos, sendo a representação exclusiva, isto
é, o representante eleito para o Parlasul não poderá acumular sua cadeira com a do congresso de seu
Estado.
Nesse sentido, um dos maiores tabus, para a efetiva constituição do Parlasul é a realização de
eleições diretas, pois os parlamentares dos Estados Membros, que ora os representam, não querem
abrir mão das mordomias de acumular e compartilhar de duas cadeiras legislativas.

2.2 O dilema da incorporação das decisões


Outra questão importante refere-se às próprias decisões emanadas do Mercosul e à sua forma
de incorporação no direito interno nos Estados Membros.
A ausência de uma instituição, dotada das devidas competências supranacionais, faz com o que
não seja possível alcançar a segurança jurídica13 necessária, para se ter um bloco mais efetivo e mais
atuante em face dos Estados que o compõem.

11 Destaca-se que essas eleições só foram realizadas uma vez.


12 No caso do Brasil existem duas propostas para as eleições diretas para o Parlasul que estão no Congresso. O projeto de
Lei 5279/2009, do deputado Carlos Zarattini, com versão final de Doutor Rosinha, na Câmara, e o projeto nº 126/2011, do
senador Lindbergh Farias. Cfr em: BRASIL. Instituto de Pesquisa Aplicada. Estudo analisa eleições diretas para o
Parlasul. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=13770>.
Acesso em 27 de maio de 2013.
13 “(...) Este fato repercute, posteriormente, na eficácia das mesmas, na medida em que deixam de ser incorporadas aos

ordenamentos jurídicos dos países membros, gerando insegurança jurídica entre os operados econômicos (...) Pode-se
afirmar, assim, que o déficit de qualidade normativa do Mercosul deriva diretamente de seu déficit de democracia”. Cfr:
DRUMMOND, Maria Cláudia. A democracia desconstituída – o déficit democrático nas relações internacionais e os
parlamentos da integração. Tese de doutorado. Relações Internacionais: Universidade de Brasília – UNB, 2005. p. 327. Cfr
também: TRINDADE, Otávio A. D. Cançado. O Mercosul no direito brasileiro. Belo Horizonte: Livraria Del Rey, 2007

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A criação de normas do Mercosul, geralmente, sofre pressões de grupos ligados aos setores
econômicos, sem que haja um verdadeiro espaço de debates e discussões com a participação de todos
os personagens do processo.
Isso é um reflexo do modelo intergovernamental, adotado pelo bloco, que não é capaz de
produzir o seu próprio arcabouço jurídico, ficando à mercê das questões internas de cada um dos
Estados Membros14.
A devida institucionalização do Parlasul há de permitir a sua participação no processo de criação
das normas mercosulinas, principalmente com a elaboração de relatórios acerca da internalização por
cada Estado Membro, ao possibilitar uma rápida incorporação no direito interno deste.
O Parlasul poderia exercer severa fiscalização da incorporação das normas pelos Estados
Membros, mediante levantamento estatístico real relativo ao processo de internalização.
Isso é relevante uma vez que, segundo dados da Representação Brasileira do Parlamento do
Mercosul, há um defícit de cinquenta por cento das normas, assinadas e negociadas, e que carecem de
apreciação por parte do Congresso Nacional.
O Executivo brasileiro, inseguro em relação ao Mercosul, compartilha responsabilidades, pois
sente a necessidade das referidas normas serem novamente analisadas, ocasionando a morosidade na
sua internalização.
Apesar disso, é imprescindível que haja um alargamento maior da competência do Parlasul, no
intuito de que deixe de ser apenas um órgão consultivo, onde os seus deliberações não tenham qualquer
forma vinculativa. Ou seja, devem ser feitas modificações no tratado instituidor do Mercosul, em busca
de uma maior legitimidade das suas decisões e atuações.
É necessário que o Parlasul seja capaz de produzir direito comunitário e se torne uma
instituição supranacional, com competências que não sejam meramente consultivas.
Ao conseguir efetivar essas modificações, o Parlasul permitirá que os outros órgãos
institucionais do Mercosul se aprimorem, modificando de modo substancial a sua tomada de decisões,
possibilitando que haja uma consolidação institucional de todo o bloco econômico.

14 O intergovernamentalismo é um exemplo clássico das nações demasiadamente nacionalistas e que encontram inúmeras
barreiras em abdicarem de parte de sua soberania em prol de uma organização internacional que seja capaz de emitir
decisões que irão desenvolver todo o bloco econômico. Cfr os dizeres de Jorge Fontoura: “A opção política
intergovernamental adotada para a criação do Mercosul e de todo seu arcabouço jurídico, sob medida para a realidade
latino-americana sempre presidencialista e ciosa de suas conquistas soberanas, não contempla a possibilidade de instituições
supranacionais; supranacionalidade, vale dizer, em que as decisões deixam de ser tomadas por consenso e unanimidade,
direito internacional público clássico, passando a valer a decisão da maioria dos países-sócios, com a transferência ou cessão
da soberania à “alta-autoridade”, expressão cunhada pelo direito comunitário europeu. In: Limites constitucionais a
parlamentos regionais e à supranacionalidade: o dilema dos blocos econômicos intergovernamentais. Revista de
Informação Legislativa, Brasília, a. 40, n. 159, pp-219-224, jul/set, 2003. Disponível em:
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/886>. Acesso em 20 de maio de 2013 cit. p. 223

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2.3 A vontade política dos estados-partes


O desenvolvimento, não só do Parlasul, mas também do próprio bloco econômico, está
condicionado à vontade política de todos os atores que compõem esse processo.
A possibilidade de criação de um modelo supranacional pelo Mercosul ensejará o
aprimoramento do sistema político-institucional do bloco com as instituições dotadas de poder
normativo, independente da vontade dos Estados que a compõem.
A segurança jurídica poderá ser alcançada com a institucionalização de um novo órgão, eleito
democraticamente pelos cidadãos e responsável por conferir uma maior harmonização legislativa. No
entanto, novas competências deverão ser estabelecidas para o Parlasul, para que participe do processo
legislativo do Mercosul e atue como legítimo ator do processo15.
A vontade política de se impulsionar o Mercosul deve partir de todos os Estados Membros,
especificamente do Brasil, por ser o seu maior integrante, em todos os aspectos (econômicos,
populacionais e territoriais), que, no tocante á delegação para órgão supranacionais,
constitucionalmente, encontra-se engessado.
O cidadão ou nacional de cada Estado Membro deve exercer papel principal no processo de
integração, pois mediante referendos, deve informado sobre todos os avanços que irão interferir no seu
cotidiano.
Faz-se necessário que se modifique a vertente econômica do processo de integração para a
vertente social, pois, para que haja a livre circulação de bens, capitais, pessoas e serviços, demonstra-se
indispensável a real e efetiva integração política. com uma maior participação dos cidadãos
mercosulinos nas atividades do bloco.
Certamente, a institucionalização do Parlasul e a sua atuação em face da legitimação do
Mercosul serão de suma importância para que o bloco tenha competitividade em mundo globalizado.
Todos os desafios suscitados vinculam-se, portanto, à legitimação democrática do Parlasul,
mediante uma modificação da sua atual estrutura e a devida alteração de uma função consultiva, para
uma que seja tenha força obrigatória perante os órgãos decisórios do Mercosul.

Considerações finais
Apesar de dotado de grande expectativa e carregar a responsabilidade de modificar a atual
estrutura jurídico-política-institucional do Mercosul, o Protocolo Constitutivo do Parlasul não foi
ousado o suficiente, ao lhe conferir competências que não fossem meramente consultivas.

15A criação de um Tribunal de Justiça também é essencial para efetivar essa supranacionalidade. Porém, ele só será possível
se o Mercosul possuir um Parlamento que seja forte e consiga efetivar as suas competências.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 441

Percebe-se que o Parlamento do Mercosul é uma utopia, pois, com a indicação de seus
representantes pelos congressos ou assembleias legislativas dos Estados Membros, carece de
legitimidade democrática para exercer plenamente suas funções.
O Parlasul, criado sem qualquer referência as suas atribuições legislativa, orçamentárias e de
controle, opera tão somente como um órgão consultivo, na emissão de relatórios, que têm o condão de
auxiliar a internalização da norma mercosulina perante os Estados Membros.
Um Parlamento supranacional, com características comunitárias, só será institucionalizado se
lhe forem conferidas competências exclusivas, relativamente à elaboração de normas do direito
derivado e transplantando o modelo europeu, com a instituição da co-decisão, em conjunto com o
CMC e o GMC na elaboração das normas de direito originário.
Alterações na estrutura orgânica do CMC e do GMC também seriam importantes para que
houvesse uma verdadeira separação de competências, com a delimitação das funções de cada um dos
órgãos, de modo a se evitar que exista uma sobreposição na atuação atribuída a cada uma das
instituições.
No entanto, o saída do Mercosul do atual estado de letargia deve ser pautada numa ação
conjunta de toda a sociedade civil do Estados Membros, em busca de eleições diretas para o Parlasul e
ampliação de competências para seus órgãos decisórios supranacionais.
Apenas assim, é que uma nova estruturação do bloco poderá ser proposta, com até mesmo a
instituição de uma supranacionalidade limitada, onde os órgãos com capacidade decisória adotariam as
normas via maioria (absoluta, especial, dentre outras) e estas terão aplicabilidade imediata (para tanto, é
necessário reformas nos textos constitucionais destes Estados, especialmente no Brasil e Uruguai) e
ainda a criação de um Tribunal de Justiça autônomo e independente, responsável pela análise
jurisdicional de toda a controvérsia existente no que tange à aplicabilidade de cumprimento da
normativa mercosulina.

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Direito Comunitário na periferia do sistema-mundo:
o papel dos tribunais

Cynthia Soares Carneiro1

1. Introdução: o princípio da subsidiariedade como marco

D
esde que iniciei os estudos sobre o direito supranacional, seus fundamentos e limites, o
princípio jurídico da subsidiariedade, que regula a distribuição de competências entre os
entes supraestatais e estatais, determinando restrições impostas à ingerência do ente
público de maior instância, quando o ente público menor, puder realizá-lo de forma adequada e eficaz.
Sob outro ângulo, mas com o mesmo objetivo, a subsidiariedade é entendida como a função de auxílio,
de subsídio, do ente maior em relação ao menor quando este não puder promover, de maneira
satisfatória, os objetivos do organismo de integração ou do Estado (QUADROS 1995; BARACHO
1995.
A função de subsidiar, inerente aos organismos internacionais voltados à promoção da integração
econômica e do desenvolvimento em relação aos seus Estados-Membros, em pleno sistema mundial
vigente traz aspectos bastante interessantes, principalmente pelo fato de que o princípio da subsidiariedade,
originariamente, se aplica à estrutura jurídico-administrativa do Estado, determinando a
descentralização institucional e inibindo, juridicamente, a atuação do ente federativo maior em relação
ao menor, justamente uma das reformas estruturantes propostas pelo Consenso de Washington.
Pois este princípio jurídico carrega elementos que me parecem verdadeiramente revolucionários,
na acepção marxiana do termo, ou seja, são contraditórios em relação à funcionalidade do sistema-
mundo capitalista e, portanto, capaz de estabelecer brechas disruptivas com potencial suficiente para
modificá-lo em suas bases, enfim, à partir dos Estados, pois promove mudanças significativas em
elementos que lhe são essenciais: na forma como exercem sua soberania externa e na forma como são
estruturados internamente, pela centralização e burocratização das instituições políticas e jurídicas
(MARX, 2005 ; ABENSOUR, 1997)
A subsidiariedade jurídico-administrativa representa a inversão radical da lógica governamental
do Estado Nacional moderno. Ao invés da concentração das instituições e enfraquecimento do poder
local, processo em curso desde a transição do modelo feudal para o capitalista, a descentralização e
transferência de competências estatais para unidades regionais menores, estabelecendo como parâmetro
para a extensão de sua competência, os limites para uma atuação eficaz, isto é, capaz de dar respostas

1Professora doutora de Direito Internacional e Direito da Integração no Departamento de Direito Público da Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FDRP/USP).
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 445

rápidas às demandas públicas, e adequada, ou seja, deve atender satisfatoriamente a essas demandas
(QUADROS 1995; BARACHO 1995).
O sentido jurídico do princípio de subsidiariedade somente adquiriu expressão normativa em
face da criação dos órgãos supranacionais da União Europeia, que, em seu processo de
desenvolvimento, encontrou-se na contingência de regular os limites de sua atuação em relação aos
Estados-Membros para respaldar sua soberania2. Entretanto, sua exteriorização jurídica tem também
promovido reformas na arquitetura institucional dos Estados, ao redistribuir competências antes
concentradas em órgãos da União, nos Estados Federados, ou nos órgãos nacionais, nos Estados
unitários, competências, estas, que passam a ser exercidas por entes sub-regionais e/ou municipais.
Este fenômeno tem alcançado o mundo todo, posto que o direito comunitário-supranacional,
nos moldes como foi instituído na União Europeia, em maior ou menor grau, tem sido transplantado
para as diversas regiões do globo por meio dos oito organismos de integração regional existentes. Isto é
o que podemos observar nos organismos de integração sul-americanos, e, neste sentido, especialmente
pela Comunidade Andina, composta por Estados que possuem os menores índices de desenvolvimento
da região.
Sob a perspectiva marxiana de que as revoluções estruturais são de longa duração, posto que em
seu processo desconstruam bases institucionais estabelecidas e consolidadas, sob a perspectiva histórica
de que o Direito moderno registra, em movimentos de avanços e retrocessos, consensos políticos mais
ou menos democráticos que, uma vez positivados, ou seja, revestidos de força jurídica, passam a
constituir um comando institucional que determina, segundo o princípio da legalidade estrita as ações
governamentais, e, nos termos da legalidade e anterioridade da lei, orienta as da sociedade civil, parto
do pressuposto que o princípio da subsidiaridade, ou função de subsidiariedade, configura-se como um
mecanismo jurídico que aperfeiçoa a democracia ao identificar o estado formal, estabelecido pela
Constituição, como o estado real, a população que o compõe (MARX 2005), ao transferir competências e
responsabilidades para entidades mais próximas dos cidadãos, estimulados a se organizarem em
conselhos administrativos, legislativos e de fiscalização das atividades de caráter e interesse público. Sob
esta perspectiva, o tema merece ser estudado.
Entretanto, são obstáculos concretos à efetivação da dimensão democrática e do potencial
revolucionário do princípio da subsidiariedade, justamente a racionalidade e funcionalidade do sistema
mundial de mercados, que modela e sustenta a estrutura econômica capitalista desde suas origens, ainda
no século XVI (WALLERSTEIN 2001).

2 Na Versão consolidada do Tratado da União Europeia (Tratado de Lisboa), o princípio da subsidiariedade esta expresso
no seu art. 3º, n. 3: “Em virtude do princípio da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva,
a União intervém apenas se e na medida em que os objectivos da acção considerada não possam ser suficientemente
alcançados pelos Estados-Membros, tanto ao nível central como ao nível regional e local, podendo, contudo, devido às
dimensões ou aos efeitos da acção considerada, ser mais bem alcançados ao nível da União”. Disponível em: http://eur-
lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:C:2010:083:0013:0046:PT:PDF. Acesso em 30.jul.2013.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 446

O fato, inclusive, do direito e das instituições comunitárias europeias terem sido, ao menos
formalmente, transplantadas para os demais organismos de integração regional existentes é uma
evidência de que, institucionalmente, superestruturalmente, os Estados Nacionais modernos, desde o
momento em que se estabelecem, permanecem vinculados a uma rede de relações político-econômicas
que os inserem à sociedade internacional, relações estas estabelecidas segundo uma
racionalidade/funcionalidade hierárquica, colonial, posto que pressupõe centros e periferias,
expressando-se na divisão internacional/local da produção e do trabalho, o que cristaliza e perpetua a
concentração/má distribuição de renda, tanto em âmbito local como planetário.
Neste sentido, a questão fundamental a orientar meus estudos sobre integração comunitária é a
análise crítica e permanente sobre os beneficiários dos processos comunitários. A quem interessa e
quem diretamente se beneficia dos sistemas de integração sul-americanos? Uma vez estabelecida
segundo parâmetros comuns ao sistema-mundial de mercados, como se manifestam as instituições
transplantadas do modelo europeu em um ambiente comunitário completamente diverso e de herança
colonial?
A todos deve parecer evidente que uma integração sul-americana baseada em um modelo assim
concebido estaria fadada ao fracasso. Os objetivos institucionalmente declarados provavelmente jamais
seriam atingidos. No entanto, nas últimas décadas, tanto da CAN como o Mercosul aumentaram
consideravelmente sua atuação, o que pode ser dimensionado pela prodigiosa produção do Tribunal de
Justiça Andino, o terceiro mais atuante, dentre os tribunais internacionais existentes (HELFER, 2009;
ALTER 2011).
Neste aspecto, o Mercosul, muito criticado, desde suas origens, por não seguir à risca, como fez
a Comunidade Andina, o desenho e procedimentos dos órgãos comunitários europeus, representaria
melhor um modelo alternativo àqueles organismos de integração?

2. Transposições institucionais e racionalidade do sistema-mundo/colonial: metodologia de


análise
Considerando que a transposição de normas europeias feita por Estados da América Latina
ocorre desde a origem destes Estados, o fenômeno do transplante jurídico trata-se de aspecto funcional
do sistema-mundo/colonial. A partir desta constatação, devemos analisar o resultado materializado
pelas instituições comunitárias sul-americanas para detectar os efeitos deste transplante normativo,
averiguando se a atuação destas instituições leva a resultados que correspondem aos interesses
integracionistas declarados nos seus tratados constitutivos, ou se seus resultados atendem aos históricos
interesses de companhias localizadas em Estados centrais ao sistema-mundo, estabelecendo a sua
colonialidade.
Para analisar este resultado foram examinadas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça
Andino (TJA). Aliás, o órgão judicial da CAN, é o que melhor traduz a literal transposição do direito

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comunitário europeu para a América do Sul. Além disso, conforme mencionado, o TJA é um dos três
tribunais supranacionais mais ativos, dentre os oito existentes no mundo (ALTER, 2001, HELFER
2009). A quantidade de decisões judiciais proferidas pelo Tribunal desde a sua criação é, realmente,
impressionante, principalmente por se tratar de um tribunal comunitário sul-americano, cujos Estados-
Membros sempre tiveram que lidar com as dificuldades impostas ao seu projeto de integração e à
incipiência de suas instituições, não apenas as regionais, também as internas.
O propósito inicial da pesquisa era o de averiguar e contabilizar o objeto de pedir nas
Interpretações Prejudiciais emanadas do Tribunal de Justiça da Comunidade Andino, e exclusivamente
nesta espécie de decisão, justamente por se tratar, em espécie, de cooperação jurídica vertical
geralmente estabelecida entre juízes nacionais e comunitários, tal como ocorre no Tribunal de Justiça da
União Europeia e suas decisões essenciais para a construção e consolidação do direito comunitário
europeu.
Buscava-se, portanto, avaliar a contribuição do Tribunal de Justiça Andino ao desenvolvimento
de um direito regional e se este direito teria, em face das especificidades da região colonial, caracteres
próprios, mesmo tendo sido constituído sobre as bases fornecidas pela União Europeia. Além disso, o
procedimento do reenvio prejudicial, permitiria dimensionar a natureza das demandas dos juízes
nacionais e o desenvolvimento da cooperação jurídica internacional na região andina.
As Interpretações Prejudiciais foram estabelecidas como mecanismo processual próprio do
direito processual comunitário europeu, e prevê a obrigatoriedade da consulta ao tribunal comunitário
quando o fundamento jurídico do pedido da parte, na ação ajuizada perante juiz ou tribunal nacional,
versar sobre normas comunitárias. Para assegurar que a interpretação e aplicação do direito comunitário
seja uniforme em todo espaço de integração, os juízes, facultativamente, ou os Tribunais de única ou
última instância, obrigatoriamente, deveriam remeter a questão ao Tribunal de Justiça comunitário,
único competente para indicar, por sentença, a forma adequada de interpretação do direito.
As consultas prejudiciais também estão previstas no Mercosul, e são chamadas de Opiniões
Consultivas. Elas são exatamente isto, uma consulta facultativa feita pelo juiz original da causa quando,
remetida ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPRM), o juiz nacional tiver qualquer
dúvida, e somente em casos de dúvida, sobre a aplicação de normas do direito de integração
mercosulino. A decisão proferida pelo TPR, diferentemente do reenvio prejudicial europeu e andino,
não vincula a interpretação que posteriormente será dada pelo juiz local, embora podemos pressupor
que aquele que facultativamente consulta está predisposto a atender o que foi estabelecido pelo tribunal
consultado. Até esta data foram submetidas ao TPRM apenas três Opiniões Consultivas.3

3 As três OP podem estão disponíveis em: [http://www.mercosur.int./t_generic.jsp?


contentid=377&site=1&channel=secretaria&seccion=5]. Acesso em 30.jul.2013.

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O estudo das Interpretações Prejudiciais do Tribunal de Justiça Andina parecia promissor, pois,
tendo como base os debates estabelecidos por ocasião da Primeira Opinião Consultiva suscitada
perante o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, em 2007, esperávamos encontrar aspectos
relevantes acerca do desenvolvimento do direito da integração na América do Sul e suas possíveis
contribuições, igualmente significativas, para o desenvolvimento da sistemática de cooperação jurídica
entre juízes nacionais, reciprocamente, e entre estes juízes e os Tribunais Comunitários.
Naquela decisão, o voto do Árbitro Relator Wilfrido Fernández de Brix e as divergências
levantadas pelos demais árbitros na mesma decisão remetem, justamente, a questões relativas à
cooperação jurídica internacional vertical, isto é, entre juízes nacionais e juízes comunitários, que, no
caso do Mercosul são árbitros, o que, talvez, explique os limites estabelecidos a sua atuação em relação
ao Poder Judiciário estatal. Na OP n. 01/2007 também são discutidos aspectos relativos a cooperação
horizontal, ou seja, entre os próprios juízes nacionais que atuam no processo originário, cuja
sistemática, na América do Sul, é regulado por procedimentos e princípios que remontam há quase um
século e meio, desde as Conferências de Montevidéu e de Havana.
A Opinião Consultiva n. 01/20007 menciona decisões clássicas do Tribunal de Justiça da União
Européia e também do Tribunal da Comunidade Andina, quando discorre sobre a relação do direito
comunitário como o direito nacional, sobre a propriedade da obrigação ou faculdade do juiz nacional
de submeter aos tribunais comunitários toda e qualquer questão relativa ao direito de integração.4 Sobre
este aspecto especial o voto discorre sobre a teoria do ato claro e do ato esclarecido e suas diferenças no
sistema europeu e no sistema andino (CARNEIRO 2007).5
O direito comunitário andino consagrou, sem exceções, o reenvio prejudicial obrigatório,
independentemente do objeto da decisão já ter sido consolidada pelo Tribunal Comunitário. Esta
exigência, entretanto, gera um grande número de decisões que possuem teor idêntico e 90% delas sobre
disputas relativas ao direito de marcas e patentes (HELFER 2009). No pólo ativo, quase que
invariavelmente, temos uma empresa estrangeira, multinacional, que atua na região andina – temos que
lembrar que a Comunidade Andina adotou o modelo de integração comercial aberta, ampliando o livre-
comércio aos seus tradicionais parceiros comerciais estrangeiros. No pólo passivo, comparecem, como
réus na disputa ou como interessado na decisão do órgão executivo, quase que invariavelmente
pequenas e médias empresas locais. 6

4 TJCE, sentença de 15 de julho de 1964, Costa/ENEL e TJCA, sentença proferida no processo 1-IP-87 e 2-IP-90, que
tratam da relação entre direito comunitário e direito interno, declarando a primazia do primeiro em relação ao segundo.
Todas estas decisões estão disponíveis para consulta no sítio oficial da União Europeia e da Comunidade Andina.
5 A OP n. 07/2007 está disponível em: [http://www.mercosur.int./innovaportal/file/PrimeraOpinionConsultiva-

Versionfinal.pdf?contentid=377&version=1&filename=PrimeraOpinionConsultiva-Versionfinal.pdf]. Acesso em
30.jul.2013.
6 Sobre este aspecto material das decisões, Alter e Helfer mencionam: “The ATJ has been given great preemptive forcees to

Andean intellectual property rules than to other areas of Andean Law. The Tribunal has relied on the extensive and detail
secondary legilslation on patests, trademarks, and copyrighs as an indication that the member states had ‘sovereigny
trasferred’ their ‘exclusive authority’over intellectual property issues to community level. See 1-IP-96: section III (holding

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O teor e o número destas decisões, por si só, evidenciam a inconsistência da exigência de se


submeter ao Tribunal de Justiça Andino toda e qualquer matéria regulada pelo direito de integração da
CAN, mesmo que o conteúdo da norma suscitada já tenha sido objeto de sentença interpretativa e seu
sentido tenha restado definitivamente esclarecido. Ora, a decisão definitiva do caso é do órgão
jurisdicional local, que, presume-se, já conhece a determinação prévia proferida pelo tribunal
comunitário.7
O fato é que logo no início desta pesquisa já pudemos identificar as respostas para as primeiras
questões que foram levantadas na sua concepção. São elas: i) de quais órgãos nacionais provém o
reenvio; ii) quais as matérias frequentemente suscitadas; iii) quais os sujeitos na relação jurídica
subjacente ao processo ajuizado na instância nacional originariamente competente.
Vejamos: i) em relação aos órgãos jurisdicionais nacionais dos quais provém a demanda pela
Interpretação Prejudicial, não há nenhuma matéria que tenha sido submetida ao Tribunal de Justiça
Andino por juízes dos Estados-Membros, pois elas provém exclusivamente de órgãos administrativos e
não judiciais, propriamente ditos; ii) estes órgãos, por sua vez, são responsáveis pelo registro de marcas
e patentes e geralmente possuem um tribunal responsável pela solução de controvérsias relativas à
disputa pelo direito à propriedade industrial; iii) quanto aos sujeitos das relações jurídicas subjacentes,
ou seja, do conflito original que gerou o reenvio prejudicial ao TJA, quase que invariavelmente, a
demanda versa sobre interesses de uma empresa estrangeira de abrangência multinacional que pretende
ter reconhecido o seu direito ao uso de marca e patente registrada em país estrangeiro. Muitas destas
empresas são grandes laboratórios químicos ou fabricantes de produtos alimentícios que solicitam o
reconhecimento do seus direitos pelo órgão administrativo ou então se insurgem contra uma empresa
local da mesma natureza que teria registrado, inadequadamente, uma patente como sendo sua, ou então
utiliza-se de uma marca que se assemelha a uma outra já adotada pela empresa estrangeira
Superada esta abordagem e constatações iniciais, procuramos, então, averiguar as seguintes
indagações: i) qual a contribuição das Interpretações Prejudiciais do Tribunal de Justiça da Comunidade
Andina para a construção de uma teoria de Direito Comunitário na América do Sul?; ii) qual a
importância dos tribunais comunitários da América do Sul para a consolidação do Direito Comunitário
na região?

that, in the area of intellectual property, member state cannot deviate from ‘the common interests’ of the community except
by acting through Andean institutions’.) (2011, 22)
7 O relator da OP n. 01/2007 argumenta que o sistema adotado pelo TJA é melhor e mais adequado “à realidade latino-

americana” do que aquele definido pelo TJE, nos seguintes termos: “No nosso entender, o sistema vigente na Comunidade
Andina é mais adequado, não apenas para nossa realidade do Mercosul, senão para a nossa realidade latino-americana em
geral. Primeiro, porque a nossa realidade coadjuva melhor com a conscientização dos órgãos judiciais nacionais sobre a
importaância da intepretação prejudicial no marco do Direito Comunitário (ou Direito de Integração) e segundo porque
com o risco de ser desnecessariamente repetitiva, proporciona ao Tribunal Comunitário a oportunidade de evolucionar e
modificar seus próprio critérios anteriores. O direito é e deve ser sempre evolutivo. (Ver nota anterior)

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Em razão da profícua atuação do Tribunal de Justiça Andino e da grande quantidade de


decisões proferidas em Interpretações Prejudiciais, e também devido à primeira decisão do Tribunal
Permanente de Revisão do Mercosul, que a todo tempo refere-se a sentenças do TJA, esperávamos
colher informações esclarecedoras sobre o resultado efetivo das instituições transplantadas por Estados
historicamente colonizados em relação às suas correspondentes nos Estados historicamente
colonizadores.
Embora não tenha chegado às conclusões inicialmente esperadas, ou seja, a de detectar
fundamentos de um direito comunitário alternativo àquele implantado na Europa, a análise foi bastante
esclarecedora acerca do contexto, da natureza e dos limites do projeto comunitário estabelecido na
América do Sul, em particular na Comunidade Andina, instituição na qual se concentrou o estudo.
Esperava concluir pela relevância dos tribunais comunitários da região para a construção de um
direito de integração próprio e voltado aos objetivos fundamentais estabelecidos nos seus tratados
institutivos: o fortalecimento da união de seus povos, o estabelecimento, com a criação da CAN, de um
marco histórico, econômico e social na consolidação da soberania e independência de seus Membros,
que passariam a coordenar suas ações segundo os princípios da paz, justiça, igualdade, solidariedade e
democracia. 8
Esperava também encontrar especificidades regionais significativas em relação às instituições
européias transplantadas e aos sujeitos na relação jurídica original, mas, da forma como foi estabelecido
o TJA e pelo teor das decisões emanadas, salta aos olhos que seus resultados atendem, principalmente,
aos interesses de empresas europeias que atuam na região. Estas companhias, inclusive, conhecem o
ambiente comunitário liberal, tem familiaridade com seus mecanismos e, portanto, sabem como utilizá-
los a seu favor. É neste sentido que argumentamos ser imprescindível rediscutir o papel e a função dos
tribunais comunitários na região, para que se adéqüem à uma conjuntura regional que propugna por
uma integração alternativa, tanto no sentido de buscar seus próprios fins, rompendo com suas relações
internacionais tradicionais, estabelecidas sobre parâmetros coloniais, quanto no sentido de fomentar a
cooperação sócio-econômica da região para a solução conjunta de seus graves problemas sociais e
promovendo um efetivo desenvolvimento econômico responsável e auto-sustentável.
Após analisar cerca de duzentos e oitenta Interpretações Prejudiciais, em um universo de mais
de mil e quinhentas sentenças proferidas pelo Tribunal de Justiça Andino de 1983 a 2013 9, o que
podemos concluir é que faz-se necessário avaliar os procedimentos adotados pelos organismos de
integração instituídos na América do Sul, e colocar sob este crivo de análise, inclusive, a recém criada

8Estes são os temos do Preâmbulo do Acordo de Cartagena. Disponível em:


[http://www.comunidadandina.org/Normativa.aspx]. Acesso em 30.jul.2013.
9Todas as sentenças proferidas em IP estão disponíveis no sítio oficial da CAN, que tem sido reformulado. Por isso,

constam em tabela apenas as decisões proferidas de 1991 a 2010, mas as demais podem ser encontradas pelo sistema de
busca pelo número. Disponível em: [http://www.comunidadandina.org/
Solcontroversias.aspx?fr=0&codProc=218&codpadre=16&tipoProc=2]. Acesso em 30.jul.2013.

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Unasul, para depreendermos sua real racionalidade, a sua funcionalidade materializada, para determinar
até que ponto são manifestações institucionais reflexivas do sistema-mundo moderno e, portanto,
instrumentos para sua estabilidade, ou se poderiam se constituir como ferramentas institucionais que
podem levar à desconstrução desta funcionalidade histórica.
Ao invés de encontrar matérias relacionadas com o objeto característico de uma zona de
integração comercial, como demandas relativas a contratos firmados entre empresas originárias da
região andina ou questões relacionadas aos tributos preferenciais incidentes sobre as atividades
mercantis interrregional, ou ainda questões reguladas pelo Direito Comercial, tais como o
estabelecimento de empresas de um Estado em território de outro Estado-Membro, a quebra de
empresas locais com repercussão nos demais Estados, e até questões relativas à contratação de
trabalhadores originários de diferentes Estados do bloco de integração, ou relativas ao direito do
consumidor.
Neste caso, teríamos farto material para avaliar a dinâmica integracionista e os avanços e
dificuldades das autoridades com poder de jurisdição em enfrentar esta nova realidade jurídica regional,
que, justamente por estabelecer normas e instâncias de decisões supranacionais exige que os juízes e
tribunais nacionais tenham uma nova perspectiva do direito. Decisões desta natureza retratariam a
consolidação de um espaço de integração na América Andina, o que seria a consagração da histórica
retórica integracionista dessa região da América do Sul.
No entanto, o quadro que encontramos evidencia que a integração aberta acordada pelos
Estados-Membros da Comunidade Andina com Estados da União Europeia e como os Estados Unidos
corrobora a tese de que o regionalismo sul-americano continua vinculado às relações sócio-econômicas
que perduram na região em longa duração e que vão ao encontro, invariavelmente, dos interesses de
empresas que se situam em Estados centrais do sistema-mundo/colonial, companhias que, no caso das
multinacionais originárias de países europeus, estão, inclusive, familiarizadas com os procedimentos
judiciais dos quais podem se servir para alcançar seus interesses e que, por transplante, correspondem
exatamente àqueles que poderiam manejar no âmbito de incidência do direito comunitário europeu.

3. Direito comunitário andino e direito comunitário europeu: uma história colonial de longa
duração
Uma integração regional estabelecida segundo os mesmos paradigmas que levaram à criação da
União Europeia trata-se de um arranjo institucional para a readequação de condições essenciais ao
sistema-mundo, ou seja, a configuração de um centro econômico formado por países centrais, quase
todos europeus, e a condição original de periferia subalterna aos interesses comerciais de empresas
situadas neste centro,. Um arranjo histórico que tem condicionado o desenvolvimento dos países sul-
americanos, neste caso específico de análise, dos países andinos.

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Neste sentido, para um projeto de integração alternativo ao estabelecido pela União Europeia é
imprescindível uma efetiva reconfiguração institucional e procedimental dos órgãos supranacionais
andinos, especialmente de seu Tribunal de Justiça, objeto deste estudo.
No entanto, uma mudança institucional estaria longe de configurar, por si só, uma opção
alternativa à funcionalidade clássica do sistema-mundo/colonial, posto que não basta instituir órgãos
supranacionais ou mesmo priorizar o desenvolvimento de relações sócio-econômicas em detrimento
das relações meramente comerciais, que, invariavelmente, atendem aos interesses do capital privado. O
essencial é que estas relações socioeconômicas se pautem por princípios da solidariedade e cooperação
comunitária, para a correção de assimetrias e desenvolvimento equitativo, princípios declarados em
todos os tratados institutivos de organismos regionais americanos. Somente pelo cumprimento dos
princípios e objetivos declarados nestes instrumentos jurídicos a racionalidade sistêmica e sua lógica de
centro e periferia, que leva à divisão internacional da produção e do trabalho, poderia ser superada na
região.
Um indicativo de que um sistema de integração desenvolve-se de forma alternativa ao modelo
europeu é a prioridade que o organismo regional dá à efetivação de políticas públicas voltadas às
pessoas arrebatadas pelo processo integracionista, seja na condição de trabalhador, de consumidor, de
estudante interregional ou na condição daqueles que sofrem direta ou indiretamente os efeitos das
intervenções comunitárias, como é o caso das populações afetadas pelas obras de infra-estrutura
energética e de comunicação que tem sido realizadas na região por parcerias firmadas entre Bancos de
fomento situados nos Estados sul-americanos. No âmbito da América do Sul, estas ações têm sido
implantadas, principalmente, pela União das Nações Sulamericanas (Unasul) por intermédio de sua Iniciativa
para a Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana (Iirsa)10, que, futuramente, pode se tornar um
organismo de convergência entre Mercosul e Comunidade Andina. Estamos caminhando para isso, daí
a necessidade imperiosa de debater o modelo de integração desejado pela população destes Estados.
O contexto no qual foram negociados, entre os Estados sul-americanos, os antigos e os mais
recentes arranjos institucionais integracionistas, demonstra, entretanto, que, desde suas origens, um
bloco de integração tem sido a expressão mais bem acabada do centralismo e da concentração
institucional, elementos característicos e fundamentais à funcionalidade do sistema-mundo capitalista.
Os últimos acordos, firmados na década de 1990, já sob influência dos paradigmas econômicos
debatidos durante a Rodada do Uruguai do GATT - que resultou na OMC - foram responsáveis pela
efetiva implantação, na América do Sul, dos sistemas de integração regional vigentes, especialmente o
Sistema de Integração Andino (SAI), transplantado da União Europeia, e o Mercosul, que, embora com

10 Para maiores informações sobre o programa consultar sua página oficial na internet. Disponível em:
http://worldnews.nbcnews.com/_news/2013/07/05/19311803-american-mom-daughter-6-stuck-in-brazil-in-child-
custody-battle. Acesso em 11.jul.2013.

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características mais específicas, foi igualmente inspirado no projeto de criação de um mercado comum
dentro dos paradigmas clássicos do livre-mercado.
Este movimento regional integracionista da década de 1990 foi impulsionado pelos Planos de
Ajuste Estrutural (PAE) firmados, na mesma década, pelos Estados sul-americanos com o Fundo
Monetário Internacional em parceria com o Banco Mundial. Para a execução das metas estabelecidas
pelos PAE, os governos locais teriam acesso a empréstimos disponibilizados pelo Banco Mundial e
teriam, inclusive, a assessoria de técnicos estrangeiros para a elaboração dos projetos de infraestrutura e
das reformas institucionais que lhes assegurariam o acesso ao crédito prometido.
Na década de 1990 foram ratificados diversos protocolos adicionais ao Acordo de Integração
Subregional Andino, conhecido como Acordo de Cartagena, este, negociado no âmbito da Associação
Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc) e vigente desde 26 de maio de 1969.
O Pacto Andino, como ficou mais conhecido, recepcionou as ideias consagradas pelo
desenvolvimentismo cepalino, formulado por intelectuais sul-americanos. Esta tese foi promovida em fóruns
internacionais realizados a partir do final da década de 1950, sob a tutela e patrocínio das Nações
Unidas e seu objetivo era a formulação e o planejamento de políticas públicas. A Comissão Especial
para a América Latina (Cepal) tributa a promoção do desenvolvimento às instituições públicas, que
seriam capazes de substituir a ação dos atores sociais em Estados subdesenvolvidos, presumindo que
estes Estados possuem reduzido capital social. Raúl Prebisch, argentino, e Celso Furtado, brasileiro, são
expoentes deste grupo (COLISTETE, 2001) 11.
Dos organismos de integração econômica criados na América do Sul sob os auspícios das
organizações internacionais de Bretton Woods, instituídas a partir da década de 1940, o Pacto Andino
foi o que mais avançou no seu processo de institucionalização. Este progrediu, embora timidamente,
durante parte das décadas de 1970 e 1980. No entanto, e justamente em face de não ser objeto de
interesse social e por não ser capaz de formular ideias ou incorporar aspectos regionais específicos,
permaneceu praticamente inalterado até 1996, quando, do ponto de vista de sua arquitetura
institucional, ocorreram as mudanças mais significativas. Da mesma forma que ocorrera na década de
1960, a reforma foi promovida em face do que era preceituado e viabilizado pelas organizações
internacionais globais, embora, recentemente, a Cepal, abrigada no Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas (ECOSOC), tenha dado lugar ao FMI e Banco Mundial.
Com a vigência do Protocolo Modificatorio del Acuerdo de Integración Subregional Andino (Acuerdo de
Cartagena), aprovado em Trujillo, Perú, em 10 de março de 1996,12 por isso conhecido como Protocolo de
Trujillo, foi instituído o Sistema Andino de Integração e adotado o nome Comunidade Andina. À estrutura
institucional já estabelecida juntou-se o Conselho Presidencial Andino (equivalente ao Conselho

11 Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142001000100004. Acesso em


11.jul.2013
12 O documento pode ser encontrado em http://www.comunidadandina.org/Normativa.aspx#. Acesso em 06.jun.2013.

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Europeu) e o Conselho Andino de Ministros de Relações Exteriores (que corresponde ao Conselho da


União Europeia). Ambos têm competência normativa, antes concentrada na Comissão da Comunidade
Andina. A Junta do Acordo de Cartagena, órgão técnico do Pacto Andino, tornou-se o Secretariado-
Geral da Comunidade Andina, com poderes administrativos e jurisdicionais.
Em 2001, o Conselho Andino de Ministros de Relações Exteriores editou a Decisão 500, que
regulamentou o funcionamento do Tribunal de Justiça Andino e estabeleceu o procedimento das
diversas ações relativas ao processo judicial comunitário, todas elas também inspiradas no modelo
processual europeu. Esta Resolução modificou o Tratado de Criação do Tribunal de Justiça, de 1984, que,
desde então, já se inspirara no Tribunal de Justiça Europeu, adaptando-o aos termos do Protocolo de
Trujillo.
Esta transposição simplesmente desconsiderou que, com o passar do tempo, o próprio Tribunal
de Justiça Europeu demonstrou não ser, absolutamente, essencial ao processo integracionista, pois este
depende, muito mais, de ações concretas e, portanto, de políticas públicas implantadas no âmbito
governamental de cada Estado. Depende também de conjunturas econômicas regionais e internacionais
favoráveis à integração e da percepção, por parte dos sujeitos afetados por este processo, de que um
sistema de integração econômica regional, interfronteiriço, é mais vantajoso e desejável do que aquele
estabelecido com terras mais distantes, mesmo que centrais ao sistema-mundo.
Mesmo que no Preâmbulo destes tratados possamos encontrar princípios e objetivos que
traduzem um percurso histórico e características sociais, culturais e políticas específicas e bastante
diferentes daqueles Estados europeus, o fato é que, histórica, social e culturalmente, os dois blocos de
Estados, continuam conectados, como o sistema jurídico evidencia. A análise de suas normas e decisões
judiciais permite dimensionar o quanto o substrato econômico que integrou estes dois continentes a
partir do século XV continua, até o começo deste século XXI, solidamente consolidado.
O Mercosul, embora resulte do mesmo contexto em que foram restabelecidas as instituições
comunitárias da América Andina e da América Central, o que também vincula sua instituição aos
preceitos do Consenso de Washington e às diretrizes negociadas na Rodada do Uruguai, diferencia-se, em
vários aspectos, dos organismos que o antecederam, ou seja, a ODECA e o Pacto Andino.
O Protocolo de Ouro Preto, que regulamentou o Tratado de Assunção ao estabelecer a
arquitetura institucional do Mercosul, estabelece, em seus dispositivos, ao menos no que se refere à
supranacionalidade das instituições comunitárias e à forma de internalização de suas normativas, um
procedimento bastante diverso daquele adotado pelas Comunidades Européias, pela Comunidade
Andina e pelo SICA. Com isso, podemos afirmar que, no Mercosul, o princípio da subsidiariedade,
embora não declarado, prevalece sobre o princípio da supranacionalidade dos órgãos comunitários,
uma característica, a meu ver, mais adequada aos Estados sul-americanos.
A necessidade de se estabelecer, na América, um modelo de integração regional diferente do
europeu envolve desde aspectos físicos elementares, tal como a falta de infra-estrutura de transportes e

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de comunicação entre os Estados sul-americanos, quanto aspectos de ordem histórica, como os graves
problemas socioeconômicos de seus países, que vão da extrema vulnerabilidade econômica e pobreza
de suas populações à insuficiência de desenvolvimento capitalista. Uma realidade, portanto, bastante
diferente da européia, mesmo depois da destruição promovida pelas guerras mundiais, fator que
justificou, no pós-guerra, a criação de estruturas supranacionais e um mercado comum entre os Estados
que sofreram os efeitos das disputas coloniais travadas entre eles.
Naquele momento, em 1950, e depois, em 1990, o sistema-mundo precisava ser reorganizado,
pois os Estados hegemônicos tradicionais perceberam o risco de serem superados pelas novas
hegemonias globais. Nestes momentos de crise, os projetos de integração entre Estados sul-americanos
voltam a ser suscitados e encorajados (CARNEIRO, 2010).

4. Princípios comunitários europeus e jurisprudência andina

O Pacto Andino, firmado em 1969, originariamente não previa um Tribunal Internacional. No


entanto, a partir de meados de 1970, as dificuldades em se implementar o direito comunitário derivado,
ou seja, as diretivas emanadas da Comissão Andina, às instituições dos Estados-Membros, acabou
levando à sua instituição.
As Decisões da Comissão Andina eram incorporadas ao ordenamento jurídico interno da cada
Estado-Membro mediante Decreto Presidencial. Setores empresariais dos Estados-Membros,
especialmente da Colômbia, argüiram perante a Suprema Corte da Colômbia, que normas de conteúdo
macroeconômico não teriam validade interna sem o controle prévio dos parlamentos nacionais, e seus
argumentos foram acolhidos (ALTER, 2011, 11). 13
O efeito desta decisão é uma norma interna poderia revogar ou ter primazia em relação ao
Direito Comunitário, medida tomada unilateralmente pelo Estado, o que praticamente tornavam
inócuas as normativas comunitárias, mesmo aquelas sobre as quais o Pacto detinha competência
exclusiva. Todo o sistema, enfim, seria desacreditado. Em face destas ponderações, a Comissão Andina
passou a defender a criação de um Tribunal Comunitário, que deveria garantir o cumprimento do
direito regional junto aos Estados-Membros. Esta conclusão levou a Comissão a consultar o Instituto
para a Integração da América Latina e Caribe (INTAL), órgão consultivo do Banco Interamericano
para o Desenvolvimento (BID), para que este órgão financeiro internacional emitisse um parecer sobre
o melhor modelo de tribunal para o Pacto Andino.

13Alter e Helfer (2011) também mencionam processo ajuizado perante a Corte Constitucional da Colômbia no qual o autor
requer que seja declarada a inaplicabilidade de normativas colombianas relativas à produção e comercio do álcool por serem
contrárias ao direito comunitário. A Corte negou o pedido do autor sob o argumento de que apenas as normas relativas aos
direitos humanos têm hierarquia superior às leis, o que não é o caso das normativas comerciais comunitárias, que seriam
equivalentes e não superiores às normas internas. Os autores comentam: “The Colombian Court adopted somewhat
abstruse reasoning, stating that community Law has ‘primacy’over conflicting national law, but suggesting that primacy
means that community law ‘displaces but does not abrogate o render non-executable’ confliticting national legislation’.” (p.
23)

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Sobre este episódio, Karen Alter e Laurence Helfer comentam:


INTAL is a research Center established by the Inter-American Development Bank in 1965 with
mission of promoting and consolidating regional integration. Its networks of consultants – many of
whom are part-time scholars – provides technical assistance to implement and enforce integration
policies. INTAL served as a conveyer belt for the transmission of European ideas into conversations
about integration in Latin America. At the time, many INTAL consultants had been educated and
trained in European universities, and they continued to attend pro-integration events in Europe.(…)
In June 1972, the Junta convened a Meeting of Experts that included INTAL consultants,
Professor Gerald Olivier (the Assistant Director of EC Legal Services), and ECJ Judge Pierre
Pascatore. Based on this meeting, the Junta prepared a draft of a treaty establishing the ATJ.
Representatives of the member states discussed the draft in November 1972, and December a joint
Junta-INTAL working group presented its proposals to the Commission. The proposal focused on
two key requirements: the doctrines of supremacy and direct effect, and a supranational mechanism to
review the legality of community acts. (…) It created an Andean judicial body to review the correct
interpretation os Andean rules by national judges […] (ALTER, HELFER 2011).

Apesar da decisão intergovernamental, no sentido de instituir uma Corte Comunitária, ter sido
definida em 1972, o Tribunal somente iniciou seus trabalhos em 1984.
Posteriormente, com o Protocolo de Cochabamba, de 1996, o Tribunal também foi
reestruturado conformando-se, definitivamente, com modelo europeu. O Protocolo de Cochabamba
foi regulamentado pela Decisão n. 500 do Conselho da Comunidade Andina, que instituiu o Estatuto do
Tribunal de Justiça da Comunidade Andina e seus ritos processuais.
A arquitetura institucional e processual do órgão judiciário supranacional sul-americano
transplantou para a região andina princípios e procedimentos que levaram tempo para ser concebidos
pela jurisprudência e pela doutrina européia. Seu surgimento tardio, em relação ao europeu, possibilitou
a consolidação, nos tratados da Comunidade Andina, destes institutos que, na Europa, foram
delineados com o tempo. Estes fundamentos jurídicos, portanto, também foram recepcionados pelos
órgãos comunitários andinos.
A jurisprudência do TJA ratifica os princípios do Direito Comunitário europeu e classifica as
fontes de direito comunitário em duas espécies: os tratados e protocolos, negociados e firmados em
conferências de cúpula, e incorporados segundo disposições constitucionais cada Estado; e as Decisões,
normas exaradas pelos órgãos comunitários aos quais o tratado constitutivo atribui competência
normativa, que a exercerá segundo os princípios e limites também estabelecidos pelo tratado
constitucional. Daí se falar de sua natureza fundamental, porém fundamental apenas na esfera do
organismo regional denominado União Europeia e aos seus Estados-Membros, mas não à Europa,
como às vezes pode parecer.
As Comunidades Europeias, de fato, deram origem a uma nova forma de elaboração e
incorporação de normas internacionais ao ordenamento jurídico dos Estados-Membros. Até então,
apenas a disciplina de elaboração e internalização dos tratados internacionais tinha sido objeto de
estudos e elaborações normativas, em face de sua prática costumeira nas relações entre povos e
Estados. No entanto, até então ainda não se havia conferido efeito coercitivo direto e imediato de

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normas internacionais no ordenamento jurídico interno, o que suscitou, até poucos anos atrás, muitos
debates acerca de uma possível relativização da soberania estatal.
Por se tratarem de normas de natureza diferente, e provenientes de fontes diferentes, o
procedimento para a elaboração de cada espécie também poderá ser diferente e é o que ficou
estabelecido pelos tratados originários das Comunidades Europeias.
A forma de incorporação dos tratados ao ordenamento jurídico interno é previsto nas
Constituições de todos os Estados da América do Sul, e a forma, em todos eles, se assemelha em
grande medida, exigindo-se, em praticamente todas as matérias, a autorização prévia dos parlamentos
para sua ratificação presidencial.
Quanto às normas derivadas dos órgãos comunitários, a forma e o momento de sua vigência
junto aos Estados-Membros são previstos pelo tratado constitutivo, que se antecipou às previsões
constitucionais neste sentido. Os Estados da Comunidade Andina, posteriormente, reformaram suas
constituições e incorporaram ao seu texto clausulas de abertura e reconhecimento do direito comunitário
secundário. São estas normas que dimensionam a participação, ou não, de órgãos públicos internos no
processo de internalização do direito da integração secundário.
Justamente em face dos eventos já mencionados, outro princípio comunitário europeu
recepcionado textualmente pelo direito de integração andino é o da sua primazia em relação ao direito
nacional, quando ambos tratarem da mesma matéria. Ficou firmado, portanto, que a lei interna apenas
prevalece sobre uma norma comunitária na falta de sua regulamentação pelos próprios órgãos
comunitários, ou seja, apenas quando, sendo necessária, não houver disposição comunitária aplicável à
questão. Na Comunidade Andina, este entendimento é possível até mesmo quando a matéria for de
competência exclusiva dos órgãos andinos, na sua ausência, aplica-se a lei nacional, pois nenhum
dispositivo do direito comunitário deverá ser interpretado no sentido de limitar a soberania do Estado
desconsiderando seu poder jurisdicional interno quando estas normativas são compatíveis com os
objetivos e princípios da integração regional.14
O princípio da aplicação direta do direito comunitário pelo juiz nacional também foi ratificado
pela jurisprudência andina, e, no caso concreto, percebendo-se o conflito entre uma norma comunitária
e uma interna, como já afirmado, prevalece a primeira.
Em face da aplicação do direito comunitário pelo juiz nacional, que conhecerá originariamente
da demanda, a Decisão 500 determina que toda ação fundamentada em normas do direito comunitário
andino devem ser, antes de definitivamente julgada a ação, previamente interpretadas pelo juiz
comunitário. Esta providência visa, conforme o direito europeu, criar um entendimento uniforme das
normativas comunitárias. Esta consulta do juiz ao TJA será facultativa, quando o processo ainda estiver
sujeito a recurso, mas será obrigatória, quando já estiver em último grau de jurisdição ou quando o caso

14 Ver nota 12.

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for de competência originária dos órgãos jurisdicionais superiores. Na consulta obrigatória o processo
original é suspenso. Daí no nome do incidente: Interpretação Prejudicial, isto é, ocorrida antes do
julgamento definitivo.15
5. Interpretações Prejudiciais e o principio da subsidiariedade

Se a partir de meados da década de 1970 até 1990 parecia haver bastante entusiasmo acerca das
instituições e, especialmente, dos tribunais supranacionais. Atualmente, a convicção sobre sua
necessidade e importância encontra-se abalada. De fato, o desenvolvimento das comunidades europeias
e do próprio direito europeu, na sua primeira década de existência, prescindiram da atuação do Tribunal
de Justiça Europeu. No entanto, acreditava-se que sua atuação seria essencial para que o direito
comunitário fosse respeitado pelos Estados e para que, uma vez aplicado pelo juiz nacional, sua
interpretação fosse uniforme em todos os Estados que compunham as Comunidades Europeias
(ALTER 2011, 3).
Para a primeira situação, as normas processuais comunitárias prevêem a Ação de
Incumprimento, e para a segunda, as Interpretação Prejudiciais, que são incidentes processuais
provocados quando normativas do direito comunitário são suscitadas perante o juiz nacional. Neste
caso, o juiz local ou o Tribunal nacional devem reenviar a matéria à manifestação do Tribunal de Justiça
Europeu, que deverá orientar o juiz da causa sobre a melhor interpretação e melhor forma de aplicação
da normativa em questão.
De início, entendia-se que, havendo qualquer pedido, feito no processo original, que fosse
fundamentado no direito comunitário, o reenvio da questão ao TJE seria obrigatória, que, sem entrar
no mérito do litígio, deveria proferir a interpretação e sugerir a aplicação mais adequada para a
normativa suscitada. Em razão do volume de questões que passaram a ser levadas ao TJE e,
principalmente, em razão da repetição freqüente das mesmas questões, o TJE decidiu, no
paradigmático caso CILFIT, de 198216, que quando o dispositivo comunitário for suficientemente claro,
ou no caso da questão já ter sido objeto de interpretação anterior e já estivesse, portanto,
suficientemente esclarecida, os tribunais nacionais não estavam obrigados a promover o incidente de
interpretação prejudicial, o que evitaria o retardamento da decisão definitiva em prejuízo da

15 Decisão 500 Conselho Andino. Artículo 121.- Objeto y finalidad. Corresponde al Tribunal interpretar las normas que
conforman el ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina, con el fin de asegurar su aplicación uniforme en el territorio
de los Países Miembros. Artículo 122.- Consulta facultativa. Los jueces nacionales que conozcan de un proceso en el que
deba aplicarse o se controvierta alguna de las normas que conforman el ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina,
podrán solicitar, directamente y mediante simple oficio, la interpretación del Tribunal acerca de dichas normas, siempre que
la sentencia sea susceptible de recursos en derecho interno. Si llegare la oportunidad de dictar sentencia sin que hubiere
recibido la interpretación del Tribunal, el juez deberá decidir el proceso. Artículo 123.- Consulta obligatoria De oficio o a
petición de parte, el juez nacional que conozca de un proceso en el cual la sentencia fuera de única o última instancia, que
no fuere susceptible de recursos en derecho interno, en el que deba aplicarse o se controvierta alguna de las normas que
conforman el ordenamiento jurídico de la Comunidad Andina, deberá suspender el procedimiento y solicitar directamente y
mediante simple oficio, la interpretación del Tribunal.
16Disponível em: [http://eurlex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61981CJ0283:EN:HTML] Acesso em

20.jul.2013

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administração da Justiça. Esta nova disposição, trazida pela jurisprudência comunitária, ficou conhecida
como “teoria do ato claro” e “teoria do ato esclarecido” (CARNEIRO 2007).
A questão da obrigação ou da faculdade do juiz local em submeter a questão ao Tribunal
Comunitário foi o principal debate travado durante a decisão proferida na Opinião Consultiva n.
1/2007 pelo Tribunal de Revisão do Mercosul, o que se justifica pelo fato do Mercosul ter optado por
uma sistemática diferente daquela adotada pela União Europeia e pela CAN, posto que, como o nome
indica, a Opinião Consultiva mercosulina, segundo a sistemática adotada pelo Protocolo de Olivos,
além do juiz não estar obrigado a submeter a norma à interpretação do TPRM, a sentença proferida é
insuscetível de vincular o juiz que a suscita17.
A análise das Interpretações Prejudiciais proferidas pelo TJA permite-nos avaliar que,
indubitavelmente, o procedimento de reenvio ao tribunal comunitário deveria recepcionar também o
princípio do ato claro e esclarecido, o que evitaria a profusão de decisões praticamente idênticas como
as que têm sido proferidas pelo Tribunal no procedimento de Interpretações Prejudiciais.
A constatação permite-nos, inclusive, ponderar sobre o papel dos tribunais supranacionais nos
organismos de integração regional: os tribunais permanentes seriam, mesmo, necessários ao
desenvolvimento do bloco ou os tribunais deveriam ser uma conseqüência, uma necessidade a ser
demandada pelo próprio processo de integração? O reenvio necessário, imposto antes mesmo da
consolidação de um direito comunitário, não contrariaria o princípio da subsidiariedade, relativo aos
órgãos supranacionais? O princípio determina que a interveniência do órgão comunitário seja feita
apenas nos casos em que as instituições nacionais ou locais não possam fazê-lo de forma mais adequada
e eficaz. Ora, os juízes e tribunais nacionais devem ser presumidamente aptos à compreensão e
aplicação do direito de integração sem que seja necessária e obrigatória a suspensão do processo
original para a apreciação da questpelos juízes comunitários.
Neste aspecto, o Mercosul encontrou uma solução, acredito, mais adequada e eficaz: a criação
do Fórum de Cortes Supremas do Mercosul, que, em encontros regulares, tem debatido a melhor forma de
cooperação jurídica entre os Estados e também contribuído para a harmonização do entendimento e
cumprimento do novo direito de integração regional, principalmente no que concerne à cooperação
jurídica horizontal, ou seja, aquela que se dá entre órgãos administrativos e judiciais dos Estados-
membros do bloco comunitário, mecanismo que atende mais adequadamente ao preceituado pelo
princípio da subsidiariedade.

6. Direito Comunitário Andino e interpretações prejudiciais: para quem?

17 O Relator da OC n, 1/2007, Dr. Wilfrido Brix justifica, em seu voto, sua opinião a este respeito, combatendo a mera
faculdade do juiz. Afirma, inclusive, que prefere o sistema da CAN, que não recepcionou a tese do ato claro e esclarecido.
Disponível em: [http://www.mercosur.int/innovaportal/file/PrimeraOpinionConsultiva-
Versionfinal.pdf?contentid=377&version=1&filename=PrimeraOpinionConsultiva-Versionfinal.pdf]

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Conforme reportado anteriormente, apesar da obrigatoriedade do tribunal nacional de submeter


ao Tribunal de Justiça da Comunidade Andina a interpretação da norma comunitária que fundamenta o
pedido original, dentre as decisões consultadas não pudemos encontrar nenhuma que tenha sido
suscitada por órgão judiciário local, mas apenas por órgãos administrativos estatais competentes para
decisões relativas a marcas e patentes. Como podemos explicar isto?
Um dos aspectos a ser levado em consideração é o reduzido escopo de matérias que estão sob
competência exclusiva do Conselho Andino, principal órgão normativo da CAN, como é o caso de
toda matéria sobre propriedade intelectual, que sobrepõe-se, em regulamentação, àquelas relativas à
concorrência, regime de origem e tributos incidentes sobre bens e serviços igualmente imprescindíveis à
criação de um espaço comercial integrado. .
Neste ponto, necessário pontuar que o direito de propriedade industrial e intelectual não era
reconhecido pelas normativas andinas vigentes antes de 1990, posto que a política econômica
preconizada pela Cepal incluía, além da substituição de importações pelo fortalecimento da indústria
local, também adotou critérios tendentes ao não reconhecimento de patentes sobre produtos
considerados essenciais ao desenvolvimento científico e tecnológico regional – condições para o seu
desenvolvimento industrial, uma política macroeconômica que incluía, também, o controle do capital
estrangeiro e a nacionalização da economia (não confundir, neste caso, com estatização, mas estímulo
às empresas estrangeiras para se nacionalizarem formando, com companhias nacionais, empresas de
capital misto)18.
A partir de 1991, esta regulamentação de inspiração cepalina foi revogada por determinação dos
acordos realizados entre os Estados andinos com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional,
que, ainda, coincidiram com o período em que também ocorriam as negociações da Rodada do Uruguai
do GATT. Surgiram outras Decisões que impuseram sensível flexibilização em relação às normas
anteriores e, a partir de então, foram criadas, nos Estados-Membros, as Agências Nacionais para
Registro de Patentes (HELFER 2009, PEREZ, 1998).19
Outro aspecto pode estar relacionado à resistência dos juízes locais e tribunais nacionais em
considerar as normas comunitárias derivadas dos órgãos normativos da CAN como supranacionais em
relação ao direito nacional ordinário, em matéria de competência concorrente.

18 Decisión 24/1970 da Comisión Andina sobre Régimen común de tratamiento a los capitales extranjeros y sobre marcas,
patentes, licencias y regalías; Decisión 85/74 sobre Propiedad Industrial (ver especialmente os seus arts. 4º e 5º). Após 1991
são editadas Decisões que flexibilizam o rigor das primeiras: Decisión 291/1991 e Decisión. 311/199, que revogam a
Decisión 24/70 e Decisión. 85/74, seguidas pela a Decisión 344/1994, que estabelece o Regime Común sobre Propiedad
Industrial, detalhado pelas Decisões n. 486/2000, 632/2005 e 689/2008. Todas estas normativas estão disponíveis no sítio
oficial da Comunidade Andina: [http://www.comunidadandina.org/Normativa.aspx#] Acesso em 30.jul.2013.
19 O Peru instituiu, em 1992, o Instituto Nacional de Defensia de La Competencia y de La Protección de la Propiedad

Industrial (INDECOP), que conta com um Tribunal com competência para litígios envolvendo direito de concorrência,
propriedade industrial e proteção do consumidor; no mesmo ano de 1992, a Colômbia instituiu a Superintendência de
Industria e Comércio (SIC). Em 1996, a Bolívia criou o Servicio Nacional de Propiedad Intelectual; em 1997, a Venezuela
criou o Serviço Autônomo de Propriedade Intelectual (SAPI); em 1998, o Equador instituiu o Instituto Equatoriano de
Propriedade Intelelectual (EIIP). (PEREZ 1998)

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Embora todas as Constituições vigentes na América do Sul recepcionem os tratados


internacionais ao seu ordenamento jurídico interno estabelecendo, inclusive, uma clara hierarquia
normativa entre tratados e normas constitucionais e infraconstitucionais - com exceção, sobre este
aspecto, à Constituição Federal brasileira que, até o momento, não deu tratamento adequado à questão
- a recepção das normas secundárias, isto é, aquelas emanadas de órgãos da CAN, tendem a ser
consideradas pelos tribunais andinos como equivalentes às leis nacionais e passíveis, portanto, de serem
revogadas por estas. Este entendimento confere, na prática, a primazia do direito nacional em relação
ao comunitário e não o contrário, como expressa o Acordo de Cartagena e o Tratado de Criação do
Tribunal de Justiça da Comunidade Andina. Este entendimento pode ser uma das evidências da
resistência arraigada, dentre os juízes locais, a um sistema internacional, em face, inclusive, dos seus
possíveis efeitos colonialistas. A tradição dualista, comum a todos os Estados sul-americanos, só tem
sido superada recentemente, quando as Constituições locais passaram a dar tratamento claro ao direito
internacional e ao direito comunitário em seus textos.
Justamente esta tradição sul-americana, reflexo da condição de ex-colônias, ou de resistência a
esta condição por parte dos Estados da região, é que demonstra a necessidade de se dar a devida
valoração jurídica ao princípio da subsidiariedade comunitária (e federativa), inclusive expressando-o
constitucionalmente, fator que poderá, finalmente, engajar os juízes e tribunais nacionais no projeto de
integração jurídica regional.
Sobre este aspecto, a ausência de provocações judiciais ao Tribunal Andino, Helfer aponta outra
questão a ser considerada: a possível debilidade do sistema jurídico e judiciário local, como fator
inibidor cooperação vertical entre tribunais locais e o TJA. Enfim, seria, justamente, a falta de tradição e
de estrutura do Poder Judiciário local, o que evidenciaria, não sua resistência, mas sua incapacidade em
responder adequadamente às questões decorrentes da integração comercial regional. Aponta, ainda,
muito propriamente a atuação dos juízes comunitários no sentido de maximizar sua atuação em
detrimento das Cortes nacionais, inclusive para justificar a existência do TJA. (HELFER 1997 apud
HELFER 2009).
Finalmente, e de certa forma correlata aos aspectos anteriormente mencionados, o que explica a
exclusiva atuação, por atribuição de competência, dos órgãos administrativos e de seus tribunais
especiais, recentemente criados nos Estados-Membros da CAN, para decidir sobre questões relativas à
propriedade intelectual e concorrência, pode evidenciar a permanência da condição comum a todos os
Estados que compõe a Comunidade Andina, ou seja, a de Estado periféricos ao sistema-mundo,
expressão de Wallerstein, posteriormente adaptada por Anibal Quijano, para descrever aspectos
relativos aos Estados sul-americanos, que o denomina, justamente, como sistema-mundo/colonial
(QUIJANO 2006).
É ainda esclarecedor constatar que os sujeitos das relações jurídicas originariamente aviadas
perante tribunais de contencioso administrativo e que dão ensejo às Interpretações Prejudiciais junto ao

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TJA são, quase que invariavelmente, multinacionais com sede nos países centrais, principalmente em
países europeus, que buscam o reconhecimento de direitos que, anteriormente, lhes eram, ao menos,
formalmente negados pelas Decisões comunitárias andinas. Este aspecto também é levado em
consideração pelo Professor Laurence Helfer, da Duke University e pela Professora Karen Alter, da
Northwestern University, ambas nos Estados Unidos (HELFER 2009, 9-12).20
Apenas para exemplificação, mencionamos alguns dos sujeitos requerentes no ano de 2009: a
indústria farmacêutica Lilly (81-IP-2009), Kraft Foods Holding (104-IP-2009); Hard Rock Café (78-IP-
2009), The Prudential Insurence Company of America (61-IP-2009), Kellog (4-IP-2009), Pfizer Ireland
Farmacêutica (70-IP-2009); Helena Rubinstein (72-IP-2009), Philips Morris Products S.A (80-IP-2009);
Smith Kline Beechan Biological S.A (83-IP-2009), Nestlé Societé dês Produits S.A (79-IP-2009),
Pharmabrands S.A e Soc. Merck and Co. (49-IP-2009), Laboratório Byly S.A (138-IP-2009), Sociedade
Fujisawa Farmaceutical (139-IP-2009), Soc. Abbot (94-IP-2009), Alcon (141-IP-2009). Temos muitos
outros exemplos que não serão aqui relacionados e sequer detalhados por fugir do escopo deste artigo.
Sobre este aspecto, a reforma no Acordo de Cartagena, em 1996, instituiu uma zona de
integração aberta e não propriamente protetiva como previa, originalmente, o Pacto Andino. Logo na
primeira alínea do seu art. 3º estabelece como seu objetivo fundamental a “profundización de la
integración con los demás bloques económicos regionales y de relacionamiento con esquemas
extrarregionales en los ámbitos político, social y económico-comercial”. Este mecanismo permite à
Comunidade Andina realizar acordos que ampliam a zona de livre-comércio para Estados ou
organizações comunitárias de fora da América do Sul, consolidando os tradicionais fluxos comerciais
que ligam a região preferencialmente a Europa e aos Estados Unidos em detrimento de seus parceiros
andinos ou mercosulinos. Esta opção foi condicionada em razão da forte ingerência de Estados
hegemônicos e dos organismos internacionais econômicos que formularam o denominado Consenso
de Washington sobre os Estados andinos, contribuindo para a readequação do sistema-mundo/colonial
e a manutenção dos seus desvios.21

20 Foi uma grata surpresa descobrir que as questões que levaram a esta pesquisa são muito similares aquelas que já tinham
sido objeto de problematização e investigação pelo Profesor Helfer e Profesor Karen, os quais tive a oportunidade de
conhecer no Encontro entre Cortes Comunitárias sul-americanas realizadas na Universidade de Buenos Aires, em 2011.
Dentre as questões que seus trabalhos procuram responder encontramos: “Why have Andeans judges and officials been
able to induce widespread respect for Andean rules in intellectual property but not in other areas of regional integration?
(…) We inquire, first, into the creation and protection of IP rights for private parties under the Andean legal system;
second, into whether national actors – in particular administrative agency officials – habitually implement Andean IP rules
as interpreted by Andean judges; and third, into whether individual member countries comply with ATJ rulings in the face
of contrary pressure by foreing interests (principally the United States and American pharmaceutical companies”.
(HELFER 2009, 3)
21 Sobre este aspecto, aponta Helfer: “By the late 1980s, a prevaisve crisis in Latin America had pushed the Andean Pact to

the brink os falilure. Using the substantial economic leverage that crisis engendered, the World Bank, the Inter-American
Development Bank, and Internactional Monetary Fund (IMF) pressed Andean governments to adopt a broad array of
liberalizing and deregulatory reforms. These reformsm known as the ‘Washington Consensus’ engendered fundamental
changes in how Andean countries regulated their economies. National governments – acting on their own and through
Andean institutions – adopted major policy reforms to achieve open, market-bases economies and creadted nes institutions
staffed by Western-educated professionals who endorsed these goals”. (HELFER, 209, 7-8). Mais adiante: “In the early

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7. Conclusão

Após a análise das Interpretações Prejudiciais proferidas pelo TJA, pudemos, finalmente,
enfrentar as questões que inicialmente justificaram este trabalho de pesquisa pois, originariamente, o
objetivo era dimensionar o desenvolvimento do direito de integração nos blocos comunitários sul-
americanos pela atuação dos seus tribunais justamente para detectar sua contribuição teórica ao
desenvolvimento do direito da integração e dos procedimentos de cooperação jurídica na América do
Sul.
A resposta a estas perguntas é que nos impõe repensar qual a arquitetura institucional necessária
à efetivação dos blocos de integração, em face da evidência que os tribunais permanentes são
dispensáveis a esta meta. Além disso, o reenvio necessário, conforme foi concebido e tem sido utilizado
não traduz uma prestação jurisdicional mais eficiente e adequada às partes litigantes em relação àquela
provida pelo juiz originário da causa, inclusive atrasa a prestação jurisdicional, pois, estando em último
grau de jurisdição, suspende o processo.
O reenvio necessário, no TJA, da forma como é tratado, leva a uma profusão de decisões com,
praticamente, o mesmo conteúdo, que, conforme mencionamos referem-se quase que exclusivamente
ao direito de marcas e patentes não traduzindo, de fato, inovações significativas ao processo jurídico
interno e comunitário em face do direito da integração, novo ramo do Direito.
Quanto ao aprofundamento da integração jurídica entre órgãos judiciais dos Estados-Membros
da CAN e seu Tribunal de Justiça, ou mesmo em relação à contribuição do TJA ao desenvolvimento de
institutos próprios ao direito comunitário sul-americano, o resultado também foi frustrante.
Pela atuação do Tribunal podia-se esperar que, tal como ocorreu nas Comunidades Europeias,
cuja Corte proferiu decisões prejudiciais paradigmáticas22, o TJA, ao interpretar e esclarecer o direito
andino, pudesse, inclusive, inová-lo, conferindo-lhe um caráter próprio, diferente daquele
desenvolvimento na Europa. No entanto, as Interpretações Prejudiciais demonstraram, neste sentido,
ser quase que completamente inócuas, pois tratam, essencialmente, de questões pacificadas pela
doutrina e jurisrprudência européia e confirmadas, com pequenas nuances de diferença, pelos juízes da

1990s, member states shifted course and adopted four Decisions that mandated progressively higher levels os IP
protection, These new regional laws refleted the market liberalization goals of the later phases of the Washington
Consensus. But other factors reinforced the impetus for change: the inclusion of IP rules in the Uruguay Round of
multilateral trade negotiations and threats of trade sanctions by the United States.” (HELFER, 2009, 10) (…) “As of 1994,
although Andean IP rules were consistent with TRIPS, they fell short of the demands of U.S IP rights holders for more
capacious IP protection. The United States and its IP industries responded by pressuring individual Andean countries to
negociate bilateral treaties and to enact domestic laws containing enhanced IP rules. These strategies caused some national
executives to defect from Andean rules, but (…) the ATJ and the General Secretariat proved to be hospitable forums for
the region’s generic drug industry to challenge these defections as violations of Andean Law. However, compliance with the
ATJ rulings upholding these challenges would not have occurred without the support of domestics IP agenciese, whose
restructuring was also a product of the Washington Consensus reforms. (HELFER, 2009, 10-11).
22 Por exemplo, o caso Van Gend em Loos, no qual o TJE proclamou o princípio da aplicação imediata do Tratado de

Roma e das regras de livre-mercado no ordenamento jurídico de cada Estado-Membro da CEE; e o caso Simenthal, no qual
foi fixado o princípio da aplicação direta e imediata do direito comunitário pelo juiz nacional, são clássicos.

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CAN. Não há, portanto, qualquer construção de institutos novos e específicos, próprios do direito da
integração regional.
Quanto à sua contribuição ao desenvolvimento da cooperação judicial vertical e horizontal,
esclarecendo questões processuais relativas ao processo internacional ou comunitário, apesar da
previsão do seu Estatuto, esta cooperação simplesmente não existe. Enfim, nada do que se poderia
esperar, tendo em vista um ambiente de integração, o que impõe repensar sua estrutura, processo e
composição.
Nestes aspectos, que poderiam ser relevantes ao desenvolvimento do direito da integração na
América do Sul, os Tribunais Comunitários da região, TJA e TPRM, não cumprem o papel que deles se
poderia esperar, que é de, ao menos, contribuir para o desenvolvimento do direito da integração sul-
americano.

Referências
ABENSOUR, Miguel. La democracia contra el Estado. Buenos Aires: Ediciones Colihue, 1997.
ALTER, Karen; HELFER, Laurence R.; SALDÍAS, Osvaldo. Transplanting the European Court of Justice: the
experience of the Andean Tribunal of Justice. Oñati International Institute for the Sociology of Law. Social-Legal
Series, v. 1, n. 04, 2011, p. 1-30.
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Administrativo. Rio de Janeiro, p. 21-54, abr/jun, 1995.
CARNEIRO, Cynthia Soares. Integração alternativa na América do Sul: teoria e método de análise de sua
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O Parlamento do Mercosul: órgão difusor da
integração regional

Fabiana Augusta Ferreira Lima


Mayra Thais Silva Andrade
I. Introdução

O
estreitamento das relações internacionais pode ter como uma de suas consequências a
criação dos blocos econômicos de integração regional e, geralmente por questões
geográficas, há a formação de blocos regionais que se dispõem a seguir o Direito da
Integração Regional e estabelecer as suas regras regionais para promover a circulação, proteção e
manutenção das riquezas e investimentos políticos entre os membros do bloco para potencializar as
suas economias e o comércio em função de maior visibilidade no âmbito do sistema internacional.
O Mercosul é um dos blocos de integração regional de importante visibilidade no âmbito da
dinâmica das relações internacionais. Criado em 1991 com intuito de impulsionar as economias dos
seus membros bem como para reduzir as desigualdades sociais que assolam sua sociedade verifica-se
que o desenvolvimento da integração regional no bloco depende de uma dinâmica não apenas política,
mas também normativa e democrática e, neste sentido, o bloco instituiu o compromisso democrático
em 1998 através do Protocolo de Ushuaia.
Neste sentido, sobre a democracia na integração regional tem-se que a partir da década de 90 do
século passado os Estados da América do Sul apresentavam instabilidade política muitos países
passaram por um processo de redemocratização pós-ditaduras que assolaram a maioria dos governos
latinos (períodos de práticas nacionalistas e por vezes protecionistas em razão do déficit econômico-
financeiro dos países periféricos frente às práticas liberais dos países centrais), assim, percebe-se que a
maioria dos processos de integração regional ocorreu em concomitância às mudanças políticas, crises
econômicas e sociais.
Assim, o presente artigo visa analisar o processo de expansão da atuação representativa no
Mercosul através do Parlamento do Mercosul (Parlasul), como o órgão capaz de aproximar a sociedade
civil da dinâmica da integração, vez que aquele é o órgão responsável por difundir a discussão de
demandas econômicas, sociais, culturais e políticas através do diálogo entre os diversos atores
envolvidos.

II. Democracia e representatividade contemporânea e a expansão do parlasul

Na segunda metade do século XX, insta salientar que as novas tecnologias surgidas como o
rádio, televisões e outros aparelhos de comunicação favoreceram a troca de informações entre os
Estados e suas sociedades. Assim, o ambiente tornou-se propício para a formação de grupos de
interesses e organizações não governamentais na sociedade civil propondo o debate entre governo e
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 466

cidadãos sobre diversos temas como relação de trabalho; meio ambiente; participação política; entre
outros.
Ressalta-se que a discussão sobre a expansão da democracia na segunda metade do século XX
estava fundamentada na sua configuração estrutural e sua relação com cidadãos (voto, participação).
Neste passo estava presente a tensão no debate entre a estrutura do capitalismo e da democracia no que
se refere à capacidade distributiva da democracia frente aos aspectos individualistas e liberais do
capitalismo.
Haveria, portanto, uma tensão entre capitalismo e democracia, tensão essa que, uma vez
resolvida a favor da democracia, colocaria limites à propriedade e implicaria em ganhos distributivos
para os setores sociais desfavorecidos. Os marxistas, por seu lado, entendiam que essa solução exigia a
descaracterização total da democracia uma vez que, nas sociedades capitalistas, não era possível
democratizar a relação fundamental em que se assentava a produção material, a relação entre o trabalho
e o capital. Daí que, no âmbito desse debate, se discutissem modelos de democracia alternativas ao
modelo liberal: a democracia participativa (...). (SANTOS; AVRITZER, 2002, p.3 introdução).
A importante questão levanta sobre a participação dos cidadãos na vida política de seu país seria
um novo desafio e ao mesmo tempo o novo desenho para o avanço da democracia, principalmente nos
países em desenvolvimento em que as demandas da sociedade devem ser expostas e encaminhadas
pelas sociedades locais aos seus governos a fim de reduzir as desigualdades existentes.
Ao fim da Guerra Fria houve uma intensificação dos processos democráticos nos governos,
mas, principalmente na forma da democracia de baixa intensidade, ou democracia apenas
representativa. Assim, a prática democrática restringia-se no exercício do direito ao voto em um
representante candidato a algum cargo no governo seguindo a ideologia de uma legenda ou coligação
política. A grande barreira a ser superada para que o poder fosse exercido pelo povo soberano era o
pensamento político de que a democracia é o voto e nada mais além. Juntando isto ao fato de que as
corrupções e falta de transparência dos governos neste período desacreditava os cidadãos de que
estariam sendo representados por alguém no governo de seu país.
Em meio às discussões sobre a democracia e suas implicações nas estruturas governamentais
tem-se o seu grande trunfo, pois aquela permite a criação de espaços onde se podem problematizar em
público às condições de desigualdade da esfera privada e assim permite-se aos indivíduos questionar sua
exclusão das ações governamentais (SANTOS; AVRITZER, 2002). Assim, defende-se a ideia de
participação dos cidadãos num discurso racional para a formação de normas-ações (HABERMAS,
1995) favorecendo a construção do pluralismo político no qual o exercício do poder emana dos
métodos de argumentação, mobilização social e participação coletiva da sociedade envolvida.
O diálogo entre a representação e a participação local faz da democracia um instrumento de
aproximação entre as demandas culturais, sociais, econômicas e políticas existentes na vida dos
indivíduos e o seus governantes, numa estrutura crescente que vai desde os governos locais, passando

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pelos estados até alcançar o âmbito do governo federal. Exemplos dessa ação comunicativa percebem-
se na formação de conselhos da sociedade civil e fóruns de discussão entre governados e governos.
Ressalta-se que a organização dos indivíduos por direitos civis, manifestações contra as guerras,
movimentos pela paz, pela saúde do meio ambiente e por Direitos Humanos, em prol de cidade, seu
estado e seu país amplia as condições de melhoria das situações de desigualdades sociais e déficits
econômicos que assolam a maioria dos governos, principalmente os governos da América Latina.
Verifica-se a ampliação da participação popular no ambiente político da América Latina,
principalmente, após o movimento de redemocratização em vários países ocorrido no final dos anos 80
e início dos anos 90 do século XX em que houve maior conscientização das populações sobre a
necessidade do diálogo e participação dos cidadãos para que suas demandas fossem objeto de análise
pelos governos e, desta forma, atuarem de modo a expandir a prática democrática para além do voto
eleitoral.
As práticas de participação da sociedade civil no âmbito latino-americano são percebidas nos
países como o Brasil, na criação de conselhos, e mecanismos de orçamento participativo, assim como
estes foram criados pelos governos da Argentina, Peru e Venezuela.
Assim, tem-se a inserção de novos atores no cenário político contemporâneo que participam,
questionam e exigem medidas eficientes e esclarecedoras para sua população, deste modo a cidadania se
faz presente no processo de construção do diálogo entre Estado e sociedade tal participação ampliada
nos processos decisórios representa um ganho político e social. Tais pontos positivos e favoráveis ao
avanço da democracia são reconhecidos por Boaventura de Sousa Santos e Leonardo Avritzer ao
afirmarem que “em geral, estes processos implicam a inclusão de temáticas até então ignoradas pelo
sistema político, a redefinição de identidades e vínculos e o aumento de participação, especialmente no
nível local” (SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 26 introdução).
Sobre a democracia na integração regional tem-se que a partir da década de 90 do século
passado os Estados da América do Sul apresentavam instabilidade política muitos países passaram por
um processo de redemocratização pós-ditaduras que assolaram a maioria dos governos latinos
(períodos de práticas nacionalistas e por vezes protecionistas em razão do déficit econômico-financeiro
dos países periféricos frente às práticas liberais dos países centrais), assim, percebe-se que a maioria dos
processos de integração regional ocorreu em concomitância às mudanças políticas, crises econômicas e
sociais.
Em 1988, Brasil e Argentina formalizaram uma Comissão Parlamentar Conjunta de Integração
para promover a democracia junto à atuação executiva além de agilizar os processos de integração dos
Tratados firmados em favor da cooperação regional incipiente. Após negociações instituiu-se o
Mercado Comum do Sul (Mercosul) em 1991, com vistas ao desenvolvimento econômico e político
internacional dos Estados Membros. Criou-se a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) para promover
a cooperação normativa entre os parlamentos nacionais e promover discussões sobre Direitos

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Humanos, Meio Ambiente, Cultura, Democracia, regulamentando essas áreas para instituir garantias e
obrigações no processo de integração.
Apesar dos esforços a CPC não logrou êxito em suas atividades tampouco agilizou os
procedimentos de integralização das normas, sendo necessário seu remanejamento funcional para dar
prosseguimento às ações do bloco. Para a promoção e defesa da democracia no âmbito do Mercosul,
foi assinado em julho de 1998 o Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul,
Bolívia e Chile, favorecendo, assim, a expansão dos propósitos delineados posteriormente ao Parlasul.
O Protocolo Constitutivo do referido parlamento foi aprovado pela Decisão nº 23 de 09 de
dezembro de 2005 do CMC, que prevê as funções do PARLASUL, sendo estas: o fortalecimento da
cooperação entre os parlamentos dos Estados Membros; agilizar a incorporação das normas do
Mercosul ao ordenamento jurídico interno dos Estados Membros; propor projetos de normas ao CMC,
elaborar estudos e anteprojetos de normas nacionais; a representação dos interesses dos cidadãos do
bloco; zelar pela democracia no bloco (SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA DA
REPÚBLICA, 2007). Verifica-se, assim, que não há no Parlasul a função legislativa, atuando este sob o
crivo do posicionamento dos chefes de governo (MALAMUD e SOUSA, 2005).
Os parlamentares são indicados para assentos permanentes proporcionais à população dos
Estados representados do Mercosul e, o artigo 6º do Protocolo Constitutivo do Parlasul dispõe que
haverá eleições diretas, universais e secretas, para que os cidadãos elejam seus representantes que
atuarão durante um mandato de quatro anos, e poderão ser reeleitos (MAZZUOLI, 2009).
Sobre a participação de grupos políticos, conforme o Regimento Interno (PARLAMENTO
DO Mercosul, 2007) do Parlasul, um grupo político deve ser integrado por pelo menos 10% de todo os
parlamentares, se todos são da mesma nacionalidade; ou apresentar no mínimo cinco parlamentares,
caso mais de um Estado-membro esteja representado.
Ressalta-se que o Parlasul encontra-se na fase final de transição (de 1º de janeiro de 2011 até 31
de dezembro de 2014) e, conforme seu Protocolo Constitutivo (MAZZUOLI, 2009) está previsto que
até 2014 os Estados Membros devem promover suas atividades eleitorais com vistas a possibilitar que
os parlamentares destinados aos mandatos no Parlasul sejam eleitos de forma direta pelos cidadãos.
Discute-se sobre quais as implicações dessas eleições diretas ou até mesmo sua funcionalidade
no âmbito dos Estados Membros por possuírem tradição democrática recente, assim, afirma Dabène
(2004): “A ausência de tradição parlamentar na região, e o descrédito profundo que atinge as classes
políticas, fazem duvidar do poder de legitimação do Parlamento.” (DABÈNE, 2004, p. 127, tradução
nossa).
O Parlasul possui comissões permanentes especializadas em temas diversos relacionados à
demanda da sociedade mercosulina. Tal órgão atua, ainda, em parceria com outros do Mercosul. Neste
sentido, o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) possui função consultiva junto ao Parlasul,
possibilitando um equilíbrio processual entre os órgãos, salientando que o TPR deverá seguir suas

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competências previstas em seu protocolo constitutivo (RIBEIRO, 2008). Suas funções se


complementam, sendo uma a propositura de normas e outra a sua aplicação na solução de
controvérsias diante dos casos apresentados à Corte na região sul-americana. A relação entre os dois
órgãos é fundamental para a expansão da integração, pois ambos representam a institucionalização
judiciária e legislativa no âmbito do Mercosul, sendo fruto do Programa de Trabalho “Mercosul
Institucional” 2004-2006 proposto pelo CMC na Decisão nº 26/03.

III. Desafios do Parlasul

O Tratado de Assunção (TA) assinado entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai em 26 de


março de 1991, e o Protocolo de Ouro Preto (POP) de 14 de dezembro de 1994, constituem a principal
base jurídica do processo de integração no Mercosul.
Com a ascensão do POP procedeu-se à divisão de poderes e responsabilidades para que a
estrutura institucional do Mercosul pudesse atuar de forma mais eficaz, resolvendo os problemas
complexos de tomada de decisão no TA. No entanto, o Conselho de Mercado comum (CMC) e o
Grupo de Mercado Comum (GMC) estão estruturados numa base intergovernamental, negando uma
transposição de competências comunitárias para um sistema supranacional.
Os problemas enfrentados hoje, no Mercosul, são proveniente da escolha do modelo
intergovernamental, e não supranacional, o que representa a principal característica da "divisão de
poderes" no bloco. Argumentou-se também, que a progressão das instituições do bloco para um
sistema supranacional seria uma possível solução para a falta de institucionalidade que gera um déficit
democrático no Mercosul (VENTURA,D.2003,p.101). Sob a questão institucional, Gonzalez, Balmelli e
Scavone, afirmam que existe uma necessidade de "proporcionar um Mercosul com segurança jurídica,
(...) para unificar os sistemas legislativos e superar o déficit democrático que está presente nos processos
de criação de órgãos supranacionais (GONZÁLEZ, C. A.; BALMELLI, C. M.; SCAVONE, R. M. G
2000,p140, tradução nossa) .
Nesse contexto, o Parlasul é apresentado como um novo elemento na estrutura mercosulista
que poderá mudar a dinâmica institucional intergovernamental criada pelo Protocolo de Ouro Preto e o
Tratado de Assunção, ao promover a separação de poderes e a inclusão de atores sociais no processo
de integração.
A criação de um Parlamento do Mercosul - Mercado Comum do Sul causou intenso debate nos
meios acadêmicos, políticos e jurídicos da região. Além do ceticismo com que muitos viram o Mercosul
desde o nascimento, e que muitos ainda observam, o bloco tem demonstrado uma notável capacidade
de sobrevivência, dada a instabilidade política e econômica nos países membros.
A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) foi substituída pelo Parlamento do Mercosul, que
também tem outras funções (preparar e publicar um relatório anual sobre a situação dos direitos
humanos nos Estados membros, fazer relatórios para os outros órgãos, receber solicitações particulares
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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 470

dos Estados-Membros relacionados a atividades ou omissões do Mercosul e emitir declarações).


Embora o "Parlamento" não é uma instituição altamente perfilada com poder de decisão, o simples fato
dos deputados poderem ter o direito ao voto e a deliberar sua participação no Mercosul, irá instalar um
diálogo político social na agenda institucional e cidadã mercosulista.
A criação de um verdadeiro poder legislativo, através da criação de um parlamento pode
preencher o processo de lacunas graves do Mercosul.
Atualmente, um dos maiores problemas do Mercosul é a ausência de um sistema institucional
formado sobre os princípios do Direito Comunitário e supranacional.Um processo que define apenas
uma estrutura essencialmente intergovernamental não permite a realização de um mercado comum.
Onde se encaixa o Parlasul no meio de um sistema mercosulista com caráter
intergovernamental? Os problemas expostos ante a ausência de um sistema supranacional y um
consenso como procedimento geral na tomada de decisões provoca a debilidade do processo de
integração. Que se espera do Parlasul? Que incite o processo de integração. Como? Não repetindo os
erros do passado... É hora de equilibrar o peso dos poderes executivo e legislativo, que não podem
romper a lógica intergovernamental que estagnou a região com discussões e negociações
particularizadas desde a perspectiva de cada país.
São muitos os desafios do Parlamento do Mercosul, e um dos mais importantes para a
construção da cidadania é garantir uma, mesmo que mínima, representação regional equilibrada.Para
que o Parlamento tenha um caráter diverso dos demais órgãos do bloco será necessário a construção da
representação cidadã .
Os problemas causados pela ausência da supranacionalidade e o consenso como procedimento
geral na tomada de decisões levam a uma debilidade no processo de integração. O consenso ou
unanimidade, não poderia ser aplicado como procedimento majoritário, embora pudesse existir como
uma ferramenta para decisões mais complexas, como é o caso por exemplo dos critérios de
representatividade e de proporcionalidade de cada Estado-Membro no Parlasul a partir de 2011. Hoje,
o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, têm, cada um, 18 representantes da instituição.
No entanto, desde, 1 de janeiro de 2011, cada país possui uma comissão para o Parlasul eleita
em proporção à população.
O Parlasul é caracterizado como a nova ferramenta para impulsionar a integração regional
mercosulista e alcançar a construção do modelo de livre mercado comum previsto no artigo 1 º do
Tratado de Assunção em 1991.
O Parlamento introduz um novo projeto na integração do Cone Sul não sendo tarefa exclusiva
dos governos, mas também dos atores envolvidos no processo. É hora dos parlamentos nacionais e da
sociedade civil acordarem e observarem os aspectos importantes da integração regional, fortalecendo o
papel da cidadania, como fonte de perspectivas e de progresso para o exercício pleno dos governos
locais.

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IV. Considerações finais

O Parlasul deve refletir uma atitude positiva até configurar um ordenamento jurídico próprio,
ajustado nos valores do Estado democrático de Direito e os princípios fundamentais para a convivência
humana.
Para a concretização do Parlamento do Mercosul deve considerar algumas questões levantadas
pelos sistemas internos dos Estados-Membros, especialmente no Brasil e no Uruguai, que não
reconhecem a possibilidade de alcançar um processo com características supranacionais. Além disso, a
composição do Parlamento é muito dificultada por assimetrias territoriais e as populações dos Estados
Partes, o que resultou em grandes esforços para obter a aprovação de um sistema de votação
ponderada. Estas questões, somado à inércia governamental, fazem um projeto Mercosul parlamentar
considerado elemento de segunda classe favorecendo a debilidade do processo de integração na região.
Note-se que a responsabilidade de promover o projeto de integração do Cone Sul não é a única
tarefa dos governos, mas também dos atores sociais envolvidos no processo. Portanto, os parlamentos
nacionais, em consonância com o Parlasul devem assumir uma posição mais ativa para os interesses
mercosulistas.
A carência de uma efetiva participação social e generalizada e, as questões parlamentares de
cooperação e integração entre os Estados podem ser considerado como um elemento presente no
sistema político do Mercosul, criando uma "cultura" de indiferença em relação a problemas na sub-
região.
A consolidação do Parlamento do Mercosul, como legislador e como instituição de controle,
permitem que o sistema institucional conheça um maior grau de interdependência com os governos
nacionais, o que resultará,ainda a longo prazo, na criação de um espaço comunitário cujas normas serão
preponderantes sobre os ordenamentos nacionais.
Gerardo Caetano (2004), relata
[…] la urge necesidad de instituir una agenda social en el bloque del MERCOSUR. << debe
reconocerse que la inexistencia de una << agenda social>> constituye una de las grandes carencias
del MERCOSUR hasta el presente. Parece necesario dotar a la participación de la sociedad civil de
<< más MERCOSUR>>, es decir, propiciar foros y otros espacios de interrelación que involucren
a los más diversos sectores y actores sociales de los países del bloque, ampliando los niveles de
información y participación en los distintos temas (políticos, económicos, sociales, culturales) que
atañen al proceso de integración en sus núcleos más sensibles.

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Parcerias para o desenvolvimento na tríplice
fronteira e a integração regional sul-americana:
a atuação do Parque Tecnológico Itaipu

Felipe Cordeiro de Almeida1

A
articulação de diferentes atores sociais e de Estado é fundamental à integração regional. Na
região da tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai o Parque Tecnológico Itaipu
(PTI) tem desenvolvido uma série de parcerias e projetos para aprofundar a integração e
promover o desenvolvimento. A relação entre integração regional e desenvolvimento está no centro
dessa questão debate.
O PTI é uma instituição manifestadamente voltada para o desenvolvimento, principalmente o
desenvolvimento da região na qual está inserida. Aliado a isso, o parque está instalado no terreno
pertencente à margem brasileira da Usina Hidrelétrica de Itaipu. O PTI, necessariamente, pela região na
qual está inserido, e pelo caráter plural e inovador das suas iniciativas acaba por extrapolar as limitações
das fronteiras nacionais.
A pergunta a qual o presente artigo busca responder, entretanto, não pode ser respondida
apenas pelo evidente caráter transnacional e transfronteiriço das atividades do parque. Ao extrapolar as
limitações das fronteiras nacionais os projetos desenvolvidos pelo parque, ou por ele apoiados,
contribuem para a integração regional sul-americana? O presente artigo contribui com o debate acerca
da importância desse ator no sentido de apontar que sua contribuição chega a tanto. Sendo assim,
poderíamos classificar o PTI como um ator da integração regional, como um daqueles normalmente
apontados como “novos atores”.
Uma das explicações para que os chamados novos atores ganhem espaço no plano internacional
é a perspectiva de que essas novas agendas só poderiam ser tratadas por estruturas mais modernas e
flexíveis que os velhos Estados-nação. No caso que analisamos, o desafio do desenvolvimento regional
e suas múltiplas facetas e temáticas. Podemos chamar essa concepção como característica dos
chamados por Held e McGrew (2001) como “Globalistas”, em seu estudo acerca dos prós e contras da
globalização.
De acordo com a definição dos autores, a nossa pesquisa poderia ser classificada como “Cética”
em relação aos efeitos e abrangência da globalização contemporânea, pois, apesar de reconhecer a
relevância e influência das perspectivas globalistas, vê com cautela e ceticismo a percepção de que o
Estado-nação seja uma instituição decadente. A vital dependência e ligação do PTI com empresas e
instituições de Estado nas suas atividades seria uma demonstração dessa tendência. Como temos

1Professor de Relações Internacionais da Faculdade Anglo Americano de Foz do Iguaçu, Mestre pela Instituto de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 474

demonstrado, essa instituição modernizou-se. Ao tratar de novas agendas no plano internacional, tratou
de aliar-se com outros atores da sociedade e níveis de governo, adaptando-se às demandas referentes às
necessidades do desenvolvimento e da integração.
A valorização da questão do desenvolvimento, e, das diversas temáticas ligadas a ele, deram-se
no momento no qual as relações internacionais passaram a ser entendidas como espaço para o
tratamento das mais diversas questões por um maior número e diversidade de atores. Segundo Barbé
(2007) esses diversos atores seriam empresas públicas e privadas, organizações não-governamentais,
governos subnacionais, partidos políticos, sindicatos, movimentos sociais, instituições de pesquisa e
ensino etc. O Parque Tecnológico Itaipu e seu caráter jurídico de Fundação estaria inserido nesse
processo.
O objetivo da pesquisa desenvolvida foi apontar se o PTI tem contribuído para a integração na
tríplice fronteira e na América do Sul. Sendo assim, investigamos suas as atividades como articulador e
promotor de esforços de diferentes atores da sociedade civil e níveis de governo da tríplice fronteira e
de outras regiões sul-americanas para o desenvolvimento. As parcerias articuladas pelo parque possuem
capacidade de promover interdependências e desenvolvimento regional. Dentre esses parceiros
podemos citar governos subnacionais, universidades, organizações não-governamentais, agências
governamentais, associações empresariais, ente outros.
A contribuição do presente artigo só foi possível graças a um conjunto de entrevistas e visitas
realizadas pelo autor ao parque e a três setores de relevante atuação internacional do PTI: educação,
empreendedorismo e turismo. A escolha por iniciar a nossa incursão às atividades do parque pela área
da educação é a sua íntima ligação com as origens da instituição e principais parceiros. A própria
concepção de que a educação e a formação de mão de obra altamente qualificada estariam intimamente
ligadas ao desenvolvimento regional é muito cara ao parque, segundo os entrevistados.

Educação, desenvolvimento e as origens do PTI:

A área de educação do PTI destaca-se como primeiro conjunto de projetos focados na


promoção do desenvolvimento regional ligados à margem esquerda (lado brasileiro) da Itaipu
Binacional. Os projetos de educação antecedem a própria existência do PTI, e, remetem à iniciativa de
funcionários de Itaipu de buscar alternativas para promover a região que circunda a usina. O panorama
identificado por esses pioneiros, dentre os quais está o atual superintendente do PTI, era de uma região
de população de baixa qualificação e da ausência de profissionais formados em áreas como engenharia e
tecnologia da Informação. Essa realidade evidenciava-se em setores de domínio técnico e científico dos
quadros funcionais da usina no final dos anos 1990, funcionários esses trazidos de todo o país. Ou seja,
a usina apresentava-se como uma ilha de desenvolvimento e conhecimento em uma região que tinha
como principais atividades econômicas o agronegócio, e, sobretudo na região da tríplice fronteira, o
turismo de compras em Cidade do Leste, Paraguai.
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
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Conscientes de sua responsabilidade perante a sociedade local e o seu desenvolvimento, esses


funcionários passaram a doar seu tempo e dedicação à causa de gerar conhecimento em áreas como
Tecnologia da Informação, Engenharia Mecânica e Engenharia Elétrica. Para tanto, a iniciativa
concentrou-se em aproveitar os profissionais altamente qualificados contratados pela usina para a sua
construção e operação e trazidos de diferentes regiões brasileiras como professores em cursos de
graduação nas suas áreas de conhecimento. Surgiria então o Instituto de Tecnologia Aplicada e
Inovação (ITAI), que seria a organização civil sem fins lucrativos que reuniria os esforços desses
funcionários em articulação com a UniOeste (Universidade do Oeste do Paraná) e ITAIPU, na criação
dos primeiros cursos nas áreas exatas dessa universidade na região.
Surge assim a estratégia desenvolvida pelo ITAI, e, depois em 2006 com a sua criação,
apropriada pelo PTI de viabilizar e incentivar o surgimento de universidades e instituições educacionais
na cidade de Foz do Iguaçu com o objetivo de gerar massa crítica e mão de obra altamente qualificada
destinada a uma economia de inovação e empreendedorismo. Ou seja, desde os seus idealizadores no
final de década de 1990, a área de educação está ligada à Itaipu, seja de maneira indireta por meio dos
seus funcionários ou, direta, por meio da cessão de espaços, financiamento, doação de horas de
trabalho de seus funcionários, ou pela instituição do PTI. O trabalho da área da educação tem como
objetivo final criar condições para o surgimento de uma economia de tecnologia e inovação na região
de Foz do Iguaçu, e posteriormente em toda a região oeste do Paraná, bem como articular esforços
com instituições do Paraguai e da Província de Missiones na Argentina.
As principais estratégias da área de educação são:
a) viabilizar a criação e o desenvolvimento de instituições educacionais de nível técnico e
superior na cidade de Foz do Iguaçu, como, UniOeste, Instituto Federal de Tecnologia do Paraná
(IFTPR), Universidade Aberta do Brasil, Universidade da Integração Latino-Americana (UNILA);
b) viabilizar programas de treinamento e capacitação para agentes públicos como a Agência
Nacional de Águas e a Prefeitura Municipal de Foz de Iguaçu (aperfeiçoamento de professores da rede
básica de ensino via Núcleo Técnico Municipal), por meio do atendimento a editais públicos e parcerias
com instituições públicas em geral;
c) Formação de redes de instituições educacionais como as desenvolvidas em parceria com a
Universidade Nacional de Missiones, Argentina, que reúne universidades de Brasil, Paraguai e
Argentina, e a Rede Alfa3 em parceira com a Universidade Católica do Norte da Colômbia, que reúne
universidades de Brasil, Venezuela, Colômbia, Paraguai, Argentina e Itália.
d) atender à demanda da margem esquerda de Itaipu Binacional de treinamentos e capacitações
para seus funcionários e parceiros. Subsídio aos projetos de ciência e tecnologia desenvolvidos pelo PTI
e seus parceiros, como os projetos do Biogás, da planta de hidrogênio e do desenvolvimento de
baterias.

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Atualmente a cidade de Foz do Iguaçu caminha para se tornar um dos mais importantes polos
universitários da região sul to país e conta com importantes iniciativas de pesquisa que tem como base
profissionais formados nas instituições da região. Esse processo de formação de um importante parque
universitário consolidou-se por meio da expansão da Unioeste, a criação e vertiginoso crescimento da
Unila, a abertura do IFPR e da UAB, bem como, complementado pelas instituições privadas abertas,
principalmente, nos anos 2000. Excetuadas as instituições privadas, todas as demais surgiram com
suporte ativo do PTI, bem como possuem importantes atividades nas instalações do parque
(laboratórios, salas de aula, visitas técnicas, estágios).
Os recursos para as atividades da área de educação do PTI têm duas grandes fontes: em
primeiro lugar os recursos próprios do PTI, em especial em forma de material e de estrutura física; e em
segundo lugar, os recursos obtidos via financiamento público para os projetos diversos desenvolvidos.
Um importante aspecto destacado pelos técnicos da área de educação é que os recursos materiais e
humanos disponibilizados por meio dos projetos em seus financiamentos e parcerias atuam de maneira
conjunta de forma a criar uma sinergia entre esses, reduzindo custos e gerando eficiência em todos.
Segundo a gerente e técnicos da área, a atuação estaria atualmente atrelada à busca pela
articulação de diferentes atores locais, regionais, nacionais e estrangeiros no desenvolvimento de
projetos de educação que sejam de interesse ao desenvolvimento local de Foz do Iguaçu e institucional
do PTI. O suporte logístico e técnico-administrativo seria o principal ativo da instituição em suas
parcerias, devido à reconhecida expertise da área de educação em projetos inovadores. A marca PTI e
Itaipu é relacionada como outro importante ativo na atração e incentivo de atores da sociedade civil e
do Estado na mobilização de projetos de interesse do parque.
A área de educação do PTI, portanto, teria um papel de facilitadora e de suporte aos projetos
variados nos quais se envolve, atuando de maneira mais importante no processo de criação e
consolidação desses projetos, atuando posteriormente como um parceiro de suporte e articulação entre
atores. Essa tendência é presente até mesmo em projetos de sua iniciativa como Núcleo Técnico
Municipal (NTM) e a Universidade Aberta do Brasil (UAB), campus Darcy Ribeiro, com sede no
próprio PTI.
As suas atividades possuem importante capacidade de agrupar e articular atores da área da
educação da região na qual o parque está instalado, bem como de outras regiões da América Latina. Os
seus projetos possuem importantes parcerias com universidades estrangeiras latino-americanas na
promoção de projetos conjuntos e intercâmbio, fundamentais ao desenvolvimento regional e à
integração.

Educação como instrumento, cultura empreendedora como meta

A área de empreendedorismo do PTI tem objetivos semelhantes aos demais parques


tecnológicos do país. Apresenta-se como a área do PTI responsável por incentivar e dar suporte à
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cultura empreendedora bem como propostas de negócio inovadoras com capacidade de gerar
desenvolvimento sustentável. Para isso desenvolve duas formas de atividades distintas.
A primeira delas, e, provavelmente uma das atividades de maior visibilidade do PTI, é a
incubadora de empresas. São selecionadas propostas de negócio de alto potencial de geração de renda e
desenvolvimento regional para vaga na incubadora de empresas do parque.
As empresas incubadas recebem ajuda técnica e administrativa da área de empreendedorismo.
Esse suporte é dado, principalmente, no planejamento e estruturação de negócio via práticas
contemporâneas da administração e direito, de maneira a conterem ênfase de inovação e pensamento
estratégico.
O PTI apresenta preferência em negócios ligados ao desenvolvimento de novas tecnologias e
economia criativa, em especial nas áreas de interesse de Itaipu: Tecnologia da Informação,
Sustentabilidade, Água, Energia, Administração e Turismo. Apesar disso, não há impeditivos à presença
de negócios de outros setores e áreas na incubadora, desde que sejam boas ideias de negócios
inovadores. A incubadora já graduou sete empresas com a qual tem contato permanente, entretanto, já
teve outras quatorze empresas em sua incubadora.
Como importante incubadora, o PTI participa da Rede de Incubadoras de Empresas do Cone
Sul (RePABI) que possui como centro a cidade de Posadas (Província de Missiones na Argentina, por
volta de 200km distante de Foz do Iguaçu) e reúne incubadoras em um raio de mil quilômetros de
distância dessa cidade. A expectativa é aproximar as incubadoras para a troca de experiências e
contribuir para a criação e consolidação de novas incubadoras de empresas, bem como promover os
contatos e as oportunidades de negócios entre as empresas incubadas. A rede conta com incubadoras
de quatro países mercosulinos: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Importante destacar a importância da atuação integrada e complementar das diversas áreas do
PTI, já que em seu nascedouro, poucos negócios de caráter inovador eram possíveis devido à baixa
qualificação profissional da mão de obra da região. Cenário esse, diferente do atual de profunda
transformação nos níveis educacionais na região, em parte consequência da atuação do próprio PTI.
Ou seja, diferentemente de outros parques tecnológicos que surgem em regiões de alta concentração de
profissionais qualificados, o PTI foi criado em uma região de baixos índices educacionais nos anos
1990. Atualmente, a cidade de Foz do Iguaçu, além de concentrar um número crescente de projetos
universitários (podendo-se destacar a Universidade da Integração Latino-americana), possui alguns dos
melhores índices de educacionais de nível básico.
Diante da transformação recente no panorama educacional, bem como transformações
importantes na economia regional, os técnicos da área de empreendedorismo esperam um crescente
número de iniciativas empreendedoras de tecnologia e inovação.
De acordo com essas expectativas, a área de empreendedorismo desenvolve uma série de
atividades com instituições públicas e privadas no sentido de promover a cultura empreendedora e de

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inovação. Essa atuação externa ao PTI é a segunda forma de atividades da área de empreendedorismo
do parque.
A área de empreendedorismo desenvolve seminários, palestras, capacitações e programas de
formação e atualização de empreendedores com o objetivo de sensibilizar a população da região em
relação à cultura empreendedora. Esse trabalho tem como parceiras instituições públicas e privadas de
ensino na região, o SEBRAE-PR, as associações comerciais e industriais locais, a Prefeitura Municipal
de Foz do Iguaçu e o Movimento Empresa Júnior.
Os técnicos afirmaram que um dos primeiros desafios foi sensibilizar esses parceiros em relação
à necessidade de promover-se uma cultura de empreendedorismo na área de inovação e tecnologia.
Esse desafio tem como razão o fato desses parceiros estarem acostumados a lidar com os problemas do
empresariado tradicional da cidade e da região, de perfil majoritariamente menos inovador.
As atividades externas ao PTI de maior interesse na área empreendedorismo do parque são as
iniciativas em parceria com o SEBRAR-PR. A parceria tem entre seus objetivos desenvolver a cultura
empreendedora na tríplice fronteira. Realizaram-se eventos de intercâmbio entre consultores e analistas
empresariais e empreendedores da região da tríplice fronteira com suporte do PTI e SEBRAE-PR, bem
como instituições argentinas e paraguaias, como o PTI da margem paraguaia da Itaipu Binacional.
Sendo assim, as atividades centraram-se principalmente no estímulo á cultura empreendedora e na
capacitação e atualização desses empreendedores da tríplice fronteira por meio do intercâmbio entre
eles e as instituições envolvidas.
Outra iniciativa de grande importância foi a realização de dez cursos de formação para
empresários da região de Foz do Iguaçu, diante de um diagnóstico de suas maiores dificuldades e da
identificação das oportunidades diante da perspectiva de Arranjos Produtivos Locais (APLs). A parceria
SEBRAE-PR/PTI também desenvolveu um projeto para o suporte aos empresários locais na criação
de novos produtos de acordo com as possibilidades apresentadas pelo estudo de formação de cadeias
produtivas na região da tríplice fronteira, de olhos voltados às oportunidades da integração produtiva
transfronteiriça.
Importante destacar as iniciativas por parte do PTI da margem paraguaia de Itaipu em replicar
essas iniciativas desenvolvidas pela área de empreendedorismo do PTI da margem brasileira da usina
binacional. Iniciativas de contato e cooperação para a replicação dessas iniciativas fazem parte das
atividades das áreas do PTI, bem como da área de empreendedorismo.
As atividades de empreendedorismo do PTI, bem como no caso das atividades de Turismo e
Educação, passam por um processo de transformação e adaptação às novas condições educacionais e
sociais na cidade de Foz de Iguaçu e região. Isso se dá devido ao fato de a região começar a reunir as
condições de mão de obra necessárias para o Empreendedorismo de Inovação e Sustentável, objetivo
principal da área de empreendedorismo e um dos mais caros ao parque.

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O turismo como fonte de recursos e desenvolvimento

O programa de atividades e projetos ligados à área de turismo desenvolvido pelo PTI tem
origem na própria concepção por parte da margem brasileira da empresa binacional de valorizar a usina
como destino turístico. Ou seja, o primeiro desafio no campo do turismo estabelecido aos gestores da
usina, e, posteriormente, ao PTI, foi a de administrar e promover o turismo na usina e suas atrações.
Na década de 2000, um estudo externo a pedido da Itaipu Binacional concluiu que o melhor
modelo jurídico-administrativo, para transformar a margem esquerda da usina em um atrativo turístico,
seria delegá-la a uma organização civil sem fins lucrativos que a gerenciasse. A direção brasileira da
usina então resolveu delegá-la ao nascente PTI.
O PTI teria como objetivo administrar e profissionalizar a área territorial correspondente à
margem brasileira da usina como destino turístico economicamente viável, tendo como base o princípio
da sustentabilidade. A partir de 2007, o PTI passou a gerenciar o Complexo Turístico de Itaipu (que
compreende o conjunto de atrativos turísticos desenvolvidos no terreno da empresa na margem
esquerda), convertendo a antes onerosa abertura da usina aos visitantes em uma atividade altamente
rentável. O PTI passou então, a modernizar as estruturas turísticas e a converter seus projetos de
ciência e educação em atrativos turísticos, como a Estação Ciência e o Polo Astronômico do parque.
Além desses atrativos, a própria estrutura técnica da usina (como a sala de comando, e parte de
turbinas), bem como compensações ambientais (como o canal da piracema) passaram a ser exploradas
como atrativos turísticos pelo parque.
A grande quantidade de projetos que passaram a ser desenvolvidos no PTI, em paralelo à
profissionalização e sofisticação de suas estruturas e atrativos turísticos, gerou uma demanda da
participação da equipe de turismo do parque em outros projetos e atividades de desenvolvimento. Esse
processo fez com que os projetos desenvolvidos pelo PTI em torno da noção de Turismo Sustentável
passassem a superar os limites do Complexo Turístico Itaipu (CTI).
O Programa de Turismo Sustentável, antigo Programa de Desenvolvimento Turístico, hoje é
responsável por uma série de projetos no sentido de promover o turismo sustentável na tríplice
fronteira, com prioridade nas áreas lindeiras ao lago de Itaipu. Esse programa tem como antecedente o
projeto desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia Aplicada e Inovação (ITAI) - organização sem fins
lucrativos instalada na margem esquerda de Itaipu Binacional, antes mesmo do PTI. O Projeto de
Integração Turística Trinacional, do começo dos anos 2000, tinha como objetivo difundir a cultura do
turismo sustentável na educação básica e na sociedade da tríplice fronteira. O projeto foi realizado
mediante acordo específico do Mercosul, no qual o turismo faria parte do currículo da educação básica
pública da região. Atualmente, apenas o Paraguai mantém o turismo em parte dos currículos de
educação básica. O principal objetivo era transformar a região em um Polo Internacional Turístico,
utilizando-se do turismo como ferramenta para a integração regional.

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O PTI passa então a ser um importante ator na governança das atrações e dos projetos
turísticos da região da tríplice fronteira, participando de conselhos e comitês diretivos e consultivos de
desenvolvimento, como o Conselho de Desenvolvimento de Foz do Iguaçu (CODEFOZ), e de
importantes ativos turísticos da região, como o Parque Nacional do Iguaçu.
As principais atividades externas ao CTI desenvolvidos pelo Programa Turismo Sustentável do
PTI foram:
a) Projeto de Turismo Social: Pretende transformar a região da tríplice fronteira como um destino
turístico inclusivo, no qual famílias e indivíduos que estão fora das prioridades das grandes
empresas do setor possam visitar os atrativos turísticos da região. O projeto, ainda em fase de
busca de parceiros, pretende combinar os pequenos empresários da área de turismo em baixa
temporada e grandes agentes públicos e privados de financiamento;
b) Projeto Ñandeva: um dos mais importantes e famosos projetos de iniciativa do PTI reuniu
instituições dos três países da tríplice fronteira. Mais especificamente, uma fundação de
artesanato da Província de Missiones (Argentina) e o PTI Paraguaio. O projeto tinha como
objetivo revitalizar, viabilizar e dar visibilidade ao artesanato tradicional da região da tríplice
fronteira como atividade econômica. A iniciativa contou com a consultoria de designers
italianos trazidos pelo PTI para fazer um levantamento de imagens e símbolos que
representassem a vida, cultura, música, dança, arquitetura, natureza e história da região. O
resultado foi a criação de ícones a serem utilizados pelos artesãos da tríplice fronteira. O projeto
incentiva a manutenção das técnicas tradicionais de artesanato regionais, aproveitando-se
apenas os ícones captados pelos designers italianos para atender ao mercado. O projeto é um
importante fator de desenvolvimento e geração de renda para famílias mais pobres devido à
demanda importante por esses produtos, de razoável valor de mercado. Ao mesmo tempo em
que garante a sobrevivência da tradição do artesanato regional.
c) Diagnósticos das potencialidades turísticas e de desenvolvimento regionais: o programa
desenvolve projetos de análise de diferentes oportunidades de desenvolvimento sustentável por
meio do turismo. Uma importante iniciativa foi o levantamento em torno das potencialidades
do lago de Itaipu. O projeto foi feito em parceria com comunidades, instituições e governos
locais das margens paraguaia e brasileira. Os resultados apontaram para muitos possíveis usos
como as praias, navegação de lazer e esportiva, pesca esportiva entre outros. Entretanto, o
projeto também apontou para uma série entraves institucionais: a sobreposição de
competências regulatórias sobre o uso das águas do lago entre diversas instituições públicas dos
três níveis de governo brasileiros, bem como a inexatidão quanto às suas respectivas
responsabilidades e autoridades; o crime organizado transnacional que vê na utilização
econômica legal do lago uma ameaça ao intenso tráfego de mercadorias ilegais que domina as
águas do lago após o anoitecer; e, por último, os entraves legais e institucionais presentes na

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formalização de parcerias e entre Brasil e Paraguai, por conta da falta de arcabouço jurídico
necessário no Mercosul.
d) Palestras, eventos e cursos de formação para pequenos empresários e empreendedores para
que esses possam aproveitar-se do fluxo de turistas e promover o desenvolvimento sustentável.

As ações do programa de turismo do PTI têm como base uma perspectiva ampla de turismo, e
de sua utilidade como gerador de desenvolvimento sustentável. A preocupação com a inclusão das
comunidades e dos empreendedores menores excluídos das oportunidades promovidas pelo turismo na
região está presente em todas as suas atividades. Os membros da equipe têm como objetivo promover
o desenvolvimento sustentável na região da tríplice fronteira por meio das atividades turísticas,
permitindo com que toda a sociedade seja beneficiada e possa impactar beneficamente nessas
atividades.
Há resultados importantes como a mobilização de instituições e comunidades em torno dessa
concepção de desenvolvimento sustentável por meio do turismo na tríplice fronteira, podendo-se
destacar o projeto Ñandeva. Segundo os técnicos envolvidos, o Projeto Ñandeva é uma das principais
experiências de região de integração regional na tríplice fronteira, tendo como base os laços culturais
entre os povos que ocupam a região.

Considerações finais

Diante das atividades desenvolvidas pelo PTI apresentadas no presente artigo podemos apontar
que o parque possui relevante papel no aprofundamento da integração regional, em especial na região
da tríplice fronteira. Seus valores de inovação, sustentabilidade e desenvolvimento são fundamentais
para que os seus projetos abarquem instituições não só brasileiras, mas como dos demais países da
tríplice fronteira, e, em não poucos casos de outros países também.
As atividades do PTI e seus projetos não possuem como diretriz a promoção da integração
regional, mas devido à sua vocação à promoção da inovação e do desenvolvimento regional, suas
atividades transcendem as fronteiras nacionais e promovem o aprofundamento de interdependências e
de laços econômicos e sociais.
Sendo assim, podemos apontar que o PTI possui relevante papel na integração regional e no
desenvolvimento da região fronteiriça, podendo ser encarado como um importante modelo a inspirar
outras iniciativas de desenvolvimento pelo país. Em especial, nas regiões de fronteira, carentes de
projetos de desenvolvimento bem sucedidos.

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Referência
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MILNER, Helen V. Interests, Institutions and Information: domestic politics and international relations. Princeton: Princeton
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OHMAE, Kenichi. O fim do estado-nação. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
WANDERLEY, Luiz Eduardo W. Cidades, Globalização e Gestão Pública. In. VIGEVANI, Tullo (coord.);
BARRETO, Maria Inês; WANDERLEY, Luiz Eduardo; RAICHELIS, Raquel NOGUEIRA, Marco Aurélio
(coord. técn.) et al. Gestão pública e inserção internacional das cidades. São Paulo: Cedec/Unesp/PUC-SP, nov. 2008, p.
84-158 (Relatório final para a FAPESP)
STUART, A. M. Regionalismo e democracia: o surgimento da dimensao subnacional na Uniao Europeia in:
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VAZ, Alcides. Cooperação, Integração e o processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília. IBRI, 2002.

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Mercosul, democracia e participação popular

Sérgio Luiz Pinheiro Sant’anna1

I. Introdução

O
Mercado Comum do Sul, criado em 1991 pelo Tratado de Assunção, passou por vários
desafios neste processo de consolidação ao longo das duas primeiras décadas.
A primeira década (1991-2000) caracterizou-se pelos avanços na intensificação
comercial, o que possibilitou uma maior dinâmica nas exportações e importações intra e extra bloco,
conforme apontam estatísticas de órgãos oficiais de cada país. Esta época foi influenciada pelo modelo
neoliberal adotado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, que priorizou a atividade de comércio
como política a ser adotada pelo bloco.
A segunda década (2001-2010) foi influenciada pelas mudanças que ocorreram no início deste
século que aprofundaram a falência do modelo neoliberal, com a necessidade de adoção de políticas
sociais, pelos governos, e o reconhecimento da maior necessidade de uma intervenção do Estado,
inclusive, na atividade econômica e nos investimentos.
Este período a nível global caracterizou-se pela perda de influência dos Estados Unidos no
mundo, mas, concomitantemente, pela ascendência de outros atores no cenário geopolítico
internacional, incluindo-se países como China, Índia, Rússia, Brasil, Turquia, África do Sul, Indonésia,
Coréia do Sul, Nigéria, México, Malásia, Argentina, dentre outros países.
No âmbito do Mercosul, essas transformações do segundo decênio possibilitaram uma
ampliação da tradicional visão comercial para se avançar em um modelo de processo de integração,
incluindo a dimensão política, econômica, social e cultural. Nesta perspectiva, intensificou-se uma visão
de cunho institucional com a criação do Parlamento do Mercosul, a criação de um Tribunal para
Solução de Controvérsias e inúmeras estruturas e órgãos com a participação e comprometimento dos
seus Estados-Membros.
Neste terceiro decênio do Mercosul, a partir de 2011, um dos desafios que estão inseridos para
o debate é o de se pensar como este processo de integração vai atingir, de forma direta, ao pleno
conhecimento dos cidadãos dos Estados integrantes, objetivando possibilitar avanços mais concretos
que não dependam exclusivamente da iniciativa de governantes que estão atuando, de uma maneira
geral, de forma articulada e com pensamentos comuns.
Uma das possibilidades concretas de aprofundamento do sistema democrático do Mercosul
deverá ser através da democracia representativa, ou seja através das eleições diretas para a representação

1 Doutor em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense, Professor da Universidade Cândido Mendes e
Procurador Federal
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do Parlamento do Mercosul, aliado à intensificação da democracia participativa, através da utilização de


instrumentos de democracia direta.
O presente trabalho acadêmico se propõe a analisar a “ crise ” da democracia representativa no
Brasil, tendo como foco de análise os movimentos populares iniciados em junho de 2013, além da
dificuldade de previsão de instrumentos de democracia participativa nesse pais, o que se configura
como um desafio para esta terceira década do Mercosul.

II. A “crise” da democracia representativa no Brasil e os pontos questionados pela população

Nestas cerca de três décadas de retomada da democracia na América do Sul, inúmeros avanços
foram conquistados na consolidação da democracia representativa.
Tivemos a eleição de um líder metalúrgico no Brasil, a eleição de representante indígena na
Bolívia, a eleição de mulheres no Chile, na Argentina e no Brasil, além de uma maior convergência na
orientação política e na compreensão acerca da necessidade de avanços na consolidação do processo
democrático.
Nos momentos de dificuldades, várias superações ocorreram como no caso do impedimento do
Presidente na Venezuela e no Brasil, a tentativa de reversão de um golpe militar em curso na Venezuela,
bem como tentativas de soluções diplomáticas em conflitos com países vizinhos, aliando o peso das
instituições, o comprometimento da sociedade e o respeito às Constituições desses países.
Entretanto, sob o ponto de vista político reiteradas denúncias de corrupção vêm ocasionando
reflexões acerca dos inúmeros problemas do processo eleitoral nestes países, principalmente a partir da
inclusão do instituto da reeleição, iniciada no período de autoritarismo no Perú e incluída pelos
governos neoliberais na Argentina, no Brasil, dentre outros países.
Concentrando-se na análise do caso brasileiro, verifica-se que temos um sistema eleitoral e
partidário que encontra-se em processo de questionamento e de representatividade que ficou bastante
claro nas manifestações ocorridas a partir de junho de 2013 por todo o país.
Iniciada com uma pauta reduzida e limitada a se contrapor aos aumentos das passagens de
ônibus, em contrapartida a um serviço monopolizado, péssimo e que se beneficia de uma série de
vantagens porque participa do financiamento privado de campanhas eleitorais, as convocações para
manifestações de contrariedade, principalmente em São Paulo, em seguida Rio de Janeiro e, finalmente,
se ampliando para cidades grandes, médias e pequenas de todo o Brasil, verificou-se um processo de
revolta acumulada que levou milhões de pessoas para as ruas, com uma ampliação significativa da
pauta.
Defesa de hospitais públicos; luta pela educação, escola pública de qualidade e valorização dos
professores; defesa de segurança pública; luta contra a corrupção e a impunidade e a ampliação da
pauta, associada ao que ficou convencionado como padrão FIFA, acabou estimulando a participação
popular nas ruas e praças públicas.
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Importante ressaltar alguns aspectos desse processo de catarse que não estava sendo esperado
pelos governantes.
O primeiro aspecto é que a convocação dessas manifestações foi feita, de forma intensa, pelas
redes sociais da internet, incluindo facebook, twitter e correios eletrônicos. Popularmente se dizia que a
manifestação não havia uma cara, ou melhor, uma entidade ou instituição que estava convocando para
as passeatas, mas toda a população.
Um segundo aspecto pode ser observado como conseqüência, a saber a total falta de
credibilidade dos partidos políticos e instituições como sindicatos, a própria União Nacional dos
Estudantes (UNE), associações e organizações não governamentais que ficaram a reboque do
movimento de massas.
Ao tentar se inserir em alguns movimentos de rua, através de militantes com camisas e
bandeiras, os integrantes desses movimentos, muito em especial os dos partidos políticos, eram
rechaçados por alguns manifestantes, o que foi objeto de críticas e acusações de fascismo, por parte de
outros manifestantes e grupos organizados.
Embora um movimento de massas tenha participantes de todas as ideologias e tendências, a
acusação pura e simples da rejeição acima citada ser um ato fascista, principalmente porque os partidos
políticos que estavam indo para as ruas eram de esquerda e de centro-esquerda, parece ser inadequada
ao caso em questão, até porque os meios de comunicação jogaram pesado ao longo dos últimos três ou
quatro anos com a questão do mensalão que, em síntese, simboliza esta falência do modelo partidário e
eleitoral que admite o financiamento privado de campanhas políticas.
Um terceiro aspecto a ser incluído no contexto de reflexão, foi a rejeição da mídia num primeiro
momento que buscou “descredenciar” a legitimidade do movimento. Entretanto, na medida em que os
protestos avançavam, se tornavam cada vez mais intensos e não tinham previsão de término, a mídia
foi obrigada a acompanhar e reconhecer a sua intensidade em posicionamentos contrários aos pleitos
em questão.
Um quarto aspecto a ser destacado é que os protestos tinham um contingente muito maior de
jovens, estudantes universitários e secundaristas e estabelecia um patamar de ampla participação de
integrantes da classe média, ao passo que integrantes do operariado e da nova classe média emergente,
oriundo dos programas sociais do governo, embora tivessem suas demandas, não estavam participando
dessas passeatas de forma mais efetiva e através de um maior comprometimento.
Um quinto aspecto muito utilizado pela mídia para diminuir os movimentos populares era o
fato de que ao final das manifestações, determinados grupos denominados black bocs e setores da policia
entravam em confronto, produzindo inúmeras cenas de dilapidação de patrimônio público e privado,
além de cenas de violência. Importante destacar que muitas passeatas se encerravam em sede de
Governo do Poder Executivo, em especial de Estados e Municípios, além de sedes do Poder
Legislativo, neste caso Câmara Federal, Senado da República, Assembléias Legislativas e Câmara de

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Vereadores, numa clara situação de protestos aos poderes constituídos e cobrança de políticas públicas
ou mesmo a falta dessas políticas, aliado à corrupção.
Um sexto aspecto e último aspecto é a total inoperância e despreparo dos órgãos de segurança
pública do Estado, em especial os setores da Polícia Militar, em lidar com estes movimentos de massa,
utilizando-se de comportamento violento ao invés de atuar com inteligência e com o auxílio da
tecnologia. A utilização de spray de pimenta, bombas de efeito moral e armas não letais, aliado a armas
letais, em algumas situações mais radicalizadas, acabou dando a tônica do fim das passeatas.
Estes movimentos tiveram grande repercussão porque ocorreram durante um evento
preparatório da FIFA chamado Copa das Confederações e produziu uma manifestação com proposta
concreta da Presidenta da República no sentido de reconhecer a legitimidade do movimento e acenar
com uma Assembléia Nacional Constituinte para uma reforma política.
A proposta foi contestada por vários setores, em particular na área dos especialistas de Direito
Constitucional, setores políticos liderados pelo próprio Vice-Presidente da República Michel Temer,
além de setores da sociedade, obrigando a Presidente a recuar desta proposta para uma convocação de
plebiscito para a população se manifestar sobre temas da reforma política.
A proposta de estímulo à democracia participativa, embora fosse excelente em dois
fundamentos, ou seja, a efetiva participação popular e a cobrança ao Congresso Nacional que sinaliza
com pouco interesse em mudanças neste tema sensível, acabou sendo desestimulada pelo Tribunal
Superior Eleitoral que sinalizou pelo reduzido prazo para a convocação do plebiscito, após aprovação
pelo Congresso Nacional, em virtude da obediência ao princípio constitucional da anualidade para a
aplicação das novas regras para a eleição seguinte.
Sendo assim, a proposta não evoluiu e não houve mudança concreta decorrente dos protestos
populares para as próximas eleições presidenciais a serem realizadas no ano de 2014, que incluem os
parlamentares do Senado Federal, Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas, Câmara Distrital e
os governadores de Estado e Distrito Federal.
No que tange aos instrumentos de democracia representativa, conclui-se que existe uma crise,
materializada nos protestos populares, questionando a classe política, tanto a do Poder Executivo
quanto a do Legislativo, que não produziu mudanças que pudessem evidenciar uma relação mais
democrática de representatividade, ou seja na próxima eleição o sistema político eleitoral e partidário
corre sério risco de ter o maior quantitativo histórico de votos brancos, nulos e declarações de que não
puderam votar, seguindo a tendência crescente das últimas eleições.
Deve ser registrado que o Congresso Nacional tem debatido um conjunto de propostas de
reforma política que engloba os seguintes pontos: o financiamento público de campanha com o fim do
financiamento privado, pelo menos limitando valores de pessoas físicas e extinguindo o de pessoas
jurídicas; a limitação do número de partidos políticos com instrumentos como a cláusula de
desempenho, na qual o partido político deverá atingir uma votação mínima total em determinado

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número de estados da federação; a adoção do sistema distrital, podendo ser o modelo alemão
compartilhando parte do voto em distritos e parte no sistema proporcional; mudança da data da posse,
em virtude das dificuldades de posse em 01 de janeiro; fim dos senadores suplentes; possibilidade de
adoção do recall, no qual seria possível o referendo revogatório ao longo do mandato e mediante
critérios a serem estabelecidos; fim da reeleição para os cargos do Poder Executivo com a possibilidade
de ampliação do mandato de quatro anos para cinco anos, embora reduzido grupo defenda o prazo de
seis anos; dentre outras inúmeras propostas que tramitam, mas não avançam nas Casas Legislativas
Federais brasileiras.
As inúmeras denúncias de corrupção e envolvimento de membros do Poder Executivo e do
Poder Legislativo criou uma lacuna no sistema de representatividade que está quebrando a relação de
confiança do eleitor com o seu representante político, atingindo a todos os Partidos Políticos e o
Parlamento, principalmente, o que acaba sendo prejudicial para o avanço da democracia.

III. A eleição para o Parlamento do Mercosul

Neste quadro complexo de perda de confiança do cidadão brasileiro junto aos representantes
para o Parlamento, surge uma questão central que é a convocação dos eleitores brasileiros para
elegerem os seus representantes pelo voto direto, universal e secreto para compor o Parlamento do
Mercosul.
A questão democrática e da representação parlamentar vem evoluindo lentamente desde a
assinatura do Tratado de Assunção.
No que tange ao aspecto legislativo e das instituições democráticas, o Tratado de Assunção
previu uma Comissão Parlamentar Conjunta, com participação de representantes dos Parlamentos
Nacionais dos Estados-Partes, que acabou fortalecida pelo Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1994,
através do seu estabelecimento. Esta Comissão exerceu suas atividades de 1994 até o mês de dezembro
do ano de 2005, com a assinatura do Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul.
No que concerne à consolidação democrática, em 27 de junho de 1992 já havia sido adotada
pelos governantes dos Estados Partes do Mercosul, a Declaração Presidencial de Las Leñas, que
estipulava que a plena vigência das instituições democráticas seria condição indispensável para a
existência e o desenvolvimento do Mercosul, República da Bolívia e República do Chile, o que
comprometia os Estados-membros que passassem a integrar o Tratado de Assunção em direitos e
obrigações para as Partes signatárias.
A aprovação da Cláusula Democrática através da assinatura do Protocolo de Ushuaia, em 24 de
julho de 1998, se consolidou como um efetivo compromisso com os princípios democráticos no
espaço territorial e geopolítico do bloco e posição firme contra eventuais rupturas institucionais,
conforme estava ocorrendo no Paraguai naquele ano, onde o General Lino Oviedo ameaçava a ordem
constitucional representada pelo Presidente Juan Carlos Wasmosy.
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A adoção da Cláusula Democrática se revelou um instrumento de proteção contra as rupturas


ou retrocessos contra a ordem constitucional e os governantes eleitos pelo sufrágio universal, direto e
secreto, e que veio a ser aplicada em 2012, por ocasião do impedimento do Presidente Fernando Lugo.
Sob o ponto de vista institucional, a criação do Parlamento do Mercosul em dezembro de 2006
foi avanço dos mais significativos, permitindo que se criasse espaços para a evolução legislativa
harmônica supranacional, ainda não consolidada até os dias atuais.
No processo de harmonização de legislações, diversas questões de natureza interna,
principalmente no caso do sistema brasileiro, terão que ser discutidas e modificadas para fins de
possibilitar o inequívoco avanço que significará a legislação supranacional. Dentre estas questões,
discussões sobre o conceito de soberania e o avanço, interpretação e modificação das Constituições dos
respectivos países, em especial a brasileira, se adequando a esta nova realidade, se constituem em um
grande desafio para o avanço deste tema, até porque países como a Argentina já estão mais susceptíveis
a estas inovações na análise do Direito Comparado.
Em 28 de abril de 2009, em cumprimento ao mandato do Protocolo Constitutivo do
Parlamento do Mercosul, os membros da representação parlamentar aprovaram o Acordo Político para
a definição dos critérios de representação para a constituição das respectivas bancadas nacionais do
Parlamento. Em virtude de divergências ocasionadas pela representação do Paraguai e questões de
natureza interna, a eleição da representação brasileira pelo voto direto não foi possível na eleição de
outubro de 2010, mas a próxima representação a ser eleita em 2014 deverá ser submetida a sufrágio
direto, universal e secreto junto aos eleitores brasileiros.
O Parlamento chegou a ter a composição igualitária de 18 parlamentares de cada Estado
integrante, tendo membros observadores dos Estados-associados com direito a voz. O acordo
aprovado pelos Chanceleres do bloco em 18 de outubro de 2010 previu um período de transição, entre
31 de dezembro de 2010 e 31 de dezembro de 2014, durante o qual o Brasil está contemplado com uma
bancada de 37 parlamentares; a Argentina, 26; o Paraguai, 18 e o Uruguai, 18.
A partir de 01 de janeiro de 2015, ao final do período de transição, o Brasil passará a contar
com 75 parlamentares; a Argentina 43; a Venezuela 25; o Paraguai 18 e o Uruguai 18 parlamentares. 83
No âmbito do Parlamento do Mercosul, dentre as propostas apresentadas e debatidas, destaca-
se a aprovação da apresentada pela Mesa Diretora para criação de uma Comissão Especial com a
finalidade de realizar gestões junto às autoridades de Inglaterra e Argentina, em busca de uma
convergência entre estes países para a exploração de recursos naturais das Ilhas Malvinas, cuja
soberania é reclamada pela Argentina junto ao Reino Unido, inclusive na Organização das Nações
Unidas, além de temáticas sobre importantes temas como Infra-Estrutura, Direitos Humanos, Defesa,
dentre outros temas.
O dilema a ser enfrentado no Brasil é como legitimar a participação popular no sufrágio para os
representantes do Parlamento do Mercosul diante da crise de legitimidade que o Parlamento brasileiro,

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incluindo o Poder Executivo e toda a classe política, vem sofrendo e que explodiu nas manifestações de
junho de 2013?
A eleição do Parlamento do Mercosul surge como mais uma oportunidade de estreitar a
importância do processo de integração e a compreensão da sociedade sobre o que o processo significa.
Neste contexto, o primeiro grande problema enfrentado no âmbito do Parlamento do Mercosul
foi provocado pelo Paraguai, que questionou a quantidade de Parlamentares brasileiros, o que retrata
ser um ponto de receio de países menores, situação esta que dificultou a decisão definitiva sobre a
proporcionalidade das bancadas, já incluída a da Venezuela.
O segundo grande problema encontra-se em curso em sede do Parlamento brasileiro, onde
existem propostas distintas que não estão dialogando e que estão dificultando que no dia 01 de janeiro
de 2015, 75 representantes do povo brasileiro estejam tomando posse naquele órgão legislativo.
Ressalta-se que existe um Projeto de Lei do Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP)
propondo eleições diretas em 2010, e depois em 2012, que em virtude de dois pareceres contrários do
Deputado Dr. Rosinha (PT-PR), acabou impedindo a continuidade do aludido Projeto.
Existe outro Projeto de Lei do Senador Lindemberg Faria (PT-RJ), com Parecer e Emenda
favorável do Senador Antonio Carlos Valladares (PSB-SE) propondo eleições diretas dos 75
parlamentares em 2014, que encontra-se em tramitação.
O fato concreto é que não existe um consenso ainda no Parlamento brasileiro sobre o processo
de instrumentalização da representação no Parlasul, o que poderá dificultar de forma efetiva que este
processo se consolide já para as eleições parlamentares de 2014, o que seria uma grande contradição,
principalmente porque o único país que teve eleições foi o Paraguai em duas oportunidades.
A questão concreta é que se o processo de eleição para o Parlamento brasileiro está sendo
questionado, a eleição para o Parlamento do Mercosul deveria reproduzir o mesmo sistema que está
sendo rechaçado pela população?
Seria possível imaginar um processo de participação popular através do sufrágio em
candidaturas avulsas ou vinculadas aos movimentos sociais ou continuaria o sistema de eleição através
de candidatos amparados pelos partidos políticos?
Não deveria haver um debate mais consistente sobre a importância deste Parlamento com
regras igualitárias para todos os candidatos, ou seriam criadas regras que submetessem os candidatos
através do sistema partidária e eleitoral atual?
Se é possível estabelecer um consenso de que é importante a participação popular para
sacramentar a participação no Parlasul, é também razoável supor que as atuais regras eleitorais e que
viabilizam os sistema político, partidário e eleitoral brasileiro encontram-se em processo de
questionamento pela opinião pública e não tem mais respaldo popular, o que consolida a necessidade
de avanços neste processo de legitimação, principalmente em virtude da existência de trinta e quatro
partidos políticos oficialmente existentes neste país, aliado aos critérios eleitorais em vigência.

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IV. Importância dos instrumentos de democracia participativa para a consolidação do


Mercosul
Um último ponto a ser enfocado é que os instrumentos de democracia participativa, em
especial, o plebiscito, o referendo, a iniciativa legislativa, os conselhos participativos, dentre outros
instrumentos, necessitam ser mais utilizados, possibilitando, desta forma, a participação popular e o
aperfeiçoamento do processo de integração.
A participação popular deve ser permanentemente estimulada para que os cidadãos dos países
signatários do Tratado de Assunção se sintam parte integrante de um processo de integração que
respeite as diferenças, avance nos consensos e busque intensificar as relações sociais e culturais.
Não se pode esperar que a integração avance somente com o comprometimento dos Estados-
membros através dos seus governantes, mas sim por ser fruto de um processo dialético que consiga
aliar um processo de cidadania ativa participativa e contemple a representação legítima através de
parlamentares eleitos desses países.
O processo de integração, enquanto política de Estado, precisa se constituir numa estratégia
conjunta de participação mais ampla do cidadão, vindo de todos os países membros do Tratado de
Assunção, o que possibilitará que a integração seja, também, de baixo para cima, ou seja, oriunda das
bases.
Cabe ao Brasil, uma responsabilidade compatível com o seu peso e densidade dentro do
Mercosul e penso que devemos aproveitar a experiência da Venezuela do recall e dos conselhos
populares para avançar no tema, além de experiências nesta perspectiva adotadas pelos países vizinhos.
O sistema federativo brasileiro tem avançado nesta temática da democracia participativa de
forma tímida e em questões localizadas, principalmente no âmbito do Município. Sendo assim, é
fundamental que a população participe de forma mais efetiva do processo de discussão e aprovação de
temas relevantes do seu interesse direto, de forma a ampliar o sistema democrático brasileiro e no
âmbito do Mercosul.
No atual estágio do processo de globalização e multilateralismo, é importante reforçar o papel
de player bem como o de aprofundar o sistema democrático interno e no âmbito político do bloco,
principalmente no atual momento em que a população está questionando o sistema partidário, o
sistema eleitoral e a representatividade dos governantes, em particular, no caso brasileiro.

V. Conclusão

Diante do quadro acima, existe um paradoxo que merece ser objeto de ampla reflexão e não
está sendo tratado com a gravidade que merece.
O primeiro ponto é que o Estado Democrático de Direito deve ser comemorado como o
modelo político mais adequado para o Brasil e os países membros do Mercosul, concretizando-se o
processo de diminuição de cidadãos da pobreza absoluta até a sua total extinção, sem prejuízo de que

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uma reforma política e partidária séria se constitua num instrumento prioritário para se restabelecer um
canal entre a população e a classe política dirigente, incluindo Legislativo e Executivo, sob pena de
ampliação das revoltas em 2014, ano de Copa do Mundo e de eleições gerais no Brasil, bem como a
possibilidade efetiva de ampliação dos votos em branco, nulo e justificativa de voto para não exercer o
direito ao sufrágio.
O aprofundamento da democracia brasileira é fundamental nesse processo de evolução
histórica, até porque 2014 é um ano emblemático em virtude dos 50 anos do golpe militar no Brasil, o
que deverá suscitar tensões, inclusive pelos trabalhos desenvolvidos pela Comissão da Verdade a nível
federal e as inúmeras Comissões da Verdade que foram criadas no âmbito federal, estadual e municipal.
O segundo ponto é a necessidade de se avançar no espaço político brasileiro dos instrumentos
de democracia participativa, em especial o plebiscito, o referendo e a iniciativa legislativa popular,
possibilitando um maior senso de consciência política e de legitimação de decisões pelo Estado.
Com a democracia representativa brasileira necessitando de uma reforma política e partidária
profunda e a democracia participativa ainda incipiente, penso que as eleições do Parlamento do
Mercosul, embora não devam ficar paralisadas, deveriam ser objeto de um debate mais amplo e
democrático da sua importância, dos temas a serem debatidos e dos possíveis candidatos a um mandato
parlamentar com as regras claras do processo de sufrágio popular.
Num momento em que grandes temas no âmbito do Mercosul e da Unasul vem sendo objeto
de discussão como Integração da Região; Defesa das Riquezas Naturais e Minerais; Defesa dos Direitos
Humanos; Obras de Infra-Estrutura, dentre outros temas, é fundamental que o Parlamento possa atuar
na perspectiva de intensificar e representar os legítimos interesses dos seus respectivos países e seus
povos, dentro do processo de integração.
O processo de debate da representação deveria incluir financiamento público de campanha;
candidaturas oriundas dos movimentos sociais sem obrigatória vinculação partidária e critérios de
representatividade populacional, aliado à possibilidade de contemplar a participação de todos os
Estados da Federação neste Parlamento, dentre outros temas a serem aprofundados.

Referências

AMÉRICA LATINA 2020 CENÁRIOS, ALTERNATIVAS E ESTRATÉGIAS, SEGRERA, Francisco López


e FILMUS Daniel ( Coordenadores ), São Paulo, Editora Viramundo, 2000
CEPAL. Cincuenta años del pensamiento de la Cepal: textos seleccionados. Santiago: Fondo de Cultura Económica/Cepal,
1998.
DEP DIPLOMACIA, ESTRATÉGIA E POLÍTICA Projeto Raúl Prebisch, número 10/ outubro / dezembro
2009 - Brasília
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. O papel político internacional do Mercosul. In: Comunicação & Política. Rio de
Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, Cebela, v. 3, n. 3, 2000.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 492
HACIA UNA CIUDADANIA PLENA Los Desafíos de las políticas antidiscriminatorias em el MERCOSUR
Publicação do INADI ( Instituto Nacional contra la Discriminación, la Xenofobia y el Racismo ) Ministerio de Justicia,
Seguridad y Derechos Humanos/ Presidencia de la Nación ) 2009
MERCOSUR Y UNASUR ? HACIA DÓNDE VAN? Diversos Autores, Buenos Aires, Noemi Beatriz Mellado
Editora, 2009
SANTOS, Theotônio dos, Economia Mundial: Integração Regional e Desenvolvimento Sustentável, Petrópolis,
Editora Vozes, 1999, 4ª edição atualizada
Sítio do Congresso Nacional ( www.camara.gov.br ) e ( www.senado.gov.br )
Sítio da Presidência da República ( www.planalto.gov.br )

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Educação militar e cooperação em defesa no Mercosul1

Suzeley Kalil Mathias

E
ntende-se que a construção da democracia exige uma nova doutrina militar, baseada em
valores como o direito à participação e expressão política e a necessária integração de
esforços cooperativos no âmbito da defesa. O objetivo da pesquisa é avaliar como a
educação dos militares funciona como mecanismo de construção de uma “cultura interna” à
corporação que valoriza comportamentos próprios da democracia, como são exemplos a tolerância e a
cooperação. Sem a incorporação de tais valores, as democracias recém (re)construídas tendem a se
bloquear, o mesmo acontecendo nas relações com os vizinhos.
Ao longo dos três anos da pesquisa, desenvolvemos diferentes trabalhos, a maioria dos quais
publicados, que girava em torno do tema geral que move nossas preocupações, ou seja, a compreensão
da educação militar como fator determinante para a constituição do regime político democrático. O
eixo geográfico desta pesquisa é a America do Sul, região na qual a participação das forças armadas no
processo político sempre foi corriqueiro, ainda que às vezes encarado como excepcional. Por isso,
definiu-se como objetivo aqui analisar os valores embutidos no sistema educativo das Forças Armadas
sobre os quais se assenta a formação dos profissionais de armas. Para tanto, estudamos a estrutura
educativa que forma os oficiais da América do Sul, tentando entender a “mentalidade” que se procura
estabelecer com a educação (ensino e formação).
Em outras palavras, para que a democracia ganhe consistência, ultrapassando seus limites
formais eleitorais, é preciso que os valores democráticos, particularmente a tolerância relativamente aos
diferentes e a aceitação do dissenso como parte das disputas políticas na democracia, seja introjetado
como parte essencial da cidadania. É necessário que todos os atores sejam encarados como cidadãos, cujo
direito de reivindicar, se manifestar e se opor à situação vigente é parte intrínseca do processo de
cidadania. Se há vários atores que não estão preparados para assumir tais valores, porque os militares,
que são educados para obedecer e não divergir, estariam? É isso que justifica enfatizar a educação como
estratégica para a construção da democracia, pois é por meio dela, em particular por sua manifestação
formal, o ensino, que se pode reformar o individuo e, no caso específico, o militar.
Constatar até que ponto as Forças Armadas aceitam o regime democrático ao custo da sua
autonomia dentro do Estado; empiricamente, por meio da analise do seu comportamento frente ao
exercício de comando e controle civil; teoricamente, avaliando a visão que elas têm de si próprias, do
Estado e da sociedade. O objetivo que procuramos com este teste é compreender as formas e reformas

1Resultados parciais da pesquisa desenvolvida com bolsa PQ-C/CNPq. A síntese aqui apresentada é parte de texto em
processamento, razão pela qual pede-se não citar.
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do ensino militar que poderão acolher como princípios a participação civil no comando e controle das
Forças Armadas e na deliberação, formulação, implementação e controle da política de Defesa
Nacional.
Esse objetivo mais geral, de compreender como a educação dos militares funciona como
mecanismo de construção de uma “cultura interna” às forças armadas que tem nos valores próprios da
democracia – respeito pela certeza das regras do jogo e pela incerteza dos resultados – seus pilares, se
traduziu nos seguintes objetivos específicos:
1. Construir um modelo de análise que permita a comparação entre os diversos casos
conhecidos na America do Sul ;
Por meio da aplicação do mencionado modelo,
2. Estudar a estrutura, os fundamentos e o funcionamento da educação formal oferecida às
Forças Armadas Sul-Americanas ao longo da construção do regime democrático;
3. Avaliar se é possível reconhecer uma nova doutrina a nortear as ações das Forças Armadas
da região.
Esses três objeticos se traduziram nas seguintes perguntas, a serem respondidas para cada um
dos países em análise:
a) Qual a relação entre consolidação democrática e educação militar?
b) Como a educação funciona como modeladora da doutrina militar?
c) As Forças Armadas sul-americanas são educadas para a cooperação em defesa?
d) Em que medida os sistemas educativos das Forças Armadas da região contribuem para a
democracia?

Partimos da premissa exaustivamente analisada por Samuel Huntington,2 e em menor medida


por Samuel Finer,3 que a profissionalização do militar não se limita ao treinamento de guerra, mas
principalmente incorpora um universo de valores que definem o comportamento do soldado tanto na
guerra quanto na paz. Assim, a nossa hipótese geral é que a construção e consolidação da democracia
em países que passaram por regimes de base militar, requerem mudanças na doutrina que forma o
militar que privilegiem os valores da vida democrática (tolerância pela divergência, alternância no poder,
respeito pela livre manifestação das idéias, aceitação da heterogeneidade sócio-cultural da nação,
escolhas populares dos governantes, etc.).
Nos três anos que dedicamos a esta pesquisa, não nos foi possível conciliar a atividade docente

2 O tema da profissionalização é central em HUNTINGTON, S.: El soldado y el Estado (Buenos Aires, Circulo Militar
Argentino, 1964), mas também trabalhado pelo autor em Ordem política nas sociedades em mudança (São Paulo, Edusp,
1975).
3 Para Finer a introjeção de valores é fundamental para a constituição do que ele nomeia como mood, que podemos

traduzir como “cultura interna” à corporação. É ela a responsável por comportamentos menos ou mais integrados ao meio
social. FINER, S. The Man on Horseback. London, Pall Mal Press, 1975.

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com as exigências de dedicação que uma análise do conjunto dos países sulamericanos. Iniciamos,
então, este estudo pelos países que compõem o Mercosul, quais sejam: Argentina, Brasil, Paraguai,
Uruguai e Venezuela. Cabe lembrar que como informado no projeto, o Brasil não é propriamente um
caso a ser avaliado, sua presença funcionando como uma espécie de padrão comparativo, ainda que
tenhamos na Espanha o paradigma que permitiu a construção do modelo de análise.
Assim, ao longo da pesquisa, buscamos avaliar as seguintes hipóteses:
1) A educação militar é essencial para a superação da autonomia e construção da subordinação
militar aos civis, mas o é também para formar um profissional coerente com as exigências
que as novas ameaças impostas pelo momento atual, ambos os fatores imprescindíveis para
a consolidação da democracia;
2) A autonomia da educação militar dificulta a consolidação da democracia e a política de
cooperação em Defesa;
3) A menor diferença entre os sistemas educativos, facilita as políticas de cooperação em
defesa e alimenta valores próprios da vida democrática.

Ao empreender o estudo, verificamos que existe pouco conhecimento, ou este é especializado,


sobre o processo histórico dos países objeto de análise, em especial quando a leitura diz respeito à
intersecção entre educação militar – tema pouco estudado em qualquer latitude – e regime político. Por
essa razão, antes de proceder à aplicação do modelo comparativo, foi-nos imposto revisarmos de
maneira sucinta a história recente de cada um dos países para os quais propusemos as perguntas.
Destaque-se que os anos 80 foram marcados pelos ventos das mudanças. No plano
internacional, colocou-se um ponto final na previsibilidade característica da guerra-fria. No plano
regional sul-americano, em diferentes países, ascendiam ao poder novos governos civis dispostos a
redesenhar os projetos conduzidos por anos de governo burocrático-autoritário de base militar.4 Esses
dois processos compõem o pano de fundo da pesquisa que aqui se propõe.
É verdade que muitos analistas têm defendido que há uma paralisia integrativa na América do
Sul, em especial no Mercosul.5 Porém, nenhuma dessas análises menciona o âmbito da Defesa e Forças
Armadas como responsável pelas recorrentes crises. Ao contrário, quando este é o tema, apontam para
o desequilíbrio entre as diferentes regiões da América do Sul. Inexiste, todavia, uma política de defesa

4 O conceito aqui utilizado é proposto por Guillermo O’DONNELL, em particular em Análise do autoritarismo burocrático,
op. cit.. Acrescentamos a expressão “de base militar” para enfatizar que é a burocracia fardada que contola o poder político.
5 A despeito da falta de consenso nas análises globais, há convergência entre os analistas em dois pontos: quanto à

sazonalidade das crises no MERCOSUL e relativamente ao voluntarismo como motor permanente do bloco. Dentre os
inúmeros trabalhos a respeito, lembramos de: VIGEVANI, T. et. al., 2005, op. cit.; DUPAS, G. e VIGEVANI, T. (Orgs.) .
O Brasil e as novas dimensões da segurança internacional. São Paulo: Alfa-Omega/FAPESP, 1999.; MALAMUD, Carlos.
“Potenciais focos de conflicto en América del Sur”. ARI, nº 27, Real Instituto Elcano, março de 2008; MALAMUD,
Marina. “Opinión publica y Fuerzas Armadas en el Cono Sur”. ARI, nº 05, Real Instituto Elcano, janeiro de 2008;
SEPÚLVEDA, Isidro y ALDA Sonia (eds.). La administración de la defensa en América Latina (3 vol.). Madri, IUGM,
2008.

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comum;6 há propostas, como as de Hugo Chaves (2007) e do Brasil, que se realizaram na criação da
Unasul e, para o que aqui interessa, seu Conselho de Segurança. Nessa mesma linha, há também que se
considerar que os laços entre Argentina, Brasil e Chile estreitam-se cada vez mais, estreitamento este
que representa, a uma só vez, a superação da antiga divergência que tomava tais países como inimigos
(incorporação de novos valores?) e um novo padrão para a profissão militar: o soldado deixa de
aprender a combater inimigos e passa a ser formado para construir a paz.7
Considerando cada um dos países objeto de análise, bem como o caso que nos serviu de
paradigma para a composição do modelo, a Espanha, a pesquisa se compôs de um número razoável de
trabalhos, dentre os quais alguns artigos, dos quais três já foram publicados, dois estão em fase de
análise por periódicos e dois outros estão em processamento. A seguir, sumariamos cada um dos
artigos publicados ou em andamento:
No primeiro artigo, sob o título “Apontamentos à análise da reforma militar na transição
espanhola”,8 revisitamos o processo político espanhol recente, enfatizando as questões relativas às
Forças Armadas (FFAA), buscando compreender desde a formação destas Forças antes da ditadura de
Francisco Franco, passando por esta e chegando aos dias de hoje, quando parece que as reformas
promovidas ao longo dos últimos 30 anos, resultaram na incorporação definitiva das FFAA à
democracia.
A construção do instrumento metodológico é nosso interesse central no segundo texto, no qual
se apresenta o que chamamos de Matriz Educação Militar. Nele, discutimos cada uma das variáveis de
forma a mostrar o comportamento do ensino militar em regimes burocrático autoritários e em
governos democráticos. Tal modelo, isto é, sua apresentação como mecanismo de compreensão de
cada um dos países estudados, fez parte de todos os textos publicados ou enviados para publicação. A
figura abaixo sumariza o modelo:
Um dos primeiros casos individuais que estudamos foi o uruguaio, que, resumidamente
significou informar que desde muito cedo, ainda no século XIX, o Uruguai vem desenvolvendo uma
política democrática baseada na educação, ao que pode ser creditado o afastamento das suas Forças
Armadas da participação política. Entretanto, o sistema partidário, essencial para o desenvolvimento da
democracia, não foi suficientemente forte para manter os militares completamente afastados do

6 CEPIK, Marco “Segurança na America do Sul: traços estruturais e dinâmica conjuntural. Análise de Conjuntura OPSA nº
9, IUPERJ, 2005.
7 Há quem defenda que os atuais ministérios de Defesa, até pouco tempo atrás chamados ministérios da Guerra, deveriam

denominar-se ministérios da Paz. Segundo seus defensores, embora o efeito prático pareça ser mínimo, não o é em termos
de demonstração do comprometimento dos países com a paz, sendo um modo a mais de aderir ao programa da UNESCO
“2001-2011: década da cultura da paz”. Um resumo de tais posições é encontrado em Adams, D. Relatório da Sociedade
Civil sobre a Década da Cultura da Paz. Comitê Paulista para a década da Cultura da Paz, UNESCO, 2005. Disponível em:
www.comitepaz.org.br/reldec3.htm, consultado em 12/05/2008.
8 Publicado na revista História (São Paulo), vol. 28, n. 2. Franca, 2009 [http://dx.doi.org/10.1590/S0101-

90742009000200026]

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governo, vivendo o país momentos de militarismo.9 Já em um segundo momento, objetivou-se avaliar


como a educação, especialmente a oferecida às forças armadas, influencia o desenvolvimento e
consolidação de uma cultura democrática.10
A Argentina foi nosso primeiro foco de análise, representando o caso que levou nossas
preocupações para o estudo do ensino militar como fundamental para entender a subordinação militar
como essencial à consolidação democrática. O estudo desta realidade, bastante diferente dos demais
casos de transição de regimes burocrático-autoritários para governos democráticos, posto que apenas
por licenciosidade retórica pode ser chamado de transição – esta querendo, para a Argentina apenas
significando espaço de tempo e não processo -, pois que não conheceu um verdadeiro processo de
transição, mas viu o pais ser precipitado desde o autoritarismo em um novo regime civil eleito pelo
voto, foi parte de vários de nossos trabalhos acadêmicos, nos quais enfatizamos as reformas
promovidas no âmbito não apenas do ensino dirigido aos militares, mas principalmente nas mudanças
que atingem a doutrina militar, o que tem-se traduzido em um profissionalismo diferente das forças
armadas do pais, muito mais afeitas à cooperação com seus vizinhos e preocupadas exclusivamente
com temas de defesa, jamais de segurança.
Um primeiro exercício comparativo foi feito no texto preparado para a Semana Iberoamericana
de Defesa.11 Nele, destacamos o caso paraguaio, cuja principal diferença relativamente aos seus
parceiros do Mercosul está em não ter conhecido um regime burocrático-autoritário, mas sim
desenvolvido uma ditadura que partidarizou suas forças armadas e impediu o desenvolvimento de uma
burocracia (civil e militar) no país. O reflexo do regime político sob a formação militar é evidente,
deixando claro que suas forças armadas não podem sequer ser consideradas profissionais nos temos de
Huntington ou Finer, autores antes mencionados. Por isso, neste caso o modelo desenvolvido encontra
limites para sua aplicação.
A discussão do caso venezuelano também impôs questionamentos ao modelo matriz educação
militar construído, pois apresentou novidades de engajamento das forças armadas na política interna do
país que julgamos, na construção do modelo, incompatíveis com a democracia. No entanto, no âmbito
do ensino militar parece que as reformas ainda em implantação funcionam como compensatórias para
que a participação castrense na implementação de políticas públicas não as transforme em forças
contrarias à democracia. Aqui não apresentamos nenhuma conclusão porque ainda estamos
processando o estudo do ensino militar, muito embora já tenhamos feito uma primeira revisão da

9 Publicado sob o título “O militarismo no Uruguai”, na revista História (São Paulo). v.29, p.50 - 70, 2010.
[http://www.redalyc.org/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=221019007004]. Artigo escrito em conjunto com Tiago Pedro
Vales, que concluiu seu mestrado em História sob nossa orientação.
10 Trabalho apresentado no V Encontro Nacional da ABED “Democracia, Defesa e Forças Armada”, ST 06: Educação e

Formação Militar sob o titulo Considerações sobre Ensino Militar e Democracia: estudo exploratório sobre a realidade
uruguaia. Fortaleza, 08-10/08/2011, 8pp.
11 Publicado como o capítulo “Modelos educativos comparados en Iberoamerica”, no livro organizado por Sonia Alda,

Sistemas de Enseñanza Militar y Educación para la Defensa en Iberoamérica. Madrid: IUGM, 2010, p. 109-131.

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história do país.12
O estudo da educação militar desdobrou-se em um novo foco de interesse, aquele que relaciona
defesa com política externa, e vê as forças armadas como instrumento de ambas as políticas a serem
levadas a cabo pelo governo dos países. Também mostrou que a integração em defesa tem sido um dos
pilares de experiências regionais como o Mercosul e Unasul. De fato, nossos estudos vêm mostrando
que é no âmbito dos entendimentos na área de defesa, e mais amplamente, de segurança, que os
avanços nesses mecanismos regionais de cooperação têm apresentado grandes avanços, contrariando
análises correntes que insistem em dizer que tanto o Mercosul quanto a Unasul têm resultados
retóricos, senão ficcionais.
Em contrapartida, as diferenças nacionais dos países que compõem o Mercosul, mormente com
a inclusão da Venezuela, como já mencionado, impuseram limites ao modelo de análise desenvolvido
para avaliar a educação militar, exigindo desta pesquisadora estudos mais aprofundados no campo da
metodologia comparativa. Todavia, os elementos novos com os quais nos deparamos, deram maior
fôlego para empreender novas investigações sob o mesmo tema de análise, qual seja, a relação entre
educação – tomada particulamente pelo ensino – militar e implementação de políticas públicas (defesa e
diplomacia) sob regimes democráticos.

12Condensado no artigo escrito com Adriana Suzart de Pádua (mestre em História sob nossa orientação), “Venezuela: qual
democracia?” Cadernos PROLAM/USP, v.02, p.69 - 88, 2011.

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RESUMOS
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 500

Resumo

O processo de integração regional na América do Sul


e o papel do desenvolvimento transnacional

Antonio Eduardo Alves de Oliveira

O
estimulo a colaboração entre países e regiões (nacionais ou subcontinentais), tem sido um
elemento importante para a promoção de políticas territoriais de inclusão social, que
possibilitam o desenvolvimento em multiescalas. Entretanto existem muitos obstáculos
que os processos de integração regional ainda não conseguiram superar. Este trabalho busca entender
as articulações construídas entre as diferentes escalas, em particular as regiões transnacionais nas
experiências de integração regional na América do sul. Tratar –se de investigar os processos de
integração regional no cone sul a partir das cooperações entre países, regiões, estados, províncias e
municípios.

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Resumo

Banco do Sul - ruptura, reconstrução e perspectivas

Mariana Yante Barrêto Pereira

A
idealização do Banco do Sul no âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e sua
entrada em atividade no último mês de junho sugerem uma reflexão sobre os paradigmas
sobre os quais se edificou, de um lado, e sobre seus objetivos e desafios à sua efetivação, de
outro. Inicialmente, o trabalho pretende discutir o contexto político e econômico da América Latina
que justificou o projeto dessa agência–com o que se pretendeu romper e o que não se pretende
reproduzir. Em contraste a esse debate, propõe-se analisar em que medida certos parâmetros de
organizações internacionais já existentes são repetidos, notadamente o FMI e o Banco Mundial.
Propõe-se, pois, um paralelo, construído a partir das ideias de Grannacionalidad e emancipação que
pautaram a nova onda integracionista latina. Finalmente, o artigo discutirá os maiores óbices a essa
ruptura/desconstrução, sobretudo considerando o modelo intergovernamental que norteia a estrutura e
o funcionamento dos órgãos de integração na região.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 502

Resumo

O novo papel da soberania no processo de integração regional

Patricia Nunes Arantes


Renata Alvares Gaspar

O
ptou-se por trabalhar o papel do Estado no fenômeno de internacionalização da vida,
abordando o princípio da soberania e a necessidade de sua mitigação e revaloração como
forma primária de promover a integração regional, esmaecendo as fronteiras de fato e de
Direito entre os países componentes do Mercosul. É a questão: qual o novo papel da soberania na
integração entre os países do Mercosul? A escolha se justifica pela importância histórica que tal
soberania possui, razão pela qual sua mitigação é a primeira característica que se busca num processo de
integração, que de outra forma não ocorreria. Para tanto, se faz uso da metodologia dedutiva, sem abrir
mão do método dialético. Simultaneamente a análise será fenomenológica, considerando os fenômenos
jurídicos a partir da vida própria que adquirem depois de saltarem à luz. Esperamos compreender o
novo papel do princípio da soberania a partir da internacionalização que lhe foi imposta, tendo por
objeto a política de bloco do Mercosul.

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VII

Desenvolvimento, Inovação e
Produção do Conhecimento
ARTIGOS
Inovação e conhecimento como requisitos para o
desenvolvimento local e sustentável

Flávio Rafael Bonamigo1


Yolanda Vieira de Abreu2

Introdução

O
desenvolvimento de uma região ou país é realizado por meio de processos e estratégias e
está de forma muito intrínseca ligado ao sistema dinâmico de conhecimento, aprendizado
e inovação. Esse tem sido o norte para agenda de pesquisa acadêmica nas diversas áreas do
conhecimento, bem como nas empresas e nas organizações e instituições nas diversas esferas do
Estado.
A utilização da inovação e do conhecimento produzido nas instituições de ensino e empresas
deve resultar em mudanças nas estruturas e estratégias da organização da sociedade. Segundo
Quintairos (2012), busca-se o conhecimento científico com pessoas altamente capacitadas, com
condição para inovar e ir ao encontro do desenvolvimento de forma contínua e sustentável.
Para Gil (1995, p. 36), a pesquisa no sentido econômico “é o processo de descobrir respostas
aos problemas referentes à produção, distribuição, acumulação e consumo de bens materiais mediante
o emprego de procedimentos científicos.”
Assim, o conceito de pesquisa aponta para o desenvolvimento econômico. Neste sentido, na
busca da realização deste processo, introduz-se a inovação, que segundo Sandroni (1999, p. 303), é a
“introdução de novos produtos ou serviços, ou de novas técnicas para sua produção, ou
funcionamento”. Ainda de acordo com o mesmo autor, a inovação consiste em aplicação prática de
uma invenção ou na forma de comercialização de um produto ou serviço, resultando em menores
custos ou maiores faturamentos.
O presente estudo tem como proposta discutir a contribuição da inovação e do conhecimento
compartilhado, como item indispensável ao desenvolvimento local e sustentável, atingido através da
utilização dos recursos endógenos existentes. Como exemplo de recurso natural que ao ser
desenvolvido pode trazer desenvolvimento para a comunidade local, escolhe-se a Macaúba, fruto do
Cerrado, que pode ser utilizado como matéria-prima na cadeia de produção de biodiesel.
A escolha da Macaúba como estudo de caso, se justifica por se tratar de uma fonte oleaginosa
renovável, que pode ser utilizada para produção de óleo vegetal puro e destiná-lo a produção de
biodiesel local e regional. Pode-se ainda, aproveitar seus resíduos para produção de outros bens, sendo

1 Mestrando em Agroenergia, Universidade Federal do Tocantins - UFT. E-mail: fbonamigo@mail.uft.edu.br


2 Profa Dra do Mestrado em Agroenergia, Universidade Federal do Tocantins - UFT. E-mail: yolanda@uft.edu.br
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possível vendê-los e, todos estes produtos ao serem comercializados geram renda e emprego para o
agricultor familiar. Neste contexto, o governo federal ao criar o Selo Combustível Social no PNPB
(Programa Nacional de Produção e uso de Biodiesel), incentiva e subsidia a produção de biodiesel para
as usinas que compram oleaginosas ou o óleo vegetal puro de agricultores familiares, com a intenção de
promover o desenvolvimento local e endógeno.

Material e métodos

Os dados utilizados neste estudo foram obtidos a partir de fontes secundárias, que trabalhados
produzem informações novas sobre a macaúba e, do uso de áreas degradas de pastagens no Cerrado
brasileiro e, no Brasil de modo geral. O estudo é exploratório por utilizar da pesquisa bibliográfica e
documental. É descritivo porque estabelece relações entre variáveis pesquisadas e, é explicativo por
tratar das relações que exigem conhecimento científico que se assenta nos resultados oferecidos pelo
estudo, apontando a macaúba como alternativa para atingir o desenvolvimento local sustentável.

Desenvolvimento em questão

Ainda que, o tema desenvolvimento econômico tenha tido muito destaque no século passado e,
de contínuos debates durante o início deste, a preocupação é mais antiga quando se trata de
crescimento econômico. Tinha-se por objetivo aumentar o poder econômico e militar do soberano,
sem considerar a melhoria de vida da população. O surgimento do processo de industrialização ocorreu
em algumas partes do Planeta e, dentro de cada país ficou concentrado em grandes centros. Fato que se
fez acentuar as desigualdades econômicas entre países e regiões. (SOUZA, 1995).
Segundo Altvater (1995), o processo de desenvolvimento acontece no espaço global, porém de
forma extremamente interrompida e não simultânea nas regiões e nações do mundo. A construção de
um modo eficaz apropriado ao sistema de produção industrial num país pressupõe o respeito às
interferências globais, pois um sistema industrial nacional se torna economicamente parte do mercado
mundial.
De acordo com Schumpeter (1997), entende-se por desenvolvimento econômico as mudanças
de vida econômica que surjam de dentro, por sua própria iniciativa. A economia sem desenvolvimento
é aquela que se arrasta e simplesmente se adapta as mudanças do mundo à sua volta.
Sob a ótica econômica, “desenvolvimento é, basicamente, aumento do fluxo de renda real, isto
é, incremento na quantidade de bens e serviços por unidade de tempo à disposição de determinada
coletividade” (FURTADO, 1961, p.115-116).
De acordo com Comitê (1995, apud MARTINS, 2002), se idealiza como desenvolvimento local
o processo de reativação econômica e a dinâmica da sociedade local, tendo como base o

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aproveitamento dos recursos endógenos, com o objetivo de fazer a economia crescer, criar empregos e
melhorar a qualidade de vida.
Neste sentido Albuquerque (1998), nas estratégias de desenvolvimento econômico local, estima-
se o interesse e a preocupação pela melhoria da qualidade de vida através da geração de emprego e
renda, mantendo-se a base dos recursos naturais e do meio ambiente territoriais. Destacando-se o
esforço endógeno por uma articulação da base produtiva empresarial local, potencializando os recursos
próprios, adaptando as inovações na base territorial com maior controle do processo de
desenvolvimento por parte dos agentes econômicos locais. A capacidade local empresarial e inovadora
é talvez, o fator mais decisivo para liderar o processo de desenvolvimento e mobilização dos recursos
disponíveis.
Todavia, tratar de desenvolvimento econômico na atualidade é imprescindível envolver o termo
sustentabilidade, que de acordo com Vecchia (2010), a sustentabilidade tem ganhado espaço como uma
nova visão de mundo. Por ser algo novo gera ainda certas controvérsias, o certo é que o tema é
abrangente, envolvendo quase todas as áreas das ciências humanas. Pode ser definida como a criação e
a disponibilização de firmamentos econômicos, sociais e ambientais permanentes, com possibilidade de
serem usufruídos de forma igual pelas gerações atuais e posteriores, independente de qualquer classe
social, crença religiosa ou cultural.
Para Daly (2002), sustentabilidade para ter sentido, deve requerer dependência crescente da
parte renovável no processo de transformação da economia. Para Vecchia (2010), o desenvolvimento
econômico deve contemplar três pontos fundamentais para tal reconhecimento, para não incorrer em
conceito inadequado. O enfoque é para ter o simultaneamente o equilíbrio entre o econômico, o social
e ambiental, que constitui o desenvolvimento sustentável pleno.
O tema desenvolvimento exposto, reflete a realidade quando se busca melhorias na qualidade
de vida. O processo parte da mudança da estrutura econômica como forma de poder e soberania,
avança para a distribuição de melhorias para toda a comunidade por meio da iniciativa transformadora
local, abordando a preocupação com o meio ambiente, no sentido da exploração dos recursos naturais
com sustentabilidade.

A inovação como fator de desenvolvimento

As inovações no sistema econômico surgem, via de regra, pelo produtor, que inicia a mudança
econômica, os consumidores são ensinados a querer coisas novas ou coisas que se diferenciam em um
ou outro aspecto daquelas que tinham hábito de usar. (SCHUMPETER, 1997).
Neste sentido Lemos (1999), afirma que as rápidas mudanças de curso exigem dos indivíduos,
empresas, regiões e países que aprendam e transforme o aprendizado em novas capacidades e
conhecimento em fator de competitividade para os mesmos.

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Para Ferrão (2002), existe a concepção convencional de inovação e a visão sistêmica da


inovação. Na concepção convencional, a inovação surge associada na ideia da descoberta científica, que
ocorre normalmente no funcionamento de atividades tidas como de investigação e desenvolvimento,
praticadas dentro das empresas, nas instituições de investigação e de ensino superior. A visão sistêmica
da inovação valoriza os processos de criação de novos conhecimentos, e coloca a tônica no modo
como são combinados diferentes tipos e fontes de informação e conhecimento pelas organizações,
produzindo novos conhecimentos, isto é, a inovar.
Nesse sentido a proposição de Schumpeter (1997, p. 76-77), considera como inovação:
“1) Introdução de um novo bem – ou seja, um bem com que os consumidores ainda
não estiverem familiarizados – ou de uma nova qualidade de um bem.
2) Introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que ainda não
tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria de transformação,
que de modo algum precisa ser baseada numa descoberta cientificamente nova, e pode
consistir também em nova maneira de manejar comercialmente uma mercadoria.
3) Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo particular
de indústria de transformação do país em questão não tenha ainda entrado, quer esse
mercado tenha existido antes, quer não.
4) Conquista de uma nova fonte de matérias primas ou de bens semimanufaturados,
mais uma vez independentemente do fato de que essa fonte já existia ou teve que ser
criada.
5) Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de
uma posição de monopólio (por exemplo, pela trustificação) ou a fragmentação de
uma posição de monopólio”.

A inovação requer iniciativa, esta parte do produtor, tanto de conhecimento como de produtos
e serviços, que visa a conquista de seus objetivos através de novos produtos ou serviços, que atendam
as necessidades do mercado. Neste sentido, é necessário que as organizações se adaptem a inovar e
produzir o novo para não perder espaço. O processo de inovação pode ter diversos caminhos como:
um novo produto, um novo método de produzir, um novo mercado conquistado, uma nova matéria
prima descoberta, ou um novo domínio, como estrutura de mercado.

Tipos de conhecimento

É necessário que se faça a distinção de dois tipos de conhecimentos: os codificáveis e os tácitos.


Os codificáveis transformados em informação podem ser reproduzidos, guardados, remanejados,
comprados, negociados, utilizados e assim por diante. Os tácitos possuem a particularidade de serem
difíceis de transformação em sinais ou códigos, porque sua natureza tem associação com processos de
aprendizado que dependem de contextos e formas de interações sociais específicas. (LASTRES;
FERRAZ, 1999). Neste sentido Lemos (1999), no conhecimento tácito, sua transferência ocorre
quando houver interação social, e esta acontece de forma localizada com raízes em organizações e
locais específicos. Mas a informação e o conhecimento codificado são facilmente transferidos pelo
mundo. O conhecimento dito codificado, corresponde aos saberes de base científica, valorizado pela
bibliografia e que usa a concepção convencional de inovação, sua intenção de produção e potencial de

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comercialização o distingue do conhecimento tácito, que possui caráter espontâneo e localmente mais
enraizado. (FERRÃO, 2002). De acordo com Tigre (1998), os conhecimentos tácitos são mais difíceis
de serem adquiridos e transferidos, são um ativo específico da firma, e assim constitui a base
diferenciada e competitiva das empresas.
Para Albagli (2006), o conhecimento codificado é descrito e disseminado com muito mais
facilidade, principalmente via tecnologias de informação e comunicação. Contudo, fazer uso de toda a
informação ou conhecimento codificado, se faz necessário os conhecimentos tácitos. Que por sua vez,
são considerados o diferencial básico de competitividade.Segundo Ferrão (2002), ao cruzar o
conhecimento tácito versus codificado e conhecimento interno versus externo, identifica-se quatro
principais fontes de novos conhecimentos, que seguem:
1º Conhecimento tácito externo, visto como a socialização de conhecimentos, que contém todo
tipo de associação de redes de natureza profissional, que produzem e propagam conhecimentos
especialmente a nível local pelas empresas.
2º Conhecimento tácito interno, considerado a criação espontânea de conhecimentos, surge da
base empírica que promove pequenas alterações e melhorias, que são posteriormente
incorporadas no funcionamento das organizações.
3º Conhecimento codificado interno, visto como atividades internas de I&D (inovação e
desenvolvimento) traduz a concepção convencional de inovação, é onde existe um forte
investimento em recursos físicos, humanos e organizacionais feitos de forma direta em
atividades bem definidas de investigação e desenvolvimento.
4º Conhecimento codificado externo, considerado como a troca e aquisição de conhecimentos,
condiz com o conjunto de mecanismos que possuem como objetivo garantir o acesso aos
conhecimentos de natureza cientifica e tecnológica que não existe dentro da organização, quer
seja no âmbito do mercado quer seja nas universidades, nos laboratórios de investigação ou em
empresas.
A interação dos dois tipos de conhecimento é fundamental para que a sociedade possa se
inovar, podendo atingir o desenvolvimento, partindo da divulgação do conhecimento tanto das
empresas como das instituições de ensino.

Resultados

A análise das atividades de pesquisa e desenvolvimento no mundo e no Brasil, pode ser feito
utilizando pedidos de patentes como indicadores, isto, para as mais diversas áreas de pesquisas, feito
tanto por empresas privadas quanto por universidades. De acordo com Mendes (2008a), os
depositantes de pedidos de patentes relacionados ao biodiesel no mundo no período entre 1996 a 2006,
as universidades foram responsáveis por 22,67% dos pedidos e as empresas por 77,33%. Segundo
Mendes (2008b), no Brasil no mesmo período as empresas foram responsáveis por 68,97% dos pedidos
de patentes e, as universidades por 31,03%. A tabela 1 trata de pedidos de patentes em biodiesel no
Brasil, (documentos publicados entre 1996-2006), com diversas bases de dados.

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Tabela 1, depositantes de patentes em biodiesel no Brasil – documentos publicados entre 1996-


2006.

Depositantes Nº de pedidos
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ [BR] 5
Rohmax Additives GMBH [DE] 4
Afton Chemical Corporation [US] 4
The Lubrizol Corporation [US] 4
IFP - Institut Francais du Petrole [FR] 4
O2diesel Corp (EX - AAE TECH. INT.) [US] 4
Cognis [DE] 3
Monsanto [US] 3
Cargill INC [US] 3
Renessen LLC [US] 3
Ethyl Corporation [US] 3
Petroleo Brasileiro S.A.- PETROBRAS [BR] 3
Siegfried, Peter [DE] 3
Stepan Company [US] 3
Fonte: adaptado de Mendes (2008b)

Observa-se que pelos documentos publicados, a Universidade Federal do Rio de Janeiro


apresentou o maior número de pedidos de patentes nesse período no Brasil (5) e que a Petrobras
apresentou 3 pedidos. A tabela mostra também que a maioria das patentes pertence a empresas de
outras nacionalidades.
O gráfico 1, aborda a análise da produção tecnológica internacional em biodiesel através de
indicadores de patentes. A coleta dos dados deu-se na base de dados Derwent Innovations Index, no
período entre 2000 a 2007, retratando a evolução do registro de patentes por organizações e indivíduos.

Gráfico 1, evolução do número de patentes por organizações e indivíduos, relacionados com


tecnologias em biodiesel (2000/2007).
patentes de organizações patentes de indivíduos

161

73 69
61
51 51
33 35
18 15 18 18 16
9 3 3

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: adaptado de Maricato; Noronha; Fujino (2010).

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Nota-se que o comportamento de patenteamento por indivíduos, tem evoluído de maneira mais
tímida, quando comparado com as patentes institucionais. Ambos têm um crescimento mais expressivo
no ano de 2005.
Na tabela 2, são identificados os países dos depositantes e o número de pedidos de patente
publicados no ano de 2011. A coleta dos dados deu-se na base de dados no Escritório Europeu de
patentes.
Observa-se que a China liderou os pedidos de patentes em 2011, seguido pelos Estados Unidos.
Nota-se também a presença do Brasil entre os depositantes no ano de 2011.
O registro do conhecimento e da inovação que promovem mudanças e melhorias na produção
de biodiesel, resultando em desenvolvimento econômico.

Tabela 2, países dos depositantes de pedidos de patentes com tecnologias relativas a biodiesel,
2011.
País do depositante Nº de pedidos de patente
China 22
Estados Unidos 19
Reino Unido 6
República da Coréia 3
Brasil 3
Índia 3
Alemanha 3
Fonte: elaboração própria com base em Mendes (2011); Mendes (2012)

No caso do Brasil, é válido destacar o incentivo das políticas públicas, como por exemplo, o
PNPB (Programa Nacional de Produção e uso de Biodiesel), que desde seu lançamento, em 2004,
apresenta como principais diretrizes a promoção da inclusão social e a redução das disparidades
regionais, estimulando a produção de biodiesel através de matéria prima endógena existente, sendo o
principal agente motivador para o desenvolvimento de diversas culturas oleaginosas e, insere o pequeno
produtor na cadeia produtiva, promovendo a descentralização e o aumento da produção de oleaginosas,
fatores estruturantes para o desenvolvimento local e regional. Deste modo, ocorre paralelamente o
incentivo a pesquisa para descobrir e desenvolver novas fontes e tecnologias para a produção de
biodiesel.
Como fonte de energia renovável e fator de desenvolvimento local e regional sustentável e,
resultado de pesquisas com base em conhecimento tácito e científico, se tem a macaúba, cultura
oleaginosa, fonte de matéria prima na produção de biodiesel, que tem potencial produtivo para atender
a demanda de mercado e promover o desenvolvimento sustentável.
A palmeira macaúba pertence a família palmae, seu nome científico é Acrocomia aculeata. A
macaúba é originária do Brasil, e encontra-se em quase todo o país, estendendo-se de São Paulo, Rio de

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Janeiro, Minas Gerais e por todo o Centro Oeste, Norte e Nordeste. Encontra-se também no Paraná,
porém em proporção bem menor (ARISTONE; LEME, 2006). De acordo com Cargnin; Junqueira;
Fogaça (2008), esta palmeira encontra-se distribuída ao longo da América tropical e subtropical, a partir
do sul do México e Antilhas até a Região Sul, abrangendo o Brasil, o Paraguai e a Argentina, ocorre
com maior profusão na região do bioma Cerrado.
Um hectare de área pode comportar até 200 palmeiras, atingindo uma produção de até 25
toneladas de cocos por ano. (SILVA, 2007). De acordo com Wandeck e Justos, (1988 apud MOTA,
2011), a macaúba produz cerca de 6.200 kg/ha por ano de óleo. Os estudos de laboratório executados
por Melo (2012), a produção de biodiesel a partir do óleo de macaúba através da transesterificação
chega a 98%.
Com 6.200 kg/ha por ano de óleo convertidos em biodiesel em 98%, obtém-se 6.076 kg/ha por
ano de biodiesel com o óleo de macaúba. De acordo com Ocanha; Ferrari (2011), a densidade para o
biodiesel do óleo de macaúba, é de 0,8745 g/litro. Portanto, seria possível produzir cerca de 6.948
litros/ha/ano do combustível renovável.
De acordo com a ANP (2012), no Estado do Tocantins, em 2012, ocorreu um total de vendas
pelas distribuidoras de 770.600.662 litros de diesel.
Segundo Silva Neto (2013), a área de pastagens no cerrado brasileiro (base censo agropecuário
2006), é de 45.274.463 hectares, destes 4.284.712 hectares são de pastagens degradadas. Utilizando-se
estes dados, seria possível atender a demanda de biodiesel no Estado do Tocantins com 0,13% desta
área. A demanda no Brasil seria atendida com 9,39% da área de pastagens degradadas do cerrado
brasileiro, conforme tabela 3.

Tabela 3, área de pastagem degradada do cerrado brasileiro, usando óleo de macaúba para
produzir biodiesel.
Localidade Demanda de Área necessária Área de pastagem % de área de
biodiesel (litros) para produzir (ha). degradada do pastagem
cerrado (ha) degradada para
atender a demanda
Tocantins 38.530.033 5.545 4.284.712 0,13
Brasil 2.795.018.796 402.277 4.284.712 9,39
Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados

Utilizando-se os dados de Silva Neto (2013), a área de pastagens no Brasil (base censo
agropecuário 2006), é de 101.437.409 hectares, destes 9.842.925 hectares são de pastagens degradadas.
Utilizando-se estes dados, relacionando-os com a demanda de biodiesel por localidade e a capacidade
de produzir biodiesel da macaúba, se obtém os resultados apresentados na tabela 4.

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Tabela 4, área de pastagem degradada do Brasil, usando óleo de macaúba para produzir
biodiesel por localidade.
Tocantins e Demanda de Área necessária Área de pastagem % de área de pastagem
Outras Regiões biodiesel para produzir degradada do degradada para
Em 2012 (litros) (ha). Brasil atender a demanda
(ha)
Tocantins 38.530.033 5.545 9.842.925 0,06
Norte 284.532.432 40.952 9.842.925 0,42
Nordeste 456.683.871 65.729 9.842.925 0,67
Centro Oeste 339.434.928 48.854 9.842.925 0,50
Sudeste 1.190.811.604 171.389 9.842.925 1,74
Sul 523.555.961 75.353 9.842.925 0,77
Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados

Deve-se observar que existem cálculos referentes a todas as regiões do país, pois de acordo com
(ARISTONE e LEME, 2006), existe a presença da palmeira macaúba de Norte a Sul do Brasil, o que
abre a possibilidade de atender a demanda em cada localidade.
A demanda nacional de biodiesel apresentada para 2012, é dado consolidado obtido com base
no consumo de diesel com a mistura de 5% (B5), para o ano. De acordo com Brasil (2007), o PNE
2030 (Plano Nacional de Energia 2030), visualiza um cenário no mercado que chegará a mistura B7 em
2020 e B12 em 2030.
A tabela 5 resume os dados considerados da demanda nacional em 2012 e da projeção para
2020 e para 2030, relacionando com a área necessária para produzir e atender a demanda e, o
percentual que esta área representa em relação a área de pastagem degradada no Brasil.
Tabela 5, área de pastagem degradada do Brasil, usando óleo de macaúba para produzir
biodiesel atendendo a demanda em 2012, 2020 e 2030.
Demanda de Biodiesel Área necessária Área de pastagem % de área de pastagem
para produzir (ha). degrada no Brasil (ha). degrada para atender a
demanda (ha).
Em 2012 (litros). 402.277 9.842.925 4,09
2.795.018.796
Projetada para 2020 (litros). 696.041 9.842.925 7,07
4.836.090.000
Projetada para 2030 (litros). 1.690.432 9.842.925 17,17
11.745.120.000
Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados

Constata-se que, mesmo na demanda projetada, a área necessária para atendê-la é sempre
inferior a área atual de pastagem degradada e, seus valores relativos são considerado baixos, aponta-se
com isso o possível atendimento da demanda de biodiesel no país através da produção com óleo de
macaúba, sem desmatamento e abertura de novas áreas.
Segundo Dias et al (2011), do ponto de vista ambiental, o processo de degradação de pastagens
contribui negativamente para o processo hidrológico de microbacias. As características botânicas e
morfológicas da macaúba favorecem a captação da água de maneira eficiente e, o sistema radicular do
tipo fasciculado pode ter o funcionamento de uma esponja, que após a água escoada pelo tronco a
absorve, armazena e a disponibiliza, também promove a infiltração e redução do escoamento
superficial. A macaúba pode se constituir em barreira física contra o escoamento superficial da água
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livre e, protege o solo com suas folhas arcadas. O seu cultivo em consórcio com pasto pode trazer
ganhos ambientais.

Considerações finais

Em linhas gerais, a promoção do desenvolvimento passa pela construção do conhecimento e


pela capacidade dos agentes envolvidos em inovar, partindo dos recursos locais disponíveis e de
condições específicas que cada local, região e nação possuem conjuntamente com a disposição dos
recursos humanos existentes.
O desenvolvimento local endógeno se inicia a partir da inovação que é capaz de mudar o rumo
das transformações da sociedade. Cada diversidade local ou regional deve ser uma oportunidade para
desenvolver a sociedade com suas caraterísticas próprias de cada recurso disponível, caracterizando-se
como desenvolvimento endógeno. O diferencial do desenvolvimento se encontra na postura do papel
da comunidade como agente transformador, envolvido no processo e, não apenas beneficiária. Para
tanto, a produção de conhecimento deve ser a força propulsora da inovação como fator de
desenvolvimento econômico e sustentável, partindo do conhecimento tácito e codificado.
Os resultados apontam que a macaúba é alternativa de desenvolvimento econômico para o
Brasil, principalmente por estar presente em todo o país e, com grande potencial de produção de óleo,
que se destina para a produção de biodiesel.
No caso do biodiesel obtido a partir do óleo de macaúba, é produto originário local, o que lhe
confere o papel de promovedor de desenvolvimento endógeno, participativo da vida econômica. O
processo parte das descobertas ocorridas de estudos científicos, aliados aos conhecimentos tácitos
compartilhados com o objetivo de desenvolver economicamente uma região ou país. É inovação por se
apresentar como uma nova fonte de matéria prima com potencial produtivo capaz atender a demanda
de mercado atual e, projetada até 2030. Atende as exigências do mercado substituindo o diesel de
origem fóssil, gerando emprego e renda local. É renovável e ambientalmente sustentável podendo
contribuir com processo de restauração de pastagens degradadas, recuperando o potencial natural de
ecossistemas.

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A configuração da comunidade de pesquisa da
região Norte do Brasil

Josimara Martins Dias Nonato1


Carlos Tavares Nonato2

1. Universidades públicas, pós-graduação e titulações

A
maioria das Universidades Federais da região Norte foram criadas durante as décadas de
1960 e 1970, com exceção da Universidade Federal do Tocantins, criada em 2003, e da
Universidade Federal do Oeste do Pará, criada em 2009. As Universidades Estaduais e a
conseqüente “interiorização” e descentralização do ensino superior na região ocorreu somente a partir
da década de 1990. Atualmente a região conta com oito universidades federais e cinco estaduais, as
quais possuem sedes nas capitais, campis e pólos pedagógicos distribuídos pelo interior dos estados,
conforme os mapas 1 e 2. As sedes concentram a maior parte dos cursos universitários, além de
extensão e pós-graduação, enquanto os núcleos pedagógicos possuem no máximo dois cursos
universitários.

Mapa 1 – Distribuição espacial das universidades federais na região Norte do Brasil

(Elaboração própria. Dados disponibilizados pelas Universidades)

1 Geógrafa, doutora em Política Científica e Tecnológica, Analista de Gestão, Planejamento e Infra-estrutura do IBGE –
Tocantins.
2 Estatístico, mestrando em Agroenergia na Universidade Federal do Tocantins e Analista Estatístico da Defensoria Pública

do Tocantins.
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Mapa 2 – Distribuição espacial das universidades estaduais na região Norte do Brasil

(Elaboração própria. Dados disponibilizados pelas Universidades)

Em 1993 foi criada a Universidades Estadual do Pará e somente após o ano 2000 foram criadas
as demais. Assim, em 2001 foi criada a Universidade Estadual do Amazonas, em 2005 a Estadual de
Roraima e a Estadual do Amapá foi criada em 2006. Nos estados do Acre, Rondônia e Tocantins ainda
não há Universidades Estaduais públicas3.
De acordo com dados do CNPq e da CAPES, o total de docentes nos estados da região Norte
em 2012 era de 3.142, sendo que 81% estavam alocados nos estados do Amazonas e do Pará.4
Com relação aos programas de pós-graduação, em 2012 havia 3.342 programas em todo o Brasil
e a região Norte apresentava 5% desse total (172 programas). Tocantins, Roraima e Amapá foram os
últimos estados a criarem programas de pós-graduação, em 2002, 2003 e 2006 respectivamente.
Estudos do CGEE (2010a) apresentam que no período de 1996 a 2000 ocorreu uma significativa
desconcentração espacial dos programas de doutorado que privilegiou as regiões menos desenvolvidas
no Brasil. Enquanto a média de crescimento nacional foi de 69%, a região Norte registrou o
crescimento de 218%. Apesar desse crescimento, a região ainda apresenta o menor número de
programas de pós-graduação (CGEE, 2010a e 2010b).

3 Especificamente no Tocantins, a universidade estadual criada em 1990 foi extinta em 1996. Em seu lugar foi criada a
Fundação Universidade do Tocantins (UNITINS) no formato de Fundação Pública de Direito Privado. Com a criação da
Universidade Federal do Tocantins, em 2003, parte do patrimônio da UNITINS foi transferido para a Federal. A partir de
2003, a UNITINS passou a atuar com cursos telepresenciais de graduação e 2009 esses cursos foram descredenciados pelo
Ministério da Educação.
4 Dados do CNPq, disponíveis em www.cnpq.br/estatisticas/index.htm, agosto de 2013 e dados da CAPES disponíveis em:

http://geocapes.capes.gov.br/geocapesds, agosto de 2013.

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O crescimento dos programas de pós-graduação da região Norte ocorreu mais nos estados do
Amazonas e Pará, ou seja, ainda existe, um “espaço quase vazio” em relação à pós-graduação nos
demais estados da região, conforme pode ser notado no mapa 3. Até o ano de 2008 ainda não havia
nenhum doutor titulado em instituições dos estados do Acre, Roraima, Amapá e Rondônia (CGEE,
2010).

Mapa 3 – Mapa quantitativo de programas de pós-graduação no Brasil - mestrado acadêmico, mestrado


profissional e doutorado (2008)

(Elaboração própria. Fonte de dados: http://geocapes.capes.gov.br, janeiro de 2010)

No período de 1996 a 2008, o total de 639 doutores foram titulados na região, dos quais apenas
um no estado de Rondônia e os demais nos estados do Amazonas e Pará. De acordo com dados do
CGEE (2010a), nesse mesmo período, as instituições da região Sudeste do Brasil titularam 67.626
doutores, o que corresponde a 77,7% dos doutores titulados em todo o país. No entanto, entre 2000 e
2008 houve um crescimento de 400% de pesquisadores-doutores alocados em instituições de ensino
superior e/ou de pesquisa na região norte, de acordo com dados do CNPq (no ano 2000 havia 705
pesquisadores-doutores e em 2008 havia 2.863). Os estados mais carentes de doutores em relação à
densidade populacional são Rondônia e Maranhão, conforme mapa 4.

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Mapa 4 – Densidade de doutores por população residente no Brasil (2008)

(Elaboração própria. Fonte de dados: doutores cadastrados no CNPq e estimativa populacional de 2009 segundo o IBGE)

Com relação à pós-graduação, os cursos correlatos às ciências biológicas se destacam


contemplando 37% dos cursos. Também se destacam os cursos classificados como
“Multidisciplinares”. Entretanto, não se trata de uma característica específica da região Norte, pois os
cursos de pós-graduação multidisciplinares cresceram 730% em todo o Brasil no período de 1998 a
2008 (CGEE, 2010a). Os doutorados multidisciplinares na região norte se enquadram nos temas de
meio ambiente, biotecnologia, materiais, ciências sociais aplicadas e humanidades.
Os cursos de Ciências Biológicas e os Multidisciplinares se destacam no índice de especialização
da pós-graduação elaborado pelo CGEE (2010a), conforme o gráfico 1. A região titula em áreas
multidisciplinares uma proporção dez vezes superior à média nacional de doutores. Em contraposição,
pouquíssimos doutores são titulados em Ciências da Saúde (índice 0) proporcionalmente à média
nacional, apesar de ser uma área de expressiva demanda social na região. A segunda área de baixa
titulação é a Lingüística (índice 0), contraditoriamente à diversidade cultural e lingüística das populações
tradicionais e, principalmente, indígenas, existentes nessa região.

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Gráfico 1 – Índice de especialização da região Norte por áreas do conhecimento em relação à média
nacional dos doutores titulados (1996-2008)

(Fonte: CGEE, 2010a p. 99)

Em 2008 havia 36 cursos de pós-graduação classificados como Interdisciplinares na região Norte,


de acordo com o campo “Área de Avaliação” das bases de dados estatísticos da CAPES. Entretanto,
analisando o campo “Área de Conhecimento” dos cursos nessas bases, 75% deles se enquadram nas
áreas de Ciências Biológicas e Agrárias. As pesquisas desenvolvidas por esses cursos são, na prática,
subdivisões de uma mesma grande área de conhecimento, ou seja, trata-se de uma interdisciplinaridade
restrita porque não articulam a interação com outras grandes áreas. Essa restrição também ocorre entre
os cursos Interdisciplinares das Ciências Humanas, pois se restringem às subdivisões dessa grande área.
Apenas um curso de pós-graduação classificado como Interdisciplinar na “Área de Avaliação” também
foi classificado como “Interdisciplinar” no campo da “Área de Conhecimento” das bases da CAPES,
curso que está alocado na UFAC.

2. Os Institutos de Pesquisa

A partir do ano 2000, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) investiu na criação de


institutos de pesquisa focados em temáticas consideradas estratégicas para o Desenvolvimento
Sustentável do país (Biotecnologia, Nanotecnologia, Tecnologias da Informação e Comunicação, Saúde,
Biocombustíveis, Energia Elétrica, Hidrogênio e Fontes Renováveis de Energia, Petróleo, Gás e Carvão
Mineral, Agronegócio, Biodiversidade e Recursos Naturais, Amazônia, Semi-Árido, Mudanças
Climáticas, Programa Espacial, Programa Nuclear, Defesa Nacional, Segurança Pública, Educação, Mar
e Antártica e Inclusão Social). Além de atender essas demandas, os institutos têm a função de
desenvolver e descentralizar recursos humanos e tecnologias.
Em 2008, no âmbito do “Programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia”, foram
criados 101 novos institutos coordenados pelo MCT, os quais serão financiados com editais e/ou
chamadas do CNPq, além do apoio da CAPES, de outros ministérios, das agências de financiamento
estaduais e do BNDES. A região Norte ganhou oito novos institutos, sendo cinco institutos no
Amazonas e três no Pará. Anteriormente, o MCT já mantinha o Instituto de Desenvolvimento

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Sustentável Mamirauá e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, ambos no estado do


Amazonas, e o Museu Paraense Emílio Goeldi no Pará. Então, atualmente a região conta com 12
institutos vinculados ao MCT.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) possui uma rede de agências que
atende todos os estados. Em 2009, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais também estruturou uma
unidade no Pará para a difusão internacional de tecnologias de monitoramento de florestas tropicais
por satélite. Ainda existem poucos institutos de pesquisa privados na região Norte, com exceção das
Organizações Não-Governamentais (ONGs). As ONGs apresentam uma atuação expressiva em
relação à produção técnico-científica na região norte. O quadro 1 apresenta os institutos criados na
região Norte até o ano de 2010.

Tabela 1 – Institutos de Pesquisa na região Norte


Instituição UF e Tipo Ano
Museu Paraense Emílio Goeldi PA - Público 1866
Instituto Evandro Chagas PA - Público 1936
Embrapa Oriental PA - Público 1939
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia AM - Público 1945
Instituto Euvaldo Lodi PA - Privado 1969
Universidade de Tecnologia da Amazônia AM - Público 1973
Embrapa Ocidental AM - Público 1974
Embrapa - CEPAFRO RO - Público 1975
Fundação de Medicina Tropical do Amazonas AM - Público 1977
Embrapa - CEPAFAP AP - Público 1980
Embrapa – CPAFAC AC - Público 1981
Embrapa - CEPAFRR RR - Público 1981
Fundação Centro de Análise Pesquisa e Inovação Tecnológica AM - Privado 1982
Fundação Estadual do Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia de Roraima RR – Público 1991
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia PA - Privado 1995
Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá AP - Público 1994
Genius Instituto de Tecnologia AM - Privado 1999
Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais de Rondônia RO - Privado 1999
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá AM – Org. Social 2001
Fundação de Medicina Tropical do Tocantins TO - Público 2001
Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Pólo Industrial de Manaus AM - Privado 2003
INCT de Adaptação da Biota Aquática da Amazônia AM - Público 2008
INCT de Estudos Integrados da Biodiversidade Amazônica AM - Público 2008
INCT de Madeiras da Amazônia AM - Público 2008
INCT dos Serviços Ambientais da Amazônia AM - Público 2008
INCT Centro de Energia, Ambiente e Biodiversidade AM - Público 2008
INCT em Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia PA - Público 2008
INCT de Energias Renováveis e Eficiência Energética na Amazônia PA - Público 2008
INCT para Febres Hemorrágicas Virais PA - Público 2008
INCT de Geociências da Amazônia PA - Público 2008
Embrapa Pesca e Aqüicultura TO - Público 2009
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Amazônia PA - Público 2010
(Elaboração própria da autora)

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3. Perfil dos grupos de pesquisa e áreas de concentração

Assim como houve o crescimento no número de pesquisadores-doutores na região Norte a partir


da década de 1990, também houve o crescimento acelerado de grupos de pesquisa cadastrados e
certificados pelo CNPq. Em 1993 a região registrava 77 grupos e quinze anos depois, em 2008,
registrava 1.070 grupos, (5% dos grupos de pesquisa do país). Os estados do Pará e Amazonas possuem
69% dos grupos de pesquisa da região Norte.
Os grupos de Ciências Humanas destacam-se em quantidade, conforme o gráfico 2. Internamente
a essa grande área, destacam os grupos de Educação e Antropologia (58% dos grupos).
Gráfico 2 – Grupos de pesquisa por grande área na região Norte (CNPq - 2008)

(Elaboração própria, fonte de dados: CNPq, http://dgp.cnpq.br/planotabular, janeiro de 2010)

Entre as ciências biológicas, os grupos de pesquisa em Ecologia, Zoologia e Genética têm maior
representatividade. Essas são justamente as áreas mais relacionadas à prospecção da biodiversidade e à
conservação dos recursos naturais, temáticas de grande interesse e atração de recursos para a
comunidade acadêmica no período atual.
Com relação aos investimentos do CNPq em bolsas e no fomento direto às pesquisas, apesar do
maior número de grupos em Ciências Humanas, essa grande área recebeu menos recursos que as
Ciências Biológicas, Agrárias e as Exatas (gráfico 3). Esses dados convergem com o alto índice de
especialização em Ciências Biológicas na região Norte, conforme a análise do CGEE (2010a).
Gráfico 3 - Investimentos realizados pelo CNPq em bolsas e no fomento à pesquisa por grande área do
conhecimento na região Norte (2009)*

(Elaboração própria, fonte de dados: CNPq, www.cnpq.br/estatisticas/indicadores.htm, janeiro de 2010)


* Inclui recursos dos fundos setoriais.

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4. As Organizações Não-Governamentais

A inserção das ONGs na Amazônia brasileira ganhou expressão a partir da década de 1980,
vinculadas ao movimento ambientalista. Conforme Porto-Gonçalves (2001), a atuação dessas
organizações na região Norte iniciaram já na década de 1960 em função dos conflitos de terra entre as
comunidades tradicionais locais (indígenas, seringueiros, caboclos, entre outros) e as ações relacionadas
aos projetos governamentais desenvolvimentistas. Inicialmente destacaram-se as entidades criadas por
setores ligados à Igreja Católica, como a Teologia da Libertação, mas também entidades ligadas a
partidos políticos clandestinos. Durante as décadas de 1980 e 1990 o cenário se ampliou e se
diversificou a partir de entidades vinculadas a empresas e fundações, que se especializaram e passaram a
vender pacotes de serviços.
As ONGs contribuíram para a maior visibilidade dos movimentos sociais da Amazônia. Na
esteira de Chico Mendes e diversos movimentos indígenas, ao quebrar as mediações tradicionais com o
poder público, essas organizações abriram outras possibilidades de ação para esses sujeitos sociais se
constituírem com personalidade política própria. A conservação ambiental, de uma forma ou de outra,
é o tema que catalisou a relação entre os movimentos locais e as ONGs. O movimento indígena
também ganhou apoio de ONGs a partir do momento em que também se aliou ao discurso da defesa
do meio ambiente e, principalmente, que pesquisas científicas demonstraram as influências das práticas
tradicionais na conformação da biodiversidade amazônica (PORTO-GONÇALVES, 2001).
Diversas ONGs, segundo Jacobi (2000), apóiam e assessoram as comunidades indígenas na
construção de alternativas sócio-econômicas afirmativas de seus valores culturais. A ênfase, segundo o
autor, está na geração de conhecimento sobre a conservação, a preservação e o manejo sustentável dos
recursos naturais com o fortalecimento institucional e gerencial das comunidades. Por outro lado, o viés
científico de preservação radical adotado por algumas ONGs também é contrário aos interesses de
muitas populações locais em função da pressão pela delimitação de áreas de preservação e à proibição
de manejo de recursos nessas áreas.
As ONGs atuantes na Amazônia desenvolvem atividades de formação e capacitação; pesquisas
sobre alternativas de desenvolvimento econômico para as populações locais, incluindo a transferência
de tecnologia e inovações para as populações locais; e, principalmente, projetos de conservação e
recuperação ambiental. Entre essas práticas, têm se destacado os financiamentos destinados à
identificação de áreas prioritárias para a criação de áreas de preservação ou conservação e à gestão das
mesmas através de programas financiados por agências multilaterais. De acordo com os estudos de
Paulino (2006) e de Nonato (2012), há muitas parcerias entre instituições públicas de pesquisa da região
Norte com ONGs.
Então, além das tradicionais universidades e institutos públicos ou privados de pesquisa,
destacam-se as grandes ONGs na dinâmica da produção científica regional. Essas organizações
articulam complexas redes de financiamento nacionais e internacionais que lhes garantem força para o
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desenvolvimento de seus projetos. De acordo com as entrevistas realizadas por Nonato (2012) com
pesquisadores da região, diversos cientistas ou grupos de pesquisa consolidados na região em distintas
áreas de conhecimento têm estabelecido parcerias com as grandes ONGs para garantir respaldo técnico
e financeiro às suas áreas de pesquisa. Há casos de pesquisadores consolidados que também criaram
suas próprias organizações fora das universidades.
Em 2008 havia 41 ONGs de pesquisa na região, de acordo com dados do CNPq. Esse valor é
maior ao considerar a quantidade de ONGs não certificadas e que estão executando pesquisas na
Amazônia. Dados do CNPq sobre investimentos em bolsas e fomento à pesquisa por instituição
apresentam 16 ONGs, no período de 2001 a 2008. Não obstante, ainda faltam estatísticas precisas
sobre ONGs criadas ou mantidas por cientistas vinculados às universidades ou institutos de pesquisa.
Atualmente, as ONGs de maior expressão na região são: Fundação Vitória Amazônica,
Instituto Socioambiental - ISA, Sociedade Civil Mamirauá, Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, SOS Amazônia, Amigos da Terra e
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.

5. Principais fontes de financiamento à pesquisa

A partir da década de 1990 nota-se o esforço de estruturação institucional voltada à


descentralização do financiamento à pesquisa no Brasil, com base na criação de fundos setoriais
federais de ciência e tecnologia, programas de fomento federal compartilhados com estados e
instituições do terceiro setor e/ou empresas e as Fundações de Amparo à Pesquisa – FAPs (CGEE,
2010b). Em 1991 foi criado o “Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico” através
da Lei 8.172, de 18/01/1991, que posteriormente foi regulamentado pela Lei 11.540, de 12/11/ 2007.
A regulamentação tornou obrigatória a aplicação de no mínimo 30% dos recursos destinados ao
financiamento de atividades de ciência e tecnologia para as instituições sediadas nas regiões Norte,
Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
O quadro de financiamentos para a produção técnico-científica na região Norte vem se
revertendo nos últimos dez anos, tanto em relação aos investimentos federais quanto os estaduais.
Além do aumento no financiamento nacional, a visibilidade da biodiversidade amazônica tem garantido
às instituições de pesquisa alocadas nessa região - públicas e privadas - variadas alternativas de
financiamento internacionais. Nos últimos sete anos, por exemplo, o MCT investiu cerca de R$ 900
milhões nos estados pertencentes à Amazônia Legal.5 Entre as fontes internacionais encontram-se
programas de pesquisa de agências multilaterais, grandes ONGs e doações de países desenvolvidos.
Não obstante, as principais fontes de financiamento à pesquisa no Brasil são públicas.

5 Dados disponíveis em: www.sipam.gov.br, janeiro de 2010.

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Entretanto, é importante explicitar que algumas instituições de pesquisa têm maior habilidade
científica e política de captar recursos que outras. O montante de recursos direcionado “para a
Amazônia” não abrange de forma igualitária todos os estados que conformam a região (NONATO,
2012). O Amazonas e o Pará possuem maior aporte de instituições, grupos de pesquisa, pesquisadores-
doutores e, conseqüentemente, maior acesso às fontes de financiamento nacionais e internacionais.
Enquanto os demais estados da região ainda recebem muito pouco dos crescentes financiamentos
direcionados à região.

5.1 CNPq, Capes e Finep


O CNPq e a CAPES são os principais órgãos de financiamento público à pesquisa do país. Os
cálculos de investimento à pesquisa por doutor, elaborados pelo CNPq para o período de 2007 a 2010
indicam que os estados do Amazonas, Pará, Rondônia e Amapá receberam mais recursos por doutor
que os estados da região Sudeste, conforme o mapa 5.
Os investimentos do CNPq para a região Norte cresceram significativamente a partir de 2002.
Contudo, uma análise intra-regional demonstra que a maior parte desse crescimento está concentrado.
O mapa da figura 6 apresenta uma análise do investimento em pesquisas na região com base na
densidade populacional de cada estado, e Amazonas se destaca em relação a todos os demais. Nota-se
também que não há nenhum estado da região na menor faixa de investimentos. Os estados que
receberam o menor volume de financiamentos em relação à densidade populacional foram o Piauí e o
Maranhão.
Mapa 5 – investimentos* realizados pelo CNPq em bolsas e no fomento à pesquisa por doutores
(2007 – 2010)

*Inclui recursos dos Fundos Setoriais


(Elaboração própria. Fonte de dados: Cálculos do CNPq com número de doutores cadastrados, sem dupla contagem,
www.cnpq.br/estatisticas/indicadores.htm)

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Figura 6 – Investimentos* realizados em bolsas e no fomento à pesquisa por população residente, 2008
– CNPq

*Inclui recursos dos Fundos Setoriais


(Elaboração própria. Fonte de dados: Cálculos do CNPq com a estimativa populacional em julho de 2009, segundo o IBGE -
www.cnpq.br/estatisticas/indicadores.htm)

A Finep se dedica ao fomento de atividades de pesquisa direcionadas à inovação tecnológica em


empresas, universidades e institutos de pesquisa. No conjunto de suas linhas de financiamento duas em
especial são importantes para a região Norte: os Fundos Setoriais e o Programa de Apoio a Pesquisa em
Empresas (PAPPE).
O objetivo do PAPPE, criado em 2003, é apoiar projetos de inovação tecnológica executados
por pesquisadores vinculados às instituições de pesquisa nacionais e que estão atuando diretamente ou
em cooperação com empresas. A operação desse programa foi concebida de forma descentralizada a
partir da seleção e credenciamento de parceiros estaduais, notadamente com a contrapartida das
Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais, secretarias de C&T ou entidades sem fins lucrativos
indicadas. Na região Norte apenas Amazonas e Pará foram contemplados. Esse programa deu origem
ao programa “PAPPE Integração”, cujo objetivo é estimular a inovação tecnológica em micro empresas
(com faturamento máximo de R$2,4 milhões/ano) das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.6
Os Fundos Setoriais são modalidades particulares de financiamento à pesquisa, criados a partir
de 1998 com o propósito fortalecer áreas estratégicas para o país; otimizar e ampliar as fontes de
financiamento para além do poder público; e, principalmente, fomentar a maior integração das
instituições privadas – notadamente as indústrias – na elaboração de inovações tecnológicas. Os

6 Dados extraídos da FINEP (www.finep.gov.br/programas/integracao.asp, novembro de 2010).

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recursos dos fundos são depositados no “Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e


Tecnológico” e administrados pela Finep e/ou pelo CNPq.
Atualmente existem 16 modalidades de Fundos Setoriais (CT-Petróleo e Gás Natural, CT-
Informática, CT-Recursos Minerais, CT-Energia Elétrica, CT-Recursos Hídricos, CT-Espacial, CT-
Infra-Estrutura, CT-Verde-Amarelo, CT-Biotecnologia, CT-Agronegócios, CT-Aeronáutica, CT-
Transportes, CT-Saúde, CT-Audiovisual). Os estados pertencentes à Amazônia Legal ganharam um
Fundo específico, o CT-Amazônia, criado em 2003.
A receita dos Fundos Setoriais, criados na esteira do processo de privatização pós-década de
1990 tem diversas origens: royalties, parcela da receita das empresas beneficiárias de incentivos fiscais,
contribuição de intervenção no domínio econômico, compensação financeira, direito de passagem,
licenças e autorizações, doações e empréstimos. A gestão dos recursos é responsabilidade de comitês
gestores, específicos para cada fundo, dos quais participam representantes do MCT, os ministérios afins
aos temas dos fundos, as agências reguladoras, a Finep, o CNPq, pesquisadores representantes da
comunidade acadêmica e representantes dos setores empresariais interessados (PEREIRA, 2005). Na
região Norte as FAPs do estado do Amazonas e do Pará são encarregadas de executar a seleção de
projetos nos editais do CT-Amazônia.
As universidades, empresas e centros de pesquisa (públicos e privados, com ou sem fins
lucrativos), estão aptos a pleitear o fomento financeiro dos fundos setoriais por meio de editais públicos
(convocação pública das propostas), de carta-convite (os fundos podem convidar instituições a
apresentar projetos específicos) e encomendas (o comitê gestor pode encomendar a produção de
projetos, estudos ou eventos diretamente a uma instituição em situação de emergência ou para dar
prioridade a ações estratégicas do governo). Os recursos desses fundos servem para apoiar atividades
tanto de ciência básica ou aplicada nas áreas vinculadas a cada fundo, tais como estudos de demandas e
prognósticos de oportunidades; projetos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico; bolsas de estudo
para capacitação de recursos humanos; seminários, congressos e workshops que contribuam para a
definição de políticas; análise dos mercados nacional e internacional; intercâmbio e transferência de
conhecimentos; avaliação de tecnologias; e parcerias ou alianças estratégias (PEREIRA, 2005).7
De acordo com o Portal Transparência Pública, entre 2008 e 2009, 11 fundos setoriais
desenvolveram projetos aplicados à região Norte com recursos do governo federal, totalizando R$
50.753.496,00. Os estados que receberam maior porcentagem de recursos desses fundos foi o Pará,
com 34%, e o Amazonas, com 32%. O estado que menos recebeu recursos dos fundos setoriais foi o
Amapá, com apenas 1% do total.8 O Fundo Setorial de Infra-Estrutura recebeu o maior repasse de

7 São passíveis de apoio todos os itens financiáveis pelo FNDCT: custeio de passagens, diárias, material de consumo,
serviços de terceiros, investimento em obras civis, instalações, equipamentos e bolsas de desenvolvimento tecnológico
(através de acordo firmado com o CNPq).
8 Valores extraídos do Portal Transparência Pública (www.portaldatransparencia.gov.br, janeiro de 2010).

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recursos do governo federal para projetos na região Norte, com 65% do total. O gráfico 4 apresenta os
investimentos dos fundos entre os estados da região Norte no período de 2008 a 2009, com exceção do
fundo CT-Amazônia.

Gráfico 4 - Recursos federais para os Fundos Setoriais na região Norte (2008-2009)

(Elaboração própria, fonte de dados: www.portaldatransparencia.gov.br, janeiro de 2010)

O CT-Amazônia é constituído a partir de repasses das empresas de informática por meio de


renúncia fiscal. Assim, trata-se de um fundo com recursos provenientes de no mínimo 0,5% do
faturamento bruto das empresas que produzem bens e serviços na área de informática na Zona Franca
de Manaus. Contudo, o objetivo é fomentar essas atividades em toda a região amazônica e em diversos
segmentos científico-tecnológicos. No Comitê Gestor do CT-Amazônia participam: Ministério de
Ciência e Tecnologia; o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio; CNPq; FINEP; Banco
Nacional de Desenvolvimento (BNDES); Banco da Amazônia; Superintendência da Zona Franca de
Manaus; Pólo Industrial de Manaus; Secretaria de C&T do Amazonas; e quatro pesquisadores
representantes da comunidade científica.
.
5.2 Fundações de Amparo à Pesquisa Estaduais (FAPs)

As FAPs se constituem como fundações de direito público vinculadas aos governos estaduais,
mas com autonomia administrativa e financeira para a execução do auxílio à produção científica e à
formação de nível superior. Atuam mediante o financiamento de bolsas de estudo em todos os níveis
acadêmicos (Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado, Pós-doutorado e intercâmbios fora do país);
concessão de recursos para a produção das pesquisas (material de laboratório, apoio técnico, campo,
eventos científicos, entre outros); programas temáticos de fluxo contínuo e/ou editais de específicos,
para todas as áreas de conhecimento. Também podem estabelecer parcerias com instituições de outros

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estados e/ou outros países para obter financiamentos. Apenas os estados de Rondônia e Roraima ainda
não possuem Fundações próprias.9
Então, as FAPs são fontes importantes de investimento no desenvolvimento científico e
tecnológico descentralizado no Brasil. A criação dessas fundações na região Norte é uma decorrência
da descentralização administrativa promovida pela Constituição federal de 1988 e do rebatimento de
seus preceitos nas constituições estaduais elaboradas a partir de 1989 (CGEE, 2010b).
Atualmente as FAPs da região Norte são: no Acre, com a FUNTAC (criada em 1989); o
Amazonas, com a FAPEAM (criada em 2007); o Pará, com a FAPESPA (criada 2007); o Tocantins,
com a FAPTO e a FAPT (criadas em 2004 e 2011) e o Amapá, com a FAPAP (criada em 2010). 10
Todas as FAPs citadas assumiram como missão a produção de pesquisas direcionadas para o
desenvolvimento social e econômico de seus estados de origem.
A FAPTO, diferentemente das demais, ainda não concede bolsas de mestrado ou doutorado.
Apenas agencia a captação de recursos para pesquisas através de parcerias com instituições públicas e
privadas, promove cursos de especialização e apóia eventos científicos. Em 2011 também foi criada
uma nova fundação, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Tocantins (FAPT) com maior escopo de
atuação, ou seja, para a concessão de bolsas de iniciação científica e de pós-graduação e a delimitação de
programas próprios de pesquisa.

5.3 Programas e Redes de pesquisa


Na década de 1990 o governo federal deu início à criação de uma série de programas especiais
com financiamentos nacionais e internacionais para a produção de pesquisas voltadas à bioprospecção
na Amazônia. A partir de 2000, com foco na ampliação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia
em tal área, considerada como estratégica para o Brasil, também foram criadas redes internacionais de
pesquisa. Esses programas e redes articulam diferentes desafios institucionais: o envolvimento de atores
distintos, as diferentes visões a respeito dos métodos, as estratégias de ação e a definição da liderança na
apropriação dos resultados.
Gama & Velho (2005) o envolvimento dos países centrais com os países periféricos é
fundamental para algumas áreas de conhecimento, como é o caso dos estudos sobre a biodiversidade e
suas aplicações econômicas. Contudo, as relações estabelecidas com os países desenvolvidos para a
produção técnico-científica ainda são muito assimétricas. Assimetrias que se manifestam na dominação

9 Dados do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, disponíveis em: www.confap.org.br,
janeiro de 2012.
10 A FAPAP também é denominada “Fundação Tumucumaque” em referência ao Parque Nacional Montanha

Tumucumaque. Trata-se da maior área protegida de floresta tropical do mundo (38.821,20 km²), localizada entre os estados
do Amapá e do Pará. Nesse caso, é clara a força que a temática da conservação ambiental exerce na agenda de pesquisa do
estado.

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dos parceiros estrangeiros sobre o controle da agenda de pesquisa, sobre os recursos disponíveis e na
apropriação dos resultados gerados, principalmente das publicações.
O estudo de Gama & Velho (2005) também evidenciou que os programas de cooperação
internacional têm pouca convergência com os objetivos estratégicos dos centros de pesquisa regionais e
estão ainda mais distantes das necessidades das populações locais. Entre as razões, os autores explicam
que as dificuldades financeiras enfrentadas pelas instituições locais, assim como a falta de capacitação
científica das mesmas, colocam-nas em uma posição frágil no processo de negociação dos projetos,
principalmente nos estados do Amapá, Roraima, Acre e Rondônia. Por outro lado, segundo os autores,
o Estado brasileiro também falha no controle e monitoração dessas cooperações internacionais para
que atendam efetivamente os interesses nacionais.
Conforme Becker (2006), as tecnologias avançadas são desenvolvidas nos centros de poder e as
reservas naturais estão localizadas nos países periféricos ou em áreas não regulamentadas juridicamente.
Essa distribuição geográfica desigual de recursos naturais e de capacidade técnico-científica conforma
uma disputa geopolítica entre os países centrais e periféricos na competitividade exigida pela economia
mundial. A autora considera fundamental a cooperação internacional para o fortalecimento da ciência e
da tecnologia no Brasil, mas, em certos casos, essa cooperação tem um excesso de autonomia dos
países ricos. A questão crucial, então, é o controle da informação porque frequentemente os
pesquisadores brasileiros conhecem apenas o subprojeto ligado à sua parceria, mas não o projeto como
um todo, ou seja, não conhecem todos os desdobramentos previamente planejados nas demais
conexões das redes.
Porto-Gonçalves (2006) também chama a atenção para a formação de um verdadeiro
“complexo industrial-científico” de caráter dúbio ao analisar grandes programas internacionais com
apelo científico em prol da conservação na Amazônia. Para o autor, na esteira desse complexo também
têm sido embutidas práticas não só de biopirataria, mas de “etnobiopirataria”, pois o que se recolhe em
campo são milhares de informações sistematizadas pelas comunidades tradicionais locais e a proteção
jurídica de tais conhecimentos ainda é muito conflitiva e lenta.
Os programas e redes formadas após a década de 1990 que financiam pesquisas na região Norte
com foco na Amazônia brasileira podem ser divididos em dois grupos: programas que produzem
conhecimento especificamente para a Amazônia (ação exclusiva) e programas independentes da
Amazônia, mas que são meios importantes de financiamento à pesquisa na região Norte atualmente
(ação ampla), conforme o quadro 2.

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Quadro 2 – Principais Programas e Redes de Pesquisa na região Norte
(Exclusivos para a Amazônia e Amplos para o Brasil)
Programas e Redes AÇÃO
Programa Larga-Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia EXCLUSIVO
Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso Sustentável da Biodiversidade da
EXCLUSIVO
Amazônia
Rede de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amazônia EXCLUSIVO
Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil AMPLO
Programa de Apoio Científico e Tecnológico a Projetos de Assentamento da Reforma
AMPLO
Agrária
Programa de Pesquisa em Biodiversidade AMPLO
(Elaboração própria da autora da Tese)

Conclusões

Os dados apresentados demonstram que a partir da década de 1990 os investimentos


direcionados à região têm crescido significativamente. O interesse estratégico nacional e internacional
sobre a Amazônia tem garantido recursos necessário para a manutenção e até mesmo a ampliação das
pesquisas na região Norte através de diferenciadas fontes de financiamento, principalmente via projetos
de grandes ONGs e redes de pesquisa internacionais. O crescimento exponencial do número de grupos
de pesquisa e de cursos de pós-graduação é um exemplo.
Vários documentos e relatórios apresentam a região Norte com os menores índices de recursos
humanos para ciência e tecnologia do país. No entanto, a análise de dados estatísticos correlacionando
variáveis locais, como a densidade populacional e o montante de investimento por doutor, nota-se que
alguns estados dessa região, notadamente Amazonas e Pará, apresentam significativos investimentos em
ciência e Tecnologia e que já não se enquadram mais no grupo de estados mais pobres em recursos para
a produção científica. Esses dados se tornam ainda mais expressivos quando são incluídos os
financiamentos de grandes ONGs internacionais para projetos relacionados à biodiversidade em áreas
protegidas na Amazônia.

Referências

BECKER, B. K. Amazônia: Geopolítica na virada do III milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.
CGEE. Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira. Brasília: CGEE, 2010a.
____. Descentralização do fomento à ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Brasília: CGEE, 2010b.
GAMA, W. & VELHO, l. “A cooperação científica internacional na Amazônia” In: Revista Estudos Avançados,
vol. 19, n. 54, p. 205-225, 2005.
NONATO, J. M. D. A comunidade de pesquisa da região norte do Brasil: perspectivas sobre o papel da ciência na construção do
desenvolvimento sustentável. Tese de Doutorado, DPCT-IG-UNICAMP, 2012.
PAULINO, S. R. (org.) Relatório Diretório da Pesquisa Privada ONGs - Meio Ambiente. São Paulo:
FINEP/FUNDUNESP, 2003.
(Disponível em: www.itsbrasil.org.br/infoteca/finep/diretorio-da-pesquisa-privada-ongs-area-tematica-meio-
ambiente, Janeiro de 2010).

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 533
PEREIRA, N. Fundos Setoriais: Avaliação das estratégias de implementação e gestão. Textos para Discussão,
N.1136. Brasília: IPEA, 2005.
(Disponível em: www.ipea.gov.br, março de 2009).
PORTO-GONÇALVES, C. W. Amazônia, Amazônias. Rio de Janeiro: Contexto, 2001.
____. A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

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Política de inovação: caminhos e cenários do
Brasil e do Estado do Tocantins

Suyene Monteiro da Rocha


Flávio Luiz de Souza Silveira

Considerações iniciais

C
ompreender o que vem a ser política pública nem sempre se torna uma ação simples, pois o
“desenvolvimento de uma sociedade resulta de decisões formuladas e implementadas pelos
governos dos Estados Nacionais, subnacionais e supranacionais em conjunto com as demais
forças vivas da sociedade, sobretudo as forças de mercado em seu sentido lato” (HEIDMANN &
SALM, 2009, p. 28). Neste sentido, pode se afirmar que a finalidade da política publica é o bem estar da
coletividade, estabelecendo um conjunto de ações, programas ou planos do governo e/ou dos atores
sociais que estejam envolvidos no processo de decisão.
Tem se que em seus diversos matizes, a Política Pública pode ser traduzida em um “processo de
elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político,
envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de
decisão, a repartição de custos e benefícios sociais” (TEIXEIRA, 2002, p.02).
No Brasil, o estudo sobre política públicas é recente, há um caminho significante a se construir
ante as divergências conceituais (LIMA, 2012; HEIDMANN & SALM, 2009) sendo necessário
construir um espaço de discussão e reflexão a cerca do tema.
Se a construção de cenários se torna complexo em terrenos mais conhecidos, na esfera da
gestão pública, como nas áreas de educação, saúde, cultura, no tocante a temática de biotecnologia e
inovação, o traçado se mostra mais denso, tendo em vista ser esse um diálogo recente em âmbito
governamental; “até os anos de 1950 não se podia afirmar que havia um apoio institucional em prol da
ciência e tecnologia no Brasil” (AUCELIO & SANT’ANA, 2006).
Conde e Araujo-Jorge (2003, p.734) afirmam que,
A preocupação com as políticas científicas e tecnológicas na América Latina surgiu
poucos anos depois que os países industrializados tomaram consciência de sua
importância. Com a definição do crescimento como prioridade estratégica
fundamental e com a implementação das políticas de industrialização por substituição
de importações, a maioria dos países da região criou instituições destinadas à
formulação de políticas, planejamento e promoção da ciência e tecnologia neste marco
já na década de 1950, como foi o caso do Brasil.


Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte). Docente na Universidade Federal do
Tocantins e no Centro Universitário Luterano de Palmas. suyenerocha@uft.edu.br.

Doutorando em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte). Analista ambiental do IBAMA.
flaveira@yahoo.com
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 535

Mendonça (2008,p. 28) discorda deste posicionamento ao argumentar que


O Brasil é um país de tradição na adoção de medidas de apoio ao desenvolvimento
científico e tecnológico. Desde a época do Império, logo após a chegada da Família
Real ao país, foram criadas instituições públicas de pesquisa nas áreas de botânica,
agronomia, medicina e engenharia. O ensino superior também foi logo instituído, com
faculdades de direito, medicina, escolas de engenharia e outras.

Entretanto, devemos observar que o referencial adotado pelos autores é diverso; Conde e
Araujo-Jorge partem de um olhar contrastivo entre o Brasil e a América Latina, já Mendonça, observa o
Brasil de forma particularizada, o que torna os pontos de vista e o marco cronológico diferente, pois o
prisma é verificado por ângulos dispares.
Em que pese a discussão do marco temporal do inicio da política de incentivo à tecnologia no
Brasil, a verdade é que a efetividade de suas políticas governamentais tem sido foco de constantes
discussões, as estruturas criadas, por vezes, demonstram certa carga de inoperância.
Se na esfera governamental maior, o que se observa é uma dificuldade em articular os gestores
e suas pastas para que possam, de forma conjunta, desenvolver ações que possibilitem a eficácia da
política criada, e considerando que entrelaçar temáticas densas como inovação e biotecnologia tem se
mostrado um desafio significativo. Na esfera estadual, a temática ainda nem está na pauta do “dia”.
Necessário se faz compreender os mecanismos de incorporação das diretrizes da Política
Nacional de Inovação pelo Gestor Público com vista à inserção do ente federativo no cenário nacional
e internacional, uma vez que o tema requer esforço de corpo técnico interdisciplinar, para que se possa
obter resultados positivos para as ações planejadas.
Necessário ressaltar que uma política pública quando editada pelo governo Federal tem a
função de trazer normas de caráter geral, texto com espectro mais amplo, para que cada ente federativo
a posteriori edite, de forma suplementar, normas que venham a atender as peculiaridades da região em
que estão inseridos.

Política Nacional de Inovação

A questão da inovação marcou profundamente a política de C&T no Brasil na primeira década


do século XXI, a ponto de redefini-la oficialmente como política de Ciência, Tecnologia e Inovação
(C,T&I) afirma Balbachevsky (2010, p. 71-72) que a “temática da inovação foi trazida para o centro dos
debates na área durante a II Conferencia Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, mas ela já estava
presente em todas as experiências de reforma da década anterior”.
Sem nos perdermos nos caminhos percorridos pelo gestor brasileiro até a implementação de
uma política especifica para inovação, tem se que o marco expressivo do tema se deu com a edição da

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Lei nº. 10.973, de 2 de dezembro de 20041, conhecida como a Lei de Inovação, que foi acompanhada
de uma série de normas em âmbito federal, com objetivo central de traçar “medidas de incentivo à
inovação e a pesquisa cientifica e tecnológica no ambiente produtivo, com vista a capacitação e ao
alcance da autonomia e ao desenvolvimento industrial do País. (art. 1º)”.
O ano de 2004 deve ser considerado um “divisor de águas”, pois finalmente o Estado resolveu
adotar posturas de ousadia a fim de instaurar a independência econômica e social do Brasil.
(VETTORATO, 2008, p. 62)
Ressalta-se que edição da Lei 10.973/2004 tem o condão de regulamentar as disposições
da Carta Constitucional de 1988 em seu capitulo IV - Da Ciência e Tecnologia, artigos 218 e 219.
A Lei de Inovação possui três vertentes, I - Constituição de ambiente propicio às parcerias
estratégicas entre as universidades, institutos tecnológicos e empresas; II - Estimulo à participação de
instituições de ciência e tecnologia no processo de inovação, III - Incentivo à inovação na empresa.
De forma concisa, na primeira vertente tem se a cooperação com o eixo central, como
mecanismo de apoio e estímulo à constituição de alianças estratégicas e ao desenvolvimento de projetos
cooperativos universidades, institutos tecnológicos e empresas nacionais. A segunda vertente se
estrutura na formulação de contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento de patentes de
sua propriedade, na possibilidade de prestação serviços de consultoria especializada em atividades
desenvolvidas no âmbito do setor produtivo. E a terceira vertente busca estimular uma maior
contribuição do setor produtivo em relação à alocação de recurso financeiros na promoção da
inovação.(MCTI, on line)
Vettorato ao fazer um estudo reflexivo a cerca da lei de inovação estabelece que:
A primeira vertente disciplina e orienta os termos legais para a interação entre o setor
público e o privado a fim de constituir alianças estratégicas e projetos de cooperação
envolvendo empresas nacionais, ICT’s e organizações de direito privado sem fins
lucrativos com intuito de realizarem atividades de P&D, com a finalidade de
alcançarem à geração de produtos e processos inovadores. [...] No seu terceiro e
último eixo, a lei de inovação tecnológica propõe dois dispositivos legais que possuem
a finalidade de estimular à inovação de no âmbito das empresas (VETTORATO,
2008, p. 67/74)

A temática toma tamanho relevo que o governo estabelecera como lema “inovar e investir para
sustentar”. A exemplo, tem se a Política de Desenvolvimento Produtivo, o Plano de Ação de Ciência,
Tecnologia e Inovação - PACTI 2007-2011 ou PAC da Inovação (MARZANO, 2011) que “teve
investimentos na ordem de 40 bilhões para incentivar as pesquisas em ciência, tecnologia e inovação no
país”. (VETTORATO, 2008, p. 61)
A Lei 10.973/2004 regulamenta a construção de ambientes especializados e cooperativos a
produção inovativa, espaço em que empresas nacionais, instituição cientifica e tecnológica – ICT e

1 A Lei nº 10.973/2004 foi regulamentada pelo Decreto nº 5.563 de 11 de outubro de 2005.

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organizações de direito privado sem fins lucrativos possam desenvolver atividades de pesquisa e gerar
produtos e processos inovadores (art. 3º).
Os entes federativos de qualquer instância têm papel significante nesse processo, com suas
agencias de fomento.
Educação, meio ambiente e desenvolvimento são temáticas importantíssimas nos
contextos atuais para a nossa complexa sociedade e recebem atenção especial do
Estado e da própria sociedade. Muitas das principais ações com relação a estes temas
ocorrem a partir de políticas públicas (LIMA, 2012)

Com objetivos de fomentar o progresso econômico e social, o governo brasileiro vem


apostando em grandes investimentos através de vários planos de ação, principalmente, em setores de
infraestrutura, educação, ciência e tecnologia. (VETTORATO, 2008).
A edição da lei de inovação delineia um cenário de estimulo a atividade inovativa que requer o
desenvolvimento da ciência e tecnologia nacional, entretanto a política editada pela esfera federal requer
para a sua dinamização, a edição de leis complementares na esfera estadual.
O primeiro estado federativo a editar a lei de incentivos a inovação e à pesquisa e tecnologia no
ambiente produtivo foi o Estado do Amazonas no ano de 2006. Em 2008, mais oito estados brasileiros
editaram suas normativas complementares afetas ao tema, Mato Grosso, Santa Catarina, Minas Gerais,
São Paulo, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro. No ano de 2009, Alagoas, Rio Grande do Sul, Sergipe e
a Cidade de Vitória no Espírito Santo editaram suas normas de incentivo a inovação tecnológica.
Já em 2010, Goiás e Mato Grosso do Sul sancionaram suas leis afetas ao tema, tendo no ano de
2011 o estado do Tocantins publicado a sua normativa. No que tange ao Estado da Bahia, esse possui
um projeto de lei. As demais unidades federativas do Brasil não disciplinaram a matéria ainda. A partir
das informações obtidas no site do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (on line) foi possível a
construção da tabela abaixo, com o número das leis e seu respectivo Estado.

Quadro 1 – Unidades Federativas Brasileiras e número da de Inovação.


Unidade Federativa Número da Lei de Inovação
Estado do Amazonas Lei Estadual nº 3.095/2006.
Estado do Mato Grosso Lei Complementar nº297/2008
Estado de Santa Catarina Lei Estadual nº 14.348/2008
Estado de Minas Gerais Lei Estadual nº 17.348/2008
Estado de São Paulo Lei Complementar nº 1.049/2008
Estado do Ceará Lei Estadual nº 14.220/2008
Estado do Pernambuco Lei Estadual nº 13.690/2008
Estado do Rio de Janeiro Lei Estadual nº 5.361/2008
Estado de Alagoas Lei Estadual nº 7.117/2009

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Estado do Rio Grande do Sul Lei Estadual nº 13.196/2009


Estado de Sergipe Lei Estadual nº 6.794/2009
Estado de Goiás Lei Estadual nº 16.922/2010
Estado do Mato Grosso do Sul Decreto Legislativo nº 489/2010
Estado do Tocantins Lei Estadual nº 2.458/2011
Município
Cidade de Vitória – ES Lei Municipal nº 7.871/2009
Projeto de Lei
Estado da Bahia Projeto de lei nº 17.346/2008
Fonte: Elaborado por Suyene Monteiro da Rocha e Flávio Luiz de Souza Silveira.

O quadro nos mostra que das 27 unidades federativas, computando o Distrito Federal somente
14 estados possuem normas regulamentando a inovação, que distribuídas por Região, nos apresentam o
seguinte cenário:

Quadro 2 – Regiões do Brasil e números de Estados que disciplinaram a matéria de Inovação.


Região do Brasil (e número de Estados) Número de Estados que aprovaram
leis complementares a Lei de Inovação
Estados da Região Sul (03) 02
Estados da Região Sudeste (04) 03
Estados da Região Norte (07) 02
Estados da Região Nordeste (09) 04
Estados da Região Centro-Oeste (incluso o DF) (04) 03
Fonte: Elaborado por Suyene Monteiro da Rocha e Flávio Luiz de Souza Silveira.

Essa relação evidencia que as Regiões Norte e Nordeste apresentam o menor índice de
organização normativa para o desenvolvimento de suas atividades relacionadas a inovação.
Considerando que constituem as regiões mais carentes do país, entende-se que este quadro
deveria ser revertido com urgência. Tendo em vista que as duas regiões tem particularidades ambientais
extremamente importantes para o desenvolvimento de atividades produtivas – presença da maior
floresta tropical do mundo, com altos índices pluviométricos e grande carência logística na região Norte
e da Caatinga e os baixos níveis de pluviometria do semiárido nordestino – entende-se particularmente
necessário o desenvolvimento de ações que incentivem a atividade inovativa específica para a realidade
da região, buscando melhor exploração sustentável do seu potencial e adequações necessárias as
carências socioambientais e logísticas. Para isso, é fundamental o desenvolvimento de normativos legais
desenvolvidos em cada estado.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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Ressalta-se que os Estados membros que não possuem normas especificas, a disciplinarem as
suas estruturas internas em âmbito governamental, estão sujeitas as disposições da lei federal.

Política de Inovação no Estado do Tocantins

O Estado do Tocantins só veio a editar a política estadual de inovação sete anos depois da
publicação da política nacional, com a sanção da Lei nº 2.458/2011, estabelecendo medidas de
incentivo a inovação e a pesquisa cientifico-tecnologica nas atividades produtivas, com o objetivo de
obter autonomia capacitação e competitividade no processo de desenvolvimento industrial (art. 1º).
Assim, como na norma federal a lei tocantinense traz um glossário em sua estrutura, entretanto
este é mais extenso, contando com 16 incisos. Podemos ressaltar entre os conceitos os de agencia de
fomento, instituto de apoio, empresa de base tecnológica – EBT, parques tecnológicos, tecnologia
social, inventor independente, pesquisador público, entre outros.
O aumento da percepção da associação entre as ações de C, T & I e o desenvolvimento
econômico e social nos últimos anos, têm deixado o tema mais em evidência, não só pela sua
importância para as atividades relacionadas com inovação, como pelo próprio destaque que tem
recebido (OLIVEIRA, 2010, p. 27) e, no Estado do Tocantins, não seria diferente o tratamento dado a
temática com a edição da Lei nº 2.458/2011, que institui o Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Cria se no âmbito da Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Indústria a Fundação de
Amparo à pesquisa do Estado do Tocantins – FAPT – Lei Complementar 71/2011, sendo esta uma
agência de fomento à pesquisa e inovação.
Dentre as 13 competências elencadas nos incisos do artigo 3º na lei complementar nº71/2011
evidencia se que a FAPT deve
I - incentivar pesquisas científicas e tecnológicas, mediante apoio técnico e financeiro
a projetos de difusão tecnológica, extensão, inovação e investigação desenvolvidos
individualmente ou por instituições públicas e privadas sediadas no Estado.

No ano de 2012, publicou 11 editais, tais como, apoio a eventos científicos, bolsas de
doutorado, bolsa de mestrado, publicação de periódicos e artigos científicos, financiamento de
pesquisas científicas no ensino superior e médio. (FAPT, on line).
Além disso, destacam-se dois editais específicos voltados para a inovação científica e
tecnológica de processos produtivos e aproveitamento de resíduos de mineração de calcário, fruto de
uma cooperação entre a FAPT e um grupo empresarial do ramo.
Dentre outros acordos de cooperação desenvolvidos pela FAPT, destaca-se com a
Eletronorte/Eletrobrás, com a Secretaria de Educação que tem diversos objetivos na área de pesquisa,
densenvolvimento tecnoógico e ambiental.No universo proposto pelo decreto, a Secretaria Estadual de
Ciência do Estado, passa ser nominada Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia em 2011, incluindo
a Indústria também como uma pasta de atuação governamental.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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A Secretaria estabelece como missão “promover o desenvolvimento econômico sustentável do


Tocantins, criando ambientes competitivos para novos negócios, por meio da qualificação de pessoas,
processos, produção cientifica e inovação.” Assim, ante as diversas ações desenvolvidas, no âmbito da
inovação apresenta quatro programas: Inova Tocantins, Parque Tecnológico, Sibratec e Tecnova.
O programa de apoio à pesquisa em empresas, com o fulcro de favorecer e incentivar o
desenvolvimento de processos e/ou produtos inovadores no Tocantins é o Inova Tocantins. O
financiamento da pesquisa e promoção do desenvolvimento é realizado por meio de recurso na forma
de subvenção econômica2 para as micro e pequenas empresas que apresentarem os melhores projetos
de inovação tecnológica. A subvenção tem como finalidade a aplicação de recursos em atividades de
pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação em empresas nacionais.
Já o Tecnova – Programa de Inovação Tecnológica tem em suas funções realizar contratos de
transferências de recursos, criando condições financeiras favoráveis para apoiar e consolidar o sistema
estadual de inovação, por meio de recursos de subvenção econômica.
O Programa tem como meta apoiar 30 empresas com projetos de pesquisa e inovação nas áreas
da indústria, comércio e serviços dos setores de alimentos, confecção, construção civil, madeira e
mobiliário e agronegócio, com faturamento de até R$ 3,6 milhões. Podendo cada empresa receber um
recurso de R$ 120 mil a R$ 400 mil.
O investimento total do Programa é de R$ 9,6 milhões, sendo R$ 8,7 milhões em subvenção
econômica e contrapartida de R$ 2 milhões, do Governo do Estado. Os recursos já estão disponíveis e
o lançamento do edital de seleção dos projetos está previsto para acontecer no segundo semestre de
2013.
São parceiros do Tecnova no Tocantins a Finep – Agência Brasileira de Inovação, o IEL-
Instituto Euvaldo Lodi, a Fapt - Fundação de Amparo a Pesquisa do Tocantins e a Faciet - Federação
das Associações Comerciais e Indústrias do Tocantins.
Oito projetos foram selecionados com a publicação do primeiro edital, no ano de 2010. Tendo
as empresas financiadas até o final de 2013 para a apresentarem a conclusão e os resultados de suas
pesquisas. Os projetos beneficiados são dos setores do agronegócio, agroindústria, biotecnologia,
tecnologia da informação e comunicação, mineração, comércio/serviços, bioenergia e
indústria. (TOCANTINS, on line)
Recentemente, a Secretaria Estadual apresentou aos representantes de várias instituições ligadas
à pesquisa e inovação tecnológica no Tocantins a carta convite do Tecnova, programa do Governo
Federal, que visa utilizar recursos da Subvenção Econômica para aplicação em micro e pequenas

2 Concessão de recursos financeiros não-reembolsável para empresas públicas ou privadas que desenvolvem projetos de
inovação estratégicos para o país. Essa modalidade de apoio está sendo realizada no país à partir da aprovação e
regulamentação da Lei de Inovação e da Lei do Bem.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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empresas no intuito de desenvolver novos produtos, serviços e agregar valor aos negócios. (FAPT, on
line)
O Parque tecnológico a ser implementado no Estado tem como função reunir num mesmo
espaço instituições de ensino, incubadoras de empresas, centros de pesquisa e laboratórios criando um
ambiente favorável à inovação tecnológica. A convivência destas instituições num espaço comum
propicia o dialogo e a interface dos saberes, gerando tecnologia e inovação, promovendo o
desenvolvimento socioeconômico.
O Sistema Brasileiro de Tecnologia (SIBRATEC), operado pela Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP), constitui em um instrumento de articulação e aproximação da academia com
empresas, e tem como objetivo o apoio ao desenvolvimento tecnológico das empresas brasileiras,
gerando condições para o aumento da taxa de inovação, contribuindo para o processo de inserção do
Brasil no cenário internacional.
Instituído pelo Decreto 6.259 de 20 de novembro de 2007, o Sibratec atende aos objetivos do
Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional (PACTI 2007–
2010) e as prioridades da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP). (MCTI, on line). O sistema está
organizado em três tipos de redes: Centros de Inovação, Serviços Tecnológicos e Extensão
Tecnológica.
No estado do Tocantins o SIBRATEC entrou em funcionamento em agosto de 2011, por meio
de convênio assinado entre a Sedecti, o IEL/TO - Instituto EuvaldoLodi e o Senai/TO – Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial.
Para o desenvolvimento do projeto foram liberados R$ 2.450.963,63, desse valor, R$
1.924.663,63, foram financiados pela Finep – Agência Brasileira de Inovação e R$ 526.300,00, pela
Sedecti. São parceiros na execução deste projeto a Universidade Federal do Tocantins - UFT e a
Universidade Estadual do Tocantins - UNITINS. (TOCANTINS,on line)
O comitê Gestor foi implementado com a finalidade de aproximar empresa e academia,
realizando reuniões para discutir e elaborar ações que vão ao encontro das necessidades dos
empresários.
Por meio da Extensão Tecnológica, o projeto Sibratec objetiva atender 94 empresas
tocantinenses, sendo que em cada atendimento poderão ser investidos de R$ 10.000,00 a R$ 30.000,00,
a depender da modalidade de atendimento (TOCANTINS, on line)
A implantação de um Parque Tecnológico do Tocantins teve inicio em 2012, quando o CDE -
Conselho de Desenvolvimento Econômico do Tocantins aprovou a liberação de recursos no valor de
R$ 279.020,00 destinados à contratação da Fundação Certi, a mais conceituada empresa do Brasil em
projetos de viabilidade de implantação de parques tecnológicos. Informa a Secretaria Estadual de
Ciência, Tecnologia e Indústria que 85% do serviço já foi executado (TOCANTINS, on line)

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O panorama que se busca desenhar no Estado do Tocantins é da construção de um


processo alicerçado em desenvolvimento econômico e social. Dentre os diversos potenciais existentes
na unidade federativa para a obtenção deste resultado, a inovação ocupa lugar de destaque.

Considerações finais

A inovação tecnológica tem permeado a discussão na esfera internacional, o que influenciou a


edição da Política Nacional de Inovação no Brasil. Passada quase uma década da sua publicação,
verifica se, ainda a busca de mecanismos capazes de alavancar o processo de crescimento produtivo do
país
As políticas, programas ou ações voltadas para o cenário da inovação determinam formação de
estratégias que associem governo, empresarias e universidade, para que possam gerar produtos com
impacto significante na cadeia produtiva, e assim agregar valores.
Apesar de todo o esforço empreendido seja na esfera federal, seja estadual, o resultado não tem
sido um dos melhores no que cinge ao desenvolvimento inovativo brasileiro. Recentemente, com a
divulgação do Índice Global de Inovação, o Brasil registrou queda significativa em relação a 2011 e
2012, encontram-se, hoje, na 64ª posição no ranking global e 8ª posição em relação a America Latina.
No âmbito do Estado do Tocantins, ressalta se que esse possui apenas 25 anos de existência,
tendo sido o ente criado com a Constituição Federal de 1988 – art. 13 das Disposições Transitórias.
Assim o desenvolvimento industrial / cientifico / tecnológico do Estado como um todo ainda é
parco, carecedor de significativo crescimento para que possa o gestor publico efetivar uma política de
tecnologia em sentido amplo. Por outro lado, o fato de já possuir uma lei de inovação demonstra o
cuidado e preocupação do gestor à temática e reconhecendo o potencial do estado.
Ao observar o quadro das unidades federativas brasileiras que editaram as normas
complementares em inovação, estados mais industrializados como Rio de Janeiro e Paraná ainda não se
organizaram de forma significante na esfera governamental a ponto de publicarem normas que se
adequasse as peculiaridades da região buscando a sua promoção.
O cenário que ora se verifica no Brasil não é um dos mais positivos, a queda no Índice
global de Inovação, a falta de articulação entre os estados para a formação de suas políticas inovativas e
consequente, consolidação de uma visão macroespacial do tema, confirma a dificuldade existente em
âmbito governamental. E como a temática não depende somente das ações políticas, o caminho da
inovação se torna ainda mais conturbado e controverso, ante a disparidade entre o discurso e a
realidade das práticas.

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Gastos em Ciência e Tecnologia no Brasil: os impactos
no Produto Interno Bruto brasileiro, uma
análise quantitativa

Thaís Souza Gonçalves1


Laila Cristina Gonçalves Silva Amaral2
Yolanda Vieira de Abreu3

1. Introdução

A
dam Smith, em “A Riqueza das Nações” (1988), observou que as principais fontes de
inovação e aprimoramento tecnológico partiam dos homens que trabalhavam diretamente
com as máquinas, o que os permitiam descobrir maneiras engenhosas de melhorá-las. O
mesmo ocorria com seus fabricantes, que desenvolviam melhoramentos em seus produtos para agilizar,
facilitar e abreviar o trabalho através do uso de maquinário mais adequado. Ainda observou que as
pessoas têm maiores chances de descobrir novos métodos para atingir um objetivo quando toda a sua
atenção está dirigida para esse objeto único, do que quando ocupado com uma variedade de coisas.
Ainda de acordo com sua literatura, essas inovações eram obras engenhosas dos “filósofos ou
pesquisadores”, quando estas passaram a constituir profissão específica, cujo ofício consistia
inicialmente em observar coisas e/ou processos, e que por essa razão, eram capazes de combinar entre
si as forças e características dos objetos mais distantes e diferentes com o desígnio de criar e melhorar, e
que conseqüentemente acabariam por agregar valor à sua produção (SMITH, 1988).
Segundo o Dicionário Aurélio (2010), Ciência é o conjunto organizado de conhecimentos
relativos a um determinado objeto mediante observação, a experiência dos fatos (por método próprio
através do desvendamento das leis objetivas que os regem), e sua explicação. Já a Tecnologia é o estudo
dos instrumentos, processos e métodos empregados nos diversos ramos industriais.
Portanto, Ciência constitui-se parte pura do processo de criação, geradora de conhecimento,
sem definição de propriedade ou comercialização e com possibilidade de acesso irrestrito. Porém, a
Tecnologia, é comercializável, particular, passível de venda, troca ou omissão. Logo, a junção destas
ocorre quando a Ciência se torna pesquisa, e esta transforma-se em Tecnologia (Ciência e Tecnologia,
C&T) (HOLLANDA, 2003).
Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, um país que atende as necessidades
de sua indústria e que pode proporcionar qualidade e agilidade à sua produção através da otimização de

1 Alunas do Mestrado em Agroenergia. UFT. thaiseco@uft.edu.br


2 Alunas do Mestrado em Agroenergia. UFT. lailakrys@hotmail.com
3 Profª. Drª do Mestrado em Agroenergia. UFT. yolanda@uft.edu.br
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 545

setores mais específicos de uma cadeia produtiva, dificilmente terá de competir com países que não
atendem aos mesmos requisitos.
Assim, pode-se afirmar que a evolução da Ciência é inseparável da sua aplicação no mundo
desenvolvido. O conhecimento científico (definido pela aquisição intencional, consciente e sistemática,
chegando ao ápice de seu desenvolvimento com a aplicação do método cientifico), um dos principais
insumos para a geração de riqueza e bem estar social, destaca-se por seus avanços tecnológicos que
permitem que setores operem com maior produtividade, podendo facilmente ser definido como a
aplicação de teorias, métodos e processos para a solução de problemas da técnica, Tecnologia (CRUZ,
2000).
A Tecnologia, portanto, pode ser entendida como a face econômica da Ciência.
Assim, como causa da grande Revolução Industrial, a Tecnologia vem buscando na
Ciência novas formas para a geração do conhecimento técnico. (MACEDO E
BARBOSA, 2000, pág. 14).

De acordo com Scholze e Chamas (2000), a geração do conhecimento científico, em tese,


depende da ação de agentes institucionais, geradores e aplicadores, que compõe um sistema nacional de
geração e apropriação, ou seja, as empresas, as universidades e o governo. O intercâmbio existente
entre esses agentes facilmente pode ser mensurado pela disponibilização de novas ou aprimoradas
tecnologias no mercado, pois como dito acima, a Ciência transformada em Tecnologia torna-se passível
de comercialização (através de direitos de concessão, exploração, extração, royalties ou uso).
Notadamente, verifica-se que a prática dessa cooperação existe em níveis diferentes nos países,
o que pode ser indicativo ou decisivo de seus respectivos níveis de desenvolvimento. Portanto, esse
trabalho tem como objetivo, apresentar e discutir dados estatísticos do setor no Brasil e em países
selecionados e relacioná-lo com os valores do Produto Interno Bruto no mesmo período.

2. Resultados e discussão

Para a realização deste trabalho, utilizou-se das informações e dados disponíveis do Tesouro
Nacional (FINBRA), Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), GeoCapes Dados Estatísticos,
Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (INPI), Instituto Brasileiro de Propriedade Industrial
(IBPI), Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC), Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP),
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).

2.1. Ciência e Tecnologia no Brasil


Em meados da década de 1960, com o objetivo de estabelecer um sistema de estímulos às
potencialidades da economia brasileira, foi criado pelo Decreto-Lei nº 719 de 31/07/1969, o Fundo

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Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), instrumento destinado ao fomento


do desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Nele é previsto a elaboração de um Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(PBDCT), lançado posteriormente 1972, como também a disposição de recursos orçamentários –
oriundos de empréstimos de instituições financeiras e outras entidades, provenientes de incentivos
fiscais, contribuições e doações de entidades públicas e privadas além de outras fontes – para o
financiamento de projetos de implantação e recuperação de infra-estrutura de pesquisa nas instituições
públicas e de pesquisa (BRASIL, 2013a).
O Decreto também prevê que o fundo seria atribuído a uma Financiadora de Estudos e
Projetos – FINEP, criada com o objetivo de transformar o Brasil por meio de inovação e promover o
desenvolvimento econômico e social por meio do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação
em empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas.
Porém, somente em 1985, com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), foram
integradas as bases institucionais da C&T com o Artigo 218 da Constituição Federal de 1988, onde
várias iniciativas governamentais se concentraram no planejamento e alocação de recursos direcionados
ao desenvolvimento científico nacional (MCT, 2013).
Atualmente, segundo a mesma fonte, o Ministério tem por função coordenar a execução dos
programas da Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, liderar instituições de fomento e
execução de pesquisa (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT),
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Financiadora de Estudos e
Projetos (FINEP) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq)), e
efetivar a sistematização dos dados e informações pertinentes para a realização das devidas avaliações e
análises, para possibilitar discussões sobre a contribuição da Ciência e Tecnologia no desenvolvimento
do país.

2.2. Formação acadêmica, cientistas e pesquisadores

De acordo com o Centro de Estudos Estratégicos (2000), internacionalmente, a categoria


Cientistas e Engenheiro (C&E) é usada para definir pessoas com formação superior que desenvolvem
atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). O número estimado de C&E atuantes em P&D é
determinado pelo número de pessoas envolvidas nas instituições que realizam atividades de pesquisa
científica ou desenvolvimento tecnológico (como as universidades e escolas de ensino superior,
empresas e laboratórios ou institutos de pesquisa governamentais).
O Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) do CNPq constitui-se inventário para
identificar a capacidade instalada de pesquisa no país, medida pelos grupos ativos em cada período.
Este define o pesquisador como membro desses grupos, graduados ou pós-graduados,
profissionalmente ou permanente e criativamente envolvidos com a realização de projetos e com a
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
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produção científica. Se estiverem matriculados em cursos de graduação ou pós-graduação, devem ser


incluídos como estudantes ou pessoal de apoio (exceto pós-doutorandos) (DGP, 2013).
De acordo com o DGP, nos setores do governo e instituições privadas sem fins lucrativos,
pesquisadores são os envolvidos/responsáveis diretamente com estes grupos, e o pessoal de apoio são
os estudantes e o corpo técnico. No ensino superior, esse número refere-se aos pesquisadores ligados a
algum grupo, somados aos estudantes de pós-doutorado matriculados ao final do ano nos cursos
reconhecidos pela Capes; e o pessoal de apoio são os demais estudantes (excetos os pós-doutorandos) e
o pessoal técnico.
Já para o setor empresarial, a Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), realizada
pelo IBGE, FINEP e MCT, é a responsável pelo levantamento de dados indicadores de pesquisa e
inovação. De acordo com sua metodologia, pesquisador são profissionais de nível superior ocupados
em atividades internas de P&D; enquanto que o pessoal de apoio refere-se às todas as demais pessoas
ocupadas nesta atividade (PINTEC, 2013).
Portanto, de acordo com o DGP e a PINTEC, pesquisadores possuem ao menos a titulação da
graduação, logo, na Tabela 1 segue número de concluintes de graduação, mestrado profissional,
mestrado acadêmico e doutorado no Brasil de 2000 a 2011 e seus índices de crescimento percentual,
respectivamente 59, 55, 94 e 56%.

Tabela 1: Concluintes de graduação e pós-graduação no Brasil entre 2000 a 2011.

Graduação Mestrado acadêmico Mestrado profissional Doutorado


Ano
titulados titulados titulados titulados
2000 352.305 17.611 210 5.318
2001 395.988 19.651 362 6.040
2002 466.260 23.457 987 6.894
2003 528.102 25.997 1.652 8.094
2004 626.617 24.755 1.903 8.093
2005 717.858 28.605 2.029 8.989
2006 736.829 29.742 2.519 9.366
2007 756.799 30.559 2.331 9.915
2008 800.318 33.360 2.654 10.711
2009 826.928 35.686 3.102 11.368
2010 829.286 36.247 3.343 11.314
2011 865.161 39.220 3.610 12.217
Crescimento
59,28% 55,10% 94,18% 56,47%
Percentual
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MCT, 2013.

Na Tabela 2 segue informações sobre a distribuição de pessoal envolvido com C&T no Brasil,
por setor de atividade. Nesta, percebe-se a forte concentração (e constante crescimento) de C&E nas

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universidades e escolas de ensino superior, enquanto que no setor empresarial observa-se número quase
cinco vezes menor, além de considerável decréscimo a partir de 2005.

Tabela 2: Distribuição de pesquisadores envolvidos em P&D no Brasil de 2000 a 2010.


Setores Total
Total (pesquisador +
Ano Ensino Privado sem
Governo Empresarial (un) pessoal de apoio)
Superior fins lucrativos (un)
2000 4.740 77.465 44.183 414 125.968 231.158
2001 4.652 83.779 43.420 583 131.392 232.919
2002 4.562 90.554 42.674 749 137.293 235.824
2003 5.095 103.074 41.947 872 149.431 265.951
2004 5.625 114.154 45.762 991 164.672 303.483
2005 5.769 123.195 49.998 935 177.926 328.916
2006 5.910 132.183 47.348 876 184.240 345.253
2007 6.200 141.994 45.242 923 192.081 366.597
2008 6.490 151.799 43.585 968 200.364 388.573
2009 7.080 169.144 42.298 991 216.672 427.944
2010 7.667 188.003 41.317 1.013 234.797 469.257
2011 7.974 211.237 40.094 1.056 260.361 507.256
Fonte: MCT, 2013

Já na Tabela 3, segue relação hipotética4 do percentual entre todos os concluintes de graduação


e pós-graduação no Brasil entre 2000 a 2011 e o total de pesquisadores e pessoal de apoio envolvidos
em P&D. Logo, pode-se inferir hipoteticamente que do total de titulados em cada ano, em média
50,5% destes poderiam estar de alguma forma envolvidos em P&D no Brasil. Já a Tabela 4, apresenta a
distribuição percentual de pesquisadores distribuídos nos setores institucionais envolvidos diretamente
com P&D (empresas, ensino superior e governo) de países selecionados, que será utilizado como
ferramenta para discussão no tópico 2.3.

Tabela 3: Relação percentual entre concluintes de graduação e pós graduação e total de


pesquisadores somados ao pessoal de apoio no Brasil de entre 2000 e 2011.

Somatório dos concluintes


Total (pesquisadores + Relação percentual entre
Ano de graduação e pós-
pessoal de apoio) concluintes e pesquisadores
graduação
2000 375.444 231.158 38,4%
2001 422.041 232.919 44,8%
2002 497.598 235.824 52,6%

4 É importante salientar que estudantes de graduação e pós-graduação não se dedicam integralmente à pesquisa, por isso
justifica-se à relação apenas com concluintes. Porém nem todos os concluintes, após suas respectivas formações, continuam
envolvidos com P&D, logo, a relação tem importância apenas para observação dimensional dos dados.

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2003 563.845 265.951 52,8%


2004 661.368 303.483 54,1%
2005 757.481 328.916 56,6%
2006 778.465 345.253 55,6%
2007 799.604 366.597 54,2%
2008 847.043 388.573 54,1%
2009 877.084 427.944 51,2%
2010 880.190 469.257 46,7%
2011 920.208 507.256 44,9%
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MCT, CNPq e Capes.

Tabela 4: Distribuição percentual de pesquisadores por setor institucional (Empresas, Governo


e Ensino Superior) de países selecionados de 2000 a 2010.
Ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Empresas 59,4 59,7 58,5 60,2 60,0 61,3 61,1 59,9 59,6 57,8 56,7
Alemanha Governo 14,6 14,6 14,7 14,4 15,6 14,7 14,8 15,0 15,0 15,5 15,8
E. Superior 26,0 25,7 26,8 25,4 24,3 24,0 24,0 25,1 25,4 26,7 27,6
Empresas 12,2 11,9 11,3 11,3 12,4 11,8 11,4 10,8 10,5 9,6 8,9
Argentina Governo 36,1 36,8 37,6 37,3 38,8 41,7 42,4 44,1 45,1 45,9 45,1
E. Superior 50,0 49,5 49,3 49,3 46,3 44,6 44,7 43,5 42,7 42,8 44,5
Empresas 40,6 39,5 38,5 36,1 36,5 37,6 35,1 32,8 30,8 28,2 25,9
Brasil Governo 6,4 6,0 5,5 5,7 5,6 5,3 5,3 5,3 5,4 5,5 5,5
E. Superior 52,4 53,8 55,1 57,3 56,9 56,3 58,8 61,1 63,0 65,5 67,8
Empresas 50,9 52,3 54,7 56,2 57,1 62,3 63,5 66,4 68,6 61,4 61,1
China Governo 27,8 25,1 23,3 22,3 20,6 17,9 17,2 16,2 15,0 19,0 19,1
E. Superior 21,3 22,6 22,0 21,6 22,3 19,8 19,3 17,4 16,4 19,5 19,8
Empresas 66,3 73,5 73,4 73,6 74,2 76,6 77,8 74,9 77,5 75,7 76,5
Coréia Governo 10,7 8,8 8,0 7,9 7,8 7,1 7,0 7,1 6,6 7,5 7,5
E. Superior 21,8 16,9 17,6 17,5 17,1 15,2 14,2 16,9 14,7 15,6 14,9
Empresas 17,4 24,6 25,8 40,4 45,3 41,2 42,5 31,5 37,7 41,5 41,1
México Governo 30,3 20,5 19,1 17,0 15,0 20,2 19,3 21,3 19,3 19,4 19,8
E. Superior 51,7 50,9 51,1 40,4 38,0 36,5 35,8 44,3 40,4 36,3 36,2
Empresas 57,2 56,1 56,0 54,9 53,9 51,2 51,0 50,6 50,2 48,9 47,8
Rússia Governo 28,1 28,6 29,6 30,0 31,0 33,3 33,1 32,6 32,4 33,1 32,8
E. Superior 14,3 14,8 14,1 14,6 14,8 15,2 15,6 16,3 17,0 17,6 19,1
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MCT.

2.3. – Propriedade de direitos e a distribuição de C&E

A proteção dos direitos relativos à propriedade destas pesquisas, atividades inventivas e/ou seus
resultados, se dá por meio da concessão de patentes (título de propriedade sobre uma invenção ou
modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores, autores ou detentores sobre sua criação,
pela lei nº 9.279 de 14/05/1996, além da designação de distribuição dos ganhos monetários oriundos
da criação intelectual). Mecanismo este que também impede que terceiros, sem seu consentimento,

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possam explorar ou comercializar o produto objeto da patente, sob pena de cometer crime contra a
parte detentora do direito (BRASIL, 2013b).
A Tabela 5 apresenta os valores de concessões de patentes para residente e não residentes junto
ao Escritório Americano de Marcas e Patentes (USPTO) e junto ao Instituto Nacional de Propriedade
Industrial Brasileiro (INPI). Para as disparidades dos valores apresentados, acredita-se que estes podem
ser justificados pela magnitude do mercado consumidor americano (em que seus parceiros comerciais
ao lhe exportar bens, registram suas patentes no local de destino), por meio de seus constantes
incentivos governamentais ou pela qualidade dos resultados de seu investimento em pesquisa.

Tabela 5: Concessões de Patentes de várias nacionalidades pelo Escritório Americano de


Marcas e Patentes (USPTO) e pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial Brasileiro
(INPI) de 2000 a 2012.
Ano Patentes concedidas juntos ao USPTO Patentes concedidas junto ao INPI
2000 146.502 6.434
2001 153.361 3.573
2002 154.622 4.654
2003 156.320 4.567
2004 151.566 2.432
2005 133.285 2.803
2006 160.309 2.742
2007 144.985 1.840
2008 144.971 2.815
2009 153.791 3.144
2010 201.305 3.609
2011 204.932 3.799
2012 229.476 3.130
Total 2.135.425 45.542
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MCT e INPI.

A seguir, podemos verificar gráfico comparativo de concessão de patentes junto ao USPTO de


países selecionados pertecentes ao grupo de cooperação BRICS. Neste, pode-se verificar o crescimento
expressivo das patentes chinesas frente a estagnação dos demais participantes do grupo.

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Gráfico 1: Concessões de patentes de países selecionados do bloco de cooperação


BRICS junto ao USPTO de 1999 a 2012.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do MCT.

5000
4500
4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 2012

Brasil China India Russia Africa do Sul

Uma vez que os resultados de pesquisas são passíveis de proteção intelectual e obtenção de
ganhos monetários por meio de seu uso, verifica-se um conflito de interesse entre os agentes geradores
de tecnologia.
Enquanto que as universidades, em sua maioria, prezam pela liberdade de investigação, pelo
livre fluxo de informações e sem necessariamente estar sujeita a suprir as demandas de mercado, as
empresas objetivam o lucro, qualidade, segurança, o preço de seus produtos e a manutenção do sigilo
em torno de suas atividades tecnológicas (SCHOLZE e CHAMAS, 2000). Assim, por associação, tem-
se que o setor empresarial possui maiores interesses por meios de ganhos monetários em gerar
patentes.
Portanto, de acordo com os dados expostos nas tabelas que se seguiram, é possível verificar as
distintas realidades da concentração de pesquisa nos países selecionados, como também da importância
do registro de patentes e inovação. Enquanto que na Alemanha, China, Coréia e Rússia a universidade
começa a ganhar importância em suas economias mesmo com tímidos índices de participação em
pesquisas, a indústria é a principal engrenagem geradora de tecnologias. Nota-se situação inversa em
países com o Brasil, Argentina e México (onde a pesquisa está fortemente enraizada no âmbito
acadêmico).
A falta de integração entre esses setores ou maior desenvolvimento de um em detrimento a
outro, tende a influenciar gravemente nos índices de inovação tecnológica do mercado, na
competitividade internacional entre os países e na descoberta e registro de novas tecnologias
patenteáveis. Em síntese, por conta do caráter e finalidade da instituição concentradora de maiores

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investimentos em pesquisa, pois como dito acima, as universidades geralmente não buscam lucros e sim
o livre fluxo de informações, enquanto que as empresas têm o lucro seu principal objetivo.

2.4. PIB e Investimentos em C&T


O Produto Interno Bruto representa a soma de todos os bens e serviços produzidos no país em
um determinado período de tempo, com o objetivo de mensurar a dinâmica da atividade econômica. O
PIB representa assim, a expansão ou a retração da atividade econômica do país. Calcula-se portanto:

Devido à pressões inflacionária nos preços para cima a cada ano, considera-se duas formas de
se calcular o PIB. Na primeira, utilizam-se os preços reais de mercado para aquele ano, que é o
chamado PIB nominal, ou PIB a preços correntes. Na segunda, utilizam-se preços fixos ou inalteráveis,
que são multiplicados pela quantidade de bens e serviços produzidos, ou seja, PIB real ou PIB a preços
constantes. A diferença entre os dois é que a primeiro é calculado a preços do ano em que o produto
foi produzido e comercializado e já o segundo é calculado a preços constantes, onde é escolhido um
ano-base para eliminar o efeito da inflação. Todavia o PIB real é o mais indicado para análises
macroeconômicas (VASCONCELOS E GARCIA, 2008).
A Tabela 6 demonstra os valores absolutos reais, o acumulado e a média do Produto Interno
Bruto Brasileiro de 2002 a 2011 conforme divulgação das Contas Nacionais do IBGE.

Tabela 6: Valores absolutos, acumulado e média do PIB brasileiro para o período de 2002 a
2011.
Ano PIB absoluto do Brasil
2002 R$ 410.632.377.279.535,00
2003 R$ 404.586.478.467.403,00
2004 R$ 422.849.171.413.301,00
2005 R$ 412.638.694.869.961,00
2006 R$ 415.828.140.237.686,00
2007 R$ 424.365.642.646.247,00
2008 R$ 420.686.389.726.136,00
2009 R$ 398.681.089.889.191,00
2010 R$ 430.134.751.957.500,00
2011 R$ 410.931.220.966.953,00
Acumulado R$ 4.151.333.957.453.910,00
Média do período R$ 415.133.395.745.391,00
Fonte: Contas Nacionais do IBGE.

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Podem-se evidenciar o comportamento do PIB graficamente a partir do gráfico 2:

Comportamento do PIB nacional para o período


440000000000000

430000000000000

420000000000000

410000000000000

400000000000000

390000000000000

380000000000000

2007
2002

2003

2004

2005

2006

2008

2009

2010

2011
PIB nacional
Gráfico 6:
Comportamento do PIB brasileiro de 2002 a 2011.
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados das Contas Nacionais IBGE.

Na próxima tabela (Tabela 7) podem-se verificar os gastos totais em C&T do governo brasileiro
para o mesmo período.

Tabela 7: Gastos do Governo brasileiro em Ciência e Tecnologia de 2002 a 2011


Ano Gastos em C&T
2002 R$ 24.349.578,50
2003 R$ 28.626.659,17
2004 R$ 44.144.605,10
2005 R$ 53.872.993,90
2006 R$ 63.662.756,08
2007 R$ 66.243.961,90
2008 R$ 76.347.163,40
2009 R$ 109.799.598,00
2010 R$ 147.028.940,00
2011 R$ 180.587.072,31
Acumulado R$ 794.663.328,36
Média do período R$ 79.466.332,84
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do FINBRA.

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Podem-se evidenciar estes gastos graficamente a partir do gráfico 3:

Gráfico 7: Gastos totais do governo em C&T.

Gastos governamentais em C&T


160.000.000,00
140.000.000,00
120.000.000,00
100.000.000,00
80.000.000,00
60.000.000,00
40.000.000,00
20.000.000,00
0,00
2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010
Valores em reais

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados FINBRA.

3. Conclusão

Conclui-se que os gastos do governo com C&T cresceram de forma progressiva e contínua,
podendo inferir que a diferença do primeiro ano da série (2002) ao último (2011) aufere crescimento de
mais de 800%, enquanto que o PIB demonstrou oscilações irregulares. Utilizando da mesma
metodologia dos valores em C&T para os valores do PIB, têm-se que do primeiro ano da série (2002)
ao último (2011), aufere crescimento de apenas 7,27% para o mesmo período.
Portanto, percebe-se que os principais agentes responsáveis por P&D no Brasil não são os
mesmos responsáveis em países como a China, Alemanha ou a Coréia (exportadores de produtos de
alta intensidade tecnológica), que os investimentos feitos pelo governo tendem a continuar na esfera
pública através das universidades, escolas de ensino superior, órgãos e institutos públicos (maiores
concentradores de P&D no país) e que esses investimentos ainda são relativamente baixos, porém, ao
menos, com comportamento crescente.

Referências

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Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico e dá outras providências. Disponível em:
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0719.htm>. Acesso em: 28 de ago de 2013.
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Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm>. Acesso em: 28 de ago de 2013.
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VIII

Comunicação, Informação e
Poder na América do Sul
ARTIGOS
Ditadura militar, comunicação e informação:
representações sobre o compositor Geraldo Vandré
na imprensa brasileira

Dalva Silveira1

Introdução

E
m 1968, no auge de sua carreira, com a consagração da música “Pra não dizer que não falei
das flores”, o compositor Geraldo Vandré torna-se um ícone daquele período histórico, mas
também alvo de perseguições políticas, e acaba por partir em exílio. Em 1973, ao retornar
para o Brasil, encerra prematuramente sua carreira musical. Com base na seleção e análise de 68
matérias sobre o cantor, publicadas em jornais e revistas brasileiras, de 1966 a 2009, este trabalho
propõe abordar algumas representações sobre o artista que foram veiculadas pela imprensa brasileira, o
que contribui para a construção de um enigma no imaginário social brasileiro.
Vandré é, ao mesmo tempo, uma figura exemplar e singular: é um caso típico do artista
envolvido com a contestação ao regime militar entre os anos de 1964 e 1968, perseguido, censurado,
exilado e repatriado. Mas, diferentemente de outros, como, por exemplo, Caetano Veloso e Gilberto
Gil, que, como ele, passaram pelo mesmo processo sócio-histórico, o compositor não retomou a
carreira artística e transformou-se em uma figura controversa. Sendo assim, torna-se compreensível a
opção da imprensa por explorar sua imagem e trajetória.
Desde o sucesso alcançado com a vitória de “Disparada”, no II Festival da TV Record, 2 em
outubro de 1966, a imprensa já dava mostras de sua percepção com relação à potencialidade do artista
como produto comercial. Mas foi após a sua marcante participação no III Festival Internacional da
Canção, em 29 de setembro de 1968, com a música “Pra não dizer que não falei das flores”, que
Geraldo Vandré foi se tornando pauta mais e mais interessante para a mídia impressa. 3 “Caminhando”,
ao ser lançada num momento de radicalização das ações da esquerda brasileira e do consequente
acirramento do autoritarismo do governo, conseguiu sintetizar o sentimento contido nos movimentos
de resistência à ditadura militar, provocando a sua censura e a perseguição ao seu compositor. A partir
de então, observa-se que a imprensa começa a representar Vandré como símbolo de resistência ao
regime ditatorial.
Após a promulgação do AI-5, ocorrida em 13 de dezembro de 1968, o artista passou a ser
efetivamente perseguido, encerrando, por isso, suas atividades artísticas e se escondendo até o dia 16 de
fevereiro de 1969, data de sua fuga do Brasil. Na pesquisa, não foi encontrada nenhuma matéria da

1 Doutoranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
2 Canção feita em parceria com Théo de Barros e interpretada, nesse festival, por Jair Rodrigues. Cf.: MELLO, 2003, p. 126.
3 Para mais detalhes sobre esse assunto, ver SILVEIRA, 2011.
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imprensa brasileira publicada durante esse período. Durante o seu exílio, que aconteceu de fevereiro de
1969 a julho de 1973, só foram encontradas duas matérias sobre o artista. Isso se justifica se
consideramos as dificuldades para a obtenção das notícias e o fato de a imprensa brasileira estar, então,
sujeita à censura imposta pelo governo militar e sob vigilância do DOPS, que, muitas vezes, extraía
informações sobre o compositor de publicações da imprensa.
Desde o seu retorno até a data em que vigorou o AI-5, foram encontradas apenas quatro
matérias sobre o compositor, o que corrobora o comentário da revista Veja, de 24 de março de 1982,
segundo o qual, em 1973, havia ocorrido a proibição, pela Polícia Federal, de qualquer comentário ou
notícia sobre Geraldo Vandré. Mas, a partir da revogação do AI-5, ocorrida em janeiro de 1979, bem
como da promulgação da Lei da Anistia, em agosto desse mesmo ano, a imprensa passa a publicar, com
maior frequência, reportagens sobre o artista; prova disso é o fato de terem sido encontradas nada
menos do que 43 matérias a seu respeito.
Em algumas publicações, nota-se, em momentos específicos da política brasileira, a apropriação
de sua obra, de sua história e de sua imagem, no sentido de reforçar e, por vezes, “vender” alguma
ideologia ou ideia do momento. Nesse sentido, torna-se necessário levar em consideração as datas em
que se publicaram matérias sobre Vandré, por exemplo, no intervalo entre a revogação do AI-5 e a
promulgação da Lei da Anistia; em 1985, início do governo civil; em 1998, em comemoração aos 30
anos da ocorrência do “Maio de 1968”; em 2005, aniversário de 20 anos de retorno, no Brasil, do
governo civil; e em 2008, ano da rememoração dos 40 anos da promulgação do AI-5.
Em grande parte das matérias analisadas sobre Vandré, ele é representado como mártir, como o
cantor de protesto que foi vítima da ditadura militar, o que contribui para o processo de mitificação do
compositor. Além desse aspecto, dentre as representações veiculadas sobre o artista, destacam-se uma
suposta loucura, sua relação com partidários da direita e, ainda, a contraposição entre o cantor e
compositor Geraldo Vandré e o advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias.

A contraposição entre os dois “Geraldos”


Na entrevista “Volta ‘artística’ ao Brasil foi apenas em 1994”, Geraldo Vandré informa o
seguinte percurso do seu exílio: “No carnaval de 1969 fui ao Uruguai, [...]. Depois, passei seis meses no
Chile. Fui então para a Argélia. E depois passei pela Iugoslávia, pela Alemanha, [...], Grécia, e me fixei
na França por 18 meses” (O Estado de S. Paulo, 05/08/95). Nesse relato, o compositor deixou de revelar
o seu retorno ao Chile. Segundo Jeane Vidal (2007), Vandré retornou a esse país, em março de 1971,
porque foi expulso da França, por ter sido encontrado com 650 gramas de haxixe. A autora comenta
que o seu retorno foi tranquilo, já que Salvador Allende ainda estava no poder. Mas essa tranquilidade
foi interrompida, em 11 de setembro de 1973, pois as Forças Armadas chilenas bombardearam a sede
do governo, numa ação que levou Allende à morte e à sua substituição por Augusto Pinochet, que ali
implantou uma das ditaduras mais violentas da América Latina. O clima de tensão que precedeu esse

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golpe parece ter afetado muito o estado psicológico de Vandré. De acordo com o jornalista Mylton
Severiano da Silva:

Gente que o viu lá e que também voltou conta que soube de Geraldo internado em
tratamento de calmantes para conseguir dormir [...]. Dizem uns que na França já o
haviam procurado, mas ele tinha recusado qualquer entendimento numa boa, com
certo emissário extra-oficial; mas nesse 1973, além do banzo, havia um Chile
convulsionado, onde começava a faltar comida, gasolina, onde havia toque de recolher
e portanto hora marcada para dormir. (Ex-, n. 12, jun. 1975, p. 31).

A família de Vandré fazia contatos para assegurar o seu retorno de maneira “tranquila” ao Brasil
e, segundo a revista Caros Amigos, alcançou seu intento: “uma amiga de sua mãe tinha um contato com
o general Taurino Rezende, que prometeu: se não houvesse nada de mais contra Vandré, ele poderia
voltar” (Caros Amigos, n. 10, 2007, p. 307). E, do ponto de vista jurídico, não havia nada contra ele.
Sendo assim, ao que tudo indica, o cantor, por meio de um acordo, foi autorizado a voltar ao Brasil.
Sobre essa negociação, pouco se sabe, mas seus termos parecem estar relacionados à polêmica chegada
de Vandré ao país.
Em julho de 1973, segundo a revista Ex-, embarcou em Santiago do Chile rumo ao Rio de
Janeiro, quando “no Chile a convulsão de direita estava por menos de dois meses, e antes que
cortassem as mãos do cantor e compositor chileno Vitor Jara e o matassem” (Ex-, n. 12, jun. 1975, p.
31). Desembarcou num Brasil governado por Emílio Garrastazu Médici (1969-1974), num momento
em que a repressão, a tortura e a censura já haviam atingido seu ponto máximo.
Existem duas versões sobre o seu desembarque no Brasil. O verdadeiro desembarque teria
acontecido no dia 17 de julho de 1973. O Jornal do Brasil, um dia após o acontecimento, publicou uma
pequena nota sob o título “Vandré volta e é preso”:

O cantor e compositor Geraldo Vandré foi preso ontem, no Aeroporto do Galeão, ao


desembarcar de um avião procedente da Europa [sic]. O artista foi levado para uma
unidade militar, onde se encontra incomunicável, segundo fontes da Polícia Federal.
Geraldo Vandré estava sendo procurado devido a sua composição Caminhando e
também porque teria feito no Exterior declarações consideradas ofensivas ao governo
do Brasil. (Jornal do Brasil, 18/07/73).

Já o falso desembarque teria acontecido no dia 18 de agosto de 1973. O Jornal da Tarde dedicou-
lhe uma grande matéria intitulada “Geraldo Vandré volta ao Brasil, cheio de novas idéias e canções
(sem política)”. A matéria conta com uma descrição pormenorizada da “montagem de sua chegada” e
com a reprodução da “entrevista que Geraldo Vandré deu a uma rede de televisão e que foi transmitida,
a cores, via Embratel, para todo o Brasil” (Jornal da Tarde, 22/08/73). Nessa matéria, vê-se publicada
uma suposta retratação do compositor:

Olha, em primeiro lugar, eu acho que as minhas canções de hoje são mais anunciativas
do que denunciativas. E eu espero integrá-las à realidade nova do Brasil, que espero
encontrar em um clima de paz e tranqüilidade. Mesmo porque a vinculação do meu
trabalho, até hoje, com a utilização por qualquer grupo político, ocorreu sempre
contra a minha vontade. Eu tratei que esses trabalhos estivessem sempre vinculados à

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realidade brasileira, em termos de melhor representar a cultura nacional. (Jornal da
Tarde, 22/08/73).

Segundo a revista MPB Compositores (n. 31, 1997), após a retratação, começava o exílio de
Vandré no Brasil. Ele tentou reintegrar-se ao meio artístico, mas foi em vão, pois as duas aparições que
conseguiu gravar – uma para o Fantástico, da Rede Globo, e a outra para o programa de Flávio
Cavalcanti, da extinta TV Tupi – foram censuradas e, portanto, não foram ao ar. A partir de então,
Geraldo Vandré, que, assim como muitos artistas, tem o nome de batismo e o nome artístico, quando
procurado pela imprensa, passou a atender pelo nome de família, Geraldo Pedrosa de Araújo Dias,
dizendo ser um advogado e negando a existência do compositor. Com esse comportamento, gerou a
representação da existência dos “dois Geraldos”. Podemos dizer que, de modo geral, a imprensa
incorporou essa representação, publicando matérias que salientam a contraposição entre o cantor e
compositor Geraldo Vandré, quase sempre apresentado e representado como um mito da esquerda
brasileira da década de 60, e o advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, quase sempre apresentado e
representado como uma personalidade excêntrica, de hábitos poucos convencionais, que se nega a falar
do seu passado e que, às vezes, declara abertamente a morte de Geraldo Vandré. Vejamos alguns
exemplos.
No jornal Repórter, de março de 1978, encontramos os seguintes dizeres: “De volta ao Brasil, em
1973, não cantou mais em público. Não fala sobre Geraldo Vandré à imprensa. Hoje ele é Geraldo
Pedrosa de Araújo Dias, advogado de 42 anos: Vandré morreu, não existe mais para o público”. Outro
exemplo é uma publicação do jornal Folha de S. Paulo, que, ao noticiar um projeto que concedeu um
título a Geraldo Vandré, traz, também, a contraposição entre os “dois Geraldos” e a expectativa de que
Geraldo Pedrosa se comporte como Geraldo Vandré, outra representação recorrente na imprensa:

O cantor e compositor Geraldo Vandré nada tinha a declarar à imprensa, ontem,


quando recebeu o título de “Cidadão Paulistano” [...]. Em contrapartida, o advogado
Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (nome do artista) não se negou a responder
perguntas sobre a sociedade jurídica, o que não era exatamente o que todos queriam
ouvir. (Folha de S. Paulo, 26/09/1980).

Matérias da imprensa também retratam a moradia do compositor e aproveitam a ocasião para


remeter à questão. Um exemplo pode ser encontrado na revista Vip Exame:

Às vésperas de completar 60 anos, Geraldo Vandré vive sozinho num apartamento


de um velho edifício no centro de São Paulo. Há muito tempo mandou desligar seu
telefone. Na porta, a campainha não funciona. Lá dentro, na entrada, ele pendurou
cartazes de seus antigos shows e uma página amarelecida de jornal, da época de sua
volta ao Brasil depois do exílio, em 1973 (o título: “Vandré morreu, Viva Geraldo”).
(Vip Exame, mar. 1995, p. 52).

A revista MPB Compositores foi mais enfática:

Na pequena sala do apartamento, a bagunça é geral. Livros empilhados, gravuras nas


paredes, duas máquinas de escrever, retratos espalhados, copos vazios. Sobre a
escrivaninha, papéis com anotações, processos jurídicos em andamento, misturados a

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pautas musicais em branco. Folhas pentagramadas, à espera de novas composições.
Num canto, quase escondido, o velho violão. Nesse diminuto campo de batalha, dia
após dia, o advogado aposentado Geraldo Pedrosa luta para enterrar o compositor
Geraldo Vandré. Uma guerra inglória, solitária e incompreendida. (MPB Compositores,
n. 31, 1997, p. 2).

A suposta loucura do artista


Além da negação da existência do compositor, Vandré passou a apresentar atitudes
anticonvencionais, que fugiam completamente às expectativas criadas em torno do artista. A jornalista
Regina Echeverria, na matéria “Crepúsculo de um ídolo”, retratou o seu comportamento após a
chegada do exílio:

Como uma sombra de si mesmo, Geraldo Vandré passou a vagar pela cidade de São
Paulo. Fazia aparições esporádicas, às vezes, entrava numa redação de jornal, sentava-
se numa máquina e escrevia laudas e laudas, em silêncio. Ninguém tinha coragem de
perguntar o que ele estava fazendo ali. (Folha de S. Paulo, 12/09/1985).

Suas atitudes, atreladas ao seu silêncio e ao fato de o artista se apresentar como um advogado,
acabaram por provocar questionamentos e especulações relacionados às razões que levaram a essa
mudança de comportamento. Paulo César de Araújo (2005) nos lembra que, em 1974, o cantor Benito
di Paula, ao ver Geraldo Vandré dizendo um poema para um poste, fez um samba em sua homenagem,
Tributo a um rei esquecido.4 Nesse samba, Benito formula a pergunta: “O que foi que fizeram com ele?”.
Para Araújo, o mistério reside em torno do que teria acontecido com Vandré no intervalo dos 33 dias
que se passaram entre o primeiro e o segundo desembarque no Brasil, ocasião em que esteve em poder
dos militares. De acordo com o autor, “sabe-se que após aquele primeiro período incomunicável numa
unidade do I Exército, no Rio de Janeiro, o compositor também esteve preso numa carceragem da Polícia
Federal em Brasília” (ARAÚJO, 2005, p. 110).
Sendo assim, circularam várias notícias sobre o que teria acontecido com Vandré durante esse
intervalo de tempo, conforme nos relata a revista Vip Exame: “propagou-se que ele enlouquecera em
razão de torturas nos porões da repressão política. Circulou também a versão de que ele teria até
sofrido uma lavagem cerebral. E assim, como que lobotomizado, não conseguiria mais compor” (Vip
Exame, mar. 1995, p. 52). Uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo traz a negação desse fato já em seu
título, “Vandré nega tortura pelo regime militar”, e reproduz a justificativa do artista: “Eu não fui
torturado pela repressão. Mas a imprensa quis mitificar Vandré. Vandré seria uma invenção no período
agitado da vida cultural e política do meu país” (O Estado de S. Paulo, 01/02/1990). A imprensa, ciente
de que esses assuntos despertavam interesse, procurou obter respostas do compositor durante as
poucas entrevistas concedidas por ele, mas este se recusa a esclarecer a questão, irrita-se e, muitas vezes,
reclama da postura da imprensa. Exemplo disso é a resposta dada a esta pergunta da jornalista Brenda

4 Canção integrante do LP Benito di Paula gravado ao vivo – Copacabana. 1974 (Cf.: ARAÚJO, 2005, p. 423).

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Fucuta: “Quando o senhor voltou, o que aconteceu exatamente? Especula-se que o senhor tenha sido
torturado” (Jornal do Brasil, 08/11/1994). Vandré aproveita a ocasião para criticar a imprensa: “O
sistema de informações que lida com estes conceitos é que é um terror, vive torturando as pessoas com
essas perguntas. A guerra entre meu ser brasileiro e as Forças Armadas nunca existiu [...]”. (Jornal do
Brasil, 08/11/1994).
O jornalista Thales Guaracy apresentou a seguinte fala com relação à notícia que se propagou,
relacionada à tortura física de Vandré: “Segundo o mito, Geraldo virou um mártir, como se para ser
vítima da ditadura, que em última análise destruiu sua vida, precisasse ainda passar pelo pau-de-arara”
(Vip Exame, mar. 1995, p. 54). Não se pode dizer, com certeza, que a ditadura destruiu sua vida, mas,
depois da promulgação do AI-5, Vandré não prosseguiu com sua carreira artística, o que representou a
“morte em vida” do artista. Se Vandré não se incomoda ou finge não se incomodar com isso, dizendo
que voltou a ser o advogado Geraldo Pedrosa, até hoje, essa volta à vida comum não foi aceita pela
imprensa, por escritores e outros formadores de opinião. Os anos passam e o fato continua pedindo
uma explicação, despertando interesses diversos e sendo especulado pela imprensa. É tamanha a
insistência em se fazer de Geraldo Vandré o “mártir da ditadura”, no campo da música, que podemos,
talvez, incluí-la entre as pressões psicológicas que o cantor teria sofrido no caminho de sua
desestruturação como artista.
Mas, como veremos a seguir, não é apenas a negativa em ser mártir da ditadura militar que
trouxe frustração. Em 1994, Vandré tornou pública uma composição que não correspondeu às
expectativas: “para desespero de seus grisalhos e engajados fãs, enfileirou-se com 200 cadetes da
Academia Militar de Pirassununga para apresentar [...] o poema sinfônico Fabiana composto em 1985
em ‘honra e louvor’ da Força Aérea Brasileira (FAB)” (O Estado de S. Paulo, 05/08/95).

Vandré e as relações com a direita


A representação de Geraldo Vandré como alguém que se relaciona com partidários da direita
não é algo novo na imprensa. O jornalista Celso Lungaretti publicou uma matéria no jornal Cidade de
Itapetinga, em 24 de março de 2009, em que relata o episódio ocorrido no dia 1º de maio de 1968,
quando o então governador de São Paulo, Abreu Sodré, ao discursar na Praça da Sé, recebeu pedradas
por parte dos trabalhadores do ABC e de Osasco, organizados pela esquerda, e foi socorrido por
Vandré. Lungaretti lembra que essa cena foi fotografada pelo jornal Folha da Tarde, que publicou a
imagem em sua capa, fazendo com que muitos esquerdistas ficassem contra o compositor. A imprensa
não se esqueceu desse episódio. Passados mais de 27 anos, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma
entrevista com o título “Abreu Sodré teria garantido apoio nos duros tempos”, trazendo de volta o
assunto. Quem fez a entrevista foi a jornalista Maria do Rosário Caetano, que colocou como epígrafe a
frase “Músico cancelou show para ver a rainha”, e conduziu a entrevista fazendo várias perguntas que

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sugeriam uma tentativa de levar Vandré a confirmar que sua relação com o poder fora bastante
significativa, como, por exemplo:

O ex-governador Abreu Sodré está preparando livro de memórias e nele conta que
você o visitou no Palácio dos Bandeirantes em 1º de maio de 1968. Que lhe foi
hipotecar solidariedade [...]. Isto aconteceu? [...] na qualidade de hóspede, dormiu nos
aposentos que, em novembro, seriam ocupados pela rainha Elizabeth, da Inglaterra
[...] você encontrou proteção no Palácio do Governo. [...] Mas você esteve no Palácio
Bandeirantes [...] na recepção à rainha Elizabeth, não? [...]. E passou uma temporada
no palácio? [...] E o governador Abreu Sodré o auxiliou no plano de retirada para levá-
lo ao exílio, no Uruguai? (O Estado de S. Paulo, 05/08/1995).

Vandré se esquivou em todas as respostas. Roberto de Abreu Sodré, no citado livro de


memórias, No espelho do tempo: meio século de política, em fase de preparo na ocasião, fala sobre o
episódio da Praça da Sé e confirma esses acontecimentos relacionados a Vandré, mas alega que
ofereceu justa proteção também para outras pessoas, e não apenas para ele:

Pouco depois desses acontecimentos, fui procurado no Palácio dos Bandeirantes por
inúmeros jovens que vinham trazer a sua solidariedade. Entre eles, o compositor
Geraldo Vandré, cuja música Pra não dizer que não falei de flores [sic] acabara de obter um
sucesso estrondoso no III Festival Internacional da Canção. Por considerá-la
subversiva, o coronel Otávio Costa [sic] achou por bem exigir a prisão de seu autor.
Não tive dúvidas. Convidei Vandré a permanecer no Palácio dos Bandeirantes [...] Ele
aceitou de bom grado e lá permaneceu. Não foi um caso isolado. Várias outras
pessoas ameaçadas de prisão, embora nada tivessem feito para merecê-la, procuraram
e receberam abrigo no Palácio dos Bandeirantes. (SODRÉ, 1995, p. 158).

Como se vê, Sodré declara que, na época, sua proteção e oferta de abrigo, no Palácio dos
Bandeirantes, para pessoas ameaçadas de prisão, foi uma prática usual, mas a figura de Vandré e a
absoluta polarização política da época permitiram à imprensa gerar muita polêmica.
Em 1974, podemos observar outra tentativa, por parte da imprensa, de mostrar a relação de
Vandré com a direita política nacional, mas, agora, referindo-se ao seu relacionamento com os militares.
A matéria “O turismo de Vandré acabou na Delegacia de Mogi” registra o desentendimento entre o
cantor e um taxista em Mogi das Cruzes, porque o último se negou a fazer o estranho roteiro turístico
proposto por Vandré: “Queria dar umas voltas pela Central da Rádio-Patrulha e aos quartéis da cidade”
(Jornal da Tarde, 14/11/74). Na discussão, Vandré acabou por lhe dar uma cotovelada na barriga e,
como a polícia havia chegado ao local naquele momento, todos foram para a delegacia. Segundo a
matéria, após obter informações do DOPS, do DEIC5 e da Secretaria da Segurança Pública de São
Paulo de que Vandré não estava sendo “procurado”, acabaram por dispensá-lo. A matéria relata ainda
outros detalhes: que ele não quis dar informações para a imprensa e que, por se tratar de um “grande
nome da música nacional”, acabou sendo convidado para visitar a casa do delegado Murilo Pereira, do

5O DOPS era o Departamento de Ordem Política e Social, vinculado à Polícia Federal e, criado em 1924, era responsável
pelo controle e repressão política e também pela censura aos meios de comunicação, especialmente durante o regime
militar; ainda está em atividade, restrito ao nível estadual, em algumas unidades da federação. O DEIC é o Departamento
de Investigações sobre Crime Organizado, órgão da Polícia Civil do estado de São Paulo.

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DOPS, e aceitou o convite. Como se vê, um acontecimento cotidiano de sua vida foi transformado em
matéria de jornal, de modo a salientar sua relação com a Polícia Militar.
No dia 16 de dezembro de 1987, no auditório da Biblioteca Mário de Andrade, foi apresentado
o recital A capitania de Wanmar, de autoria de Vandré. A revista IstoÉ registrou esse evento na matéria
“Reaparição erudita”. Essa publicação também não deixou de ressaltar aspectos que mostram sua
ligação com outro órgão das Forças Armadas, ao falar sobre uma peça do seu vestuário – “trajava uma
camiseta com o emblema da Marinha” (IstoÉ, 23/12/1987) – e ao encerrar o texto dizendo que “o
autor que outrora engajava platéias com o estribilho ‘Vem vamos embora’ plantou-se na porta para
impedir a entrada dos retardatários e, no final, saiu escoltado por quatro cadetes” (IstoÉ, 23/12/1987).
Observa-se, nessa expressão, uma nítida contraposição entre os “dois Geraldos”, o do passado,
cantando com a esquerda, o do presente, perfilando-se com a direita.
Mas foi sua participação no Concerto Sideral, evento integrante das comemorações da Semana
da Asa, promovido pelo Ministério da Aeronáutica, que, ao ser noticiada pela imprensa, gerou a maior
das polêmicas. Esse evento ocorreu no dia 20 de outubro de 1994, no Memorial da América Latina, e
contou com a apresentação de sua música “Fabiana”. As publicações da imprensa sobre o evento
também explicitaram a contraposição entre o mito da esquerda brasileira da década de 1960 e o amigo
dos militares, Geraldo Pedrosa de Araújo Dias. Exemplo disso foi a publicação da matéria “Geraldo
Vandré homenageia Aeronáutica”, de Enor Paiano, no jornal O Estado de S. Paulo. Nela, toda a
programação da noite é anunciada, mas o grande destaque é a participação de Vandré: “O Concerto
Sideral [...] terá uma abertura inusitada: a música Fabiana [...] assinada por Geraldo Vandré. Isso mesmo.
O compositor que em 1969 precisou fugir do país, perseguido pelos militares [...] está cada vez mais
perto de seus antigos inimigos” (O Estado de S. Paulo, 20/10/1994). Sobre esse mesmo evento, é
relevante, também, a matéria “Marchando e cantando”, da jornalista Brenda Fucuta:

Não era uma canção de amor, não era uma platéia comum e não era o mesmo
Geraldo Vandré [...]. Fabiana, a primeira obra que apresenta desde Pra não dizer que não
falei de flores [sic] [...]. A cena no auditório do Memorial, com Vandré solenemente
postado diante de uma platéia de militares fazia lembrar o polêmico filme O porteiro da
noite [...], no qual a protagonista procura a companhia dos seus próprios algozes [...].
Foi quando se descobriu que um dos artistas mais odiados pelos militares na década
de 60 mantém há anos um estreito contato com a caserna (Jornal do Brasil,
08|11/1994).

Esse foi mais um episódio da vida de Vandré sobre o qual a imprensa soube especular.

Vandré como símbolo de protesto


Muitas das matérias dedicadas ao compositor o representam como o cantor engajado que foi
vítima da ditadura militar, apropriando-se tanto de sua obra quanto de sua história e de sua imagem
como pretexto para veicular ou “vender” alguma ideologia ou ideia que se quer propagar em
determinado momento. Por exemplo, no intervalo entre a revogação do AI-5 e a promulgação da Lei

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da Anistia, foi publicada, a seu respeito, pela revista Veja, no dia 18 de abril de 1979, a matéria “Do
exílio”, em que o próprio título remete à questão que se fazia latente naquele momento, ou seja, era
preciso trazer à tona a questão dos exilados.
Em outubro de 1985, início do governo civil, acontece a reapresentação, no Colégio Pentágono,
da cidade de São Paulo, de seu auto religioso intitulado Paixão segundo Cristino, criado em 1968. Ao que
parece, o objetivo era reforçar a importância da liberdade conquistada com a Nova República e mostrar
todas as mazelas do período militar. A matéria “Cantando a antiga paixão”, da revista IstoÉ, do dia 16
de outubro de 1985, noticiou esse evento de forma a representá-lo como símbolo de resistência ao
autoritarismo militar.
O Jornal do Brasil do dia 3 de maio de 1998, em comemoração ao aniversário de 30 anos da
ocorrência do “Maio de 1968”, em Paris, publicou a reportagem “Protesto e convivências”. Seu texto
vem ilustrado com uma foto em que Vandré oferece, simbolicamente, o seu violão para a plateia do III
FIC; seu autor, o jornalista Tárik de Souza, refere-se à música “Caminhando” como o “pico da canção
de protesto”.
Ao se aproximar o aniversário de 20 anos de retorno do governo civil no Brasil, o jornal O
Estado de S. Paulo do dia 30 de janeiro de 2005 publicou a matéria “O que o país não pôde ver nem
ouvir, em 70 mil documentos”. O assunto diz respeito à abertura ao público do acervo da censura
prévia às produções culturais durante o regime militar. Sob o subtítulo “Nem ‘retratação’ de Vandré
escapou da tesoura”, a jornalista Luciana Nunes Leal ilustra a matéria citando a reprovação da música
“Pátria Amada, idolatrada, Salve, salve”.
A rememoração dos 40 anos da promulgação do AI-5 foi feita pelo jornal Estado de Minas do dia
13 de dezembro de 2008, através da publicação da matéria “Não tenho presidente”. Trata-se de uma
entrevista com o compositor em que se fala sobre as consequências do Ato para a sua vida,
evidenciando o entrelaçamento entre a sua história e a do país no período da ditadura militar.

Considerações finais
Pode-se dizer que as representações publicadas na mídia impressa brasileira tiveram como base
as atitudes do próprio artista, ou seja, Geraldo Vandré, ora calando-se, ora afirmando que Vandré
morrera, e abandonando a carreira artística, deu início à história da existência de “dois Geraldos”. A
imprensa, movida pelo desejo de vender o seu produto, apropriou-se dessa invenção. Ao que tudo
indica, essa postura da imprensa é uma tentativa de oferecer uma explicação para o “caso Geraldo
Vandré”, a fim de corresponder às expectativas de seus leitores. Mas o que aconteceu com Vandré
merece uma análise mais pormenorizada, pois parece ser resultado de vários fatores que precisam ser
considerados, entre os quais, a sua personalidade, que foge ao objeto de estudo das Ciências Sociais,
mas também de outros que interessam a esse campo de conhecimento, como, por exemplo, as

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mudanças ocorridas no contexto cultural do Brasil nos anos de 1970, época do seu retorno do exílio,
bem como a forma como se deu a sua inserção no meio musical na década anterior.
Além disso, deve-se respeitar o direito de todo homem a calar-se diante de fatos que lhe diz
respeito e também de dar à sua vida o rumo que melhor lhe convier. Mas, ainda assim, principalmente
agora, com a proximidade do cinquentenário do Golpe Militar de 1964, é oportuno antecipar reflexões
acerca de suas consequências. Vandré é figura polêmica, enigmática e misteriosa, assim como
permanecem sendo os bastidores, ou “porões”, da ditadura militar, pois os crimes cometidos durante o
período não foram esclarecidos, não se sabe o que aconteceu com muitas de suas vítimas. O Brasil,
através da Lei da Anistia, não levou em conta a necessidade de que todos fossem responsabilizados por
seus crimes, tornando-se o único país latino-americano que vivenciou a experiência ditatorial das
décadas de 1960/70 em que os torturadores não foram julgados.
Sendo assim, parece válido encerrar este trabalho sobre Geraldo Vandré com uma fala do
compositor, inscrita na capa de seu LP Canto geral, de 1968, ainda muito atual: “os critérios de justiça do
mundo em que vivemos ainda estão muito longe de poder dar-nos uma certeza e uma garantia mínima
do que seja verdadeiramente justo ou injusto”.

Referências

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Record, 2005.
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VIDAL, Jeane. Vandré: tempo de repouso. 2007. 118f. Trabalho de Conclusão de Curso (Comunicação Social –
Jornalismo) – Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2007.

Periódicos citados
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Geraldo Vandré volta ao Brasil, cheio de novas idéias e canções (sem política). Jornal da Tarde. Caderno Gente, p.
2. 22/08/1973.
O turismo de Vandré acabou na delegacia de Mogi. Jornal da Tarde. p. 11. 14/11/1974.
SILVA, Mylton Severiano da. Vandré pra quem quiser. Ex-. p. 29-31. jun. 1975.
SOLNIK, Alex. Ex-cantor não fala sobre seu passado: diz que já morreu! Repórter. n. 4. mar. 1978.
SOUZA, Tárik de. Do exílio. Veja. p. 103. 18/04/1979.
Vandré, agora cidadão paulistano. Folha de S. Paulo. 26/09/1980.
SOUZA, Okky de. Vandré espera acontecer. Veja. p. 84-85. 24/03/1982.
ECHEVERRIA, Regina. O crepúsculo de um ídolo. Folha de S. Paulo. 12/09/1985.
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Reaparição erudita. IstoÉ. p. 17. 23/12/1987.
Vandré nega tortura pelo regime militar. O Estado de S. Paulo. 01/02/1990.

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FUCUTA, Brenda. Atormentado pelo próprio mito. Jornal do Brasil. 08/11/1994.
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05/08/1995.
CAETANO, Maria do Rosário. Volta “artística” ao Brasil foi apenas em 1994. O Estado de S. Paulo. Caderno 2, p.
5. 05/08/1995.
CAETANO, Maria do Rosário. Abreu Sodré teria garantido apoio nos duros tempos. O Estado de S. Paulo.
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Saiu Vandré, voltou Pedrosa. Caros Amigos. n. 10, p. 307. 2007. (A Ditadura Militar no Brasil).
COLON, Leandro. Não tenho presidente. Estado de Minas. Caderno Política, p. 10. 13/12/2008.
LUNGARETTI, Celso. O Vandré que eu conheci. Cidade de Itapetinga. 24 mar. 2009. Retirado de
<http://naufrago.da.utopia.blogspot.com/>. Acesso em: 31/03/2009.

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Percepções argentinas sobre o Brasil na economia
e na política: o uso do sucesso brasileiro como arma
ideológica do jornal Clarín em sua oposição ao
governo Cristina Kirchner

Li-Chang Shuen Cristina Silva Sousa1


Adriano Ferreira2

Introdução

O
cenário político argentino tem sido polarizado, nos últimos anos, pela disputa ideológica
entre kirchneristas e os anti-K (termo usado pelo jornal Clarín para se referir à oposição).
O grupo Clarín, maior conglomerado de mídia argentina que edita o jornal Clarín, e o
governo de Néstor, primeiro, e Cristina Kirchner, depois, tem um histórico de relações complexas.
Declaradamente opositor ao governo, o grupo tem utilizado várias estratégias para minar a confiança da
opinião pública sobre o governo da atual presidente. Dentre as mais comuns, está o apelo à publicação
de matérias com denúncias de corrupção, improbidade, desmando e ineficiência, estratégias comuns no
jornalismo político. O inusitado, do ponto de vista editorial e político, é o jornal usar a imagem do
Brasil como país de economia forte e sistema político estável para confrontar o que o próprio Clarín
chama de “kirchnerismo”. Afinal, existe a percepção – mútua, aliás – de que Argentina e Brasil são,
ambiguamente, parceiros e rivais.
O jornal, deliberadamente, muda o foco dessa percepção, ao mostrar que o rival agora é o país a
ser copiado, e que a parceria pode ser comprometida graças às ações antipáticas do governo Kirchner
relativas ao comércio bilateral. Em meio a esse discurso brasilianófilo, é possível perceber a
intencionalidade latente: oferecer ao leitor uma comparação entre um país que, na construção
ideológica do jornal, “está dando certo” e outro que se afasta a cada dia da estabilidade e do
crescimento econômico e da confiança da comunidade internacional.
No artigo, que traz resultados iniciais de uma pesquisa empreendida pelo grupo Sociedade,
Integração Regional e Globalização, vinculado ao curso de Jornalismo da Universidade Federal do
Maranhão, traçamos um breve histórico da política argentina contemporânea, assim como uma análise
do relacionamento dos Kirchner com a imprensa, sem deixar de contemplar a aprovação da atual lei de
mídia do país e dos confrontos entre o grupo Clarín e o governo. A partir desse pano de fundo
contextual e estrutural, parte-se para uma análise conjuntural de reportagens e textos opinativos,
publicados entre 2011 e 2013, que tenham o Brasil como critério de noticiabilidade, atentando para o

1 Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília. Professora Assistente do curso de Jornalismo da Universidade
Federal do Maranhão. Email: lichangshuen@gmail.com
2 Graduando em Jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão.
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valor-notícia “a maravilha que é o Brasil para os argentinos”. Esse valor-notícia tem sido recorrente nas
publicações sobre nosso país na imprensa argentina. Inclusive, tanto em telejornais da televisão aberta
quanto em noticiários dos canais de notícia 24 horas transmitidos via cabo é possível encontrar esse
tipo de enfoque, sintomático de uma realidade política fortemente polarizada entre governo e oposição
naquele país.
O objetivo da pesquisa é oferecer uma análise que possa vislumbrar o porquê de o Brasil passar
a constituir uma categoria comparativa positiva para um dos contendores na luta política argentina.
Uma hipótese é que a tendência a personalizar a ação político-governamental na imprensa portenha –
dando ênfase aos atores conjunturais e não ao complexo institucional – faz com que a luta entre os
grupos políticos precise incluir, no contexto específico do governo Cristina Kirchner, um fator externo
como forma de mobilização não apenas discursiva, mas principalmente ideológica. Afinal, a um dos
lados na contenda não bastaria mais apenas praticar o jornalismo de denúncia, elencando casos
irresolutos e repetidos de corrupção e escândalos, mas partir para uma confrontação na qual a realidade
do país é comparada com a de outro, com condições similares de partida e que conseguiu atingir, do
ponto de vista do jornal, uma maturidade política diferenciada, na figura de seus líderes, que o permitiu
lograr um patamar superior de estabilidade e desenvolvimento. A estratégia, então, seria mostrar que o
problema não são as instituições, mas quem as administra.

Discurso e poder

O discurso é uma atividade de cunho social, de interações e práticas que re-significam as


estruturas sociais provocando um dinamismo de pensamento que é capaz de integrar todo o âmbito
social. Assim, sua prática do discurso não pode ser vista isoladamente, mas construída de forma ativa
por pessoas e para pessoas. Orlandi (2005) afirma que “o discurso é efeito de sentidos entre locutores”.
Desta forma ele está relacionado diretamente com os contextos em que são realizadas as suas
produções, não podendo, assim, ser deslocado de um contexto histórico e social, pois o discurso “tem
seu funcionamento que é possível apreender se não opomos o social e o histórico, o sistema e a
realização, o subjetivo ao objetivo, o processo ao produto” (ORLANDI, 2006, p.22). Os estudos acerca
da prática discursiva encontram amparo nas teorias da Análise do Discurso e esta constrói uma relação
entre a língua e a prática discursiva, duas faces que se entrecruzam por várias vezes sem serem dotadas
da liberdade de fatores que condicionem o agir de cada uma de maneira independente.
Através da prática discursiva é possível estabelecer relações ideológicas que culminem em
significações ou construções de uma realidade. Desta forma o uso prático de determinado texto,
matéria jornalística ou imagem pode criar uma realidade para o interlocutor, bem como produzir ou
reproduzir e transformar a prática do discurso em relações que impliquem dominação e, neste sentido,
uma ideologia pode ser transmitida de maneira tácita. Fairclough (2001, p. 117) afirma que “as
ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se tornam naturalizadas e
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atingem o status de ‘senso comum’”. É a partir desta visão de que as ideologias estão embutidas no
discurso que é possível entender como o discurso e o poder estão relacionados. Dessa maneira, se a
ideologia está contida nas práticas de discurso, logo pode-se concluir que as significações dessas
práticas contribuem para o estabelecimento e propiciam para manter relações de poder. Concordando
com Fairclough (2001, p. 121): “Em princípio, as relações de poder podem ser afetadas pelas práticas
discursivas de qualquer tipo, mesmo as científicas e as teóricas.” Para estudar fenômenos como este e o
apresentado neste artigo, utiliza-se a Análise Crítica do Discurso no sentido de tentar esclarecer essas
ocorrências que afetam as relações sociais.
A nomenclatura Análise Crítica do Discurso surgiu pela primeira vez por intermédio do
britânico Norman Fairclough, da Universidade de Lancaster, que, com auxílio da publicação Language
and Power tornou a disciplina uma ciência crítica da linguagem. A Análise Crítica do Discurso tem
como objetivo, desde sua origem, contribuir para uma obtenção de consciência sobre os efeitos sociais
de textos como para mudanças sociais que superassem relações desiguais de poder (RESENDE, 2006).
A Análise do Discurso é responsável por um papel mediador que se constrói entre o homem e a
realidade que o cerca, seja esta natural ou social. A principal ocupação da Análise Discursiva repousa
sobre as relações de significação e re-significação e não com uma língua abstrata, mas sim com a
concretude de relacionamento com o mundo. O homem, seja enquanto sujeito ou membro de uma
sociedade, é levado em conta estando inserido em sua história.
O objeto de estudo em questão será refletido através do olhar da Análise Crítica do Discurso a
fim de que, por esse viés, seja possível perceber quais foram as relações discursivas que construíram o
conceito de “maravilha Brasil” tão desenhado nos discursos do jornal Clarín em contraposição ao
“desastre Kirchner”, evocado pelo mesmo jornal

Grupo Clarín: oposição ideológica, jornalismo militante

Cristina Kirchner foi eleita para um primeiro mandato em 2007 (2007-2011) e, após a morte do
marido, de quem se tornou sucessora, reeleita para o período 2011-2015. O relacionamento entre o ex-
presidente Néstor Kirchner e a imprensa, em especial com o grupo Clarín, foi marcado por momentos
de tensão e distensão. Já no governo de Cristina, a tensão apenas aumentou, especialmente após a
edição do marco regulatório do sistema de radiodifusão. A lei n. 26.522/09 regulamenta os serviços de
comunicação audiovisual na Argentina e tem como objetivo declarado promover a desconcentração da
propriedade dos meios de comunicação naquele país. O grupo Clarín, que detém 237 licenças de
operação de tevê a cabo, nove emissoras de canais abertos, dez emissoras de rádio e o jornal impresso
de maior circulação do país, critica ferozmente a lei e tem conseguido vitórias parciais nos tribunais que
garantem a não desintegração do grupo como prevê a lei. Só o jornal Clarín detém 50% de participação
nas verbas publicitárias totais para o meio impresso em Buenos Aires.

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Para o governo Kirchner, a lei é uma forma de democratizar o acesso aos meios de
comunicação no país. Para o Clarín, é uma forma de atacar e calar quem não concorda com o governo.
O acirramento dessas tensões tem marcado os últimos quatro anos da política argentina de tal forma
que uma leitura atenta do noticiário leva o leitor a imaginar uma situação de guerra ideológica declarada
em que o jornalismo assume um protagonismo exacerbado, seja a favor ou contra o governo. Nos
últimos quatro anos, o Clarín perdeu 60% da receita publicitária governamental, o que a empresa
credita a uma campanha de enfraquecimento e retaliação por seu posicionamento crítico.
O jornalismo argentino tem um perfil mais militante que o brasileiro (SHUEN, 2013), muito
mais opinativo que informativo. O jornalismo, é certo, nasceu opinativo – a interpretação do fato
ocupava mais espaço que o fato em si no berço do jornalismo moderno em todos os países ocidentais.
Até o século XIX, a grande matéria jornalística era a opinião impressa nas páginas de jornais caros,
lidos por poucos alfabetizados com capacidade financeira para investir em assinaturas, porque os
jornais não eram vendidos, eram assinados. Conforme nos ensina Pena (2005, p.41), “as reportagens
não escondiam a carga panfletária, defendendo as posições dos jornais (e de seus donos) sobre os mais
variados temas. As narrativas eram mais retóricas que informativas”.
A introdução da publicidade e com ela o barateamento dos jornais, ao lado da alfabetização em
massa nos países europeus durante os anos que se seguiram às revoluções Francesa e Industrial
contribuíram para o aumento da circulação e do consumo da informação. As classes populares
passaram a se interessar por jornais. Mais baratos, alguns chegando a custar poucos centavos, os jornais
necessitavam manter o interesse de seu público, sempre crescente. Foi então que o conceito de notícia,
tal como conhecemos hoje, foi forjado. A opinião passou a ser separada da informação. Nascia o
jornalismo contemporâneo (TRAQUINA, 2004).
A dinâmica do jornalismo e da própria sociedade no século XX levou a opinião para páginas e
formatos específicos dentro do jornal. Marques de Melo (2003) divide os gêneros jornalísticos em
informativo, opinativo, interpretativo, diversional e utilitário. No gênero opinativo encontramos o
editorial, o comentário, o artigo, a resenha, a caricatura, a carta, a crônica e a coluna, todos marcados
por forte independência em relação aos critérios de objetividade e imparcialidade que, teoricamente,
devem ser observados nas notícias. Afinal, opinar sobre algo é deixar aflorar toda a subjetividade
inerente ao sujeito que opina. Para marcar a separação entre fato e opinião, objetividade e subjetividade,
os jornais delimitam o espaço físico onde cada tipo de texto pode ser encontrado. A página de opinião
normalmente é a contra-capa do jornal.
A característica essencial do texto opinativo – aquela de oferecer um direcionamento
interpretativo e uma visão a ser defendida pela argumentação – não exclui desse tipo de texto sua faceta
informativa. Como salienta Marques de Melo (2003, p.74-75), “a expressão da opinião (...)
compreendida como mecanismo de direcionamento ideológico, corporifica-se nos processos
jornalísticos através da seleção das incidências observadas no organismo social e que atendem às

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características de atual e de novo”. Dessa forma, a opinião nunca está desatrelada dos fatos. O jornal
não opina simplesmente. Ele informa, interpreta e oferece sua perspectiva para avaliação do leitor. No
caso do Clarín, essa separação entre informação e opinião nem sempre fica clara: mesmo textos
informativos, como os analisados neste trabalho, têm uma forte carga opinativa. O enfoque dado a cada
informação, com viés de crítica a seu governo escondida por trás do reconhecimento do sucesso
brasileiro, transforma a notícia das páginas do jornal em editoriais em formato noticioso. Garante-se,
assim, a aparência de imparcialidade e objetividade ao mesmo tempo em que o discurso praticado
implica uma contestação constante ao “kirchnerismo”.
Cabe, no entanto, ressaltar que a perspectiva oferecida ao leitor em geral encontra ressonância
justamente por ser algo próximo daquilo que o público de certa forma já acredita. O jornal, afinal, fala
para o seu público e o conhece. Por mais que a mensagem seja universal e que qualquer pessoa possa
adquirir um exemplar na banca mais próxima, o jornal fala para um público específico, mesmo que não
reconheça tal fato. O público leitor do Clarín não é apenas de oposicionistas, porém. Por ser o maior e
mais influente jornal portenho, kirchneristas e anti-K se encontram nas páginas do impresso, mesmo
que a partir de perspectivas diferentes.

O Brasil como arma ideológica: representações do sucesso brasileiro no Clarín

Para elaborar seu discurso, informar e formar opiniões, a imprensa precisa selecionar fatos e
angulações para oferecer sua versão sobre o cotidiano e tecer suas observações sobre o mundo
representável. Conforme Marques de Melo (2003, p.75),
[...] a seleção da informação a ser divulgada através dos veículos jornalísticos é o
principal instrumento de que dispõe a instituição (empresa) para expressar a sua
opinião. É através da seleção que se aplica na prática a linha editorial. A seleção
significa, portanto, a ótica através da qual a empresa vê o mundo.

O Brasil disputa, mesmo implicitamente, a hegemonia com a Argentina, país que detém uma
grande influência na região platina. Historicamente, Argentina e Brasil já protagonizaram momentos de
crise aguda e desconfiança mútua em razão da própria constituição lingüístico-cultural e sócio-
econômica das suas sociedades, assim como dos modelos, nem sempre coincidentes, de inserção na
sociedade e economia internacionais (Bandeira: 2003; Fausto: 2004; Cervo: 2008). Torna-se, nesse
contexto, curiosa a abordagem de um jornal argentino promovendo o Brasil à categoria de país a ser
imitado, cujo sucesso deveria inspirar o governo. A chave ideológica aqui analisada é “a maravilha que o
Brasil é para nós, argentinos”. Dado o fato de a pesquisa ainda estar em andamento e dada a limitação
de espaço, analisaremos um corpus reduzido neste artigo, contemplando notícias publicadas entre
janeiro e abril de 2012.
A economia é a principal trincheira de atuação do discurso do Clarín nesse sentido, mas a
política também aparece de maneira contundente nas páginas do jornal, especialmente quando o tema é

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o tratamento dado à corrupção, aqui e lá. No auge da crise ministerial enfrentada por Dilma Roussef,
em 2011-2012, a Argentina passava por problemas envolvendo o alto escalão do governo em casos de
corrupção. Para o Clarín, no entanto, Dilma – e portanto o Brasil – enfrentam a corrupção de forma
contundente, enquanto Cristina Kirchner fechava os olhos aos problemas causados por seus assessores.
Reportagem publicada no dia 11 de março de 2012, intitulada “Roussef echó a otro ministro”, o jornal faz
um elogio ao país e uma crítica velada ao seu próprio governo com uma construção discursiva simples,
porém eficaz no efeito de criar uma agenda de ação a ser imitada. Diz o texto:
 La presidente brasileña Dilma Rousseff demostró que no tiene reparos ni dudas a la hora de tomar decisiones con
respecto a su Gabinete. En algo más de un año y dos meses de gobierno ya reemplazó a 12 ministros, la
mitad de ellos por corrupción . Este fin de semana destituyó a otro: Alfonso Florence, titular de
Desarrollo Agrario. En este caso, según la prensa local, la mandataria “estaba descontenta con el bajo
rendimiento” que tenía.

Ao destacar que a nossa presidente “não tem dúvidas ou reservas” para tomar decisões, o jornal
lembra que o mesmo não acontece no governo argentino. E não precisa dizer isso textualmente, porque
além desse texto contundente, a edição do jornal está repleta de notícias sobre corrupção não
investigada envolvendo os aliados de Kirchner. A construção de sentidos no jornalismo é uma simbiose
entre o dito e o não-dito. E o que não é dito muitas vezes é mais contundente do que aquilo que é dito.
É o contexto discursivo que dá forma ao sentido implícito na notícia.
Outro tema recorrente na imprensa argentina é a quebra de contrato por parte de governos
latinoamericanos em relação às empresas estrangeiras de energia. Em edição de 25 de abril de 2012, o
jornal publicou matéria intitulada “La presidenta de Petrobras llama a invertir en Brasil: "No
romperemos contratos como sucede en otros países”. O lead (primeiro parágrafo) da matéria diz
textualmente:
 La presidente de Petrobras, María das Graças Foster, marcó hoy diferencias con la política energética de la
Argentina al asegurar, ante el Congreso de Brasil, que la empresa no romperá contratos "como sucede en otros
países".

O jornal lembrou que a Argentina fez alterações recentes em sua legislação energética, que
permite a nacionalização de ativos de empresas estrangeiras instaladas em seu país, reforçando a
atuação da estatal YPF. A editoria de Economia, aliás, está sempre repleta de comparações entre o
desempenho econômico do Brasil e da Argentina. Em 24 de abril, o jornal publicou notícia
comparando a projeção de crescimento para 2012 nos dois países – com tendência de crescimento
maior para o Brasil. Para o jornal, que cita dados de um relatório sobre a economia na região, um dos
maiores problemas enfrentados pelo país para alavancar o crescimento é a política cambial adotada pelo
governo. Nas palavras do jornal:

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 La publicación sostuvo que una de las grandes incógnitas de la economía argentina será lo que sucede con el tipo
de cambio: si el kirchnerismo dejará que se incremente la cotización para poder ganar más competitividad o si
avalará la existencia de un tipo de cambio desdoblado. “En nuestra opinión, los mayores riesgos no son
económicos, sino interpretaciones políticas erróneas y malas gestiones políticas”, agregó el informe, que citó como
ejemplo las medidas que anunció el Gobierno a fines del año pasado para controlar el tipo de cambio. En lugar
de incrementar la tasa de interés en algunos puntos o en dejar que el billete verde suba un par de centavos,
implementó nuevos mecanismos para la compra de divisas que perjudicaron principalmente a los pequeños y
medianos ahorristas, y no a los grandes jugadores que manejan los hilos del sistema financiero. La economía
chilena seguirá durante este año el mismo recorrido que la Argentina. La tendencia de Brasil será diferente. El
gigante del Mercosur creció en 2011 2,7% y este año el alza sería del 3,2% por el crecimiento de la demanda
interna, las inversiones por el Mundial del 2014 y las Olimpiadas del 2016 y las que realice Petrobrás.

O jornal critica, também, o que identifica como dependência da economia argentina à brasileira
em notícia sobre a redução do ritmo de nosso crescimento. O título da notícia de 8 de abril de 2012 é
representativo da crítica do Clarín a essa suposta dependência: “Un Brasil menos pujante enfría a
Argentina”.
Outra estratégia do jornal é comprar as duas presidentes. Em nota de 18 de abril de 2012 o
jornal informa que Dilma Roussef foi eleita pela revista Times como uma das cem personalidades mais
influentes do mundo e escreve que “Cristina se quedó afuera”. Ainda na linha de comparação de estilos,
o jornal usa a edição de 15 de janeiro de 2012 para noticiar que “Nos Estados Unidos e no Brasil, a
saúde do presidente não é nenhum segredo”, ao criticar a falta de informações oficiais sobre a saúde de
Cristina Kirchner. A mandatária realizou uma cirurgia para retirada de um tumor na tireóide, suspeito
de ser maligno. Para o jornal:
 La pasión del kirchnerismo por el secretismo parece haberle jugado esta vez una mala pasada. El 27 de
diciembre, el vocero presidencial, Alfredo Soccimarro, anunció en un escueto comunicado que a la Presidenta “se
le detectó la existencia de un carcinoma papilar”. Categórico, definitivo, unidireccional, no hubo lugar para
preguntas al vocero ni a los médicos de Cristina Kirchner. La Casa Rosada exigió reserva absoluta también al
Hospital Austral y los periodistas debieron recurrir a otros médicos y a fuentes off the record del entorno
presidencial en busca de precisiones.

Comparar estilos pessoais é uma estratégia que agrega, ao contexto econômico e político, uma
postura de contestação global ao governo Kirchner, ora com críticas veladas, ora com críticas mais
explícitas. “A Maravilha Brasil” desponta como uma característica constituinte do discurso jornalístico
do maior jornal portenho e aponta para uma tendência de aprofundamento e de agudização da crise
entre jornalismo e governo na Argentina.

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Analisando criticamente o discurso global que ecoa dos textos aqui citados, percebemos que
texto, contexto e prática discursiva se articulam de modo a transformar a página do jornal em um
espaço de contestação, não de debate sobre os problemas que a Argentina e seu governo enfrentam. A
postura é de contestação e de provocação. Construir uma crítica tendo o sucesso de outra entidade – no
caso, o Brasil – como referência é uma arma discursiva de consequências grandes. Cria-se,
discursivamente, a impressão de que tudo o que a Argentina precisa fazer é trocar a mandatária por
alguém que aproxime as práticas econômicas e políticas do país àquelas brasileiras.

Considerações finais

Entre janeiro e abril de 2012, o Brasil foi citado em 120 notícias na editoria de Economia. Isso
nos dá uma pista de como este referente é importante para o jornal em sua luta ideológica contra o
governo Kirchner. A pesquisa está agora em fase de catalogação e análise desses textos (e do ano
anterior) para confirmação da hipótese de que a chave ideológica “maravilha Brasil” é uma construção
simbólica destinada não a exaltar o nosso país, mas a imprimir ao leitor a ideia de que a Argentina não
“dá certo” devido ao estilo de governo adotado pelo chamado kirchnerismo, em um ataque ideológico
ao que o jornal classifica de populismo K.
Os textos aqui referidos são uma amostra de que o jornal Clarín adota uma estratégia de
confrontação não tradicional no jornalismo político: afinal, apenas denunciar o que o jornal acredita
serem medidas erradas por parte do governo não agrega credibilidade à oposição. O “denuncismo” está
dando lugar a uma outra abordagem: a promoção de um modelo a ser seguido. O Brasil tem sido esse
modelo para o jornal.

Referências
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Tríplice Aliança ao Mercosul. 2ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. Vol. 1. Florianópolis: Insular, 2004.

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E-Gov e ideologia dominante na América Latina

Luanna Carvalho M. Teixeira1

Introdução

J á nos anos 1944, Karl Polanyi (2000) evidenciou as profundas mudanças pelas quais a sociedade
passava a partir dos anos 1920. Atualmente, pode-se falar de outra “grande transformação” em que
as tecnologias digitais assumiram inegável importância. Cada vez mais presente na vida social e
pessoal dos indivíduos, as constantes e significativas mudanças tecnológicas proporcionaram uma
grande revolução não só nos modos de produção mas também no comportamento, na cultura e na
maneira como interagimos com o mundo.
Neste contexto, após o início da informatização da sociedade na década de 70 e da
popularização da internet nos anos 1980-1990, as novas tecnologias da informação e comunicação se
efetivaram como um meio que articula inúmeras oportunidades e potencialidades ao modificar as
formas de organização humana e ao possibilitar um intenso processo de desconstrução e reconstrução.
É a expansão das TICs e, consequentemente, de seus recursos interativos que deu origem a uma nova
forma de sociedade “constituída por redes em todas as dimensões fundamentais da organização e da
prática social” (CASTELLS, 1999).
Essas inovações tecnológicas foram capazes de encurtar a distância efetiva entre as pessoas,
aproximando-as e dando a impressão de que vivemos em uma grande aldeia marcada por novos e mais
modernos processos de comunicação. A consolidação das TICs trouxe significativos impactos tanto
para as interações privadas como para as atividades do mercado globalizado que já não encontra
barreiras nas fronteiras geograficamente definidas.
Na era da globalização e para além do fordismo, da análise do capitalismo contemporâneo,
pode-se afirmar conforme Chesnais et al (2003) que estamos diante de uma nova fase do capitalismo,
cujo os principais aspectos ainda conforme estes autores são: “mudanças técnicas, rentabilidade do
capital e crescimento, poder da finança, papel do Estado; financeirização, bolha especulativa e capital
fictício; imperialismo e hegemonia dos Estados Unidos e superação da crise, ameaças de crise”.
Com esse entendimento, para um grupo de teóricos da sociedade pós-industrial, esse cenário
marcado pela relevância e impactos causados pelas novas tecnologias e pelo advento desse novo
capitalismo redunda na chegada do capitalismo do futuro ou do capitalismo cognitivo (FARIAS, 2003),
em que assumem papel de destaque as TICs, e consequentemente, um novo tipo de trabalho, o
imaterial.
Em linhas gerais,

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.


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Como modelo econômico geral, o capitalismo cognitivo é um novo regime de
crescimento que se manifesta atualmente para resolver uma crise originária do papel
particular assumido pelo trabalho imaterial na era pós-moderna (Ibid., p. 146).

De fato, na era da mundialização, e segundo a corrente teórica centrada na defesa da utilização


das TICs, para além do predomínio do capitalismo financeiro (CHESNAIS, 2003), “a dinâmica de
transformação econômica e social da sociedade está baseada na exploração sistemática do
conhecimento, [sobretudo] das informações novas” (FARIAS, 2003, p. 145).
Porém, o uso intensivo das tecnologias da informação e comunicação proporcionou mudanças
na dinâmica não só da economia mundial mas também dos aspectos políticos quanto ao investimento
de políticas voltadas ao meio digital com o intuito de atender as demandas do projeto capitalista
neoliberal. Como concluiu Castells (1999, p. 21), “uma revolução tecnológica concentrada nas
tecnologias da informação está remodelando a base material da sociedade em ritmo acelerado”.
Assim, com grande poder de disseminação no mundo e incorporando aspectos como interface,
velocidade, conexões, conteúdos e alcances, as TICs se revelaram verdadeiras potências políticas ao
assumirem papel crucial no modo como o Estado cumpre suas principais funções. Essa redefinição no
modelo de relacionamento Estado-sociedade se deu pelo surgimento de uma nova forma de exercício
da política governamental por meio da busca pela informatização de serviços públicos e da utilização de
tais recursos em função da otimização do processo democrático que condiciona de alguma maneira a
forma como concebem e implementam as políticas públicas, dando origem ao governo eletrônico ou e-
Gov.

Governo eletrônico

Conforme Martinuzzo (2006) as tecnologias da informação e comunicação estão relacionadas


ao “conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (hardware e software),
telecomunicações/radiodifusão, e optoeletrônica” e que englobam “geração, processamento e
transmissão da informação, numa sistemática que está na base da organização sociocultural e
econômica da contemporaneidade”.
Assim, o e-Gov como ação político-governamental utiliza essas tecnologias como meio de
gerenciamento das organizações governamentais visando menor custo, maior integração com os
parceiros e consumidores e melhoria de relacionamento com o usuário. Segundo Duarte (2004, p. 336
apud MARTINUZZO, 2006), o termo governo eletrônico
[...] designa a estrutura organizacional, tecnológica, jurídico-normativa constituída para
viabilizar a interação intensivamente mediada por recursos de tecnologia de
informação e comunicação entre um governo (nacional, regional ou local) e agentes
externos e internos a ele – em particular, os agentes que formam a comunidade na
qual esse governo se insere.

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De acordo com Dujisin; Vigón (2004) o conceito de e-Gov começou a ser utilizado na segunda
metade dos anos 90 para dar conta das transformações ocasionadas pela incorporação das TICs nas
instituições públicas e como uma forte tendência internacional. Foi nesse sentido que os aspectos
essenciais que envolvem o governo eletrônico foram estabelecidos mundialmente pela Cúpula das
Nações Unidas sobre a Sociedade da Informação2, realizada em Genebra, Suíça, em 2003. Os princípios
fundamentais delineados na Declaração de Princípios foram traduzidos no Plano de Ação, que consta que
uma das aplicações das TICs deve ser voltada para o e-Gov. Em termos gerais e segundo o documento,
o governo eletrônico significa “implementar estratégias de governo eletrônico com foco em aplicações
que visam inovar e promover a transparência na administração pública e nos processos democráticos,
melhorando a eficiência e reforçando as relações com os cidadãos”3.
Dessa forma, o objetivo é que os governos formulem ações nacionais que compreendam
estratégias de governo eletrônico, para que a administração pública se torne mais transparente, eficaz e
democrática. Lemos (2007, p. 107) afirma que
As diretrizes básicas para o E-Gov em todo mundo podem se resumir a: promoção da
informatização da administração pública e do uso de padrões nos seus sistemas
aplicativos; concepção, prototipagem e fomento a aplicações em serviços do governo,
especialmente os que envolvem ampla disseminação de informação; fomento à
capacitação em gestão de tecnologia de informação e comunicação na administração
pública.

De acordo com Possamai (2011), diante a existência do governo eletrônico é possível identificar
suas três principais dimensões, a saber: os serviços eletrônicos (e-serviços), a participação eletrônica (e-
participação) e a administração eletrônica (e-administração).
Os e-serviços envolvem a prestação (total ou parcial) de serviços público através de
meios eletrônicos, como páginas na web, SMS, aplicativos de smartphones, aplicativos
de TV digital, quiosques eletrônicos, entre outros. A e-participação compreende o
emprego das TIC com vistas a ampliar a transparência das atividades governamentais,
bem como a possibilitar a participação da sociedade na elaboração de políticas
públicas [...]. Já a e-administração refere-se ao uso das TIC para apoiar a realização de
processos que sustentam as áreas finalísticas dos governos, envolvendo não só a
automatização de tarefas rotineiras em sistemas de informação, mas a reengenharia de
processos de governo a partir das possibilidades das TICs, de maneira a eliminar
etapas desnecessárias, dinamizar o processo e torná-lo mais eficaz (POSSAMAI, 2011,
p. 05).

A autora conclui que diante o debate sobre a reforma do Estado e de seu aparelho é possível
perceber que as estratégias de governo eletrônico “vêm a atender tanto as demandas por modernização,
quanto por democratização” (Ibid., p. 05). Neste caso, a modernização estaria relacionada diretamente à
reengenharia dos processos de governo, por meio da e-administração, e na democratização os governos

2 Com o objetivo de tratar das potencialidades e desafios das novas tecnologias de informação, a resolução da Assembleia
Geral das Nações Unidas 56/183 (21 de dezembro 2001) aprovou a realização da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da
Informação em duas fases. A primeira fase foi realizada em Genebra de 10 a 12 Dezembro de 2003 e a segunda fase
ocorreu em Tunis, de 16 a 18 Novembro de 2005.
3 Disponível em: <http://www.itu.int/wsis/docs/geneva/official/poa.html>. Acesso em: 11 set. 2013.

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podem fazer uso das TICs para quatro finalidades principais: a prestação de serviços e informações à
comunidade; o apoio na organização de movimentos sociais e formação de redes na sociedade civil; a
implementação de mecanismos de democracia eletrônica; e a democratização do acesso à comunicação
eletrônica (EISENBERG, .1999).
Destarte, o uso político das novas tecnologias e em especial da internet se deu frente ao número
crescente de acesso à rede4 e também da expansão do e-Gov no mundo. Porém, mesmo com o
potencial de promover interação, de aproximar cidadão e governo por meio de um canal bidirecional,
de democratizar informações e de transformar a administração pública, o e-Gov acaba por seguir os
preceitos da cartinha neoliberal de “reinvenção" do Estado, como aponta Martinuzzo (2009, online)
O foco vai para a prestação de serviços e para a informação, geralmente de cunho
propagandístico, além da diminuição dos custos da máquina pública. [...] Além do
perigo de se reduzir a ação político-governamental a uma mera prestadora de
serviços, inclusive a partir de decisões alheias à participação social, com forte
enfoque técnico, deve-se estar atento aos efeitos colaterais da instrumentalização do
Estado em função de cidadãos-clientes.

Cabe aqui ressaltar, que tais usos do e-Gov vão de acordo com a estratégia de reengenharia
estatal patrocinada pelo capitalismo neoliberal no intuito de colaborar com a hegemonia das classes
dominantes imersa na ideologia da sociedade do trabalho e do mercado livre e eterno.

O governo eletrônico no Mercosul: destaque para o caso do Brasil

A Organização das Nações Unidas por meio do relatório intitulado United Nations e-Government
Survey5, se propõe a analisar o desenvolvimento do e-Gov no mundo ao assumir o discurso de que “as
novas e as poderosas tecnologias podem ser utilizadas para promover o desenvolvimento sustentável
para todas as pessoas ao redor do mundo”. Em relação aos países que consolidaram a formação do
Mercado Comum do Sul - Mercosul, quais sejam, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, o relatório
correspondente a 2012 aponta o índice de desenvolvimento do e-gov na América do Sul, liderado pelo
Uruguai, seguido pela Argentina, Brasil e por fim Paraguai.

4 Segundo dados do website Internet World Stats, em junho de 2012, havia 2,4 bilhões de internautas no mundo, o que
representa 34,3% da população mundial. Na América do Sul 48,8% da população tem acesso à internet, e no Brasil o
número de internautas é de 88 milhões, ou seja, 45,6% da população. Disponível em:
<http://www.internetworldstats.com/>. Acesso em 11 set. 2013.
5 Disponível em: <http://unpan1.un.org/intradoc/groups/public/documents/un/unpan048065.pdf>. Acesso em: 25 set.

2013.

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Tabela 1: Desenvolvimento do e-Gov na América do Sul

No Brasil, as políticas de governo eletrônico surgiram no ano 2000, quando foi criado um
Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de examinar e propor políticas, diretrizes e normas
relacionadas às novas formas eletrônicas de interação. Hoje, tais ações são desenvolvidas pelo
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
De acordo com Martinuzzo (2008) foi no final dos anos 90 que as discussões sobre a sociedade
da informação se tornaram ainda mais eminentes, o que fez com que o governo Fernando Henrique
Cardoso institucionalizasse uma política de governo eletrônico para o país, essencialmente assentada em
bases neoliberais de reforma do Estado e atendimento a cidadãos/clientes.
Em 2003, quando do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as políticas de governo
eletrônico ganharam uma nova reformulação discursiva e uma mudança nas suas diretrizes, como
consta nas Diretrizes de Governo Eletrônico, estabelecidas em maio de 2004. “Na sua primeira versão,
falava-se do e-Gov no contexto de uma nova sociedade em face da globalização, aqui se fala de e-
governo em uma sociedade com velhos problemas, como exclusão social, desigualdade e miséria”,
conclui Martinuzzo (2008).
Atualmente, o governo brasileiro adota uma política de e-Gov fundamentada em um conjunto
de diretrizes que levam em consideração a atuação junto ao cidadão, a melhoria da sua própria gestão
interna e a integração com parceiros e fornecedores, sendo que
O que se pretende com o Programa de Governo Eletrônico brasileiro é a
transformação das relações do Governo com os cidadãos, empresas e também entre
os órgãos do próprio governo de forma a aprimorar a qualidade dos serviços

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prestados; promover a interação com empresas e indústrias; e fortalecer a participação
cidadã por meio do acesso a informação e a uma administração mais eficiente6.

Portanto, dentre as diretrizes do programa brasileiro constam a promoção da cidadania, a gestão


do conhecimento como um instrumento estratégico de articulação e gestão das políticas públicas do
governo eletrônico, a racionalização do uso de recursos e a integração das ações de e-Gov com outros
níveis de governo e outros poderes. E conclui afirmando que a política de governo eletrônico do
governo brasileiro “abandona a visão que apresentava o cidadão-usuário como ‘cliente’ dos serviços
públicos, em uma perspectiva de provisão de inspiração neoliberal” e passa a ter como “referência os
direitos coletivos e uma visão de cidadania que não se restringe à somatória dos direitos dos
indivíduos”.

O papel do Estado e o governo eletrônico

A década de 1970 ficou marcada pela crise do modelo estatal que esteve diretamente associada
ao papel exercido pelo Estado e ao processo de globalização. Decorrente da falência dos modelos
implementados nos anos 50, quando se consolidou a perspectiva do Estado “com um papel estratégico
na promoção do progresso técnico e da acumulação do capital, com a responsabilidade de garantia da
distribuição de renda” (CHAHIN, 2004, p. 10), tal crise se manifestou na crise fiscal, no esgotamento
das formas de intervenção praticadas e na obsolescência da administração pública burocrática.
Na América Latina, a crise dos anos 80 fez com que esta ficasse conhecida como a década
perdida, em que a crise da dívida, somada ao descontrole das contas públicas e da inflação, levou à
estagnação econômica e ao aprofundamento das graves fissuras sociais existentes (POSSAMAI, 2011).
Frente a isto, diversos foram os diagnósticos dados à crise com propostas de reforma que variaram de
acordo com a linha ideológica, seja pela direita neoliberal apontando para a reestruturação do papel do
Estado, bem como da sua desconcentração e descentralização, seja pelo campo da esquerda em
ascensão.
Assim, analisando a implementação do governo eletrônico na América Latina, para Dujisin;
Vigón (2004, p. 17) é a partir dos anos 80 que começa a ser conhecida uma “nova gestão pública”
alicerçada na “mudança de ênfase do político para o gerencial, na descentralização, na redução de
custos e na flexibilização laboral”. Nos anos 90, os países latino-americanos foram submetidos à
cartilha do Consenso de Washington, que prescrevia políticas e reformas para que os Estados
funcionassem como espaços de fluxos para o capital transnacional, ou seja, com vistas a chamada
modernização do Estado.
É justamente inserido nesse contexto, que na segunda metade da década de 90 o governo
eletrônico ganha força e entra definitivamente nas agendas políticas com um caráter

6 Disponível em: < http://www.governoeletronico.gov.br/o-gov.br>. Acesso em 22 set. 2013.

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imprescindivelmente reformista, ao estabelecer “o uso estratégico e intensivo das tecnologias da


informação e comunicação, tanto nas relações do setor público entre si, como nas relações dos órgãos
do Estado com os cidadãos, usuários e empresas do setor privado” (Ibid., p. 18).
Chahin (2004, p. 12) conclui que
O tema do governo eletrônico (e-gov) ingressou nas agendas governamentais com
grande visibilidade, ensejando a discussão sobre seu sentido e suas implicações para as
experiências de reforma administrativa. De maneira geral, as concepções, os modelos,
as tecnologias e os instrumentos associados ao e-gov são capazes de potencializar a
aplicação das principais diretrizes que norteiam os intentos de reforma.

Sendo um tema cuja centralidade não é nem casual e nem espontâneo (Dujisin; Vigón, 2004), o
governo eletrônico se inseriu em um meio marcado pela globalização econômica e sua pressão por
competitividade, além de ser diretamente relacionado à inércia e à reflexão global sobre o papel do
Estado. Destaca-se neste processo que “os governos que não são capazes de usar massiva e
estrategicamente tecnologias que lhes outorguem vantagens competitivas estão condenados a ser
perdedores”, como afirma Larraín (2004 apud MARTINUZZO, 2006, p. 147).
Assim, a aplicação do e-Gov pelo Estado não se dá de forma desinteressada e com intuito de
melhorar a prestação de serviços públicos para a população, mas sim se tornaram responsáveis pela
transmissão e inculcação da ideologia dominante, gerando duas tendências opostas, “uma social e
economicamente includente e outra social e economicamente excludente”, uma vez que a utilização das
“tecnologias não são neutras, mas podem ser reconfiguradas para gerar mais concentração ou mais
dispersão de riqueza e poder” (SILVEIRA, 2004, p. 97).
Partindo do pressuposto de que quem detém a comunicação, neste caso dos meios de
comunicação de massa digitais, detém o poder, o que se percebe é uma verdade parcial, alicerçada em
evidências e interesses partidários e classistas, e como consequência disto, a comunicação e a
informação recebida se transformam em expressões da relação de poder que daí decorrem. Guareschi
(1991, p. 19) aponta que “a posse da comunicação e da informação tornaram-se instrumento
privilegiado de dominação”, o que é possível depreender a partir da apropriação dos meios eletrônicos
como estratégia político-governamental e em favor do mercado.
Isto posto e com o entendimento de que “a ideologia está presente em qualquer programa
político e é uma característica de qualquer movimento político organizado” (THOMPSON, 2009, p.
14), a aplicação das TICs corresponderam aos intentos e uma solução efetiva às medidas neoliberais de
cortes de custos, estruturas, atribuições e pessoal para aumentar a eficácia e resolutividade do Estado. O
que de fato o programa neoliberal prega é um governo ajustado a sua causa, intervencionista, a favor do
mercado e da financeirização.
Segundo Farias (2001), na nova era do capitalismo pós-moderno e levando em consideração o
mito do mercado livre e eterno, percebe-se que a intromissão do Estado passou a ser um simples ator
das atividades mercantis, encarregado das funções de repressão e controle em detrimento da regulação

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e do disciplinamento antes exercido. A intervenção do Estado está cada vez mais ligada aos interesses
mercantis e ele passa, assim, a cumprir seu papel de mediador ao participar “da resolução das
contradições entre os indivíduos mercantis simples, bem como entre capitalistas e trabalhadores
assalariados” (Ibid., p. 40).
Utilizando-se da tradição marxista, Althusser (1985, p. 62) esclarece que o Estado é concebido
como um aparelho repressivo, em que “o Estado é uma ‘máquina’ de repressão que permite às classes
dominantes assegurar a sua dominação sobre a classe operária”. Neste sentido, o autor faz a distinção
entre os Aparelhos Repressivos do Estado, que funcionam por meio da violência (polícia, tribunais,
prisões, etc), e os Aparelhos Ideológicos do Estado que funcionam com base nas ideologias.
Para Althusser (1985), os Aparelhos Ideológicos são múltiplos e são meios utilizados pelo
Estado para garantir a reprodução das relações de exploração capitalista através da disseminação
contínua da ideologia da classe dominante. Considera-se assim, mediante a classificação do autor, que
tais aparelhos ideológicos abrangem as igrejas, as escolas, a família, o sistema legal, o sistema político, os
sindicatos, o sistema de comunicação de massa e as atividades culturais. Aqui, as instituições da
comunicação de massa são, comumente, vistas como um mecanismo ou como um feixe de mecanismos
que corroboram com a ideologia do Estado e a compartilha e dissemina, como forma de manter seu
próprio poder.
A reprodução e difusão da ideologia dominante é uma das tarefas do estado, ou das
agências particulares e dos oficiais do estado. Ao desempenhar essa tarefa, o estado
age de acordo com os interesses de longo prazo da classe ou das classes que mais se
beneficiam das relações sociais existentes – isto é, ele age de acordo com os interesses
de longo prazo da classe ou das classes dominantes (THOMPSON, 2009, p. 117-118).

Dessa forma, é possível depreender que o papel e a natureza dos meios de comunicação de
massa, incluindo neste segmento as novas tecnologias da informação e comunicação, são caraterizadas
por essa ótica ao ser empregado como parte do sistema dos aparelhos ideológicos do estado.
Thompson (Ibid., p. 127) conclui que é por meio dessas instituições da comunicação de massa que a
“ideologia da classe dominante se concretiza e a reprodução das relações de produção é garantida”.
Ainda de acordo com o referido autor, as ideologias têm uma função mobilizadora e
legitimadora, e o desenvolvimento da comunicação de massa proporciona o aumento significativo do
raio de operação destas nas sociedades modernas, uma vez que “possibilita que as formas simbólicas
sejam transmitidas para audiências extensas e potencialmente amplas que estão dispersas no tempo e no
espaço”. Em relação aos meios eletrônicos, o autor conclui que eles
[...] possibilitam às formas simbólicas circularem numa escala sem precedentes,
alcançarem vastas audiências, invadirem o espaço de uma maneira mais ou menos
simultânea. Nunca, anteriormente, a capacidade de circulação das formas simbólicas
foi tão grande como na era da comunicação de massa mediada eletronicamente (Ibid.,
p. 344).

Nesse contexto, a popularização das novas tecnologias da informação e comunicação e a


essência desse mundo digital, caracterizado pela capacidade de transformar a informação em produto
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de mais alto valor, de reduzir as distâncias do mercado mundial e de virtualizar as relações humanas, fez
com que estes se efetivassem como um aparelho que para além de qualquer aspecto positivo que possa
haver, atua fundamentalmente pautado na ideologia das classes dominantes.

Considerações finais

Mesmo com o potencial de reinventar a política-governamental ao promover a interação entre


cidadão e governo, articular movimentos sociais, estabelecer comunicação bi-direcional, dentre tantas
outras possibilidades de revigoramento da democracia e da sociedade civil, o e-Gov não representa,
principalmente no Mercosul, uma forma de resistência ao processo de enfraquecimento da política e
encolhimento, muitas vezes socialmente irresponsável, das estruturas de governo (MARTINUZZO,
2008).
O que percebe-se, ao contrário, é que a perspectiva de transformação da realidade que deveria
ser pregada, é convertida na lógica em que o governo eletrônico acaba por cumprir os preceitos da
cartilha neoliberal de “reinvenção” do Estado de acordo com os paradigmas do capital contemporâneo.
Dessa forma, diante a relação entre poder e novas tecnologias da informação e comunicação, a
utilização desse meio pelo Estado e pelas classes sociais dominantes sustenta suas posições por meio
dos princípios ideológicos apreendidos pelos sujeitos. A comunicação como aparelho ideológico
possibilita a transmissão de conteúdos simbólicos específicos e limita, gradativamente, o contato dos
sujeitos com a realidade.
Portanto, além do perigo de se reduzir a ação político-governamental a uma mera prestadora de
serviços, inclusive a partir de decisões alheias à participação social, com forte enfoque técnico, deve-se
estar atento aos efeitos colaterais da instrumentalização do Estado em função de cidadãos-clientes.

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RESUMOS
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 588

Resumo

Comunicação pública no ciberespaço - redes sociais


como ferramenta democrática

Mariana Reis Mendes

C
onceitua e caracteriza comunicação pública, apresenta seus princípios básicos e funções, e
relaciona-a aos conceitos de democracia e cidadania. Define e caracteriza o ciberespaço,
aborda as potencialidades deste meio de comunicação para as práticas democráticas,
chegando ao conceito de ciberdemocracia. Aborda as novas possibilidades apresentadas pela Internet
quanto à relação entre Estado e sociedade civil, considerando as redes sociais na Internet como
principais ferramentas neste novo cenário. Mostra como (e se) ocorre a apropriação destes espaços
comunicacionais pelo poder público e cidadãos no Tocantins, verificando se esta apropriação atende
aos princípios da comunicação pública. Através de visitas aos sites oficiais de três órgãos públicos,
sendo um representante de cada poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), verifica se estas instituições
utilizam as redes sociais como ferramenta de comunicação pública e o tipo de interação apresentada.

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Resumo

Ensaio de Notícia: uma análise das manchetes


sobre as manifestações populares contra o
aumento das passagens de transporte
urbano no Brasil

Maryellen Crisóstomo de Almeida


Wolfgang Teske

A
o longo da história política brasileira a população já protagonizou momentos decisivos no
país com grande repercussão midiática. Entretanto, pela primeira vez, as manifestações que
se espalharam pelo Brasil, tiveram o seu início nas redes sociais e não foram organizados por
partidos políticos ou sindicatos. O estopim da crise foi em São Paulo em razão do aumento da
passagem de ônibus se desdobrando em outras reivindicações como os gastos públicos com a
organização da Copa do Mundo, repúdio aos escândalos protagonizados pelos representantes políticos
até a reforma política. No primeiro momento, a mídia tratou as manifestações de maneira supérflua
atribuídas a um pequeno grupo de vândalos. Objetivou-se, pois, nesse artigo, analisar as manchetes de
capa de três jornais impressos de grande veiculação, a Folha de São Paulo, o Estadão e o Correio
Brasiliense e de dois estrangeiros, o Clarín (Argentina) e El Mercurio (Chile) dos dias 15,21 e
27/06/2013 sobre o foco deste evento no Brasil.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 590

Resumo

Mídia, excitação social e manutenção da


democracia no Mercosul

Mártin César Tempass


Bianca de Freitas Linhares

N
esse trabalho articulamos análises políticas e antropológicas. Na primeira parte propomos
uma análise antropológica da necessidade das pessoas em constantemente obter novas
informações para o estabelecimento e a manutenção das relações sociais, posto que as
relações sociais deixariam de ser atrativas se as conversas tiverem sempre o mesmo conteúdo. A partir
disso, discutimos a mídia, focando principalmente nas questões políticas, como fonte das novas
informações, necessárias ao convívio social, e como promotora de excitações sociais. Na segunda etapa
do trabalho, a partir do campo da Ciência Política, propomos uma discussão do papel da mídia nos
regimes democráticos e, usando dados de surveys variados, objetivamos analisar a percepção das
populações do Mercosul sobre as mídias que eles consomem e como as questões políticas veiculadas
nas mídias influenciam no maior ou menor apoio das populações a democracia dos seus respectivos
países.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


IX

Identidade e Direitos na
América do Sul
ARTIGOS
As jornadas de junho no Brasil: novos atores
políticos e reforma política

Aloisio Krohling1
Moara Ferreira Lacerda2

Introdução

M
uito se está escrevendo e debatendo sobre as recentes manifestações de ruas no Brasil.
Alguns cientistas políticos se perguntam se não seria uma rebelião dos cidadãos não
representados ou uma crise da legitimidade do modelo da democracia representativa em
vigor. Como implantar ao lado da democracia representativa, mecanismos da democracia participativa?
Será viável uma democracia sem mediações e sem a política? Será que estamos presenciando um novo
tipo de anarquismo? Aponta-se a influência e importância das redes sociais, não só na mobilização e
chamadas para participação efetiva nas manifestações, mas na formação de novas identidades coletivas
e na tentativa de criar um novo conceito de cidadania que se mostra na visão horizontal de liderança
sem intermediários e sem chefes carismáticos.
As redes sociais são também o laboratório de novas lideranças e novos atores políticos,
privilegiando os jovens que participam intensamente da Internet. A novidade é tão recente que as
Ciências Sociais e a Sociologia Política ainda não encontraram um método para análise e diagnóstico
deste fenômeno social e político. Os sociológicos e políticos ainda estão buscando os parâmetros
científicos para definir o que aconteceu. Lincoln da USP, em entrevista concedida para Maretti da Rede
Brasil Atual, diz que ainda estamos diante de uma esfinge: “É um movimento de grande apelo de
juventude, no qual há uma linha divisória muito forte. É como se estivessem dizendo: ‘existe um
mundo velho, no qual não nos encaixamos, não nos sentimos respirando dentro dele’” (2013, p.01).
Não existem rumos ou ainda indícios evidentes para onde caminharão as manifestações de rua que
eclodiram em junho no Brasil.
Nas manifestações de Junho não se detectou uma organização que se possa chamar de rede
social ou movimento social, pois estiverem atuantes nas ruas várias frações de classes sociais. Ainda é
um movimento muito fragmentado. As reivindicações são também dispersas e múltiplas, sem
organicidade e bandeiras prioritárias.
Além disso, as manifestações pegaram os partidos políticos e outros atores sociais de surpresa.
A questão do aumento das tarifas do transporte coletivo nas grandes cidades e as inaugurações dos
milionários estádios de futebol por ocasião da Copa das Federações pareciam ser as motivações

1 Pós-doutor em Filosofia Política e Professor de Sociologia Política no programa de Mestrado em Sociologia Política da
UVV, krohling@gmail.com
2 Mestranda em Sociologia Política pela Universidade Vila Velha (UVV), bolsista da FAPES, moara.lacerda@gmail.com.
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principais, quando se criaram também símbolos do repúdio popular contra concessionárias de carro,
bancos e estádios de futebol padrão FIFA. A estratégia política dos Black Blocs, atores em geral vestidos
de preto e com máscaras, soube manipular esta escolha simbólica para atos de depredação.
Em vez de direitos individuais, as manifestações de rua mostraram ênfase nos direitos coletivos.
Parece estar claro, para a maioria dos novos atores sociais, a defesa do transporte coletivo no lugar dos
automóveis. Manifesta-se também uma criminalização da política, dos partidos, sindicatos e
movimentos sociais institucionalizados.
Contudo, contraditoriamente, estas manifestações, apesar de serem anti-ordem e anti-
instituições, apelam ao poder institucional do Estado para a solução dos seus problemas. Além disso, a
visão que predomina é que os problemas identificados deveriam ser resolvidos rapidamente como se
fosse um passo de mágica – o que mostra a falta de conhecimento dos mecanismos estatais ou
paraestatais.
Isto enseja algumas perguntas: estamos presenciando o embrião de um novo movimento de
massa e um novo tipo de movimento popular sem organização hierárquica? Pode-se chamar de
movimento social estas manifestações de ruas nas grandes cidades (com exceção do Movimento de
Passe Livre de São Paulo existente há oito anos e que foi o estopim para o crescimento das
manifestações em São Paulo e em muitas cidades pelo Brasil afora)?
Presenciou-se um pluralismo de temáticas e reivindicações nunca antes vistas. A contradição
apontada pelo institucional não negaria a tendência da característica anarquista ou autonomista da
maioria dos manifestantes deste movimento das ruas? Esta rebelião dos jovens representa a defesa dos
valores da classe média urbana?
Os Black Blocs, em geral mascarados, com os seus símbolos, chamados de vândalos pela Mídia,
não seriam um novo tipo de atores políticos que acreditam na violência como estratégia e ação política?
Será que a violência e a destruição provocada por esse grupo anarquista não teria fragilizado a
manifestação e a participação dos cidadãos que não se identificam com o grupo ou mesmo com essa
estratégia política?
Não podemos homogeneizar todos os manifestantes como jovens anarquistas, Black Blocs,
mascarados e vândalos. Houve uma instrumentalização destes termos na grande Mídia para demonizar
todo o movimento de rua assim. No entanto, é preciso distinguir: nem todo anarquista é mascarado e
nem todo mascarado é Black bloc. Segundo Marilena Chauí em conferência na Academia da Polícia
Militar do Rio de Janeiro, 2013, “Os Black Blocs são um elemento desruptor, mas não no sentido de que
trazem uma alternativa de organização ou ação, mas porque estão destruindo, por dentro, as formas
existentes de ação através do ataque à pessoa do outro” (REVISTA CULT, 2013).
Nota-se que a configuração identitária das manifestações não é simples. Tendo isso em vista,
questiona-se: é possível detectar as novas identidades e frentes de luta presentes nos atores das
manifestações de rua de junho de 2013? Manifestou-se um pluralismo de sujeitos e reivindicações que

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não nos ajuda a desenhar claramente os novos perfis destes manifestantes, apesar de que aparecem as
lutas gerais por direitos da educação, saúde e segurança, mobilidade urbana e mais qualidade na vida nas
cidades. Ou seja, de forma geral, pedia-se o padrão FIFA para os direitos sociais da população.
Na maior manifestação da Avenida Paulista em junho despontaram neonazistas e anarquistas.
Constatou-se que muitos líderes de movimentos dos anos oitenta e noventa estiveram ausentes. Será
que foi por que a maioria está com cargos nos governos, sindicatos, conselhos municipais e estaduais,
assessoria de políticos ou técnicos de gabarito em altos escalões das empresas e nos poderes executivo,
judiciário e legislativo? Por que os representantes de partidos foram hostilizados? Apesar da clara
denúncia à corrupção e oposição à cultura política tradicional, a população nas ruas fez explicitamente
poucas indicações de Reforma Política.
Outras indagações se apresentam sobre os atores presentes na jornada de junho e como
nenhuma pesquisa ou estudo até agora respondeu claramente qual foi o papel dos milhões de atendidos
pelo programa do Bolsa Família nas manifestações de junho. Qual teria sido a participação dos milhões
que melhoraram de vida e conseguiram trabalho e educação, mas que ainda não conseguiram ascender
socialmente e em termos econômicos?
Existem várias outras questões que podem ser pesquisadas e debatidas na tentativa de
compreender a importância dessas manifestações para a democracia brasileira, a reforma política, a
conquista de direitos e o exercício da cidadania. São algumas dessas questões que se procurará analisar
adiante.

Redes sociais virtuais como laboratório de novas lideranças

A ideia de rede sugere pluralidade de pessoas solidárias trocando ideias e produzindo novos
conhecimentos e novas práticas sociais. Vivemos na época dos conselhos, associações, trocas,
cooperação. Com o avanço das tecnologias digitais se multiplicam as comunidades virtuais como o
Orkut, o Tribe, o Linkedin e fóruns de debate e troca de ideias, listas de e-mails, blogs alternativos de
comunicação e muitas formas de networking. Um exemplo atual é o blog “Trezentos”. Existem
também as redes sociais online tais como o Facebook e o Twitter.
Castells (1999, p.385) refere-se à comunidade virtual como uma rede eletrônica de comunicação
interativa organizada em torno de objetivos compartilhados, embora algumas vezes a própria
comunicação se transforme em uma finalidade. Nesse processo, os grandes meios de comunicação de
massa perdem o controle ideológico que exerciam sobre as camadas sociais menos informadas e
educadas. Para Raquel Recuero
A rede social é gente, é interação, é troca social. É um grupo de pessoas,
compreendido através de uma metáfora de estrutura, a estrutura de rede. Os nós da
rede representam cada indivíduo e suas conexões, os laços sociais que compõem os
grupos. Esses laços são ampliados, complexificados e modificados a cada nova pessoa
que conhecemos e interagimos. Nas novas comunidades virtuais os internautas criam
territórios novos no ciberespaço. O número dos conectados cresce dia a dia. São,
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assim, essas teias de conexões que espalham informações, dão voz às pessoas,
constroem valores diferentes e dão acesso a esse tipo de valor. Redes sociais, assim,
têm potencial para colaboração, para a difusão de informações e para a construção de
novos valores sociais. Uma rede social não é uma ferramenta, mas apropria-se delas
para expressar suas identidades, construir seus valores e operar de forma coletiva
(2009, p.25).

Portanto, a comunicação em rede dá voz ao povo que agora possuem acesso a informações não
necessariamente repassadas pelas grandes mídias tradicionais. Com isso, a comunicação em rede torna-
se a nova forma de concretizar a participação democrática. Além disso, também possibilita o
surgimento de movimentos organizados em rede no intuito de contestar fatos políticos, sociais e até
mesmo jurídicos – é uma mudança significativa para o exercício da democracia e cidadania.
As mudanças tecnológicas da nossa era digital avançam como a velocidade da luz e são
irreversíveis, apresentando armadilhas e oportunidades, avanços e contradições. Conforme lembra
Armand Mattelart, “as redes de comunicação em tempo real estão configurando o modo de
organização do planeta” (1998, p.07, tradução nossa).
O lado positivo da nova mídia digital é que ela rompe com a univocidade e unilateralidade dos
grandes monopólios da informação – como ocorre no Brasil hoje através da dominação midiática pela
Globo. A comunicação de massa das agências atuais da indústria cultural é uma comunicação
unidirecional. Em contraposição, a nova mídia digital é plural e ocupa o espaço público como desafio
ao Estado controlador e às empresas de comunicação privadas (DIZARD JR, 2000).
Nos dados apontados pela mídia tradicional, a maioria dos manifestantes de junho de 2013
foram convocados pelas redes sociais e a maioria esmagadora era composta de jovens, sendo que 71%
deles nunca haviam participado de uma manifestação antes. Isso apenas demonstra o poder de
mobilização e conscientização que a comunicação em rede promove na sociedade cada vez mais
conectada à internet.
Um exemplo da importância das redes sociais é o site Avaaz.org (http://avaaz.org). Trata-se de
uma rede de ativistas para mobilização social global através da internet. Existe em várias partes do
mundo, em 13 línguas distintas. Atualmente, a Avaaz está liderando a luta contra a corrupção no Brasil.
Em 2010, essa rede de mobilizaçao foram responsáveis pela coleta de dois milhões de assinaturas à
favor da aprovação da lei da Ficha Limpa no Brasil.
Como consequência desta nova realidade da presença da mídia digital, temos novas relações na
política, pois os cidadãos podem ter informações alternativas e isto pode despertar neles o desejo de
mudança e participação mais ativa no processo político. Podemos afirmar que a internet se transformou
num laboratório de novas lideranças e atores na política brasileira.

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Democracia representativa e democracia direta

A democracia representativa foi uma invenção da burguesia inglesa em 1689 e até hoje não se
inventou algo permanente que a substituísse. Montesquieu fez a sua aplicação nas relações entre os três
poderes executivo, legislativo e judiciário. Na Inglaterra, a chamada revolução inglesa foi um acordo
amigável entre a monarquia absolutista e o genro do rei representando a burguesia e o seu porta-voz,
John Locke, para que não houvesse derramamento de sangue e se criasse o poder legislativo, isto é a
escolha de representantes políticos através do voto elitista dos burgueses que tivessem propriedade. O
mais votado entre legisladores exerceria o papel de primeiro ministro do governo. Consequentemente,
o rei ou a rainha seria apenas um símbolo político da tradição inglesa. A monarquia parlamentarista
inglesa existe até hoje.
Na Revolução Francesa esta representatividade da burguesia se fez presente num governo
republicano e não mais monárquico. Rousseau e Montesquieu influenciaram, com as suas ideias, um
novo tipo de representação política que tinha como fundamento a soberania popular através do voto
universal. Após dez anos de idas e vindas e muito conflito entre Jacobinos e Girondinos, optou-se por
um governo de consulado, colocando o General Napoleão como cônsul. Mas após quatro anos, o
General realizou um plebiscito (que foi fraudado) e autoproclamou-se Napoleão, o Imperador da
França. Este governo durou 15 anos e em 1815 foi substituído pela monarquia parlamentarista. Só em
torno de 1876 é que a França conseguiu implantar uma república democrática.
Esta é a origem europeia da nossa democracia representativa. Em Curitiba no prédio da
Assembleia Legislativa do Estado do Paraná está escrito no frontispício: “A Democracia representativa, por
pior que seja, até hoje, ninguém inventou coisa melhor”. O que temos no Brasil é esta mesma democracia
representativa. Daí que se afirma que não existe política sem mediação. O que se pode questionar é a
qualidade da representação dos nossos partidos políticos, dos senadores, dos deputados estaduais e
federais e dos nossos vereadores.
Os desvios da política através do patrimonialismo, da cultura do favor, da compra de votos, do
compadrio, do coronelismo, do financiamento privado de empresas são que maculam a prática política
da maioria dos nossos representantes, com honrosas exceções. O melhor remédio contra a cultura
política tradicional e os desvios da corrupção é o exercício da democracia direta, isto é com mais
participação popular no nível municipal, estadual e nacional.
Na emenda nº 21 da Constituição Federal sobre participação popular é que se consolidaram
alguns dos princípios fundamentais da democracia direta, como o plebiscito, a iniciativa popular de lei e
o referendo. Este seria o fundamento constitucional para a defesa da democracia participativa dos
cidadãos brasileiros. De fato, em várias áreas, já se avançou muito na esfera de participação popular,
como no caso das políticas públicas de saúde, no caso da Criança e do Adolescente, em políticas
sociais, e nos orçamentos municipais. Existem várias experiências exitosas em vários municípios pelo
Brasil afora.
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O desejo pelo aprofundamento da democracia deliberativa foi sentido com as manifestações


populares de junho e Julho, que reivindicaram uma maior participação popular em políticas públicas.
Alguns setores defenderam uma prática mais frequente dos mecanismos constitucionais, como o
plebiscito.
A questão da mobilidade urbana, do transporte urbano e do passe livre foi uma das primeiras
exigências no início das manifestações populares em São Paulo e em outras cidades grandes, onde se
gasta duas a três horas dentro dos ônibus nas idas e voltas do trabalho. Reclamou-se que para a Copa
das Confederações e para a Copa Mundial de futebol para 2014, o Brasil seguiu o padrão FIFA, o que
não acontecia nos problemas urbanos e na solução dos problemas do transporte público, da saúde, da
educação e outros setores. Os cartazes diziam: “Não bastam construirmos só estádios, precisamos de
um pais ao redor deles...” Bilhões gastos na construção dos estádios de futebol, mas e os serviços
públicos como andam?
O chamado padrão FIFA entrou em contradição com o Brasil real do povo que morava nos
seus arredores. Essa qualidade do padrão FIFA não bate com o dia a dia do povo que mora nas
periferias das grandes cidades. Mobilidade urbana zero, estrutura urbana muito a desejar, o transporte
coletivo um pesadelo.

Direitos individuais e direitos coletivos

As cidades brasileiras cresceram muito nos últimos anos, mas houve falta de planejamento
urbano. Nossos administradores municipais, estaduais e nacionais derem prioridade aos automóveis e
ao transporte individual e esqueceram-se do transporte coletivo e da mobilidade urbana.
Todo o indivíduo tem o direito de comprar carro, de ir e vir, mas não se pode esquecer que a
cidade precisa ter qualidade de vida e não se devia priorizar a indústria automobilística que serve apenas
aos proprietários individuais de carros. Nossos políticos priorizaram viadutos, vias expressas, e
esqueceram a construção de trens, metrôs e transporte coletivo de ônibus. No Brasil, predominou o
planejamento “rodoviarista” tendência capitalista que efetivou a prioridade do caminhão e do
automóvel sobre o trem, o ônibus urbano, o metrô, a bicicleta e o aquaviário ou barcos nas cidades
litorâneas. Quando os administradores públicos constroem mais um viaduto para melhorar o trânsito
dos carros individuais, está se deixando de construir uma escola ou um posto de saúde que representa
direitos coletivos.
Nas reclamações dos cidadãos que foram para as ruas, houve a queixa da falta de investimentos
na infraestrutura urbana e nos meios de transporte coletivo. A gratuidade do transporte público
coletivo urbano é um direito coletivo concretizando uma conquista social vista no mesmo nível dos
demais “direitos sociais” garantidos na Constituição Federal. Será relevante conceituar o que são
direitos humanos coletivos.

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Num sentido marcadamente social, eis o conceito de direitos humanos segundo Joaquín
Herrera Flores
[...] direitos humanos são o resultado de lutas sociais e coletivas que tendem à
construção de espaços sociais, econômicos, políticos e jurídicos que permitam o
empoderamento de todas e todos para poder lutar plural e diferentemente por uma
vida digna de ser vivida (2009, p. 193).

Tal conceito pode ser resumido na seguinte frase, dita pelo próprio Herrera Flores, mais
adiante: "os direitos humanos são o conjunto de processos de luta pela dignidade humana” (2009,
p.213).
Em vez da coletividade se privilegiou a empresa privada com a construção dos shopping centers e
seus estacionamentos precários dentro da cidade, o que demonstra falta de planejamento, uma vez que
eles poderiam ser construídos nos arredores dos centros urbanos, como acontece na maioria dos países
da Europa e Estados Unidos. As prefeituras ouviram as empreiteiras e construtores e não consultaram
a opinião dos moradores das cidades.

Novos perfis e identidades dos novos atores políticos


Quem foi à rua para se manifestar em junho de 2013? Dados estatísticos que possuímos
revelam que a quase totalidade dos manifestantes (que chegaram à marca de 1,2 milhão no dia 20 de
junho) foi composta por jovens (até 25 anos de idade), de classe média, sem qualquer experiência
política anterior; 84% não têm preferência partidária e 71% nunca haviam participado de nenhuma
manifestação de rua.
Os movimentos também se inserem em um novo contexto determinado por uma modernidade
cada vez mais veloz, inconstante e líquida, no qual as relações sociais e as identidades são fluidas, em
processo de transformação efêmera (BAUMAN, 2001).
Nesse espaço, os indivíduos sofrem processos de “desencaixe” e “reencaixe” (GIDDENS, 1991), a
partir dos quais as identidades são rapidamente feitas e refeitas, com especial destaque à internet
enquanto ferramenta indispensável para a divulgação e produção massiva de informação.
Como consequência dessa comunicação em rede, encontramos uma característica peculiar das
manifestações que se demonstra na ausência de uma liderança organizativa clássica (como partidos,
associações estudantis, entidades de representação profissional, sindicatos e ONGS). A relação se dá
pela afetividade entre os que convidam e os que aceitam. Daí a fragmentação inicial de demandas e
tribos jovens.
Embora as demandas sejam variadas, a identificação compartilhada se dá pela inconformidade
com a política e com as condições sociais do país. O inconformismo e o desvanecimento da confiança
e da esperança depositada nas instituições políticas, assim como na mídia, formaram duas características
compartilhadas entre os indivíduos possibilitando a vontade mútua de manifestação: a concepção de

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ausência de representatividade pelos políticos e pelo próprio sistema, assim como a esperança de que a
mudanças seriam possíveis.
Manuel Castells (2013, p.12), ao analisar as grandes manifestações que ocorrem no mundo,
desde a chamada Primavera Árabe, e identificar a ocorrência desse desvanecimento destacou a
peculiaridade da ação horizontal em todas:
[...] em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos, desconfiaram da
Mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda organização formal,
sustentando-se na internet e em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada
de decisões.

A horizontalidade marcante das manifestações de rua em junho no Brasil foi elemento


importante para a mobilização de tantos cidadãos reivindicando por melhorias em torno de demandas
diversificadas. A identificação comum necessária entre os indivíduos que formam um movimento foi
possível através da comunicação pela internet e pela organização horizontal, ao mesmo tempo em que
as identidades e as demandas individualizadas foram mantidas.
Essa foi uma característica peculiar do novo ator político nas manifestações realizadas nas
jornadas de junho no Brasil. Todavia, embora possa ser considerado um ator, ou na concepção de
Melucci (1989) um personagem político, o movimento social possui vida efêmera, se desfazendo ou
posteriormente se formalizando em algo mais institucionalizado, como partidos políticos, associações
ou ONGs. O que se questiona hoje é se a organização horizontal apenas acelerou o fim do movimento
por falta de centralização das demandas e mobilização política ou se ela está possibilitando um
adormecimento temporário das manifestações que apenas esperam por outro momento de visibilidade
maior, como foi a Copa das Confederações em junho.
Além disso, as manifestações de junho se colocaram enquanto anti-partido e anti-política devido
à falta de representatividade presente na democracia brasileira. Esse posicionamento pode ter
fragilizado a efetividade das mudanças reivindicadas pelos manifestantes, uma vez que se manteve o
distanciamento entre os formadores da política e os reivindicantes, ou seja, entre quem está no poder e
quem está fora do poder estatal.
Todavia, ainda é cedo para analisar os efeitos das manifestações de rua em junho no Brasil. É
preciso esperar e acompanhar a comunicação das redes sociais sobre os próximos grandes eventos que
ocorrerão no Brasil, como a eleição presidencial de 2014 e a Copa do Mundo, os quais podem, mais
uma vez, fomentar a ebulição da indignação popular sobre as condições políticas e sociais do país,
expressas nas manifestações de junho.

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Reforma política

Os protestos para busca da qualidade de vida “tipo Padrão FIFA” nas grandes cidades logo
mostraram a importância da mobilidade urbana e as prioridades da saúde e educação públicas. As
exigências populares de uma profunda reforma política ficaram também patenteadas.
Uma pesquisa do IBOPE encomendada por 51 entidades de movimentos sociais
representativos no Brasil, entre 27 e 30 de Julho de 2013, demonstrou que entre as 1500 pessoas
entrevistas, 85% são a favor de uma reforma política para as eleições de 2014 e 78% dos entrevistados
se manifestaram contra o financiamento privado das empresas das campanhas eleitorais.
Na mesma perspectiva destas propostas, captou-se em outras pesquisas posteriores um
questionamento da importância do voto transparente com fidelidade programática e exigência de
criação de mecanismos de maior participação em projetos de iniciativa popular e da prática mais assídua
de plebiscitos e da democracia direta.
É preciso discutir sobre as vantagens ou desvantagens da abolição da reeleição, da extensão do
mandato de 4 anos para 5 ou 6 anos proposta para 2018, e da mudança de realizar todas as eleições do
país (para presidente, governador, prefeito, deputado estadual e federal, e para senador) coincidindo em
um mesmo ano. Muitos analistas consideram a reeleição em todos os níveis do executivo como fonte
de corrupção, mas outros acham necessária uma permanência mais longa no poder executivo para que
de fato se possa planejar e executar as metas dos governantes.
Se no Brasil tivéssemos partidos programáticos, como existem em muitos países democráticos,
a reeleição se daria pela escolha de programas partidários de governo e não por personalismos
populistas do candidato. Existem propostas também de dois turnos nas eleições legislativas: primeiro se
vota no partido e depois nos candidatos.
O fim das coligações de partidos na véspera de eleições, somente em busca de empreguismo e
favores prometidos pelo próximo governo, é visto como necessário, uma vez que as coligações são
citadas como fonte de desvios morais. As coligações entraram na lei eleitoral brasileira e se tornaram
um contrato pré-eleitoral para distribuir cargos e favores na máquina governamental em todos os
níveis.
Existem ainda várias propostas e projetos de representantes políticos da Câmara Federal e do
Senado para mudanças eleitorais e políticas. O fato é que o Congresso não quer fazer reformas e
mudanças profundas. Foi aprovado o voto secreto pelos deputados federais e o Senado tentou aprovar
a decisão da Câmara pela metade.
O Congresso está aprovando algumas mini-reformas eleitorais na tentativa de desaquecer o
fervor político deixado pelas manifestações, enquanto as reformas de maior escopo são deixadas de
lado. Acontece que, só no dia 05 de Outubro conseguiremos avaliar as mudanças feitas e as suas
possíveis repercussões nas eleições em 2014.

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A iniciativa da reforma política baseia-se na ideia de melhorar a representatividade de um


sistema político emergido em uma lógica que valoriza os interesses de poucos em detrimento dos
interesses coletivos e das demandas de muitos. É um processo longo que, claro, exige planejamento,
porém há algumas medidas importantes que poderiam ser estabelecidas em curto prazo e que trariam
resultados visíveis. Algumas delas que foram objeto de demanda e debate durante as manifestações de
ruas são a proibição de financiamento privado das empresas para campanhas eleitorais e a abolição do
voto secreto no congresso.
O plebiscito para definir a reforma política é peça-chave para exercer a democracia participativa.
Através de um debate nacional difundido pela mídia, as informações sobre as medidas que se discutam
para a reforma estarão ao alcance de todos, apenas enriquecendo a participação popular. O debate é
fundamental para que se chegue ao melhor projeto político para o país.
As medidas visam diminuir os desvios políticos do sistema e aumentar a representatividade
política cuja ausência foi sentida nas manifestações de junho no Brasil.

Considerações finais

As manifestações de rua no Brasil em junho de 2013 foram uma demonstração da insatisfação e


da indignação da sociedade brasileira, principalmente da população jovem, com relação ao sistema
democrático do país e de suas condições sociais. Foi um momento inesperado e histórico, no qual se
constatou novas características constituintes do personagem político que é um movimento social na
contemporaneidade: a sua mobilização em rede pela internet e sua organização participativa horizontal.
Foi um movimento fragmentado, com várias demandas e reivindicações, entre elas: melhorias na
mobilidade urbana e a reforma política. Além disso, se manifestou a ausência de representatividade
pelos políticos através do discurso anti-político e anti-partido defendido pelos manifestantes. As
manifestações surpreenderam não apenas os atores políticos da nação como também a academia
científica, evidenciando as lacunas presentes no estudo sobre movimentos sociais no país e a
necessidade de promover pesquisas que tomam enquanto objeto de análise os movimentos sociais
contemporâneos em rede.

Referências
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REVISTA CULT. Marilena Chauí no espaço Cult. Disponível em: <
http://revistacult.uol.com.br/home/2013/08/marilena-chaui-no-espaco-cult-2/ >. Acesso em> 22 set. 2013.

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“Uma guerra tem muitas versões”: homem de preto
qual é sua versão? Representações da violência
policial no filme Tropa de elite: missão dada
é missão cumprida1

Ana Elisabeth Rodrigues Faro2

P
artindo do pressuposto de que as produções fílmicas são fontes privilegiadas para a
compreensão da realidade social, porque nelas existe uma infinidade de representações da
vivência individual e coletiva, a proposta do presente texto é analisar a representação da
violência policial urbana no filme Tropa de Elite: missão dada é missão cumprida (José Padilha, 2007).
O enredo do filme, de forma violenta e chocante, expõe como funciona a estrutura policial
internamente e a sua ligação com o crime, seja por meio da corrupção, da hierarquia, da burocracia, do
despreparo ou dos baixos soldos. Essa ligação é colocada de forma direta, contribuindo para a
manutenção da violência e não para a sua redução, porque isenta a responsabilidade do policial, sendo
colocada como de todo o sistema (corporação policial e sociedade). Assim, a polícia acaba não
cumprindo seu papel, enquanto principal instituição responsável pela garantia direta da segurança.
A inovação da película em estudo é que ela consegue nos fazer refletir sobre o tema da
violência urbana através do ponto de vista de setores da polícia, o que suscita e ratifica a necessidade de
reforma da mesma, culminando com a melhoria da segurança pública.
Anteriormente ao livro Elite da Tropa (2006) e ao filme Tropa de Elite não se tinha refletido na
questão da violência urbana como consequência da falta de estrutura (burocracia, hierarquia e
corrupção) e atuação da polícia militar. Ou ao menos não havia sido colocado para uma parcela tão
grande da sociedade, graças, é claro, à amplitude de público que o cinema abarca, principalmente num
país em que a cultura da leitura não é fortemente enraizada.
A história do filme conta a história de três policiais - os Aspirantes3 Neto (Caio Junqueira) e
André Matias (André Ramiro), e do Capitão Nascimento (Wagner Moura), do Batalhão de Operações
Especiais (BOPE) - lutando para sobreviverem em meio ao tráfico de drogas e à corrupção da Polícia
Militar, na cidade do Rio de Janeiro. A guerra particular desses três policiais detona uma série de
acontecimentos violentos.

1 Este texto é fruto da pesquisa de conclusão de bacharelado no curso de Ciências Sociais da UFBA. O título original da
monografia é Tropa de elite “osso duro de roer”: Representações da violência policial no filme Tropa de elite:
missão dada é missão cumprida defendida em maio de 2012.
2 Universidade Federal da Bahia, mestranda em Ciências Sociais.
3 Neto e Matias são Aspirantes a Oficial da PM e estão em estágio probatório supervisionado. Na hierarquia militar na

ordem crescente há os Círculo de Praças (Soldado, Cabo, Terceiro Sargento, Segundo Sargento, Primeiro Sargento,
Subtenente) e o Círculo de Oficiais (Aluno-Oficial, Aspirante a Oficial, Segundo Tenente, Primeiro Tenente, Capitão,
Major, Tenente-Coronel e Coronel). O Anexo II refere-se à Estrutura Hierárquica da Polícia Militar de forma completa.
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O filme destaca-se por seu ritmo acelerado e também pela forma como trata temas delicados da
sociedade brasileira, mesmo se referindo especificamente à cidade do Rio de Janeiro, e por uma ótica
específica, dos policiais. O cerne do filme gira em torno da descrição da realidade da estrutura policial
no Brasil e os problemas resultantes da corrupção. A descrição de vários policiais e suas respectivas
unidades (convencional e BOPE) ajudam na compreensão do cotidiano de uma sociedade dominada
pelo medo, pelo tráfico e pela hipocrisia. Há também como temática do filme, a questão do consumo
de drogas ilícitas pela classe média dentro e fora dos morros e toda e engrenagem do sistema policial.
Segundo o diretor, o filme fala sobre diferentes éticas sociais - dos universitários, dos policias
convencionais e policiais do BOPE, que convivem diariamente nos grandes centros urbanos.
O enredo perpassa e tem como um dos eixos centrais a história do Capitão Nascimento. Ele é
um trabalhador honesto, idealista, competente e determinado, que luta todos os dias pela manutenção
da ordem pública nos morros cariocas. Porém, está cansado de lutar em uma guerra que para ele é sem
fim, já que o trabalho que realiza é destruído pela própria polícia militar do Rio de Janeiro, que vende
armas para os traficantes. O filme mostra a busca incessante do Capitão por um substituto competente,
que possa ser capaz de realizar sua missão com presteza e também amor.
O filme utiliza-se de narrativa em off feita pelo próprio Capitão Nascimento, que narra todos os
acontecimentos de sua vida, tanto no BOPE quanto em sua vida particular. O narrador dá suas
impressões e auxilia no entendimento do público acerca do tema que ele quer discutir e apontar, ele
desabafa com o público. Assim como acontece na narrativa do filme Tropa de Elite: o inimigo agora é outro
(José Padilha, 2010) e do livro Elite da Tropa, os autores travam um diálogo com o leitor, o que causa
um efeito de proximidade e intimidade, resultando numa relação de empatia com o personagem e, até
mesmo, uma aceitação passiva de seu discurso.

A violência na cinematografia nacional

A partir do final dos anos 1990 e da década de 2000, podemos sinalizar na produção
cinematográfica brasileira uma tendência à produção de filmes sobre violência, principalmente
associada a relações com o tráfico de drogas, revelando a importância da questão enquanto fenômeno
social.
A temática da violência surge, assim, como uma tendência na cinematografia brasileira, inserida
na lógica de reprodução em série de produtos que rendam lucros, que são apelativos e que mostra uma
visão bem verossímil do fenômeno em toda a sua extensão, mas com certo sarcasmo. Assim, geram-se
riquezas através de carências sociais, dentro de uma lógica do grande circuito do cinema internacional,
notadamente norte-americano, do qual o cinema brasileiro herdou várias características, desenvolvendo
outros tantos sem nada ficar a dever as melhores “escolas” cinematográficas do mundo.
A segurança pública, nos últimos dez anos, tornou-se um problema manifesto e também
principal “provocação” ao Estado de Direito no Brasil. A segurança ganhou enorme visibilidade
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pública e jamais, em nossa história recente, esteve tão presente nos debates, tanto de especialistas como
do público em geral, assim como dos organismos internacionais que colocam o Brasil entre os estados-
nações mais violentos do planeta. A violência que age dentro e fora do aparelho do Estado e dos seus
órgãos repressivos e não apenas no tecido social degradado e nas favelas das cidades. A fanática
sistemática da tortura tem sido objeto de denúncias regulares por organismos como, por exemplo, a
Anistia Internacional. Como constata Misse (2005, 25):
África do Sul, Brasil e Colômbia têm hoje das mais altas taxas de criminalidade
violenta, especialmente homicídios, do mundo. Algumas de suas principais cidades
estão mergulhadas no que se poderia chamar uma difícil equação que reúne graves
problemas sociais com um forte sentimento de insegurança pública e de impunidade,
aliado a uma frequente demanda de resolução violenta de conflitos cotidianos.

A filmografia brasileira, entre 1999 e 2010, apresenta uma visão sobre a perpetuação das
mazelas e das desigualdades sociais, em uma sociedade que se intitula democrática e com estado de
direitos. Mas, uma pergunta se impõe: direitos para quem? O cinema, no Brasil, persiste no tema da
violência e dos problemas das instituições da segurança pública e muito mais a partir de um olhar
pessimista. Obras de ficção que mais parecem documentários com fins sociológicos que apresentam
fatos reais de uma realidade mais semelhante a uma obra de ficção científica, nas partes aparentemente
mais distantes da realidade. Como que repetindo o bordão de que a obra de arte imita uma realidade
cada vez mais surreal.
As questões pertinentes à violência nos grandes centros urbanos do Brasil é questão maior,
tanto em estudos acadêmicos quanto nos filmes produzidos, visto que ambos são influenciados pelos
acontecimentos de seu tempo. Dessa forma, o aumento da sensação de insegurança, o aumento das
taxas de criminalidade, a destruição do espaço público (que não é de todos, nem de ninguém), a falta de
competência de nossas instituições jurídicas, a violência policial, a corrupção, a superpopulação
carcerária (questão muito discutida pelo cinema brasileiro), entre tantos outros, representam desafios do
processo de consolidação política da democracia no país.
Em 1999 foi lançado o filme documentário de maior destaque no tocante à violência e o tráfico
de drogas. Trata-se de Notícias de uma Guerra Particular (1999) de João Moreira Sales e Kátia Lund,
enfocando a recorrência da violência do crime e da polícia. O documentário, que retrata a vida da
comunidade do Morro Dona Marta, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, mostra o resultado da
repressão ao tráfico de drogas no morro, a vida em comunidade e a atuação dos policiais. O resultado
dessa trama é a alta mortalidade de jovens, nos dois lados da batalha, e a vida dos moradores sempre no
fio da navalha de tiroteios, além das ambiguidades de papéis e de valores. Este documentário pode ser
considerado como o primeiro inspirador da temática do filme Tropa de Elite.
Já em 2002, vários filmes foram lançados, sendo três os mais comentados: os ficcionais
Carandiru de Hector Babenco, Cidade de Deus de Fernando Meireles e o documentário Ônibus 174 de
José Padilha. Carandiru descreve a trajetória de detentos do então maior presídio da América Latina, que

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não mais existe por haver sido implodido, formando o estado de degradação em que se encontrava e a
carga simbólica negativa que lhe havia sido acoplada. O ápice é o massacre em 1992, quando a Polícia
Militar, para conter uma rebelião, matou 111 detentos. A história se inicia quando um médico resolve
fazer um trabalho de prevenção à AIDS na Casa de Detenção de São Paulo, dando ênfase à
superpopulação do presídio, sem a mínima infraestrutura necessária para preservação da dignidade
humana. Já no filme Cidade de Deus a narrativa é embalada por uma montagem vertiginosa, sobre a
história da evolução do tráfico em Cidade de Deus (favela carioca conhecida por ser um dos locais mais
violentos da cidade) e das estreitas ligações entre traficantes, moradores e policiais corruptos.
No documentário Ônibus 174, que segundo seu diretor serviu de inspiração para a produção do
ficcional Tropa de Elite também de sua direção, verifica-se uma investigação cuidadosa, baseada em
imagens de arquivo, entrevistas e documentos oficiais sobre o sequestro de um ônibus em plena zona
sul do Rio de Janeiro. O incidente, que aconteceu em 12 de junho de 2000, foi filmado e transmitido ao
vivo por quatro horas, paralisando o país. No filme, a história do sequestro é contada paralelamente à
história de vida do sequestrador, intercalando imagens da ocorrência policial feitas pela televisão. É
revelado como um típico menino carioca, que cresce e vive nas ruas da cidade, transforma-se num
bandido. As duas narrativas dialogam, formando um discurso que transcende a ambas, mostrando ao
espectador porque o Brasil é um país tão violento.
Ainda existem muitos problemas para que os pesquisadores tenham acesso aos dados sobre
políticas de segurança pública no Brasil. Mesmo porque, muito se discute a esse respeito, mas ações
pontuais não são vislumbradas. Apesar dessas discussões que ocorreram na sociedade em relação ao
problema da segurança pública e das instituições criminais, é preciso verificar no documentário Atos dos
Homens (2006) de Kiko Goifman que nada realmente mudou. Assim, é representado no filme, um
massacre ocorrido na Baixada Fluminense. O que transformou o documentário sobre sobreviventes das
chacinas, em um filme sobre a violência no Rio de Janeiro. Em 31 de março de 2005, um mês antes do
início das filmagens, uma matança nas cidades de Nova Iguaçu e Queimados mudaria profundamente o
argumento do projeto. A realidade tão próxima fez com que o foco fosse direcionado ao cotidiano dos
moradores daquela região, mostrando a profunda desigualdade social e a banalização da morte, que se
transforma num modo corriqueiro de resolução de conflitos. A premissa detém-se no extermínio, nos
matadores e no desejo de viver dos moradores da região.
As organizações da sociedade civil, universidades e centros de estudos procuraram interferir na
análise, no controle da violência urbana e, principalmente, no acompanhamento de novas estratégias e
políticas. Assim, foi sendo gerada uma quantidade absurda de informações, estratégias, políticas, ações
que mereceram ampla divulgação e amplo conhecimento.
Em 2007, é lançado o filme Tropa de Elite: missão dada é missão cumprida, denunciando a violência
disseminada dentro da instituição da polícia e que se espalha por toda a sociedade e que é a responsável
pelo controle ou descontrole da violência urbana e da criminalidade. Mostrando assim que ações em

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relação à segurança pública devem ser pensadas em conjunto, sociedade civil, policiais e estudiosos,
apesar de o filme não mostrar como seria possível essa articulação. O filme apenas enuncia o problema,
e não uma forma que possa permitir uma solução. Será que isso torna o filme fascista ou simplesmente
pessimista? Será que ao descrever e narrar a violência das polícias e dos traficantes consegue produzir
um quadro fidedigno desse fenômeno possibilitando sua explicação?
Em 2008, outro filho pródigo do documentário Ônibus 174 nasce, o filme ficcional Última parada
ônibus 174 (2008) de Bruno Barreto, que conta a história do garoto Sandro do Nascimento, inspirado
nos relatos do documentário. Documentário Território e Violência (2008) de Ruth Imanashi Rodrigues e
Patrícia S. Riviero, o documentário complementa a pesquisa "Indicadores de Proteção e Risco para a
instrumentação de Políticas Públicas em Favelas no Rio de Janeiro", realizada no IPEA com apóio da
FAPERJ no ano 2008. Neste mostram-se os principais locais onde estão concentradas as moradias das
vítimas de homicídio na cidade, assim como as características desses locais do ponto de vista da
estrutura urbana, social, econômica e ambiental. Através de depoimentos de especialistas em
urbanismo, em segurança pública e com moradores são analisadas as possíveis causas que fazem com
que as favelas concentrem a maior parte das vítimas de homicídio, assim como também as ações mais
letais e violentas da polícia. As entrevistas vão indicando também quais têm sido as políticas que
contribuíram para chegar a esta situação e quais políticas poderiam mudar o quadro de segregação
social urbana provocado pela violência.
No entanto, é persistente a continuação de um sistema que se baseia na repressão aos
comportamentos inadequados, sejam eles criminosos ou não. A questão é que indivíduos que não
cometem crimes necessariamente continuam sofrendo ações policiais ilegais, com base apenas em
julgamentos de valor e em critérios subjetivos, violando, assim, os direitos e os limites jurídicos e
constitucionais do país.
Em respostas a muitas questões e criticas suscitadas pelo tão discutido Tropa de Elite (2007), o
diretor consegue responder muitas destas questões com a produção do filme Tropa de Elite 2: o inimigo
agora é outro em que Padilha retorna em 2010 apontando para locais diferentes e atores diferentes
também responsáveis pela violência e corrupção nos grandes centros urbanos. Como diz o título, o
inimigo agora é outro. Na trama, o ator Wagner Moura, novamente como Nascimento, mas não mais
como capitão e, sim, coronel, troca a farda pelo terno e começa a lidar com a criminalidade carioca do
ponto-de-vista do “administrador”, o agente que trabalha em gabinetes. O violento capitão Nascimento
do primeiro filme agora se vê em situações em que ética e valores pessoais são o principal ponto. Ainda
assim, não deixando de ver uma ou outra sequência em que é possível recordar as cenas de violência
explícita protagonizadas por Moura, que, para o bem ou para o mal, constituem um dos motivos
responsáveis pela grande rentabilidade do filme.
O realismo de Padilha conquistou o público talvez mais pela brutalidade dos personagens, do
que pela noção de uma justiça igualitária representada pelo personagem do defensor dos direitos

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humanos e isto leva a hipotetizar que uma grande parcela da população brasileira se acha massificada
pela indústria cultural da violência justaposta de Hollywood, mas também produzida aqui, inclusive por
programas de televisão, como Brasil Urgente com José Luiz Datena (Band TV), ou alimentada por
jornais “vermelhos de sangue”, como Massa! (Salvador-BA).
Neste novo contexto, com outra moral, o coronel Nascimento passa a utilizar como
equipamento, não as armas do primeiro filme, mas sua própria voz para denunciar as faces mais
latentes da corrupção. O Estado que deveria prover o bem-estar e garantir os direitos de cada cidadão,
encontra-se falido e a mercê não apenas do tráfico, mas de milícias e de um “sistema” corrupto. Seria
este uma espécie de autocrítica do diretor que terminou fazendo eco às vozes que criticaram numa dose
de apologia ao BOPE no primeiro filme?
No livro Elite da Tropa (2006), escrito pelos policiais André Batista e Rodrigo Pimentel e pelo
antropólogo Luiz Eduardo Soares, é possível identificar alguns dos personagens e das situações
apresentadas ao longo do filme. Porém, não é possível saber até que ponto o filme representa a
realidade abordada, mas claramente baseia-se em situações reais, que proporcionam validez na medida
em que propõe o debate sobre a questão da segurança pública.

Tropa de elite: osso duro de roer

O filme traz consigo um estudo, pela ótica de Padilha, acerca de temas de abordagens delicadas:
a violência, o tráfico de drogas, a corrupção e de maneira mais direta, a violência policial. Foi o primeiro
filme de ficção do diretor José Padilha e para tal realizou intensa pesquisa, fazendo entrevistas com
policiais militares (convencionais e BOPE) e psiquiatras da PM do Rio de Janeiro. E também contou
com a participação de pessoas que já participaram do tráfico de drogas e que vivenciaram essa
realidade.
Padilha entrevistou 20 policiais e também se norteou por seu documentário Ônibus 174, porque
segundo ele, tanto Sandro como o Capitão Nascimento são personagens de um mesmo drama. Para as
filmagens de Tropa de elite, os atores foram separados em grupos: o núcleo dos policiais convencionais, o
núcleo dos policiais do BOPE, o núcleo dos estudantes universitários e o núcleo dos traficantes. Os
atores foram preparados em lugares fisicamente diferentes e de modos diferentes, não ocorrendo a
interação desses núcleos. Os atores receberam apenas o roteiro do filme, sem os diálogos e a narrativa
se estruturou através da improvisação dos atores, porque eles foram preparados para se “tornarem” as
pessoas que eles iriam representar.
Para iniciar a análise do filme Tropa de Elite, cabe examinar seu argumento central. E o eixo
central da história perpassa a trajetória de Nascimento, Capitão do BOPE (Batalhão de Operações
Policiais Especiais da polícia militar), que está dividido entre sua família e seu trabalho. Ele opta por
deixar seu cargo tendo, entretanto, a missão de encontrar um substituto competente. Nesse meio

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tempo, dois amigos e oficiais da polícia militar convencional se destacam por sua coragem-integridade e
acabam conhecendo o BOPE, iniciando sua jornada neste grupo.
No filme, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) foi designado na missão de manter a
ordem e a paz no Morro do Turano, no Rio de Janeiro, para a visita do Papa em outubro de 1997. No
decorrer das cenas, percebe-se que há uma determinada forma de denúncia sobre as injustiças sociais e
o culto a contemporaneidade, ou seja, o que acontece atualmente cercado pela corrupção e violência
por parte da polícia.
O ambiente de desenvolvimento da película é em um país chamado Brasil, num estado
chamado Rio de Janeiro em 1997, mais precisamente temos os morros, o “asfalto”, principalmente
Zona Sul, e a universidade. É um filme sobre a corrupção policial e a violência urbana, que contém
cenas de agressão física, assassinato, consumo de drogas e tortura.
Há também informações e curiosidades sobre as filmagens. Em novembro de 2006, traficantes
do morro Chapéu Mangueira, onde as filmagens eram feitas, sequestraram parte da equipe que
trabalhava e roubaram as armas cenográficas, sendo que 59 delas eram réplicas e 31 verdadeiras,
adaptadas para tiros de festim. As filmagens foram paralisadas por cerca de duas semanas.
Após ter a equipe sequestrada e as armas cenográficas roubadas, Padilha ainda teve uma cópia
pirata do filme circulando antes de sua estreia nos cinemas. A cópia não era a edição definitiva do filme,
era apenas um rascunho e foi vendida em camelôs dois meses antes do lançamento. Sendo assim,
objeto de grande repercussão antes mesmo de seu lançamento, por ter sido o primeiro filme brasileiro
a, meses antes de chegar aos cinemas, entrar para o mercado pirata e a internet. Essa é uma questão que
causa polêmica, porque ninguém sabe ao certo se houve mesmo o roubo dessa cópia ou se foi uma
jogada de marketing de seus produtores.
Tropa de Elite é uma obra de ficção que expõe os problemas da polícia do Rio de Janeiro. A
película também mostra a hipocrisia e o fenômeno de uma ética ambígua, da classe média, representada
pelos estudantes universitários, que criticam a violência policial (durante a aula de Sociologia, que citam
sua indignação quanto ao papel da polícia na sociedade carioca). Contudo, os mesmos estudantes
cometem delitos, como o consumo e o tráfico de drogas. Fica claro um fenômeno contraditório, no
qual existe uma crítica moralista à polícia e à violência do tráfico e, ao mesmo tempo, um
comportamento consumista da droga, que estimula o desenvolvimento de um exército de traficantes.
Por essa razão, os estudantes são colocados como únicos responsáveis pela “guerra diária”. No filme há
bastante ação e tem como principal objetivo apresentar a realidade de muitos que vivem na favela,
mostrando também que os policiais, minuto a minuto, arriscam a sua vida exercendo tal profissão.

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A decupagem que foi realizada como meio para a análise mostrou, entretanto, que o filme não
tinha a proposta de ser reflexivo. Para o cineasta Carlos Gerbase4, se o filme fosse reflexivo levaria a um
ritmo lento, o que não agradaria e encantaria o grande público, como também, não teria tido o sucesso
e a repercussão que conquistou com suas cenas de ações e suspense. Padilha impôs um ritmo acelerado
sobre o espectador. Esse questionamento foi levantado devido a certas simplificações como, por
exemplo, a cena em que o Coronel Otávio (Marcello Escorel) se encontra com um político (deputado)
numa mesa de bar. O Coronel quer a permissão para colocar uma pessoa de sua confiança para
comandar um Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro e o deputado se interessa em saber o quanto
vai ser lucrativo – a ideia da corrupção é posta de forma exageradamente estereotipada.
Há também generalizações. Todos os estudantes universitários presentes no filme são drogados
e egoístas. Verificamos essa ideia na cena da discussão em sala de aula, durante a apresentação do grupo
do aspirante André Matias (André Ramiro). Na discussão, os estudantes só reclamam da truculência da
polícia, mas continuam fumando maconha deliberadamente, sem perceber que para isso acontecer era
necessária a existência do tráfico de drogas. Caso similar na cena em que ocorre uma festa dos
estudantes, regada a drogas lícitas e ilícitas.
Segundo o roteirista, Rodrigo Pimental5, ao abordar tantos aspectos, o filme acabou em muitos
trechos deixando lacunas, simplificando extremamente alguns fatos que são expostos, como por
exemplo, em relação aos estudantes universitários. É possível constatar uma visão simplista e
reducionista que equaliza o problema da violência e do trafico de drogas e suas mazelas, como
resultando apenas dos estudantes usuários de drogas que financiam o tráfico. É possível notar essa
simplificação na cena em que o Capitão Nascimento pega um jovem com flagrante de drogas na favela
e diz: “é você que financia essa merda aqui”. Naquele momento, referia-se ao traficante morto, mas, de
forma latente, se referia ao tráfico de drogas e suas consequências, inclusive a necessidade do policial
subir a favela para matar.
Outro aspecto criticado do filme foi em relação ao papel das ONGs (Organizações Não-
Governamentais), colocada como local de palanque político e espaço livre para utilização de drogas por
estudantes. Quando Matias vai até a ONG, no Morro dos Prazeres, fazer um trabalho de faculdade,
Maria (Fernanda Machado), sua colega, apresenta-lhe o administrador que faz campanha abertamente
de um senador (que também é patrocinador da ONG) e depois, durante a discussão do trabalho, os
colegas acendem um “baseado” e oferecem para ele.
É preciso ver, no entanto, que a violência, e notadamente, a policial, tem raízes muito mais
amplas e profundas, não podendo ser reduzidas a um único denominador, apresentando também nesse

4 Tropa de Elite: uma (auto) crítica antiproibicionista, matéria postada no blog Princípio Ativo com base no debate
promovido pelos NPF (Núcleo Psiquiatras em Formação) da AMRIGS (Associação Médica do Rio Grande do Sul) sobre o
filme Tropa de Elite realizado em dezembro de 2007 com participação do cineasta e professor de cinema Carlos Gerbase,
Dr. Juarez Guedes Cruz, Dra. Olga Falceto e o roteirista Rodrigo Pimentel.
5 Tropa de Elite: uma (auto) crítica antiproibicionista.

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bojo: a perpetuação das desigualdades sociais, o desemprego, a corrupção policial, a impunidade e


outros aspectos. De acordo com Pimentel, o filme teve como função servir de termômetro para
medição da cultura brasileira no que concerne sua compreensão da violência urbana. O roteirista
também cita a idolatria do público pelo capitão Nascimento, sendo considerado como herói (mesmo
depois de espancar e torturar cotidianamente) e coloca que outras plateias pelo mundo o classificaram
como sendo um psicopata e criminoso.
Quando se objetiva estudar uma determinada produção fílmica, deve-se atentar para seus
inúmeros aspectos, tanto os relacionados ao período histórico que retrata, quanto ao próprio contexto
de produção da película, que pode representar melhor a mentalidade da sociedade que a produz. E
pensando nisso, pode-se analisar que, em 2007, ano do lançamento do filme havia uma grande
discussão acerca dos métodos utilizados pelo BOPE, principalmente pela utilização do “caveirão”
(tanque preto blindado e com o símbolo do BOPE) que subia os morros cariocas, utilizando-se dessa
proteção para cumprir missões, ou seja, a ação repressiva frente aos traficantes. Mas nem sempre era
possível distinguir quem é trabalhador de quem é marginal, essa era uma das principais críticas
comentadas à época do lançamento da película, do mesmo jeito que é cada vez mais difícil saber onde
se encontra a linha divisória entre a “boa polícia”, a “má polícia” e o crime organizado.

Conclusão

Para a análise do filme Tropa de elite, fundamentamo-nos no pressuposto de que o cinema é uma
linguagem produtora de representações do social, que auxiliam no entendimento da realidade, como
também, a pensar em maneiras de como modificar essa realidade. Os filmes possibilitam o
conhecimento acerca do seu próprio tempo, pois estimula um distanciamento reflexivo, permitindo
perceber vivências, muitas vezes incompreensíveis, enquanto se está imerso nelas.
Os filmes também são veículos de informações, de discursos que podem reproduzir e estimular
a reprodução de uma determinada lógica social. Nesse sentido, percebe-se, por exemplo, como a
burguesia brasileira não tem nenhum interesse em desenvolver um projeto de desenvolvimento
nacional, nem incentivar e, até mesmo patrocinar, projetos que reduzam as distâncias entre a classe
dominante (cada vez mais rica e poderosa, encastelada em grandes condomínios fechados) e as classes
dominadas (cada vez mais carentes e sem acesso a condições essenciais de existência). E assim é
inevitável enfatizar que a violência policial, do tráfico de drogas e da corrupção se desenvolvem no
interior de uma violência estrutural ainda mais grave e duradoura – que é a da estrutura desigual na qual
se movem as classes sociais, e que terá a idade desse capitalismo que se degrada. Entretanto, existem
agentes dentro dessa sociedade que procuram modificar as relações existentes, como forma de reduzir
as desigualdades sociais. Mas o cinema, se não pode resolver esse problema, pode sim proporcionar
uma reflexão sobre ele e até mesmo incentivar comportamentos e ações para a sua solução.

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Dessa forma, pode-se dizer que o filme Tropa de elite: missão dada é missão cumprida, num
movimento duplo, se apropria da estética da violência para destacar a violência policial, permitindo a
discussão de políticas de segurança pública. Nesse sentido, ao optar por um ritmo acelerado, que
envolve e muitas vezes angustia o espectador, o filme se aproxima da estética hollywoodiana mais
comum, adquirindo muitas características dos exemplares da indústria cultural. Porém, a forma como
aborda o tema da violência policial, numa perspectiva ainda não vista no cinema nacional, assume um
tom de crítica e de conscientização social.
Entretanto, no tocante ao aspecto dos policiais militares convencionais e do BOPE é
importante ter cuidado, porque uma representação maniqueísta da história é perigosa, porque quando
imaginamos uma corporação como representante do bem, não nos preocupamos em elaborar um
pensamento mais crítico. Simplesmente acreditamos em suas ações e palavras, mesmo que essas ações
representem perigo às pessoas. Mesmo que essa corporação conseguisse produzir e manter esse mar de
excelência em meio a um mundo de corrupção. Existe assim uma fragilidade no argumento do filme
Tropa de Elite que faz parecer que a dureza e a rigidez anti-corruptível diante de traficantes e a banda
podre da própria sociedade constituiria em si uma solução aos graves problemas da violência urbana
nas suas causas. Será que é razão suficiente para justificar a brutalidade empregada no combate ao
crime? A violência desmedida utilizada por essa corporação não seria uma forma de corrupção aos
princípios constitucionais e aos direitos humanos? Cabe então, ter uma visão crítica quanto a esse tipo
de representação que pode acabar ratificando um discurso da classe dominante, em que a violência é
imposta como sendo necessária, principalmente contra os marginalizados.
Mesmo corroborando com a estética da violência, é através dela que o filme tece sua critica
sobre a realidade social. Ou seja, ao mesmo tempo em que reproduz o discurso da violência, também
transforma esse discurso em protesto, chamando a atenção das pessoas sobre essa realidade violenta.
Ele não se pretende um receituário de soluções.
Ao utilizar e reproduzir uma estética da violência, o filme nos choca, pois por mais que
saibamos da existência da tortura, da extorsão, da propina, do arrego e da corrupção, ver isso plasmado
em imagens causa outro impacto, muito maior e mais duradouro, gerando inquietação e indignação.
Embora já sejam recorrentes imagens de violência, tanto na filmografia brasileira, como num discurso
imagético mais apelativo, praticado por programas e telejornais específicos, que só exibem problemas
relativos à questão da violência, notadamente a urbana e policial, diante do filme de Padilha ficamos
impactados para sempre.
Mesmo utilizando-se de uma linguagem violenta, o filme estimula uma visão crítica da realidade,
justamente por que denuncia as mazelas que ocorrem, e que muitos não têm coragem de mostrar e
muito menos de admitir. Dessa forma, num primeiro momento, parece que o filme é um discurso de
manutenção da ordem social, de um discurso que ratifica a ideia da classe dominante, que se reproduz
como coqueluche em revistas para esse público, qual seja, o uso da violência é o ideal para a repressão

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das camadas ditas marginalizadas. Mas, quando analisamos mais detidamente as cenas, os aspectos
externos à produção, inclusive o que já foi produzido anteriormente por esse diretor, roteiristas e
produtores, verifica-se que se trata de um discurso sobre violência sob um ponto de vista diferente e
extremamente critico da forma como essa sociedade classifica os marginais e os marginalizados.
Vale destacar também que, o filme não trata da violência numa via de mão única. Não é apenas
a violência dos policiais sobre os favelados, traficantes e consumidores de drogas. O filme denuncia a
corrupção e a extorsão que ocorrem dentro da corporação policial, ou seja, entre os próprios policiais, e
a dos policiais para com a sociedade, notadamente sobre a população mais carente, a que deveria ser
mais respeitada e amparada. Denuncia também, como uma ONG e pessoas que fazem trabalhos
voluntários nas favelas, mesmo sem estarem conscientes, podem cometer violência contra as pessoas
que acreditam estar ajudando. Por fim, também denuncia a violência sofrida cotidianamente pela
população da favela, imposta pelos traficantes. E essa violência, que não é apenas física, é muito mais
violenta que a própria violência física praticada pelos policiais do BOPE quando sobem os morros.
É uma violência articulada à simbiose dos processos de reprodução ampliada do capital na sua
fase mais destrutiva em toda a história do capitalismo, vez que os meios produtivos de reproduzir
valores não conseguem fazer vias “normais” e “legais”, o lucro crescente, tão necessário para vivificar o
sistema como um todo.
Portanto, a importância do filme de José Padilha para um estudo sociológico é essencial. A
forma como representou a violência policial nos revela aspectos não abordados por outras formas de
expressões escritas e imagéticas. O filme, a priori, era para ser um documentário, mas o diretor optou
pelo ficcional devido a complicações que poderiam ocorrer com o testemunho de policiais, podendo
causar problemas para os mesmos. Apesar de se referir a uma conjuntura social específica, a do Rio de
Janeiro, o filme conseguiu representar de maneira geral os problemas das polícias no país. E os aspectos
que não foram contemplados ou devidamente abordados, Padilha tentou responder no filme Tropa de
elite 2: o inimigo agora é outro.
Os filmes foram sempre apropriados pela classe detentora dos meios de produção para
reprodução de suas ideologias, tanto em tempos ditatoriais quanto nos democráticos. Em sua grande
maioria, os filmes são produzidos para uma classe média que acha que pensa por si própria, que
acredita na neutralidade axiológica da ciência e quiçá das artes, contanto que reproduzam o discurso
que mantenha a ordem vigente. Entretanto, em se tratando de arte, devemos levar em consideração a
subjetividade do artista, e também o fato de que sempre haverá aspectos que escapam ao seu controle
de filtro. Uma obra de arte é totalizante e não excludente, independentemente do discurso que
reproduza.
O cinema possibilita vários questionamentos, impedindo um fechamento pleno das questões.
Há um mundo de possibilidades para o espectador. Há também um viveiro laboratorial para o cientista
social.

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Referências

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2006.

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Racismo, mestiçagem e identidade nacional:
por um diálogo entre pensamento social
brasileiro e estudos pós-coloniais

Angelo Marcelo Vasco1

...tudo neste mundo, e talvez em outros, é crível, provável, verossímil.


Todos os dias a imaginação humana confere seus limites, e
conclui que a realidade ainda é maior do que ela.
Carlos Drummond de Andrade

A ruptura com os racionalismos colonizadores é a única saída.


Glauber Rocha

O
presente artigo é resultado de um desconforto com a semântica sociológica do termo
atraso. Ao se fazer um percurso pelos principais autores do pensamento social brasileiro,
percebe-se a apresentação de um problema que poderia ser, de forma bastante sucinta,
resumido como “dilema brasileiro do atraso”. Desde Joaquim Nabuco e Euclides da Cunha, ainda no
século XIX, perpassando pelo período do ensaísmo de padrões científicos de Sérgio Buarque de
Holanda, Caio Prado Júnior e Gilberto Freyre, até a constituição plena de uma sociologia institucional,
que se iniciou com a escola sociológica paulista cujo grande expoente foi Florestan Fernandes 2, a
questão que se coloca como pano de fundo a todas as análises sobre a vida social brasileira está
relacionada com nossa inserção incompleta e imperfeita no mundo moderno.
Homi Bhabha cunhou um termo que me parece apreender a essência daquilo que pretendo
explicitar ao mencionar uma ideia de inserção imperfeita na modernidade. Ele fala em povos, culturas,
nações situados em uma posição na qual se encontram otherwise than modernity3. Países periféricos como o
Brasil, tantas vezes referidos como atrasados ou de modernidade tardia, estariam, de certa forma,
aquém da modernidade ou e tendo-se constituído de outra forma que não a moderna. O atraso,

1 O autor é bacharel em direito pela Universidade Federal do Paraná e graduando em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Paraná. Bolsista CNPq atuando como estudante no grupo de pesquisa Epistemologias fronteiriças e conexões
Sul-Sul.
2 Julgo importante enfatizar que a compreensão do processo histórico de formação da sociologia no Brasil que emprego

aqui – a qual reconheço ser bastante generalizante – foi, grosso modo, informada por duas obras fundamentais: História
das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1. Sérgio Miceli (org). São Paulo: Editora Sumaré, 2001 e A Sociologia no Brasil:
contribuição para o estudo de sua formação e desenvolvimento. Florestan Fernandes. Editora Vozes: Petrópolis, 1976.
Nesses dois livros apresenta-se a divisão do estabelecimento da sociologia no Brasil nos três momentos que menciono. O
ensaísmo da década de 30, o segundo deles, é apresentado como o momento disruptivo a partir do qual se lançam as bases
para o desenvolvimento de uma sociologia científica. A escola de sociologia da Usp, ainda que não o único, será o locus
privilegiado, segundo esses dois autores, no qual esse processo encontrará seu maior vigor.
3 Bhabha (1995), p.6: “…postcolonial critique bears witness to those countries and communities constituted, if I may coin a

phrase, ‘otherwise than modernity’”.


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portanto, seria um fato dado. Caberia-nos pensar formas de entendê-lo a fim de superá-lo. Foi o que a
sociologia brasileira se propôs a fazer ao longo de sua curta existência.
Nesse sentido, parece-me que aquilo que há de mais essencial no pensamento social brasileiro
está, de alguma maneira, relacionado com o problema da constituição de nossa modernidade. De certa
forma, todos os nossos intérpretes abordaram a questão de como ter-se-ia constituído o mundo
moderno em uma sociedade tão peculiar, tão perceptivelmente não clássica, tão ocidentalizada, mas ao
mesmo tempo não ocidental, tão influenciada pela civilização ibérica, mas ao mesmo tempo
renitentemente marcada pela conservação de fortes traços indígenas e negros.
Percebe-se, ademais, que atrelado ao nosso dilema do atraso está o problema da mestiçagem.
Havendo-se constituído no imaginário nacional como duas faces da mesma moeda, a reflexão sobre o
significado de ambas – modernidade imperfeita e mestiçagem – acompanha todo o percurso realizado
pelo pensamento social brasileiro desde fins do século XIX. Dada a necessidade de constituirmos uma
identidade nacional, dada a inexistência aqui de uma civilização própria e original aos moldes daquelas
que se desenvolveram no continente europeu, era preciso encontrar aquilo que nos caracterizaria mais
particularmente a fim de “inventar a nação”4. Essa procura mobilizou tanto intelectuais e escritores
quanto o Estado durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX.
Em um primeiro momento, a mistura que se processou em solo brasileiro era vista como um
problema a ser resolvido. Autores como Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Silvio Romero e Oliveira
Vianna apresentam a mestiçagem e o sincretismo a partir de uma perspectiva pessimista, algo que se
colocava como um entrave ao desenvolvimento intelectual, social e econômico do país. Essa geração de
intelectuais, da transição do século XIX para o XX, estava marcadamente influenciada pela
antropologia evolucionista e pelas concepções racialistas, que categorizavam as raças e as inseriam num
esquema histórico teleológico.
No que se refere à questão da identidade nacional, essas posições redundavam em um grave
problema. Como se poderia criar uma nação e um povo, algo que há décadas se desenhava, afirmando-
se que o elemento central que nos define é negativo? Em outras palavras, o problema da identidade era
que não tínhamos identidade. Nossa mestiçagem, aquilo que nos constitui, era justamente a razão de
nosso atraso. Como afirma Renato Ortiz, era preciso transformar a negatividade em positividade. Foi o
que Gilberto Freyre fez5.
A década de 30 é o período histórico no qual se consubstanciam as questões de identidade que
se desenhavam, pelo menos, desde os anos 1870. A mestiçagem brasileira, sempre vista até então como
um problema, transforma-se na obra de Gilberto Freyre em valor. O autor pernambucano faz de sua

4 Refiro-me aqui à definição de nação cunhada por Anderson (2006), p. 6: “In an anthropological spirit, then, I propose the
following definition of the nation: it is an imagined political community – and imagined as both inherently limited and
sovereign”. No mesmo trecho de seu livro em que cunha essa definição, Anderson cita Ernest Gellner: “Nationalism is not
the awakening of nations to self-consciousness: it invents nations where they did not exist”.
5 Ortiz (1986), p. 41

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construção teórica um elogio da mestiçagem e dá voz ao mito das três raças que, antes dele, ainda era
uma espécie de sussurro discreto. O lançamento de Casa-grande & Senzala coincide, ainda, com o
período do Varguismo, momento institucional de valorização do nacional. Nesse momento, o Estado
estava intensamente comprometido com a fabricação de uma identidade para o Brasil.
Não cabe aqui neste trabalho adentrar na complexidade da discussão do mito das três raças e de
suas consquências para a forma como se pensam as relações raciais no Brasil. Obviamente essa
“fábula”, para utilizar a expressão de Roberto DaMatta6, impõe o sério problema, ainda persistente, da
invisibilidade do preconceito de cor. A dificuldade em se discutir o racismo no Brasil coloca-se em
razão da constatação de Florestan Fernandes de que o brasileiro tem preconceito de não ter
preconceito. A convivência harmoniosa entre raças no Brasil é ideal de conduta e, nesse sentido,
preconceito e democracia racial conciliam-se como prática e norma social7. O que me interessa por ora,
para este exercício de reflexão a que me proponho, é ter em mente que o elogio da mestiçagem
cumpriu um papel histórico, que foi o de dar os contornos para uma identidade nacional brasileira.
Antes de falarmos mais detalhadamente sobre o elogio da mestiçagem que constituiu o cerne da
imaginação nacional a partir da década de 30, vou retroceder algumas décadas para mostrar como um
certo imaginário sobre o negro – e, consequentemente, sobre a mestiçagem – se constituiu no Brasil a
partir da recepção e apropriação das ideias racistas e cientificistas da Europa de fins do século XIX.
Vou delimitar-me a discorrer, essencialmente, sobre os dois autores brasileiros mais importantes que se
dedicaram a estudar o negro brasileiro a partir de um referencial científico. Esses dois autores são Nina
Rodrigues e Arthur Ramos.
A constituição de um campo científico cuja proposta seria o estudo sistemático do negro
brasileiro iniciou-se com os empreendimentos de Nina Rodrigues que foi o primeiro a dedicar-se
metodicamente ao estudo do negro com base nos pressupostos da ciência vigentes em sua época8. Nina
foi professor de medicina legal na Bahia na transição do século XIX para o XX e sua obra permanece
como um reflexo do pensamento racialista de seu tempo. Seus estudos, que transitaram entre a
medicina e a etnologia, carregam em si a força de uma antropologia biologizante e evolucionista, que
procurava respostas para questões da humanidade “não ocidental” a partir de um olhar “científico”
sobre a alteridade, sobretudo sobre os negros.
O pensamento de Nina estava estruturado, essencialmente, em uma concepção de
determinismo racial amparada na tese da desigualdade das raças de Gobineau. Somavam-se a essa
noção determinista a utilização de argumentos poligenistas e uma vigorosa vinculação ao evolucionismo
como verdade inquestionável. Esses argumentos reunidos faziam com que ele acreditasse firmemente
que um indivíduo está necessariamente preso à herança racial que o molda. É a conclusão a que ele

6 DaMatta (1987) , p.58


7 Guimarães (2001), p. 150
8 Souza (2011), p. 107

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chega ao fazer a análise do crânio de Antônio Conselheiro. Nina inferiu que se tratava de um “crânio de
mestiço” e que os caracteres que o informavam explicavam os comportamentos do líder espiritual de
Canudos9.
A adesão ao argumento evolucionista fazia com que Nina acreditasse que o desenvolvimento
humano estaria estruturado em distintas fases e que as diferentes raças humanas situar-se-iam,
historicamente, em cada uma dessas fases. Os negros seriam representantes de uma fase anterior à
moderna e estariam, nesse sentido, atrasados em relação aos brancos. A raça negra conservava certas
tendências inatas que não podiam ser apagadas nem mesmo com o contato com os brancos. Os negros
são, para Nina, inferiores e assim estão propensos a permanecer. Qualquer possibilidade de progressão
poderia ser mensurada apenas em uma escala temporal bastante longa10.
É nesse enquadramento teórico e temporal que se coloca a questão do “problema do negro”. O
atavismo da raça negra colocava um inconveniente fundamental a ser solucionado, a impossibilidade de
modernização de um país amplamente formado por negros, negroides e mestiços em geral. Trata-se,
portanto, de averiguar cuidadosamente o impacto e a influência da presença do negro na sociedade
brasileira com o objetivo de atenuar ambas. Nesse sentido, a composição do mestiço detinha papel
fundamental no processo de embranquecimento da população, o qual era visto como a única forma
possível de se alcançar o progresso.
Na década de 30, os argumentos de Nina Rodrigues são recuperados por Arthur Ramos e
reinterpretados a partir das concepções teóricas mais aceitas na época. Talvez as ideias que mais
influência tiveram sobre o médico alagoano foram as de Lévy-Bruhl, que se constituíram uma espécie
de filtro e lente por meio dos quais ele peneirou e releu os ensinamentos do maranhense Nina. A partir
da teoria do pensamento pré-lógico pensada e desenvolvida por Lévy-Bruhl, sobretudo, em suas obras
La mentalité primitive, de 1922, e L’âme primitive, de 1927, Ramos refuta o postulado da inferioridade do
negro e propõe a influência do pensamento mágico e pré-lógico como causa do seu atraso. Causas essas
que, importante ressaltar, podem se apresentar em qualquer grupo étnico. Com ele, as raízes do atraso
migram da raça para adentrar à esfera da psiquê. O necessário, portanto, não é embranquecer, mas sim
conduzir o negro a fases mais adiantadas do pensar11.
O estudo da religiosidade negra tornou-se um tema bastante profícuo no campo da investigação
“científica” do negro. Nina Rodrigues, por exemplo, enquadrou a pesquisa do sentimento religioso do
negro em uma moldura médico-antropológica que propunha uma compreensão ampla do estado
mental da raça12. Para ele, as práticas fetichistas e animistas afrobrasileiras resultavam de uma disfunção
mental atávica que deveria ser estudada como um fenômeno de ordem clínica. As danças e rituais

9 Ibid, p. 93
10 Ibid, p. 102.
11 Ramos (2001), p. 32
12 Souza, Ibid. p. 94

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sagrados em que se engajavam os negros não seriam mais do que formas de se reviver fenômenos
perfeitamente normais em fases primitivas da evolução social. Novamente, soma-se aqui o argumento
de ordem evolucionista sempre presente nos estudos de Nina.
O desenho que Arthur Ramos deu aos estudos da religiosidade negra enquadrou-se em
diferente perspectiva uma vez que ele percebia os negros não como possuidores de uma disfunção
mental, mas sim como mentalmente atrasados. Eles estariam ainda em uma infância mental pré-lógica
que poderia ser revertida. Esse argumento explicaria, ainda, a forma particular que o sincretismo
desenvolveu no Brasil. Ramos afirma que a fusão das diferentes matrizes religiosas afrobrasileiras com
o catolicismo teria sido algo natural visto que, como é comum aos povos em sua infância, os negros
abraçavam a superstição e, por essa razão, buscaram também proteção em santos católicos como forma
de defenderem-se das moléstias da vida13. Ademais, a incapacidade psicológica de abstração fez com
que as populações africanas, por não compreenderem a lógica do monoteísmo, simplesmente
adptassem-no às suas próprias crenças14.
O problema da religiosidade afrobrasileira ganha densidade ao se inserir nessa reflexão as
contribuições teóricas de Roger Bastide. Há inúmeras nuances no pensamento desse autor francês que
suscitam uma série de importantes reflexões, mas teremos de nos ater a questões bastante pontuais, que
nos interessam mais, em razão da limitação deste pequeno ensaio. Bastide olha para a América Latina e
a percebe como um local em que houve a justaposição de espaços e épocas. Nesse sentido, a identidade
brasileira, para ele, tem de ser pensada a partir de uma dualidade entre o tradicional e o moderno 15. Em
nenhum outro lugar esse antagonismo revela-se mais do que na moral e na religião.
Roger Bastide aponta para o fato de que a principal forma de negros de classe média marcarem
sua “aculturação” aos valores brancos e modernos é o distanciamento da religiosidade negra,
considerada de classe baixa, e a adesão a valores puritanos. Ele percebe a existência de uma linha de cor
que, no entanto, poderia ser cruzada com o cultivo de condutas moralmente aceitáveis. Seria preciso,
portanto, tornar-se “um negro de alma branca”.
Ao se debruçar sobre esse tema, Roger Bastide foi influenciado pelo pensamento de Gilberto
Freyre e, sobretudo, pela noção de democracia racial. Em um primeiro momento, ao empreender sua
primeira viagem ao nordeste brasileiro, Bastide forma suas primeiras percepções sobre a realidade racial
do Brasil a partir da leitura de Gilberto Freyre. Posteriormente, especialmente após as pesquisas com
Florestan Fernandes, o francês irá complexificar a compreensão que tem do conceito de democracia
racial. Mais do que uma realidade social, essa convivência harmoniosa entre as raças é um ideal de

13 Essa forma de perceber o negro era comum entre as classes letradas. Mesmo um teórico da antropofagia como Oswald
de Andrade dela não pôde escapar. Em conferência realizada em Sorbonne e publicada em francês na Revue de l’Amerique
Latine, no ano de 1923, ele discorre sobre o encontro entre africano e colonizador: “...o negro, habituado a ver em tudo
manifestações sobrenaturais, deixou-se batizar com uma alegria de criança”. Excerto retirado de Andrade: (2011).
14 Ramos, Ibid, p. 122
15 Bastide (2006), p.

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conduta de um brasileiro que tem preconceito de não ter preconceito. Nesse sentido, preconceito de
cor e democracia racial conciliam-se como prática e norma sociais e podem, dessa forma, coexistir.
Nesse momento também coloca-se a questão fundamental da nacionalidade, já discutida desde a
obra de Nina Rodrigues e que, como mencionei no início deste ensaio, parece colocar um ponto de
inflexão em todo o pensamento social brasileiro. Por mais que se possa dizer que as crenças e ritos
religiosos dos negros brasileiros são de origem africana, é preciso ter em mente que são especificamente
e essencialmente brasileiros. Sua sobrevivência e, ao mesmo tempo, adaptação simboliza e sintetiza o
processo de miscigenação que caracterizou a formação da nacionalidade.
O sincretismo religioso brasileiro é filho de nossa mestiçagem, resultado dessa mistura entre
animismo fetichista africano que se mescla com a superstição branco-católica e que se refoça no
animismo incipiente indígena. É desse solo – fertilíssimo para o surgimento de toda sorte de
manifestações ocultistas, segundo Nina Rodrigues – que emerge a população brasileira. A mestiçagem e
o sincretismo, portanto, colocam um problema fundamental na vida moderna, o da antítese de mundos
contrários, de tempos distintos que se encontram e entrecruzam no mesmo espaço. Eis o dilema da
modernidade brasileira.
A mesma década de 30 em que Arthur Ramos escrevia era também um momento profícuo de
produção imaginária da nação. Gilberto Freyre publicou seu Casa-Grande & Senzala em 1933, apenas 3
anos após Ramos ter lançado O negro brasileiro. Essa proximidade nos dá a saber como teses distintas
sobre o valor da mistura que se processou nos trópicos brasileiros conviviam e enfrentavam-se. É
possível perceber, no entanto, um movimento parecido com aquele que a própria teoria antropológica
fez em sua progressiva mudança na forma de perceber a alteridade. Ramos estava, como já disse aqui,
influenciado pelas noções de teor evolucionista de Levy-Bruhl. Já Freire, que havia estudado com Franz
Boas na Universidade Columbia, propunha uma interpretação da miscigenação a partir da escola
culturalista norte-americana cuja grande contribuição, pelo menos para aquele momento histórico, foi a
concepção de relativismo cultural.
Para não ficar preso ao debate intelectual travado nesse momento no Brasil, prefiro pensar a
identidade nacional e o elogio da mestiçagem, que tão fortemente ocupa o imaginário da brasilidade, a
partir de uma reflexão sobre a umbanda, religião que surgiu no Brasil exatamente nesse momento
histórico de constituição de uma narrativa única e hegemônica sobre a nacionalidade16. A relação entre a
umbanda e a identidade nacional brasileira pode ser pensada, fundamentalmente, a partir da ideia de
sincretismo, que representa, no campo religioso, o que a mestiçagem significa no campo das raças.

16Ao invés de centrar-me aqui num debate entre autores e suas teses, preferi discorrer sobre a umbanda enquanto processo
concreto por meio do qual se pode perceber como o imaginário da homogeneidade mestiça do brasileiro toma forma e
passa a se constituir como ideia-força da nacionalidade. A década de 30 é, no Brasil, o momento histórico em que uma série
de processos de nacionalização de formas culturais convergem. Esse é o período em que o samba nacionaliza-se, a
umbanda consolida-se e todo um imaginário mestiço toma contornos visíveis e passa a dar uma face definida para a nação.
Para os fins deste artigo, parece-me ser mais profícuo discorrer sobre um desses processos do que apenas apresentar um
debate entre autores da época.

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Ambas as noções remetem a uma concepção de mistura que seria constitutiva do gene brasileiro. A
marca específica de ser brasileiro seria, portanto, a mistura cultural que aqui se produziu. Mistura essa
que gerou uma simbiose de raças que ganha significados particulares em cada um dos diferentes níveis
da sociedade. Mestiçagem e sincretismo são, portanto, movimentos análogos.
O momento histórico em que se forja essa concepção do brasileiro é também o do nascimento
de uma nova religião: a Umbanda. Renato Ortiz nos lembra que não é possível precisar exatamente o
momento de origem dessa crença, pois ela está relacionada com todos os processos sócio-econômicos
que atravessaram o Brasil desde as últimas décadas do século XIX até as primeiras do século XX. Pode-
se dizer, portanto, que a Umbanda teve uma longa gestação e que seu aparecimento concreto ocorre
nos anos 30.
Se a identidade brasileira consistiria na mistura, a Umbanda seria, portanto, a cristalização da
brasilidade. Como afirma Renato Ortiz em excerto cuja citação na íntegra me parece importante para
deixar evidente o argumento que quero aqui apresentar: “A Umbanda é uma religião endógena que se
situa na encruzilhada de três raças que contribuíram para a formação do povo brasileiro: o negro, o
índio e o europeu. Neste sentido pode-se dizer que ela é uma religião nacional, isto é brasileira”17.
Assim, ela se situa exatamente na fronteira das três raças, contendo elementos característicos das
religiões de todas, mas não sendo nenhuma. Ortiz nos dá a saber que a desagregação da memória
coletiva negra produz um novo tipo de culto, a macumba. Com a consolidação de uma sociedade de
classes do tipo urbano-industrial estão dadas as condições para que da macumba floresça uma nova
religião: a Umbanda.
Faz-se importante destacar aqui como Ortiz entende que se agregaram os elementos que
forjaram a nova crença. Ele entende que a Umbanda se constitui a partir de uma reinterpretação que
uma camada de espíritas kardecistas dá às práticas afros, então em estado de desagregação na macumba.
O dogmatismo espírita os impedia de continuar com práticas comuns de recebimento de espíritos de
caboclos e pretos velhos. Os cultos negros, reinterpretados por esses espíritas, configuram novas
práticas que irão fornecer as bases para um novo cosmo religioso, o da Umbanda. Ortiz afirma que em
1941 essa nova prática já estará consagrada.
Nesse sentido, a Umbanda é uma religião essencialmente sincrética e, por essa razão,
essencialmente brasileira. Maria Isaura Pereira de Queiroz destaca que o fato de essa crença ter
conseguido se impor e ter adquirido fiéis em vários segmentos sociais e étnicos é indicador da
valorização unânime que se estabeleceu em torno da civilização sincrética brasileira. A mistura cultural
produzida no Brasil, portanto, é reconhecida por todas as camadas sociais, mesmo as hegemônicas,
como a marca específica da identidade nacional. A autora faz, ainda, um paralelo interessante sobre a

17 Ortiz (1986), p.

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afirmação da individualidade brasileira, da especificidade que nos constitui e nos confere identidade, e a
difusão de uma consciência aguda da posição de inferioridade econômica ocupada pelo Brasil 18.
É importante destacar o percurso histórico que os cultos aborígenes e afrobrasileiros perfazem.
Maria Isaura nos lembra que, incialmente, eles representavam grupos parciais e não a sociedade
brasileira como um todo. Os brancos não estavam afetivamente ligados a esses cultos como os grupos
oprimidos. A noção de identidade daqueles passava por outros canais como, por exemplo, a ideia de
superioridade biológica e cultural da raça branca. Com a Umbanda, abre-se a possibilidade de superação
dessas divisões, uma vez que a própria mestiçagem havia alcançado o status de valor identitário. Dessa
forma, consolida-se um cosmo religioso que pode representar toda a “cultura nacional”. Esse
movimento histórico pode se fazer perceber também no pensamento de Bastide que, se inicialmente
pensava ser a umbanda uma especie de culto afro-brasileiro, posteriormente a concebeu como uma
religião nacional do Brasil.
É nesse sentido que Renato Ortiz afirma que mesmo a Umbanda estando relacionada com o
espiritismo, com o catolicismo, com os espíritos dos caboclos e com a tradição africana, ela não pode
ser considerada, essencialmente, nenhuma delas, mas todas ao mesmo tempo, ou seja, uma religião
tipicamente brasileira. A mistura cultural, portanto, processa-se no plano do sincretismo e da
mestiçagem. A ressignificação da mistura racial opera concomitantemente com a disseminação de uma
religião sincrética que passa a representar a identidade que resulta dessa mistura.
Como nos lembra Ortiz, toda identidade é uma construção simbólica. Não importa ao cientista
social, portanto, pensar sobre sua veracidade ou falsidade, mas sim as implicações que dela decorrem.
Aquela que nos parece mais fundamental para este artigo é a reflexão do povo enquanto identidade
coletiva moderna. Uma das preocupações centrais do pensamento social brasileiro refere-se à como
teria-se formado o povo brasileiro, esse sujeito coletivo que confere substância à nação. Octavio Ianni
atenta para o fato de que o que está em pauta nas discussões raciais travadas ao longo da história do
pensamento social brasileiro é justamente o problema da nação. As raças, a nação, o povo, a
mestiçagem, enfim, todos esses temas seriam uma permanente obsessão do pensamento brasileiro.
Nossa busca por uma identidade própria na modernidade passaria pela resolução dos problemas
relacionados à nossa mestiçagem.
Até este momento, tentei perfazer sucintamente um percurso por dois dos momentos históricos
fundamentais na definição do imaginário da brasilidade. Um primeiro momento em que a miscigenação
é vista, a partir de um racismo colonial tout court, como um entrave à modernização e um problema a ser
resolvido. Em um segundo momento, a hibridez destes trópicos torna-se um atributo civilizacional que

18 Pereira de Queiroz (1988). Pgs. 59-83.

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não apenas funda a nação brasileira, mas também lhe confere uma certa vantagem moral19. Acredito
que os estudos pós-coloniais podem contribuir de maneira fundamental para complexificar essa
discussão sobre a identidade brasileira.
Tomo aqui um trecho de artigo de Sérgio Costa cuja reprodução na íntegra parece-me ser
importante para explicitar a forma como entendo serem os estudos pós-coloniais fundamentais para
um repensar da identidade brasileira: “a releitura pós-colonial da história moderna busca reinserir,
reinscrever o colonizado na modernidade, não como o outro do Ocidente, sinônimo do atraso, do
tradicional, da falta, mas como parte constitutiva essencial daquilo que foi construído, discursivamente,
como moderno”20. Seja na sua versão depreciativa do miscigenado, seja na elogiosa, a identidade
nacional brasileira constituiu-se fundamentada no binarismo discursivo ocidental que impede a
composição de outra forma de ser senão aquela que a gramática da modernidade canônica permite
existir. O imaginário da brasilidade parece, nesse sentido, não conhecer outra forma de se ver senão
como um espelho imperfeito de uma Europa hiperreal21.
A modernidade é, para nós brasileiros, frequentemente pensada como algo que vem de fora e
que deve ser admirada e adotada. Partha Chatterjee aborda a questão de uma forma que me parece ter
relação com a forma como se constitui o imaginário do brasileiro sobre si próprio: “a modernidade é
para nós como um supermercado de bens importados, dispostos nas prateleiras: pegue e leve o que
você quiser. Ninguém aqui acredita que possamos ser produtores de modernidade. A verdade amarga
sobre nosso presente é a nossa sujeição, nossa inabilidade em sermos sujeitos de nosso próprio
direito”22.
Descolonizar a imaginação do nacional é, portanto, descolonizar o imaginário23 que nos prende
a uma necessidade de ser moderno segundo um padrão imposto pela modernidade canônica. Uma
proposta que coloque em questão a descolonização implica, portanto, numa abertura aos traços
culturais subalternizados em razão da necessidade de se construir uma identidade nacional única capaz
de inserir e situar o brasileiro no mundo moderno. Talvez apenas essa abertura possa nos ajudar a
pensar a continuidade do racismo, do imobilismo social baseado em relações sociais racializadas, como
parte de uma lógica moderna de segregação, na qual aquilo que é chamado de arcaico está intrincado ao
moderno de maneira indissociável, não se constituindo em um símbolo do atraso ou um impedimento
para que alcancemos uma ordem moderna igualitária, mas um fato concreto da própria ordem

19 Gilberto Freyre abordou recorrentemente a ideia de que a miscigenação lusotropical conferia ao homem dos trópicos
vantagens – entre as quais se destacaria a superação do racismo – que seriam a grande contribuição brasileira para a
civilização. Para uma leitura aprofundada sobre esse tema sugiro a leitura de Para além do apenas moderno e Mundo novo
nos trópicos, ambos da autoria de Freyre.
20 Costa (2006), p. 121
21 Costa, Ibid, p. 121
22 Chatterjee (2004), p. 64
23 Parece-me importante destacar aqui o sentido dado ao termo imaginário. Tomei como base o sentido conferido por

Cunha (2006), p. 14, no qual ela propõe, em sintonia com as postulações de Cornelius Castoriadis, o imaginário como o
lugar de produção de sentido, de inscrição incessantemente ativada e ativadora de significações e valores.

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moderna. Fazer isso pode nos ajudar a compreender melhor a longa e detestável persistência do
preconceito de raça na sociedade brasileira.
Falta-nos no Brasil, parece-me, um esforço intelectual sistemático para recepcionar as críticas
dos estudos pós-coloniais dirigidos à episteme hegemônica das ciências sociais. Meu esforço no
presente artigo foi tentar apontar como a configuração da identidade nacional brasileira deu-se a partir
de movimentos que tomavam o binarismo atraso-modernidade como modelo. O pensamento social
brasileiro teve nesse processo uma dimensão tanto descritiva quanto prescritiva. Se a leitura que
intelectuais fizeram da sociedade estava baseada numa apreensão de categorias ocidentais a priori, as
propostas que decorreram dessa análise não poderiam, obviamente, escapar do engessamento que o uso
de tais categorias acarretava. Superar o atraso, portanto, era a única proposta que se poderia advir de
quem acreditava no atraso e se via nessa posição.
O autor Kabengele Munanga observou, com bastante clareza e lucidez, que “o exemplo de
alguns países ocidentais construídos segundo o modelo Estado-Nação, que passavam a imagem de que
havia uma unidade cultural conjugada com a unidade racial e onde ressurgem hoje os conflitos étnicos e
identitários, iluminaria o processo brasileiro e, sobretudo, a ideia de que existe uma identidade mestiça.
Uma tal identidade resultaria, a meu ver, das categorias objetivas da racionalidade intelectual e da
retórica política daqueles que não querem enfrentar os verdadeiros problemas brasileiros”24.
A dificuldade que os movimentos negros enfrentam para obter legitimidade no Brasil parece-me
ter uma relação bastante estreita com essa constatação feita por Munanga. Da mesma forma, o
problema do reconhecimento indígena perpassa por essa intrincada teia de significações em que
consiste a imaginação identitária brasileira. As resistências culturais existem, obviamente. As múltiplas
identidades brasileiras manifestam-se das mais variadas formas; no entanto, quando adentram a arena
do embate político, são sistematicamente inibidas por uma cultura nacional que, inteligentemente,
integrou e continua a integrar muitos símbolos dessa própria resistência.
O que gostaria de enfatizar, para concluir, é que o palco das relações étnico-raciais, no qual se
apresentam as ideias aqui elucidadas, constitui-se como material bastante rico para o pesquisador que
deseja estudar e entender o Brasil. Para além do debate político acerca da adoção ou não de medidas
concretas, como as ações afirmativas, para inclusão de negros e outros grupos étnicos subalternizados,
parece-me fundamental estudar e entender a maneira como esses grupos reivindicam seu pertencimento
à nação. Parece-me, no entanto, que a forma como apreendemos a identidade está embaçada por lentes
eurocêntricas, que não nos permitem enxergar para além dos binarismos da gramática da modernidade
canônica.
Elucidar essas questões é, sem dúvida, um desafio complexo e espinhoso, para o qual, no
entanto, acredito ser possível encontrar as melhores ferramentas numa conjugação entre pensamento

24 Munanga (2010), p.

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social brasileiro e estudos pós-coloniais. No intrincado tecido cultural no qual se desenvolvem as


relações étnico-raciais, torna-se fácil a naturalização de posições consolidadas. Mais fácil do que desatar
os nós é tomá-los como resultado do defeito do tecido. Parece-nos que um pesquisador que se coloca o
desafio da descolonização do saber possui os recursos e as habilidades para desfazer os nós e mostrar
que o tecido pode ser olhado de outra forma.

Referências
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Verso, 2006.
ANDRADE, Oswald. Estética e Política. Oswald de Andrade: obras completas. Organização, introdução e notas
Maria Eugênia Boaventura. 2ª Edição, São Paulo, Globo, 2011.
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BASTIDE, Roger. O sagrado selvagem. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.
COSTA, Sérgio. “Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial”. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, 21, nº 60, São Paulo, 2006.
CUNHA, Eneida Leal. Estampas do imaginário: literatura, história e identidade cultural. Belo Horizonte: Ed. UFMG,
2006
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. 5ª Edição. Rio de Janeiro, Rocco, 1987.
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MUNANGA, Kabengele. “Mestiçagem como símbolo da identidade brasileira” em B. Santos; M. Meneses (ed.)
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RAMOS, Arthur [1934]: O negro brasileiro. 5ª Edição, Rio de Janeiro, Graphia, 2001.
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PARTHA, Chatterjee. “Nossa modernidade”, en Colonialismo, modernidade e política. Editora UFBA, 2004.
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SOUZA, Ricardo Luiz. Pensamento social brasileiro. Uberlândia, EDUFU, 2011.

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As contribuições dos direitos humanos ao direito
ambiental internacional: o caso Fray Bentos –
Argentina vs. Uruguai

Christiane de Holanda Camilo1

Introdução

D
esde o fim da segunda Guerra Mundial o mundo passa por diversas transformações,
interconexões e reconexões no sentido de tecer, ressignificar relações e ampliar a
compreensão de seu todo.
Essa tessitura foi impulsionada preponderantemente pelo desenvolvimento da tecnologia e pela
comunicação em suas diversas vertentes, que permitiram o questionamento e a ampliação da visão
sobre as dualidades, as fragmentárias e isoladas visões de mundo, permitindo a visualização e o
reconhecimento das interconexões entre eles.
Nesse sentido, os diversos ramos do conhecimento e as várias instituições sociais passaram e
ainda passam por revisões em suas estruturas valorativas justificadoras. Em âmbito jurídico
internacional os principais reflexos desse movimento foi a expansão dos direitos humanos, a ampliação
da compreensão da questão ambiental e a consciência de um necessário diálogo coletivo e cooperativo
entre os sujeitos internacionais em prol de uma organização solidária às necessidades da sociedade
internacional.
Aponta Celso Mello que a dominância dos Estados no território internacional tem sido reduzida
“O homem volta a ter direitos e deveres perante a ordem internacional. As organizações internacionais
entram no campo jurídico como um dos principais e mais atuantes sujeitos de direito”. (MELLO, 2001,
p. 331) Assim, é nesse contexto que o direito internacional vê-se obrigado a ressignificar seus entes,
suas relações e seu alcance para o século XXI.
O objetivo desse artigo é demonstrar como os direitos humanos contribuíram para o direito
ambiental internacional compor o núcleo de direito cogente internacional, e ainda, demonstrar que esse
entendimento já é tacitamente aceito pela Corte Internacional de Justiça.
Para realizar a pesquisa este artigo de revisão teórica e jurisprudencial partiu da análise de alguns
elementos da teoria da ordem jurídica internacional de Alfred Verdross na qual afirma a proximidade

1 Mestranda em Direitos Humanos (UFG), Pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos
Humanos (NDH – UFG), Membro do Grupo de Pesquisa “Memória, Cidadania e Direitos Humanos”, Linha de Pesquisa:
Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Justiça Ambiental (UFG - CNPq). Especialista Direito Público, Mediadora de
Conflitos pela Escola Nacional de Mediação (ENAM). Orientadora Acadêmica de Pós-graduação (UFG), Professora e
Pesquisadora em Direito Público, Direito Internacional, Direitos Humanos, Direitos Culturais, Justiça Restaurativa e
Métodos Apropriados de Resolução de Conflitos (Conciliação, Mediação e Arbitragem). Membro da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Associação Nacional de Direitos Humanos (ANDHEP). Dupla formação e
atuação profissional, em Direito na área de Conciliação, Mediação e Arbitragem, Direito Internacional, Direito Ambiental
Internacional, Direitos Humanos e Direitos Culturais. (christianedeholanda@gmail.com)
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em termos de responsabilidade e obrigações entre as esferas jurídicas internas e externas, relação esta
que tende a se aprofundar ao longo do século XXI, a partir da judicialização do direito internacional, do
reconhecimento de valores comuns entre as esferas internas e externas de todos os Estados,
consolidadas pela criação de institutos supranacionais como o jus cogens, consagrando assim proteção
inderrogável a qualquer pessoa e nação, a cerca dos direitos humanos e o direito ambiental
internacional inclusive na Corte Internacional de Justiça.

1. Relações internacionais, direito internacional e jus cogens.

Em um passado recente as relações entre os países sempre se baseavam em interesses


convergentes ou recíprocos, a reunião de diversas nações possuía como fundamento interesses
reciprocamente benéficos para o grupo reunido, podendo considerá-lo como de efeito inter partes,
excluindo de apreciação e consideração, todos os demais entes não participantes. Procedendo dessa
forma, furtava-se a percepção que existem certos interesses comuns, resguardados na forma de direitos
passíveis de proteção e indelegáveis. Nessa escala de interesses, eles deixam de ser reconhecidos como
de efeito inter partes e passam a ter efeito erga omnes, justamente por se tratarem de interesses comuns
indissociáveis da mais alta importância no ordenamento jurídico internacional. Esta é a percepção
quanto aos direitos humanos e o direito ambiental internacional que está sendo delineada no século
XXI, a relação transcende as esferas internas dos países, horizontalizando as tomadas de decisão e os
encaminhamentos do futuro desses direitos e de seus destinatários.
O Direito Internacional desde o fim da Segunda Guerra Mundial passa por intensas mudanças
levando-o a estruturar-se a partir de uma nova organização jurídicopolítica das relações entre Estados.
Supera-se a distinção de absoluta independência entre as esferas do direito interno e externo das nações
e, impulsionado pela internacionalização dos direitos humanos, caminha-se por trajetos mais complexos
permeados por uma interrelação dinâmica entre essas esferas interna e externa, fundando-se como um
todo em princípios e normas de soft e hard law, que flexibilizam e cobram das diversas soberanias
mundiais uma postura mais responsável, ética, solidária e cooperativa em prol de igualdade, paz e
justiça material.
Neste sentido, para demonstrar a estrutura do ordenamento jurídico, Alfred Verdross (1976. p.
22) compreende o homem como um ser social que estabelece entre si relações obrigacionais, incluindo
entre elas a obrigação de respeito mútuo, situação que para ele se repete na relação entre Estados. Esta
organização humana precede à sistemática do direito positivo, pois está determinada por valores de
natureza comum, dentre os quais são retirados os princípios diretivos da coletividade, futuros princípios
gerais do direito. Ou, de outro ponto, como descreve Francisco de Vitória a comunidade de estados
seria "ius inter gentes omnes", orientação desenvolvida posteriormente por Suarez, Hugo Grotius e
Christian Wolff (apud. SIMMEL. 2012, p.38-39)

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Desta forma, a sobrevivência de qualquer sociedade, nacional ou internacional, está


condicionada a uma relação de coobrigação entre todos os seus membros. Verdross (1976. p. 22)
aponta que esta coobrigação recíproca, coletiva, principiológica, contém a “idéia de direito”, por ele
chamada de Grundnorm, é identificada como a portadora do fundamento de “justiça”, cuja finalidade
primordial constitui-se em mitigar conflitos e garantir a realização de direitos, pois estão, nessa
precedente relação obrigacional estabelecida, os meios e condições de fixação da estrutura e
implementação do direito positivo nas sociedades, cujo fim último, é a manutenção da paz.
A analogia se estende aos Estados, a partir do entendimento de que não existe relação de
subordinação entre as nações da sociedade internacional. (VERDROSS, 1976, p. 210) Um Estado
soberano para Verdross na perspectiva do Direito Internacional Público trata-se de uma comunidade
humana permanente que exerce governo sobre si mesma e “no tiene sobre ella ninguna autoridad
terrenal que no sea al del D.I.P., está unida por un ordenamiento jurídico efectivo y se halla organizada
de tal manera que puede paticipar en las relaciones internacionales”. (1976, p.177). Ressalta Alfred
Verdross (1972, p. 6 e 8) que
[…] el Direito Internacional Público positivo surge y se desarolla por obra de la
cooperação de los Estados, presupone una pluralidade de Estados. [...] el moderno
DIP no compreende solo normas cuyo objeto sean las relaciones entre Estados y las
relaciones entre los Estados y otras comunidades reconocidas como sujetos de DIP,
sino que algunas de sus normas particulares regulan directamente la conducta de
individuos (cap IX, A,x). La comunidad de los Estados ha ido, de esta suerte,
convirtiéndose paulatinamente en una multiforme comunidad internacional.

Para Verdross (1976, p. 15) a comunidade internacional será maior e mais forte, quanto maiores
e mais fortes, forem o número de valores comuns universalmente reconhecidos.
Infere-se nesse ponto o destaque dado pelo autor aos indivíduos e a influência que o Direito
Internacional Público possui sobre a vida deles, pois ao final, dentre as transformações percebidas neste
último século, observou-se que o D.I.P. além das relações entre Estados, interfere, por fim, das relações
entre os indivíduos.
A ordem jurídica internacional defendida por Verdross (1976, p. 112-113) deixa ao longe a
concepção de soberania absoluta de Vattel (2004) e propõe, à seu tempo, características necessárias a
essa ordem, 1) devido ao caráter provisório das normas jurídicas internacionais, há falta de órgãos
centrais (movimento contrário ao que ocorre hoje com a criação de cortes internacionais permanentes e
associações/comunidades transnacionais); 2) responsabilidade internacional (decidida pelas cortes
internacionais estabelecidas) 3) deveres comunitários; 4) presença do indivíduo no Direito Internacional
e formação de um direito internacional social, 5) diminuição da possibilidade de determinação de
sujeitos no direito internacional, mediatização do homem e, 6) normas jurídicas internacionais taxativas
e dispositivas com caráter de jus cogens (para esta pesquisa debruçar-se-á mais adiante no estudo desse
instituto e das contribuições que ele trouxe para o direito internacional geral).

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Outros aspectos defendidos por Verdross, e relevantes para a discussão, tratam da relação entre
as ordens jurídicas internas e externas. Para o autor, há uma obrigação recíproca entre os Estados para
que respeitem a independência política e a ordem jurídica interna de cada país, todavia, cabe à ordem
jurídica internacional delimitar o âmbito de validade da ordem jurídica interna no caso de resolução de
conflitos. Aponta o autor que nenhum Estado poderá escusar-se de obrigação jurídica internacional
invocando o seu direito interno, ou ainda, que as leis, atos administrativos e decisões internas dos
tribunais dos Estados constituem-se em fatos que podem ser mensurados segundo o direito
internacional. (VERDROSS, 1976)
Satisfeito o intuito de trazer à discussão alguns elementos da teoria do ordenamento
internacional de Alfred Verdross, corrente seguida por Fausto Quadros & André Gonçalves Pereira
(2002) e Halajczuk (1978), observa-se que destas discussões elaboradas ainda no início do século XIX e
construídas ao longo do século XX, possuem aproximação concreta com o que se apresenta hoje nas
discussões sobre o direito internacional geral, que é o debate sobre as normas internacionais
imperativas (jus cogens), elemento presente para Verdross desde a Grundnorm, consolidado expressamente
na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (C.V.D.T. - 1969) e pela Corte Internacional de
Justiça (C.I.J.) em julgados que serão retomados posteriormente, mas, que, por ora, reabrem a discussão
sobre a hierarquia das fontes do direito internacional.
As fontes do Direito Internacional Público estão elencadas, não exaustivamente, no artigo 38
do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Nele não está estipulada qualquer hierarquia entre as
fontes, são elas: 1) convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras
expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; 2) costume internacional como prova de uma
prática generalizada aceita como direito; 3) princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações
civilizadas; e, ainda, 4) decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das
diversas nações. (ONU, 1979).
No entanto, a partir da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados ratificada pelo Brasil
em 23 de maio de 1969 e promulgada pelo Decreto nº 7.030 de 14 de dezembro de 2009, de seu artigo
53 pode extrair-se a previsão expressa de jus cogens, ao dispor sobre "Tratados incompatíveis com uma
norma imperativa de direito internacional geral (jus cogens)”, serão nulos por serem incompatíveis com
uma "forma imperativa de direito internacional".
[...] uma norma dessa natureza é uma regra aceita e reconhecida pela comunidade
internacional dos Estados no seu conjunto enquanto lei à qual nenhuma derrogação é
permitida, e que não pode ser modificada, a não se por nova norma de Direito
Internacional geral da mesma natureza. (C.V.D.T., 1969)

Todavia, não se encontra na Convenção rol expresso e taxativo sobre quais sejam estas normas
imperativas que não são afetadas nem mesmo em situações de ruptura das relações diplomáticas ou
consulares entre os Estados, como aponta o artigo 63 do presente Tratado. (C.V.D.T., 1969)

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Na origem desse conceito, as primeiras discussões sobre jus cogens situavam-se no âmbito do
direito privado no final do século XVII, quando se tratava do tema “doação”. No século seguinte,
passaram a se referir à normas que limitavam o direito privado e a supremacia das normas públicas
cogentes. “Corresponde ao jus strictum do Direito Romano, que se contrapunha ao jus dispositivum, isto é,
o Direito que nascia da vontade das partes”. (TOLEDO JÚNIOR, 2006, p. 45).
O jus cogens, ius cogens, direito cogente, norma peremptória ou imperativa corresponde a uma
norma de caráter impositivo que goza de status distinto na ordem jurídica internacional em virtude de
seu significado fundamental para a sociedade planetária. (PETERKE, 2009) Por isso, “[…] are
considered peremptory in the sense that they are mandatory, do not admit derogation, and can be
modified only by general international norms of equivalent authority”. (CRIDDLE, E. J. & FOX-
DECENT, 2012, p. 332)
Não obstante, em contraposição à essa imperatividade, a Convenção de Viena explica que existe
um caráter dinâmico e flexível do jus cogens previsto no final do artigo 53 e 64, sendo que este último
artigo, indica a possibilidade de surgimento de outras normas de jus cogens emanadas da historicidade
humana, das necessidades e valores a serem protegidos pela sociedade planetária.
Pelo exposto, percebe-se que a autoridade e imperatividade do jus cogens não deve
necessariamente decorrer de tratado, convenção ou constituição internacional estabelecida, e sim, dos
valores proclamados, aceitos e reconhecidos como de interesse comum, fundamentais em uma
determinada época para a coletividade mundial. "the criterion for these rules consist in the fact they do
not exist to satisfy the needs of the individual states but the interest of the whole international
community". (VERDROSS, 2012, p. 58).
Ainda que para muitos juristas a identificação de normas de jus cogens permaneça imprecisa, essa
é uma de suas características principais, estas normas precisam ser identificadas, reconhecidas dentre os
valores e anseios da sociedade planetária (atividade a que se destina este artigo), contudo, a sua
existência, adoção importância e repercussão são inegáveis.
Verdross (1976) à sua época já delineava tipos de normas de jus cogens, normas essas que são
pacificamente reconhecidas como tal, ou seja, a) todas as normas de caráter humanitário; b) todas as
previstas na Carta da ONU proibindo o uso da força. Antônio Augusto Cançado Trindade (1981)
lembra que durante as discussões da Comissão de Direito Internacional da ONU anteriores à
Convenção de Viena, vislumbrava-se como normas contrárias ao caráter peremptório aquelas que
abordassem o uso ilícito da força e crimes internacionais – tráfico, pirataria e genocídio. Em 1951 a
C.I.J. ressaltava o caráter obrigatório a todos os Estados dos princípios previstos na Convenção sobre
Genocídio. Lambert (2003, p. 115) lembra que à época da elaboração da Convenção de Viena eram
considerados contrários ao jus cogens, todas as práticas que incorressem “no uso ilícito da força [...];
execução de atos qualificados de crimes contra a humanidade; comércio de escravos, pirataria,
genocídio; ou violação dos princípios fundamentais de Direito Humanitário”. Além destas, Portela

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(2011) aponta que compõe matéria de direito imperativo internacional, as que tratam de direitos
humanos, proteção do meio ambiente, desenvolvimento sustentável, paz, segurança internacional,
Direito de Guerra, proscrição de armas de destruição em massa e direitos e deveres fundamentais do
Estado.
Mazzuoli (2001, p. 88 - 89), estende este elenco de normas cogentes abarcando:
a) o costume internacional geral ou comum, a exemplo das normas protetoras dos próprios
fundamentos da ordem internacional, como a proibição do genocídio ou do uso da força fora
do quadro da legítima defesa; as normas sobre cooperação pacífica na proteção de interesses
comuns, como a liberdade dos mares; as normas que proíbem a escravatura, a pirataria, o
genocídio e a discriminação racial; as normas de direito humanitário, que protegem os civis em
tempo de guerra etc.; b) as normas convencionais pertencentes ao direito internacional geral, a
exemplo dos princípios constitucionais constantes da Carta das Nações Unidas, como os da
preservação da paz, da segurança e da justiça internacionais etc.; c) o direito internacional geral,
de fonte unilateral ou convencional sobre direitos e garantias fundamentais do homem, como a
Declaração Universal dos Direitos do Homem e os dois Pactos de 1966 (Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais).

Porém, há uma discussão necessária no que tange à aplicação de normas de jus cogens pela Corte
Internacional de Justiça. O artigo 59 do Estatuto da C.I.J. diz que as decisões proferidas pela Corte são
obrigatórias apenas para as partes em litígio. Nesse ponto, surge um conflito aparente, pois se há
constatação de que o jus cogens goza de status supralegal internacional, nas matérias que forem
identificadas como de jus cogens este deve prevalecer e seus efeitos, devido o caráter de interesse geral,
em tese, gerarão efeitos erga omnes. Há que se rediscutir a compatibilidade do artigo 59, com o artigo 60
do Estatuto da C.I.J. frente ao alcance das sentenças quando envolverem matéria de jus cogens.
A Corte Internacional de Justiça tem assim se pronunciado em diversos casos como o clássico
Barcelona Traction Light and Power Company, Limited (Bélgica v. Espanha), no qual a Corte lembra
que ao se considerar a relevância dos interesses em pauta, exemplificando-os como os que ofendem aos
direitos fundamentais, entre outros, as obrigações tratadas são erga omnes. (C.I.J., 1970)
Há outros casos nos quais se percebe o delineamento de decisões onde as obrigações
imperativas (jus cogens) com efeito erga omnes, são reconhecidas: observe-se o Caso do Pessoal
Diplomático e Consular dos Estados Unidos em Teerã, nesta discussão a Corte reconhece “obrigações
imperativas”; (C.I.J., 1979) no Caso sobre Atividades Militares e Paramilitares na Nicarágua fala-se
sobre a “proibição do uso de força”; (C.I.J., 1986) e ainda, no Caso sobre Testes Nucleares (Austrália e
Nova Zelândia v. França), a Nova Zelândia alegou que os experimentos nucleares realizados pelo
governo francês no Pacífico Sul incorriam em violação para além da área e dos direitos neozelandeses,
afetaria não só os direitos dos povos e o territórios do Pacífico, como também, de toda a comunidade
internacional. (C.I.J., 1973-1974)
Nesses e em outros casos, não só foram reconhecidos direitos cogentes, como direitos
fundamentais humanos e ao meio ambiente, cujo julgamento aponta a grande possibilidades de

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extensão de danos ao ser humano e ao meio ambiente, possivelmente, o melhor meio protetivo estaria
com o reconhecimento do efeito erga omnes.
Cançado Trindade (2004) apresenta duas dimensões de alcance para as obrigações erga omnes
advindas do jus cogens, um delas horizontal, por atingir a todos os seres humanos pertencentes à
comunidade internacional (erga omnes partes), e outra vertical, por vincular todo o poder público e os
indivíduos.
A força do efeito erga omnes das obrigações de jus cogens compreendem obrigações vis-à-vis não
somente aos Estados como a toda comunidade internacional, decorre da autoridade dos valores
defendidos e da necessidade de sua manutenção, independente da figura do objetor persistente, ou ainda,
de regras de ordem interna dos países.
Cançado Trindade aponta em seus estudos que
The way will thus be paved for the consideration of the gradual expansion of the material content of
ius cogens in contemporary international case-law, (...) The fact that concepts both of the jus cogens,
and of the obligatinos (and rights) erga omnes, ensuing therefrom, already integrate the conceptual
universe of contemporary International Law, the new jus gentium of our days, discloses the reassuring
and necessary opening of this latter, in the last decades, to certain superior and fundamental values.
This significant evolution of the recognition and assertion of norms of jus cogens and obligations erga
omnes of protection is to be fostered, seeking to secure its full pratical application, to the benefit of all
human beings. In this way the universalist vision of the founding fathers of the 'droit de gens' is being
duly rescued. New conceptions of the kind impose themselves in our days, and, of their faithful
observance, will depend to a large extent the future evolution of contemporary International Law.
(CANÇADO TRINDADE, 2009, pg.29-30)

2. Internacionalização dos direitos humanos e sua relação com jus cogens:

Intrinsecamente relacionada à evolução do direito internacional, a evolução dos direitos


humanos constituiu-se em um movimento para além da garantia de direitos, permitiu ampliar a visão do
homem sobre sua própria existência como um ser vivendo uma complexidade interrelacionada onde o
meio ambiente destaca-se como o espaço possível de suas relações.
A trajetória das liberdades individuais às sociais, econômicas, culturais e posteriormente aos
direitos de solidariedade, envolveu um percurso jurídico de inegável importância que levou à
necessidade de valorização do diálogo, da comunicação, da solidariedade e da cooperação. Nas palavras
de João Carlos de Carvalho Rocha (2007, p. 560-561) esse percurso ou reconexão é
[...] fruto da descoberta do homem vinculado ao planeta Terra, com recursos finitos,
divisão absolutamente desigual de riquezas em verdadeiros círculos viciosos de miséria
e ameaças cada vez mais concretas à sobrevivência da espécie humana.

Outra reconexão necessária deste século diz respeito à vida, ou melhor, o direito à vida porque
este direito é múltiplo em suas manifestações e condições de existência, e os direitos humanos também
contribuíram com esse tópico proclamando o direito à vida digna (dignidade humana) e dividindo-o em
duas dimensões (PETERKE, 2009), uma vertical, que diz respeito ao direito à vida em seus vários
momentos de existência da fecundação à morte, e outro horizontal, que traduz a preocupação sobre as

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condições que permitirão ao ser humano usufruir desse bem, ou seja, a qualidade de vida que só é
possível realizar-se a partir da congregação de diversos fatores como alimentação, saúde, educação,
meio ambiente equilibrado entre outros.
Sven Peterke aponta em um de seus estudos que
[...] a proteção à vida desdobra-se para abarcar os chamados riscos ambientais, que
afetam o direito à vida digna, consagrando o direito à vida sustentável. Utilizando o
mesmo raciocínio aplicado na exigência de uma vida em condições dignas, fica claro
que a vida do ser humano exige o respeito a um meio ambiente protegido e
equilibrado. Viver em um mundo poluído, desequilibrado abrevia a vida humana e
ainda põe em risco o planeta e o futuro da espécie. (PETERKE, 2009, p.247)

Demonstra o autor que esta não é uma discussão nem realidade jurídica tão distante ou
inaplicável pois
[...] Os melhores exemplos de proteção à vida sustentável encontram-se na
jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, que analisou a vinculação
entre o direito à vida e os riscos ambientais no Caso Oneryldiz vs. Turquia. Neste
caso, nove membros de uma família morreram após um deslizamento de terras, fruto
das chuvas, erosão do solo e ocupação irregular de encostas. A Corte Europeia decidiu
que o Estado havia violado seus deveres de proteção à vida, uma vez que não havia
realizado obras ambientais preventivas nem alertado dos riscos de deslizamentos ou
retirado os moradores irregulares. (PETERKE, 2009, p. 247-248)

3. O meio ambiente como parte fundamental do jus cogens internacional.

Celso Lafer (1988) sequencia uma série de direitos que surgiram concomitantemente com a
evolução dos direitos humanos, dentre eles o direito ao desenvolvimento pautado em uma nova ordem
econômica internacional, o direito à paz e o direito ao meio ambiente como espaço comum e de
preservação necessária para benefício da humanidade em geral, que não admite retrocessos na matéria.
Estes são os fatores, que interligados, representam boa parte dos problemas que afetam o meio
ambiente: a questão econômica que impõe determinado padrão de desenvolvimento, consumo e
circulação de riquezas, e, a questão ambiental, parte decorrente dos processos naturais do próprio meio,
e outras aceleradas ou impostas pela ação humana, estas últimas, também estão intrinsecamente
relacionadas ao desenvolvimento.
Lafer lembra que
O direito ao meio ambiente equilibrado é reconhecido como um direito fundamental
no âmbito internacional desde a Declaração de Estocolmo de 1972 e das conclusões
da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento”.
(LAFER, 1988, p. 31)

Situações que um pouco antes, na Conferência da Biosfera (Paris - 1968) foram resumidas em
três pontos principais de observância para a organização e planejamento do futuro dos países:
constataram-se as mudanças no meio ambiente com interferência humana, reconheceu-se como um
sistema toda a biosfera, determinou-se o trabalho interdisciplinar e a necessidade de pesquisas para
desenvolver soluções aos problemas ambientais.

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Em sequência, no âmbito do direito internacional pode-se elencar uma série de conferências e


declarações como a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio de
Janeiro – 1992 e 2012), Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Montego Bay - 1982),
Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (Viena - 1985), Declaração sobre o Direito
ao Desenvolvimento (1986), Convenção sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de
Resíduos Perigosos e sua Eliminação (Basileia - 1989), Convenção sobre a Avaliação de Impacto sobre
o Ambiente num contexto Transfronteiriço (Espoo - 1991), Convenção sobre o Acesso à Informação,
Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à Justiça no Domínio do Ambiente (Aarhus -
1998), Convenção sobre os Efeitos Transfronteiriços de Acidentes Industriais (Helsínquia - 1992),
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (Nova Iorque - 1992), Convenção
sobre a Diversidade Biológica (Rio de Janeiro - 1992), em síntese, todas realizadas para destacar dentre
outros pontos, a importância do direito ao meio ambiente e a necessidade de se definir os meios
necessários para assegurá-lo.
Outro ponto de análise muito atual que revela a urgência e a magnitude do tema reporta à
questão dos “refugiados ambientais” ou “deslocados ambientais”, pessoas que infligidos pela mudança
climática e transformação do meio onde viviam foram obrigadas a se deslocar para outras regiões.
Segundo a definição dada em 1995 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), os refugiados ambientais são pessoas
[...] obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona onde
tradicionalmente viviam, devido ao visível declínio do ambiente, perturbando a sua
existência e ou a qualidade da mesma de tal maneira que a subsistência dessas pessoas
entrasse em perigo. (RAMOS, 2011, p.223)

Esse tópico retoma o que foi apontado por Castels (apud. RAMOS, 2011, p. 224), que
“‘environmental factors influence migrations and migrants alter environments’ and that this has always been part of the
human condition”, apesar do homem e das migrações sempre terem afetado o meio ambiente (vice-versa)
e serem parte da condição humana, esses fatores têm-se acirrado, inclusive com a possibilidade de
perda de territórios por diversos fatores. Um exemplo dessa situação é Estado da Polinésia chamado
Tuvalu, composto por um arquipélago de ilhas cujo ponto mais alto de seu território está acima do mar
a cerca de cinco metros de altura, fato preocupante devido a elevação do nível do mar. (ONU, 2012). O
país continuará a existir mesmo sem uma base territorial e terá representatividade internacional para
defender seus interesses? Para onde será deslocada a população? Qual país ou países cooperarão na
recepção dessas pessoas?
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) no ano de 2007 estimou que a
população migrante naquele ano era de 170 milhões com perspectiva de ser aproximadamente 700
milhões no ano de 2050. Observa-se o salto que essa estimativa teve em um curto período de tempo,

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pois pouco tempo antes, em 1998, a previsão era de 150 milhões de deslocados ambientais em 2050.
(IPCC, 2007)
Cabe ressaltar que as migrações não ocorrem apenas por fatores climáticos, pois são
reconhecidamente elevados os números de deslocados/migrantes internacionais e inter-regionais,
devido a fatores econômicos, tome-se como exemplo a atual crise europeia, tudo isso, motivado pelos
termos e condições de desenvolvimento que promovem migrações e interferem na conjuntura
ambiental humana. Essas e outras situações precisarão ser enfrentadas pelo direito internacional e seus
tribunais em um futuro bem próximo.
O meio ambiente como parte do jus cogens poderia inclusive antecipar a solução dessas
discussões tornando a matéria ambiental humana como ponto de observância obrigatória de cada ato
jurídico ou administrativo.
A força da necessidade da afirmação do jus cogens em matéria ambiental já está reconhecida legal
e doutrinariamente. É fato notório que a cada afirmação sobre direito humano impõe-se uma obrigação
ambiental implícita ou explícita, por serem matérias indissociáveis. Deve-se agora buscar ampliar a
implementação do jus cogens em matéria ambiental humana nas decisões das cortes internacionais.
Dentre os principais documentos internacionais publicados, a Declaração sobre o Direito ao
Desenvolvimento (1986) em seus artigos segundo, terceiro, quarto e oitavo, reforça a necessidade da
cooperação internacional e da participação ativa e popular para a solução das questões sobre o
desenvolvimento. (ONU, 1986)
A cooperação internacional está prevista no artigo primeiro, cinquenta e cinco e cinquenta e seis
da Carta das Nações Unidas e compõe o Princípio vinte e quatro e sete da Declaração de Estocolmo
(1979) e do Rio de Janeiro (1992), respectivamente, apresentando o intuito principal de proteção
anterior do dano ambiental, ou seja, sua prevenção.
Apesar de todas as previsões legais, acrescenta-se que o princípio da cooperação deveria ser
guiado por outro princípio muito utilizado no direito comunitário, chamado princípio da
subsidiariedade. (TORRES, 2001) Este princípio organiza toda a comunidade em uma cadeia solidária,
coobrigando todos os seus entes segundo o seguinte raciocínio, aqueles que forem mais capacitados em
recursos, conhecimento ou tecnologia, auxiliarão os outros entes que são hipossuficientes nas
atividades que, visando o bem comum, se pretende empreender.
Dentre os textos legais internacionais cabe destacar três cuja matéria demonstra grande avanço
na discussão sobre a relevância do direito ambiental a partir da importância da compreensão sobre os
efeitos transfronteiriços da poluição e os mecanismos de proteção previstos, primeiramente
demonstrados na Convenção da Basileia (1989), segundo, a necessária prevenção por meio da avaliação
de impacto ambiental transfronteiriço previsto na Convenção de Espoo (1991), e por fim, os três
pilares protetivos estabelecidos pela Convenção de Aarhus (1998), o direito à informação, participação
pública nos processos de decisão e acesso à justiça, pois, apesar desta última convenção ter nascido em

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âmbito comunitário europeu, pela relevância, deve assumir caráter geral, tanto em relação aos princípios
invocados quanto à estruturação da proteção do direito humano ao meio ambiente.
Após ampla demonstração legal e doutrinária que sustenta o direito ao meio ambiente como
direito fundamental, ou melhor, o direito ambiental humano, em razão da seriedade e premência do
tratamento da matéria ambiental, bem como de sua consolidação com jus cogens internacional passa-se à
fundamentação jurisprudencial que corrobora esse feito.
A crescente presença das discussões ambientais nos tribunais permite aos julgadores ampliar o
domínio técnico-jurídico sobre a temática e, por conseguinte, implementá-la na jurisdição dos tribunais
internacionais, inclusive destaca-se a possível aproximação de forma expressa do jus cogens em matéria
ambiental internacional, o que, por hora, pode ser apenas abstraído das sentenças por meio da análise
de dois casos peculiares, julgados no âmbito da Corte Internacional de Justiça.
O artigo trinta e seis do Estatuto de Haia elenca dentre as competências da Corte, a resolução
de questões de direito internacional, sobre a violação de obrigação internacional, questões de
interpretação de tratado e a discussão sobre a extensão ou natureza de reparação por quebra de
obrigação internacional.
A Corte já apreciou especificamente em matéria ambiental até 2012, três casos, o primeiro de
caráter consultivo em 1996 que arguia sobre a licitude da ameaça ou emprego de armas nucleares, e dois
outros litigiosos, um em 1997 e outro em 2010, envolvendo discussão sobre descumprimento de
obrigação internacional ambiental transfronteiriça.
No Caso Projeto Gabcíkovo-Nagymaros (Hungria x Eslováquia), em 1997, e no Caso das
usinas de celulose sobre o rio Uruguai (Uruguai x Argentina) em 2010, também conhecido com caso
“Fray Bentos” em razão das usinas se localizarem próximas a essa região, a base da discórdia entre os
países em seus respectivos casos são os possíveis impactos ambientais quanto aos rios fronteiriços, no
primeiro caso o rio Danúbio, no segundo o rio Uruguai, nas duas situações, os países alegam
descumprimento de obrigações internacionais ambientais, baseando suas argumentações em acordos
bilaterais firmados entre as partes. (C.I.J., 1997, 2010)
No Caso Hungria x Eslováquia (1997), a Corte demonstra clareza sobre a importância do meio
ambiente, a obediência aos princípios de direito ambiental internacional e a preocupação que os
Estados devem demonstrar ainda mais quando as ações de um país interferirem no meio ambiente de
outro. Destaca-se na sentença deste caso o parágrafo 140 onde lê-se:
It is clear that the Project's impact upon, and its implications for, the environment are of necessity a
key issue. The numerous scientific reports which have been presented to the Court by the Parties - even
if their conclusions are often contradictory - provide abundant evidence that this impact and these
implications are considerable. In order to evaluate the environmental risks, current standards must be
aken into consideration. This is not only allowed by the wording of la production Articles 15 and 19,
but even prescribed, to the extent that these articles impose a continuing - and thus necessarily evolving
– obligation on the parties to maintain the quality of the water of the Danube and to protect nature.
The Court is mindful that, in the field of environmental protection, vigilance and prevention are
required on account of the often irreversible character of damage to the environment and of the

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limitations inherent in the very mechanism of reparation of this type of damage. Throughout the ages,
mankind has, for economic and other reasons, constantly interfered with nature. In the past, this was
often done without consideration of the effects upon the environment. Owing to new scieritific insights
and to a growing awareness of the risks for mankind - for present and future generations - of pursuit
of such interventions at an unconsidered and unabated pace, new norms and standards have been
developed, set forth in a great number of instruments during the last two decades. Such new norms
have to be taken into consideration, and such new standards given proper weight, not only when States
contemplate new activities but also when continuing with activities begun in the past. This need to
reconcile economic development with protection of the environment is aptly expressed in the concept of
sustainable development. (C.I.J., 1997, p.74 e 75)

O posicionamento da Corte nesse julgamento considera o meio ambiente como uma questão e
um direito fundamental. Os impactos no meio ambiente impõem a necessidade de avaliação dos riscos
ambientais em caráter preventivo da obra para prevenção e constante vigilância para manter a qualidade
do meio, no caso, o rio. A prevenção e a vigilância são os recursos necessários para se evitar danos
maiores à natureza, pois o histórico de degradação ambiental revela a imprudência no tratamento da
matéria dada até então. Uma situação que não justifica o prolongamento desta situação pois houve
grande avanço científico e tecnológico que permitem amenizar esses efeitos, e ainda, criadas normas de
grande relevância que regulamentam o tema e devem ser implementadas pelos Estados para regular
situações atuais e futuras ao conciliar o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental.
Quanto ao caso Uruguai x Argentina, a Corte avança apontando em sua sentença para a
necessidade de se equilibrar direitos e necessidades das partes (§175), reconhece a importância da
realização de avaliação de impacto ambiental transfronteiriço (§203) e ainda, a necessidade contínua de
discussão entre os países, de participação da população nas decisões e a obrigação conjunta das partes
sobre o princípio da prevenção e cooperação para prevenção (§§101, 102 e 187), pois são justamente as
obrigações de informar, notificar (§37) que criam as condições para a cooperação (§113) visando a
proteção do rio e dando continuidade à sua preservação por meio de um dos aspectos mais importantes
a sua contínua vigilância (§188), pois lembra que o objetivo do desenvolvimento sustentável é o
equilíbrio entre o uso e a proteção do meio ambiente (§§ 176 e 177). A decisão retoma ainda o artigo
vinte e sete da Convenção de Viena e os princípios sete e oito do PNUMA sobre a necessidade da
cooperação para efetivar a proteção ambiental.
Se de um lado a Corte Internacional de Justiça reconhece o “peso” da importância do meio
ambiente, de outro, falta em suas decisões, expressar claramente esse valor juridicamente protegido e
tacitamente delineado sob a forma de norma cogente.
De outro ponto, pode-se considerar que a Corte ao reconhecer o peso da importância do meio
ambiente e das novas normas e medidas implementadas considera-os como fruto de um crescente
aprimoramento do pensamento da sociedade internacional, demonstra que o meio ambiente necessita
de supremacia frente às decisões e não admite a retroatividade (PRIEUR, TIETZMANN E SILVA,
2012) sob condição de se incorrer em “involução”.

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Já que a Corte delineou avanços sobre as questões da natureza não seria ela ou qualquer outro
Estado a advogar o seu retrocesso, pois isso representaria uma afronta não somente à comunidade
daquele Estado como também a toda comunidade internacional, visto que ao se reconhecer a
coobrigação entre Estados em razão do compartilhamento transfronteiriço do bem ambiental, isto só é
feito em razão de fronteiras políticas, pois esse patrimônio não reconhece fronteiras e o que for
realizado em determinado trecho sobrestará possivelmente a qualidade do aproveitamento desse
patrimônio por outras comunidades que também sirvam-se desse bem.
Assim, o exemplo do rio Danúbio e do rio Uruguai vem reforçar essa ilustração, pois pela
própria condição de existência dos leitos dos rios e da permeabilidade da água, a poluição empreendida
em um trecho, será transferida de um ponto a outro facilmente, assim, a questão da poluição
transfronteiriça deixa de obedecer a lei dos homens e segue seu curso pela lei da natureza, transferindo
os prejuízos para os demais entes da comunidade internacional, além das partes envolvidas no
processo. Observa-se que esta é ou não uma forma de reconhecimento do caráter de cogência das
normas ambientais?
Portanto, pode se considerar como evidente o impacto sobre a implementação dos direitos
ambientais humanos como normas de jus cogens, por conseguinte, “eventual ato normativo ou decisão
de órgão judicial de uma organização internacional de integração que pretensamente viole, por
exemplo, o direito fundamental ao meio ambiente, pode se considerado violador do jus cogens e com
isso, nulo.” (RAMOS, 2011, p.560)
Assim, a partir de seus últimos julgados supracitados a Corte Internacional de Justiça delineou
situações de cogência de normas ambientais, pois expressamente reafirmou princípios e normas de
direito ambiental internacional e de direitos humanos ao meio ambiente, que independem, ou seja, são
superiores aos tratados entre as partes.

Considerações finais

O “Século da Reconexão” entre os segmentos cartesianos de Descartes, em verdade, se


constituiu em uma “Era ou Século das Contestações” repleta de mudanças de paradigmas que
estendem-se ao século XXI, pois promoveu e promove modificações substanciais na forma como se
compreende o mundo e as relações que nele devem ser estabelecidas entre os seus diferentes entes.
Uma das principais reconexões é perceber que o antropocentrismo deve ampliar a visão sobre si
mesmo estendendo-a para todo o meio (biocêntrica), pois o ser humano é parte e não centro de todo o
planeta/biosfera.
O ser humano permanece humano em todas as situações. Quem o desumaniza são seus
próprios pares que em determinado momento histórico, político, econômico, social ou cultural, elege
valores étnicos, biológicos, estilísticos, culturais, econômicos e outros que o destituem dessa
característica fundamental.
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Em razão de graves experiências de desumanização do humano, elegerem-se valores que


sustentam esses novos parâmetros difundidos na sociedade internacional com vistas a resguardar o ser
humano de forma ampla.
Todas essas transformações repercutiram e repercutem no Direito, principalmente no direito
internacional.
A primeira delas a partir do reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional,
todas as ações do Estado têm como principal destinatário, o próprio homem. Em sequência, após essa
percepção ainda carregada pelo antropocentrismo, será a percepção de que não é apenas o homem,
como também meio ambiente, em uma relação horizontal, os principais são os destinatários finais, os
principais afetados pelas ações dos Estados e do próprio homem, a perspectiva do olhar se tornará cada
vez mais biocêntrica conforme preconiza a Carta da Natureza de 1982, ao sustentar que para que haja
vida devem ser preservados os processos essenciais da natureza.
Os direitos humanos expandiram-se e internacionalizaram-se buscando proteção ampla ao ser
humano. A medida que isso ocorreu foram criados documentos internacionais para a sua proteção.
Estes documentos, por meio de princípios e valores, influenciaram diversos países, foram absorvidos e
internalizados por suas constituições.
Concomitantemente com a formação de uma nova ordem jurídica internacional pautada nos
direitos humanos, em outros fatores políticos, econômicos e sociais, identificou-se que os direitos
humanos passaram a constituir normas inderrogáveis internacionais e essa determinação foi positivada
na Convenção de Viena de 1969 ao tratar expressamente sobre as normas de jus cogens, aplicáveis não
apenas ao regime de tratados, mas à toda relação jurídica internacional.
A autoridade e imperatividade do jus cogens não decorre apenas de tratado, convenção ou de
constituição internacional estabelecida e sim, dos valores e princípios ali proclamados e que são aceitos
e reconhecidos como fundamentais àquela época pela comunidade internacional.
Se há a prevalência de normas imperativas inderrogáveis (jus cogens) por qualquer Estado (efeito
erga omnes), anuncia-se a formação de uma ordem de normas/valores/direito/ética comuns superiores
que fundamentam o direito internacional, constituiriam, dentro da sociedade planetária, a materialização
e positivação do Grundnorm defendido por Verdross. Sem que haja para tanto a necessidade de se criar
uma constituição de cunho planetário, contudo, a ordem jurídica internacional está delineando uma
estrutura legal composta de mecanismos de hard law e soft law fundados nos valores defendidos por essa
sociedade, para assim satisfazerem a continuidade da ordem internacional fundada em princípios de
manutenção de relações pautadas na ética, no caráter solidário e cooperativo (subsidiário) em prol da
efetivação da igualdade, paz e justiça material.
Apesar de notória inclinação ao pensamento nascido no direito natural, ao contrário do que
Verdross estabeleceu, não está ali o seu fundamento, pois não se trata da imutabilidade infinita de suas

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prescrições, há no jus cogens os elementos construtivo e reflexivo, histórico, social e político, que
emanam da sociedade para que lhe mantenha a unidade em determinada época.
Como na época atual, onde as noções de soberania, de fronteiras geográficas e políticas foram
tocadas como consequência da comunicação e da tecnologia que ampliaram as visões e possibilidades
de contato com outras realidades, onde o sujeito e as diversas organizações civis se empoderam e
ganham destaque no cenário internacional, e assim, possam se manifestar em prol não apenas da
garantia e sim da efetivação do direito ao meio ambiente e dos direitos humanos, como fundamento
para as relações internas e externas entre os Estados, já que são eles, além da paz, os primeiros a serem
destruídos nos conflitos de interesses entre as nações.
A nova ordem jurídica internacional do século XXI passa a reconhecer que toda obrigação de
direitos humanos impõe uma obrigação ambiental implícita ou explícita, consequência direta das
interações do ser humano no meio ambiente.
Legal e doutrinariamente a imprescindibilidade do meio ambiente para a realização dos direitos
humanos permite sua agregação dentro da referência biocêntrica, sob a denominação em direitos
ambientais humanos pela proeminência da questão.
A jurisprudência internacional por meio da Corte Internacional de Justiça, embora tímida ou
tácita, não está alheia a todo esse processo. Pois no delinear dos julgamentos apresentados, cujo o foco
da matéria tratada era o meio ambiente, a Corte passou a defender princípios e institutos jurídicos
(cooperação, solidariedade, não-retrocesso ambiental, acesso à informação, participação, avaliação de
impacto ambiental transfronteiriço) que segundo ela própria constituem-se obrigações
conjuntas/recíprocas (prevenção, conservação, preservação , vigilância contínua) internacionais entre os
Estados independente de outros documentos que possuam entre eles e a estas não podem se furtar.
Aponta-se no intuito de evitar maiores danos que o respeito à não-regressividade, um dos
princípios imprescindíveis ao direito ambiental humano, e portanto, deve se constituir como uma das
balizas de aplicação do jus cogens com permeabilidade jurídica/impositiva em qualquer ato ou decisão em
âmbito interno ou externo.
Desta forma, a partir da efetivação do meio ambiente como jus cogens internacional, como
demonstrou esse artigo, matéria sustentada em convenção, doutrina e agora jurisprudência
internacional, o jus cogens torna-se um instituto a ser respeitado e aplicado em âmbitos externos e
internos pelos diversos países.

Referências
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Institucionalização das demandas das mulheres
jovens brasileiras: experiências do Grupo de
Trabalho Mulheres Jovens da Secretaria
Nacional da Juventude

Cynthia Mara Miranda1

Introdução

A
juventude é uma temática de estudo complexa, portadora de múltiplos significados que
estão relacionados aos distintos pertencimentos que esses indivíduos têm nas sociedades. A
compreensão da categoria juventude implica em um exercício reflexivo que deve considerar
em primeiro lugar as juventudes uma vez que tratam-se de sujeitos múltiplos que não podem ser
categorizados de forma singular.
Ser jovem na zona rural não é uma experiência vivenciada da mesma forma para um jovem da
zona urbana; ser jovem de uma classe menos favorecida é diferente de ser jovem de uma classe mais
abastada assim como ser jovem mulher não resulta nas mesmas experiências de ser jovem homem.
Para Margulis e Urresti (1996) a juventude, como toda categoria socialmente constituída, que
alude a fenômenos existentes, possui uma dimensão simbólica, mas também precisa ser analisada em
outras dimensões que considerem os aspectos materiais, históricos e políticos nos quais toda produção
social se desenvolve na vida de um indivíduo.
Em tempos de uma sociedade que tem se modificado rapidamente, observa-se que a juventude
é um período de construção de identidades que constitui um universo social descontínuo e em
constante transformação. A noção de juventude varia de sociedade para sociedade e assim não pode ser
explicada por conceitos determinantes como, a transição entre a vida infantil e a vida adulta.
A imprecisão do conceito embora visualizada pelos pesquisadores desse campo de estudos no
Brasil apenas recentemente é reconhecida como um elemento que deve ser considerado na construção
de políticas públicas para juventude. Para organismos internacionais como a Organização das Nações
Unidas - ONU a juventude compreende a faixa etária que vai dos 15 anos até os 24 anos enquanto para
a legislação brasileira, jovens são aqueles que ocupam a faixa etária dos 15 aos 29 anos.
Além de partirem de princípios limitadores da juventude como a faixa etária e a condição
biológica, que possibilitavam uma compreensão “universal” das demandas juvenis, as primeiras
políticas de juventude no Brasil datadas dos anos 1980 foram fundamentadas em uma visão da
juventude como um ser vulnerável. Esta vulnerabilidade seria combatida com políticas de tutela que

1Doutora em Ciências Sociais pela UnB, Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional e do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Tocantins.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 645

pudessem modelar o comportamento dos jovens e evitar que os mesmos pudessem cometer atos de
infração.
As políticas, dessa forma, eram direcionadas aos jovens pobres das periferias que precisavam ter
seu tempo livre ocupado para evitar que cometessem crimes. Esta visão reducionista e limitadora da
juventude pela política pública, não via o jovem como ator social, portador de múltiplas identidades e
que necessita de políticas que estejam atentas as suas especificidades e diversidades.
Além de uma visão universal da juventude notava-se a predominância de uma perspectiva
androcêntrica, na qual as jovens foram sendo invisibilizadas. Essa invisibilidade segundo Papa (2009)
afetou o campo das políticas públicas resultando em uma escassez de ações que incorporam questões
concernentes às especificidades dessas jovens mulheres.
A juventude para as mulheres é construída de forma distinta da juventude para os homens.
Desde a infância através dos processos de socialização que se dão em diferentes espaços como na
família, na escola e na igreja as mulheres têm sido educadas ao longo dos tempos para exercerem
atividades de cuidados relacionados à esfera privada e os homens para exercerem atividades laborais e
políticas na esfera pública.
Essa construção dos papéis de gênero iniciada na infância, perdura na juventude e segue sendo
reforçada na vida adulta com poucas alterações. Para Prá e Cheron (2011) abordagens feministas
identificam que o processo de atribuição de padrões de comportamento social ocorrido entre infância e
adolescência influenciam na formação da identidade das pessoas. As diferenças aí constituídas passam,
então, a orientar projetos e estilos de vida: daí o trabalho produtivo representar para os jovens a
possibilidade de ingresso na vida adulta; em sentido inverso, esse ingresso se dá para as jovens.
O gênero se manifesta dentro de uma variedade de situações que vão construindo os papeis
sociais dos homens e das mulheres na sociedade. A força, a proteção, a autoridade, entre outras coisas,
são atribuídas ao gênero masculino enquanto a sensibilidade, a fragilidade, a obediência, entre outras
coisas, são atribuídas ao gênero feminino.
Para Schwarz (2007) o gênero é uma categoria analítica que permite analisar as posições
relacionais dos sujeitos em uma estrutura hierárquica de poder que recorta, no jogo das diferenças, suas
identidades e espaços próprios de ação. O gênero vai sendo definido ao longo da vida e nunca é um
produto acabado, está permanentemente em processo.
Assim como existem linhas de conflito na divisão entre o que é público e o que é o privado, o
mesmo acontece entre o adulto e o jovem. A passagem para a vida adulta em uma sociedade patriarcal e
heterossexista para os meninos se dá pela saída para o mundo público enquanto para as mulheres a
saída se dá pelo começo da vida reprodutiva que reafirma a sua presença no mundo privado e
doméstico. As mulheres jovens ficam adultas mais cedo do que os homens jovens e a elas são atribuídas
várias responsabilidades como o cuidado com o lar, com a família e irmãos.

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Por essa perspectiva, o presente artigo tem por objetivos num primeiro momento contextualizar
a atuação dos movimentos das jovens feministas. Em seguida buscamos compreender a construção da
pauta das jovens mulheres na Secretaria Nacional da Juventude com a criação do GT Jovens Mulheres.
Por fim, apresentamos algumas considerações sobre os resultados deste GT e os desafios impostos
para consolidação da desta pauta no governo federal.

A construção dos espaços políticos pelas jovens feministas brasileiras

No campo dos movimentos sociais, especialmente dos movimentos feministas, as demandas


das jovens mulheres passam a ser pautadas mais tardiamente nos 1990, como resultado de uma
transformação dos feminismos em várias sociedades.
Alguns acontecimentos marcaram a organização das jovens feministas brasileiras enquanto
atrizes políticas que reivindicavam espaço mais amplo dentro dos movimentos feministas. O Fórum
Cone Sul de Mulheres Jovens Políticas – Espaço Brasil, conhecido como “Forito”, criado em 2001 pela
Fundação Friedrich Ebert – FES representou um espaço importante de articulação que durou 10 anos.
Sendo um desdobramento do Fórum Cone Sul de Mulheres Políticas, projeto que reuniu feministas de
partidos políticos progressistas da região para debater ações transformadoras para a igualdade, o Forito
reuniu também mulheres que atuavam em outros espaços e nos diversos movimentos sociais.
Paralelamente ao Forito, em 2005, ocorreu no Brasil o 10º Encontro Feminista Latino-
Americano e do Caribe - EFLAC, momento histórico que evidenciou com mais destaque a identidade
jovem feminista brasileira. Segundo Zanetti (2009)
[...] 25% das participantes tinha menos de 30 anos e o tema juventude teve
considerável destaque. Esse Encontro foi uma oportunidade de diálogo entre as
jovens, principalmente no Fórum de Mulheres Jovens Feministas, que, por sua vez,
impulsionou a criação de uma atividade chamada Diálogo Intergeneracional, que não
estava prevista na programação.

As jovens feministas vão ampliando sua atuação e ganhando visibilidade. O Encontro Nacional
de Jovens Feministas ocorrido em 2008 reuniu mais de 100 jovens feministas de vários estados do país
para discutir a condição da jovem mulher e suas principais demandas em cada região.
No campo institucional a articulação das jovens mulheres também passa a ser notada e aos
poucos expande em direção a cobranças de demandas para o Estado. A criação da Secretaria Especial
de Políticas para as Mulheres – SPM em 2003 e a criação da Secretaria Nacional da Juventude – SNJ em
2005 simbolizou a abertura de novos espaços políticos para a apresentação de demandas deste
segmento. As conferências organizadas por tais pastas mobilizaram jovens mulheres na esfera local,
estadual e federal resultaram na construção de planos de políticas nacionais que expressam em suas
diretrizes as demandas de diversos atores sociais, entre eles, as das jovens mulheres.

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As tensões e conflitos estiveram presentes nesses espaços o que demonstrou que a


incorporação das jovens nas ações propostas pela I, II e III Conferência Nacional de Políticas para as
Mulheres ocorridas respectivamente em 2004, 2007, 2011 foi resultado de intensas disputas.
Para Silva (2009) apesar de haver menções às mulheres jovens no I Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres - PNDM ao citar vários segmentos de mulheres, trata-se de uma alusão formal, pois
elas são contempladas apenas em ações isoladas ligas à inserção do mercado de trabalho e autonomia
econômica, nos tópicos de educação e de abuso sexual contra crianças e adolescentes.
No que diz respeito ao II PNDM nota-se um avanço ao evidenciar em todos os eixos temáticos
a presença de ações específicas voltadas para mulheres jovens, surgiu também um eixo específico
voltado para o enfrentamento às desigualdades geracionais, com foco nas mulheres jovens e idosas.
O III PNDM em seu décimo capítulo aborda a igualdade para mulheres jovens, idosas e
mulheres com deficiência. Além desse capítulo nota-se a menção às jovens mulheres ao longo do
terceiro plano o demonstra o reconhecimento da particularidade da sua identidade e que esse segmento
gradualmente tem institucionalizado suas demandas. Como está destacado no décimo capítulo do III
PNPM:
[...] a concepção que orienta as políticas governamentais para a juventude é que estas
não podem ser únicas, mas heterogêneas; com características distintas e ações
afirmativas que variam de acordo com aspectos sociais, culturais, econômicos e
territoriais. Esta concepção é norteada pelas noções fundamentais de oportunidades e
acesso a direitos. As ações e programas governamentais esperam oferecer
oportunidades e garantir direitos às jovens mulheres na construção de uma sociedade
mais justa e cidadã no Brasil (III PNPM, 2012, p. 91).

As duas Conferências Nacionais de Políticas Públicas para Juventude ocorridas em 2008 e 2011
também demonstraram a força da mobilização das jovens mulheres. Como resultado da primeira
conferência foram elencadas vinte e duas prioridades de ação para a construção de uma política
nacional de juventude, entre elas destaca-se a necessidade de implementar políticas públicas de
promoção dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das jovens mulheres, garantindo mecanismos que
evitem mortes maternas, aplicando a lei de planejamento familiar, garantindo o acesso a métodos
contraceptivos e a legalização do aborto.
A segunda conferência contou com a participação significativa das jovens mulheres que
conseguiram aprovar no Eixo 3 da conferência “Direito à experimentação e qualidade de vida”
propostas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos das jovens mulheres como a garantia do
acesso das mulheres jovens aos exames preventivos e vacina gratuita contra o vírus do papiloma
humano - HPV2, com atendimento humanizado, garantindo o acesso aos medicamentos e

2 Em julho de 2013 o Ministério da Saúde anunciou que a partir de março de 2014, a vacina contra o HPV será oferecida na
rede pública brasileira, inicialmente, para meninas de 11 a 13 anos e a partir de 2015 espera atender meninas de 9 e 10 anos.
Vírus do papiloma humano é responsável por cerca de 90% dos casos de câncer do colo de útero, o segundo tipo de câncer
mais frequente em mulheres. Ele é transmitido por meio do contato sexual.

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descriminalização e legalização do aborto, situando-o como um grave problema de saúde pública e que
exige atendimento humanizado às mulheres jovens em situação de abortamento; promover os direitos
sexuais e reprodutivos da juventude, tais como a distribuição de preservativos femininos e da pílula do
dia seguinte no sistema único de saúde e nas farmácias populares.
No Eixo 5 “Direito à participação” uma das propostas aprovadas destaca que os Conselhos de
Juventude no Brasil devem se constituir garantindo a participação das mulheres.
Como é possível notar as jovens feministas brasileiras vão ganhando espaço para as suas
mobilizações, reivindicações e têm mostrado através da participação nos movimentos sociais e nos
espaços de governança descentralizada que as políticas para mulher e para a juventude não podem ser
pensadas de maneira universal, existem especificidades e vivências dessas jovens que precisam ser
consideradas nesse processo.

Grupo de Trabalho de Jovens Mulheres e a abertura dos espaços institucionais

Tomando a participação social como elemento fundamental de seu trabalho, a SNJ instituiu, no
ano de 2011, um Grupo de Trabalho de Jovens Mulheres – GTJM que atuou até o ano de 2013.
O GTJM foi um espaço de discussão entre entidades da sociedade civil, da SPM, do Ministério
da Educação e da ONU Mulheres que teve entre seus objetivos construir o perfil das jovens mulheres
brasileiras e de discutir ações específicas para assegurar a inclusão e autonomia dessa parcela da
juventude brasileira.
Ana Laura Lobato3 consultora da ONU Mulheres que acompanhou as atividades do GTJM, a
juventude e as mulheres em toda a sua integridade avançaram no sentido de ter do governo o
reconhecimento que é preciso políticas públicas especificas para esses segmentos. Lobato destaca que
foi importante a criação desse espaço pois:
Ter um espaço em que as jovens possam não só colocar demandas mas de pensar o
processo de elaboração e se possível também acompanhar o monitoramento na
implementação da política é fundamental. Reconhecer o protagonismo delas como
agentes da transformação e não só como sujeitos passivos que devem receber um
retorno do governo. Considerando que o GT tenha sido formado por jovens
mulheres de diferentes regiões do país, de diferentes formações e trajetórias políticas
também bastante distintas eu acho que a gente pode alcançar um olhar amplo e
diverso sobre as principais problemáticas desse segmento para pautar políticas
públicas que de fato atendam as necessidades das jovens mulheres.

A diversidade agregada ao GTJM pode ser evidenciada como uma estratégia de reconhecimento
que as demandas das mulheres jovens além de serem influenciadas pelos fatores de classe social, etnia,
orientação sexual são influenciadas pelas regionalidades, dada a diversidade das regiões brasileiras. Para

3Entrevista concedida a pesquisadora em 8 de novembro de 2012 na Secretaria Nacional de Juventude, Brasília, Distrito
Federal.

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a assessora da SNJ Gleidy Braga Ribeiro4 que acompanhou as atividades iniciais do GTJM, vários
segmentos juvenis apresentaram suas pautas e a secretaria trabalhou em cima dessas demandas de
forma a tentar dar uma resposta. Para a assessora:
As jovens mulheres não tiveram esse momento de apresentar, de construir embora o
movimento de jovens mulheres já vem atuando desde a construção do primeiro plano
de políticas para as mulheres. Então a ideia do GT é que a gente construa essa pauta
de forma coletiva. A SNJ tem até uma posição de quais os temas deveriam ser
priorizados nessa temática mas o diálogo com a sociedade civil, com pesquisadores,
com representantes de outros ministérios vem justamente para a gente construir uma
agenda de governo que possa contemplar as jovens mulheres em um espaço de
diálogo e de construção de políticas.

O discurso de Ribeiro destaca a preocupação da SNJ em garantir o espaço de diálogo com a


sociedade civil o que demonstra a existência de uma oportunidade política para a mobilização dos
movimentos das jovens mulheres feministas e que não é intenção do governo impor as políticas
públicas para as jovens mulheres. A participação de distintas atrizes políticas no GTJM demonstra que
a diversidade e o diálogo devem ser considerados na elaboração das políticas para este segmento. No
que diz respeito aos resultados do GTJM Ribeiro pontua:
Esperamos agora que a pauta incida em outros ministérios a partir do que a gente
definir como prioridade no campo da saúde, da educação, do trabalho, da sexualidade
quais são os temas prioritários hoje para as jovens mulheres. Nós precisamos
convencer inclusive os ministérios da necessidade de se fazer esse recorte geracional
porque boa parte deles já fazem o recorte de gênero mas a questão de gênero somada
a questão geracional ainda é uma coisa nova. Nossa tentativa aqui de organizar esse
espaço de diálogo com a sociedade civil é de justamente construir discurso, argumento
e pauta para incidir em alguns ministérios estratégicos como o da educação, cultura,
saúde e também ser um espaço permanente de diálogo com a sociedade civil.

Adotar a transversalidade das questões de gênero para criação de políticas públicas para jovens
mulheres significa que essas políticas não ficarão restritas a um ministério ou secretaria temática, mas
que devem ser assimiladas por todas as políticas públicas propostas pelo Estado e desenvolvidas em
cada área governamental.
As atividades do GTJM foram encerradas com a realização do 1° Seminário Nacional de
Políticas Públicas para as Jovens Mulheres que ocorreu entre os dias 6 e 8 de junho de 2013 e reuniu
representantes de 22 estados do país.
O encontro organizado pela SNJ, em parceria com a SPM gerou um documento final com
propostas que contemplam as jovens mulheres nas áreas de educação e trabalho; saúde, direitos sexuais
e reprodutivos; desenvolvimento local e sustentável; cultura, lazer e comunicação; participação e
relações de poder, enfrentamento a violência, discriminações e preconceitos.

4Entrevista concedida a pesquisadora em 8 de novembro de 2012 na Secretaria Nacional de Juventude, Brasília, Distrito
Federal.

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A próxima etapa é fazer com que esse documento final possa servir de subsídio para a
elaboração das ações, programas e políticas públicas para as jovens mulheres que não sejam restritas
apenas à SNJ e à SPM mas que o documento possa circular em outros ministérios e gerar ações
transversais.

Considerações Finais

Em um momento em que as pautas das juventudes de forma mais ampla e reconhecendo a


diversidade da juventude brasileira passam a ser incorporadas pelo governo federal a partir da SNJ,
percebe-se um importante avanço para a desconstrução da visão universal da juventude.
O reconhecimento do caráter múltiplo da juventude passa a ser visto como caminho necessário
para a garantia dos direitos da juventude. Nessa direção as mulheres jovens como demandantes de
políticas específicas podem ser beneficiadas pela nova conjuntura que representou um avanço para a
construção da pauta das jovens mulheres dentro do governo federal.
Em que pesem os esforços de muitos, ainda há um longo caminho a ser percorrido para a
efetivação dos direitos das mulheres jovens no Brasil. Mesmo que em diferentes momentos de sua
história, a sociedade brasileira tenha sempre contado com a presença de mulheres jovens mobilizadas
por diferentes sonhos e causas, como pelo fim da ditadura, pela constituinte, pela reforma política, pelo
direito ao aborto; as suas reivindicações enquanto atrizes sociais portadoras de necessidades específicas
ganham maior visibilidade no âmbito institucional apenas nos anos 2000 com a criação dos novos
aparatos institucionais (SPM e SNJ) que ampliam os espaços da governança descentralizada
(conferências e conselhos nacionais de direitos) abertos a participação, cobrança e vigilância dessas
jovens mulheres.
O Grupo de Trabalho das Jovens Mulheres foi um marco para a construção da pauta das jovens
mulheres no governo federal, mas o seu potencial para gerar resultados no que diz respeito à elaboração
e implementação de políticas públicas para mulheres com recorte geracional depende das futuras
oportunidades políticas a serem criadas para que o diálogo entre governo e movimentos sociais
permaneça aberto.

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Reflexões sobre algumas conquistas no campo
dos direitos sociais alcançados pela
agricultura familiar

Edir Vilmar Henig1


Irenilda Ângela dos Santos2

Introdução

A
temática da agricultura familiar tem ganhado força nos discursos brasileiros a partir dos
anos de 1990, como reflexo ao avanço do capitalismo rural. Esta discussão é resultado de
uma série de fatores, e dentre eles é importante destacar as implicações decorrentes as
grandes concentrações fundiárias que se originou nas organizações sócio-políticas e econômicas,
impostas pelos colonizadores e promovidas pelos governos, a fim de beneficiar os grandes fazendeiros.
Sinteticamente, a agricultura familiar se caracteriza pela forte correlação entre terra, trabalho, e
família. Onde cada família é detentora da terra que produz, de seus instrumentos e das técnicas
utilizadas para administrar o patrimônio. É importante destacar que a agricultura familiar tem um papel
relevante para a economia brasileira, pois além de produzir gêneros alimentícios para o mercado
consumidor interno, ainda supre as necessidades dos grupos familiares envolvidos na produção.
A consolidação do capitalismo no cenário agrícola do país tem seu inicio na década de 1960, a
partir de quando, tem experimentado uma forte modernização no setor, visando o aumento da
produtividade intensiva (aumento da produção utilizando a mesma área plantada), para isso acorrer
aumentou-se o grau de mecanização e a quimificação do processo produtivo.
A divisão das terras também sofreu alteração, partindo do êxodo rural, incentivado por
programas governamentais de industrialização do país, fazendo com que os agricultores deixassem suas
terras em busca de melhores condições de vida na cidade. Isso fez com que surgissem os grandes
produtores, ficando assim uma quantidade exorbitante de terras nas mãos de poucos, provocando a
desigualdade social no meio rural.
Neste sentido é importante destacar o reconhecimento dos agricultores familiares como sujeitos
de direitos, reconhecimento este que é recente na história brasileira. Pois a partir de 1990 que foram
criadas políticas públicas específicas para a agricultura familiar, alcançando assim o reconhecimento
legal.
As principais políticas públicas, voltadas para a categoria dos agricultores familiares foi o
Pronaf3, criado em 1996, e em 2006 foi criada a Lei da Agricultura Familiar4, esta é considerada o marco

1 Mestrando em Política Social pela Universidade Federal de Mato Grosso. Graduado em Administração – UFMT e
Ciências Contábeis – UNIC. Bolsista CAPES – DS. edirhenig@hotmail.com
2 Doutora em Desenvolvimento Sustentável – UnB. Professora do Programa de Pós-Graduação em Política Social

(Mestrado) e do curso de Serviço Social da Universidade Federal de Mato Grosso.


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 653

oficial que define a agricultura familiar como categoria produtiva e como profissão no mundo do
trabalho. Apesar destas importantes conquistas alcançadas pela categoria, a trajetória de lutas dos
trabalhadores rurais é longa e apresentam vários entraves e avanços.
E neste caminho, o presente artigo se objetiva a debater a agricultura familiar no Brasil como
sujeitos de direitos, oferecendo um referencial que permita entendê-la e dar a devida importância ao
tema.
No contexto deste trabalho, a justificativa apresentada é a de se somar aos debates anteriores
realizados por outros autores, para isso se utiliza de referenciais teóricos que destaquem a relevância
dos direitos sociais conquistados pelos agricultores familiares, ressaltando que a atividade é responsável
pela sustentação do trabalho e da renda de inúmeras pessoas que tem na atividade a possibilidade de
reprodução e sobrevivência.
O caminho metodológico trilhado para explorar a importante trajetória politicas e da
constituição dos direitos dos trabalhadores rurais no Brasil, e o surgimento dos agricultores familiares
como categoria e sujeitos de direitos, frutos de embate e disputas que culminaram na efetivação ou pelo
menos nos marcos legais das politicas a eles voltados.

A construção dos direitos dos trabalhadores rurais no brasil

Muitas conquistas foram alcançadas pela classe trabalhadora no decorrer do século XX, um
exemplo claro desta afirmação é a Consolidação dos Direitos Trabalhistas (CLT) instituída em 1943,
pelo então Presidente Getúlio Vargas. Figura forte das conquistas sociais, a CLT resistiu à
redemocratização de 1945, ao golpe militar e permanece até hoje. Em contra partida houve poucos
debates, ou, sequer houve debate em torno da constituição destes direitos civis, e neste sentido destaca
Carvalho, 2010:
O período de 1930 a 1945 foi o grande momento da legislação social. Mas foi uma
legislação introduzida em ambiente de baixa ou nula participação política e de precária
vigência dos direitos civis. Este pecado de origem e a maneira como foram
distribuídos os benefícios sociais tornaram duvidosas sua definição como a conquista
democrática e comprometeram em parte sua contribuição para o desenvolvimento de
uma cidadania ativa (CARVALHO, 2010, p. 110).

Entre os direitos reconhecidos pela então nova legislação estava o direito a sindicalização,
direitos previdenciários, salário mínimo, assistência dos sindicatos (Paoli, 1994). Mas estes direitos não
alcançavam os trabalhadores rurais na sua totalidade, forçando assim os trabalhadores rurais a
buscarem, nas décadas seguintes, mediante a luta a extensão dos direitos trabalhistas.

3 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) foi criado pelo Decreto presidencial nº. 1.946,
de julho de 1996.
4 A denominação Lei da Agricultura Familiar refere-se à Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 654

Muito embora os direitos trabalhistas e até mesmo o de sindicalização passaram a serem


reconhecidos, não possibilitaram a emancipação dos trabalhadores, mas permaneceram como
instrumento que visavam a regulamentação, através do Estado (através do Ministério do Trabalho e da
Justiça do Trabalho), dos movimentos operários e camponeses (Santos, 2001). Regulação esta que
pretendia estabelecer “uma base segura para o projeto de uma sociedade moderna, estável e integrada,
ordeira e progressista” (Paoli, 1994, p. 102).
Em síntese, os trabalhadores passaram a gozar da legislação, contando com direitos sociais por
eles conquistados, em contra partida eram fortemente controlados pelo poder de órgãos estatais, sendo
estabelecido este modelo também durante a ditadura militar que se inicia em 1964.
Uma destas conquista é destacada por Carvalho, 2010:
Em 1971, em pleno governo Médici, ponto alto da repressão, foi criado o Fundo de
Assistência Rural (Funrural), que efetivamente incluía os trabalhadores rurais na
previdência. (...) De qualquer maneira, os eternos párias do sistema, os trabalhadores
rurais, tinham, afinal, direito a aposentadoria e pensão, além de assistência médica. Por
mais modestas que fossem as aposentadorias, eram frequentemente equivalentes, se
não superiores, aos baixos salários pagos nas áreas rurais (CARVALHO, 2010 p. 171).

Foi a partir dos anos de 1970 que os setores populares começaram a se organizar e passam a
atuar com relevância no cenário político brasileiro com a emergência de novos agentes, e a formação de
uma nova noção de cidadania ou cidadania ampliada.
Segundo Picolotto (2011), surgiram no período da ditadura militar os principais movimentos
sociais de classe que atuam até os dias de hoje, com maior ou menor representatividade, os sindicatos
se renovaram e fortaleceram e aspiravam por uma sociedade mais justa e igualitária, ganhando forma e
força nas reivindicações por direitos, deixando marcas profundas e positivas na Constituição Federal de
1988. E se traduziram em “espaços plurais de representação de atores coletivos” (Paoli e Telles, 2000,
p. 103).
Com quase trinta anos de ditadura militar, com uma configuração histórica de sociedade
autoritária, excludente e hierárquica, as lutas sociais que marcaram este período estabeleceram espaços
plurais por onde transitavam reivindicações e possibilidades diversas (Picolotto, 2011).
A reforma agraria ganha legalidade na Constituição de 1988, e passa a ser de responsabilidade
do Estado, conceituada por Carvalho Filho (2009), de caráter claramente compensatório e de corte
assistencialista, não apresentando condições para alterar o padrão de concentração fundiária que
sempre existiu no meio rural brasileiro.
O Brasil conta com possibilidades de gerar emprego no campo ao contrario de outros países,
mas os embates no campo dos direitos garantiram a população até então expropriada de direitos e
condições de sobrevivência, acesso a terra e garantia da segurança alimentar além de pontuar a favor da
economia local.

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Foi nestes espaços criados que surgiu e se difundiu uma “consciência do direito a ter direitos”
(Paoli e Telles, 2000), onde a cidadania é buscada com lutas e conquistas e a reivindicação onde direitos
são postos como exigência negociável, a fim de alcançarem trabalho digno, vida mais decente e por
uma sociedade mais justa.
Não é exagero afirmar que as politicas agrarias, ou seja, este sistema oficial que atribui direitos
reais sobre terras agrícolas foi o principal norteador e organizador da sociedade brasileira ate meados do
século passado. E em razão destes direitos é que se desenvolveu toda a economia e a politica nacional,
influenciando diretamente na acumulação capitalista, e nos moldes das classes sociais que se encontram
no Brasil hoje.
No que tange a Constituição Federal de 1988, a grande novidade em relação à reforma agrária é
o direcionamento ao Estado o dever fundamental de fazê-lo. No sentido dos direitos sociais, Telles
2006 destaca que no descortinar destes tempos de crise e os desconcertos, o destino do país estão
sendo decididos em encruzilhadas de alternativas incertas e muitas delas pouco promissoras.
A trajetória da questão agrária no Brasil é traçada pela intensa concentração da terra,
expropriação e resistência dos trabalhadores rurais, e muitas discussões sobre o tema. Levando em
conta os pressupostos levantados por diversos autores, é possível verificar que essa questão é resultante
do processo histórico brasileiro, que originou as grandes extensões de terras e o inicio de um modelo de
desenvolvimento concentrador e excludente, que se arrasta através dos anos até nossos dias.
Resultando desta forma, em um problema estrutural da sociedade brasileira.
Isso quer dizer, que a questão agraria é histórica e também socialmente construída, ou
seja, assume diferentes significados e configurações ao longo do tempo e emerge na
luta de grupos sociais organizados, que expõem a realidade do campo e reivindica
cidadania por meio do acesso a terra (SOARES, 2009 p. 17).

Entende-se que as politicas agrarias, em destaque a reforma agraria, são vazias, mas precisam ser
de alguma forma tratada como conflitos no campo onde de um lado encontram-se os trabalhadores
expropriados de direitos e de condições de reprodução, e de outro as elites politicas nacionais e
internacionais, pactuando para preservar as politicas econômicas, e se favorecendo das mesmas,
neutralizando os movimentos sociais a fim de controlar os conflitos, isso tudo para cumprir acordos
realizados entre governo e Fundo Monetário Internacional, para redução de gastos, afetando
diretamente a distribuição de renda no campo.
Para Delgado e Cardozo Jr. 2009 houve substanciais mudanças no sistema de proteção social do
setor rural com a Constituição de 1988, sendo observadas ainda as mudanças ocorridas pelo fim da
modernização conservadora e o país então ingressa no processo contraditório de liberação das políticas
agrícolas.
É necessário destacar que outro avanço importante no campo dos direitos sociais
alcançados pelos agricultores familiares foi a promulgação da Lei nº 11326 de 24 de julho de 2006, que

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estabelece as diretrizes para a formulação da política nacional da agricultura familiar e empreendimentos


familiares rurais.
Neste sentido, os avanços conquistados pelos movimentos envolvidos na questão agraria, são
visíveis, mas não estancam todas as necessidades da classe, que ainda padece pela falta de políticas que
realmente sanem as necessidades estruturais da categoria. Não ocorreram mudanças sem lutas e
embates, ao se efetivar conquistas no campo politico e dos direitos. Como destaca: “agricultura familiar se
consolida na medida em que fortalece a organização, discute a realidade e as necessidades e busca
politicas diferenciadas para continuar produzindo alimentos” (Fetraf-Sul, 2007, p. 2, grifo original).
A criação do Pronaf Plano Nacional Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), criado
em 1995, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, também merece destaque frente às conquistas dos
pequenos agricultores e os agricultores familiares, que com constantes embates com o Estado (governo
Fernando Henrique Cardoso), proporciona horizontes mais nítidos, uma vez que a categoria passa a ser
reconhecida como “protagonista de um projeto econômico viável” conforme destaca Martins (2003).
Este Programa surge com a incumbência de dinamizar o espaço rural brasileiro, através da
viabilização de uma série de ações, em especial as de construção de infraestrutura necessária e as de
financiamento de crédito aos agricultores familiares. Estas ações se constituem em eixos objetivados
para garantir o aumento da produtividade e de melhoria das condições de vida de uma população que
sempre esteve à margem do processo de desenvolvimento e da modernização conservadora, ocorrida
na agricultura brasileira a partir de meados da década de 1960.
Há décadas relegada à segundo plano e até mesmo esquecida pelo Estado, a agricultura familiar
e a sua base fundiária –a pequena propriedade– têm sobrevivido em meio à competição de condições e
recursos orientados para favorecer a grande produção e a grande propriedade – setores privilegiados no
processo de modernização da agricultura brasileira, estando sempre presente nos campos de disputas de
direitos.
O PRONAF-M visa promover investimentos baseados em compromissos negociados
entre os beneficiários, os poderes municipais e estaduais e a sociedade civil organizada
para possibilitar: (i) a implantação, ampliação, modernização, racionalização e
relocalização de infra-estrutura necessária ao fortalecimento da agricultura familiar; e
(ii) a ampliação e cobertura de serviços de apoio, a exemplo da pesquisa agropecuária e
da assistência técnica e extensão rural (ABRAMOVAY e VEIGA, 1998, p. 7).

Com a criação do Pronaf a categoria foi reconhecida como ator social em contraponto com as
características da devastadora agricultura convencional. Nesta perspectiva Wanderley destaca:
Antes vistos apenas como os pobres do campo, os produtores de baixa renda ou os
pequenos produtores, os agricultores familiares são hoje percebidos como portadores
de uma outra concepção de agricultura, diferente e alternativa à agricultura
latifundiária e patronal dominante no país (WANDERLEY, 2000, p. 36).

Neste sentido, os próprios agricultores familiares passam a se reconhecer e se afirmar em um


estágio de consolidação da agricultura familiar, e do seu reconhecimento como sujeitos de direitos,

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proporcionando a consolidação enquanto categoria produtiva, e sujeitos ativos na sociedade, nos


levando a perceber que os avanços, quando comparados com períodos anteriores, são notórios.

Considerações finais

O objetivo deste trabalho não é estabelecer aspectos conclusivos referentes ao tema proposto.
A revisão literária apresentada, seguida de conceituação e discussão sobre as melhores formas de definir
a agricultura familiar e suas conquistas no decorrer das ultimas décadas e no contexto da inclusão social
no campo, não pode ser encarada como receita ou indicações infalíveis.
Aflorando neste campo de estudo e dos debates em torno do caráter social da atividade e de
seus direitos, com geração de emprego, renda e a sustentabilidade ambiental que é referencia neste
modelo, pois se utiliza de métodos não nocivos aos ecossistemas onde está instalada a propriedade.
É importante destacar que o estudo das organizações familiares de trabalho e da produção não
se está levando em consideração que estejam delimitadas ao meio rural, pois existem varias outras
formas de atividades passíveis de observações, sendo que a ruralidade se firma como fenômeno social
relativamente novo e pouco desbravado que necessita de estudos e pesquisas, embora presente em
diversos tipos de ocupação, exercidos de varias formas, tendo no seio de cada família, inúmeras formas
de inserções no mercado de trabalho.
A luta pela terra hoje existente no país representa, na maioria dos casos, mais um capítulo da
história do campesinato brasileiro, movido pelo conflito e a busca pelos direitos entre a territorialidade
capitalista e a territorialidade camponesa.
Mas as novidades desse momento histórico são muitas. Dentre elas, destacam-se: a grande abrangência
da base social da categoria sem-terra, que envolve uma multiplicidade de sujeitos sociais, inclusive
trabalhadores residentes nas cidades, e o significado aí contido de negação do processo de
proletarização em curso, demonstrando que a possibilidade de recriação camponesa não se esgota com
o processo de expropriação nem com a passagem desses sujeitos pela cidade.
O custo de oportunidade da mão de obra assentada é evidentemente maior do que o da mão de
obra desempregada. O mesmo ocorre com favelas, cortiços e moradores de rua nos grandes centros.
Os assentamentos organizados, além de viabilizar a produção e a renda dos assentamentos pode inserir
o camponês na sociedade. Pode criar cidadãos.
Por fim é importante frisar que esta questão também se confunde com direitos básicos da
pessoa humana, a inclusão ao mercado e o acesso a direitos sociais mínimos, pois não há
desenvolvimento sem povo, e com o agravamento da pobreza rural, os expulsos do campo somam-se
aos excluídos das cidades.

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Referências

ABRAMOVAY, R. VEIGA, J. E. da. Novas Instituições para o Desenvolvimento Rural: o caso do Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). Brasília, 1999.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 13º edição Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2010.
CARVALHO JR. J. J. Politica agraria do governo FHC: desenvolvimento rural e a nova reforma agraria. In:
LEITE, S. Politicas publicas e a agricultura no Brasil. 2ª ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
DELGADO, Guilherme C. CARDOSO JR. José Celso. Universalização de direitos sociais no Brasil: a
previdência rural nos anos 90. In: LEITE, Sergio. Políticas Públicas e Agricultura no Brasil. 2ª edição. Porto Alegre
RS, Editora da UFRGS, 2009.
FETRAF-SUL. A ousadia na luta e na organização construindo um novo desenvolvimento. In: Semear em revista:
sementes do novo sindicalismo, n.2, mar. 2007.
MARTINS, L. S. O sujeito oculto: ordem e transgressão na reforma agrária. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2003.
PAOLI, M. C. Os direitos do trabalho e sua justiça: em busca das referências democráticas. Revista USP, nº. 21, 1994.
PICOLOTTO, E. L. Processos de afirmação dos agricultores familiares como sujeitos de direitos. In:
SCHNEIDER, Sergio. GAZOLLA, M. Os atores do desenvolvimento rural: perspectivas teóricas e práticas sociais.
Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011.
SANTOS, B. S. A sociologia dos tribunais e a democratização da justiça. In: SANTOS, B. S. Pela Mao de Alice: o
social e o politico na pós-modernidade. 3ª edição, São Paulo: Cortez, 2001.
SOARES, Maria da Graça de Oliveira. Do latifúndio a reforma agrária: a diversidade social na construção do território – o
caso do Projeto de Assentamento Santa Alice – Herval/RS. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), UFPEL.
Pelotas, 2009.
TELLES, Vera da Silva. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte MG, Ed. UFMG, 1999.
WANDERLEY, M. N. B. A valorização da agricultura familiar e a reivindicação da ruralidade no Brasil.
Desenvolvimento e meio ambiente, n. 2, 2000.

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Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): desjudicialização e


descriminalização das crianças e dos/as adolescentes em
risco ou em perigo no Brasil e a responsabilização
dos adolescentes em conflito com a lei

Fátima Maria de Lima1

Introdução

P
ara a elaboração deste estudo, trabalha-se com autores/as nacionais e estrangeiros/as. As
referências estrangeiras de autores como: García Méndez (1993, 2005 e 2008 ); Gersão (1997);
Pedroso; Gersão et al. (1998); Pedroso e Branco (2008); Queloz (1991a e 1991b); Santos et
al.(1996); Trépanier (1989, 1999 e 2008); Vázquez González (s.d.), etc. Essas referências possibilitam-
nos: construir as categorias de análise deste estudo (modelo intervencionista de proteção e modelo
intervencionista de justiça ou responsabilidade)
Já autores/as nacionais como: Rizzini (1995, 1997 e 2000); Pilotti (1995); Faleiros (1995); Basílio
(2000), ajudou-nos a reconstruir a história sócio-política das crianças e adolescentes pobres
brasileiras/os e da sua relação com os tribunais de menores no Brasil, bem como analisar as influências
das ideologias dos países do norte nesta trajetória.
Os objetivos deste artigo são:
Verificar os reflexos das reformas dos tribunais dos países do norte em relação à justiça da
infância e juventude, em países do sul, como o Brasil, em especial, na evolução e na transformação da
legislação e da justiça de menores (SANTOS et al.,1996); Analisar, no teor do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), as influências das reformas dos tribunais dos países do norte, no processo de crise
do Estado-Providência, que advoga a desjudicialização e a descriminalização das questões relativas às
crianças e jovens em risco ou perigo (Pedroso, Gersão, et al., 1998).
Trata-se de uma pesquisa exploratória, do tipo documental e bibliográfica. O presente artigo
está organizado em três partes. A primeira, intitulada - “Contexto nacional e internacional das reformas
da justiça de menores”, apresenta brevemente a conjuntura interna e externa que possibilitaram as
reformas. A segunda, “O ECA e o modelo intervencionista de justiça ou responsabilidade”, busca-se
verificar os reflexos das reformas internacionais na legislação, na organização e na estruturação da
justiça das crianças e adolescentes no Brasil. Por fim, a terceira designada “O ECA e as sete mudanças
na legislação de menores Brasileira”, investiga-se as transformações provocadas com a promulgação do
Estatuto, na justiça da infância e juventude no Brasil.

1Doutoranda do Programa “Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI”, da Universidade de Coimbra/ Faculdade de
Economia/Faculdade de Direito/Centro de Estudos Sociais, professora da Universidade Federal do Tocantins, Campus
Araguaína, Mestre.

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Contexto nacional e internacional das reformas da justiça de menores

Com o processo de abertura política, em meados da década de 1980, e com a promulgação da


Constituição Federal em 1988 (BRASIL, 1988), foram oferecidos novos rumos às políticas sociais e ao
sistema de justiça direcionado às crianças e aos/às adolescentes brasileiros/as. O Código de Menores
de 1979 (BRASIL, 1979) tornou-se obsoleto, com sua doutrina de situação irregular, e foi revogado
com a promulgação da Lei no 8.069, de 13 de Julho de 1990, que instituiu o ECA (BRASIL, 1990). O
Estatuto traz, em seu bojo, uma mudança de paradigma no trato com as crianças e adolescentes,
advogando a doutrina de proteção integral, que percebe esses agentes sociais como sujeito de direitos, e
não objeto de proteção e repressão. Mas o que significa ser sujeito de direitos e ter proteção integral
embasado no ideário neoliberal? Afinal, quem patrocinará essa proteção? Quais as diferenças do Brasil
em relação à Europa em termos de garantia dos direitos fundamentais? É possível transformar crianças
e adolescentes excluídas dos direitos fundamentais em sujeito de direitos através de uma lei sob
matrizes teóricas dos países do norte? Quais as representações de crianças, adolescentes e famílias no
Brasil? Essas questões foram levadas em consideração no processo de elaboração do Estatuto? Já que
para autores como, Commaille (2004), o debate em torno da centralidade da criança enquanto sujeito
de direitos na Europa requer uma análise das mutações das representações de família e de como essas
representações percebem a criança.
A década de 1980 foi vista “no campo das políticas de atendimento à infância e adolescência,
como tempo de grandes transformações” no Brasil (VOGEL, 1995, p.315). O período de 1988-1990
constitui o ápice de um processo de mudanças profundas da política social dirigida ao público infanto-
juvenil que atingiu “os objetos em torno dos quais se havia cristalizado. A começar pelo artigo 227 da
Constituição Federal e culminado com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente [...]” (COSTA,
1990 apud VOGEL, 1995: 317; grifo do autor).
Essa percepção evidencia como as “ondas” dos países do norte chegaram rápidas aos trópicos,
“convidando-os” a estabelecer e implantar reformas no âmbito das políticas públicas, dentre elas, a
justiça das crianças e adolescentes. Essas reformas tinham como matriz ideológica o neoliberalismo,
que advoga a minimização da participação do Estado na oferta das políticas sociais (saúde, educação,
habitação, segurança pública, justiça, entre outras). No plano internacional, as intervenções relativas aos
jovens em conflito com a lei foram lenta e gradualmente atingidas por reformas ou perspectivas de
mudanças, desde o princípio da década de 1980. Nesta década, Queloz (1991a, p. 249-250) chama-nos à
atenção para “a efervescência espantosa da Organização das Nações Unidas [...] que, entre 1985 e 1990,
terá adoptado três textos de referência em matéria de acção social relativa à delinquência dos jovens”:
Regras de Beijing, em 1985; Princípios de Riyad; Regras Mínimas para a Proteção dos Menores
Privados de Liberdade, em 1990. Já o Conselho da Europa aprovou, em 1987, o “relatório sobre as
reacções sociais à delinquência juvenil e ao comportamento delinquente dos jovens oriundos de famílias

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migrantes”. Nele, há recomendações sobre a “opção não repressiva, mas responsabilizante dos jovens
delinquentes”, a diversificação das medidas e a necessidade de uma política global que possibilite a
inserção social de todos os jovens (Ibid.).
Em relação às crianças e jovens em risco, Pedroso e Branco (2008, p.12), embasado nos estudos
de Commaille (2004), chamam-nos à atenção para a centralidade das políticas públicas, em fins do
século XX e princípio do século XXI, em que as crianças e jovens assumem prioridade absoluta em
“suas relações com a sua família e com a sociedade”, nos termos da Declaração Universal dos Direitos
da Criança. “Esta prioridade reflecte-se na disseminação acentuada dos direitos da criança (DUDH) e
na publicação de convenções internacionais e de leis, em cada Estado, de promoção dos direitos e
proteção das crianças em situação de risco” (Ibid.).
Para a aprovação do art. 227, da Constituinte de 1988, e do ECA, em 1990, contribuíram
movimentos sociais como o de Meninas e Meninos de Rua, que receberam apoio de entidades não-
governamentais, os representantes progressistas das políticas públicas, a vanguarda do mundo jurídico,
bem como setores sensíveis do empresariado (VOGEL, 1995, p. 317). A participação da sociedade civil
organizada, de setores do poder público e dos partidos políticos demonstra como o processo de
aprovação da Constituição Federal Brasileira de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990, foi politizada.
Esses dois textos legais foram frutos de embates e negociações, com forte participação da
sociedade. Entretanto, se o texto constitucional proporcionou o alargamento dos direitos sociais e
econômicos, provocou também, contraditoriamente, uma “reação dos setores conservadores e aliados
ao capital”, que, logo após sua aprovação, desferiram intensa campanha na mídia “pela imediata
reforma da Carta”. Uma vez que “fora aprovada em 1988 um texto inspirado em princípios da
socialdemocracia européia – ‘Constituição Cidadã2’ – para ser executada por governos que foram
posteriormente eleitos com compromissos (neo) liberais.” (BAZÍLIO, 2000, p.96)
Assim, a politização no processo de redação e aprovação do ECA foi intensa. Ele foi “debatido,
escrito e promulgado em clima de campanha cívica.” Buscou-se aqui reunir “todas as vozes que num
coro organizado se opusessem aos setores mais conservadores da sociedade que estavam alinhados ao
antigo Código de Menores de 1979 ou ainda defendiam propostas obscurantistas como, [...] a redução
da idade penal.” O movimento foi vitorioso e regulamentou, como princípios básicos gerais: “o
entendimento da criança e do adolescente com pessoas em condição particular de desenvolvimento; a garantia
– por meio de responsabilidades e mecanismos amplamente descritos - da condição de sujeitos de direitos
fundamentais e individuais”. Tais direitos deverão ser assegurados pelo Estado e a sociedade como absoluta
prioridade (Ibid., p. 96-97; grifo do autor).

2 Palavras do deputado federal e presidente da Assembleia Constituinte, Ulisses Guimarães.

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O ECA e o modelo intervencionista de justiça ou responsabilidade

O norte ideológico do ECA foi embasado por documentos internacionais, em especial, a


Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças de 1989, que foi ratificado pelo
ordenamento jurídico brasileiro e se tornou lei interna através do Decreto nº 99.710/90 de 21 de
Novembro de 1990 (GARCÍA MÉNDEZ (2005, 2008); SARAIVA [s.d.:n.p.]).
A Convenção traz um viés doutrinário no sentido da desjudicialização e da descriminalização
das questões que envolvem crianças e adolescentes em risco. Daí o conteúdo do ECA ratificar esse
entendimento, ao regulamentar a participação da sociedade nos Conselhos (Tutelar, entre outros); o
prazo determinado para as medidas de internações; a responsabilização do adolescente em conflito com
a lei; entre outras. O apelo “à comunidade ou esta procura da abordagem comunitária [...] está ligado
aos conceitos de: desinstitucionalização; descentralização [...]; ‘desburocratização’; revitalização da
‘sociedade civil’ e encorajamento do voluntariado e da beneficência” (QUELOZ, 1991a, p. 252-253).
Contudo,
[...] parece que o discurso comunitário emitido pelos Governos é levado pelo vento do
racionalismo da crise econômica [...] e das críticas ao Estado-Providência [que] deixou
traços importantes: o Estado procura descomprometer-se e desembaraçar-se como
pode! A reanimação da sociedade civil pelo encorajamento das acções sócio-
comunitárias oferece-lhe uma bela bóia de salvação [...] (Ibid).

É impressionante: com o discurso “comunitário” soprado pelos ventos do norte em direção ao


sul, encontrou uma conjuntura favorável para se reproduzir. O Brasil acabava de sair de um regime
ditatorial, os movimentos sociais ansiavam participar da vida política da nação. Logo, o apelo à
participação da “comunidade” achou um terreno fértil para germinar. Internacionalmente, o discurso da
“participação” e o aparente consenso, em especial, as críticas “à justiça penal, compreendendo a dos
menores” encontrou adeptos dos mais variados viés ideológicos, desde fins dos anos de 1960, tais
como: pragmáticos (sistema vigente ineficaz, necessidade de substituí-lo); humanista (sistema
degradante e desumano, necessidade de substituí-lo); científicos “(abordagem da etiquetagem e da
estigmatização, criminologia radical)”; neoliberais (sistema inútil, improdutivo, necessidade de substituí-
lo). “Todas estas vozes [...] convergiam para opor a <<boa comunidade>> à <<má instituição>> e para
predizer que o controlo comunitário seria mais eficaz, mais humano, menos estigmatizante e menos
caro!” (COHEN, 1985, apud QUELOZ, 1991b: 257-258).
Contudo, parte da literatura nacional (BARBOZA, 2000; PEREIRA, 2000; VOGEL, 1995;
etc.), que aborda o tema da adolescência em conflito com a lei, centra o debate em torno do: princípio
do melhor interesse da criança; doutrina de proteção integral; sujeito de direitos. Mas, afinal, o que isso
trouxe de novo para as políticas de intervenções junto a esses agentes sociais? Como se processa, ou se
efetiva em termos teórico-práticos, essas mudanças? Observa-se nessas obras certo tom apologético e
superficial da análise do ECA. Já outros autores nos advertem que o debate sobre a “questão
infracional na adolescência está mal focada”, e que a legislação pátria, aprovada em 1990, “instituiu no

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país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, articulado sob o


fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto
instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo” (SARAIVA, (s.d.);
GARCÍA MÉNDEZ (2005, 2008)), como também a desjudicialização e a descriminalização das
questões que envolva crianças em risco (BAZÍLIO, 2000; Convenção [...], 1989).
Para García Méndez (2008) e Saraiva, [s.d.], o ECA criou, no plano do controle social, o modelo
de responsabilidade penal dos adolescentes, por meio de um modelo jurídico-institucional de
responsabilidade penal aplicada aos adolescentes em conflito com a lei (de doze até dezoitos anos
incompletos). A base jurídica deste modelo foram os artigos 37 e 40 da Convenção sobre os Direitos da
Criança. Assim, “os adolescentes deixam de ser responsáveis penalmente pelo que são [...] para começar
a sê-lo unicamente pelo que fazem e isso só quando esse fazer implica uma infração às normais penais”
(GARCÍA MÉNDEZ, 2008, p.6).
No que concernem às crianças e adolescentes em risco ou perigo saem da esfera judicial e
policial e passam a ser atendidas pelas políticas sociais de organizações governamentais e não-
governamentais e os Conselhos (Tutelares e de Direitos da Criança).

O ECA e as sete mudanças na legislação de menores brasileira

Consoante Rizzini ((1995, p.163-165; 2000, p.79-82), a promulgação do Estatuto em 1990


possibilitou sete mudanças substantivas na legislação de menores no Brasil, no que concerne ao: 1)
Objetivo da lei; 2) A questão do pátrio poder3 - poder familiar; 3) A detenção de menores; 4) Direito de
defesa; 5) Internação de menores; 6) Posição do magistrado; e 7) Mecanismos de participação.

Objetivo da lei
O Estatuto parte do princípio de que a criança e o adolescente são sujeito de direitos
fundamentais e de deveres; advoga, assim, a garantia desses direitos e a proteção integral desses agentes
sociais. Rompe, portanto, com a ideologia protecionista do Código de 1927 que os percebia como
menores: abandonados ou delinquentes, objeto de assistência e proteção, como também, a doutrina de
situação irregular do Código de 1979, que deu continuidade ao norte ideológico da Lei de 1927 e
percebia os menores em situação irregular enquanto objeto de proteção, assistência e vigilância.
O teor dos artigos do ECA demonstra a influência ideológica da Convenção sobre os Direitos
da Criança de 1989, que percebe a criança enquanto sujeito de direitos e coíbe qualquer tipo de
discriminação por: língua, raça/etnia, sexo, socioeconômica, entre outras, defendendo a garantia dos

3 A expressão pátrio poder foi substituída pelo termo poder familiar através da Lei nº12.010, de 2009.

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direitos econômicos, sociais e culturais por parte dos Estados Partes a esses agentes sociais e aos seus
familiares(SARAIVA, (s.d.); GARCÍA MÉNDEZ (2005, 2008)).

A questão do poder familiar


Diferentemente do Código de Menores de 1927 e do Código de Menores de 1979, o art. 23 do
ECA de 1990 dispõe que: “[...] A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo
suficiente para a perda ou suspensão do poder familiar” (BRASIL, 1990). Portanto, o Estatuto de 1990
rompe com a perspectiva do Código de 1927 e do Código de 1979 que admitiam a perda ou suspensão
do poder familiar devido à pobreza dos pais, ou seja, a judicialização e criminalização da pobreza.

A detenção de menores
O ECA, em seu art. 106, coíbe a prisão cautelar, que era referendada na legislação menorista de
1927 e de 1979.
Assim, hoje, o adolescente só será privado de sua liberdade mediante flagrante de ato infracional
ou por ordem escrita e fundamenta do magistrado competente. Trata-se da ratificação do art. 37, alínea
“b”, da Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989 (RIZZINI, 1995, p.163-165; 2000, p.79-82).

Direito de defesa
O Estatuto rompe com a precariedade do direito de defesa presente no Código de 1927 e no
Código de 1979, em que, geralmente, a defesa era restrita ao curador (Ministério Público). O ECA
amplia a garantia do direito de defesa, podendo ser exercido por outros agentes durante o processo
legal (Ibid.).
O direito de defesa enunciado nestes artigos revela-nos a influência ideológica da Convenção
sobre os Direitos da Criança de 1989, em especial, o disposto em seu art. 37, alínea “d” (SARAIVA,
(s.d.); GARCÍA MÉNDEZ (2005, 2008))

Internação de menores
O ECA rompe com a internação por prazo indeterminado, adotada pelo modelo
intervencionista de proteção nos Códigos de Menores de 1927, 1979, respectivamente. Outra mudança
inaugurada pelo Estatuto é que a internação será breve e aplicada apenas aos adolescentes que cometam
atos infracionais graves, diferentemente das Leis de 1927 e 1979, que aplicava a internação de forma
genérica às crianças e aos adolescentes em perigo e aos que cometiam ato infracionais. (RIZZINI, 1995,
p.163-165; 2000, p.79-82).
Portanto, o ECA admite como prazo máximo de internação três anos, devendo o adolescente
ser liberado obrigatoriamente quando completar 21 anos de idade (Ibid.). Seguem assim as orientações

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expostas na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, em especial, em seu art. 37, alínea “b”,
como também, as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (ONU,
1991, p.10) que: “1. Declara que a colocação de um jovem numa instituição deve ser sempre uma
decisão de último recurso e pelo mínimo período de tempo necessário.”

Posição do magistrado
O Estatuto rompe com a centralidade e a absoluta discricionariedade dos magistrados presente
na Lei de 1927 e no Código de 1979, respectivamente. Com o ECA, os poderes dos magistrados foram
limitados, “[...] à medida em que se estabeleceu a garantia do direito à defesa à criança e ao
adolescente”. (RIZZINI, 2000, p. 82). Durante o processo de aprovação do ECA, consoante Saraiva
([s.d], p.9), uma parcela significativa da magistratura brasileira se opunha a esta ruptura e apontavam
essa mudança como uma suposta mazela do Estatuto ao buscar instaurar o Direito Penal Juvenil no
Brasil. Essa era opinião do desembargador Alyrio Cavallieri4, “intransigente defensor da Doutrina da
Situação Irregular e opositor ferrenho do modelo de responsabilização juvenil adotada pelo Estatuto”
(SARAIVA, [s.d.], p.9]. Conforme destaca Konzen (2005, 57-58 apud SARAIVA [s.d.], p. 9):
[...] a pretexto de proporcionar ao adolescente os mesmos direitos e garantias do adulto,
impôs-lhe o sistema penal, notadamente pela adoção do critério da proporcionalidade, um
dos pecados mortais do Estatuto, e pela adoção da ritualística processual penal, submetendo
os principais operadores do sistema, Advogado - Promotor-Juiz, a relação rígida, ao
contrário do sistema destruído pelo Estatuto, onde o Curador de Menores e o Juiz eram
autoridades protetoras, tutelares, numa justiça tuitiva.’

Destarte, para Cavallieri, a garantia do direito de defesa ao adolescente era algo que
burocratizaria e obstacularia a justiça da infância e da adolescência brasileira, diferentemente do modelo
intervencionista de proteção, que garantia celeridade e discricionariedade absoluta do magistrado e do
ministério público.

Mecanismos de participação
As Leis de 1927 e 1979 limitavam os mecanismos de participação. Já o Estatuto ampliou os
mecanismos de participação da comunidade externa através dos “[...] Conselhos de Direitos/ Tutelares
(Conselhos paritários Estados-sociedade), nos níveis federal, estadual e municipal” (RIZZINI, 2000, p.
82)
Isso ocorreu porque a Lei nº 8069/90 “destacou os aspectos não jurídicos do problema, restringindo a
ação da autoridade judiciária e criando instâncias sócio-educativas de atendimento a crianças e
adolescentes, com a participação da sociedade civil” (Ibid.82).

4 Desembargador do Rio de Janeiro na época.

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Considerações finais
Ao longo deste estudo foi possível constatar que o Brasil, em seu processo de construção,
implantação, busca de consolidação e reformas da legislação e da justiça de menores recebeu influência
direta dos países do norte, em termos doutrinário, através de documentos internacionais como:
Declaração dos Direitos da Criança – 1959 (RIZZINI, 1995, 1997 e 2000); Convenção das Nações
Unidas sobre os Direitos da Criança – 1989; Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de
Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio). E, do debate em torno da elaboração das
Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riade) e das
Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade (GARCÍA MÉNDEZ
(2005, 2008); SARAIVA [s.d.:n.p.]).
Em relação aos modelos de intervenções da justiça de menores, o Brasil de 1927 aos dias atuais
adotou dois modelos de intervenções: proteção e justiça ou responsabilidade. O modelo de proteção
perdurou de 1927 a 1990, portanto, em torno de 63 anos de vigência. Durante esse período criou-se
duas leis embasada na ideologia protecional, o Código de Menores de 1927 e o Código de Menores de
1979 que vigorou até meados da década de 1990. Caracterizou-se pela criminalização e judicialização
das crianças e dos/as adolescentes em risco social e das em conflito com a lei, bem como, de seus
familiares. Já, o modelo de intervenção da justiça ou responsabilidade passou a vigorar no ordenamento
jurídico brasileiro, com a aprovação do Estatuto de 1990 aos dias atuais. Este modelo de intervenção
diferentemente da intervenção protecional separa as crianças em risco social ou perigo das que se
encontra em conflito com a lei. Descriminaliza e desjudicializa as crianças e os/as adolescentes em risco
social ou perigo e responsabiliza as em conflito com a lei, que deixam de ser objetos incapazes, e
passam a serem percebidas no plano ideológico como sujeito de direitos individuais e de deveres.
Constatou-se também, que o ECA deu continuidade uma das perspectivas do Código de
Menores de 1927 e do Código de Menores de 1979, a de tratar no mesmo instrumento normativo as
crianças e os/as adolescentes em risco social e as em conflito com a lei. Apesar de autores com García
Méndez (2005:[n.p.]) dizer que essa junção não afeta o conteúdo . Discorda-se por entender que essa
junção torna a lei genérica e obscura em alguns aspectos, tais como: dotações orçamentárias, atividades
realizadas pelos Conselhos Tutelares, etc. Porém, diferentemente das Leis de 1927 e de 1979, o ECA
trará soluções distintas para as crianças e adolescentes em perigo e as/os em conflito com a lei. As
primeiras serão desjudicializadas e descriminalizadas e passaram a ser atendidas pelas políticas sociais,
de instituições públicas governamentais e não-governamentais e pelos Conselhos Tutelares. Já, as em
conflito com a lei deixam de ser definidas com incapazes e passam a ser conceituadas como sujeito de
direitos em situação peculiar de desenvolvimento, e passam a responder pelos atos praticados através
da ideologia da justiça ou responsabilidade, ou direito penal mínimo, caracterizado pela garantia dos
direitos fundamentais de ampla defesa, garantia de comparecer em juízo e ser ouvido. Segundo essa

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doutrina trata-se de responsabiliza na perspectiva educativa para que perceba o ato cometido (GARCÍA
MÉNDEZ (2005, 2008); SARAIVA [s.d.:n.p.]; VÁZQUEZ GONZÁLEZ [s.d.:n.p.]).
Identificou-se ainda, em autores/as nacionais como: Barboza (2000); Pereira (2000); Vogel
(1995) certo tom apologético e descritivo ao escrever sobre o ECA, em especial, a ênfase dada às
categorias: proteção integral, melhor interesse da criança e sujeito de direitos, no entanto não
aprofundam o que significam essas categorias para a sociedade brasileira, uma vez que essas ideologias
foram gestadas e construídas nos países do norte e utilizadas para as reformas legislativas da justiça
menorista brasileira. Já outros autores nacionais e estrangeiros que estudam a justiça da infância e
juventude no Brasil - é o caso de Saraiva (s.d.) e García Méndez (1993, 2005 e 2008) - centram seus
estudos para revelar que o ECA rompe com a doutrina de proteção e instaura no Brasil a doutrina de
justiça ou responsabilidade, o que provoca a descriminalização e desjudicialização das crianças e dos/as
adolescentes em risco social ou perigo e a responsabilização dos/as adolescentes em conflito com a lei.
Portanto, as considerações aqui levantadas são ainda de caráter preliminar e pretende-se
aprofundá-las ao prosseguir a revisão da literatura e ao concluir e analisar a pesquisa empírica.

Referências
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As contribuições de Oliveira Vianna para a análise
da formação dos partidos políticos brasileiros

Felipe Fontana1
Carla Cristina Wrbieta Ferezin2

Introdução

C
ompreender o sentido da formação dos partidos políticos brasileiros foi uma tarefa realizada
por diferentes intelectuais de nosso país. Entram nesse registro a leitura e interpretação de
importantes pensadores, tais como Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho, Rachel
Meneguello e Bolivar Lamounier e Maria do Carmo Campello de Souza. No entanto, se as
problematizações destes estudiosos acerca da formação dos partidos políticos no Brasil são amplamente
discutidas, o mesmo não ocorre quando temos por horizonte as teorizações de Oliveira Vianna sobre
este tema. A questão fica ainda mais interessante quando verificamos alinhamentos significativos entre
as definições do intelectual fluminense sobre “a gênese dos partidos políticos” e as conceitualizações
dos autores supracitados, que dedicaram a compreensão desta temática.
Levando em consideração essa nossa percepção, este artigo, em um primeiro momento, versará
sobre as teorizações de Oliveira Vianna que estão vinculadas à constituição dos partidos políticos
brasileiros para, em uma segunda oportunidade, abordar algumas posições consagradas sobre esse tema
e compará-las com as elaborações teóricas do pensador niteroiense. Nesse sentido, discutiremos nesse
tópico a formação dos partidos políticos segundo a ótica de Oliveira Vianna. Para isso, abordaremos
duas obras clássicas do autor, Populações Meridionais do Brasil (1920) e Instituições Políticas Brasileiras (1949),
as quais nos permitirão captar a essência do pensamento de Vianna acerca da nossa constituição
cultural, social e política e a gênese do sistema político-partidário brasileiro.

A leitura de Oliveira Vianna sobre o Brasil: considerações sobre a formação do Brasil e seus
partidos políticos em Populações Meridionais do Brasil e Instituições Políticas Brasileiras
Populações Meridionais do Brasil é o estudo clássico de Oliveira Vianna que claramente possui a
intenção de deflagrar e constituir uma interpretação acerca da formação da sociedade brasileira e,
consequentemente, dos caracteres que a marcaram indelevelmente como um povo sui generis. Nesta
obra, o autor busca no Brasil Colônia as raízes e as razões pelas quais somos incapazes de atuar de
maneira impessoal no espaço público. Além disso, vemos neste estudo uma das primeiras utilizações da

1 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (PPG-
Pol/UFSCar). e-mail: buthjaum@yahoo.com.br.
2 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (PPG-

Pol/UFSCar). e-mail: carlaferezin@gmail.com.


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noção de patriarcalismo no Brasil. Tal noção perpassou e, discretamente, ainda perpassa uma gama
significativa de estudos brasileiros que buscam compreender a nossa formação, nossas especificidades
como povo, as peculiaridades de nossa vida pública e a lógica operante de nossas instituições políticas.
Um traço marcante do pensamento de Oliveira Vianna nessa obra é a necessidade de explicar o Brasil
não só por dimensões culturais, sociais e políticas. Para o autor, é de extrema importância compreender
o povo brasileiro levando em consideração a terra, a natureza, a morfologia e a geografia do espaço no
qual ele primeiramente habitou e se constituiu. Vianna demonstra o quão coercitivo se apresentou as
determinações morfológicas e geográficas no desenvolvimento da sociedade brasileira e,
principalmente, na formação de um tipo individual que carrega consigo algumas especificidades morais
e culturais.
Expondo sua leitura acerca da edificação da sociedade brasileira, Oliveira Vianna revela: “De
um modo geral, contemplando em conjunto a nossa vasta sociedade rural, o traço mais impressionante
a fixar, e que nos fere mais de pronto a retina, é a desmedida amplitude territorial dos domínios
agrícolas e pastoris” (VIANNA, 1938, p. 147). A análise do Brasil Colônia feita pelo sociólogo
brasileiro nos ajuda a perceber uma relação de continuidade existente entre as formas morfológicas
brasileiras e o tipo de atividade econômica presente na colônia: “Essa excessiva latitude dos domínios
rurais é, em parte, imposta pela natureza das culturas. O pastoreio, a lavoura de cana e a lavoura de café
exigem, para serem eficientes, grandes extensões de terrenos” (VIANNA, 1938, p. 148). Dessa forma,
para o autor, cria-se no Brasil um tipo específico de sociedade, a qual tem como eixo condutor o
latifúndio: “Dispersos e isolados na sua desmedida enormidade territorial, os domínios fazendeiros são
forçados a viver por si mesmos, de si mesmos e para si mesmos” (VIANNA, 1938, p. 150). A questão
do latifúndio é central no pensamento de Vianna, tanto que em Instituições Políticas Brasileiras, o autor
retoma esta temática, ressaltando o quanto a distribuição de terras em sesmarias nos inclinou a um
antiurbanismo. Pode-se dizer, segundo Vianna, que o absenteísmo urbano é uma lógica da formação
social brasileira.
No Brasil Colonial, segundo Oliveira Vianna, há uma autonomia exagerada do latifúndio que,
por sua vez, impede que o país caminhe rumo à urbanização, modernidade e ao desenvolvimento. Aqui,
em um dado momento da colonização, diferentemente de outras colônias, a retirada de riquezas feita
pela Metrópole era efetivada através da exploração da terra, dessa maneira, os investimentos nacionais
ligavam-se exclusivamente com o desenvolvimento dos latifúndios e das atividades rurais. Assim, a
sociedade colonial brasileira é caracterizada por ter profundas raízes rurais, as quais dificultaram
fortemente a edificação de nossos conglomerados citadinos, zonas urbanas ou cidades3. Desta forma,

3 Na obra Instituições Políticas Brasileiras, Vianna nos remete ao fato de que os núcleos urbanos eram criados mediante
ordem da Metrópole e o povo não tinha participação no movimento de criação destes espaços. Nestas vilas urbanas eram
“convocados” a viver sob o jugo de um capitão povoador todos aqueles que vivessem errantes, que não tivessem domicílio
e que não fossem úteis à República (VIANNA, 1999). Vivendo sob a coação de castigos severos, os indivíduos evadiam-se

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adverti-nos o autor, os grupos sociais presentes nas cidades estariam presos ao poder dos latifundiários,
não possuindo assim, um “espírito corporativo”, o que constitui uma problemática, pois, não há a
construção de corporações com uma “solidariedade moral”.
Em Instituições Políticas Brasileiras, Vianna prossegue sua análise sobre como o tipo de
colonização portuguesa (a qual estimulava a dispersão da massa colonizadora) projetou a população
brasileira para o sertão, criando o que pensador fluminense denominou como “complexo sertanejo”, o
qual pode ser explicado como o gosto do brasileiro pelo insulamento. O “homo colonialis”, amante da
solidão e do deserto, é consequentemente predisposto ao individualismo, não senti a necessidade de
vivência em comunidade, não é um homem “socializado” ou “solidarista”. Neste ponto, surge uma
indagação: como esta formação social e econômica do nosso povo – imposta pela Coroa Portuguesa –
baseada em um extremo individualismo familiar, poderia formar as estruturas de uma solidariedade
social? Oliveira Vianna, em seu diagnóstico realista da sociedade brasileira, aponta-nos uma resposta:
Não se poderia preparar condições mais desfavoráveis à gênese dos grêmios locais e
ao florescimento do espírito municipal. No ponto de vista culturalístico, o nosso povo
é, por isso, sob o aspecto de solidariedade social, absolutamente negativo. Os
pequenos traços de solidarismo local, que nele encontramos, são tenuíssimos, sem
nenhuma significação geral: práticas de “mutirão”, “rodeio” – e quase nada mais. Isto
no que toca com as relações sociais privadas (VIANNA, 1999, p. 141).

A autossuficiência dos latifúndios brasileiros gerou uma série de problemas para o


desenvolvimento do país e para a aplicabilidade das leis inerentes à nação, basicamente, o Estado
Brasileiro não estava presente no interior dos latifúndios. Nesse espaço, a aplicabilidade das leis era feita
pelo senhor de terras, dono do latifúndio e patriarca. Reside nesta análise de Oliveira Vianna a
afirmação de que na sociedade colonial brasileira a obediência é dirigida ao senhor de terras, e não às
instituições ou aos líderes ligados ao Estado.
O povo brasileiro só organiza aquela solidariedade que lhe era estritamente necessária
e útil: – a solidariedade do clã rural em torno do grande senhor de terras. Todas essas
outras formas de solidariedade social e política – os ‘partidos’, as ‘seitas’, as
‘corporações’, os ‘sindicatos’, as ‘associações’ (...) – são, entre nós, ou meras entidades
artificiais e exógenas, ou simples aspirações doutrinárias, sem realidade efetiva na
psicologia subconsciente do povo (VIANNA, 2005, p. 345).

O diagnóstico de Oliveira Vianna é relevante para entendermos aquilo que o autor denomina
espírito de clã4. Conceito que sintetiza um modo de agir por parte dos brasileiros, modo esse que se
vincula a uma desobediência e infidelidade para com as leis e regimentos inerentes à vida pública em
detrimento de relações de compadrio oriundas da vida particular e privada5:

destas povoações, na ausência do capitão fundador, e regressavam aos seus locais de origem. Aqui se pode notar mais um
motivo para que se formasse um “complexo sertanejo” na sociedade brasileira.
4 O espírito de clã é uma ideia essencial para compreender a formação dos partidos políticos brasileiros. Deter-nos-emos

com mais profundidade nesta questão no decorrer do texto.


5 Nota-se aí, no pensamento de Oliveira Vianna, a origem da simbiose clássica que nos define, a indistinção entre a vida

pública e a vida privada.

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O regime de clã, como base da nossa organização social, é um fato inevitável entre
nós, como se vê, dada a inexistência, ou a insuficiência de instituições sociais tutelares
e a extrema miserabilidade de nossas classes inferiores (...). O espírito de clã torna-se
assim um dos atributos mais característicos das nossas classes populares [...] O nosso
homem do povo, o nosso campônio é essencialmente o homem de clã, o homem da
caravana, o homem que procura um chefe [...] (VIANNA, 2005, p. 225-226).

Para Vianna, o espírito de clã só se constituiu graças ao desmedido poder exercido pelo senhor
de terras e patriarca no interior dos latifúndios. Levando isso em consideração, o intelectual brasileiro
explica como se estabeleceu o exacerbado poder do senhor de terras, e é nesse momento que ele
articula aos seus escritos, em Populações Meridionais do Brasil, o conceito de patriarcalismo6. Tal conceito
tem como objetivo deflagrar a formação familiar, ou, o tipo familiar que predominou no Brasil Colônia.
Em História Social da Economia Capitalista no Brasil (1952) – obra na qual Oliveira Vianna retoma
importantes questões de seu primeiro e mais relevante estudo – o autor nota que tal traço marcante da
cultura brasileira é recorrente e visivelmente perceptível em nossa nação:
O patriarcalismo pan-agrário do período colonial e imperial ainda está muito
entranhado na mentalidade do homem paulista, para que pudesse ser eliminado por
uma simples ação seletiva destes apenas trinta anos de supercapitalismo industrial,
ainda sem grande generalização, nem penetração. Estes velhos traços pré-capitalistas
subsistem visivelmente neste grande centro do nosso industrialismo, que é São Paulo
(VIANNA, 1987b, p. 138).

A exposição destas ideias inerentes à obra Populações Meridionais do Brasil é relevante para
compreendermos o paradigma analítico e interpretativo cunhado por Oliveira Vianna acerca da
realidade brasileira e de sua formação. O que notamos nessas leituras de Vianna é que elas convergem
para o entendimento da problemática inerente a nossa vida pública, ou seja, é por motivos específicos
(herança rural, espírito de clã e patriarcalismo) que possuímos uma extrema dificuldade de respeitar leis
abstratas e atuar de modo impessoal em meio aos espaços públicos e a vida pública. Em Instituições
Políticas Brasileiras, última obra publicada em vida por Oliveira Vianna, o pensador brasileiro recupera
boa parte de suas argumentações, presentes em Populações Meridionais do Brasil. A partir deste momento,
interessa-nos vincular o “diagnóstico do Brasil” realizado por Vianna em Populações Meridionais do Brasil à
gênese dos partidos políticos de nosso país, relatada em Instituições Políticas Brasileiras. Tentaremos
demonstrar como a “herança colonial” brasileira influenciou sobremaneira na criação e
desenvolvimento dos partidos políticos aqui existentes.

6 Em Populações Meridionais do Brasil, Oliveira Vianna articula em diversos momentos o conceito de patriarcado às suas
explicações sobre a formação da sociedade brasileira. Como veremos na próxima citação, para Vianna, a figura do patriarca
determina diversas dimensões da vida social na Colônia: “É imensa a ação educadora do pater-famílias sobre os filhos,
parentes e agregados, adscritos ao seu poder. É o pater-famílias que, por exemplo, dá noivo às filhas, escolhendo-o segundo
as conveniências da posição e da fortuna. Ele é quem consente no casamento do filho, embora já em maioridade. Ele é
quem lhe determina a profissão, ou lhe destina uma função na economia da fazenda. Ele é quem instala na sua vizinhança os
domínios dos filhos casados, e nunca deixa de exercer sobre eles a sua absoluta ascendência patriarcal” (VIANNA, 2005, p.
100).

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Antes de tratarmos essencialmente sobre a gênese dos partidos políticos brasileiros, na visão de
Oliveira Vianna, cabe uma ressalva. Como é sabido, o estudioso niteroiense possui uma importante
obra que trata do período no qual nossos primeiros partidos políticos se edificaram e se formalizaram,
tal estudo é denominado O Ocaso do Império (1925). Neste trabalho encontramos uma análise profunda
do pensador fluminense sobre o Brasil Imperial, no qual evidenciou a dinâmica social e política desse
momento da História brasileira e as principais causas que excitaram a queda do Império Brasileiro.
Contudo, não há nesse trabalho, assim como há em Instituições Políticas Brasileiras, um capítulo dedicado
exclusivamente ao entendimento da gênese de nossos partidos políticos. De acordo com nossa leitura,
o intelectual brasileiro trabalhou com uma interpretação pronta acerca da composição social de nossos
primeiros partidos políticos, sem se preocupar necessariamente com a especificidade da formação dos
mesmos. Esta preocupação, como nós vimos, só foi resolvida em 1949, com a confecção e publicação
de Instituições Políticas Brasileiras. No entanto, algumas passagens de O Ocaso do Império já adiantavam, em
grande medida, a leitura de Oliveira Vianna a respeito da constituição dos primeiros partidos políticos
brasileiros. É o que vemos, por exemplos, na seguinte passagem:
Porque os partidos políticos do Império, imponentes embora pela sua massa, não
tinham propriamente uma opinião; eram simples agregados de clãs, organizados para a
exploração em comum das vantagens do poder. Certo, houve aqui uma fase em que os
partidos tiveram verdadeiramente uma opinião: foi o período da Independência, do 1º
Reinado e da Regência. Depois dessa grande fase histórica, pode-se afirmar com
fundamento que os partidos políticos não representavam realmente correntes de
opinião; os programas que ostentavam eram, na verdade, simples rótulos, sem outra
significação que a de rótulos (VIANNA, 2004, p. 34).

E ainda:
Em nosso País, com efeito, os partidos não disputam o poder para realizar idéias; o
poder é disputado pelos proventos que concede aos políticos e aos seus clãs. Há os
proventos morais, que sempre dá a posse da autoridade; mas há também os proventos
materiais, que essa posse também dá. Entre nós a política é, antes de tudo, um meio
de vida: vive-se do Estado, como se vive da lavoura, do comércio e da indústria – e
todos acham infinitamente mais doce viver do Estado do que de outra coisa
(VIANNA, 2004, p. 45).

Compreender a formação dos partidos políticos no Brasil, para Vianna, requer uma análise
meticulosa do regime municipalista da Colônia, a partir da qual possamos entender o que significava
povo e delimitar o seu papel como força democrática e governante (VIANNA, 1999). Nesta apreciação,
Vianna explicita veementemente que havia uma ausência completa do povo-massa nas frágeis
instituições municipais criadas pela Metrópole. No período colonial, só uma pequena parcela da
população participava da vida política do país, os “homens bons” (nobres de linhagem) e os “homens
novos” (burgueses que enriqueceram através do comércio). Era esta pequena aristocracia (composta,
sobretudo, por proprietários rurais e comerciantes ricos) que governava no período colonial do Brasil.
O povo-massa não tinha nenhum tipo de expressão no jogo político daqueles tempos, não tinha direito
de eleitor e muito menos de representante. Ou seja, o povo não tinha significado e papel no Brasil

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Colônia. Tal constatação é elucidada por um fator aqui já debatido e que devemos considerar essencial
no pensamento de Oliveira Vianna: a questão do poder centralizador condicionado pelo latifúndio.
A colonização portuguesa fundamentada na distribuição de terras em sesmarias individualistas
(ao contrário da colonização espanhola, a qual pressupunha propriedade comunitária da terra e uma
economia coletiva da produção baseado, principalmente, na agricultura e pastoreio) não permitiu que se
forjasse no Brasil um espírito público e uma aptidão à vida democrática, visto nas aldeias primitivas (pueblo), à
maneira ibérica (VIANNA, 1999). Ao se pautar na interpretação de Vianna, percebemos que
diferentemente de alguns países da Europa, no Brasil, as raízes culturais de nossa vida pública são
outras e excluem radicalmente uma vida política pautada em princípios democráticos (não tivemos
registrado em nossa história ou memória, por exemplo, uma experiência de participação tal qual a dos
Estados-aldeias). Para Oliveira Vianna, a Europa passou por uma formação e desenvolvimento dos
Estados, com quatro fases distintas e, ao mesmo tempo, semelhantes entre si. No Brasil, no entanto,
desconhecemos as primeiras fases (Estados-aldeias e Estados-cidades), as quais seriam responsáveis por
incutir no povo um ideal democrático. Abaixo, dispomos um quadro explicativo com as evoluções do
Estado.

Figura 1 – Fases de evolução do Estado na concepção de Oliveira Vianna.

Segundo Oliveira Vianna, um Estado-Nação – de base democrática – pós Revolução Francesa –


só pôde existir graças a uma herança histórica que possibilitou a emergência de um sistema de governo
como esse. Afinal, ele traz consigo uma herança deixada pela já experimentada organização do Estado-
aldeia, o qual, por sua vez, era pautado pela soberania do povo (participação direta) e, ao mesmo
tempo, possui o legado deixado pelo Estado-Império, qual seja: a estrutura administrativa vinculada a
uma mesma base territorial. Acerca desta questão, a próxima citação de Vianna é bastante elucidativa:
Este Estado-Nação é de base democrática e, não obstante a sua origem revolucionária e
ideológica, não é, entretanto, uma criação plutônica, eruptiva, que rompesse
bruscamente as formas políticas anteriores. Mantêm, ao contrário, afinidades com os
dois tipos de estado – com o Estado-aldeia e com o Estado-Império, que o
antecederam. Com o Estado-aldeia: - porque a investidura nos cargos públicos provém
da eleição e do voto popular: o soberano é o povo – e não mais o Rei. Com o Estado-
Império – porque a estrutura administrativa é a mesma deste, e a mesma, em regra, a base
territorial (VIANNA, 1999, p. 124) (Grifos do Autor).

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Considerando a leitura de Oliveira Vianna, notamos que a partir da Lei de 21 de outubro de


1821, emergiu no Brasil, repentinamente, um regime democrático para o qual o povo-massa não estava
preparado, pois não possuía determinados “requisitos” para vivenciar este novo momento, a saber: não
apresentava os modos costumeiros de vivência política e nem as tradições sociais (cultura) pertinentes ao
padrão democrático (VIANNA, 1999). Ou seja, chegamos ao estágio do Estado-Nação sem um
“complexo democrático nacional” necessário para que a democracia efetivamente funcionasse. Neste
ponto é vital entender as noções de Direito Costumeiro e de Direto Constitucional, tão debatidas por
Oliveira Vianna. O primeiro está estreitamente vinculado com os costumes, tradições, representações e
regras coletivas, criadas e experimentadas cotidianamente pelo povo-massa. Já o segundo, foi criado e
desenvolvido por nossas elites sem levar em consideração aquilo que realmente somos.
O Direito Costumeiro, para Vianna, tem mais força que o Constitucional por estar
intimamente ligado com os modos de agir, sentir e pensar de um determinado povo (ou seja, sua
cultura)7. Este vínculo tão caro à Vianna é, segundo ele, negado pelos nossos juristas no momento em
que estes comentam ou edificam leis para o Brasil. A não conexão entre as especificidades culturais de
um povo e a forma das leis, assim como a problemática circunscrita à importação de “complexos
culturais”, será a base da justificativa do intelectual fluminense acerca da não predisposição da
sociedade brasileira a formas democráticas de governo. Além disso, o pensador recorrerá ao estudo do
desenvolvimento histórico de outras sociedades para afirmar que apenas alguns processos específicos
de formação levam à conformação de sociedades democráticas (o Brasil, obviamente, não seria um
desses agrupamentos sociais).
A permanência do Direito Público Costumeiro na sociedade brasileira é garantida por sua
capacidade de introdução e propagação nas instituições políticas, sobretudo, em nível municipal, local
em que o espírito de clã ainda se faz muito presente. Um aspecto claro desta afirmação nos é
apresentado na constituição dos partidos políticos no Brasil, a qual está firmemente atrelada ao espírito
de clãs e, consequentemente, a conservação do Direito Público Costumeiro. Oliveira Vianna enfatiza
que os partidos locais (os partidos dos “coronéis”) surgidos no período colonial – os quais ele
denomina clãs eleitorais – são as “células originárias” do Direito Costumeiro. No entanto, estas
instituições locais não podem ser entendidas sem aludirmos ao seu momento de concepção, quando se
uniram o clã feudal e parental em torno, exclusivamente, de fins políticos e eleitorais8.

7 Segundo Vianna, o Direito Público Costumeiro pode ser classificado, em suas diversas manifestações, em três ordens de
fenômenos ou fatos: tipos sociais, instituições sociais e usos e costumes: “Como quer que sejam, instituições, e tipos, e usos,
e costumes, tudo isso constitui, no seu todo, uma trama de fatos interdependentes que tem uma explicação histórica e uma
razão científica de ser” (VIANNA, 1999, p. 192).
8 Vianna destaca que se fizéssemos uma análise minuciosa da estrutura dos grandes partidos existentes no Império e na

República, notaríamos que os mesmos carregam em suas raízes várias características dos clãs eleitorais: “Este grandes
partidos – se porventura os submetermos a uma análise sociométrica da sua estrutura, decompondo-o nos seus elementos
celulares – verificamos que todos eles se reduzem a estas unidades primárias. Microorganizações de tipo exclusivamente
personalista, nelas vemos agrupada e arregimentada a população rural ou um importante comerciante, hoje, e, na Monarquia,

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Do século I até o século III podemos analisar o poder e a influência do senhor de terras através
de dois organismos centrais: o clã feudal e o clã parental. O primeiro tipo de clã é constituído por
determinada parcela da população, vivente sob o domínio do senhor-de-engenho, a qual esteve
agregada para dois fins distintos9: defender materialmente o feudo de ameaças externas e garantir o
prestígio de seu senhor na vida pública, tornando-o, desta forma, extremamente importante e atuante
diante das instituições políticas locais. Ou seja, o clã feudal era uma “peça” fundamental da estrutura do
“complexo do feudo”, pois por meio de uma aparelhagem eficiente de defesa e ataque em prol da
manutenção dos latifúndios, proporcionava, ainda, ao senhor-de-engenho e sua família uma autoridade
sem igual perante até mesmo os comandos da Coroa. Neste momento e nesta organização notamos o
desenvolvimento dos primeiros elementos (tipos sociais, instituições sociais e usos e costumes) de
nosso Direito Público Costumeiro, os quais posteriormente alastraram-se por nossas instituições
políticas. Cabe, no entanto, destacar que o Direito Costumeiro do clã feudal está vinculado,
primordialmente, ao povo-massa e as condições existenciais impostas pelo latifúndio. Relacionado a
isto, também se destaca o tipo de solidariedade criada pela elite rural: o clã parental que, por sua vez,
congrega uma série de valores e modos de agir que influem diretamente em nosso Direito Costumeiro e
em nossa vida pública.
O clã parental é uma organização aristocrática, própria da família senhorial brasileira. Os clãs
parentais se reuniram e desenvolveram a partir da necessidade de defesa da propriedade territorial,
contra os índios, os quilombolas, outras famílias senhoriais e, posteriormente, em lutas eleitorais. Como
o clã parental não possuía uma organização legal e nem religiosa, só era possível observar a sua unidade
moral e sua solidariedade parental nestas situações adversas, no entanto, isso não significa dizer que tal
organismo não era assaz influente (VIANNA, 1999)10. Oliveira Vianna, nota em sua análise sobre os
clãs parentais, a importância desta associação enquanto agente ativo do nosso Direito Público
Costumeiro, visto que “em torno deste grupo desde o século I, instituições sociais se constituíram

um “senhor-de-engenho”, grande proprietário de fazendas de café ou de açúcar – coronel, comendador ou barão”


(VIANNA, 1999, p. 195).
9 Vianna assim definiu os participantes do clã feudal, apontando a sua evolução histórica: “É esta sua parte humana,

composta dos elementos mais combativos ou mais leais ao proprietário, todos residentes dentro das suas demarcações; é,
em suma, a sua população masculina, em idade viril e dotada de capacidade de luta, que vamos estudar. Uma pequena
fração, que representa talvez um quinto ou um décimo da população dos seus moradores – uma manipula apenas, mas ativa,
varonil, combativa, dotada do sentimento da sua pequena comunidade territorial e, principalmente, do espírito de fidelidade
ao senhor do feudo, e por ele disciplinada e armada – primeiro, para fins de guerra material com o senhor vizinho, ou o
índio rebelde, ou o quilombola minaz, ou o flibusteiro improviso – e isto nos séculos I, II e III; depois, para fins de luta
política eleitoral – e isto já século IV, com a formação dos partidos e o advento do regime democrático” (VIANNA, 1999,
p. 200-201).
10 Segue uma descrição resumida do clã parental, nas palavras de Vianna, para que possamos ter ideia da estrutura deste

grupo e seus principais elementos formadores: “Esses clãs familiares tinham uma base de consanguinidade, no início.
Consanguinidade pura e exclusiva. Depois, ampliaram-se com outros elementos, advindos do parentesco religioso –
contribuição fatal e inevitável, trazida pela tradição católica – do batismo, da crisma e do casamento. Esta tradição gerou a
importante instituição do ‘compadrio’, donde saiu o tipo social do ‘padrinho’: – padrinho de casamento, padrinho de crisma,
padrinho de batismo. Constitui uma sorte de agnação, de base religiosa: – e é a fonte que mais elementos traz aos clãs
parentais. Os ‘compadres’ e ‘afilhados’ formam uma classe adjetiva, de cuja importância enorme nos disse Burton, numa
página notável de observação dos nossos costumes rurais; e também Koster e Eschwege” (VIANNA, 1999, p. 243).

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solidamente – algumas, às vezes, de grande repercussão política” (VIANNA, 1999, p. 226). As


poderosas organizações parentais, amparadas sobre os seus clãs feudais, passaram os três séculos
coloniais atuando decisivamente na administração pública e na atividade desenvolvida pelos partidos,
ou seja, não podemos entender a dinâmica política do período colonial sem remontarmos ao conceito
de espírito de clãs de Oliveira Vianna.
A partir do ano de 1821, com a instituição do sufrágio universal, notamos o “ajuntamento”
destes dois clãs em uma singular organização: o clã eleitoral11. Notamos neste ínterim a transmissão e
importação destes costumes e tradições coloniais presentes em nossos clãs feudais e parentais para
nossa democracia pós Independência. Nesta sociedade aristocrática, dominada pelo espírito dos clãs,
veremos a institucionalização da democracia e do sufrágio universal, fato que constituiu para Oliveira
Vianna uma inconsistência, já que não se configurou nenhuma transformação efetiva na estrutura da
sociedade, e, muito menos, mudanças nas condições reais de sua cultura política (VIANNA, 1999).
Assim, o espírito de clã invadiu naturalmente as instituições políticas democráticas após a
Independência de 1822. Os senhores rurais, tão dissociados e autônomos, estavam agora unidos –
solidarizados, nos termos de Vianna – em dois grupos maciços, que possuía cada um, determinado
chefe com amplo poder local. Tais latifundiários estavam agora agregados em torno de dois grupos
(não existentes anteriormente) e que congregavam uma legenda e uma bandeira: o partido dos
Conservadores e o partido dos Liberais. A seguir, apresentamos um diagrama com as principais
características formadoras dos clãs feudais, parentais e eleitorais.

Figura 2 – Características constitutivas dos clãs feudais, parentais e eleitorais.

11 O clã eleitoral possui a mesma estrutura, composição e finalidade dos clãs feudais e parentais. Possuíam, no entanto, uma
base geográfica mais ampla, visto que compreendia todo o município. Acerca da constituição dos clãs eleitorais pautada na
união dos clãs feudais e parentais, Oliveira Vianna afirma: “Houve então qualquer cousa de novo: houve evidentemente um
sincretismo. Estes clãs feudais e parentais – até então dissociados – foram levados, claramente, à solidariedade e à
cooperação. Uma força, um motivo poderoso os arrancou da sua tradicional insolidariedade e os unificou em dois grandes
grupos, em duas grandes associações. [Conservadores e Liberais] Este movimento, que levou estes clãs à solidariedade, de
que natureza é? (...) Era de ordem política, essa solidarização, este entendimento, esta associação, este sincretismo, que se
processara entre eles, era puramente político – porque tinha fins exclusivamente eleitorais” (VIANNA, 1999, p. 258).

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As organizações (clãs feudais e parentais) que deram origem aos clãs eleitorais não se
conformaram através de um sentimento de solidariedade social e cooperação entre os homens, mas sim
com fins exclusivamente políticos e eleitorais. Com o Código do Processo de 1832, os senhores rurais
viram-se obrigados a eleger as autoridades locais e, tais cargos eram relevantes para a manutenção do
prestígio dos proprietários de terras. Portanto, os senhores de terra uniram-se, constituindo pequenas
organizações locais, de âmbito municipal, os partidos (VIANNA, 1999). Mas, já em 1889, obervamos a
concentração nacional dos clãs eleitorais. A partir deste momento, notamos a ânsia do Centro para
congregar os clãs eleitorais sob o poder de um dos grandes partidos nacionais, os mencionados
Conservadores e Liberais. Aqui se destaca a figura do Governador, o qual era o mediador das relações
entre o município e o Centro, e também um protetor dos senhores rurais mais ricos e importantes12. Na
análise de Vianna:
Jogando com estes poderes invencíveis que o Centro lhes concedia, os Governadores
adquiriram sobre os clãs senhoriais um poder de aliciamento enorme e os iam
enquadrando dentro das grandes formações dos Partidos Nacionais, que se haviam
constituído na Corte. Eram as autoridades policiais, saídas da designação do
Governador (delegados, subdelegados, inspetores de quarteirão) que realizavam, em
obediência às ordens dele, esse trabalho de aliciamento e compressão nas localidades,
termos e distritos (VIANNA, 1999, p. 260-261).

Notamos que a construção de um aparelhamento partidário das massas rurais – ideia oriunda da
instalação do regime democrático no Brasil – era uma concepção não proveniente dos meios
municipais, mas sim uma implicação exógena, a qual buscava somente atender a um imperativo
político-administrativo: necessidade de conceber, por via eletiva, o Governo provincial e o Governo
nacional (VIANNA, 1999)13. Diante deste cenário, observamos o povo-massa surgir como um fator
determinante, mediante o critério majoritário posto nas eleições. Contudo, não idealizemos que o povo-
massa teve a partir de então uma participação efetiva na vida política do Brasil. Ao contrário, houve
uma exclusão total do povo-massa dessa nova experiência política, dada pela inserção do regime
democrático e do Estado-Nação. Pode-se dizer que o povo-massa passou a ser “massa de manobra”

12 O Governador era também o responsável por indicar os nomes dos beneficiários para os postos da Guarda Nacional,
instituição ímpar quanto à constituição dos clãs eleitorais. A Guarda Nacional reunia uma massa de indivíduos mais ou
menos influentes na vida pública, os quais se agrupavam, em regra, no partido do comandante, acrescendo o clã eleitoral
deste. Vianna nos destaca que era esta a função política da Guarda Nacional: “permitir ao senhor mais rico ou mais
poderoso (pela proteção que lhe dispensava o Governador, concedendo-lhe o recrutamento, a polícia civil e a militar, a
câmara municipal com os seus almotacéis) impor-se aos demais clãs feudais e senhoriais pelo princípio da disciplina e
obediência militar e também por esse aliciamento espontâneo, que o comando militarizado naturalmente suscita”
(VIANNA, 1999, p. 262-263). Retomaremos a importância desta instituição durante a análise acerca do pensamento de
Victor Nunes Leal.
13 Oliveira Vianna ressalta que o movimento de organização partidária surgiu a partir do Centro, em razão de uma ideologia

que não era nossa, mas que havia sido importada da Europa. Sobre isso, o autor afirma: “Este é o mecanismo do
funcionamento dos partidos no Brasil, considerados do ângulo da sua significação local. Como se vê, o movimento
sincretista, que observamos, depois de 1822, da parte dos nossos clãs senhoriais, em que vemos a nossa população rural
aparecer toda dividida em dois partidos nacionais; esse movimento sincretista não teve nenhuma razão de ser local: era de
pura proveniência exógena. Partiu do Centro, em obediência a uma ideologia que, por sua vez, não era nossa - que nos vinha
da Europa. Refletiu-se na sociedade rural pela criação de uma nova instituição social, que o período colonial não conheceu: -
o clã eleitoral” (VIANNA, 1999, p. 268).

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para os poderosos latifundiários e outros integrantes da elite brasileira, como nos demonstra Vianna:
“... o povo-massa só acorria às urnas tangido – como um rebanho de ovelhas – pelos grandes senhores
de clãs parentais, pelos poderosos latifundiários do café e do açúcar, associados aos ricos magnatas que
faziam, nas cidades, o grande comércio” (VIANNA, 1999, p. 165).
Arremetidos de modo repentino a um novo sistema político – ao qual nunca haviam tido
contato– os clãs rurais arrastaram as particularidades de sua formação social para a vida pública. Mais
um episódio pode comprovar esta afirmação, segundo Vianna, o comportamento do povo-massa nos
comícios eleitorais, nas eleições. No período imperial, distintamente do período colonial, os comícios
passaram a ter um traço de violência, pois os “capangas” senhoriais, antes protetores dos domínios
feudais, passam a ter o dever de proteger os interesses de seus senhores nas eleições, provocando
diversos tumultos e quebramentos de urnas. Ou seja, os comícios eleitorais e o exercício do sufrágio
colocavam em evidência as raízes clânicas de nossa sociedade, e ao mesmo tempo, introduziam um
novo espaço para o confronto de desavenças entre os senhores de terra. Em relação a tal questão,
Oliveira Vianna afirma:
Ora, é desta massa que se fez - e se faz - o eleitorado rural brasileiro, que é o eleitorado
que elege de fato, porque é a maioria. O "eleitor de cabresto" está logicamente
enquadrado dentro desta tradição cultural do nosso direito público costumeiro: sai dela
como o fruto de uma flor. Nem é de surpreender que ele surgisse no IV século: é o
mesmo membro componente do clã feudal que vemos se constituir nos três
primeiros séculos coloniais, servindo ao domínio noutra função. Deriva, como vimos
em capítulo anterior, da proteção que as nossas populações rurais, os homens-sem-terra,
recebiam da parte dos grandes senhores latifundiários, no correr do período colonial:
proteção contra o assalto do índio, ou do flibusteiro, ou do quilombola, ou do senhor
convizinho, "potentado" ou "régulo"; ou, no Império, contra o "delegado nosso", isto é,
a polícia partidarizada ou clanificada. Esta proteção dispensada aos moradores do seu
domínio pelo senhor territorial, perdeu decerto, mais tarde, a urgência primitiva e
esta materialidade que, nos tempos coloniais, mais desguarnecidos e
desamparados, revela; mas, o seu traço ficou nos costumes: -- e se foi transmitindo pela
hereditariedade social (cultura). E, ainda hoje, o encontramos vivo e atuante, embora já
sem aquele caráter imperativo e generalizado que exibia nos antigos tempos (VIANNA,
1999, p. 283).

As características de privatismo e personalismo, típicas dos aparelhos eleitorais dos municípios,


se dissiparam pelas estruturas dos governos provinciais e nacional. Ou seja, as “heranças” do Brasil
Colônia não permaneceram somente na esfera local, irradiou-se por todo o Brasil, causando uma
degeneração do Estado-Nação e, consequentemente, de toda sua estrutura política. A análise de
Oliveira Vianna sobre a constituição dos partidos políticos no Brasil, partindo de uma esfera local, nos
remete a um diagnóstico sobre a impossibilidade de se pensar no Brasil a fomentação de um espírito
democrático fundado no costume, na cultura e na tradição. A colonização predatória realizada no Brasil
impossibilitou o surgimento de uma solidariedade social entre os nossos povos e, propiciou o cenário
adequado para a constituição de instituições movidas por interesses individualistas e não por interesses
coletivos, como pressupõe um Estado-Nacão, de base democrática. Nesse sentido, não é errado afirma
que, segundo Oliveira Vianna, nossos partidos políticos surgem clivados pelas especificidades de nossa

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formação cultural, social e política. Destaca-se em meio a estas peculiaridades, a nossa não
predisposição para lidar com dadas instituições democráticas e determinados tipos de participação, os
quais, necessariamente, primam pelos interesses coletivos em detrimento das vontades e dos benefícios
privados.
Até o momento apresentamos uma visão geral da leitura de Oliveira Vianna acerca da formação
dos partidos políticos brasileiros. Ao realizar tal tarefa, notamos que as teorizações do intelectual
fluminense se alinham, de maneira discreta ou contundente, a outras interpretações que tratam da
emergência dos partidos políticos no Brasil. Desta forma, realizaremos, no próximo tópico deste
trabalho, algumas comparações entre as ideias de Oliveira Vianna e as exposições de Victor Nunes Leal,
José Murilo de Carvalho, Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier e Maria do Carmo Campello de
Souza sobre a temática supracitada. O objetivo principal dessa atividade é verificar se há possíveis
continuidades das concepções de Oliveira Vianna acerca da constituição dos partidos políticos
brasileiros nos escritos destes importantes autores de nosso pensamento social e político.

Um balanço das distintas interpretações sobre a formação dos partidos políticos no Brasil:
uma pequena excursão em nosso pensamento social e político
Nesta parte do artigo estabeleceremos um diálogo entre as leituras de alguns importantes
estudiosos de nosso pensamento social e político acerca da emergência dos partidos políticos no Brasil,
cotejando-as com as interpretações de Oliveira Vianna sobre esse tema, aquelas já debatidas na primeira
parte deste trabalho. Para tanto, algumas ressalvas devem ser feitas para a compreensão do foco
analítico aqui adotado. A primeira vincula-se a especificidade do objeto pesquisado. Nesse sentido, é
válido ressaltar, mais uma vez, que nos interessa, sobretudo, as leituras de Victor Nunes Leal, José
Murilo de Carvalho, Maria do Carmo Campello de Souza, Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier, os
quais tratam diretamente da constituição dos partidos políticos brasileiros. Desta forma, não é nosso
foco as explicações dadas por esses pensadores acerca, por exemplo, da dinâmica social, cultural,
política e econômica na qual nossos primeiros partidos (o Partido Conservador e o Partido Liberal)
estavam inseridos durante o período do Império Brasileiro (1822-1889).
Vinculada de maneira profunda a essa questão, nossa outra ressalva liga-se às características dos
textos consultados. Segundo nossa percepção, é extremamente difícil apreender em meio aos trabalhos
dos autores selecionados uma leitura direta a respeito da gênese dos partidos políticos brasileiros. O
primeiro motivo para isso está no fato de que nem sempre esse tema se configura como o foco de
análise desses pensadores. Exceções à parte, notamos que para esses intelectuais a questão dos partidos
políticos é submetida a uma abordagem específica14: a necessidade de compreender as peculiaridades

14 Como é o caso de Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier no capítulo intitulado Esboço de Um Modelo, presente no
estudo Partidos Políticos e Consolidação Democrática: o Caso Brasileiro, onde encontramos um exame preciso e crítico de
uma dada literatura que versa sobre as origens de nossos partidos políticos.

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resultantes da interação de nossos partidos políticos com contextos específicos localizados na História
do Brasil15.
Por fim, é importante evidenciar que, em algumas de nossas leituras, verificamos que boa parte
da interpretação sobre a concepção dos partidos políticos brasileiros pode ser melhor entendida quando
revista a partir das ideias de alguns estudiosos atentos às dinâmicas eleitorais existentes no Brasil
Império e no Brasil República. Por vezes, ao passo que tratam das permissivas formas de recrutamento
eleitoral existentes no Brasil, tais pesquisadores, como Victor Nunes Leal, retomam dinâmicas sociais,
culturais, políticas e econômicas perceptíveis no Brasil Colonial/Latifundiário, para assim,
compreenderem profundamente tal fenômeno. Tais dinâmicas, ao passo que são remontadas nas
explicações desses autores se alinham, em nossa opinião, a elementos importantes informados por
Oliveira Vianna em sua análise da formação do Brasil e de seus partidos políticos.

Maria do Carmo Campello de Souza

Maria do Carmo Campello de Souza, no artigo denominado O Processo Político Partidário na


Primeira República, presente na obra Brasil em Perspectiva, organizada por Carlos Guilherme Mota, busca
analisar os partidos brasileiros e as especificidades de suas atuações e de suas composições durante
nossa Primeira República (1889-1930). No entanto, antes de adentrar efetivamente ao estudo desse
objeto, a pesquisadora faz um significativo recuo histórico ao Brasil anterior à Independência, para
assim, compreender as particularidades da gênese dos partidos políticos. O mais interessante é que
nesse momento a autora afirma que não fará uma leitura nova a respeito desta questão, mas sim
“atentar” para as descrições ou leituras já existentes:
Federalismo, presidencialismo e ampliação de regime representativo são as três grandes
coordenadas legais da Primeira República. Nossa análise irá se referir a elas, associadas
às características de uma estrutura econômica definida pela grande propriedade. Não
iremos, entretanto, nos deter na descrição sociológica do latifúndio, já por demais
conhecida. Bastará, para nosso propósito atentar nas linhas gerais do quadro econômico
do país (SOUZA, 1968, p. 163).

Ao pensar as particularidades do Brasil Colônia que influíram na constituição dos primeiros


partidos de nossa nação, Maria do Carmo Campello de Souza retoma a interpretação a respeito das
determinações dadas pelo sistema produtor e econômico baseado no latifúndio. Nesse sentido, a autora

15 Os textos por nós selecionados de José Murilo de Carvalho e de Maria do Carmo Campello de Souza são, por exemplo,
trabalhos com focos analíticos bem específicos. Nessa direção, é importante para Carvalho compreender a especificidade da
atuação e composição do Partido Conservador e do Partido Liberal durante o Império Brasileiro. Já a análise de Campello
de Souza tem como finalidade o entendimento do processo político partidário na Primeira República. No entanto, ambos os
autores fazem, nestes estudos, um recuo para compreender as origens sociais, políticas e econômicas de nossos partidos
políticos em períodos anteriores a Independência do Brasil (1822). E é justamente no momento em que fazem esse recuo
que nossa leitura se detém com mais afinco. Não para desconsiderar a importância do todo abordado por eles, mas sim para
comparar efetivamente o objeto por nós estudado à leitura que tais autores fazem do mesmo, ou seja, cotejar a interpretação
fornecida por Oliveira Vianna acerca da formação de nossos partidos políticos com os escritos desses importantes autores
de nosso pensamento social e político.

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remonta a leitura que ratifica a ideia de que no Brasil Colonial, agroexportador e com latifúndios
autossuficientes, a dinâmica existente impossibilitava a edificação de laços profundos que unissem o
país como um todo.
O Brasil, marcado pelas características de seu desenvolvimento como colônia
exportadora de matérias-primas, apresentava-se como um ajuntado de unidades
primário-exportadoras em vários estágios de evolução, dependente cada uma dos
embalos da demanda externa para a determinação de seu peso e importância na
economia do país. Cada unidade produtora atrelava-se ao mercado internacional,
indiferente à sorte das demais e independente delas. Quando o elo que as ligava – o
mercado nacional de escravos – se desfez, resultou o país composto de pequenas seções
justapostas, que conversavam entre si alguns frágeis vínculos, suficientes apenas para
que a nação não se desintegrasse totalmente. A Carta Constitucional Republicana parece
ter vindo propiciar os meios jurídicos para o funcionamento de uma estrutura que a
precedera historicamente (SOUZA, 1968, p. 164).

Na passagem acima, mesmo que a pensadora não cite Oliveira Vianna, e é valido lembrar que
no texto em si ela não referencia nenhum outro autor para respaldar tal afirmação, não podemos negar
que a interpretação posta resguarda importantes alinhamentos com as já debatidas ideias do pensador
fluminense acerca da formação do Brasil e, especificamente, de seus partidos políticos. O mais
interessante é notarmos que, para Maria do Carmo Campello de Souza, essa permissiva forma
organizacional da economia dada pelo latifúndio no Brasil Colônia se prolongará e proporcionará
reflexos negativos no Brasil Republicano. Ou seja, a dinâmica econômica do latifúndio e do Brasil
Colonial determinou, em certa medida, a condição de país exportador de matérias primas e produtos
agrícolas. Destaca-se, em meio a essa questão, segundo Campello de Souza, o problema da
diferenciação ideológica dos líderes dos partidos políticos que, na sua maioria, era composta pela elite
agrária existente no país:
Como a evolução do sistema industrial se fez nitidamente vinculada à economia
exportadora, surge como problema o estabelecimento de eventual diferenciação
ideológica entre os representantes. A análise da política republicana se torna mais
frutífera na medida em que se questiona a natureza e o significado dos laços de
solidariedade existentes entre a estrutura agrária e a urbana nascente (SOUZA, 1968, p.
165).

Ao sair da temática da constituição dos partidos políticos no Brasil e se voltar ao entendimento


das nossas primeiras dinâmicas eleitorais, notamos que Maria do Carmo Campello de Souza, ao tratar
do voto no Brasil Imperial e na Primeira República, constrói uma interpretação acerca do tema que
possui importantes alinhamentos com leituras clássicas sobre esta questão16. Destaca-se aqui, a escolha
feita por ela do conceito de coronelismo. Esta categoria, por sua vez, tem efetivos vínculos com a
definição dada por Victor Nunes Leal. Neste sentido, perceberemos que o sistema coronelista não pode
ser entendido sem levar em consideração constructos sociais, culturais, políticos e econômicos

16Segundo a intelectual brasileira, notamos: “A força da oligarquia estadual advinda do controle exercido sobre os grandes
coronéis municipais, condutores da massa eleitoral incapacidade e impotente para participar do processo político que lhes
fora aberto com o regime representativo imposto pela Constituição de 1891” (SOUZA, 1968, p. 185).

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anteriores à Primeira República, mais exatamente localizadas no Brasil Colonial/Latifundiário (SOUZA,


1968). Uma leitura mais detida do autor pode mostrar que os elementos constitutivos do coronelismo,
por sua vez, se alinham a determinadas leituras de Oliveira Vianna a respeito da formação do Brasil e de
seus partidos políticos.

Victor Nunes Leal

Em Coronelismo, Enxada e Voto, Victor Nunes Leal dedicou ampla análise sobre a situação
política brasileira na ocasião da Primeira República. Mais especificamente, Leal estava interessado em
compreender a dinâmica política e social do interior brasileiro, a qual estava baseada, sobretudo, em um
fenômeno que envolve um “complexo de características da política municipal”, o coronelismo17.
Acreditamos que a definição deste elemento típico da república oligárquica brasileira será mais fiel se
elucidada através das próprias palavras de Leal:
[...] concebemos o coronelismo como resultado da superposição de formas
desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada.
Não é, pois, mera sobrevivência do poder privado, cuja hipertrofia constituiu fenômeno
típico de nossa história colonial. É antes uma forma peculiar de manifestação do poder
privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e
exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa
base representativa (LEAL, 1997, p. 40-41).

O coronelismo nada mais é do que uma troca de proveitos entre o poder público cada vez mais
fortalecido e, os chefes locais que experimentavam progressivamente o declínio de seu controle social
(LEAL, 1997)18. É essencial observar, no entanto, que o coronelismo não pode ser compreendido caso
não façamos menção a nossa estrutura agrária, pois é esta que ainda provê a manutenção do poder
privado no interior do Brasil. Os coronéis sustentam o seu poder devido a sua distinta posição de
proprietário rural, a qual a delega automaticamente a um posto superior entre a massa do interior. Estes

17 Em uma nota escrita pelo historiador Basílio de Magalhães a pedido de Victor Nunes Leal, Magalhães destacou a
importância da Guarda Nacional no processo de construção do coronelismo. Neste trabalho já havíamos apontado a
centralidade da Guarda Nacional para a formação dos clãs eleitorais, aqui constataremos a relevância desta instituição para a
constituição e desenvolvimento do sistema coronelista. Nos trechos selecionados abarcamos a análise de Magalhães sobre a
Guarda Nacional e o coronelismo: [...] A Guarda Nacional nasceu a 18 de agosto de 1831, tendo tido o Padre Diogo
Antônio Feijó por pai espiritual. Determinou a lei ficasse ela sujeita ao ministro da Justiça (cargo então desempenhado pelo
imortal paulista), declarando-se extintos os corpos de milícias e de ordenanças (assim como os mais recentes guardas
municipais), que dependiam do ministro da Guerra [...] Durante quase um século, em cada um dos nossos municípios existia
um regimento da Guarda Nacional. O posto de “coronel” era geralmente concedido ao chefe político da comuna. Ele e os
outros oficiais uma vez inteirados das respectivas nomeações, tratavam logo de obter as patentes, pagando-lhes os
emolumentos e averbações, para que pudessem elas produzir os seus efeitos legais [...] Eram, de ordinários, os mais
opulentos fazendeiros ou comerciantes e industriais mais abastados, os que exerciam, em cada município, o comando-em-
chefe da Guarda Nacional, ao mesmo tempo que a direção política, quase ditatorial, senão patriarcal, que lhes confiava o
governo provincial. Tal estado de coisas passou da Monarquia para a República, até ser declarada extinta a criação de Feijó.
Mas o sistema ficou arraigado de tal modo na mentalidade sertaneja, que até hoje recebem popularmente o tratamento de
“coronéis” os que têm em mãos o bastão de comando da política edilícia ou os chefes de partidos de maior influência na
comuna, isto é, os mandões dos corrilhos de campanário (LEAL, 1997, p. 290-291-292).
18 O coronel ocupa lugar de destaque na liderança municipal/local. Mas, cabe ressalvar que nem todos os chefes políticos do

município eram os verdadeiros coronéis (senhor de terras), às vezes, quem exercia o poder eram figuras próximas ao
coronel: parentes ou afins, ou aliados políticos do senhor de terras.

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senhores de terras podem até não possuir uma fortuna vultosa, mas comparando-se ao restante da
massa, que vive num estado de pobreza, ignorância e abandono, o coronel é considerado “homem
rico” (LEAL, 1997). Afora tal fato, os subsídios financeiros concedidos por bancos são feitos somente
aos donos de terra, o que contribui sobremaneira para o seu prestígio político. Nesta situação, o senhor
de terra é visto como o benfeitor do trabalhador rural, aquele que permite a sua sobrevivência. Por
meio de uma intricada manipulação social e econômica da massa, o coronel preserva o seu domínio
político, ancorado, sobretudo, na capacidade de dirigir os votos destes trabalhadores rurais, de chefiar
uma porção considerável de votos de cabresto (LEAL, 1997). Não é de surpreender que um povo que
tirava sua subsistência da terra – definitivamente dependente do senhor de terras – consentisse em ser
dominado politicamente pelo coronel.
[...] Sem dinheiro e sem interesse direto, o roceiro não faria o menor sacrifício nesse
sentido. Documentos, transporte, alojamento, refeições, dias de trabalho perdidos, e até
roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição, tudo é pago pelos mentores políticos
empenhados na sua qualificação e comparecimento... [...] Os novos códigos, ampliando
o corpo eleitoral e reclamando a presença efetiva dos votantes, aumentam os gastos. É,
portanto, perfeitamente compreensível que o eleitor da roça obedeça à orientação de
quem tudo lhe paga, e com insistência, para praticar um ato que lhe é completamente
indiferente [...] (LEAL, 1999, p. 56-57).

A ausência do Estado nas municipalidades propiciava a forte atuação dos coronéis, ou seja, o
coronelismo só era possível devido ao não alcance do sistema representativo brasileiro em locais que
simplesmente estavam à margem da República e do sufrágio universal. Não obstante, realça Victor
Nunes Leal, a omissão do poder público nas localidades rurais era condição indispensável para o
funcionamento da república oligárquica, pois, era através do poder do coronel que o governador
avalizaria a sua eleição. Como a estrutura agrária brasileira conservava a dependência do elemento rural
ao senhor de terras, o partido do governo estadual não podia repudiar certo tipo de união, ou melhor,
uma troca de favores com os coronéis. Aí está determinado mais um aspecto essencial do coronelismo,
o sistema de reciprocidade, o qual nos define Leal:
[...] de um lado, os chefes municipais e os “coronéis”, que conduzem magotes de
eleitores como quem toca tropa de burros; de outro lado, a situação política dominante
no Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos favores e da força policial, que
possui, em suma, o cofre das graças e o poder da desgraça [...] (LEAL, 1997, p. 63-64).

A partir do diagrama abaixo, expomos o sistema de reciprocidade, pontuando o tipo de troca


realizada entre o poder público e o coronel.

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Figura 3 – Sistema de reciprocidade do coronelismo na concepção de Victor Nunes Leal.

Por meio do sistema de reciprocidade, Leal acentuou a ideia de que o coronelismo é um sistema
político nacional baseado em barganhas entre o poder público e os coronéis. Na figura abaixo,
procuramos evidenciar mais minuciosamente o ciclo de funcionamento do coronelismo, destacando
que há também a participação do governo federal neste processo de trocas de favores que move o
sistema coronelista.

Figura 4 – Ciclo de funcionamento do coronelismo.

Leal assinala a falta de autonomia legal nos municípios como um fator importante para a
vitalidade do sistema coronelista no Brasil. Contudo, o autor observa que os chefes locais governistas
gozam de uma autonomia extralegal, concedida através do sistema de reciprocidade com o governo do
estado. Mas, cabe notar que a autoridade extralegal beneficia exclusivamente os chefes locais amigos do
situacionista estadual. Neste caso, o município pode até sair favorecido, através da realização de alguns
serviços públicos essenciais. Caso contrário, se uma corrente política oposicionista estiver no poder, o
dirigente local não terá outorgada a autonomia extralegal e, desta forma, deverá basear-se somente nos
quadros de sua autonomia legal, a qual reserva “uma receita pública insuficiente para atender aos
encargos locais mais elementares” (LEAL, 1997, p. 72). Ou seja, se o município por um lado tem
autonomia legal, por outro lado, praticamente não possui meios de se manter no poder, por não ter
oportunidade de fazer uma administração proveitosa. Tudo depende da aliança entre os coronéis e o

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poder público, que acaba sendo fator decisivo no apoio de grande número de eleitores ao partido local
governista. Desta forma, conclui Leal, “mesmo as eleições municipais mais livres e regulares
funcionarão, frequentemente, como simples chancela de prévias nomeações governamentais. Autêntica
mistificação do regime representativo” (LEAL, 1997, p. 73).
A Constituição brasileira de 1891 deve ser entendida como um marco para a concretização do
sistema coronelista, pois quando se outorgou o direito de voto a todos os cidadãos alfabetizados,
aumentou, expressivamente, o número de eleitores rurais que iriam às urnas garantir a vitória do
governador de estado aliado ao coronel. A função do coronel no cenário político nacional passa a ser
visivelmente uma: aliciar, a qualquer custo, o maior número de votos para o seu governador.
Controlador dos trabalhadores rurais, os coronéis conduziam as massas locais às cabines de votação,
por meio da opressão e violência. Nesta ocasião se faz presente o jagunço, colocado ao lado do eleitor
como forma de impedir um possível voto de protesto. Somado a esta manipulação da massa eleitoral
rural, víamos ainda no processo eleitoral brasileiro da Primeira República atos de corrupção, como o
bico de pena e a degola, ações constantemente citadas por Victor Nunes Leal em sua obra aqui
analisada. Destacamos uma citação do autor que nos permite compreender como eram realizadas tais
falsificações eleitorais:
[...] o bico de pena e a degola ou depuração. A primeira era praticada pelas mesas
eleitorais, com funções de junta apuradora: inventavam-se nomes, eram ressuscitados os
mortos, e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena toda poderosa dos
mesários realizava milagres portentosos. A segunda metamorfose era obra das câmaras
legislativas no reconhecimento de poderes: muitos dos que escapavam das ordálias
preliminares tinham seus diplomas cassados na provação final [...] (LEAL, 1997, p. 255).

Para Victor Nunes Leal, a corrupção eleitoral era uma das maiores adversidades do sistema
representativo no Brasil, um mal que se viu passar do período colonial até o republicano. Várias
reformas eleitoras teriam sido realizadas com o intuito de sanar as falhas do nosso sistema, mas “não
tardavam a penetrar a malícia e a truculência” (LEAL, 1997, p. 266). No entanto, prossegue Leal, até
mesmo em tempos que o processo eleitoral se mostrou menos corrompido por violência ou fraude,
“sempre impressionou aos espíritos mais lúcidos o artificialismo da representação, que era de modo
quase invariável maciçamente governista” (LEAL, 1997, p. 267). Leal destaca que muitos queriam
atribuir o insucesso do regime representativo exclusivamente a fatores políticos, no entanto, a falha da
representatividade no Brasil estaria intrinsecamente vinculada aos fatores econômicos e sociais. No
entanto, assinala o autor, “a atenção dos observadores quase sempre se desviava dos fatores
econômicos e sociais, mais profundos, que eram e ainda são os maiores responsáveis pelo governismo
e, portanto, pelo falseamento intrínseco da nossa representação” (LEAL, 1997, p. 267-268).
Neste panorama de violência, fraudes e manipulações, interessa-nos compreender a ação dos
partidos políticos brasileiros na dinâmica complexa do sistema coronelista. Para Leal, a realidade do
coronelismo acabara “agravando os embaraços que lhes advém da organização federativa do Brasil”

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(LEAL, 1997, p. 270-271). O campo de atuação dos partidos brasileiros no período da Primeira
República era restrito, tinha exclusivamente o propósito de servir firmemente as lógicas impostas pelo
coronelismo19:
[...] Quem observa a multiplicidade de alianças, que se fizeram nas últimas eleições
estaduais e municipais, não pode deixar de verificar que os nossos partidos são pouco
mais que legendas ou rótulos destinados a atender às exigências técnico-jurídicas do
processo eleitoral [...] (LEAL, 1997, p. 271).

O sistema coronelista é característico de “uma quadra da evolução de nosso povo”, a Primeira


República (LEAL, 1997). No entanto, isso não quer dizer que não podemos localizamos elementos que
compõe o coronelismo em tempos precedentes da História brasileira20. Victor Nunes Leal ampliou os
horizontes do coronelismo ao expor:
[...] o fenômeno estudado é característico do regime republicano, embora diversos dos
elementos que ajudam a compor o quadro do “coronelismo” fossem de observação
frequente durante o Império e alguns deles no próprio período colonial. Já se notou,
aliás, mais de uma vez, que uma excursão pelo interior do Brasil equivale, de certo
modo, a uma incursão no passado nacional (LEAL, 1997, p. 279).

Ou seja, podemos ver o coronelismo como uma “herança colonial” que se conservou ao longo
do tempo devido à estrutura agrária do Brasil. Mas, o coronel descrito por Leal não é mais aquele
poderoso patriarca, o mandão, o grande senhor de terras, de escravos e de engenho, figura central na
direção dos rumos políticos, sociais e econômicos do Brasil Colônia e também do Brasil Império, como
assinalado por Oliveira Vianna21. Ao contrário, o coronel analisado por Victor Nunes Leal apenas se
mantém devido à troca realizada com o poder público e com a perda de sua autonomia no município.
Mas, então, o que mantém vigoroso o coronelismo? Na visão de Leal, determinados fatores propiciam
a sobrevivência do sistema coronelista, a saber: fraqueza do dono de terras e a fraqueza dos
trabalhadores rurais, “fraqueza do dono de terras, que se ilude com o prestígio do poder obtido à custa
da submissão política; fraqueza desamparada e desiludida dos seres quase sub-humanos que arrastam a
existência no trato das suas propriedades” (LEAL, 1997, p. 78). Encerrando sua convicção de uma
fragilidade do senhor de terras para a manutenção do coronelismo de seu tempo, Leal destaca: “A
melhor prova de que o ‘coronelismo’ é antes sintoma de decadência do que manifestação de vitalidade

19 José Murilo de Carvalho (2005) também destaca o domínio dos coronéis sobre os partidos políticos neste período: [...] O
resto do mundo rural era o reino dos coronéis que dominavam os partidos republicanos estaduais e davam sustentação ao
governo federal e estabilidade à república oligárquica. Este mundo, assim como essa república, da qual estavam excluídos
95% dos cidadãos, nada tinham de moderno. Era um mundo de analfabetismo, de trabalho semi-servil, de ausência de
direitos, de paternalismo (CARVALHO, 2005, p. 116).
20 José Murilo de Carvalho defendeu a ideia de que o poder do coronel já podia ser encontrado em tempos anteriores ao da

Primeira República e procura apontar as transformações do “coronel” ao longo do tempo, ver Carvalho (2001).
21 Como debatemos na primeira parte deste trabalho, para Oliveira Vianna, a figura do senhor de terras perdura ao longo de

nossa História e sua presença é identificável nos diferentes ciclos econômicos pelos quais o Brasil percorreu, pelo menos até
a Primeira República: latifúndio pastoril, canavieiro e cafeeiro. Neste sentido, a presença do grande proprietário de terras
mantém-se, inclusive, no período republicano. Ver Oliveira Vianna, Instituições Políticas Brasileiras, 1999, p. 158-159; 200.

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dos senhores rurais, nós a temos neste fato: é do sacrifício da autonomia municipal que ele se tem
alimentado para sobreviver” (LEAL, 1997, p. 78).
Apesar da diferença marcante entre Oliveira Vianna e Victor Nunes Leal a respeito da
persistência da influência do senhor de terras até a Primeira República, notamos alguns alinhamentos
significativos em relação às interpretações que estes autores possuem sobre a constituição dos partidos
políticos no Brasil e a sua dinâmica eleitoral. Neste sentido, ambos os pensadores ao passo que
interpretam as nossas origens agrárias destacam o latifúndio como o elemento central para
compreender as especificidades de nossa formação social, econômica e política. Desta forma, segundo
os autores, o latifúndio e sua dimensão autossuficiente exerceu uma função centralizadora na nossa
História, determinando assim, o fortalecimento da figura do senhor de terras e a dependência do
“povo-massa” ou “trabalhadores rurais” em relação ao grande proprietário rural22. Além disso, não é
errado afirmar que para Vianna e Leal há em nossa dinâmica eleitoral uma relação entre o povo e o
senhor de terras que é marcada, por um lado, pela necessidade dos grandes proprietários rurais
acessarem o poder através do recrutamento de votos e, por outro, pela condição de inferioridade
material e cultural na qual está inserido o eleitor que vive em um determinado domínio rural. Ainda é
valido ressaltar que, segundo os dois intelectuais, reside neste complexo arranjo político-eleitoral a forte
marca da violência, tanto no processo de eleição, quanto nos comícios eleitorais.

Bolivar Lamounier e Rachel Meneguello

Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier nos capítulos intitulados Esboço de Um Modelo e A


Debilidade Partidária Brasileira em Perspectiva Histórica, presentes na obra Partidos Políticos e Consolidação
Democrática: o Caso Brasileiro, tratam com afinco da edificação dos nossos partidos políticos a partir da
revisão crítica de uma dada literatura preocupada com a formação do Brasil em seus mais variados
aspectos, quais sejam, sociais, culturais, políticos e econômicos, para assim compreender o tema da
debilidade partidária no Brasil. Segundo os autores:
Mas existe também um problema específico de debilidade partidária; ou pelo menos um
reflexo debilitante dos condicionamentos políticos globais nesse subsistema mais
específico que é a vida partidária. Muitos autores brasileiros têm preferido esta
formulação: uma debilidade, digamos assim, reflexa. Contentam-se, em consequência,
em remeter a questão partidária quase diretamente a duas questões mais amplas: a
formação burocrático-patrimonial do Estado Brasileiro e o privatismo (ou familismo
clânico) como traço dominante da estrutura social e da cultura política
(LAMOUNIER & MENEGUELLO, 1986, p. 21-22) (Grifos dos Autores).

Para Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier esta consolidada interpretação, além de ratificar
uma série de ideias acerca da formação do Brasil, detém um profundo vínculo com a busca da

22Victor Nunes Leal destaca que o Brasil ainda na Primeira República vivia sob o binômio “senhor de terras e seus
dependentes”. Já Oliveira Vianna cria os conceitos de clã feudal, clã parental e clã eleitoral para especificar os vínculos de
dependência advindos da formação social, econômica e política brasileira calcada no sistema latifundiário.

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singularidade nacional e, em especial, com a intenção de compreender os vários reflexos determinados


pela condição colonial e latifundiária experimentada pelo Brasil em sua fase anterior a Independência.
De acordo com os pesquisadores, verificamos que:
A análise dos partidos políticos é assim atrelada, às vezes de maneira muito estreita, ao
uso desses grandes construtos interpretativos, cuja pretensão é abarcar a totalidade da
história brasileira. Não apenas a descontinuidade entre os sistemas, mas também a
precária coesão organizacional dos partidos, sua debilidade como agregadores de
interesses ou como sustentáculos de uma ordem civil, o personalismo das lideranças e
sua escassa fidelidade a compromissos ideológicos – tudo isso acaba sendo tratado
como um Gestalt, uma “singularidade” brasileira, e atribuído, por caminhos certamente
variáveis de um autor a outro, às tradições patrimoniais da Coroa Portuguesa, à
formação colonial do país, ao continuado predomínio do estamento burocrático, para
não falar do padrão histórico de ocupação de terra, baseado no latifúndio e na
exacerbação do mandonismo local (LAMOUNIER & MENEGUELLO, 1986, p.
22)23 (Grifos dos Autores).
Além disso, acreditamos que não é errado afirmar que para tais estudiosos as consequências e
os reflexos do sistema colonial e latifundiário no Brasil foram altamente permissivos no que se refere à
constituição de nossos partidos políticos. Inclusive, tais reflexos podem ser enxergados no início da Era
Vargas (1930)24. Sobre esta questão, os autores afirmam:
É fácil compreender por que, no Império e na Primeira República, não tivemos
partidos modernos. Esta expressão sugere uma atuação contínua, um mínimo de
complexidade organizacional e burocrática, alguma orientação ideológica e certa
impessoalidade no que se refere ao acesso a posições de liderança. Basta lembrar que,
até 1930, a grande massa da população vivia dispersa em pequenas aglomerações ou
em áreas rurais; que o campesinato pobre e analfabeto, confinado nas grandes
propriedades, representava uma parte substancial dessa maioria não mobilizada; e que
não tivemos, nesse período, nem os conflitos religiosos nem os de classe que levaram
à sedimentação dos primeiros sistemas partidários na Europa. Não tivemos bem
mesmo o efeito mobilizador das eleições presidenciais, que foi fundamental à
consolidação dos partidos norte-americanos, por exemplo, a partir de Jackson. [No
texto em si, após essa passagem, os autores continuam em uma importante nota de
rodapé]. (...) No Brasil, as eleições presidenciais da Primeira República eram
formalmente diretas, mas na prática o domínio oligárquico, e as restrições devidas à
pobreza, à dispersão geográfica da população e o analfabetismo impediram uma
mobilização mais ampla (LAMOUNIER & MENEGUELLO, 1986, p. 26-27).

Antes de darmos continuidade à exposição das ideias de Rachel Meneguello e Bolivar


Lamounier é pertinente evidenciar os alinhamentos que a análise dos autores a respeito dessa
importante interpretação, presente em nosso pensamento social e político, possuem com as leituras de

23 No texto em si, após essa passagem, os autores evidenciam, em nota de rodapé, a seguinte afirmação: “Os grandes
‘construtos’ a que nos referimos acham-se em obras paradigmáticas como as de Leal (1948), Oliveira Vianna (1951),
Holanda (1936), Faoro (1958) e Schwartzman (1982). Salienta-se que estamos imputando a qualquer desses autores o
referido simplismo na análise dos partidos” (LAMOUNIER & MENEGUELLO, 1986, p. 22). Aqui, podemos notar que os
autores acreditam que essa consolidada interpretação acerca da formação do Brasil que de alguma forma repercute no
entendimento da constituição de nossos partidos políticos está atrelada a uma gama significativa de autores e estudos. Nesse
sentido, nos é pertinente compreender quais as dimensões, ou quais questões, apresentadas na interpretação de Rachel
Meneguello e Bolivar Lamounier que possuem um efetivo alinhamento com a leitura oferecida por Oliveira Vianna sobre
esse tema.
24 Aqui consideramos permissivos justamento porque tais reflexos influenciam diretamente no aprofundamento, segundo

Meneguello e Lamounier, da debilidade partidária no Brasil.

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Oliveira Vianna sobre a formação do Brasil e de nossos partidos políticos. Nessa direção, ao passo que
os intelectuais trabalham com a ideia de familismo clânico; com a percepção de que nossos partidos
políticos possuem uma precária coesão organizacional; com a proposição que ressalta a debilidade dos
partidos políticos brasileiros como agregadores de interesses efetivamente coletivos e representativos;
com as hipóteses fundadas no diagnóstico sobre a formação colonial do país; ou ainda, com as leituras
determinadas pelo padrão histórico de ocupação da terra, “baseado no latifúndio e na exacerbação do
mandonismo local”, observamos que ambos os estudiosos estão lidando com concepções muito
próximas das teorizações de Oliveira Vianna já evidenciadas na primeira parte deste artigo.
Retomando a análise dos pensadores, verificamos que Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier,
após rever o conteúdo dessa consolidada interpretação sobre a formação do Brasil, passam a
problematizar os limites da mesma no que se refere ao entendimento dos partidos políticos e da
debilidade partidária existentes no Brasil até o ano de 1986. Para os autores, o Brasil sofreu profundas
mudanças, sobretudo políticas, no decorrer dos anos situados entre a nossa Independência até as
eleições gerais no Brasil (1986). Nesse sentido, seria necessário, no mínimo, tratar com cuidado e
cautela a transposição desse arcabouço interpretativo para a realidade mais recente do Brasil.
A dificuldade, porém, é que não podemos ficar com uma constante – a debilidade
partidária – explicada por outra constante – o “caráter nacional”, ou o caráter geral da
sociedade brasileira. Estamos falando, afinal de contas, de um país de 150 anos de
história independente. Nesse período, não tivemos apenas uma sucessão de sete
sistemas partidários. Tivemos também uma monarquia parlamentarista e uma
república presidencialista; passamos de um Estado Unitário a federação e voltamos a
um alto grau de centralização (embora preservando a forma federativa) sob o regime
militar; deixamos de ser colônia agroexportadora para nos tornarmos uma das dez
maiores economias do mundo, com importante base industrial e altíssimo índice de
urbanização (LAMOUNIER & MENEGUELLO, 1986, p. 24).

No entanto, apesar da crítica em relação à transposição deste ethos explicativo ao entendimento


dos partidos políticos brasileiros na contemporaneidade, os autores ponderam e, de modo muito
elegante, ressaltam alguns aspectos dessa importante interpretação sobre a formação brasileira. Nessa
direção, destaca-se, para eles, o privatismo como um conceito relevante para compreender os
mecanismos que possibilitam a apropriação do poder privado em relação às funções públicas do
Estado, dificultando assim, dentre outras coisas, a constituição de associações amplas, capazes de
fornecer aos partidos modernos bases sólidas e coletivas de interesses25. Além disso, Rachel Meneguello

25Segundo os autores: “Não se trata aqui, é claro, de passar ao outro extremo e ignorar por completo este quadro clássico
de referência a respeito da formação social e estatal do Brasil. O tema do privatismo, por exemplo, aponta para uma
dimensão fundamental que é a hipertrofia do poder privado: sua tendência a absorver as funções públicas ali aonde não
chega realmente o poder do Estado e a dificultar o desenvolvimento de formas mais amplas de associação, sem as quais não
se concebe a agregação de interesses realizada por partidos modernos. Da mesma forma, a organização centralizada e
patrimonialista do Estado transforma-se no prêmio praticamente único da disputa política: ‘na fortaleza que é preciso,
primeiro tomar e, em seguida, reconstruir sob outra forma’. No século XIX, quando a rigor não havia esta noção de
reconstruir o Estado, ele era mesmo assim o grande dispensador de favores, empregos e honrarias; e, sobretudo, era a

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e Bolivar Lamounier salientam que este “modelo” interpretativo deve ser sensível às novas dinâmicas
sociais e históricas, possibilitando assim o resgate de alguns de seus aspectos que, ainda hoje, possuem
um efetivo respaldo na realidade.
O “modelo” interpretativo a que nos referimos anteriormente deve ser sensível a essa
variedade de tempos históricos – alguns dos quais nos impressionam por sua
constância, outros pela magnitude das transformações. Num primeiro esboço, a ser
enriquecido pela análise, trata-se pois de demonstrar: primeiro, que um dos aspectos da
formação do Estado, no Brasil, foi uma política deliberada no sentido de impedir o
fortalecimento dos partidos nacionais, ou que de alguma forma pudesse competir com
o poder central. Este processo é perfeitamente identificável no império, na Primeira
República e no Estado Novo; segundo, que essa política levou à fragmentação e à
atrofia não apenas dos partidos classistas, ideológicos e religiosos, mas também de
partidos “tradicionais”, baseados nas próprias oligarquias ou em parentelas
semimilitarizadas (LAMOUNIER & MENEGUELLO, 1986, p. 24-25) (Grifos dos
Autores).

A posição adotada por Rachel Meneguello e Bolivar Lamounier a respeito da pertinência desse
modelo interpretativo nos pareceu a mais adequada até o momento. Afinal, os autores nos lembram
sobre a necessidade de cuidado no momento de transpor para o entendimento de uma dada realidade o
conteúdo de uma determinada teoria ou interpretação. Nesse movimento de cautela analítica, os
intelectuais ainda nos recomendam um olhar atento para com as novas dinâmicas históricas, para
justamente apreendermos possíveis quebras ou continuidades em relação a uma já consolidada leitura
clássica sobre a sociedade brasileira e suas características sociais, culturais, políticas e econômicas.

José Murilo de Carvalho

José Murilo de Carvalho, na obra A Construção da Ordem: A Elite Política Imperial & Teatro de
Sombras: A Política Imperial – mais especificamente no Capítulo 8 da Parte I, denominado Os Partidos
Políticos Imperiais: Composição e Ideologia – nos traz uma análise dos arranjos organizacionais e da atuação
dos partidos políticos brasileiros durante o Brasil Império. Levando em consideração tal objeto, o
pensador brasileiro propõe uma leitura mais crítica, densa e, em certa medida, inovadora em relação as
já existentes interpretações e teorias a respeito dos partidos políticos imperiais26. A pertinência desse
debate é relativa para nosso artigo, afinal, nos interessa muito mais a leitura que o pensador faz acerca
da constituição desses partidos do que a especificidade da interação deles com as condições históricas
existentes no Período Imperial. Nesse sentido, os recuos feitos por José Murilo de Carvalho para
compreender a gênese de nossos partidos políticos são extremamente importantes para os objetivos
deste artigo.

nascente força militar e policial que os grandes senhores se empenhavam em neutralizar e aliciar” (LAMOUNIER &
MENEGUELLO, 1986, p. 22-23).
26 Neste trabalho, José Murilo de Carvalho afirma que sua leitura sobre a constituição social e ideológica dos partidos

políticos é inovadora justamente por conservar maior respaldo na realidade existente no período imperial. Na parte final
deste tópico nos deteremos com mais afinco nessa questão.

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Fazendo um balanço da literatura que versa sobre a “origem social e ideológica nos partidos
imperiais”, José Murilo de Carvalho faz a seguinte afirmação em relação à leitura de Oliveira Vianna
acerca desta questão:
Já Azevedo de Amaral vê nos conservadores os representantes dos interesses rurais e
nos liberais a voz de grupos intelectuais e de outros grupos marginais ao processo
produtivo, tais como os mestiços urbanos. (...) Próximo da posição de Azevedo
Amaral está a formulação anterior de Oliveira Vianna que, embora não distinga
socialmente os dois partidos monárquicos, vê certa distinção ideológica entre ambos.
O “idealismo utópico” de que fala este autor, de acordo com seus próprios exemplos,
seria mais próprio dos liberais, posteriormente dos republicanos. Como exemplo de
idealismo utópico, Oliveira Vianna cita Tavares Bastos, Teófilo Ottoni, Tito Franco,
Joaquin Nabuco, Rui Barbosa e outros, todos corifeus do liberalismo. O “idealismo
orgânico”, por outro lado, seria representado por Vasconcelos, o fundador do Partido
Conservador. Mas Oliveira Vianna não formulou esta diferença claramente em termos
de partidos políticos. E as diferenças ideológicas, segundo ele, não se prenderiam
também a diferenças de origem social (CARVALHO, 2008, p. 203).

Esta leitura do intelectual mineiro nos parece pertinente em relação à interpretação de Oliveira
Vianna sobre a formação de nossos partidos políticos. Nesse sentido, quando José Murilo de Carvalho
afirma que o intelectual fluminense não faz distinção entre a origem social dos dois partidos
monárquicos e que as diferenças ideológicas “não se prenderiam também a diferenças de origem
social”, ele parece refletir sobre a explicação de Oliveira Vianna que engloba a ideia de que os partidos
políticos brasileiros são, sobretudo, determinados pela lógica organizacional clânica oriunda, por sua
vez, da dinâmica social, cultural, política e econômica experimentada pelo Brasil durante o seu período
Colonial/Latifundiário.
Ao realizar um balanço das interpretações brasileiras preocupadas com a “composição social”
dos partidos políticos no Brasil Império, José Murilo de Carvalho faz a seguinte constatação:
Além de variarem radicalmente as afirmações sobre a composição social dos partidos,
esta variação tem por base concepções totalmente diversas sobre a estrutura social e o
sistema de poder vigentes no Império. Estas concepções vão desde o Império Burguês
de Caio Prado Júnior, incluindo setores reacionários e progressistas, à sociedade
patriarcal de Nestor Duarte, ao domínio do latifúndio de Maria Isaura, à
preponderância do estamento burocrático de Faoro, à sociedade escravista de Vicente
Licínio Cardoso, à sociedade quase feudal de Oliveira Vianna. Os partidos são
forçados a refletir estas variadas concepções assumindo também as mais diversas
fisionomias, como acabamos de ver (CARVALHO, 2008, p. 203).

Aqui, não podemos deixar de ressaltar a simplificação feita por José Murilo de Carvalho em
relação às possibilidades analíticas e interpretativas oferecidas pela leitura de Oliveira Vianna a respeito
da constituição dos partidos políticos brasileiros, ou, da composição social dos partidos políticos no
Império. A primeira parte deste trabalho é, nesse sentido, exemplo da envergadura das teorizações de
Oliveira Vianna. Desta forma, colocar em termos tais como “sociedade quase feudal de Oliveira
Vianna” é simplificar demasiadamente as proposições do intelectual fluminense sobre tal tema. É válido
observar que, de fato, nessa passagem o estudioso está fazendo um esforço de síntese para concluir

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uma importante hipótese de seu trabalho. Todavia, a leitura de Oliveira Vianna sobre a gênese dos
partidos políticos no Brasil não reflete apenas algumas de suas percepções sobre as dimensões feudais
da sociedade brasileira. Em nossa opinião, ela é mais profunda e sofisticada do que esta formulação.
Nas conclusões de seu texto, após uma exposição contundente de dados e informações voltadas
para as diversas características da composição político-partidária no Brasil Imperial, José Murilo de
Carvalho define então, com maior clareza, qual o arranjo dos partidos políticos imperiais segundo sua
interpretação:
A análise dos partidos confirmou a posição típica dos magistrados como os principais
construtores do estado por via do Partido Conservador, e confirmou também a
posição divergente do clero, engajado, sobretudo, no Partido Liberal. Os militantes
como grupo não se envolviam nas lutas partidárias e vários de seus representantes no
Ministério eram partidariamente neutros. Apareceu como novidade a divisão em
proporções iguais dos donos de terra entre os dois partidos monárquicos, mas com
importantes distinções. O Partido Conservador abrigava principalmente os
representantes da grande agricultura de exportação, enquanto o Partido Liberal era
dominado pelos produtores do mercado interno. E surgiram também os profissionais
liberais como grupo ascendente formando a ala ideológica do Parto Liberal e o núcleo
do Partido Republicano do Rio de Janeiro (CARVALHO, 2008, p. 225).

As conclusões de José Murilo de Carvalho sobre as peculiaridades organizacionais de nossos


partidos políticos durante o Brasil Império são extremamente interessantes quando contraposta com as
de Oliveira Vianna sobre essa mesma questão. Afinal, Carvalho nos apresenta um leque significativo de
novos sujeitos e agrupamentos sociais diretamente vinculados aos partidos imperiais que, se levarmos
em consideração sua leitura, são ignorados por Oliveira Vianna. Contudo, uma importante questão se
mantém, qual seja: o importantíssimo papel das elites rurais e dos proprietários agrários, sejam os mais
preocupados com o mercado externo, sejam os mais dedicados ao mercado interno27. Nesse sentido,
por mais que Oliveira Vianna não tivesse a sua disposição dados extremamente sofisticados acerca da
composição e da ideologia dos partidos políticos no Brasil Império, podemos afirmar que o intelectual
fluminense, assim como outros pensadores28, capturou o cerne da questão quando hipostasiou as
determinações advindas do Brasil Colonial e Latifundiário para compreender a especificidade da gênese
de nossos partidos políticos.
Por fim, retomando a já anunciada discussão sobre as características inovadoras da
interpretação de José Murilo de Carvalho relacionadas à composição social e ideológica de nossos
partidos políticos durante o Império, vale destacar uma importante questão posta pelo intelectual

27 No artigo denominado Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual, José Murilo de Carvalho
afirma: “Os partidos políticos imperiais eram coalizões. O liberal reunia proprietários e profissionais liberais, o conservador
compunha-se de proprietários e magistrados. Em todas as questões que diziam respeito aos interesses dos proprietários,
como a da abolição da escravidão, os dois partidos se dividiam internamente” (CARVALHO, 1997, p. 11). Aqui o
intelectual ratifica que em ambos os partidos a classe de proprietários rurais se fazia presente efetivamente. Percepção da
qual Oliveira Vianna não abre mão para compreender a formação dos partidos políticos brasileiros.
28 Raymundo Faoro, Maria Isaura Pereira de Queiros, Sérgio Buarque de Holanda, Victor Nunes Leal, Maria do Carmo

Campello de Souza, etc.

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mineiro acerca da pertinência analítica das já existentes teorizações vinculadas com a edificação dos
partidos políticos no Brasil. Nesse sentido, para José Murilo de Carvalho, sua leitura sobre o tema dos
partidos no Império seria mais densa justamente porque é pautada em dados e fatos empíricos antes
não disponíveis para outros intelectuais interessados na dinâmica político-partidária e eleitoral existente
no Brasil Imperial. É também mais densa e realista precisamente por ter na realidade histórica de nosso
país um maior respaldo, não permitindo assim, fugas interpretativas ou suposições analíticas (erros
frequentes apontados pelo pensador mineiro em uma vasta literatura, a qual, por sua vez, engloba as
interpretações de intelectuais, tais como, Oliveira Vianna e Raymundo Faoro):
Na ausência de pesquisa, as afirmações não passam de simples deduções feitas a partir
da concepção geral do autor a respeito da sociedade e da política imperial, quando não
de sua visão da natureza da sociedade em geral. Isto é, atribuem-se aos partidos aquela
composição e aquela ideologia que venham confirmar a visão preconcebida da
sociedade. Embora não se negue que daí possa surgir hipóteses interessantes, já é
tempo de ir um pouco além em termos de conhecimento da realidade (CARVALHO,
2008, p. 201).

Ainda sobre tal questão, o intelectual mineiro complementa:


Parece-nos que a divergência de opiniões [as várias e problemáticas interpretações
acerca da formação dos partidos políticos no Brasil] provém em parte de premissas
teóricas inadequadas, em parte de falta de maior preocupação com o embasamento
empírico das afirmações. Não pretendemos aqui solucionar definitivamente as
divergências, mas fornecer indicações mais fundamentadas sobre o que nos parece ter
sido a real configuração dos partidos imperiais e a natureza do sistema político
(CARVALHO, 2008, p. 204).

Aqui reside uma diferença clara entre as posições de José Murilo de Carvalho e as de Rachel
Meneguello e Bolivar Lamounier sobre as interpretações clássicas que tratam da constituição dos
partidos políticos no Brasil. Se para os dois autores não é necessário desconsiderar as já existentes
leituras canônicas, mas sim revisitá-las ou revê-las considerando os contextos específicos e
contemporâneos da sociedade brasileira, para José Murilo de Carvalho, é imprescindível se afastar
definitivamente desses modelos interpretativos, buscando assim, explicações novas, sem “premissas
teóricas inadequadas” e com um maior “embasamento empírico das afirmações”. Dessa forma, para o
pesquisador brasileiro, o resultado de seus estudos sobre a composição social e ideológica dos partidos
políticos no Brasil Império,
[...] veio assim mostrar a incorreção de várias das teorias sobre ele formuladas e
esclarecer um pouco mais da dinâmica do sistema imperial. O tema dos matizes da
ordem discutido no capítulo anterior com referência aos setores da burocracia ganhou
aqui maior amplitude ao ser estendido à elite como um todo. A diversificação
apareceu também na estrutura partidária, aliada a novas clivagens provenientes da elite
não burocrática (CARVALHO, 2008, p. 224).

Desconsiderar interpretações clássicas sobre a formação dos partidos políticos brasileiros não é
uma tarefa fácil de realizar, tal como sugere José Murilo de Carvalho. Afinal, tais leituras são
extremamente interessantes e capazes, inclusive, de nos impedir de “ir um pouco além em termos de
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conhecimento da realidade”. Tanto é que, o estudioso mineiro, no artigo denominado “As


Metamorfoses do Coronel”, publicado no ano de 2001, no Jornal do Brasil, afirma:
Por fim, quando se fala, melhor quando eu falo de coronéis hoje, uso a parte pelo
todo. O coronel de hoje não vive em um sistema coronelista que envolvia os três
níveis de governo, não derruba governadores, não tem seu poder baseado na posse da
terra e no controle da população rural. Mas mantém do antigo coronel a arrogância e a
prepotência no trato com os adversários, a inadaptação, às regras de convivência
democrática, a convicção de estar acima da lei, a incapacidade de distinguir o público
do privado, o uso do poder para conseguir empregos, contratos, financiamentos,
subsídios e outros favores para enriquecimento próprio e da parentela. Tempera tudo
isso com o molho do paternalismo e do clientelismo distribuindo as sombras das
benesses públicas de que se apropria. Habilidoso, ele pode usar máscaras, como a do
líder populista ou do campeão da moralidade. Para conseguir tudo isso, conta hoje,
como contava ontem, com a conivência dos governos estadual e federal, prontos a
comprar seu apoio para manter a base de sustentação, fazer aprovar leis, evitar
investigações indesejáveis. Nesse sentido, o novo coronel é parte de um sistema
clientelístico nacional. Nem errou Victor Nunes, nem uso figura de linguagem. Apenas
opero ligeiro deslizamento semântico do conceito. Tudo resolvido? Não. Que os
pobres, os analfabetos funcionais, os eleitores iniciantes, elejam e reelejam os neo-
coronéis, pode-se entender. Mas, quando artistas e intelectuais se solidarizam com
paizinhos e paizões, como aconteceu agora com o senador Antonio Carlos Magalhães,
a análise precisa ir mais fundo, além da sociologia. Ela precisa questionar a natureza
mesma de nossa cidadania, aventurando-se nos subterrâneos da cultura e da psicologia
coletiva. Os valores subjacentes aos polos coronel/cliente, pai/filho, senhor/servo,
parecem persistir na cabeça de muitos de nossos melhores cidadãos e cidadãs,
bloqueando a consolidação democrática (CARVALHO, 2001, p. 4).

A citação, por mais que seja demasiadamente longa, coloca em evidência uma pertinente
contradição inerente ao pensamento de José Murilo de Carvalho. Afinal, se por um lado é preciso se
afastar das interpretações clássicas a respeito de nossa formação como povo e da constituição de
nossos partidos políticos, por outro, o autor mineiro ratifica diversas concepções canônicas sobre o
Brasil que, por sua vez, são facilmente vinculadas – graças às teorizações de intelectuais como Oliveira
Vianna, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal – aos diversos reflexos oriundos de nossa formação
Colonial/Latifundiária.

Considerações finais
Neste artigo tivemos a oportunidade de compreender a formação dos partidos políticos no
Brasil comparando diferentes leituras voltadas para o entendimento deste objeto. Neste sentido,
priorizamos, em um primeiro momento, a exposição da interpretação dada por Oliveira Vianna a
respeito da gênese de nossas organizações partidárias para, posteriormente, cotejar com outras
teorizações vinculadas ao entendimento de tal tema que, por sua vez, estão amplamente difundidas em
nosso pensamento social e político. Para a realização deste segundo movimento analítico selecionamos,
para melhor compreender a constituição dos partidos políticos no Brasil, as ideias de Bolivar
Lamounier e Rachel Meneguello, de Maria do Carmo Campello de Souza, de José Murilo de Carvalho e
de Victor Nunes Leal. Desta forma, conseguimos demarcar os alinhamentos e as diferenças existentes

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entre as concepções de Oliveira Vianna e as proposições apontadas pelos demais intelectuais


investigados. De maneira geral, podemos afirmar que boa parte destes estudiosos apresentam algumas
interpretações acerca de nossas primeiras organizações partidárias que resguardam, em certa medida,
semelhanças com as já construídas teorizações do pensador fluminense sobre este tema. Neste sentido,
podemos considerar como uma boa hipótese, a continuidade do pensamento de Oliveira Vianna nas
concepções dos autores a ele comparado29. Destaca-se nessa dinâmica comparativa por nós estabelecida
entre os autores, a recorrente afirmação das raízes coloniais e rurais do Brasil, assim como das
consequências sociais, culturais e políticas advindas da experiência agrário-latifundiária de nosso país.
No entanto, por mais que este trabalho seja de pouco fôlego quanto à relevância do objeto por
ele investigado, acreditamos que seus resultados preenchem uma importante lacuna, qual seja: a
especificidade da leitura de importantes autores de nosso pensamento social e político quanto às
particularidades da constituição dos partidos políticos no Brasil. Além disso, subjaz paralelamente a
proposta desse trabalho, a intenção de evidenciar a importância e, sobretudo, pertinência de algumas
teorias clássicas do pensamento social e político para compreender os partidos e as dinâmicas políticas e
eleitorais hoje existentes no Brasil Afinal, tais interpretações podem auxiliar na elucidação destas
importantes questões que, em muitos casos, são naturalizadas e tratadas estaticamente, ou seja, são
observadas e estudadas sem levar em consideração um passado histórico e uma cultura política anterior.

Referências

CARVALHO, José Murillo de. A Construção da Ordem: A Elite Política Imperial & Teatro de Sombras: A Política
Imperial. 4ª Ed. Rio de Janeiro: EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 2008.
_______. As Metamorfoses do Coronel. Jornal do Brasil: 2001, p. 04. Disponível
em:<http://www.ivnl.com.br/download/jose_murilo_jornal_do_brasil_2001.pdf>. Acessado em: 24 de
Setembro de 2013.
_______. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados Vol. 40, Nº. 2. Rio de Janeiro,
1997. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0011-52581997000200003>. Acessado em: 24 de Setembro
de 2013.
_______. Pontos e bordados: escritos de História e Política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005.
LAMOUNIER, Bolivar & MENEGUELLO, Rachel. Partidos Políticos e Consolidação Democrática: O Caso Brasileiro.
São Paulo: Brasiliense, 1986.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
SOUZA, Maria do Carmo Campello. O Processo Político-partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos
Guilherme (Orgs.). Brasil em Perspectiva. 4ª Ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1968, p. 162-226.
VIANNA, Oliveira. História social da economia capitalista no Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia; Niterói, RJ: Eduff, 1987.
(Volume I e II).

29Apesar da extensão de nossas argumentações, a continuidade das interpretações do pensador fluminense nas teorizações
desenvolvidas pelos distintos pesquisadores aqui investigados, a respeito da gênese dos partidos políticos no Brasil, se
configura ainda com uma hipótese. Acreditamos que uma leitura tão incisiva como esta mereceria uma análise de mais
fôlego que envolvesse, por exemplo, uma pesquisa nos acervos de Bolivar Lamounier, Rachel Meneguello, de Maria do
Carmo Campello de Souza, de José Murilo de Carvalho e de Victor Nunes Leal, com a intenção de lá verificar se há a
presença de obras de Oliveira Vianna, assim como marcações e anotações nas mesmas.

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_______. Instituições Políticas Brasileiras (Primeiro Volume). 2ªed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1955.
_______. Instituições Políticas Brasileiras (Primeiro e Segundo Volume). Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal,
1999. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm>. Acessado em: 20/09/2010.
_______. Populações Meridionais do Brasil. 4ªed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
_______. Populações Meridionais do Brasil: Populações Rurais do Centro Sul (Paulistas-Fluminenses-Mineiros). Brasília:
Conselho Editorial do Senado Federal, 2005. Disponível em:
<http://www.senado.gov.br/web/conselho/conselho.htm>. Acessado em: 20/09/2010.
_______. O Ocaso do Império. Brasília: Biblioteca do Senado Federal, 2004. Disponível em:
<http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/1091/702813.pdf? sequence=4>. Acessado em: 26 de
Setembro de 2013.

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Reforma judiciária no Brasil Imperial:
cultura política e ideias jurídicas

Gabriel Souza Cerqueira*

O
período histórico que segue ao fim da regência é frequentemente tratado pela
historiografia como privilegiado para compreender o processo de construção do Estado
Nacional no Brasil. Período atravessado pelo “Regresso”, obra marcante de centralização
politica e administrativa capitaneada pelo Partido Conservador, que pautaria toda a politica do Império,
ao menos até um novo período reformador na década de 1870. A conjuntura política da regência, na
qual tem início o período do “regresso” é tradicionalmente vista sob a perspectiva negativa, que
caracteriza a época como anômala e anárquica. A construção dessa imagem se da muito em função da
interpretação de autores do Segundo Reinado, como Joaquim Nabuco e Justiniano José da Rocha. Não
obstante as disputas políticas ocorridas na regência ajudam a compreender o período histórico
posterior, especialmente a obra centralizadora do regresso.
Primeiramente, pensamos o período regencial como período crucial do processo de construção
da nação brasileira. Período conturbado, com diversas revoltas (em que se destacam a Farroupilha,
Cabanagem e a Sabinada, mas também movimentos de escravos como a revolta dos Malês e a de
Manoel Congo), os quase dez anos de regência (1831-1840) colocaram na agenda política projetos
distintos. No entanto uma primeira agenda política ligada às reformas liberais, no sentido da
descentralização administrativa, foi realizada no intuito de eliminar certos resíduos absolutistas do
Primeiro Reinado (BASILE, 2009:97). Encampada especialmente por uma parcela dos “liberais
moderados”, dominantes da Câmara dos Deputados, estas reformas vão enfrentar as relações de força
entre o Legislativo e o Executivo, e rever a estrutura do aparelho repressivo do Estado, reformado a
Política e, especialmente, a Justiça. Nesse período destaca-se o Código de Processo Criminal de 1832, a
grande obra jurídica dos “moderados”, representando os ideais de autonomia judiciária, localismo e
representação popular, dando grande destaque a figurado juiz de paz (introduzida pela lei de 15 de
outubro de 1827, mas com poderes consideravelmente ampliados após 1832) e do júri. O habeas corpus
foi também destaque desta obra, além da criação do juízo municipal, cujo cargo seria preenchido pelo
período por três anos por nomeado do Presidente de província segundo lista tríplice apresentada pela
Câmara Municipal (BASILE, 2009:76).
O grupo político dos “moderados”, ainda que não gozasse de uma solidez interna quanto a um
projeto político específico (o que seria um dos motivos de seu enfraquecimento após 1837, data no
inicio do período do “regresso”), conseguiu ainda em 1834 aprovar a lei do Ato Adicional que

* Mestrando em História Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Bolsista da Capes.
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acrescentava algumas emendas à Constituição. O Ato Adicional descentralizou a administração e


conferiu mais autonimia às províncias, na intenção de remover “residuos absolutistas” do estado
imperial, identificados à forte centralização política e administrativa (BASILE, 2009:81-82). Extinguiu o
Conselho de Estado, converteu a Regência Trina em Una, com eleições diretas e por voto secreto, por
quatro anos), criou as assembleias legislativas provinciais, dando a estas toda uma gama de atribuições1.
A intensificação pela disputa do poder, dada sobretudo pela não unidade interna do grupo dos
“moderados”, evidencia a pluralidade de agendas polítcas da regencia. Mesmo com a assumção à
regencia de Diogo Antonio Feijó, “moderado” em 1835, o racha interno entre esse grupo político
estava dado. As pressões e críticas sobre a regência diante da conjuntura de crise e de revoltas que
abalaram o império a partir de 1835 contribuíram também para o acirramento da disputa pelo poder.
Contribui também para o surgimento do período do Regresso a desilusão com as reformas liberais
(BASILE, 2009:86). O fortalecimento das províncias deixou o governo central sem acesso a grande
parte dos instrumentos garantidores da ordem. Não à toa “ordem” será a palavra por exelencia da obra
política do Partido Conservador, formado a partir do Regresso (MATTOS, 1990:141). Sob a liderança
de um ex “liberal moderado”, Bernardo Pereira de Vasconcellos, o periodo do regresso se inicia a partir
de 1837. Regresso aqui se refere ao “retorno a ordem politico institucional vigente antes das reformas”
(BASILE, 2009:92), cujas obras mais expressivas serão a lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840,
e a Reforma do Código de Processo Criminal em 1841, que trabalharemos adiante. Nesse tocante,
devemos analisar a conjuntura específica, marcada por disputas, em que se dá a obra centralizadora.
Em suma, com as crises ocorridas após a abdicação e o escape do controle politico
administrativo da justiça das mãos do governos central com Código de Processo de 1832 e o Ato
Adicional de 1834, os operadores do regresso entendem como prioritário a reforma destas leis.
Culminando com a Reforma do Código de Processo Criminal, em 1841. Nesta conjuntura o objetivo
era restringir o poder local no que lhe dizia respeito ao poder judiciário.
Ainda que não tenha sido a primeira medida legislativa rumo à centralização, tendo sido
precedia pela Lei de Interpretação do Ato Adicional, de 1840, a lei de 3 de dezembro de 1841 (como
ficou conhecida a reforma do código de processo) irá definir as diretrizes de construção da rede
administrativa do Estado, através da centralização do Judiciário. Poder chave na relação entre corte e
províncias, o poder judiciário, em seu caráter eminente de controle e força, será o vetor de intervenção
do poder executivo central sobre as diversas regiões do país. Espalhados por cada província, os chefes
de policia, delegados, subdelegados, juízes e outros pequenos funcionários serão os agentes
burocráticos do governo central e os pontos de diálogo com os poderes locais.

1“A elas competia legislar sobre diversos assuntos, como fixação das despesas provinciais e municipais, impostos
provinciais, repartição da contribuição direta pelos municípios, fiscalização das rendas e despesas municipais e provinciais,
nomeação dos funcionários públicos, policiamento e segurança publica, instrução publica e obras públicas, ficando as
resoluções da Assembleia sujeitas à sanção do presidente de província” (BASILE, 2009:81)

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A distribuição dos funcionarios do corpo burocrático, em especial do judiciário acompanha a


propria estrutura do aparato estatal. As reformas de 1840 e 1841 levaram efetivamente à centralização a
política e administrativa, ainda que tenha se conservado um certo espaço de negociação. O acúmulo de
funcionários e atividades administrativas no governo central é consequencia dessa estrutura
centralizada. A prevalência do poder judiciario como objeto desse projeto centralizador é expressa na
extensão do poder central em termos de coerção social. Dada a lei 3 de dezembro de 1841 “a ação
coercitiva do governo central, de um modo ou de outro, podia estender-se até o quarteirão, que era a
menor divisão judiciária correpondente a um conjunto mínimo de 25 casas” (CARVALHO, 2011:152).
Apontando protagonismo da reforma do Código de Processo Criminal, Raymundo Faoro se
referiu à lei de 1841 foi como “esteio da paz imperial” (FAORO, 1984:333). Ao promover uma enorme
centralização do poder de justiça ao governo, lei retirou as atribuições autonomistas das províncias,
atrelando as influências locais, armadas com a polícia e a justiça, aos agentes do governo. A partir de
1841, em todas as províncias, os chefes de polícia bem como seus subordinados (delegados,
subdelegados) passam a ser indicados diretamente pelo poder central ou indiretamente pelos
presidentes de província (que por sua vez, eram indicados pelo governo imperial). O juiz de paz perde
grande parte de suas atribuições, que passam para a autoridade policial, que além de suas funções de
polícia, assume funções judiciárias.
O esforço das lideranças conservadoras de tentar devolver ao governo central os poderes que
perdera com a legislação descentralizadora da Regência, em especial com o Código de Processo
Criminal de 1832, gera muitas manifestações contrarias por parte lideranças liberais verificadas já em
1842, com a revolução praieira. No entanto ao assumir o poder em 1844 o partido liberal encarna uma
oposição puramente retórica a estas leis (CARVALHO, 2011), que tentaremos desvendar adiante. A
reforma do Código de Processo Criminal criou uma magistratura dependente do governo central. Parte
da historiografia brasileira interpreta esta lei como o eixo central da construção do Estado centralizado
no Brasil imperial, uma vez que os agentes do Estado fora do centro regional do sudeste estariam
diretamente ligados, pela indicação, às premissas do governo central. Ao mesmo tempo que os agentes
de controle social, nas atribuições duplas de policia e justiça, mantém a estrutura de dominação sob os
setores subalternos da sociedade, sob sustentação da “manutenção da ordem”, sem a qual o
desenvolvimento da obra do progresso e da civilização não seria possível.
Os agentes institucionais do controle social, até 1841 sob jurisdição do juiz de paz (eleito
localmente), passaram a se subordinar diretamente aos agentes da coroa. Inspetores de quarteirão,
carcereiro, por exemplo, passam a ser indicados pelo delegado de polícia, cargo preenchido também
por indicação, do Governo Central ou do Presidente de província. É de se notar como a ramificação do
poder policial é fundamental na obra de centralização administrativa. Outro ponto que também deve
ser ressaltado é que, a partir da lei de 1841, em termos de direito processual, esses agentes de policia
passaram concentrar também poderes de justiça.

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A descentralização política defendida pelas forças antagônicas ao processo centralizador,


postulantes de um liberalismo mais radical no sentido da autonomia federativa – então presentas na
agenda politica do período regencial entre 1831 e 1837 – foram suprimidas sob a argumentação de
promotoras da anarquia e do desgoverno pelas forças politicas ligadas ao partido conservador e ao
Regresso. Essa interpretação é, inclusive, reproduzida por parte da bibliografia de época, como bem
nota Raymundo Faoro.
A centralização monárquica, estabeleceu as condições para o governo imperial, combinando
estabilidade a certas práticas autoritárias informadas por um discurso politico jurídico pretendido
moderno e constitucionalista apoiado no constrangimento, ao menos teoricamente, dos poderes locais
(NEDER, 2012). O ministério da justiça, estabelecido a partir da independência, parte da afirmação
política da separação dos poderes. Seria um órgão através do qual o poder executivo pudesse ter uma
relação mais orgânica com a magistratura, especialmente no que diz respeito ao estabelecimento de
quadros e dotando aos juízes todo a arcabouço institucional e administrativo que lhes permitisse
exercer suas funções: criando cargos de auxílio e complemento da ação judicante dos tribunais como
notários, cartórios, escrivães, escreventes, tabeliães. A ele também estavam ligados os setores policiais,
de prevenção do crime e os órgão penitenciários, de aplicação de penas. Subordinando, por tanto, aos
seus domínios a Guarda Nacional. Dada a revisão do Código de Processo criminal em 1841 e o caráter
de sustentação do regime imperial dado por este à administração da justiça, o Ministério da justiça
passou a ter enorme destaque e poder, sendo decisivo para o sucesso da política de centralização
monárquica. Sendo responsável pela policia, cabia ao ministérios também a vigilância censória sobre os
impressos circulantes, bem como o dialogo com o corpo de advogados e o campo dos profissionais da
justiça, especialmente após a criação do Instituto dos Advogados do Brasil em 18432.
Interessante notar que a obra centralizadora dos conservadores é também esteio da
modernização e profissionalização do judiciário pela via dos cargos da magistratura. Um dos principais
objetivos da Reforma de 1841 foi esvaziar o poder dos juízes leigos: juízes de paz, juízes municipais, de
órfãos e promotores, sob os argumentos de inaptidão. Tanto juízes municipais como promotores
passariam a ser nomeados, mas escolhidos dentre os Bacharéis formados em Direito, com pelo menos
um ano de prática no foro. Juntamente ao aumento no numero destes cargos e no incremento à sua
remuneração (medidas pragmáticas de valorização da magistratura profissional), criou-se o cargo de
suplente, uma lista com aqueles que estariam aptos a ocupar interinamente o cargo de juízes municipais.
No período imediatamente posterior a Reforma de 1841, há uma preocupação
governamental em qualificar a magistratura leiga. Assim, a década da Reforma, é um
momento de reestruturação, marcado pelo esforço de prover os cargos leigos com
bacharéis em direito. Por volta da década de 1850, surgem os primeiros e modestos
resultados daquela tarefa. A partir daí é possível voltar-se à magistratura togada.

2Destaforma, os relatórios dos Ministros da Justiça são fonte importantíssima para a pesquisa que estamos desenvolvendo,
juntamente com os Anais da Câmara e do Senado.

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Através de várias determinações legais, o Estado modifica a carreira da magistratura e
a longo prazo o resultado é o fortalecimento do poder judiciário. (SODRÉ, 2009:243)

Com efeito, aponta Elaine Leonara de Vargas Sodré, os primeiros anos após reforma, foram
encontradas muitas dificuldades de preencher todos estes postos por Bacharéis em Direito, mas após a
década de 1850, as disposições da Lei de 3 de Dezembro em sua estratégia de profissionalização
passariam a se consolidar gradativamente (SODRÉ, 2009:35).
Por outro lado, exame dos debates relativos reforma do judiciário, durante o final da década de
1830 e mesmo sobre a reforma da Lei 3 de Dezembro, revelam que entre posição politica de apoio às
reformas liberais e a de revisão dessas reformas (encampada pelo Partido Conservador após 1837) não
havia oposições irredutíveis. Havia uma compreensão, por parte de setores do Partido Liberal de que as
reformas liberais haviam falhado em relação ao aparato judiciário, que precisava ser reorganizado no
sentido de o poder central exercer um controle maior sobre as autoridades judiciárias e de valorização
da formação em direito. Com efeito, no correr das décadas de 1860 e 1870 o Partido Liberal já
reformulado e sob a liderança de Nabuco de Araújo relega ao juizado de paz um papel menor do que
os liberais de 1832 (ainda que proponha um aumento de suas atribuições diante da reforma de 1841).
Num certo sentido a preocupação com uma justiça independente se transpõe para a modernização e a
mudança do processo de treinamento e seleção da magistratura profissional. Como presente nas
propostas de reforma de Nabuco de Araújo.
Um outro ponto também deve ser abordado, o caso da polícia judiciária. Com a criação dos
delegados, coube a estes a realização do inquérito policial e a realização das funções de policia judiciária,
esvaziando sobejamente os poderes dos juízes de paz e dos prefeitos. A experiência administrativa
propiciada pela legislação processual de 1832 orienta o processo de centralização através de seus
efeitos. Deixaria claro que a autonomia provincial tinha de ser submetida a um controle rígido no que
se refere ao poder judiciário, dado seu caráter privilegiado na operacionalização da manutenção da
ordem e do controle social e politico. O que não excluiria terminantemente as relações entre governo
central e os “poderes locais”, os fazendeiros. Relações estas fundamentais no funcionamento do
sistema político eivado de clientelismo. E aqui os controles sobre a polícia e os tribunais dariam ao
governo central a influencia local necessária para construir sua hegemonia.
Aqui é importante nos determos um pouco na instituição do juizado de paz. A figura do juiz de
paz se destaca como alvo das principais mudanças processuais no campo criminal. O juiz de paz
adquire papel fundamental, sobre tudo por se tornar alvo da critica dos defensores da reforma. É,
assim, sobre a instituição do juizado de paz que pesam as medidas mais duras da reforma do Código de
Processo Criminal, de 1841. Sua função politica e administrativa é amplamente questionada pela
bancada conservadora, que passa a interpreta-lo, curiosamente, não com ares de excessiva
modernidade, mas como figura referida a uma administração retrograda.

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Uma de suas atribuições mais significativas, até 1841, era a prepação das listas de votantes,
dando a este juiz eleito uma posição de responsabilidade eleitoral. O que, ao menos em tese,
desequilibrava os jogos de poder entre o poder central e os poderes locais. Após a abdicação,
[…] no siendo ya meramente demoledores y provocadores a corto plazo, los liberales ahora
encontrabam que eran los encargado de constuir un sistema político proprio, y al mismo tiempo
mantener un orden social eficaz; el gubierno de la regencia indentificó estos objetivos como los
problemas más irgentes que enfrentaba Nrasil. Con estos fines, la legislacion subsequente modificó
radicalmente la naturaleza del juez de paz aumentando su jurisdicción penal y sus poderes de
vigilancia. Despues de 1831, el juez de paz y el liberalismo brasileño comezaron a avanzar juntos en
una dirección claramente nueva. (FLORY, 1986:103)

O juizado de paz converte-se, assim, praticamente em polícia. Pensavam os liberais na linha de


frente do projeto em dotar o imperio de uma força policial organizada a partir dos principio partidarios
durante a Regencia. Dotando os juizes depaz de poderes capazes de exercer o controle politico e social
sobre os habitantes locais durante o periodo. E aqui ganha destaque a responsabilidade deste
funcionário de coligir as estatísticas locais, sento responsável por nomear inspetores de quateirões que
seriam seus auxiliares. Dentro desta funções estatísticas estava, e cremos ser a principal, justamente a de
preparar as listas de pessoal capacitadas a votar.
Ainda que houvesse prescrição legal para a suspensão dos juizes de paz por parte do governo
central, tal prerrogativa foi parcamente utilizada e o juiz de paz manteve praticamente o monopólio da
aplicação local das ordenações penais. A questões de controles a esses juizes só retorna com força aos
debates no período da centralização conservadora. E a obra do Regresso foi implacável neste aspecto.
A revisão de 1841 do Código de Processo Criminal finda com as atribuições policiais e penais do juiz
de paz, transferindo-as para funcionários nomeados direta ou indiretamente pelo governo central:
chefes de policia, delegados e subdelegados. O problema com o qual a obra política do regresso se
defrontará é bem sintetizado, em nossa opinião por Thomas Flory:
Es cierto que los ideales liberales y uma fuerte corriente de reformismo judicial desinteresado habián
figurado proeminentemente em el desarollo de la judicatura de elección popular. Las conciliaciones
modernizarían el sistema de los tribunales; los jueces ciudadanos quitarían el misterio y remperían la
fuerza de la magistratura profesional; los funcionarios eligifos localmente entenderían las necessidades
y condiciones locales. […] un magistrado independiente pero supuestamente liberal movilizaría a la
oposicion auna amenaza absolutista; un funcionario policiaco vigilaría los signos de inquietud social e
subversión politica. […] Despues que llegaron al poder em 1831 y ampliaron los poderes penales y de
vigilancia del juez para manejar los problemas políticos y sociales inmediatos, los liberales descubriron
que la “independencia” podía traducirse mejor como “irresponsabilidad” […]. El peculiar desarrollo
institucional del juez de paz por fin habia dejado al descubierto el conflicto jurisdiccional fundamental
del imperio brasileño […] que era el del poder privado en contra del poder publico. Con la
identificacíon de este problam a principios de los treinta, la distancia entre el liberalismo y el
conservadorismo brasileños comenzó a disminuir (FLORY, 1986:108-109).

Sancionada em 3 de dezembro de 1841, a Reforma do Código de Processo resulta de projeto


submetido por Bernardo Pereira de Vasconcellos, como senador, em 1839. É aprovado pelo Senado
em outubro de 1841 e tem passagem pela Câmara dos Deputados em novembro. Nas duas casas, os
debates nos parecem são poucos, revelando um legislativo alinhado ao governo, o grosso da discussão

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sucede à lei, nas tentativas de reforma. Quem se destaca tanto nas discussões, quanto nos relatórios de
sua pasta é o então Ministro da Justiça, Paulino Soares de Souza. No relatório ministerial de 1840,
publicado em 1841, portanto anterior à lei, Paulino da conta de como o grupo politico do Regresso
interpretava às reformas relativas à descentralização administrativa justiça.
Elaborada em tempos de inexperiência não pôde a nossa Legislação aproveitar as
tristes loções que nos derão depois as calamidades por que temos passado, não
consultou quanto devera as variadas circunstancias das diversas províncias, e ainda das
diferentes porções de território em que são divididas. Sahidos há pouco do regimen
colonial; em demasia desconfiados e receosos do arbitrário, abraçamos com avidez
doutrinas vagas e declamatórias de huma liberdade exagerada, pondo de lado o
positivo e os factos, cuja observação, analyse e estudo, derrama huma luz immensa na
aplicação das questões Moraes, politicas e de Legislação a hum paiz.3

Reiterando a interpretação de que as leis que encaminharam a descentralização produziram


situações anárquicas e pouco afeitas à realidade do Brasil. Conclama, assim uma reforma sob o
argumento da retomada da ordem. É significativo que Paulino sugira te que havido um excesso de
liberdade, resultado especialmente da vagueza das doutrinas que as sustentam. Já em relatório posterior,
de 1841, publicado em 1842, Paulino interpreta o sentido de retomada da ordem que a reforma do
Código de Processo realiza.
Entre nós ainda o Poder não foi organizado devidamente, e de modo que ofereça
suficientes garantias à Ordem publica, e à bem entendida liberdade. Herdamos da Mãe
Patria huma Legislação que não estava em harmonia com as instituições
representativas, era mister crear tudo, e nessa tarefa fomos guiados pelas ideas de hum
optimismo exagerado, e pela inexperiência
Aconselhados por huma decepção dolorosa era preciso abandonar a marcha que
tinhaos seguido, e que muito contribuira para anarchisar o Paiz, e chamar sobre ele as
comoções, as desordens, e a impunidade que há mais de dez anos o flagellão. Era
urgente rever as nossas Leis regulamentares, emendal-as segund os conselhos da
experiência, e armar o Poder com os meios indispensáveis para emancipar-se da tutela
das facções, e das desencontradas exigências das influencias das localidades. Era
preciso adoptar huma politica larga que fazendo calar as vozes mesquinhas de
influencias locaes, e de interesses particulares, desse ligar a que somente pudesse ser
ouvida a da Razão Nacional, única e verdadeira indicadora do pensamento e
necessidades publicas.
As Leis do Conselho d’Estado e da reforma do Codigo de Processo foram filhas dessa
política, que em parte começarão a realizar.
A lei do Conselho d’Estado tinha pro fim aumentar a força moral das decisões do
Throno Imperial, acobertal-o também com a sua responsabilidade, illustral-o com seus
conselhos e discussões, assegurar maior acerto nas decisões Ministeriaes, estabelecer
unidade de systema, e de certas vistas administrativas, conservar materiaes e tradições,
e contrabalançar assim os inconvenientes que resultão de instabilidade dos Ministerios
no systema representativo.
A Lei da reforma do Codigo de Processo tinha por fim habilitar o Poder para resistir
aos partidos sempre descontentes, e para cumprir hum dos seus primeiros deveres, a
manutenção da Ordem publica, e a proteção á segurança individual, tirando-o da
dependência de influencias locaes e dando-lhe acção eficaz sobre as Autoridades
subalternas, das quaes he mister que se sirva para o cumprimento daquele dever.4

3Relatório do Ministério da Justiça, 1841, pag. 18-19.


4Relatório do Ministério da Justiça, 1842, pag. 3-4.

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Aqui, é interessante perceber na menção ao retorno do Conselho de Estado o fator de coesão


interna dado à coroa a à figura do imperador. Por outro lado vemos um forte elogio à reformulação
institucional da Reforma do Codigo de Processo. De um modo geral, tentamos mostrar como a
reforma de 1841 abre caminho a um projeto político que se viabilisa na centralização administrativa do
poder judiciário. O que implica na centralização no governo central dos meios de coerção, que não é de
se espantar dadas as diversas crises passadas no período regencial e nos primeiro anos da década de
1840. Nesse interím o campo dos profissionais na área do direito será diretamente valorizado,
especialmente no que diz respeito à profissionalização da magistratura e da supressão da magistratura
leiga. Esse elemento incorporado do constitucionalismo é patente nos processos de construção dos
Estados nacionais modernos e realizado no Brazil pelo projeto politico centralizador.
A reforma da lei de 1841 foi tema recorrente do debate político do segundo reinado, fazendo
parte dos programas ministeriais de 1846, 1848, 1854, 1862 e 1866. Nesse interim a mudança de mais
longo alcance foi a Reforma Judiciária de 1871, promulgada oito dias antes da Lei do Ventre Livre. É
importante ressaltar também que a obra centralizadora do Regresso foi articulada no seio do Partido
Conservador, com o protagonismo de Bernardo Pereira de Vasconcelos. Mas a indefinição de uma
saída alternativa à lei de 1841 nos anos subsequentes, mesmo atuação Partido Liberal no poder
executivo nos permite dizer que, do ponto de vista da cultura politica, havia uma alinhamento geral em
torno do fortalecimento do Estado central. Mesmo com a Reforma Judiciária de 1871, não houve um
retorno à proposta provincialista das leis da regência, em especial o Código de Processo Criminal de
1832. Donde podemos interpretar que a Reforma Judiciária de 1871 se encontra num quadro de
reformismo institucional moderno-conservador. A reorganização da administração da justiça, pela via
do processo penal, é um passo a dar base às reformas mais significativas, especialmente a do estatuto da
escravidão. Não só incorpora-se princípios do iluminismo penal, mas sofistica-se a estrutura de controle
social do judiciário, lhe atribui funções mais especificas ao mesmo tempo que distingue e se fortalece o
poder policial. Com a Reforma Judiciária de 1871 a magistratura e a policia começam a ganhar
contornos mais nítidos e mais próximos do que são estas instituições no tempo presente.

Fonte:
Relatórios do Ministério da Justiça, 1840-1850.
Anais do Parlamento Brasilleiro e Anais do Senado, 1840-1850.

Referências
BASILE, M. O laboratório da nação: a era regencial (1831-1840). In: GRINBERG, K.; SALLES, R. O
Brasil Imperialm, volume II (1831-1870). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. II, 2009. Cap. 2, p. 53-
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Imaginando um Brasil em jornais: uma
interpretação do corporativismo do
Oliveira Vianna articulista

George Freitas R. de Araujo1

I - Introdução

O
presente estudo analisa criticamente a dimensão corporativista do pensamento do
intelectual fluminense Francisco José de Oliveira Vianna (1883-1951)2, considerado um
dos principais “Intérpretes do Brasil”, a partir dos seus artigos de jornais catalogados no
museu homônimo3. Estes textos constituem fontes pouco conhecidas no campo das ciências sociais.
Duas hipótese permeiam este trabalho: (i) como apontou Giselle Venancio (2008)4, os jornais
teriam centralidade em Vianna como meios de publicização e antecipação de publicações em livros e (ii)
haveria uma tensão constitutiva do pensamento de Vianna entre liberalismo e autoritarismo.
Metodologicamente, utilizamos a démarche de pesquisadores dos escritos de Vianna, como Maria
Stella Martins Bresciani (2005), de modo a analisar as referidas fontes primárias evitando sendas
previamente delimitadas pela apologética ou detração do objeto de estudo e contextualizando-o em seu
tempo.
Do ponto de vista histórico, Vianna vivenciou a transição e constituição formal da nossa
República, elaborando e publicando a maior parte dos seus textos no período compreendido entre as
décadas de 10 e 40 do século passado. Especialmente este último momento pode ser definido, no
cenário nacional, pelo desenvolvimento de novas instituições sociais visando ao atendimento das
demandas capitalistas, caracterizando o chamado processo de modernização econômica e, no plano
internacional, pela crise do liberalismo em suas faces econômica – e.g. ideias associadas ao chamado
laissez-faire mercadológico - e política – principalmente a democracia de corte liberal. Numa palavra,
eram momentos de crise.
Alves Filho (1997) correlaciona a noção de “crise” histórica às incertezas de natureza ideológica
que se configuram por um declínio da aceitação de determinados paradigmas sociais de uma época, ou
seja, num momento de “crise de paradigma ideológico” as certezas de uma dada ideologia são

1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Universidade Federal Fluminense, financiado pela
CAPES.
2 Maiores informações biográficas, ver, e.g., ARAUJO, 2011.
3 Vários possuem anotações pós-publicação o que indica sua releitura de Vianna num processo de construção da “obra”.

Mais de 80% dos 110 artigos analisados possuem alguma indicação temporal, pelo menos o ano publicação, o que nos
permite maior fidelidade na correlação pensamento-contexto histórico que apontamos em nossa pesquisa (ARAUJO, 2012,
p. 70).
4 Venancio sustentou a hipótese da importância dos artigos de Oliveira Vianna na construção da sua trajetória intelectual.

Chama a atenção para a construção da memória do autor retomando fontes primárias, como os artigos, os “papagaios” –
anotações em pequenos recortes de papel – e a suas correspondências.
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questionadas a medida que não se mostram suficientes para responderem aos novos imperativos
sociais, políticos e econômicos.
A “crise” num determinado momento histórico não representa apenas um período de incertezas
e decisões em aberto, mas também de invenção de alternativas e arranjos sociais em resposta às novas
necessidades de uma época, ensejando, portanto, um questionamento do presente e uma projeção do
futuro.
Numa dimensão mais ampla e internacional relativa ao pensamento político e social, o século
XIX e a maior parte do século passado5 poderiam ser caracterizados, como apontou Sheldon S. Wolin
(1974[1960]) pelo desenvolvimento e fortalecimento da ideia do grupo sobre a do indivíduo per si, em
outras palavras, “pelos problemas da comunidade e da organização”6.
Neste cenário, o corporativismo foi desenvolvido como uma terceira via entre liberalismo e
comunismo. Mihail Manoilesco (1891-1950), tido como uma das principais expressões da doutrina
corporativista e uma das influência de Vianna, definiu a corporação como organização genérica o
suficiente de forma a pairar sobre as especificidades sócio-históricas:
[...] a corporação é uma organização coletiva e pública, composta pela totalidade de
pessoas (físicas ou jurídicas) que desempenham em conjunto a mesma função
nacional, e tendo por objetivo assegurar o exercício desta no interesse supremo da
nação, através de regras de direito impostas aos seus membros (MANOILESCO,
1938, p. 126).

II - Oliveira Vianna Articulista: desenvolvendo um corporativismo em jornais

Em artigo publicado no Vassourense em 1910, o Estado do Rio de Janeiro fora criticado por
Vianna ao não conseguir, como outros7, adaptar-se ao novo regime republicano-liberal instaurado a
partir de 1889. Viveríamos numa “apatia” e sob a crença da salvação providencial governamental, de
modo a depender e crer na dependência de ações estatais. Se havíamos “progredido” (sic), dever-se-ia
mais à natureza que à iniciativa privada.
O Vianna deste artigo positivou a iniciativa privada e a “vontade” como componentes
importantes na tessitura sociopolítica de um regime republicano-democrático-liberal. O seu prognóstico
de inadaptação do social ao regime político vigente dizia respeito ao Estado do Rio de Janeiro, não
mencionando uma ampla difusão pelo país, ao menos do ponto de vista das uniões classistas e da sua
colaboração com o governo.

5 Quando nos referimos à “maior parte” do século XX, entendamos o período até a década de 60, quando da publicação do
original de Wolin (1974) e abrangendo o período histórico que nos interessa neste momento.
6 A ideia de organização foi utilizada por pensadores da política de forma muito diversa, ampliando um espectro muito

variado, seja com perspectivas “conservadoras” e contrarrevolucionárias, como em Maistre e Bonald, seja com posições
revolucionárias, como em Lênin (WOLIN, 1974, p. 390).
7 Por exemplo, em São Paulo a situação seria diferente: as classes econômicas constituiriam associações coletivas, inclusive

junto ao governo, como colaboradores, de modo a atingirem, juntos, os seus objetivos individuais, ampliando sua
representatividade frente ao Estado.

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Ao diagnóstico de falta de sociabilidade de classe, o articulista sugeriu a promoção de sindicatos


ou cooperativas pela ação individual, num momento partindo da sociedade civil para o Estado e
impondo-se ao governo pela força coercitiva da sua representação quantitativa. Nos termos da teoria
corporativista contemporânea, Vianna propunha corporativismo próximo ao societal como alternativa à
falta de ação coletiva de caráter político.
O nosso problema não seria uma completa inadequação do regime político-econômico liberal
ao Brasil, mas a falta de iniciativa privada, inclusive e especialmente dos jovens, em determinados
estados, mormente o Rio de Janeiro. O diagnóstico é menos generalizado e enfático quanto a crítica ao
liberalismo que o apresentado sistematicamente em Populações Meridionais do Brasil, vol. I [PMB-1],
publicado em 1920.
Vianna sustentou, em “Uma eleição de classe”8, que a instituição de organizações coletivas
deveria ser reflexo da ação de uma elite representante da sua categoria e de ações do Estado que
ensejassem esta formação sindical. A eleição de um representante da lavoura no Instituto de Fomento e
Economia Agrícola do Estado do Rio de Janeiro (IFEA)9, do qual foi um dos diretores, seria uma
manifestação democrática no Brasil. Contudo, considerando que os agricultores seriam muito
insolidários, o chamado do Instituto para a respectiva eleição poderia não resultar num afluxo vigoroso
de votantes. Todavia, o caminho para a organização social estaria sendo trilhado.
Uma eleição de classe como essa foi considerada “democrática” pelo articulista devido à
pretensa impossibilidade de fraude, comum nas eleições em todos os níveis estatais. Esta segurança
constituir-se-ia num fator estimulante à participação dos agricultores. A educação política do nosso
povo estaria sendo ensejada quer pela novidade desta eleição enquanto representativa dos interesses
desta categoria quer pela prática eleitoral dos indivíduos como membros de uma dada classe
econômica.
O articulista fluminense manifestou sua crença na livre iniciativa individual na formação de
interesses coletivos bem como na sua institucionalização. O diagnóstico de “insolidarismo” não seria
completo e uniforme em todo o país. Pensamos que o insolidarismo como figura de linguagem
hiperbólica define mais adequadamente o conceito ao longo da obra de Vianna.
Em artigo de 1926, em torno de 6 anos após a publicação de seu primeiro livro que o tornou
mais conhecido intelectualmente, PMB-1, Vianna já apresenta um diagnóstico mais enfático nos
problemas generalizados de inadequação, ao menos inicial, do Brasil ao liberalismo. Neste artigo,

8 Pelas informações expressas, como a referência ao IFEA, a importância da iniciativa individual na ação coletiva, o artigo
dataria dos fins da década de 20 do século passado.
9 Oliveira Vianna participou ativamente da administração estatal em temas relativos à organização sindical e corporativa,

pelo menos, desde quando iniciou o cargo público de diretor do respectivo Instituto, em 1926. A participação do autor
fluminense, enquanto diretor deste órgão, na constituição da Companhia Salícola Fluminense, em 1927, no governo de
Washington Luis, foi uma manifestação desta atividade de articulador de interesses coletivos. C.f. Diário Oficial de 15 de
dezembro de 1927, p.26.433.

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Vianna critica uma das bases da representação nacional brasileira, o Congresso, propondo, ainda que
mantendo-o, a preponderância de uma nova forma de representação, a classista.
Generalizando sua desconfiança em relação aos partidos políticos brasileiros, Vianna (1927) não
acreditava na viabilidade das grandes organizações partidárias nacionais entre nós, pois, além das nossas
particularidades históricas – fundadas no insolidarismo -, seria um movimento universal da época os
partidos políticos representarem não princípios teórico-doutrinários abstratos, mas as classes nas quais
se apoiariam.
O único meio de evitar a absorção dos núcleos locais partidários pelos interesses personalistas
seria uma organização local de classes mais vigorosa, plena de interesses comuns. A proposta de uma
educação democrática passaria, na ótica do articulista, pela organização de uma base socioeconômica de
apoio político.
Vianna (s.d.a) sustentou que os grupos profissionais somente conseguiriam maior acesso à
administração estatal pela via dos conselhos de governo, devendo sair do que denominou, retomando
texto O idealismo da constituição, de “estado atomístico”, solidarizando-se e, enquanto coletividade
passariam a exercer maior influência sobre o corpo político.
Estas organizações de classe, ainda que não estivessem imbuídas do mesmo espírito “militante”
e combativo de conquista do poder, como na Inglaterra, restringindo suas ações ao escopo profissional,
seriam grupos que poderiam servir a “uma causa pública de um modo eficiente”.
Independentemente da capacidade intelectual das elites políticas, segundo o articulista, o corpo
político precisaria assessorar-se de técnicos profissionais no processo de administração e legiferação. A
participação das classes profissionais via conselhos consultivos seria uma “revelação” (sic) da Primeira
Guerra Mundial e expandir-se-ia mundialmente como uma necessidade do Estado Moderno. Na
Europa esta tendência seria muito evidente, mas, entre nós, ainda estaria num estágio muito insipiente.
Em artigo datado de 1932, Vianna propôs a adoção gradativa da representação classista no
Brasil, iniciando-se na esfera municipal, seguida pela estadual e, por fim, na federal, na Assembleia
Nacional10. Estas etapas deveriam ser seguidas pela necessidade de organização prévia profissional antes
da sua representação política nacional. Contudo, estas mudanças não ocorreriam pela simples ação da
imposição legal, mas seria fruto do tempo, das transformações econômicas e sociais. Esta proposta
colidiria com as forças centrífugas características da nossa formação social, o insolidarismo e a carência
de espírito associativo, mesmo em nossas elites econômicas.
Particularizando o caso das capitais, aonde possivelmente as classes econômicas poderiam se
organizar mais agilmente, a maior parte da população nacional, dos eleitores, que viviam no campo,

10A representação classista poderia ser via “colaboração consultiva” e/ou “colaboração administrativa” das corporações
profissionais. O ideal vianniano seria ir além do primeiro modo, de forma a atribuir, às organizações de classe,
competências administrativas e jurisdicionais autônomas na gerência dos seus interesses coletivos.

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passaria, segundo Vianna, muito vagarosamente do insolidarismo para a organização sindical local,
estadual e nacional.
A dimensão legal da organização societal poderia, se planejada com vistas às nossas
especificidades, estimular a participação dos indivíduos em agrupamentos representacionais, podendo
gerar gradativas transformações porque a integração social seria um fenômeno lento. Contudo, a lei
poderia também propiciar, se edificada inorganicamente, a rápida desintegração social, engendrando
uma coletividade amorfa. O articulista concede à “evolução social”, aos “agentes históricos” e não ao
Estado, às leis e a outros atos correlatos, o papel predominante nas transformações históricas.
Em artigo publicado no Diário de Notícias11, Vianna (1939a) delimita um novo espaço de atuação
estatal na econômica de forma a evitar crises de superprodução num momento de subconsumo que
então far-se-ia presente. Esta atuação justificar-se-ia pelo espírito individualista dos “leaders”
empresariais ao visarem a produção indefinida para consumo ilimitado, margeando uma ação coletiva
de subtração da produção.
Observando as relações de trabalho na Suécia e na França, Vianna (1939b) 12 positivou o
primeiro caso, que seria pautado na cordialidade e tolerância, e negativou o segundo, fundado na
discórdia e conflitos. Princípios ligados à solidariedade social fariam parte do cotidiano do mencionado
país escandinavo em suas relações entre patrões e trabalhadores, rechaçando ideias marxistas de luta de
classe como fenômeno irredutível. Ainda que conflitos pudessem ocorrer nesta relação, segundo o
articulista, a conciliação e a justiça seriam o destino da contenda.
A ideia de soluções “pragmáticas”, presente em outros artigos de Oliveira Vianna e comumente
associadas aos europeus e norte-americanos, foi retomada nesse último texto como o meio privilegiado
de solucionar os conflitos de interesses entre as classes sociais. O pragmatismo dos suecos estaria na
capacidade de equacionar as contendas “sem paixões de partidos ou de classes, sem preconceitos de
doutrina”13.
Os artigos da década de 40 do século passado, num contexto de aumento das críticas aos
regimes nazifascistas, Vianna objetivou distanciar-se discursivamente das experiências corporativas da
Alemanha e Itália da época, explicitando que deveríamos observar antes a nossa “realidade” que as
experiências externas, embora estas pudessem nos auxiliar a elaborar soluções por identidade de
problemas. Neste mote, a Carta Constitucional de 1937, que enseja mais fortemente a organização
corporativo-sindical do primeiro momento da Era Vargas (1930-1945) fora defendida por Vianna

11 O artigo compõe a 5ª parte do cap. V - “O problema das nossas crises econômicas e as nossas elites industriais” – de
POPD, 2ª ed..
12 O artigo compõe o cap. III – “Da consciência corporativa e o exemplo da Suécia” -, de POPD, 2ª ed.
13 Grifos no original.

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(1943a)14 como uma expressão antes das nossas particularidades que das experiências exógenas
similares.
O corporativismo e a organização sindical, segundo o articulista, não seriam esmaecidos com o
fim da II Guerra Mundial mas se desenvolveria no seio e em defesa das democracias. Neste último caso
referiu-se, e.g., a Inglaterra e aos Estados Unidos, que teriam organizações sindicais que colaborariam
com o Estado, contrastando com os países “totalitários” (sic), como a Itália e Alemanha, nos quais o
sindicalismo concorreria com o Estado, “visando substitui-lo ou mesmo destruí-lo”.
Vianna (1943b)15 atribuiu uma das origens do corporativismo ao pensamento católico gestado
nas encíclicas papais Rerum Novarum [1891] e Quadragesimo Anno [1931]16, afastando-as das apropriações
de Hitler e Mussolini17. Aprofundando esta categorização, o articulista propõe o que seriam dois tipos
de corporativismo dentre os vários de existiriam: o modelo “liberal” (sic), vigente na América do Norte,
na Inglaterra e na Suíça, e o “totalitário” existente na Itália e na Alemanha. O primeiro sindicalismo
sobreviveria à Guerra pois constituir-se-ia num fenômeno social universal, o segundo, não.
No que seria o alvorecer deste novo mundo, Vianna apontou para a insustentabilidade das
ditaduras e das instituições políticas que as expressariam: “Desaparecerão as ditaduras, por certo;
desaparecerão as instituições políticas em que elas se exprimem especificamente”. Contudo,
determinadas associações coligadas às ditaduras, mesmo que por determinados momentos,
permaneceriam, pois não lhes pertenceriam, sendo invenções do passado. Em contraposição à doutrina
liberal de sua época, o Estado Moderno reviveria o fundamento medieval da fraternidade, da
solidariedade e do serviço social na valorização e fortalecimento das ações de caráter coletivo. Esta
mentalidade que privilegiaria o grupo expressar-se-ia em novas associações que, cada vez mais, seriam
reconhecidas e ensejadas pelo Estado. Neste cenário internacional, nós estaríamos alinhados às novas
tendências grupalistas e aos seus imperativos.

14.O presente artigo compõe partes literais do cap. IV - “O espírito anti-fascista da nova legislação sindical” - de Problemas
de direito sindical. Vários artigos da década de 40 do século passado são permeados por tentativas de afastamento das
propostas viannianas com relação às experiências nazifascistas. O artigo, sem data e local de publicação, intitulado
“Corporativismo e fascismo” (VIANNA, s.d. b) é outra manifestação deste cenário.
15 Compõe literalmente, com modificações de forma o capítulo VII - “Sindicalismo e corporativismo no mundo pós-

guerra” - de Problemas de Organização e Problemas de Direção. Algumas das mudanças podem ser notadas na versão
original deste artigo, com inúmeros traços à caneta. Estas anotações no original do artigo visando a sua posterior publicação
em livro são indícios, como já evidenciamos antes, da releitura dos seus próprios escritos bem como a publicação
antecipada de parte de seus futuros livros, serviria também para esmerilhar sua escrita e efetuar possíveis mudanças de
sentido, da mesma forma em que contribuiria para criar uma recepção às suas brochuras, concomitantemente com a
observação da reação do público leitor aos seus textos, possibilitando-o, quando da edição do próximo livro de tema
semelhante, responder às possíveis críticas.
16 Para uma análise acerca da relação da Doutrina Social da Igreja e o pensamento de Oliveira Vianna, c.f. ARAUJO, 2010.
17 A “velha democracia dos partidos”, que seria fundada no exclusivismo, personalismo e monopólio dos cargos públicos,

não venceria a Guerra, mas o sindical-corporativismo. Em defesa deste último modelo-guia no processo de constante
formação estatal, o articulista dissociou os regimes totalitários do sindicalismo e corporativismo, atribuindo uma
anterioridade deste sobre aqueles, que se apropriaram desta doutrina visando os seus objetivos de “mando e expansão”,
como no caso alemão. Este corporativismo sindical totalitário estaria destinado ao desaparecimento (VINNA, 1943b).

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Para Vianna (1943c)18, as novas responsabilidades e prerrogativas advindas do contexto de


desenvolvimento do Estado Moderno colocariam a questão da formação das elites no centro da
educação formal. A “administração pública” e a “direção política” seriam, a partir de então, “uma
ciência e uma técnica”, não mais estando na ordem da “improvisação”, o que exigiria um empenho dos
ensinos secundários, técnico-profissionalizante e superior na formação de elites, que, por sua vez,
estariam incumbidas de formar as massas.
Estas elites dirigentes deveriam, na visão do articulista, estar imersas nos valores das massas, de
forma a engendrar um “sistema de ideias” fielmente adaptado à cultura do povo e ao seu porvir. Esta
formação seria uma exigência dos novos tempos, associados à maior participação dos “particulares” no
Estado, e.g., via representação classista no Conselho Federal e no Conselho de Economia Nacional.
Para Vianna (1943d)19, o papel do Estado no prognóstico de desenvolvimento do solidarismo
seria propiciar, amparar e desenvolver toda e qualquer manifestação de cooperação em nosso povo,
excetuando-se as de cariz antinacionais e “antissociais”, como as “associações estrangeiras com
objetivos anti-nacionalizadores” no sul e o Cangaço no Sertão. Seguir este prognóstico entendido pelo
articulista como amparado cientificamente e reflexo da “verdade”, “representaria o que poderíamos
chamar – a luta contra o insolidarismo, isto é, contra a grande falha ou lacuna da nossa estrutura social”
(Idem).
Dentre estas associações modernas, as mais significativas seriam, do ponto de vista da
organização das classes econômicas, as associações sindicais e as instituições corporativas, que estariam
se desenvolvendo no Velho Mundo. Entre nós, por vários motivos, como a dispersão geográfica
populacional, os relativamente recentes fenômenos da industrialização e da urbanização, o ainda vivo
trabalho servil e a ação desintegradora dos potentados rurais, as nossas classes econômicas não teriam
adquirido condições para atingir um nível mais elevado de “consciência de grupo”, com raras exceções.
Somente o Estado, uma força exterior ao nosso povo, poderia ensejar significativamente a formação
desta consciência, através da progressiva sindicalização das classes profissionais, que estaria se
efetivando.
Em meados da década de 40 do século passado, num momento de aumento das críticas ao
Estado Novo, Vianna (1944a)20 argumentou que a imperatividade do Estado centralizado seria uma
“missão” no processo de construção nacional, formando uma ordem legal para além dos interesses
locais e particulares. O articulista defendeu a invenção de uma mística nacional fundada neste objetivo

18 Compõe partes literais do cap. V - “Democracia de partidos e democracia de elites (teoria de uma democracia social)” -
do livro póstumo Direito do Trabalho e Democracia Social (1951).
19 Artigo publicado com o mesmo título e sem as referências completas, como o local de publicação, na 6ª parte de Ensaios

Inéditos.
20 Este artigo em defesa do statu quo foi escrito num momento de maior desenvolvimento das críticas ao governo

varguista, expressas, por exemplo, no chamado “Manifesto dos Mineiros”, em 1943.

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do Estado soberano, diverso do expresso na Constituição de 1891, extremando o federalismo,


obstaculizando a efetivação da sua missão.
Em defesa do autoritarismo do Império, Vianna entendida que o seu aspecto centralizador não
advinha de experiências exógenas, mas seria inspirado na realidade nacional, impedindo a fragmentação
do País. O Estado Novo ter-nos-ia permitido não apenas o prosseguimento da construção nacional
mas de proteção econômica das riquezas nacionais em detrimento dos interesses estrangeiros de
apropriar-se das nossas reservas vitais. Seria uma dupla afirmação, interna, via construção da Nação e
externa, pelo desenvolvimento de um povo politicamente soberano frente aos demais povos.
A descentralização proposta pelo autor fluminense fundar-se-ia em autarquias funcionais, não
territoriais como no federalismo da Constituição de 1891: determinadas funções estatais poderiam ser
prerrogativas de autarquias ligadas direta ou indiretamente ao Estado, como os institutos de previdência
e os sindicatos, respectivamente. Descentralizar-se-ia funcionalmente a administração estatal sob a
égide do poder central. Esta distribuição de funções poderia ter expressões territoriais, mas estariam
unificadas centralmente, por exemplo, no caso das confederações e federações sindicais, atuando em
níveis territoriais distintos, o que evitaria a “asfixia” do local pelo nacional, mas centralmente unificada
(Idem).

III - Conclusão

Interessante observarmos que quatro dos “ismos” teórico-conceituais centrais em Ciência


Política, quais sejam, o Fascismo, o Corporativismo, o Cooperativismo e o Liberalismo, foram
abordados por Vianna em, pelo menos, mais de 12% dos artigos de jornais considerando o total
publicado em cada década específica, leia-se as de 10, 20, 30 e 40 do século passado. Desta forma,
apesar de estar num meio de comunicação voltado para o público mais amplo, o autor fluminense não
secundarizou as suas preocupações e inquietações teóricas mas, contrariamente, utilizou os jornais
como forma não apenas de publicizar as suas opiniões e argumentos, mas igualmente como exercício
intelectual de crítica aos fenômenos sociais à luz das suas crenças, leituras e vivências particulares
(ARAUJO, 2012, p. 62).
O tema do corporativismo em Oliveira Vianna foi tratado centralmente, e.g., por Evaldo Vieira
(1981). Vieira perpassa por algumas das principais influências estrangeiras no autor fluminense,
especialmente Mihail Manoilesco21. A nossa análise dos artigos de Vianna possibilitou-nos identificar
dois momentos do seu corporativismo, indo de encontro ao que frequentemente lhe é atribuído –
generaliza-se o Oliveira Vianna dos prognósticos de PMB-1 como “O” Oliveira Vianna:
I – Mais próximo à doutrina liberal na primeira década do século XX, o articulista em questão
apregoava a adoção, entre nós, de um corporativismo, nos termos de Philippe Schmitter (1974)

21 Para uma análise acerca da influência de Manoilesco em Vianna, c.f. ARAUJO, 2010.

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semelhante ao societal, valorizando a iniciativa privada como meio privilegiado da ação coletiva, não
enfatizando a ação estatal na construção de representações de classe;
II - Após o contato com a obra de Alberto Torres22, o liberalismo brasileiro em prática na época
foi progressivamente sendo mais criticado pelo articulista, que direcionou maior atenção à ação estatal
como veículo central da ação coletiva, secundarizando, sem desconsiderar, a ação da iniciativa privada,
aproximando-se, portanto, do corporativismo estatal. Este segundo momento pode ser fortemente
demarcado nos artigos posteriores, especialmente, aos anos de 1920. Este segundo momento constitui,
geralmente, um denominador comum para tratar do “Oliveira Vianna” como todo. Em exemplo desta
generalização autoral está presente na ideia de “semeador” utilizada por Luiz Guilherme Piva (2000, p.
68), na qual o autor fluminense prognostica um estado forte contra os “determinismos negativos” do
nosso povo, principalmente a insolidariedade.
A partir da participação do autor fluminense no Ministério do Trabalho Indústria Comércio
(1930-1940), as suas leituras acerca da temática corporativista foram ampliadas consideravelmente,
refletindo em maiores e mais detalhados diagnósticos e prognósticos acerca do corporativismo no
Brasil.
Ainda no interior deste segundo momento do corporativismo em Vianna que, aos termos de
Schmitter (1970) denominamos de estatal, já mais ao fim da sua vida, especialmente no decorrer da II
Guerra Mundial, o autor objetivou distanciar o corporativismo enquanto doutrina das suas experiências
singulares, principalmente a alemã e italiana num momento de aumento das críticas às ações estatais
destes países.
O sindical-corporativismo na apropriação vianniana propunha formar um novo espaço
cognitivo e indentitário trabalhista de modo a ensejar uma nova cultura política nacional que
transpassasse subculturas, classes e frações de classes distintas.
Conceitualmente, Vianna não foi um “antiliberal” na medida em que assimilou positivamente
componentes constitutivos do liberalismo23 em diversos momentos da sua obra, como a valorização da
“tolerância” entre os indivíduos, preocupação com a coação e a representatividade social discrepante de
determinados grupos sociais, mormente os “clãs”, com relação à sociedade mais ampla e,
consequentemente, aos indivíduos que a compõe. Afastou-se do totalitarismo ao chamar atenção para
os limites da ação do Estado em relação à sociedade civil e a limitação da discricionariedade dos
poderes executivos e legislativos, por dispositivos legais, através de um judiciário forte. Neste sentido,
entender o pensamento do autor fluminense em tela apenas pela chave interpretativa da “modernização
pelo alto” obscurece a sua complexidade e potencial teóricos.

22Possivelmente por volta de 1913-14.


23A importância da iniciativa privada em Oliveira Vianna teria diminuído à partir do fim da década de 20 e ao longo da
década de 30 do século XX, passando a conceder cada vez maior importância ao estado como ensejador da ação coletiva
sem, contudo, absorver o indivíduo no Estado, ao propor uma saída pedagógica e de longo prazo.

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Pensar Oliveira Vianna pela noção de tensão é mais adequada que a simples oposição e/ou
contradição que geralmente se lhe atribui, seja de um liberalismo no “jovem” Oliveira Vianna seja de
um completo autoritarismo, per si contrário ao liberalismo, como se esta última doutrina não
possibilitasse hibridizar-se, em casos particulares, com alguns dos seus componentes ao autoritarismo e
vice versa. Ao caracterizar o autor fluminense como “antiliberal”, o prefixo “anti” anula,
completamente, a possibilidade de amálgamas e conciliações entre ideias gestadas no âmago de
doutrinas no todo dessemelhantes.
O corporativismo é, ainda hoje, (re)atualizado em nosso país, mesmo que, discursivamente, não
empreguemos esta nomenclatura para definir as nossas experiências corporativas. Podemos citar, além
do arranjo sindical, a representação de classe no interior do nosso Parlamento, formando “bancadas”
específicas para atender a interesses determinados pela sua base de apoio social classista, constitui mais
uma manifestação da relevância deste tipo de organização na vida brasileira.
Interessante notarmos que, na tentativa de ressignificação das nossas experiências corporativas,
os veículos da grande mídia costumam restringir o termo “corporação” ao seu uso costumeiro na língua
inglesa, as corporations, as grandes empresas, pouco mencionando o caráter corporativo das nossas
associações de classe, do governo e do Parlamento.
Este paper pretendeu constitui-se num pilar para problematizar o Brasil de ontem e de hoje,
(re)pensando uma das dimensões doutrinárias que fundamentam o constante processo de
(re)construção da nossa identidade nacional e do desenvolvimento de novos direitos, especialmente os
trabalhistas, que permeiam discussões (extra)acadêmicas até o presente.

Referências

I - Livros de Oliveira Vianna


VIANNA, Oliveira (1920). Populações meridionaes do Brasil: Historia, organização e psycologia; populações rurais do centro sul
– paulistas, fluminenses e mineiros. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933.
______. “O Idealismo da Constituição”. In (sem indicação de organizador) À margem da história da República:
ideaes, crenças e affirmações. Rio de Janeiro: Annuario do Brasil, 1924.
______. Problemas de direito corporativo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.
VIANNA, Oliveira. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1943.
______. Direito do trabalho e democracia social [o problema da incorporação do trabalhador no Estado]. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1951.
______ (1952). Problemas de organização e problemas de direção (o povo e o governo). 2ª ed. Rio de Janeiro: RECORD,
1974.
______ (1930). Problemas de política objetiva. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1974.
______. Ensaios inéditos. São Paulo: UNICAMP, 1991.

II - Artigos de Jornais de Oliveira Vianna


VIANNA, F. “Democracia e solidariedade (Estado do Rio)”. Vassourense, Vassouras, 1910.

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______. “Uma eleição de classe”. s.d.
______. “O problema das elites–VI”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 03/jan./1926.
______. “Educação democrática”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 25/maio/1927.
______. “O problema da representação profissional”. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 04/dez./1932.
______. “Crise e elites dirigentes”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 15/mar./1939a.
______. “O exemplo da Suécia”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro. 23/abr./1939b.
______. “Razões da originalidade do sistema sindical brasileiro”. A Manhã. Rio de Janeiro, 18/jun./1943a.
______. “O sindicalismo e o corporativismo do mundo do após-guerra”. A Manhã. Rio de Janeiro,
03/set./1943b.
______. “O Estado moderno e o problema das ‘elites’”. A Manhã. Rio de Janeiro, 18/jul./1943c.
______. “Individualismo e solidarismo”. A Manhã. Rio de Janeiro, 08/out./1943d.
______. “A unidade nacional e a missão do poder central”. O Estado. Niterói, 02/abr./1944a.
______. “Os conselhos technicos nos governos modernos”. O Jornal, Rio de Janeiro, s.d. a.
______. Corporativismo e fascismo. s.d. b.

III – Referências Gerais


ALVES FILHO, Aluizio. Um estudo comparativo sobre a construção da identidade da América Latina nos jornais A Folha de
São Paulo e o Clarim de Buenos Aires. (Tese de doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília (UnB), 1997.
ARAUJO, George F. R. de. UM SAQUAREMENSE EM RECORTES DE JORNAIS: Oliveira Vianna
articulista. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal
Fluminense, Niterói, 2012.
______. UMA ANÁLISE SOBRE O CORPORATIVISMO EM OLIVEIRA VIANNA. Anais do Evento, II
Seminário Nacional Sociologia & Política, UFPR, 2010, vol. 7. Disponível em:
http://www.seminariosociologiapolitica.ufpr.br/anais/GT07/George%20Freitas%20Rosa%20de%20Araujo.pdf
Acessado em: 01/10/2013.
______. Breve informação biográfica In: ALVES FILHO, Aluizio (Org.). Oliveira Vianna: uma introdução ao estudo
da formação social brasileira: pioneirismo, contribuições e questões polêmicas. Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes,
2011. (Memória do Saber)
BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre os intérpretes do
Brasil. São Paulo: Unesp, 2005.
MANOILESCO, Mihail. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. De Azevedo
Amaral. Rio de Janeiro: José Olympio, 1938.
PIVA, Luiz Guilherme. Ladrilhadores e semeadores: a modernização brasileira no pensamento político de Oliveira Vianna,
Sergio Buarque de Holanda, Azevedo Amaral e Nestor Duarte (1920-1940). São Paulo: Departamento de Ciência
Política da Universidade de São Paulo, Ed. 34, 2000.
VENANCIO, Giselle. Na trama do arquivo: a trajetória de Oliveira Vianna. Tese de Doutorado em História,
Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), Rio de Janeiro, 2003.
VIEIRA, Evaldo. Autoritarismo e corporativismo no Brasil: Oliveira Vianna & companhia. 2ª ed. São Paulo: Cortez,
1981.
WOLIN, Sheldon S. Política y perspectiva – continuidade y cambio en el pensamiento político occidental [1960]. Buenos Aires:
Amorrortu, 1974.

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Identidade e processos organizativos da população
negra no Sul e Sudeste do Pará

Ivan Costa Lima1


Raiane Mineiro Ferreira2

Introdução

E
ste artigo discute a atuação do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações
Raciais, Movimentos Sociais e Educação - N’UMBUNTU da Faculdade de Educação,
da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Marabá/PA. Programa que articula
ensino, pesquisa e extensão em função da legislação educacional, como também em subsidiar
educadores/as, estudantes e a sociedade em geral na região Norte, sobre o pensamento social clássico
referente às relações raciais no Brasil.
O Núcleo conta em suas ações com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão (Proex) e da Pró-
Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PROPESP) ambas da Universidade Federal do Pará. Desta
última no desenvolvimento de pesquisa, no âmbito do programa de Apoio ao Doutor Pesquisador
(PRODOUTOR/2012), subprograma apoio ao Doutor Recém Contratado (PARC), contando com
uma bolsa de iniciação científica (PIBIC).
O Núcleo de Estudos em Relações Raciais, Movimentos Sociais e Educação - N’UMBUNTU
se constituiu numa dimensão critica, onde seu codinome se referencia no universo civilizatório africano,
cuja matriz é conhecida no Brasil como nação bantu, grupo linguístico que influenciou profundamente
o jeito, a forma dos falares e práticas religiosas na sociedade brasileira. Ubuntu tem como sentido uma
abordagem coletiva, pois um de seus mais conhecidos significados é: "Eu sou o que sou devido ao que todos
nós somos", evidenciando o universo de interdisciplinaridade preconizada pela ação educacional. Desta
forma o Ubuntu é visto como um dos princípios fundamentais e como forma de resistência à opressão,
e está intimamente ligado à ideia de enfatizar a necessidade da união e do consenso nas tomadas de
decisão, bem como na ética humanitária envolvida nessas decisões.
A partir deste princípio o N´UMBUNTU coloca na ordem do dia as mudanças nas
concepções arraigadas sobre as populações negras em todas as partes do Brasil, buscando alterar as
concepções cristalinas sobre os processos civilizatórios produzidos pelos descendentes de africanos.
A fundamentação que norteia as ações baseia-se no debate em que a sociedade brasileira, no
início deste novo século, vem enfrentando inúmeros desafios, colocados por processos históricos

1 Professor Doutor - Faculdade de Educação – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará/ UNIFESSPA – Agencia
financiadora: Pró-Reitoria de Pesquisa – PROPESP/PRODOUTOR/UFPA.
2 Bolsista do N’UMBUNTU – PIBIC, aluna do curso de graduação em letras – inglês. Universidade Federal do Sul e

Sudeste do Pará - UNIFESSPA


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motivados em parte pela ação de diferentes organizações dos movimentos sociais (GOHN, 1997),
dentre eles o Movimento Negro (MN). Tais movimentos buscam entre outras questões problematizar a
ação do Estado na perspectiva de executar políticas públicas, que levem a efetivação dos direitos sociais
a diferentes parcelas de populações excluídas destes processos.
O projeto apresentado a Propesp/Prodoutor 2012 apresenta como principal método a
utilização da história oral, segundo a visão de Meihy (2002, p.13) “história oral é um recurso moderno
usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida social de pessoas”.
Assim, o trabalho realizado tem como característica a abordagem da memória como fonte de
conhecimento, na tentativa de apreender os movimentos e os atores sociais, que impulsionaram suas
proposições na perspectiva de mudanças estruturais, a partir de suas próprias falas. A evidência oral
transforma os “objetos” de estudo em “sujeitos”, contribuindo para uma história que não só é mais rica
mais viva e mais comovente, mas também mais verdadeira (THOMPSON, 1992, p.137).
A partir desta matriz inicial a pesquisa desenvolvida utilizou-se de outros referenciais para
apreender as formas organizativas da população negra na região, especialmente a pesquisa participante,
que tem sido teorizada como conhecimento coletivo produzido a partir das condições de vida de
pessoas, grupos e classes populares, como tentativa de avançar a partir da ciência tal conhecimento, “de
dentro para fora, formas concretas dessas gentes, grupos e classes participarem do direito e do poder de
pensarem, produzirem e dirigirem os usos de seu saber a respeito de si próprios” (BRANDÃO, 1999,
p. 10). Com isso a pesquisa neste primeiro semestre centrou-se em entender a organização das religiões
de matriz africana de Marabá, pela constatação in lócu de suas ausências nos documentos oficiais.
Desta forma, articulou-se como método a realização de diferentes modalidades para a pesquisa
científica, como entrevistas semiestruturadas para compreender as formas como os sujeitos destas
religiões chegam até ela como se organizam diante as demonstrações de preconceito e
desconhecimento sobre seus fundamentos. Assim como de observações dos lugares de participação
desses sujeitos sociais, e de técnicas como filmagem e registro fotográfico, que como discute Caputo
(2012) “Como lembra o cientista social e fotógrafo Luiz Eduardo Robinson Achutti, a fotografia e a
antropologia nasceram praticamente na mesma época e com as mesmas preocupações.” (p.172). Assim
este uso da imagem expressa à articulação com os depoimentos, revelando a diversidade, que envolve as
práticas das religiões de matriz africana em Marabá.
Do ponto de vista do levantamento bibliográfico acerca do tema pudemos comprovar a escassa
produção acerca dos processos organizativos da população negra na região sul e sudeste do Pará.
Registramos a produção de apenas três trabalhos de graduação, que tratam sobre a população negra.
Dois deles se referem ao Bairro “Cabelo Seco”, que constitui em nossa análise um espaço de maioria
afrodescendente, conforme demonstra os estudos de Cunha Júnior (2012).
Nossa pesquisa ampliou nossa compreensão acerca deste debate nesta região e a necessidade de
se problematizar a presença negra na cidade, que pode se notar carece de políticas públicas, conforme o

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caso deste bairro de Marabá. Ao se defrontar com esta condição percebeu-se a necessidade da
universidade contribuir em dar visibilidade a esta localidade e as formas que a população negra assume
para defender sua identidade. Desta forma, o N’UMBUNTU promove uma ação que coloca o bairro
em evidência, assim como amplia a discussão teórica sobre a importância da educação e o
questionamento do pensamento social sobre a presença negra.
Estes debates foram importantes para ampliar nosso conhecimento acerca do tema das relações
raciais, ampliando, como descrevemos em nossa proposta de trabalho, a necessidade de práticas
educativas, assim como as investigações que reflitam, conforme indica para o campo da educação,
práticas e valores próprios das experiências históricas e contemporâneas dos descendentes de africanos.
Mais ainda, que adotem paradigma que enfatize tanto sua cultura como os caminhos que lhes são
peculiares para produção de conhecimentos, e, além do mais, comprometam-se com o fortalecimento
da comunidade negra. Desta forma, contextualizar o debate educacional com as estratégias de combate
ao racismo, às reivindicações específicas sobre a cultura e a história preconizada pelo Movimento
Negro, como uma contribuição em “fotografar”, no dizer de Bandeira (1994), o discurso democrático
da sociedade e do sistema educacional. Neste sentido a participação no processo de formação de
educadores da rede municipal de ensino.
Em termos teóricos a possibilidade de socializar o conhecimento sobre a legislação que
determina o estudo da história e cultura negra na escola (BRASIL, 2003) e diferentes autores que tem se
debruçados sobre a forma de introdução destes conteúdos.
Localizamos como expressões da mobilização negra no sul e sudeste do Pará, o Movimento
Hip Hop em Marabá, em suas diferentes dimensões como o RAP (que é a parte musical) e BBOYS (a
parte da expressão corporal), elementos de atuação dos negros que se situam na periferia de Marabá.
Do mesmo modo se situa o mapeamento de diferentes formas organizativas da religiosidade da
população negra, a partir de seus terreiros de candomblé e umbanda espalhados pela cidade.
Conhecimentos estes que estão sendo sistematizados em diferentes interesses de pesquisa e
aproximação com o universo acadêmico, como poderemos ver a partir da participação destes sujeitos
no encontro promovido pelo N’UMBUNTU, que articulou reflexão teórica e prática na realização de
diferentes oficinas e mesas que priorizam o conhecimento sobre o universo da cultura negra no Pará.
Consideramos pertinente apontar que a produção existente na região ainda se mostra restrita, mas com
a participação de intelectuais convidados para as ações constituídas trazem conhecimentos mais amplos
sobre a organização da população negra e justifica a necessidade de um aprofundamento por parte de
nossa pesquisa de quais formas a população negra lança mão em sua trajetória na cidade de Marabá.
Cunha Júnior vai escrever que “africanos e afrodescendentes participaram significativamente da
formação socioeconômica do Estado do Ceará, no entanto os processos de dominação e imposição de
uma cultural ocidental têm contribuído para que estes povos não sejam bem representados na cultura e

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na historia” (2011, p. 11), o que é demonstrado pelas diferentes discussões trazidas por estes grupos
aqui em Marabá.

Negro e Educação: abordagens teóricas, políticas e sociais

O N’UMBUNTU se constitui como respostas as demandas de construção de conhecimentos


sobre a participação da comunidade negra na constituição das estruturas sociais, culturais e políticas no
Brasil. Assim como, pela necessidade de pesquisas e estudos que contextualizem a população negra na
região amazônica. Tais debates devem contribuir no acúmulo de informações tão necessárias na
compreensão dos processos, que forjam a conformação da sociedade brasileira, que devem ser
problematizados, pesquisados e constituir ações educativas no combate ao racismo nos sistemas de
ensino.
Ao mesmo tempo, o N’UMBUNTU deve dar consequência às determinações legais, entre elas
a lei 10639/2003 que altera a LDB para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, e dá outras providências. Da mesma forma,
implementar as determinações do Conselho Nacional de Educação (CNE) 003/2004, no que se refere
às diretrizes curriculares nacionais para a Educação das relações Étnico-raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
Junta-se ainda a resolução nº 1 deste mesmo Conselho, de 2004, que institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnicos-Raciais e para o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, que entre outras questões resolve:
§ 1 As instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e
atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações Étnico-
raciais, bem como, o tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos
afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/CE 3/2004.

Considera-se pertinente acrescentar o atendimento ao Programa Nacional de Direitos


Humanos, bem como os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, com o objetivo de
combater o racismo, tais como: a Convenção da Unesco de 1960, direcionadas as formas de ensino, a
Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações
Correlatas de 2001, entre outras. Todos estes dispositivos legais, bem como as reinvindicações e
propostas do Movimento Negro ao longo do século XX, apontam a necessidade em se discutir sobre o
papel que a universidade deve assumir como impulsionadora de uma nova postura diante desses
pontos. Assim como suas influências na ação docente como possibilidade de incorporar esse debate
como tema fundamental na mudança da sociedade e da educação brasileira.
Inicia-se, pressupondo-se que há uma resistência dentro das unidades universitárias contra
introduzir nos seus conteúdos programáticos e na ação docente elementos de outras culturas e outros
saberes. É a mudança desse estado que estimula as organizações negras, os/as intelectuais e vários

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profissionais da educação a problematizarem os paradigmas norteadores da educação e da sociedade


brasileira.
A referida resistência da academia brasileira se deve em parte à percepção de que existe a
imposição de uma cultura dominante denominada de ocidental. De maneira breve, conforme ressalta
Pimenta (2002), as universidades brasileiras estruturam-se tendo como influência alguns modelos
europeus (ULLMANN, 1994 ).
Com isto, pode-se argumentar que a universidade tem que se preparar para as transformações
exigidas por várias instituições sociais, o que significa considerar a abordagem de novas categorias,
como subjetividade, complexidade e novas práticas culturais. Por isso, a academia está sendo chamada a
rediscutir seus compromissos institucionais como um ponto importante para uma avaliação inovadora e
ao futuro da universidade como organismo social e a sua relação com a sociedade em que está imersa.
A partir deste raciocínio, para além de seus evidentes deveres no campo da ciência e da
tecnologia, impõe-se à universidade uma nova responsabilidade no que se refere ao campo de novas
identidades culturais, retomando seriamente a questão de sua função social em todas as áreas de
atuação. Tal desafio não significa apenas abrir pequenos espaços no currículo para a abordagem destes
temas, mas como possibilidade em equilibrar o desafio entre a formação técnica e a formação
humanística. Necessariamente, deve-se ampliar com todo o rigor o conceito de formação acadêmica,
que se baseia num só referencial considerado universal.
Na visão de universal funciona como a imposição de uma visão eurocêntrica de mundo. As
ideias de ocidente e a cultura ocidental trabalham como parte da dominação cultural. No trato dado ao
universal desaparecem as especificidades, ficam as categorias gerais, que são as da cultura grego-
romana, judaico-cristã. Estas culturas que fundamentam o eurocentrismo. E que anulam como
relevante às expressões de africanos e afrodescendentes (CUNHA JÚNIOR., 2006 ).
Com isso a universidade, considerada como instituição social, é chamada a avaliar as bases
ideológicas e teóricas, fortemente enraizadas no projeto de modernidade, que informam os
pressupostos e crenças que fundamentam a formação acadêmico-científica na produção de saberes
sobre os outros e a respeito do mundo.
O universo de atuação do N’UMBUNTU tem sido bastante rico e instigante, por conseguir, até
este momento, articular as diferentes dimensões propostas para as instituições de ensino superior, no
que se refere à integração entre pesquisa, ensino e extensão. De fato para que esta tarefa universitária
tenha êxito coloca-se como fundamental a formação dos estudantes e dos professores em torno de uma
temática, que deva ultrapassar a legislação educacional, mas como necessária a formação histórica e das
identidades brasileiras.
Desta forma, se expressa à necessidade de coleta de novos dados junto aos sujeitos propostos
pelo projeto, a fim de ampliar o conhecimento científico contribuindo para contextualizar o debate
educacional com as estratégias de combate ao racismo, foco de constituição do Núcleo de estudos,

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pesquisa e extensão em relações étnico-raciais, movimentos sociais e educação – N’UMBUNTU, na


cidade de Marabá e região.

N’UMBUNTU em Ação: pesquisa, ensino e extensão em relações raciais

Para a execução dos princípios elencados anteriormente, o N’UMBUNTU construiu diferentes


estratégias, que articulam pesquisa e ação social. A partir do conjunto dos diferentes projetos
organizamos a atuação do N’UMBUNTU em torno das seguintes ações:

1) Levantamento bibliográfico sobre a temática no acervo da biblioteca da UFPA – Campus


Universitário de Marabá, para posterior indicação dos mesmos nas atividades de qualificação de
professores/as – No que se refere a uma abordagem local a deficiência de materiais relacionando a
história e a cultura negra na região.
2) A partir da constatação anterior montamos uma biblioteca com livros relacionados à temática
da História e Cultura Afro-brasileira e Africana, na sala do N’UMBUNTU – acervo próprio do
coordenador e de trocas com os convidados das demais ações – , contamos com 120 livros 7 DVDs e 2
jogos. O acervo é aberto para todos os interessados através do cadastramento. Além disto constituímos
um acervo eletrônico dos materiais disponibilizados pela internet.
3) Participação de formação de Professores/as das disciplinas de História, Geografia e Ensino
Religioso da Secretaria de Educação de Marabá - escolas municipais, realizado na EMEF Martinho
Mota da Silveira em 24 de outubro de 2012. O foco desta formação foi apresentar aos educadores a
constituição do N’UMBUNTU e sua disponibilidade de ensino, pesquisa e extensão sobre a história e
cultura afro-brasileira e africana, a partir da distribuição de um folder. Para tanto o coordenador do
Núcleo conduziu um debate acerca do processo histórico que leva na contemporaneidade aos debates
em torno da lei e das ações afirmativas.
4) Construção do Blogger do N’UMBUNTU e uma conta na rede social (facebook), para
disseminar em meios às novas tecnologias, os conhecimentos e saberes da população negra paraense.
Atualizamos as páginas, com eventos, fotos, projetos e textos relacionados com a temática.

Estas ações evidenciam a necessidade de uma organização mínima, no sentido de cumprir


nossas metas de colocar na ordem do dia os debates em tornos das relações raciais na região amazônica,
articulando o universo acadêmico com diferentes sujeitos da comunidade mais abrangente.
Assim demos inicio a principal atividade desenvolvida pelo N’UMBUNTU nomeada
“N’UMBUNTU em ação: Arte, Cultura e Saberes Afro-brasileiros na Amazônia”. Desde o inicio
houve grande interesse na participação do evento ultrapassando a 80 inscritos, entre estudantes,
professores e comunidade. Assim o N’UMBUNTU, através do projeto de extensão, promoveu a
participação da população e dos movimentos sociais possibilitando a articulação de elementos culturais

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com a formação no campo da cultura negra paraense, ampliando o conhecimento de saberes produzido
por estes sujeitos sociais nesta região.
O segundo momento de visibilidade sobre as temáticas propostas pelo Núcleo foi a
realizaçãodo1º Encontro de Ensino, Pesquisa e Extensão “Consciência Negra para Valer” e
Curso Iniciativas Negras Regional: Trocando Experiências. Esta ação contou com dois
momentos diferenciados:
1º Momento: Ação prática em um dos nossos campos de interesse de pesquisa
Realizado: no dia 20 de novembro de 2012
Local: Bairro Francisco Coelho – “Cabelo Seco”
Programação:
- Exibição e Debate do filme Kiriku e a Feiticeira, ação desenvolvida com as crianças do bairro,
visando trabalhar a história e cultura das populações africanas como herança ancestral.
- Pinturas nas camisetas, voltadas a dar visibilidade ao bairro enquanto Raiz da Diversidade
Marabaense, este bairro é majoritariamente composto pela população Negra que deu origem a Marabá,
e hoje sofre um grande descaso pelo poder público, em questões de segurança, iluminação pública, ruas
não asfaltadas e falta de saneamento básico.
- Grupo de Dança: Princípios Cabelo Seco – grupo composto pelas crianças do bairro e dançam
músicas típicas paraenses como o Carimbó.
- Desfile Beleza Negra do Cabelo Seco Futurando – desfile montado pelos moradores/as, onde
as crianças dos bairros desfilaram sua beleza negra, trabalhando a valorização da estética das populações
negras.
- Passeata, este evento foi realizado no dia 20 de novembro, data esta que se remete ao dia que
ZUMBI foi assassinado, uma das principais lideranças do Quilombo de Palmares, símbolo da
resistência ao regime escravista e da consciência negra de homens e mulheres em busca da liberdade e
da construção de uma nação. Este marco de luta, na atualidade, foi retomado com a criação do 20 de
Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, proposta pelo Movimento Negro e,
assumida posteriormente pelo estado brasileiro. A partir daí passou a ser comemorado como a data
mais importante da população negra brasileira. A passeata foi uma proposta de manifesto para se
efetivar políticas públicas e educacionais em prol do povo negro, e dar visibilidade a esta população, sua
história e cultura.
2º Momento; Ação prática articulando ensino e pesquisa
Realizado: nos dias 30 de novembro a 01 de dezembro de 2012
Local: UFPA/Campus Universitário de Marabá
Realização: Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Relações Raciais, Movimentos Sociais
e Educação - N’UMBUNTU/UFPA com parceria do Núcleo Brasileiro, Latino Americano e
Caribenho de Estudos, em Relações Raciais, Gênero e Movimentos Sociais – N’BLAC/UFC.

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O N’BLAC promove um curso intensivo com dez dias de duração realizado na Universidade
Federal do Ceará, que reúne ativistas do movimento negro em âmbito nacional com o objetivo de
trocar experiências, participar em oficinas e assistir aulas e refletir sobre as questões ligadas ao debate
contemporâneo sobre relações raciais e antirracismo. Este curso acontece bianualmente, e no interim o
curso acontece em diferentes regiões do país, sendo que neste ano o N’UMBUNTU foi convidado a
integrar esta parceria.
Buscamos dar evidência ao fazer dos movimentos sociais, da população Negra Marabaense,
para mostrar seus interesse e preocupações com a superação do racismo e discriminação racial.
- Oficinas de Bonecas Negras e Tranças, ministradas pelo grupo mulheres de Dandara, em que
buscamos valorizar e reconhecer a estética das populações Negras. Oficina de Capoeira, em que
trazemos um pouco do universo da história e cultura afro-brasileira e africana, como sinal de resistência
e identidade cultural. Oficina de DJ, em que o ministrante é um integrante das lutas do movimento
negro e busca por meio das músicas denunciar e resistir as discriminações raciais e preservar, valorizar
as músicas de origem afro enquanto herança cultural. Oficina de Estêncil, buscamos por meio de
imagens, na pintura das camisetas, valorizar a história e cultura negra.
Estas diferenças oficinas nos ofereceram uma mostra da mobilização negra em Marabá que será
sistematizada buscando ampliar a construção de conhecimentos sobre a a trajetória da população negra
em Marabá.
- Conferência: “Africanidades e Afrodescendência: da pesquisa as ações afirmativas” ministrada
pelo Prof. Dr. Henrique Cunha Júnior, da Universidade Federal do Ceará – Campus Fortaleza.
- Mesa: “Os Desafios na Execução da Legislação sobre Inclusão de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana nos Currículos Escolares”, Profª. Msc. Jeruse Romão – Santa Catarina. Presidenta
de Fórum de Diversidade Étnico-Raciais de Santa Catarina
- Debate: “Pensamento Social Brasileiro e as Relações Raciais”, Profª. Drª. Joselina da Silva –
Universidade Federal do Ceará UFC – Campus Cariri, coordenadora do N’BLAC,
Do ponto de vista do ensino, o N’UMBUNTU oferta a cada semestre diferentes disciplinas
sobre as temáticas desenvolvidas, sendo que estas disciplinas são abertas ao conjunto de cursos do
campus universitário, além de buscar intervir para que os Projetos Pedagógicos incluam esta temática
nas diferentes áreas de conhecimento.

N’UMBUNTU ANO I: Ações em 2013

Dando continuidade às atividades no ano de 2013, o Núcleo desenvolveu diversas intervenções


articulando os projetos de extensão e pesquisa, na perspectiva de ampliar a importância em de discutir
dentro e fora dos espaços acadêmicos a história e a cultura africana e afro-brasileira. Podemos elencar
como de mais significativos as seguintes ações do N’UMBUNTU, na tentativa de ampliar os enfoques
teóricos e metodológicos propostos por sua atuação no sul e sudeste do Pará.
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- OFICINA TÉCNICA COM O MINISTÉRIO DA CULTURA/ FUNARTE:


Realizada em março/2013 esta oficina teve como objetivo apresentar os diferentes editais aos
produtores culturais da cidade de Marabá. O N’UMBUNTU mobilizou produtores e artistas negros,
que expuseram parte de suas produções em parceria com as ações educativas do Núcleo, aos
representantes do Ministério da Cultura e demais artistas locais. Após esta ação foi proposto um
projeto para o edital da FUNARTE ARTE NEGRA, que contou como parceiros; Universidade Federal
do Pará - UFPA; Instituto Tecnológico do Pará – IFPA; Instituto Cultural Hosana Lopes de Abreu
Cunha; Movimento de Mulheres Dandara; Movimento Hip Hop e os artistas Éric de Belém e Deyze
dos Anjos. O projeto se encontra em fase de avaliação e concorre a uma premiação de R$ 150.000,00
(cento e cinquenta mil reais), tendo o N’UMBUNTU como organizador.
- CICLO DE ESTUDOS EM HISTÓRIA DA ÁFRICA.
O ciclo foi dividido em três momentos: o primeiro ocorreu dia 27 de Abril com o terma Nosso
olhar e interesse sobre a África: a importância da história da África para os sistemas de ensino
brasileiro com a participação de Tchangai Pyabalo Policarpo que reside em Marabá, nascido na
República do Togo- África. O segundo momento ocorrido em 25 de Maio África, invenções e
reinvenções pelos movimentos culturais/intelectuais, com debates realizados pelos professores
doutores/as; Ivan Lima, Gisela Villacorta e Idelma Santiago, do campus de Marabá. O último módulo
ocorreu no dia 22 de Junho com o tema Línguas e literaturas africanas e afro-brasileiras com a
participação do Professor Dr. Henrique Cunha Júnior da Universidade Federal do Ceará/UFC, e
membro do Núcleo de Africanidades Cearenses – NACE ligado ao programa de pós-graduação da
mesma universidade.
- CAMPANHA QUE É DE AXÉ DIZ QUE É! MARABÁ 100 ANOS NÓS TAMBÉM
CONSTRUÍMOS
No dia 16 de Agosto o Núcleo deu inicio a Campanha “Quem é de Axé, diz que é! Marabá 100
Anos Nós Também Construímos” que surgiu em outros estados no país no ano de 2010 a partir da
ação do Coletivo de Entidades Negras, que identificou o número muito pequeno de pessoas que se
declaravam como integrantes de religiões de matrizes africanas nos dados oficiais. Em Marabá acontece
em face ao desconhecimento dos órgãos governamentais da presença destas religiões em vários bairros
da idade, e que se encontram fora dos documentos produzidos nos 100 anos da cidade.
Objetivamos contribuir na visibilidade e na importância de declarar a religiosidade, e como
forma de reverenciar os ancestrais e afirmar as raízes de matriz afro, com a parceria da ASSOCIAÇÃO
ESPÍRITA E UMBANDISTA DE MARABÁ, com a finalidade de reunir os adeptos da doutrina
espírita, umbandista e demais cultos afro-brasileiros de Marabá e região, difundindo, orientando e
coordenando as atividades espirituais e assim promover a defesa dos interesses de seus associados.
Além da campanha aproveitamos a parceria para registar dados para a pesquisa apresentada ao
Prodoutor/2012, buscando informações de como as religiões de matriz africana se organizam e se

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relacionam com a cidade de Marabá, em função dos processos discriminatórios sofridos pelos afro-
religiosos. Como resultado teremos a publicação dos CADERNOS DO N’UMBUNTU, que deve
divulgar artigos científicos e publicar o dossiê Religiões de matriz africana de Marabá, com previsão de
lançamento para novembro deste ano.
Dentro do programa da Campanha participamos ativamente da Grandiosa festa em
homenagem à Yemanjá/Oxum que ocorreu dia 17 de Agosto, que retoma uma tradição já existente em
Marabá, registrada pela primeira vez em 1988, realizada pela associação contando com a presença de
terreiros da cidade e região, saindo em carreata, procissão e entrega de oferendas e homenagem a estes
Orixás. Participando também da produção de Folders, faixas, e banners, com apoio da PROEX,
PROPESP e Secretaria de Cultura de Marabá e demais secretarias municipais.
- FORMAÇÃO REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE MARABÁ
Como parte de uma negociação iniciada em 2012, os professores doutores Gisela Villacorta e
Ivan Costa Lima realizaram 02 formações com professores/as da rede municipal de educação, das áreas
de história, artes e religião debate o ensino religioso, que tem sido oferecido pela instituição.
Observamos as dificuldades dos profissionais em lidar com a história e acultura negra e africana, em
especial com as religiões de matriz africana. A partir desta constatação propusemos um debate mais
amplo com a rede, no sentido de construir um programa consistente de formação durante todo o ano.
Esta proposição até o momento não foi acatada pela administração municipal.
- CONFERÊNCIA DE IGUALDADE RACIAL
Convocada pela administração municipal a conferencia de igualdade racial do munícipio de
Marabá foi realizada no dia 10 de agosto, com a presença de autoridades locais e de capital, no sentido
de tirar delegados para a conferência estadual, bem como propor a constituição no município de
políticas de igualdade racial. O N’UMBUNTU organizou parte desta dinâmica e o prof. Dr. Ivan Costa
Lima representa a universidade como delegado na conferencia estadual, que ocorrerá no final do mês
de agosto. Esta intervenção evidencia a necessidade da cidade assumir políticas públicas tendo como
foco a população negra, que tem sido impactada de maneira negativa com a violência que recaem sobre
a juventude e mulheres negras.
- PARTICIPAÇÕES EM EVENTOS ACADÊMICS
- I Congresso Nacional Educação para as relações étnico-raciais: identidades e alteridades -
CNEPRE, com a participação do prof. Dr. Ivan Costa Lima, que apresentou comunicação oral
intitulada “PROCESSOS ORGANIZATIVOS DA POPULAÇÃO NEGRA NA AMAZÔNIA
PARAENSE: AÇÕES DE EXTENSÃO E PESQUISA DO N’UMBUNTU”, co-autoria de Raiane
Ferreira e Juliana Sindeaux, na cidade de Campina Grande, no período de 13 a 16 de maio.
- Este mesmo artigo foi apresentado no mês de Junho no V FIPED - Fórum Internacional de
Pedagogia, Pesquisa na Graduação: justiça social, diversidade e emancipação humana, em Vitória da
Conquista- Bahia pela bolsista Raiane M. Ferreira, com coautoria do prof. Dr. Ivan Costa Lima.

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- Em agosto uma versão deste artigo foi apresentada no XIII ABANNE (Reunião de
Antropólogos do Norte e Nordeste) - IV REA (Reunião Equatorial de Antropologia) em Fortaleza-CE
apresentado pela bolsista PROEX Juliana Sindeaux, co-autoria do prof. Dr. Ivan Costa Lima e Raiane
Ferreira bolsista Prodoutor/2012.
- PUBLICAÇÃO
Em andamento teremos a produção do Caderno do N’UMBUNTU centrado metodológica no
uso da história oral, a partir das entrevistas concedidas por diferentes sujeitos da pesquisa, algumas
pessoas das religiões de matriz africana, cotistas negros da universidade federal, professores negros da
rede municipal de Marabá, o movimento negro do Hip Hop, entre outras manifestações negras na
cidade de Marabá, tratando de assuntos como a aproximação religiosa de matriz africana, o preconceito
e políticas públicas na cidade, relacionados às relações étnico-raciais.

Referências
BRASIL, MEC/SECAD. Orientações e ações para a Educação das relações étnico-raciais. Brasília: Secad, 2006.
BRANDÃO, Carlos H (Org.). Pesquisa participante. SP: Brasiliense, 1999.
CAPUTO, Stela Guedes. Educação nos terreiros: e como a escola se relaciona com crianças de candomblé. RJ: Pallas
Editora, 2012.
CUNHA JÚNIOR, Henrique. Conceitos e conteúdos nas culturas africanas e afrodescendentes. In: COSTA,
Sylvio G., PEREIRA, Sonia. Movimentos Sociais, educação popular e escola: a favor da diversidade. Fortaleza: Editora
UFC, 2006.
FANON, Franz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.
GOHN, Maria da Glória. Teorias dos Movimentos Sociais: Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. São Paulo:
Loyola, 1997.
LIMA, Ivan Costa. Uma proposta pedagógica do Movimento Negro no Brasil: Pedagogia Interétnica, uma ação de
combate ao racismo. Florianópolis, 2004.(Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Santa Catarina).
______________________. As pedagogias do Movimento Negro no Rio de Janeiro e Santa Catarina (1970-2000):
implicações teóricas e políticas para a educação brasileira. Fortaleza, 2009. (Tese de Doutorado. Faculdade de
Educação. Universidade Federal do Ceará).
NASCIMENTO, Elisa Larkin. O sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Selo Negro
Edições, 2003.
PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Docência em
Formação).
ROMÃO, Jeruse (Org.). História da educação dos negros e outras histórias. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade – Brasília: MEC/SECAD, 2005.
ULLMANN, R. A. A universidade – das origens à Renascença. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1994.

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A Lei da Palmada e a cultura dos castigos físicos
contra crianças e adolescentes: uma visão
analítica do ordenamento brasileiro

Laudinéia Nazareno Mota1


Suyene Monteiro da Rocha2

A
problemática dos castigos físicos contra crianças e adolescentes poderá ser bem
compreendida ao se analisar o passado e os fatores culturais e históricos do uso dessa
violência como método educativo.
Ao verificar a história da formação da sociedade brasileira, percebe-se o quanto ela é herdeira de
um excesso de autoritarismo o qual ainda é refletido nas relações familiares. Depreende-se, então, que a
violência contra crianças e adolescentes com o infundado propósito educacional não é nova e nem
fruto desse tempo, mas tem suas raízes culturais na catequização jesuítica.
Isso é deslindado por Sérgio Buarque de Holanda ao discorrer que:
Foram ainda os jesuítas que representaram, melhor do que ninguém, esse princípio da
disciplina pela obediência. Mesmo em nossa América do Sul, deixaram disso exemplo
memorável com suas reduções e doutrinas. Nenhuma tirania moderna, nenhum
teórico da ditadura do proletariado ou do estado totalitário, chegou sequer a
vislumbrar a possibilidade desse prodígio de racionalização que conseguiram os
jesuítas. (HOLANDA, 1995, p. 39-40).

Assim, em tempos não tão remotos, as escolas brasileiras usavam o castigo como forma de
promover a educação e concomitantemente a disciplina. Quando o estudante errava, eram aplicadas
punições, como palmadas, com a mão ou palmatória.
Del Priore, (2000) em pesquisas sobre a temática, constatou que o castigo físico em crianças foi
introduzido no Brasil pelos padres jesuítas no século XVI, causando indignação nos indígenas, que
repudiavam o ato de bater em crianças. Os indígenas ensinavam os filhos de maneira muito mais
respeitosa e humana, como se analisa:
[...] o aprendizado das crianças se dava por meio dos cuidados dos mais velhos e de
brincadeiras com companheiros, normalmente do mesmo sexo. Em nenhum
momento de todo o processo de desenvolvimento do curumim até chegar à fase
adulta não havia punição. O resultado de um erro cometido por si só já era
considerado suficiente para indicar que aquilo não deveria ser feito novamente. O
aprendizado dos grupos indígenas era solidário e cooperativo, muito distinto da
educação europeia, que era mais disciplinada, competitiva e punitiva. (MELATTI,
1987. p.79)

1Especialista em Ciências Criminais (UFT). Graduanda em Direito (UFT). laudy@uft.edu.br.


2 Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte). Mestre em Ciências do Ambiente
(UFT). Docente na Universidade Federal do Tocantins e no Centro Universitário Luterano de Palmas.
suyenerocha@uft.edu.br.
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Assim, percebe-se que o berço dessa cultura a qual se opõe aos direitos fundamentais de
crianças e adolescentes nasceu com as primeiras instituições de ensino e de evangelização dos padres da
Companhia de Jesus. Essa conduta influenciou pais daquela época ao processo de punições aos erros
de seus filhos por meio dos castigos corporais presentes ainda, hoje.

1. o desenvolvimento biopsicossocial das crianças vítimas de castigos físicos domésticos

Como as crianças aprendem principalmente pelo exemplo dos pais, o castigo físico lhes ensina
que a violência é um modo correto de expressar sentimentos e solucionar problemas. É o que melhor
se depreende do esclarecimento abaixo:
[...] nenhum outro fator de risco tem uma associação mais forte com a psicopatologia
do desenvolvimento do que uma criança maltratada, ou seja, o abuso e a negligência
causam efeitos profundamente negativos no curso de vida da criança. As sequelas do
abuso e da negligência abrangem grande variedade de domínios do desenvolvimento,
incluindo as áreas da cognição, linguagem, desempenho acadêmico e desenvolvimento
sócio-emocional. (BARNETT, 1997 apud MAIA e WILLIAMS, 2005, p.92).

Neste mister, Straus e Kantor (1994) apud Longo (2002) revelam que um grande passo na
prevenção primária da violência e dos problemas de saúde mental pode ser dado através de um esforço
nacional para reduzir ou eliminar todo uso de punição corporal, tendo em vista a necessidade de
considerá-la como um significante fator de risco, o qual aumenta a probabilidade de desordens
psicológicas e que ideias suicidas aumentam marcadamente com a frequência da punição corporal na
adolescência para homens e mulheres, sendo mais prevalente entre mulheres.
Há diferenças entre a disciplina positiva e a punição física. A primeira consiste na utilização de
meios educacionais humanos, tais como, conversa. A segunda, uma forma equivocada, desumana e
covarde de educação.
Apesar de as pancadas serem mais dolorosas que palmadas leves, são todas formas de violência.
Há uma enorme incoerência ao se justificar que a palmada educa ou que é um ato de amor à criança,
pois tais afirmações aparentemente inofensivas encobrem as violações dos direitos, além de serem
eufemísticas, com intuito de suavizar a expressão.
Nessa seara, Rocha (1999), aponta haver um problema ético nas sociedades plurais, o qual
resulta em alguns equívocos. Ele identifica como problema a ocorrência de um relaxamento de
costumes, ou seja, as pessoas verbalizam sua desaprovação, mas não agem como se efetivamente
desaprovassem o que dizem desaprovar.
Vislumbra-se desse modo, a ocorrência de uma hipocrisia manipulada e disfarçada pela qual a
sociedade esboça não aceitar maus tratos ou tratamento degradante direcionado às crianças, mas
aceitam e cometem atos agressivos contra elas na rotina de suas vidas privadas ou até mesmo em
público, haja vista o aceite quase que unânime a tal conduta por entenderem que ela tem como escopo

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a educação. Isso, como apontado pelo citado autor, introduz uma indefinição efetiva nos valores
praticados pela sociedade, e contribui para desmoralizar todo o seu discurso moral.
Essa mesma sociedade, muitas vezes, sensibiliza-se mais em ver um adestrador dando palmadas
num cão, do que um pai tendo a mesma conduta com seu filho.
Rossi (2010) ao discorrer sobre técnicas de se educar um cachorro diz que educação é essencial
para garantir o bem-estar e o bom convívio. Acrescenta que há diversas técnicas para punir um cão,
mais vantajosas do que um tapa, por exemplo.
Não se está aqui discordando que os animais mereçam proteção e carinho, mas sim
comparando as vertentes lançadas, porque é óbvio que não está correto bater em um cachorro para
fazê-lo entender como se comportar, muito menos ainda, em uma criança para obter a mesma
finalidade.

2. Implicações do abuso do direito de corrigir os filhos frente ao código civil de 2002 e ao


Código Penal
As abordagens feitas a seguir servirão para que se possa compreender de forma eminente os
tipos de agressões físicas sofridas por crianças e adolescentes em relações intrafamiliar e suas
repercussões penais.
Em um primeiro momento, ao apreciar a conduta delituosa expressa no artigo 129 do Código
Penal Brasileiro vigente, cuja redação do caput do dispositivo mencionado reza o seguinte: “Ofender a
integridade corporal ou a saúde de outrem. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.” (BRASIL,
2011 b).
Mirabete e Fabbrini (2009), expoentes no assunto de Direito Penal, completam que ao examinar
a conduta delituosa exposta no artigo 129 do Código Penal, o dolo está assentado na vontade de
produzir um dano ao corpo ou à saúde de outrem, ou, ainda, assumir o risco desse resultado.
Por outro turno, para Bruno (1984), o crime de lesão corporal só estaria configurado se o dano
sofrido pela vítima fosse apreciável. Para ele, picada de alfinete e beliscão não caberia punir como lesão
corporal, pois para merecer a proteção penal, é necessário que o dano sofrido pela vítima tenha
importância. Contudo, essa concepção do referido autor não se enquadra na correta tipificação da
conduta de beliscar, tendo posto que, se tal beliscão resultar em esquimose, aí estará configurado o
crime de lesão corporal leve.

2.1 Maus-tratos
O ECA define a prática de maus-tratos em seus artigos 3º e 5º. Conforme os dispositivos
referidos, depreende-se que toda ação ou omissão que prejudique o desenvolvimento físico, mental,
moral, espiritual e social, em condições de dignidade e de liberdade, configura essa prática. Já o art. 13
do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que:

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Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra a criança ou adolescente


serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade,
sem prejuízo de outras providências legais. (BRASIL, 2011d).

Tal raciocínio se completa pelas ressalvas de Elias (2010) para o qual:


A proteção integral que se quer dar à criança e ao adolescente não se compatibiliza
com atitudes que possam feri-los física ou psiquicamente. Os maus-tratos podem
prejudicar não sé o desenvolvimento do corpo, mas também o da mente. Devem,
portanto, ser coibidos, seja de grande ou de pequena monta. (ELIAS, 2010, p. 09).

O Código Penal conceitua e incrimina a conduta de maus-tratos em seu artigo 136. Segundo
este dispositivo, entende-se como maus-tratos a exposição a perigo de vida ou saúde de pessoa
subordinada ao agente causador, já que está sob sua autoridade, guarda ou vigilância com finalidade de
educação, ensino, tratamento ou custódia. Além disso, a conformação desse tipo penal se vincula as
condutas de privação absoluta ou relativa de alimentação ou de cuidados indispensáveis; trabalho
excessivo ou inadequado; abuso de meios físicos ou morais de correção ou disciplina, sendo que para a
caracterização da infração basta que apenas um desses comportamentos seja praticado pelo agente
causador.
De acordo com Gomes (2004), as principais formas de maus-tratos à criança são: o abuso
físico, a privação de alimentos, a administração intencional de drogas e venenos, o abuso sexual, a
negligência de assistência médica, a negligência de segurança e o abuso emocional. Porém, nesse estudo,
dar-se-á mais atenção aos maus-tratos traduzidos na forma de abuso de meios de correção ou
disciplina, a violência física propriamente dita, já que o ECA coloca, como violência propriamente dita,
aquela que se caracteriza pelo dano físico, moral ou sexual.
Fragoso (1976) já lecionava sobre o objeto da tutela jurídica do crime de maus tratos, relatando
que:
[...] é a incolumidade pessoal, tendo em vista, especialmente o perigo decorrente de
abuso dos meios de correção ou disciplina [...] É unânime entre os povos civilizados o
repúdio à violência física como meio pedagógico, pois ela só gera o ódio, o
inconformismo e a brutalidade [...]. (FRAGOSO, 1976, p.186).

Maus-tratos é crime próprio, o qual só pode ser praticado pelas pessoas mencionadas na
estrutura típica, e que se encontrem na condição de exercer a autoridade, guarda ou vigilância, para fins
de educação, ensino ou custódia. Sem a demonstração da existência de uma relação jurídica e de
subordinação entre os sujeitos do crime, tal como especificado na descrição típica, o crime será o do
artigo 132 do CP, ou seja, de expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, cuja pena é
a de detenção, de 3 meses a 1 ano, se o fato não constitui crime mais grave. (MIRABETE e
FABBRINI, 2009).
Dessa forma, a pena do artigo 132 é mais gravosa do que a do art. 136 – maus tratos –, cuja
pena é a de detenção, de 2 meses a 1 ano, ou multa. Isto é, uma pessoa que expõe perigo a uma outra,

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cuja relação entre ambas inexiste qualquer subordinação, guarda ou vigilância, o sujeito ativo poderá a
ter uma pena superior a uma outra situação, na qual exista um desses elementos determinantes para a
configuração do fato típico.
Além disso, a enorme incongruência não para por aí. Vejamos: se há esses elementos que fazem
configurar o tipo penal é porque tais pessoas possuem uma condição peculiar que as impossibilite de
por si só praticar atos de subsistência ou incolumidade de sua saúde, tais como: educação, ensino,
tratamento ou custódia, alimentação e cuidados.
É congruente que a pessoa impossibilitada e/ou em dificuldade de prover ou necessite de
auxílio para sua sobrevivência carece de muito mais zelo, cuidado e orientação. Tais pessoas tem uma
relação de dependência para com seu guardião, vigilante ou superior hierárquico, os quais possuem uma
grande responsabilidade de garantir a essas pessoas um tratamento especial de atenção para com suas
saúde e incolumidade física.
Percebe-se uma afronta à dignidade dessas pessoas na hipótese da ocorrência do fato, o agente
sofrer apenas pena de multa, por exemplo. Essa pena, absurdamente alternativa, por sua vez não está
prevista no tipo penal do art. 132. Demonstra-se com isso que o crime de maus tratos, embora englobe
todas as pessoas que estejam sob tais condições, possui consequências menos gravosa que o crime de
expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e indireto, o que é ilógico.
Deslandes, et al. (2003, p.78) assim define esse crime: “O abuso ou maus-tratos é definido pela
existência de um sujeito [...] que comete um dano físico, psicológico ou sexual, contrariamente à
vontade da vitima ou por consentimento obtido a partir de indução ou sedução enganosa.”
O autor admite, acertadamente, que o crime de maus tratos é um abuso. Um abuso contra
todos os direitos inerentes aos sujeitos passivos dessa agressão, em peculiar aos da criança e
adolescentes.
A última parte da redação do art. 136 do CP vai de encontro com a proteção integral da criança
e do adolescente prevista no ECA, pois se infere que há possibilidade de aplicar a esses sujeitos, meios
corretivos ou disciplinares, desde que sem abusos. Nessa lógica absurda, poder-se-ia admitir dar
palmadas educativas também nos loucos que fizerem suas necessidades na roupa, deixar o preso sem
alimentação por um dia inteiro em virtude de algum mau comportamento, ou deixar alunos um
pouquinho somente de joelhos sobre grãos de milhos, desde que não deixe marcas, ou seja, poderia se
pensar em outros absurdos.
Há quem admita que o ato de bater numa criança, é permitido, desde que não cometa marcas.
Pensa que é capaz de bater, sem fazer hematomas. Porém, o ato de bater já é exposição a perigo,
havendo uma grande probabilidade de dano, pois não se pode prever ao certo qual será o resultado de
tal conduta.

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Há crianças, que por uma simples palmada, – que, aliás, de simples não tem nada – vir a óbito,
se hemofílicas, uma vez que as nádegas são uma das partes do corpo sensíveis a hemorragias nas
crianças portadoras de hemofilia.

2.2 Tortura
A Tortura é uma violação de direitos humanos, afeta a integridade física, psicológica e mental
por estas razões viola o direito do cidadão de sua integridade, de sua liberdade, de sua convivência
social pacifica, e seu direito a vida com dignidade humana. A tortura castigo está prevista no art. 1º, II
da Lei 9.455, de 7 de abril de 1997, a qual define o crime de tortura do seguinte modo:
Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe
‘sofrimento físico ou mental; [..] II- Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou
autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou
mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena -
Reclusão - Pena de 2 a 8 anos.

Embora extensos, é importante observar os métodos torturantes aplicados às crianças e


adolescentes já utilizados em âmbito familiar, detectados por Peters (1985), o qual pontua que:
Muitos são os métodos de tortura doméstica empregados: espancamento (esmurrar,
dar pontapés, bater com bastões, coronhas, cintos, fios, tamancos, chinelos, réguas,
palmatória, açoites diversos, varas, couro, chicotes; saltar sobre o estômago,
arremessar ao chão ou contra a parede); falaka (vergastar as plantas dos pés com varas,
cintos, réguas); telephono (bater no ouvido da criança com a mão aberta imitando um
receptor telefônico, podendo inclusive produzir a ruptura da membrana do tímpano);
choques elétricos; queimaduras (com pontas de cigarros, charutos, varas aquecidas
eletricamente, óleo a ferver, ácido, cal viva, etc); submarino - submersão da cabeça da
criança em água, banheiras, baldes, ou mesmo no vaso sanitário sujo; submarino a
seco (a cabeça da criança é envolta num saco de plástico ou cobertor, ou a boca e
narinas são amordaçadas ou tapadas até que atinja o ponto de sufocação, ou a cabeça é
empurrada contra o travesseiro, almofada, roupas ou colchão) [...] alopécia de tração
(violentos puxões de cabelo,) [...] (PETERS, 1985, p.192-198)

Infere-se que para o autor, acertadamente, o espancamento configura o crime de tortura. Nesse
sentido, essa prática é frequente nas famílias brasileiras, que ainda insistem em desvirtuar tal conduta
delitiva para simples correção física, necessária à educação dessas pessoas. Embora frequentes, são
poucos os casos de condenação dos infratores, tendo em vista a dificuldades de comprovação, de
denuncias, de medidas protetivas. Conforme se observa, a tortura infantil é um crime aviltante tendo
em vista a fragilidade e dependência desses sujeitos perante seus agressores, os quais deveriam zelar por
sua integridade física e desenvolvimento psíquico.
Terror, do latim terrore, é aquilo que possui a qualidade de terrível, despertando um estado de
grande pavor ou apreensão. Diversos estudos, em especial na área da Psicologia, apontam que a
punição corporal doméstica pode causar na criança um grande susto, pavor, um estado de verdadeiro
terror. Tais pesquisas contribuem para o aprofundamento dessa interessante discussão, do sentido de
informar o quão terrificante é para a criança a experiência da punição corporal perpetrada pelos pais.
(CARVALHO, 2000).

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As situações infringentes ao princípio da proteção integral de crianças e adolescentes,


demonstram que ainda, tal princípio não está sendo na sua integralidade respeitado, tanto pelo poder
público, em virtude da ingerência estatal, como também por fatores culturais já aclarados, que persistem
em violar a integridade física, em especial, desses sujeitos de direitos.
Nessa seara, percebe-se que há no ordenamento jurídico brasileiro permissão para aplicação do
uso da violência física aplicada pelos pais, contra seus filhos. Além disso, pouco protege a dignidade e a
integridade física de crianças e adolescentes, pois como já bem demonstrado, o castigo físico moderado
ou imoderado é sim uma atitude de violência, pois se um tapa, uma surra, ou uma palmada, desferidas
contra o adulto é sem dúvida ação violenta, por que contra a criança e/ou adolescente não será? Em
todos os casos, há violação do direito à integridade física.

3. Objetivos e aspectos divergentes do Projeto de Lei nº 7672/2010 – Lei da palmada

O Projeto de Lei n. 7.672/2010 altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem
educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante.
Originalmente o tema foi proposto para ser adotado como lei pela ONU em decorrência da Convenção
Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovado em 20 de novembro de 1989.
O Laboratório de Estudos da Criança (LACRI) pertencente ao Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo realizou uma Campanha Nacional entre 1994 a 2006, intitulada a Palmada
Deseduca, coletou assinaturas de cidadãos brasileiros, em 19 estados, pleiteando por uma pedagogia
não violenta e as encaminhou à Câmara Federal. No decorrer dessa campanha foi redigido o Projeto de
Lei 2.654/03 pelo LACRI e por advogados da área de Direitos Humanos e apresentado à Câmara
Federal por meio da Senhora Maria do Rosário, que na época era Deputada Federal (PT-RS) e hoje,
Ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (GUERRA, 1998).
Uma das razões desse projeto é dar uma redação mais específica ao texto do ECA, pois resta
dúvida no que tange à permissão ou não da aplicação de castigos físicos às crianças e adolescentes, uma
vez que à interpretação do art.1638, I do Código Civil, há uma permissão implícita. Ou seja, leva as
pessoas a aceitar que castigos moderados estão liberados. Entretanto, o termo castigo deve ser bastante
analisado. Como já questionado anteriormente, não há somente castigo físico. No entanto, o que se
percebe, por uma questão cultural já debatida, há uma forte tendência em associar o termo castigo à
punição corporal.
Ressalta-se que a abolição de castigos corporais como método educativo foi primeiramente
cogitado no extinto Projeto de Lei nº 2.654/2003 o qual foi substituído pelo de nº 7.672/2010. O
antigo Projeto dispunha acréscimos dos arts. 18-A e 18-B, 18-C e 18-D ao art. 18 do ECA, além da
alteração do art. 1.634 do Novo Código Civil. Logo, esse extinto projeto era mais protetivo, pois
estabelecia de forma inequívoca, conforme detalhado a seguir, o direito da criança e do adolescente de

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não serem submetidos a qualquer forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos
moderados ou imoderados, sob a alegação de quaisquer propósitos, ainda que pedagógicos.
O Projeto de Lei n. 7.672/2010 propõe acréscimos dos arts. 17-A e 17-B ao art. 17 do ECA, do
art. 70-A ao art. 70, além do acréscimo ao parágrafo único do art. 130 do mesmo estatuto.
O art. 17-A desse projeto tem a seguinte redação:
Art. 17-A: A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados pelos
pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis ou por qualquer pessoa
encarregada de cuidar, tratar, educar ou vigiar, sem o uso de castigo corporal ou de
tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação, ou
qualquer outro pretexto.
Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - castigo corporal: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física
que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente.
II - tratamento cruel ou degradante: conduta que humilhe, ameace gravemente ou
ridicularize a criança ou o adolescente.

Já o extinto Projeto de Lei nº 2654 /2003, revogaria, acertadamente, o disposto no art. 395, I do
Código Civil, devido ao acréscimo do artigo 18-A, cuja redação seria a seguinte:
Art. 18-A A criança e o adolescente têm direito a não serem submetidos a qualquer
forma de punição corporal, mediante a adoção de castigos moderados ou imoderados,
sob a alegação de quaisquer propósitos, no lar, na escola, em instituição de
atendimento público ou privado ou em locais públicos.
Parágrafo único – Para efeito deste artigo será conferida especial proteção à situação
de vulnerabilidade à violência que a criança e o adolescente possam sofrer em
consequência, entre outras, de sua raça, etnia, gênero ou situação sócio-econômica.
(grifo nosso).

Além disso, esse extinto Projeto trazia o artigo 2º o qual propunha a alteração expressa do art.
1. 634 do Código Civil, pelo que se extrai de sua redação:
Art. 2º – O artigo 1634 da Lei 10.406, de 10/01/2002 (novo Código Civil), passa a ter
seguinte redação:
Art. 1634 – Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
VII. Exigir, sem o uso de força física, moderada ou imoderada, que lhes prestem
obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Ou seja, estaria de forma clara e incontroversa que a competência aos pais quanto à educação
dos filhos seria a de exigir, sim o respeito e os serviços próprios de sua idade, sem contudo, utilizar-se
de qualquer agressão física.
Há uma discussão acerca da ação do Estado em interferir em assuntos inerentes à família, tal
como a educação dos filhos, como por exemplo, o Projeto de Lei nº 7.672/2010.
Maciel (2012) é um do que entendem que o referido projeto de Lei engendrará restrições às
liberdades individuais, ou seja, que o Estado não deve interferir nas relações familiares de tal modo que
possa dizer o que pode e o que não pode ser feito dentro dela. Completa que um dos princípios
basilares do Direito de Família é a mínima intervenção estatal, ou seja, caberia a cada família dentro de
suas perspectivas e aptidões optar pelo modelo de educação a ser adotado, e o referido projeto viria de
encontro a esse princípio.
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Braga (2012) também é contrário ao Projeto de Lei, pois segundo ele, o empreendimento
legislativo além de demonstrar uma total intervenção na intimidade familiar da sociedade brasileira,
demonstra uma grande preocupação em modificar os ideais de bom e mau, justamente, os vértices
incontestáveis da noção moral e que a tentativa de transformar tais padrões, socialmente aceitos, como
a palmada disciplinar, acaba por atravessar, no usufruto das liberdades individuais, um ideal de controle
e determinação de bem-comum.
Contudo, esses pensamentos não se coadunam com o principal objetivo do projeto de lei que
não é intervir na educação dos pais para com os filhos, mas sim a ampliação da liberdade das crianças e
sua segurança física e psicológica. Os discursos equivocados, ora apontados de que o Estado não pode
disciplinar a liberdade de educar, devendo punir apenas os excessos, vão de encontro com os preceitos
das garantias constitucionais conquistadas por todos, inclusive, crianças e adolescentes. A figura de um
modelo político intervencionista nas liberdades individuais, nesse caso, é necessária, posto que
resguardar o direito da integridade física de crianças, não tem nada a ver controle do núcleo familiar e
sim, com proteção a elas.
Esse discurso de intervenção estatal no seio familiar é apenas uma desculpa daqueles que
entendem que os pais tem autonomia legal de educar os filhos como bem entenderem. Acontece que o
Estado, como corresponsável pela proteção e desenvolvimento das crianças e adolescentes, devem sim
adentrar nesta esfera social para garantir que tais direitos sejam efetivados.
Como afirmam Ribeiro e Martins (2009), quando a violência ocorre no seio familiar, isto mostra
que os pais ou responsáveis não estão conseguindo cumprir seus deveres de cuidado e proteção, sendo,
então, necessária a intervenção estatal.
Outra questão sobre essa intervenção do Estado na imposição de leis que imponham a abolição
de castigos físicos é se tal ingerência atinge a liberdade religiosa da família. Porém esse questionamento
é bem explicado a seguir:
[...] O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos garante a todos a
liberdade de consciência religiosa, mas a prática de uma religião ou crença deve ser
compatível com o respeito pela dignidade humana e pela integridade física das outras
pessoas. A liberdade de praticar a sua religião ou crenças pode ser legitimamente
restringida a fim de proteger as liberdades e direitos fundamentais das outras pessoas.
(COMITÉ DOS DIREITOS DA CRIANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS:
COMENTÁRIO GERAL Nº 8, 2006, p. 29).

Assim, a ingerência do Estado não deve ser resumida apenas na formulação e execução da
política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, mas também em modificar sua
legislação de forma a proibir a ação de violência dos pais sobre eles, pois não é aceitável que uma
sociedade que proíbe todas as formas de violência física entre adultos tolere que os adultos inflijam
violência física às crianças.

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Considerações finais
Verificou-se que as punições corporais são muito comuns na sociedade brasileira e, em muitas
outras, fazendo parte de uma cultura social, historicamente datada, e de algumas instituições, destinadas
à proteção da infância e adolescência, como exemplo, a família. Tais práticas punitivas foram
introduzidas aqui no Brasil por meio do processo civilizatório a partir do século XVI com a chegada
dos colonizadores portugueses e dos jesuítas em suas missões.
Há um raciocínio antagônico ao se entender que o castigo, desde que moderado é lícito, pois
como visto, não há apenas o castigo físico como forma de ajustar ou corrigir uma conduta da criança e
adolescente, consideradas inadequadas para os pais. Há também uma grande tendência das pessoas
considerarem qualquer agressão física a uma simples palmada. Essa redução errônea do termo
demonstra ser uma tentativa de as pessoas que adotam tal conduta, minimizar os castigos corporais,
uma justificativa para afirmar sua atitude agressiva contra crianças.
Ressalta-se que a violência no âmbito familiar, mesmo com natureza educacional, ainda está
cercada pelas marcas da impunidade. Isso se dá na maioria das vezes pelo fato de ser relevada, em
nome do direito dos pais ou responsáveis de educar, a prática de castigos físicos. A perda do poder
familiar prevista no Código Civil no que tange à aplicação de castigo imoderado, não constitui infração
penal e sim, administrativa, pois não há a essa figura típica inserida no Código Penal. Contudo, essa
imoderação é interpretada, de acordo com o caso concreto, por analogia, como maus-tratos, lesão
corporal ou tortura.
Diante dessa realidade de violência infanto-juvenil ocorrida no seio familiar e em atendimento
aos preceitos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Convenção sobre os Direitos da
Criança e de pesquisadores brasileiros que lutam por uma política de não violência à criança e ao
adolescente é que foi redigido e aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.672 de 2010,
o qual o não visa à restrição da liberdade dos pais, e sim a ampliação da liberdade das crianças e sua
segurança física e psicológica.
O referido Projeto é conhecido erroneamente, como Lei da Palmada, tendo em vista que ela
não visa somente à palmada, mas todo ato de castigo corporal às crianças e adolescentes. Esse Projeto
procura inserir ao ordenamento brasileiro uma significante forma de aplicação do direito tendo em vista
a função social que se almeja. Esse novo modelo de prestação jurisdicional passa a considerar mais a
condição das partes envolvidas do que necessariamente a natureza jurídica dos institutos. Com sua
aprovação, restaria clara a impossibilidade de uso de qualquer meio violento físico ou psicológico para
correção e educação, o que se efetivada será extremamente salutar.
Todos sabem que é dever do Estado em conjunto com toda a sociedade proteger de forma
absoluta a dignidade e a integridade das crianças e adolescentes. Isto posto, não se pode admitir que,
frente à aceitação social generalizada a respeito da permissibilidade do castigo corporal, esses
garantidores de tais direitos, permaneçam incólumes e pretendem justificar o castigo corporal como

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uma necessidade e como uma medida disciplinar que responde a fins positivos, dado que sua aplicação
é considerada benéfica para a criança e o adolescente.
A necessidade da proibição explícita da aplicação de castigos corporais com qualquer
justificativa que seja, é imperativa, em particular por duas razões: primeiro, porque visibiliza o
reconhecimento da prática do castigo corporal como uma forma de violência e uma violação de direitos
humanos, a qual tem um efeito absoluto na conduta dos agentes públicos; segundo, porque, embora o
objetivo da proibição não seja penalizar a conduta dos pais no âmbito privado, o importante é
reconhecer que a proibição legislativa constitui um referencial para a atuação dos agentes jurídicos a fim
de assegurar a devida proteção das crianças e adolescentes.
Para que esse problema seja erradicado, será necessário, primordialmente, que haja uma
consciência social para entender a gravidade dessa prática punitiva, por meio de debates sobre o tema
nos meios de comunicação para que se possa obter uma maior difusão e assim, esclarecer seus
fundamentos e objetivos.

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Princípios universalistas e direitos específicos:
um olhar sobre as migrações internacionais

Luciana de Oliveira Dias

Direitos Humanos: princípios universalistas e pluralismo cultural

A
afirmação dos direitos humanos, sobretudo a partir do pós-guerra, faz emergir a pessoa
humana como sujeito de direito internacional trazendo novos paradigmas compreensivos,
flexibilizando a soberania estatal e concedendo à pessoa humana um papel central no
sistema internacional. O objetivo neste texto é compreender uma compatibilização entre a proposta de
universalidade dos direitos humanos e o pluralismo cultural, expresso sobremaneira em processo de
migração internacional, e também discutir sobre normas pretensamente universais reveladoras de um
esforço do ocidente de tentar universalizar suas próprias crenças.
Os fluxos migratórios internacionais podem ser interpretados como instâncias nas quais um
pluralismo cultural se revela problematizando a constituição de uma moral universal. Nestes contextos
os direitos humanos com seu caráter universalista são confrontados com uma necessidade de
relativismo cultural e o panorama que se desenha informa sobre a necessidade de um diálogo
intercultural em que as diferenças sejam reconhecidas e seja consolidada uma agenda em que ações
pontuais atendam a segmentos específicos provocando políticas de redistribuição de bens materiais e
simbólicos. A universidade dos direitos humanos é alcançada, desta forma, a partir do reconhecimento
das diferenças e especificidades de grupos humanos que não se pretendem universais, mas aptos a
alcançar situações de direitos fundamentais.
Desde a Declaração e Programa de Ação de Viena, em 1993, tem se afirmado a dimensão de
universalidade dos direitos humanos, complementarmente e contemporaneamente são muitas as
argumentações favoráveis à apreensão do relativismo cultural como uma necessidade para uma
efetivação dos direitos humanos. Assim sendo, a vivência particular, as interações da comunidade e a
cultura local dão o tom da efetividade dos princípios universais dos direitos humanos. A construção de
uma sociedade, inclusive internacional, mais justa e solidária pressupõe uma conjugação entre proteção
do ser humano no âmbito global e respeito, reconhecimento e tolerância às particularidades vivenciadas
no âmbito local.

Migrações internacionais em contexto: brasileiros(as) no mundo

Migração internacional é o movimento de entrada e saída de indivíduos, ou grupos de


indivíduos, de um país para outro, geralmente em busca de melhores condições de vida. Os fluxos
migratórios internacionais são caracterizados pela mobilidade e deslocamento de grupos humanos e
dizem respeito a desejos e aspirações por mudanças que impulsionam as pessoas para fora do seu lugar.
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São efetivadas por estes agentes estratégias de deslocamento que vão se construindo desde a partida da
terra natal, da travessia das fronteiras, da chegada e da tentativa de permanência em um lugar estranho.
Uma consideração importante acerca do migrante é que ele é antes de qualquer coisa uma “construção
social” (CASTRO, 2001).
Os diagnósticos fornecidos pelo IBGE por meio do Censo Demográfico de 2010
complementam estudos especializados que indicam que a emigração de brasileiros não se apresenta
como algo de novo. O Brasil, desde sua formação, conta com fluxos migratórios mais ou menos
intensos, mas que, contudo, tem assegurando ao longo da história do país deslocamentos para outros
países, bem como a entrada de estrangeiros. O que o Censo Demográfico nos ajuda a entender é que a
cada dia parece aumentar significativamente o número de pessoas entrando e saindo do país. É
importante entender que
As imigrações não são um fator recente. No final do século passado,
aproximadamente 52 milhões de pessoas deixaram a Europa em direção aos Estados
Unidos, América Latina e Austrália. Uma diferença entre esta imigração realizada no
final do século e a que presenciamos agora em direção à Europa diz respeito ao fato
de que os primeiros imigrantes permaneciam desconectados de sua terra, enquanto
que os imigrantes atuais conseguem manter uma comunicação razoavelmente fluida
com seus lugares de origem. Em grande medida, isto é possível em função dos
avanços da tecnologia informacional, permitindo a um imigrante ter acesso aos fatos
ocorridos em sua terra natal quase simultaneamente (CANCLINI,1998, p.4).

Avançando um pouco mais em um debate conceitual corroboramos com a perspectiva


apontada por Leonardo Cavalcanti (2012) que destaca que o termo imigrante deve ser utilizado para
referenciar uma pessoa que sai de um lugar de origem e se desloca para outro lugar que será seu
destino. Entretanto, o autor adverte que essa expressão constituiria um particípio do presente,
indicando, portanto, que esse indivíduo se encontra em um estado de trânsito. Desse modo, o termo
imigrante torna-se adequado para definir aquele indivíduo que acaba de chegar, uma figura marcada
pela efemeridade, que não se mantém nessa situação por muito tempo e que logo será absorvida pelo
novo local. Um desdobramento destas reflexões nos induz a propor que a noção ajustada para a pessoa
que já se estabeleceu no local de destino seria imigrado, pois marca e define a situação de um
movimento que chegou ao fim, um movimento que é encerrado com a chegada ao destino e a
interrupção da situação de trânsito.
Considerando-se a quantidade crescente de brasileiros(as) que emigram anualmente para todas
as partes do mundo, especialmente para os Estados Unidos e alguns países europeus, e mais
especificamente, considerando a importância das migrações internacionais para Goiás que, segundo o
IBGE, é o estado que apresenta o maior número de emigrantes para cada mil habitantes em todo o
território nacional, pensar as migrações internacionais é uma tarefa complexa e importante. Este
exercício apresenta-se como fundamental para a compreensão das configurações de uma sociedade que
tem nos deslocamentos humanos pelo planeta alguns de seus mais relevantes fatos sociais. Acerca dos

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fatos sociais, Durkheim (2002, p.11) acentua que os mesmos são “toda maneira de fazer, fixada ou não,
suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é
geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria,
independente de suas manifestações individuais”. Este destaque é importante por considerarmos que
uma clareza compreensiva dos fatos sociais é fundamental em uma investida analítica das migrações
internacionais.
É curioso notar que Goiás, um estado do centro-oeste brasileiro que conta com pouco mais de
6 milhões de habitantes, sem fronteiras internacionais ou saídas marítimas se configure como uma das
localidades com a maior taxa emigratória do país (IBGE, 2012). Uma aproximação compreensiva e
explicativa desta realidade resguarda a potencialidade de ampliar horizontes epistemológicos acerca dos
fluxos migratórios internacionais como um todo. Um dos debates mais contundentes (SILVA, 2011)
tematiza as redes sociais migratórias como fundamentais nos mais variados momentos da migração
internacional. A partir da análise das redes migratórias que são consolidadas entre pessoas que mantem
contato entre si e que coletivamente empreendem um projeto de migração, podemos entender melhor
os laços que se formam entre indivíduos e que dão visibilidade, impulsionam, mantêm, interrompem ou
reativam o ato de migrar.
Estas compreensões preliminares nos motiva a realizar um diagnóstico dos processos
migratórios que especificamente envolvam pessoas oriundas do estado de Goiás que empreenderam
processos migratórios internacionais. Estimativas atuais, do MRE, indicam que se encontram na
condição de emigrantes mais de três milhões de brasileiros. A Europa recebe a maior quantidade de
emigrantes brasileiros, depois a América do Norte (notadamente Estados Unidos, que se ranqueado por
país passa a ocupar o primeiro lugar) é eleita como segunda rota preferencial e os países da América
Central são os menos procurados brasileiros. Ásia, Oceania e África são os continentes menos
expressivos na recepção de brasileiros que decidem viver fora de seu país natal.
Considerando os países que mais tem recebido brasileiros, por estado de origem, na condição
de migrantes, merecem destaque: Estados Unidos – principal destino da população oriunda de todos os
estados, especialmente de Minas Gerais (43,2%), Rio de Janeiro (30,6%), Goiás (22,6%), São Paulo
(20,1%) e Paraná (16,6%); Japão – segundo país que mais recebe emigrantes de São Paulo e Paraná,
respectivamente 20,1% e 15,3%; Portugal – segunda opção da emigração originada no Rio de Janeiro
(9,1%) e em Minas Gerais (20,9%); Espanha – os indivíduos que partiram de Goiás elegeram a Espanha
como o segundo lugar preferencial de destino, o que representou 19,9% da emigração. A Espanha
aparece como segunda ou terceira opção de uma série de outras Unidades da Federação, o que,
segundo o IBGE, permitiria concluir que a proximidade do idioma estaria entre as motivações da
escolha.
Quanto aos países vizinhos da América do Sul, temos o seguinte delineamento: Guiana
Francesa – o principal destino da emigração proveniente do Amapá; Venezuela – recebe a maior parte

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dos fluxos migratórios que partem de Roraima; Bolívia – atrai maior volume de emigrantes do Acre.
Nas fronteiras do centro-sul do Brasil, a Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia figuram como quinta
opção preferencial dos emigrantes brasileiros. Ressalte-se que o Censo Demográfico de 2010 indica que
haveria 4.926 brasileiros residentes no Paraguai, número muito inferior às estimativas do MRE e da
rede consular que informam que apenas nas jornadas de regularização migratória dos últimos dois anos,
foram atendidos mais de 10 mil brasileiros naquele país. O MRE reconhece também que suas
estimativas não representam exatamente a realidade devido ao fato de muitos brasileiros estarem em
situação de irregularidade no país receptor, o que faz com que os indocumentados tenham receio de se
expor, permanecendo invisíveis nos bancos de dados consolidados.
O caso do Japão é outro exemplo de discordância numérica nos dados que são disponibilizados
por institutos de pesquisa, o que não inviabiliza a verificação de tendências coincidentes. Segundo
dados oficiais do Ministério da Justiça do Japão, havia, em setembro de 2011, 215.134 brasileiros
residentes no arquipélago oriental, número muito próximo às estimativas apresentadas pelo MRE.
Todavia, as respostas dadas pelos entrevistados ao IBGE, quando da realização do censo demográfico,
indicam que haveria apenas 36.202 nacionais no Japão no ano de 2010, o que representaria 1/6 do
número que fora apresentado pelo Ministério da Justiça japonês. O que estamos querendo esclarecer
aqui é que possíveis discrepâncias numéricas e estatísticas não inviabilizam um diagnóstico e reflexões
aprofundadas acerca dos fluxos migratórios internacionais. Pelo contrário, o cotejamento entre fontes
diferenciadas somente instiga a curiosidade e insere o pesquisador em um terreno que, embora seja
movediço, é transitável.
Considerando-se a população dos estados brasileiros e sua relação com indivíduos emigrantes,
Goiás é o estado de origem com a maior proporção de emigrantes (5,92 pessoas para cada mil
habitantes), seguido por Rondônia (4,98 por mil habitantes), Espírito Santo (4,71 por mil habitantes) e
Paraná (4,39 por mil habitantes). Uma curiosidade que vale a pena destacar é que Sobrália, São Geraldo
da Piedade e Fernandes Tourinho (cidades mineiras) são as cidades brasileiras com maiores proporções
de emigrantes (88,85 emigrantes por mil habitantes; 67,67 por mil; e 64,69 por mil, respectivamente). O
IBGE tem realizado estudos que permitem visualizar o quanto o estado de Goiás apresenta uma forte
propensão para “exportar” pessoas para várias partes do mundo.
Quando se trata da sonhada viagem daqueles que partem em busca de sonhos, o principal
destino eleito pelos brasileiros é: Estados Unidos (23,8%), Portugal (13,4%), Espanha (9,4%), Japão
(7,4%), Itália (7,0%) e Inglaterra (6,2%). Somente este grupo de países representa 70% do destino eleito
pelos emigrados brasileiros. Laços históricos e redes sociais previamente estabelecidas (TRUZZI, 2008)
explicariam a preferência por esses países mais distantes em detrimento de países fronteiriços. Cabe
ressaltar que, somados, os primeiros 10 países europeus na lista de preferências (Portugal, Espanha,
Itália, Inglaterra, França, Alemanha, Suíça, Irlanda, Bélgica, Holanda) representam 49% do total, mais
do que o dobro da cifra referente aos Estados Unidos. As rotas preferenciais dos emigrados que partem

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do estado de Goiás seguem a mesma tendência nacional e um diagnóstico possível é o de que os(as)
goianos(as) atuam nos cenários migratórios internacionais de maneira harmonizada com as tendências
brasileiras, aos menos no que se refere a rotas preferenciais.
O Censo Demográfico de 2010 (IBGE, 2013) possibilita a percepção de que dentre os estados
brasileiros que mais enviam nacionais para o exterior temos, em ordem decrescente: Minas Gerais, Rio
de Janeiro, Goiás, São Paulo e Paraná. Segundo dados do IBGE (2012), mais de cem mil (106.758)
goianos(as) estavam fora do país quando da realização do censo demográfico de 2010. Neste ponto,
vale um rápido esclarecimento ao fato de que ao nos referirmos a goianos(as) estamos falando de um
grupo constituído por sujeitos de ambos os sexos, nascidos em Goiás, além de pessoas que nasceram
em outros estados, mas que têm no estado de Goiás sua referência, atuando como partícipes de um
grupo que consolida uma identidade regional em torno de determinadas referências locais. Ainda no
que se refere aos goianos(as) no mundo, outras fontes, tais quais as estimativas da Secretaria de
Assuntos Internacionais do Estado de Goiás, sugerem números ainda mais expressivos que os do
IBGE. O secretário de estado Elie Chidiac assegura que
Estima-se que há 300.000 goianos no exterior. Desses, algo menos que 200.000 estão
nos Estados Unidos e algo mais que 100.000 estão na Europa. Na Europa, os
principais destinos são Portugal, Espanha, Itália, Inglaterra e França; nos Estados
Unidos, as cidades de Atlanta, São Francisco, Nova Iorque e Boston. (CHIDIAC,
2011, p.157).

O estado de Goiás destaca-se no cenário nacional por evidenciar intensos fluxos migratórios
internacionais e é importante atentar-se para os efeitos destes processos em questões de sociabilidades,
identidades, redistribuição de riquezas e alteração de paisagens. Toda essa dinâmica impulsionada pelos
fenômenos migratórios evidencia marcadores sociais importantes que contribuem para uma
interpretação das interações sociais, convívio de alteridades e questões de direito. Pensar
problematizando estes elementos é um exercício do qual não se pode esquivar na contemporaneidade
planetária que permite conjugar o individual e o coletivo, o singular e o plural, o fixo e o mutante,
dentre outras polaridades, abrindo interfaces entre elas.

Considerações finais

O diagnóstico dos fluxos migratórios de brasileiros(as) no exterior permite uma visualização


mais detalhada de interações entre alteridades que colocam em contato princípios universalistas e
particularismos culturais. Da mesma forma, continuam demandando discussões mais aprofundadas e
interdisciplinares que sejam capazes de capturar toda a complexidade que o fenômeno abriga.
Necessário reafirmar agora que a averiguação das rotas preferenciais de entrada e saída de emigrantes
internacionais possibilitou a afirmação de que as redes sociais migratórias são um dos fatores relevantes
para a consecução do empreendimento migratório internacional.

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Ou seja, a influência de pessoas que já tiveram experiência migratória é determinante para a


consolidação do desejo de migrar, para a escolha do destino, para a atividade a ser desenvolvida no
exterior, para as interações que se configuram, para a definição do momento do retorno, de outras
pessoas. As alteridades que se encontram nas redes sociais migratórias impactam em questões de
identidades e contribuem fortemente para a consolidação de identidades a partir da afirmação das
diferenças e peculiaridades em concordância com os particularismos culturais. Concomitantemente,
princípios universalistas, tais quais os previstos nos direitos humanos são reafirmados como
fundamentais aos sujeitos, inclusive em situação de migração internacional, e possibilitados somente a
partir do reconhecimento das diferenças.
O conceito de redes sociais migratórias, além de permitir destacar as particularidades da
vivência cultural e a necessidade de garantias de direitos fundamentais a sujeitos marcados pela
diferença, converte-se em noção essencial para a compreensão de toda a situação que envolve a vida de
migrantes, cuja contínua requisição de apoio ocorre em um contexto delimitado pelas relações
preexistentes, inclusive, ao próprio deslocamento. Em outras palavras, as redes sociais, de parentesco,
de amizade, religiosas, de conhecidos – que preexistem, alimentam e moldam os contornos das redes
migratórias, já que estas estão subsumidas àquelas (TRUZZI, 2008) – constituem um importante ponto
epistemológico que favorece uma compreensão e explicação mais acuradas do próprio fenômeno
migratório ao mesmo tempo em que são apreendidas como noções reguladoras da própria vivencia
entre os sujeitos.
Assim sendo, além de uma dimensão epistemológica, as redes sociais e migratórias resguardam
também um forte potencial dinamizador do vivido pelo próprio sujeito migrante que, a partir da
consolidação de laços potencializa situações de emancipação. É esta dinamização do vivido que faz
com que sejam destacas as diferenças e singularidades de seus particularismos – que resguarda e revela
traços identitários – impulsionando-os, inclusive para reivindicações de direitos fundamentais de caráter
universalista. O sujeito que emerge de toda essa movimentação apresenta-se como um sujeito de
direitos que é plenamente apto a apelar para a universalidade da dignidade e de todos direitos que
pretende alcançar.
As experiências migratórias chamam a atenção e fazem problematizar vivências na
contemporaneidade, possibilitando destacar a aplicabilidade do universalismo dos direitos humanos em
contexto culturais singulares. É assim que adentramos em territórios delineados no cotidiano, nas
relações existenciais, na transposição de limites e fronteiras. A complexidade que envolve a temática
que é objeto deste trabalho demanda por estudos ainda mais aprofundados, sendo que a migração
internacional pode ser um instrumento para se pensar a necessidade de efetivação dos direitos
humanos, respeito às diferenças e singularidades, planejamentos das cidades, conhecimento de modos
de vida, humanização no trabalho, na saúde, na educação e amparo a sujeitos que partem ou que
retornam, enfim, que se deslocam internacionalmente em busca de melhores condições de vida.

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Referências
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A face vulnerável da juventude: assistência social e os
direitos humanos dos adolescentes beneficiários do
Projovem Adolescente em Palmas – TO.

Márcia Michelle Carneiro da Silva1

Introdução

O
s elementos históricos da luta da Juventude perpassam pela construção de um conceito de
juventude que quase corriqueiramente é associado à idade e faixa etária. Alguns
organismos internacionais, como a Organização para as Nações Unidas – ONU e também
as legislações nacionais, como é o caso da brasileira, tem como recorte de juventude a faixa etária. No
Brasil, a Política Nacional da Juventude considera como jovem as pessoas com idade entre 15 a 29
anos. Observa-se, no entanto, que esse entendimento vem se tornando ultrapassado face à
complexidade do campo da juventude.
Cada vez mais a juventude tem demandado investimentos de todas as ordens: econômico,
educacional, cultural, político e, sobretudo, social. Há principalmente a demanda por investimentos e
olhares para as especificidades e vulnerabilidades em torno da juventude brasileira, afinal, esses olhares
não tem como serem concebidos descolados do reconhecimento da diversidade de determinações e
fraturas sociais que atingiram e atingem o campo da juventude.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo Demográfico
2010 indica-se que pouco mais de 16 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza no Brasil, o que
significa 8,5% da população total. Apesar de muitas pessoas saírem da linha da extrema pobreza por
meio de benefícios de transferência de renda de programas sociais, a pobreza assombra os setores
dominantes da sociedade sendo que a criminalização dos pobres se acentua. É uma lógica de
culpabilização do indivíduo e criminalização pela sua situação de pobreza onde os jovens –
principalmente pobres e negros – se tornam alvos centrais.
No tocante aos direitos humanos, o cenário de violação dos direitos das pessoas jovens também
é alvo de preocupação. Segundo Lauletta (2012), no Brasil são comuns abordagens sobre a violência e
adolescências pela mídia, segmentos públicos e outros que acabam por veicular imagens e notícias de
modo que são associados crimes violentos praticados por jovens à pobreza, realimentando os
sentimentos de insegurança e medo na sociedade. “[...] sem considerar que a vulnerabilidade à violência
é uma realidade de todos e que a prática de condutas tipificadas pelo direito como ato infracional
expressa apenas o singular dentro de um contexto coletivo” (LAULETTA, 2012, p.113).

1Mestranda em Desenvolvimento Regional e Especialista em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade Federal do
Tocantins – UFT; Assistente Social graduada pela Fundação Universidade do Tocantins – UNITINS.
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Notoriamente, desenvolver políticas públicas de combate à pobreza, tendo como público alvo a
juventude em maior situação de vulnerabilidade social, requer abordagens que envolva além da área
social, a cultural, a econômica e a política. Dessa forma, faz-se necessário um olhar sobre as
vulnerabilidades dos jovens e adolescentes em situação de pobreza para um melhor entendimento das
implicações de privações sociais e econômicas que atingem as pessoas jovens.
Nesse sentido, para a delimitação do objeto de estudo considerou-se que o Programa Nacional
de Inclusão de Jovens – Projovem é um programa voltado para juventude na tentativa de atender às
aspirações e vulnerabilidade socioeconômica desse segmento, bem como busca a efetivação e
integração de programas e ações do governo federal voltada aos jovens com idades entre 15 e 29 anos.
Silva e Silva (2011) ressaltam que em relação ao fortalecimento da participação e cidadania,
apenas três programas têm entre seus objetivos a participação juvenil: Projovem Adolescentes,
Projovem Urbano e o Programa Juventude e Meio Ambiente. Ressalta ainda que em relação à faixa
etária, cada programa atende a uma faixa específica e elas não coincidem com os grupos etários
definidos pela Política Nacional da Juventude, sendo que somente o programa Projovem Adolescente
está dentro de uma delas, ou seja, jovens de 15 a 17 anos.
Desse modo, ao visualizar as modalidades do Programa: Urbano, Campo, Trabalhador e
Adolescente, este estudo optou por discorrer sobre o Projovem Adolescente, o qual é desenvolvido por
meio de serviços socioeducativos no âmbito da política de assistência social, considerada como politica
de enfrentamento à pobreza e de desenvolvimento da cidadania. A delimitação considerou ainda que o
Projovem Adolescente atende esse segmento a partir do seu recorte de “jovem vulnerável”, que dispõe
de dúvidas, inseguranças, carências, riscos sociais e pessoais, e ainda, uma visível necessidade de
inclusão social.

Assistência Social e o combate à pobreza

A questão social no Brasil, vinculada à relação capital e trabalho, aparece na década de 30


quando é reconhecida legitimamente num movimento de implantação de uma política trabalhista com o
objetivo de amenizar o as reivindicações e pressões das classes subalternas. As particularidades das
expressões e manifestação da questão social acabam por se gestarem em torno de situações como a
exploração do trabalho, aumento da pobreza e da desigualdade, cidadania limitada, situações de riscos e
vulnerabilidade social. Para Castel (1991; 1995), a questão social é posta como um desafio visto à
concentração de riquezas e de poder que implica no aumento da pobreza.
A questão social não é senão as expressões do processo de formação e
desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade,
exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a
burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção mais além da caridade e
repressão (CARVALHO; IAMAMOTO, 1983, p.77).

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Dessa forma, na tentativa de dar respostas neoliberais para o estabelecimento da ordem junto às
classes menos favorecidas, as medidas brasileiras adotadas por meio de políticas sociais obtiveram um
cunho focalizado, assistencial e emergencial, típicos dos ditames estatais implementadas ao longo da
história. Como afirma Sposati (2008), ao contrário de caminhar na direção da consolidação de direito, a
modalidade que irá adotar as políticas sociais brasileiras será primordialmente o caráter assistencial.
Em meio às políticas sociais, a assistência ao pobre e ao desfavorecido ia consolidando-se nas
ações estatais de forma programática de prestação de serviços em várias áreas. Segundo Mestriner
(2001) a formulação das politicas iniciais de enfrentamento da pobreza mobilizou especialistas,
profissionais e organizações da área social. Nesse período notava-se que o processo de pauperização se
acirrava e acabava por exigir do Estado respostas mais urgentes tendo como público alvo o “exército”
da mão-de-obra reserva da classe trabalhadora, que não estava inserido no trabalho. Era clara a “[...]
necessidade de extensão da assistência social aos desempregados e aos sem condições de trabalho”
(MESTRINER, 2011, p.180).
Nesse percurso, a cada tempo a questão social, iniciada na década de 30, tomava maior
visibilidade na medida em que a pobreza, o desemprego e a violência ganhavam expressões acentuadas.
O cenário dava bases para reivindicações de diversas ordens visto que quando se procurava enfrentar a
pobreza e a violência, os segmentos marginalizados – aqueles vistos como improdutivos para o trabalho
– eram os que mais sofriam.
Já na década de 90, observa-se que no campo de reivindicações coletivas, havia o surgimento
doutras exigências como, por exemplo, a emergência do debate e a luta acerca dos direitos humanos e
das situações de exclusão. Afinal, é fato que a combinação entre pobreza, exclusão social e
complexificação das relações sociais, num quadro que vinha a ser influenciado pelos primeiros ventos
da globalização, produzia múltiplos fatores de pressão e instabilidade.
Ressalta-se que a política pública de assistência social, muito embora tenha sido marcada por
um histórico assistencial, filantrópico e de benemerência, está instituída na Constituição Federal atual
por meio dos Art. 203 e 204, onde legalmente é uma política pública que deve ser prestada a quem dela
necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social.
Os objetivos da política de assistência social pautam-se em torno da: proteção à família, à
maternidade, à infância e à adolescência, à velhice, o amparo às crianças e adolescentes carentes; a
promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras
de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; além da garantia de um salário
mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e à pessoa idosa que comprovem não possuir
meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
O Estado acaba por assumir a assistência social com um conjunto de procedimentos com
aparente caráter compensatório da questão social manifestada pelas desigualdades sociais geradas pelo

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modo de produção. Nesse sentido, aos demandatários da assistência social, criam-se um elenco de
instituições e serviços no âmbito nacional, estadual, municipal e do distrito federal.
Além da Constituição de 1988, a assistência social obteve importantes conquistas: a Lei
Orgânica de Assistência Social – LOAS, em 1993; seguida das diretrizes nacionais da Política Nacional
de Assistência Social – PNAS, aprovada em 2004 e a implantação do Sistema Único de Assistência
Social – SUAS2, normatizado em 2005. Esses são considerados elementos centrais de regulação das
ações de gestão e de oferta de serviços no âmbito da referida política pública.
Muito embora, faz-se pertinente considerar que a proteção social que está se fortalecendo e se
impondo no Brasil acaba por focalizar os pobres tendo como consequências abordar os “indigentes” e
“incapacitados” para o trabalho e por sua vez impondo a essa parcela da população condicionalidades
para acessar as politicas sociais, ou mesmo contrapartidas, como é o caso do programa bolsa família e
também do programa projovem adolescente que está atrelado a uma bolsa de R$ 30,00 (trinta reais) que
a família recebe como acréscimo do valor da bolsa família. Isto, num quadro de baixa ou mesmo
insignificante preparação para a cidadania e abertura de espaços de participação social.
Telles (2006) registra que a pobreza contemporânea diz respeito aos impasses do crescimento
econômico, principalmente num país situado na periferia capitalista. Para a autora são os pobres a
figura clássica da destituição. “Para eles são reservados o espaço da assistência social cujo objetivo não
é elevar as condições de vida, mas minorar a desgraça e ajudar a sobreviver na miséria” (TELLES,
2006, p.94).
Ademais, Mestriner (2011) contribui ao afirmar que a desigualdade, a pobreza e as privações
sociais que vinham se agravando devido a pesada tradição excludente das políticas sociais de interesses
econômicos, toma dimensão e natureza inusitadas de uma questão social não mais restrita a relação
capital e trabalho descrita por Marx, “mas acrescida agora de novos problemas de exclusão social”
(MESTRINER, 2011, p. 31).
A pobreza e exclusão apresentam-se, desde os primórdios, paralelas ao crescimento econômico
colocando a população alijada à esfera do trabalho na condição de improdutivos ou mesmo incapazes.
Estes acabam por se tornar alvo da política de assistência social na tentativa de sobreviver diante das
facetas da miséria gerada pela desigualdade e pelas privações sociais básicas.
Acaba por se observar a existência de um quadro de responsabilização do indivíduo por sua
condição de pobreza e/ou inatividade/incapacidade para o trabalho. Sobre tal aspecto, Telles (2006)
esclarece que a virada neoliberal dos anos 80 e 90 traz um feroz pressuposto de culpabilização do
indivíduo pela sua situação de pobreza, onde esta é posta e “figurada sob uma lógica que retira qualquer

2 Em 2011, o SUAS foi instituído na legislação face a alteração da LOAS, Lei 8.742/9, com o objetivo de organizar os
programas, projetos, serviços e benefícios em bases regionais (abrangência municipal, estadual ou regional). O projeto
institucionaliza ainda a exigência de controle social, monitoramento e também a avaliação das políticas da assistência social.

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legitimidade à própria noção de direitos, enfatizando os deveres e responsabilidades de cada um por sua
situação” (TELLES, 2006, p. 15).
Nesse entendimento, ao analisar o texto da Política Nacional de Assistência Social – PNAS,
instituída no ano de 2004, o seu público alvo são os cidadãos e grupos que se encontram em situações
de vulnerabilidade e riscos sociais. Mas afinal, de que vulnerabilidade se trata? Segundo a referida
política, trata-se das situações de vulnerabilidade e risco que pressupõem o rompimento ou a fragilidade
de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; identidades estigmatizadas em termos étnico,
cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e/ou no acesso
às demais políticas públicas; dentre outras formas de violação.
Para Mauriel (2010), a forma como a política nacional de assistência social está disposta deve
funcionar para incluir grupos sociais injustamente impedidos de participar dos circuitos de produção,
bens, serviços e direitos existentes na sociedade brasileira. Posta dessa forma a assistência social não
estaria desgarrada das demais políticas socioeconômicas, tampouco contribuiria para desmantelá-las,
mas sim funcionaria para fortalecer as condições de eficácia das demais políticas sociais e econômicas,
com a roupagem de combate da pobreza de modo a impedir a reprodução da pobreza das gerações
vindouras.
[...] as causas da pobreza aparecem desvinculadas dos seus determinantes estruturais,
separando os indivíduos submetidos a essa condição de seus lugares no sistema
produtivo priorizando o cotidiano, passando a assistência a constituir um atributo
individual para aqueles que “moralmente” têm direito ou potencialidade para se
capacitarem (MAURIEL, 2010, p.177).

Nesse entendimento, o desenvolvimento social e humano propagado pela política de assistência


social acaba por depende também de capacidade individual do ser humano e do acesso “vale dizer da
redistribuição, ou melhor, distribuição dos acessos a bens e recursos, isto implica em um incremento
das capacidades das famílias e dos indivíduos” (PNAS, 2004, p.14).
Nesse diapasão, há de se canalizar um olhar para um grupo vulnerável público alvo da
assistência social: crianças e adolescentes carentes. Observa-se, portanto que estes também fazem parte
dos demandatários de ações focalizadas da assistência social face às situações de pobreza extrema e
diante da inatividade para o trabalho. São os jovens adolescentes que dão face à vulnerabilidade de
grupos historicamente discriminados.
É uma categoria que apresenta signos e situações de vulnerabilidade e risco de todas as ordens.
Seja no rompimento ou fragilidade de vínculos, sentimento de pertencimento, sociabilidade ou mesmo
identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual. Isto, sem desconsiderar as desvantagens
pessoais da condição de jovem.

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A Face Vulnerável da Juventude.

Segundo Silva e Silva (2011), a palavra juventude3 tem assumido diferentes significados de
acordo com o contexto histórico, social, econômico e cultural “Porém, o sentido mais comumente
encontrado é aquele que a define como uma fase de transição entre a adolescência e a vida adulta, um
momento de preparação para um ‘devir’[...]” (SILVA; SILVA, 2011).
Essa definição é complicada se a analisamos juridicamente, pois engloba jovens com
estatutos legais diferentes. Tem o mérito, contudo, de tentar romper com a
perspectiva tradicional de juventude como fase de transição entre a infância e a idade
adulta, ou do jovem como aquele que não é, mas estar por vir a ser. Advoga-se a
definição da juventude a partir da transversalidade contida nessa categoria. Ou seja,
definir juventude implica muito mais do que cortes cronológicos; implica vivências e
oportunidades em uma série de relações sociais, como trabalho, educação,
comunicações, participação, consumo, gênero, raça etc. (CASTRO; ABRAMOVAY,
2002, p.25.).

Castro e Abramovay (2002) partem do entendimento de que o conceito de juventude varia


inclusive de acordo com a ciência que o utiliza, de maneira que se deve considerar que o contexto
sócio-histórico e econômico influencia diretamente a construção do conceito. No entanto, os autores
advertem que existem algumas prerrogativas que carecem ser observadas visto que é de suma
importância para a ausência e ou ineficácia das políticas públicas para juventude: não conceber os
jovens como atores com identidade própria; não considerar a diversidade da juventude; e pensar a
juventude por um dualismo adultocrata como herança do conflito geracional.
Assim, é importante salientar que a juventude possui características diferenciadas de acordo
com o contexto no qual os jovens estão inseridos. Afinal, cada vez mais a juventude tem demandado
investimentos de todas as ordens: econômico, educacional, cultural, político e, sobretudo, social. No
que tange aos aspectos sociais da juventude carente há principalmente a demanda por investimentos e
olhares para as especificidades e vulnerabilidades vividas, pois é possível entender que a condição de
vulnerável está historicamente ligada a condição de juventude.
A condição de vulnerável pressupõe a condição de fragilidade e até mesmo de fraqueza sendo
que o próprio significado da palavra “vulnerável” consta a seguinte descrição: “Diz-se do lado fraco de
um assunto ou questão, e do ponto por onde alguém pode ser atacado ou ofendido” (MICHAELIS,
2013).
Segundo Sposati (2009), o conceito de vulnerabilidade social relaciona-se amplamente com as
situações de riscos sociais, principalmente se há a incidência do risco e considerando as condições de

3No Brasil, a atual Política Nacional de Juventude (PNJ), considera jovem todo cidadão ou cidadã da faixa etária entre os
15 e os 29 anos. A Política Nacional de Juventude divide essa faixa etária em 3 grupos: jovens da faixa etária de 15 a 17
anos, denominados jovens-adolescentes; jovens de 18 a 24 anos, como jovens-jovens; e jovens da faixa dos 25 a 29 anos,
como jovens-adultos. (SILVA; SILVA, 2011).

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sua ocorrência. Um maior grau de vulnerabilidade social pressupõe uma maior probabilidade de se estar
sujeito a riscos sociais.
Dessa forma, a vulnerabilidade da juventude pode ser observada tanto no trato da questão
social daqueles “fracos” alijados à esfera do trabalho – os tido como incapaz e improdutivo – quanto
daqueles que estão em situação de pobreza e ou risco social da ordem da violação dos direitos.
[...] situações específicas representam, para os jovens, fatores agravantes de
vulnerabilidades, como é o caso das relacionadas aos preconceitos e às discriminações,
que atingem de forma significativa, por exemplo, jovens negros ou jovens com
deficiências (JACCOUD; HADJAB; ROCHET; 2009, p. 172).

Esse entendimento evidencia as faces frágeis e a situação de risco vivenciada pela juventude, e,
ao mesmo tempo, traz à tona o cenário de periculosidade vivido por esse segmento. Isto, observados os
processos exposição dos jovens e ainda a formação da identidade face os territórios e condições
culturais e políticas. Para Barros (2008) “os jovens pobres têm sido alvo de ações muito repressivas e de
extrema visibilidade midiática, quando cometem algum tipo de violência, em detrimento das situações
das quais são vítimas” (BARROS, 2008, p. 144).
Destaca-se que, ao lado do tema do desemprego, o da violência comparece com
bastante eloquência quando se trata de identificar as vulnerabilidades na situação social
da juventude brasileira. Nos últimos anos, têm-se registrado taxas elevadas de
vitimização fatal entre os jovens, principalmente em decorrência de causas externa.
(SILVA; ANDRADE; 2009, p. 46)

É fato portanto que esse olhar da juventude em vulnerabilidade não pode ser concebido de
forma deslocada do reconhecimento da diversidade de determinações e fraturas sociais que atingiram e
atingem o campo da juventude. Como afirma Guimarães (2012) a juventude negra tem sido exposta à
sorte de violações de direitos devido a racismos estruturais que acaba por definir as condições de vida e
de oportunidade dessa camada de jovens, pois a violência continua a ter como principal vitima e ator a
juventude, sobretudo a negra.
Não obstante, observa-se a vinculação da juventude à situação de pobreza, onde, historicamente
construiu-se um entendimento equivocado de se associar a pobreza e as pessoas que vivem nessa
condição como criminosos. É oportuno esclarecer, que segundo Rizzini (1997) existem dois tipos de
pobres. Uma categoria ela descreve como os pobres que são dignos. Estes, vivem de acordo com os
padrões de moralidade pois trabalham e mantém a sua família “estruturada” e “unida” que mantem os
seus frutos – filhos – distantes de ambientes indignos como as ruas e os guetos. Já a outra categoria,
trata-se dos pobres condenados pelo vício. São os pobres viciados. Estes que não vivem de acordo com
os padrões de moralidade pois não trabalham e vivem no ócio. Logo, são tratados como deliquentes e
marginalizados como criminosos.
Nesse sentido, Guimarães (2012) contribui ao apontar que ocorre uma estigmatização
recorrente que banaliza o histórico da juventude e o seu lugar de pertencimento, principalmente no

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tocante à juventude negra que são as principais vítimas da violência. Aponta ainda que a juventude
negra não tem o reconhecimento da sociedade diante da estrutura que o racismo cria, sobrando para ela
apenas a face marcada pela insegurança e sensação de ameaça de suas vidas.
Observa-se que a condição juvenil é diversificada. Há desigualdade entre brancos e negros,
entre jovens da cidade e do campo, entre jovens ricos e pobres. Guimarães (2012) observa que a faixa
de renda tem estreita relação com a origem regional, cor da pele, entre outros elementos. Quando se
trata de segurança pública, as ações de repressão são mais invasivas junto à juventude negra. Esta sofre
na pele a violência como instrumento de dominação e manutenção da ordem. Os jovens tornam-se
vulneráveis face à cor da pele e face à condição de pobreza ou mesmo do lugar em que vivem.
No que se refere às privações vividas Kowarick (2009) também traz contribuições importantes
ao observar que a vulnerabilidade também é vista em relação ao acesso aos direitos básicos sociais e
cíveis, o autor aponta que a condição de vida da população apresenta signos de ausência de garantias
sociais. Para ele é fato que uma parcela relevante da população vive às margens do discurso cidadão e
sobrevive em condição de extrema pobreza.
A face vulnerável da juventude também apresenta privações sociais vividas por esse segmento.
Um (a) jovem que não tem acesso aos direitos básicos para uma garantia mínima de condição de vida
acaba ficando à revelia das politicas públicas. Como afirma Kowarick (2009), os jovens estão às
margens do discurso cidadão e em situação de extrema necessidade. As políticas públicas precisam
enxergar a face da juventude tomando como parâmetro a idéia de construir seus caminhos a partir das
conexões locais principalmente atentando-se para os segmentos em situação de vulnerabilidade
socioeconômica e cível.
No tocante aos direitos humanos, não se pode deixar de citar a preocupação face ao cenário de
violação dos direitos e vulnerabilidade que se encontram as pessoas jovens. Como afirmam Benvenuto
e Cicaré, (2012) na América do Sul registra-se uma considerável taxa de pessoas assassinadas - 26 a cada
100 mil pessoas – sendo que “[...] Em geral, os assassinatos atingem principalmente pessoas de baixa
renda e jovens entre 15 e 29 anos” (BENVENUTO; CICARÉ, 2012, p. 8.).
No Brasil, entre muitos aspectos, Castro e Abramovay (2002) observam que alguns indicadores
sobre condições de vida de jovens apontam vulnerabilidades sociais reais que exigirem atenção por
políticas para juventude. Isto não se tratando do foco de violência e repressão, mas sim ampliar o
alcance da cobertura de programas sociais e metas, principalmente quanto à escolaridade e emprego.
Registra-se que é comum as políticas públicas elaboradas fundamentar-se em propostas de
caráter funcionalista, ou instrumentais, por tutela. Principalmente até a década de 80. É um ideário em
que a vulnerabilidade é facetada até na própria liberdade dos(as) jovens, quando observa-se que esse
fundamento tutelador busca adequar o comportamento dos jovens a uma normalidade posta. Buscam
ainda prestar algum bem ou serviço para este segmento, seja mantendo-os nas escolas, sob a guarda da
família ou do Estado, ou mesmo em instituições para jovens infratores.

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No Brasil, a intervenção do Estado na elaboração das primeiras políticas públicas para


os “jovens” – entenda-se aqui o referencial de corte etário na infância e adolescência,
uma vez que poucos programas teriam como referência o ciclo de mais de 17 anos –
teve, como assinalado, a preocupação com o “saneamento social” de tipos
indesejáveis. É o que indica, por exemplo, o primeiro Código de Menores do Brasil,
de 1927. (CASTRO; ABRAMOVAY, 2002, p.21.).

Os autores observam que não há propriamente rupturas históricas com a ideologia do controle
e de tutela dos jovens pelo Estado. O que se observa são as formas de exercício de tal controle e
variações em relação aos sujeitos objetos de tal controle.
[...] algumas propostas foram guiadas, sobretudo, pela ideia de prevenção, de controle
ou de efeito compensatório de problemas que atingiriam a juventude, transformada,
esta, em um problema para a sociedade. Como exemplo, cita-se a grande proliferação
de programas esportivos, culturais e de trabalho, orientados para o controle social do
tempo livre dos jovens e destinados particularmente para os moradores dos bairros
pobres das grandes cidades [...] Prevaleceram, portanto, políticas focalizadas em
setores que apresentam as características de vulnerabilidade, risco ou transgressão –
normalmente, os grupos visados encontravam-se na juventude urbana, pobre e negra.
(SILVA; ANDRADE; 2009, p. 46)

Para Jaccoud; Hadjab e Rochet (2009) abordar o jovem a partir da perspectiva das
vulnerabilidades vividas e dos riscos sociais potenciais ou já existentes implica um amplo conjunto de
desafios. Os autores reforçam as diversidades que caracteriza este grupo e à identificação das demandas
por serviços e benefícios.
Assim, observam-se que a implementação da política pública de assistência social precisa
sobremaneira considerar os jovens e suas disparidades sociais e culturais, mas sobremaneira,
proporcionar-lhes um mínimo que seja de orientação e proteção social que proporcione acesso a bens e
serviços, à cidadania e à participação social, seja em qual for o território vivido.
As características sociais dos territórios – como os relacionados ao grau de violência,
ao perfil do mundo do trabalho ou à oferta de equipamentos culturais – também
impactam na vivência e nas oportunidades que se apresentam aos jovens. Investir na
construção das redes de proteção social e na oferta de serviços visando apoiar a busca
de autonomia, o desenvolvimento de capacidades e o protagonismo e o
enfrentamento das vulnerabilidades sociais exige o efetivo reconhecimento das
diversidades e o aprofundamento dos diagnósticos com vista à formulação de políticas
públicas de caráter integrado, descentralizado e participativo (JACCOUD; HADJAB;
ROCHET; 2009, p. 172).

O reconhecimento do lugar em que vivem os jovens vulneráveis e a destinação de recursos e


políticas adequadas acaba sendo um desafio face à ausência de diagnósticos e de indicadores para a
juventude no contexto do conjunto de serviços e ações socioassistenciais. Este seja talvez um dos
maiores obstáculo para a efetivação de uma política de assistência social que proporcione um
desenvolvimento social e a garantia de direitos.

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A situação de pobreza e de extrema pobreza vivenciada pela juventude ainda que parcialmente
identificada nos territórios brasileiros acaba por balizar signos e ausências sociais graves. “[...] tanto as
vulnerabilidades como os riscos sociais mais frequentes devem ser mais bem conhecidos e analisados,
visando organizar ações de prevenção e proteção” (JACCOUD; HADJAB; ROCHET; 2009, p. 172)..

O Projovem Adolescente no município de Palmas – TO diante do cenário de vulnerabilidade,


pobreza e privações sociais.
Segundo Relatório de Informações Sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome – MDS, a partir de dados do Censo IBGE 2010, a população total do município de Palmas é
em torno de 228.332 residentes divididos sob a seguinte faixa etária:

Figura 1

Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Relatórios de Informações Sociais. Disponível
em: www.mds.gov.br/sagi acessado em 6 de agosto de 2013.

Da população total do município, 5.473, ou seja, 2,4% se encontravam em situação de extrema


pobreza com renda domiciliar per capita abaixo de R$ 70,00 (setenta reais). No tocante à população
residente no município na faixa etária de 15 a 59 anos essa exibiu crescimento populacional (em média
5,94% ao ano), passando de 88.447 habitantes em 2000, para 157.546 em 2010, ano em que esse grupo
representava 69% da população do município.
De acordo com os registros do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal –
CADúnico, o município contava com 23.103 famílias registradas no cadastro e destas, 10.718 famílias
eram beneficiárias do Programa Bolsa Família, ou seja, 46,39% do total de cadastrados. Observa-se,
portanto que um número relevante da população recebe o benefício do programa bolsa família.
Do total da população em extrema pobreza do município, 1.052 (19,2%) se classificaram como
brancos e 4.241 (77,5%) como negros. Dentre estes últimos, 535 (9,8%) se declararam pretos e 3.706
(67,7%) pardos. Outras 167 pessoas (3,1%) se declararam amarelos ou indígenas. No tocante à

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localização, do total de extremamente pobres, 242 (4,4%) viviam no meio rural e 5.231 (95,6%) no
meio urbano.
Os dados do Censo 2010 e do Relatório de Informações Sociais do Ministério de
Desenvolvimento Social e Combate á Fome – MDS revelaram ainda que havia 138 indivíduos
extremamente pobres com alguma deficiência mental; 818 tinham alguma dificuldade para enxergar;
196 para ouvir e 305 para se locomover. Quanto às pessoas idosas, foram registradas 249 (duzentas e
quarenta e nove) pessoas com mais de 65 anos na extrema pobreza. Sob o recorte de gênero, do total
de extremamente pobres no município, 2.903 são mulheres (53,0%) e 2.570 são homens (47,0%).
Um intrigante dado revelado pelo Censo IBGE 2010 foi o fato de que 47,4% da população
extremamente pobre do município de Palmas têm de zero a 17 anos. Havia 664 (seiscentas e sessenta e
quatro) crianças na extrema pobreza na faixa de 0 a 3 anos e 310 (trezentas e dez) na faixa entre 4 e 5
anos; no grupo de 6 a 14 anos, 1.381 (mil trezentos e oitenta e um) indivíduos na extrema pobreza. No
grupo de 15 a 17 anos, 241 (duzentos e quarenta e um) jovens foram registrados nessa situação de
extrema pobreza. E ainda, das pessoas com mais de 15 anos em extrema pobreza, 331 não sabiam ler
ou escrever, o que representa 11% dos extremamente pobres nessa faixa etária. Dentre eles, 185 eram
chefes de domicílio.

Figura 2

Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. A Extrema Pobreza no Município de Palmas.
Boletim do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Disponível em: www.mds.gov.br acessado
em 2 de julho de 2013.

Ainda segundo informações do Relatório de Informações Sociais, a partir de dados do Censo de


2010, no município havia 496 crianças de 0 a 3 anos na extrema pobreza não frequentando creche, o
que representa 74,7% das crianças extremamente pobres nessa faixa etária. Entre aquelas de 4 a 5 anos,
havia 99 crianças fora da escola (31,9% das crianças extremamente pobres nessa faixa etária) e, no
grupo de 6 a 14 anos, eram 52 (3,7%). Por fim, entre os jovens de 15 a 17 anos na extrema pobreza, 39
estavam fora da escola (16,1% dos jovens extremamente pobres nessa faixa etária).

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Quanto à infraestrutura básica, 129 pessoas extremamente pobres (2,4% do total) viviam sem
luz, 164 (3,0%) não contavam com captação de água adequada em suas casas, 3.147 (57,5%) não tinham
acesso à rede de esgoto ou fossa séptica e 483 (8,8%) não tinham o lixo coletado. 590 pessoas
extremamente pobres (10,8% do total) não tinham banheiro em seus domicílios. 467 (8,5%) não tinham
em suas casas paredes externas construídas em alvenaria.
Os dados revelados implicam o entendimento de que a face mais vulnerável da população, ou
seja, jovens, adolescentes, crianças e pessoas idosas, estão em condição de dupla vulnerabilidade: tanto
pelas peculiaridades do seguimento, quanto pela situação de extrema pobreza em que se encontram.
Este cenário acaba sendo um palco fiel das desigualdades, vulnerabilidades e privações sociais face à
situação de extrema pobreza.
Em meio a isto, cabe por se questionar o papel da assistência social e das demais politicas
públicas no real enfrentamento das situações de extrema pobreza, pois como se viu, é um cenário que
atinge principalmente os mais vulneráveis. Questiona-se ainda em que medida os serviços
socioeducativos do ProJovem Adolescente poderão ter impacto positivo para o desenvolvimento
humano e garantia dos direitos básicos diante de um retrato de desigualdade, vulnerabilidade e de
privações sociais.
Isto, sob as considerações de que os dados demonstrados colocaram os adolescentes em
situação de privação dos serviços como educação e um sistema escolar eficaz, infraestrutura básica,
alimentação segura, entre outros quesitos básicos para a vida digna.
No que diz respeito ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, este busca a
efetivação e integração de programas e ações do governo federal voltadas para jovens com idades entre
15 e 29 anos e divide-se nas modalidades: Urbano, Campo, Trabalhador e Adolescente. Ressalta-se que
este estudo discorre sobre o Projovem Adolescente desenvolvido por meio de serviços socioeducativos
no âmbito da política de assistência social.
O Projovem Adolescente integra o Sistema Único de Assistência Social – SUAS, é gerido
nacionalmente pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS e
coordenado/executado pelos municípios compondo a Proteção Social Básica – PSB 4 desse Sistema de
modo a atender jovens entre 15 aos 17 anos provenientes de famílias em situação de pobreza ou
extrema pobreza, beneficiárias do Programa Bolsa Família – PBF. No entanto, o Projovem também se
correlaciona com a Proteção Social Especial – PSE5 do SUAS, e atende jovens que geralmente são

4 PSB – tem como objetivo a prevenção de situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições
e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.
5 PSE - destina-se a famílias e indivíduos que já se encontram em situação de risco pessoal ou social, cujos direitos tenham

sido violados ou ameaçados.

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egressos de medidas de internação6, de medidas socioeducativas em meio aberto7, egressos do


Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI8 ou em medida de proteção9.
Dessa forma, observa-se que o público-alvo estende-se aos jovens em situação de
vulnerabilidade social e pobreza, e ainda àqueles em situação de risco pessoal e social encaminhados
pelos serviços de Proteção Social Especial do Sistema Único de Assistência Social – SUAS ou pelos
órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. No entanto, o foco maior do
Projovem Adolescente é o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes e
Jovens de 15 a 17 anos. Este serviço preza pelo fortalecimento da convivência familiar e comunitária,
do retorno dos adolescentes à escola e também de sua permanência no sistema de ensino.
Quanto às atividades desenvolvidas, o Projovem foi pensado para estimular a convivência
social, a participação cidadã e uma formação geral para o mundo do trabalho; e ainda, possibilitar o
desenvolvimento de habilidades e de capacidade comunicativa, inclusão digital, e orientação para a
“escolha” profissional no mercado de trabalho.
O Projovem Adolescente organiza os jovens beneficiários em grupos denominados coletivos10
compostos por no mínimo 15 e no máximo 30 jovens. O coletivo é acompanhado por um orientador
social e supervisionado por um profissional de nível superior do Centro de Referência da Asssitência
Social – CRAS. Oferece atividades socioeducativas durante 24 meses com o auxílio financeiro de R$
30,00 pago diretamente às famílias mediante comprovação de frequência à escola e no limite de até dois
benefícios por família.
São nos CRAS onde podem ser ofertadas as ações socioeducativas do Projovem Adolescente.
No município de Palmas – TO, há 10 (dez) Centros de Referência da Assistência Social – CRAS,
distribuídos em diversas áreas: sul, norte e adjacências como Taquaruçu. Ressalta-se que 6 (seis) desses
Centros são financiados pelo Governo Federal. Segundo o MDS, a cidade possui 21 (vinte e um)
coletivos cofinanciados com previsão de repasse anual de recurso no valor de R$ 316.575,00 (trezentos
e dezesseis mil, quinhentos e setenta e cinco reais).

6 Segundo o ECA /1990 “Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade [...]” (ECA, 1990, p.24)
7 Segundo o ECA /1990 “Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para
o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente” (ECA, 1990, p.23)
8 O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI articula um conjunto de ações para retirar crianças e

adolescentes com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho precoce, exceto quando na condição de aprendiz, a partir
de 14 anos.
9 Conforme o ECA /1990 “Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a programa

oficial ou comunitário de proteção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos; [...]” (ECA, 1990, p.26).
10 A participação do jovem possui duração de dois anos, com carga horária de 600 horas distribuídas semanalmente. O

Governo Federal participa do cofinanciamento repassando, fundo a fundo, um valor mensal para cada coletivo instituído.
Não obstante, o Estado e municípios também possuem responsabilidades para com o desenvolvimento do programa.

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Figura 3

Fonte: Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Relatórios de Informações Sociais. Disponível
em: www.mds.gov.br/sagi acessado em 5 de agosto de 2013.

É fato, portanto, que os jovens no Brasil são uma das maiores vítimas dessa situação de
desigualdade, vivenciando suas mazelas no desemprego, violência, pobreza e na falta de projetos
futuros. “Mesmo sendo beneficiada transversalmente por políticas de educação, saúde, habitação e
assistência social, a juventude continua sendo um hiato nas ações focais do governo [...]” (BLANCO,
2011, p. 2).
Jaccoud; Hadjab e Rochet (2009) questionam em que medida os serviços socioeducativos do
ProJovem Adolescente poderão fazer frente às dificuldades de permanência no sistema escolar e, ao
mesmo tempo, construir efetivas possibilidades de desenvolvimento de capacidades e potencialidades
para os beneficiários. Isto, face à diversidade de inserções sociais e culturais além das vivências de
vulnerabilidades sociais e exposição a riscos sociais aliados aos dados de extrema pobreza vivenciados
pelos municípios.
É presente a necessidade de superar os desafios, as desigualdades e as situações de privações
sociais decorrentes da pobreza de modo a oferecer oportunidades de acesso à educação, ao trabalho e à
cidadania para a população. Isto, na perspectiva de garantir os direitos humanos dos jovens e
adolescentes não apenas na esfera da oferta das politicas publicas de forma eficaz, mas, sobremaneira,
compreendendo as vulnerabilidades e especificidades vivenciadas por esse segmento.
Provavelmente canalizar esforços pelo viés da cidadania, do respeito à diversidade, da
integração social e das possibilidades culturais e politicas dispostas de forma continuada e sistemática
aos jovens e adolescentes torna-se o caminho mais viável visto que se trata de uma população
historicamente marginalizada.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 763

Considerações finais

Este artigo realizou um ensaio teórico sobre a política pública de assistência social para
juventude a partir das considerações do programa Projovem Adolescente que tem como público alvo
adolescentes que estão em situação de extrema pobreza vivenciada no município de Palmas – TO. O
objetivo foi identificar a face vulnerável da juventude e qual a contribuição da política pública de
assistência social para a garantia dos direitos humanos desses jovens.
Compreendeu-se que garantir direitos humanos e a superação da situação de vulnerabilidade
social e econômica pelo viés de uma política de combate à pobreza institucionalizada por uma cidadania
limitada em meio a um cenário onde os adolescentes apresentam-se como um segmento historicamente
marginalizado e numa condição de extrema pobreza, torna-se um surpreendente desafio.
A face vulnerável da juventude acaba por ser retratada numa condição estrutural das
manifestações da questão social brasileira embebida por condições de discriminação de todas as ordens,
aliadas à privações sociais e econômicas, e à signos e ausência de garantia de direitos e do acesso a
serviços públicos básicos. Nesse quadro, os adolescentes apresentam um alto teor de vulnerabilidade
social.
Dessa forma, as possibilidades de desenvolvimento de capacidades e potencialidades para os
jovens adolescentes beneficiários do programa Projovem Adolescente da assistência social acabam por
serem limitadas. Não basta ações socioeducativas fragmentadas e descoladas da oferta de reais
possibilidades e espaços de diálogos e participação da juventude. Isto, face à diversidade de inserções
sociais e culturais e ao acentuado grau de vulnerabilidade, pobreza e riscos sociais identificados.
Há, portanto, a preocupação para com as responsabilidades e possibilidades da política pública
de assistência social para com os adolescentes beneficiários do Projovem Adolescente de maneira que
essa política possa, acima de tudo, compreender não somente as desigualdades sociais estruturais, mas
sim oferecer oportunidades de potencialização da cidadania e da participação social, além de viabilizar o
acesso desses adolescentes à outras políticas como a garantia do direito à educação, ao trabalho e à
segurança alimentar e real superação da situação de extrema pobreza.
Como alerta, as políticas públicas de uma maneira geral precisam identificar e reconhecer as
diferentes faces da juventude, sobremaneira, da juventude em extrema pobreza de modo a reconhecer e
enfrentar a existência do racismo, dos estigmas e do lugar de pertencimento social, econômico e
familiar. É necessário ainda captar e compreender a face vulnerável dos jovens e adolescentes pobres
considerando as situações de risco e de fragilidades vividas em todos os aspectos.

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XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Os desafios comuns da América do Sul na materialização
da Convenção Internacional sobre os Direitos da
Criança para adolescentes em conflito com a lei

Milton Bezerra de Lima1

“... Sentimo-nos com o direito de acreditar que ainda não é muito tarde para se empreender a
criação da utopia contrária. Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa
decidir pelo outro até mesmo a forma de morrer, onde, realmente, o amor seja certo e a
felicidade seja possível, e onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham, por fim e
para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra''.
Gabriel García Marquez, apud MÉNDEZ; COSTA, 1994, p. 53.

A
pós 24 anos de vigência da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (CIDN) e
23 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quais os auspícios para a infância e
a adolescência na América do Sul? Pensar o panorama regional do status em que nos
encontramos nos dará a dimensão do desenvolvimento social que alcançamos de fato, o que nos dirá da
consistência da política econômica prevalecente e, sobretudo, como definir rumos condizentes com um
projeto de integração pautado por objetivos e metas inadiáveis de justiça, dignidade e solidariedade,
capazes de sustentar uma permanente interlocução internacional a partir do bloco subregional.
Consideraremos o caso brasileiro como emblemático de uma iniciativa capaz de impactar os
vizinhos por seu protagonismo jurídico, mas sobretudo pelo processo político que antecedeu e
prolongou-se após o ECA, indicando óbices e perspectivas que se abriram desde então.

Da Convenção para cá: conquistas e desafios

O longo processo que foi da criação do primeiro Tribunal de Menores, em Ilinois (EUA), no
ano de 1899, e desembocou na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (daqui em diante
apenas Convenção), representou o segundo momento da ruptura histórica com o modelo da infanto-
adolescência como objeto da compaixão-repressão para o arquétipo da criança como sujeito de direitos.
Assim como ocorreu com as legislações específicas para crianças e adolescentes envolvidas em
atos infracionais, nos países latino-americanos a adesão a CIDN foi acompanhada de políticas de
atenção diferenciadas na implementação dos princípios ali contemplados. Ainda hoje o caráter
excepcional da Medida de Privação de Liberdade é frequentemente violado, como é o caso brasileiro.
Este descompasso chega a ser abissal. Uma boa ilustração é quanto à população internada, que na Costa
Rica, em 2006, não passava de 50 adolescentes, após 10 anos da aprovação de sua Lei Penal Juvenil
(MÉNDEZ; 2006, p.14), realidade bastante diferenciada das demais nações latinas, onde a aplicação da

1Psicólogo com atuação junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), com pós-gradução lattu senso em Intervenção
na Família e Realidade Social (Faculdade Frassineti do Recife – FAFIRE).
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 766

medida de internação ainda é bastante frequente. Aliás, diga-se de passagem, que o avanço legislativo
verificado em toda a América Latina foi significativamente inspirado pelo Brasil.
A sociedade civil que havia se afastado anteriormente de qualquer tentativa de intervir sobre a
política assistencial-autoritária que predominou até a Convenção, num rastro de governos ditatoriais
disseminados ao longo das décadas de 60 a 70, retomou o diálogo com o Estado de modo bastante
diferente na década de 90. A interlocução traduzida em paridade na definição da política, no plano
legislativo, não se configura igualmente na prática, pois o Estado o mais das vezes se confunde com
quem deveria constituir seu anteparo e controlador de suas ações, o que permite-lhe que estabeleça seu
ritmo e interesse à revelia de qualquer resistência da sociedade civil. Colaborou definitivamente para o
atual estado das coisas a inserção entusiasta das nações do bloco na versão neoliberal do Capitalismo
gestado pelo centro da economia de mercado globalizada, durante a década de 90. É que, entre os seus
postulados ideológicos estava a transformação do Estado num mero gestor dos interesses econômicos
em favor dos grandes grupos. As entidades civis foram convocadas como “parceiras” da lógica
neoliberal de apropriação da política pública pelo interesse privado. No dizer de Montaño:
Procura-se que esse processo seja percebido como de “transferência” de um setor
“falido”, o Estado, para outro mais eficiente, empreendedor, livre, a “sociedade
civil”..Acrescenta-se a esta imagem de “transferência” ou “passagem” a ideia de que
ela está potencializada pela “parceria” com o Estado. Então o caminho para ocultar a
verdadeira finalidade de classe desse processo, e com ele a importante perda de
direitos conquistados, está livre. (MONTAÑO, 2010, p. 226)

Portanto, na nova estratégia de reestruturação do capital sob o seu projeto neoliberal o Estado
estabelece “parcerias” com a sociedade para se desresponsabilizar da questão social, terceirizando,
precarizando, descentralizando e despojando a política pública de seu caráter universal para focalizá-la
em ações pulverizadas sob encargo do terceiro setor.
O efeito perseguido foi o de encobrir o verdadeiro fenômeno de reestruturação do capital como
catalizador da reconfiguração estatal nos anos 90, forçando a delegação às organizações civis da função
de estofo dos conflitos com os destinatários das políticas públicas e, assim, evitando o atrito direto da
população vulnerabilizada com o ente estatal (des)responsabilizado. Ao fim, a potencialidade conflitiva
é mitigada e inoculada a ideologia de que o ente privado da sociedade é mais eficiente, solidário e
desburocratizado/descentralizado que o pesado ente estatal na provisão dos serviços públicos.
Mas, o que ficou do profícuo período que antecedeu a promulgação da Convenção e sua
ratificação pelos países da América Latina? É preciso, antes de tudo, resgatar um pouco do que foi a
trajetória do movimento social em prol da infância e juventude no Continente para dimensionar seu
espectro antes e depois dos marcos normativos.
Os anos 80 rotulados de “década perdida” pelo aprofundamento da crise econômica, em
especial no Brasil, foi, por outro lado, uma época de abertura democrática e, sobretudo, de engajamento
e produção político-cultural da militância social, que deslindou em um novo olhar para um segmento

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 767

até então irrelevante no campo de lutas tradicionais, a criança e a juventude. A degradação das
condições de vida da crescente população da periferia das grandes cidades, depositária do êxodo rural e
do desemprego estrutural, flagelava de modo ainda mais atroz a infanto-adolescência, visibilizada
através da ocupação das ruas como lugar de sobrevivência e moradia. Uma espécie de força tarefa se
constituiu para enfrentar a problemática:
[...] um grupo de técnicos do Unicef, da Funabem e da SAS (Secretaria de Ação Social)
do Ministério da Previdência e Assistência Social (deram) início ao Projeto Alternativas
de Atendimento a Meninos de Rua, com base em um termo de acordo celebrado entre
dirigentes das três instituições. (COSTA; MÉNDEZ, 1994, p. 93).

Fruto desta iniciativa realizou-se o I Seminário Latino-Americano de Alternativas Comunitárias


de Atendimento a Meninos e Meninas de Rua, realizado em Brasília no mês de novembro de 1984 e,
posteriormente, consolidou-se na criação, em 1985, da Coordenação Nacional do Movimento Meninos
e Meninas de Rua, considerado o evento e a conquista mais importante deste período. A seguir, em
maio de 1986 realiza-se em Brasília o I Encontro Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
Após discutirem com notável criticidade seus problemas e perspectivas, crianças e adolescentes
definiram como principal estratégia para enfrentar e superar os gargalos a convocação da militância da
área para influenciar o processo constituinte em curso. Para tanto, arregimentaram entre os principais
atores para a tarefa a Frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes, a Pastoral
do Menor da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o Movimento Nacional Meninos e
Meninas de Rua e a Comissão Nacional Criança e Constituinte. O corolário da intensa mobilização
social ao longo do processo constituinte foi a consagração do
[...] caput do art. 227, que introduz na Constituição brasileira o enfoque e a substancia
básica da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, texto cujo projeto já era
conhecido no Brasil quando da elaboração da Carta Constitucional. Assim, em 5 de
outubro de 1988, o Brasil incorpora em sua Carta Magna os elementos essenciais de
uma Convenção Internacional que só seria aprovada em 20 de novembro de 1989.
Isto ocorreu basicamente em razão da força, da habilidade, da resolução e do
compromisso do movimento social que se forjou em torno dos direitos da criança e
do adolescente.” (COSTA; MÉNDEZ, 1994, p. 95).

O desafio aberto à sociedade civil por Costa, quando da conquista legislativa representada pela
promulgação do ECA foi encarar a árdua e difícil articulação com os governos para o desenho e
fiscalização de um novo tipo de políticas públicas. E para tanto os Conselhos dos Direitos da Criança e
do Adolescente constituíram a sustentação política e legitimidade jurídica para o desenvolvimento desta
utopia concreta.
Mas, qual a real assunção do lugar fiscalizador e de controle social das políticas pelas entidades
civis? Méndez diagnosticava que, à época do avanço jurídico, a proliferação de organizações não
governamentais produziu, basicamente, duas posições relativas à política oficial, quais sejam, um grupo
que nascia e se nutria das benesses do Estado e um outro, que cultivava um espírito de autonomia. E
avaliou que a resultante destas duas posturas era que “no caso das ONGs do primeiro tipo, sua
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existência e desenvolvimento estão condicionados, obviamente, à mera vontade governamental. Por


outro lado, dentro das organizações do segundo tipo abre-se uma ampla gama de possibilidades, que
inclui desde a mera oferta de serviços até a formulação de estratégias complexas destinadas a influir na
estrutura jurídico-institucional das políticas para a infância.” (COSTA; MÉNDEZ, 1994, p. 66). E ambas
acabaram por serem “asfixiadas pela resolução de problemas imediatos... incapacitadas de perceber que
o contexto jurídico existente regulava a qualidade e a quantidade de boa parte dos problemas cotidianos
que deviam ser enfrentados. Ao mesmo tempo, impedia a ampla reprodução de experiências bem
sucedidas realizadas em escala reduzida.” (COSTA; MÉNDEZ, p.66)
A sociedade civil) precisa escapar da tentação de uma estratégia de consenso que apaga a ideia
de confronto com interesses hegemônicos que ameaçam os direitos de crianças e adolescentes como
providos por uma ética universal e os tratam de maneira focalizada. “Aqui perde-se não só a dimensão
de “lutas”, de “confronto” – fala-se de atividades, de interação, de entendimento, de consenso, de
parceria, de bem comum -, mas subtrai-se a sociedade civil como espaço contraditório, tenso –
consideram-se as “organizações da sociedade civil” como articuladas num mesmo interesse, o de
promover o bem geral da população.” (Montaño, 2010, p. 264). A insistência nesta perspectiva recai
num movimento inócuo que ora se subordina à dominação disfarçada de “parceria” com o Estado, ora
exclui este do horizonte do enfrentamento necessário à emancipação e garantia das conquistas sociais.
Sem dúvida uma das provocações mais contundentes ao mister fiscalizador e controlador
inerente à sociedade civil se traduz atualmente na área dos direitos de adolescentes em conflito com a
lei, onde o espírito menorista mantém um avatar de violações que o garantismo jurídico não superou.
O projeto neoliberal percebeu nas organizações não governamentais presentes nos países da
periferia a possibilidade de enfraquecimento dos movimentos sociais, como forma de
[...] criar um ‘amortecedor social’. Tais organizações dependiam financeiramente das
fontes neoliberais e disputavam diretamente com os movimentos sociopolíticos pelo
engajamento e fidelidade dos líderes locais e das comunidades militantes (1999 apud
Montaño, 2010, p. 272)

Como resultado da disputa ONGs/movimentos sociais, as primeiras passaram a ocupar o lugar


dos últimos, ganhando terreno na mídia e maior credibilidade social; também o modelo gerencial impôs
a lógica meritocrática como distintivo em relação aos movimentos sociais. No campo das relações com
o Estado e com o interesse privado, as ONGs substituem o enfrentamento aberto dos movimentos
sociais pela negociação, sobrepõem ao conflito de interesses o clientelismo. Por fim, de principais
interlocutores com o Estado, os movimentos sociais terceirizam sua atuação através das ONGs, o que
dá ao Estado e às agências internacionais a prerrogativa de escolher com quem dialogarão. Como efeito
da guinada conciliatória o caráter contestador e reivindicatório dos movimentos populares é derrotado
pela postura negociadora, produzindo despolitização e esvaziamento das organizações populares e suas
demandas.

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Retomando o percurso brasileiro para pensar amplamente em termos de MERCOSUL e


América Latina as tarefas comuns à implementação definitiva da Convenção, abordaremos o processo
de criação da Lei de Execução Socioeducativa como fruto da mobilização social que pariu o artigo 227
da Constituição Federal e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente.

ECA e SINASE: um caminho a compartilhar?

Méndez2 identifica um processo regressivo na América Latina nos últimos 25 anos no que tange
à Doutrina de Proteção Integral, localizando três momentos do atavismo menorista que ainda
atravessamos, os quais são emblemáticos no sentido de sintetizar em determinado momento histórico
um conjunto muito mais amplo de posições. Na década de 80 o tema recorrente foi o de meninos em
situação de rua, na década de 90, o trabalho infantil e, finalmente, no despontar do século XXI até o
presente, os adolescentes em conflito com a lei. Portanto, abordar a temática infracional é remeter às
questões que melhor expressam as dificuldades que temos e, consequentemente, que instigam a buscar
respostas.
A regressão a que se refere Méndez diz respeito aos dois momentos históricos que antecederam
o garantismo representado pela Convenção. O primeiro deles, denominado período do Caráter Penal
Indiferenciado se prolongou de fins do século XIX até 1919. Crianças, adolescentes e adultos eram
encarcerados no mesmo espaço, com a única exceção aos menores de 7 anos, considerados
“absolutamente incapazes e cujos atos eram comparáveis aos animais” (Méndez, 2006: p. 9). A faixa
etária dos 7 aos 18 anos incompletos respondiam aos mesmos procedimentos destinados aos adultos,
com o único atenuante da redução do tempo da pena em um terço.
A degradante situação de promiscuidade da infanto-adolescência no sistema carcerário
mobilizou um grupo de ideólogos que se engajaram pela Reforma do modelo, imbuídos do espírito do
positivismo filosófico. Iniciado nos Estados Unidos, em 1905 o movimento se espraiou para a
Inglaterra e em 1920 atingiu quase toda a Europa, que adotou uma legislação e uma administração da
justiça própria à infância e à adolescência. A nova perspectiva Tutelar atracou entre nós a partir da
Argentina, com a Lei Agote (1919), que logo foi acolhida em toda a região. Todavia, o que parecia uma
ruptura com a visão anterior, logo mostrou-se um continuísmo, pois o positivismo filosófico amparou-
se no “sequestro dos conflitos sociais, quer dizer, na cultura segundo a qual a cada “patologia social”
devia corresponder uma arquitetura especializada de prisão’ (MÉNDEZ, 2006, p. 9). Mesmo o inegável
avanço da separação dos encarcerados infanto-adolescentes dos adultos foi apenas parcialmente
incorporado pelos europeus e redundou em retórica mais que em materialização no caso da América
Latina, quadro ainda hoje encontrado em alguns países da Região.

2 Op. Cit., p. 8.

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Com a Convenção inauguramos a fase da Separação, Participação e Responsabilidade. Separação da


problemática de ordem social dos atos que implicam conflito com a lei. Participação como o direito de
crianças e adolescentes a expressar opiniões segundo seu grau de maturidade (art. 12 da Convenção). E
Responsabilidade como capacidade progressiva para expressar-se e ser ouvido e, concomitantemente,
de assumir os encargos inerentes ao exercício desse direito, não só no sentido social como também
penal (em se tratando de adolescentes).
Entretanto, a vigência de uma nova perspectiva doutrinária e sua ramificação em normativas
nacionais, notadamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, no Brasil, enfrentam agora uma dupla
crise3. Por um lado, estamos às voltas com uma Crise de Implementação, traduzida na fragilidade ou
ausência de políticas sociais básicas de saúde e educação, reforçadas pela tentativa de substituí-las pelo
modelo assistencialista ou repressivo como alternativa calcada na ideologia neoliberal anteriormente
comentada. Por outro lado, enfrentamos também uma Crise de Interpretação do texto estatutário que tem
levado a sua recorrente revisão, felizmente de viés progressista, mas ameaçado por retrocessos fáceis de
dimensionar pela similitude com as propostas repressivo-assistencialistas fracassadas. Basta citar aqui a
série de Projetos de Emendas Constitucionais pela redução da maioridade penal ou pela ampliação do
tempo da privação de liberdade, em tramitação no Congresso Nacional, alardeadas como urgentes e
efetivas medidas contra a escalada da violência. Para superar a ameaça interpretativa Emilio aponta dois
caminhos:
“Por um lado, o respeito rigoroso ao império da lei próprio das democracias constitucionais
baseadas numa perspectiva de direitos humanos hoje normativamente estabelecido e, por outro, a
existência de mecanismos e instituições idôneos e eficazes para a realização efetiva dos direitos
consagrados... a cara oposta do garantismo é o subjetivismo e a discricionariedade” (MÉNDEZ, 2006,
p. 16)
Portanto, prover as conquistas do ECA de dispositivos procedimentais e reguladores da
execução socioeducativa é a forma de “resposta e, sobretudo, para contrapor-se à sobrevivência de uma
cultura de “proteção” subjetivista e discricional” (MÉNDEZ, 2006, p. 23).
Foi impulsionado por este espírito que os principais atores do sistema de Garantia de Direitos
envolveram-se na tarefa de conferir ao garantismo legal suportes operativos e procedimentais:
[...] durante o ano de 2002 o CONANDA e a Secretaria Especial dos Direitos
Humanos (SEDH/SPDCA), em parceria com a Associação Brasileira de Magistrados
e Promotores da Infância e Juventude (ABMP) e o Fórum Nacional de Organizações
Governamentais de Atendimento à Criança e ao Adolescente (FONACRIAD),
realizaram encontros estaduais, cinco encontros regionais e um encontro nacional
com juízes, promotores de justiça, conselheiros de direitos, técnicos e gestores de
entidades e/ou programas de atendimento socioeducativo. O escopo foi debater e
avaliar com os operadores do SGD a proposta de lei de execução de medidas
socioeducativas da ABMP bem como a prática pedagógica desenvolvida nas

3 Op. Cit., pp. 15-16.

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Unidades socioeducativas, com vistas a subsidiar o Conanda na elaboração de
parâmetros e diretrizes para a execução das medidas socioeducativas (Secretaria
Especial dos Direitos Humano, 2006, p. 15).

Como resultado desses encontros, acordou-se que seriam constituídos dois grupos de trabalho
com tarefas específicas embora complementares, a saber: a elaboração de um projeto de lei de execução de
medidas socioeducativas e a elaboração de um documento teórico-operacional para execução dessas medidas.
Portanto, em novembro de 2004 a proposta operacional foi sistematizada, mas só em junho de
2006 foi aprovado em Assembléia do CONANDA, efetivando-se na Resolução nº 119, em
11/12/2006.
Posteriormente, em 18/01/12, foi promulgada a Lei de Execução Socioeducativa, conhecida
como Lei do SINASE (Lei 12.594/2012).
A nova Lei consolidou os avanços do Estatuto da Criança e do Adolescente ao estabelecer: 1-
Formas procedimentais preventivas da discricionariedade judicial ou administrativa; 2- a diferenciação entre o judicial
e o administrativo na execução; 3- a definição do que cabe a cada ente federado e à sociedade civil; 4-condições e
requisitos para a inscrição, a organização e funcionamento dos programas de atendimento; 5- a qualificação e
responsabilização de seus dirigentes; 6- a qualificação técnica dos recursos humanos e da estrutura das
instalações; 7- Fortalecimento do papel dos Conselhos de Direito; 8- Definição de um Plano Individual de
Atendimento como instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o
adolescente; 9- Definição da especificidade de atenção ao portador de transtorno mental.
Destacamos a seguir alguns dispositivos inovadores. Os Planos de Atendimento Socioeducativo
contemplarão ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e
esporte, para os adolescentes atendidos (art. 8º). Portanto, a incompletude institucional orienta a gestão
intersetorializada, combatendo a lógica das instituições totais e convocando os recursos sócio-
comunitários disponíveis. Os Programas de Atendimento deverão prover, de modo geral (art. 11º): a
especificação de métodos e técnicas pedagógicas; indicação de estrutura material, de recursos humanos
e estratégias de segurança; regimento interno contendo: a) atribuições e responsabilidades dos
dirigentes, dos membros das equipes técnicas e educadores; b) condições de exercício de disciplina e
concessão de benefícios; c) concessão de benefícios extraordinários; política de formação de recursos
humanos; ações de acompanhamento ao egresso; definição de Quadro multiprofissional em
conformidade com as normas de referência; adesão ao Sistema de Informações sobre o Atendimento
Socioeducativo. E no tocante aos Programas de Privação e Restrição de Liberdade, prevêem os
seguintes requisitos (art. 15): estabelecimento educacional em conformidade com as normas de
referência; Requisitos para seleção do dirigente; estratégias de gestão de conflitos; definição do Regime
Disciplinar; estrutura física das Unidades em conformidade com o SINASE.
No tocante à prevenção da discricionariedade, o Plano Individual de Atendimento mostra-se
fundamental ao estabelecer objetivos exeqüíveis para o adolescente, além do respectivo compromisso

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da equipe socioeducativa, da família, do Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública,


tornando o artigo 227 da Constituição uma realidade fática (arts. 41, 51 a 59).
Outro golpe na discricionariedade está contido nos artigos 42 e 43, que prevêem prazo certo
para reavaliar as Medidas Socioeducativas aplicadas aos adolescentes, além de elencar os motivos para
uma reavaliação, a qualquer tempo.
Por fim, o arbítrio administrativo também cai por terra quando os artigos 71 a 75 definem os
princípios que balizarão os regimes disciplinares, inclusive os casos em que não serão aplicadas as
sanções disciplinares.
No campo do controle social e administrativo amplia a participação dos Conselhos Tutelares e
de Direito como instâncias fiscalizadoras da política de atendimento, inclui o Poder Legislativo na
mesma prerrogativa e estabelece prazos para avaliação dos Planos de Atendimento nos três níveis da
administração pública: federal, estadual e municipal (arts. 7º e 18).
Com todos os progressos contidos no texto regulatório, dispomos agora de um consistente
antídoto contra a crise de interpretação, no que pese as tentativas em curso para anulá-lo. Afora a luta para
embargar o movimento regressivo contido nas Propostas de Emendas Constitucionais, temos de
retomar o campo da política (inclusive institucional) como lócus de disputa para levar a Doutrina de
Proteção Integral aos interstícios do tecido social.

Conclusões possíveis

Considerando as mudanças enfocadas, o que se pode fazer para redirecionar a tendência da rota
atual, de modo a resgatar a importância e influência dos movimentos sociais no controle da política de
atenção à criança e ao adolescente?
Para Montaño a reversão do estado de coisas atual requer o abandono do lugar de simples
executor dos interesses governamentais e do capital para o de mobilizador de uma nova política. Em
suas palavras:
Se na concepção de mobilização social contida no debate do “terceiro setor” esta é o
resultado da intervenção estatal que descentraliza, privatiza, terceiriza ou transfere para
a comunidade a responsabilidade da gestão social, nossa perspectiva concebe a
mobilização social como o processo que leva o Estado (e o capital) a desenvolver
ações antes não incorporadas nas suas funções. (2010: p. 278).
Portanto, a consolidação da Doutrina de Proteção Integral representada pela promulgação e
ratificação da Convenção exige um aprofundamento da participação política da sociedade civil nas
instâncias de decisão e controle da política pública para a infanto-adolescência. O espaço garantido na
esfera jurídica com a criação dos Conselhos de Direito e Tutelares precisa ser fortalecido pela sua
ocupação concreta por representantes talhados pela formação crítica e propositiva, de modo a cultivar
autonomia em relação ao ente estatal e fiscalizar a implementação definitiva do que se conquistou
enquanto normativa.

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Não custa lembrar que o Brasil protagonizou o processo de adesão e materialização do


arquétipo garantista emanado da Convenção, influenciando a América Latina como um centro
irradiador do novo paradigma. O momento crítico atual vivenciado pela América do Sul quanto a uma
integração sustentável e definitiva exige de todos os seus membros o olhar arguto para fenômenos que
aproximam nossas realidades. Sem dúvida que os textos em comento propiciaram entendimentos
jurídicos e epistemológicos, mas as desigualdades regionais emperram a transição para o plano das
políticas públicas compartilhadas. Acreditamos que a constituição de espaços comuns como o
FOMERCO sejam iniciativas fundamentais para passarmos a enxergar a criança e o adolescente da
região como prioridade absoluta na consolidação e porvir do bloco para além de um ponto de vista
estritamente econômico.

Referências
BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos
da Criança e do Adolescente. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília, DF, 2006. 100 p.
COSTA, A.C.G.; MÉNDEZ, E.G. Das necessidades aos direitos. s.d. Disponível em http://cliente.d-
on.co/abmp/site_dev//textos/5.htm. Acesso em 06 de set. 2013.
Méndez, Emilio Garcia. Evolución historica del derecho de la infância: Por que uma historia de los derechos de
La infância? In: ILANUD; ABMP; SEDH; UNFPA (orgs.). Justiça Adolescente e Ato infracional: socioeducação e
responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006.
MONTAÑO, C. Terceiro Setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 6. ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Corregedoria Geral da Justiça. Cordenadora Estadual da Infância e da
Juventude – CEIJ. Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90 atualizado com a Lei nº 12.010 de 2009 –
Inclusa Lei nº 12.594/2012-SINASE). Florianópolis, SC, Fev/2012.

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1964: da teoria a prática - A “Revolução” segundo os vitoriosos

Moacir Pereira Alencar Júnior1

Introdução:
Antecedentes políticos e sociais do pré-64

A
Era Vargas, que durou 15 anos (1930-1945), foi marcada por uma estrutura estatal que fez
com que o executivo se fortalecesse, anulando diferentes movimentos contestatórios de
amplas bases sociais, em razão do autoritarismo, centralismo e do corporativismo.
A eleição de 1945, conforme destaca Limongi (2012, p.37) marcou o início da primeira
experiência democrática do Brasil. Eleição, por si só, não seria condição suficiente para qualificar o
regime nascente como democrático. Eleições não era novidade na história política do Brasil, afinal,
direta ou indiretamente, governantes foram eleitos por mais de cem anos, de 1822 até 1930.
O período entre 1945-1964 seria popularmente chamado de Democracia Populista. Pela
primeira vez na história do país, surgiriam e se fortaleceriam partidos políticos nacionais com
programas ideológicos definidos e identificados com o eleitorado. Conforme destaca Ferreira (2010,
p.12) não mais se tratava dos partidos da época do Império ou das organizações estaduais da Primeira
República, em ambos os casos, instrumentos das elites.
As eleições tornaram-se sistemáticas e periódicas para os cargos do Executivo e do Legislativo
nos planos federal, estadual e municipal, e passaram a contribuir para a consolidação de um sistema
partidário nacional que expressasse as diversas correntes de opinião existentes. Entretanto, merece ser
ressaltado que certos grupos políticos caíram na ilegalidade, caso do PCB, a partir de 1947, em virtude
da cassação de seu registro pelo STF, em meio ao cenário bipolar da Guerra Fria. O Brasil não ficou
imune aos conflitos entre Estados Unidos e União Soviética e, em vários setores da sociedade,
despontou o sentimento anticomunista.
Todavia, as raízes do Estado Novo ainda se encontrariam incrustadas na estrutura organizativa
do Estado - por meio das estruturas burocráticas e do executivo, com suas agências centralizadoras -
afetando ora direta e indiretamente os três Poderes, assim como a institucionalização dos partidos
políticos, que se apresentavam muito frágeis, estando atrelados a interventorias e clientelas
sindicalizadas.
A intelectualidade brasileira foi atuante nos debates sobre os rumos da nação, especialmente nas
perspectivas que envolviam projetos de desenvolvimento e à questão democrática. A começar no
governo de Vargas, mas, sobretudo com Juscelino Kubitschek e João Goulart, a sociedade produziu
diversos movimentos artísticos e culturais. No teatro, na música, no cinema, nas artes plásticas ou na

1 Mestrando em Ciência Política – PPGPOL – UFSCar – bolsista CAPES


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 775

poesia, artistas e intelectuais valorizavam a cultura nacional. Tudo queria ser novo, do Cinema Novo à
Bossa Nova. (FERREIRA, 2010, p.13)
Nos anos 50, as dimensões do mercado interno, criado de modo prévio pelo capitalismo
nacional, já era de uma ordem de grandeza que o tornava atrativo às inversões maciças do capital
estrangeiro no âmbito da produção industrial. Os investimentos do Estado e do capital estrangeiro
serão marcas registradas do salto industrial do governo JK. Até o início dos anos 60, o populismo foi a
política do Estado, que bem ou mal, permitiria levar à frente a industrialização pela via dos atoleiros e
conflitos. (GORENDER, 1990, p.15)
O populismo, segundo Gorender (1990, p.16) seria a forma e hegemonia ideológica por meio
da qual a burguesia tentou e obteve em elevado grau, consenso da classe operária para a construção da
nação burguesa.
Entretanto, conforme destacou Mello Franco (1965, p.81), o Brasil do início dos anos 60, traria
muitos aspectos e semelhanças por ele vividas do Brasil de 1937, reconhecendo, entretanto, a existência
de importantes diferenças. Para Mello Franco, o país que viveu o Estado Novo era uma nação onde
predominou uma radicalização de caráter mais teórico - era a doutrinação ora de comunistas e ora de
integralistas, em meio a um governo que não apresentaria qualquer diretriz teórica ou coerência
doutrinária. Já o Brasil do início dos anos 60, apresentaria uma radicalização mais operativa do que
doutrinária, onde o maior risco para a democracia estaria na radicalização das elites.
Em meio a este cenário, nem os direitistas nem os esquerdistas fariam teoria, mas sim lançar-se-
iam a ação. E este clima de limite extremo teria que apresentar um equilíbrio em médio prazo, ora por
intermédio da manutenção do regime constitucional de 1946, ou pelo dissabor de um possível golpe
antidemocrático. Seria uma fase onde a Revolução Brasileira não poderia deixar de ser omitida; seria um
processo que ocorreria, possivelmente, pelo arranjo hábil dos setores sociais, ou por reformas que
propiciassem o desenvolvimento econômico e social, salvaguardando ao máximo o ideal democrático.
(MELLO FRANCO, 1965, p.81-82)
Portanto, o objetivo deste artigo é tratar deste cenário que precedeu a ruptura da ordem política
existente no período em questão, analisando o pensamento dos principais teóricos da Revolução, tais
como: Celso Furtado, Caio Prado Jr, Alberto Guerreiro Ramos, San Tiago Dantas, etc; destacando na
seqüência, qual foi de fato o desfecho desta ruptura da ordem política (31/3/1964), mostrando o que
realmente prevaleceu na agenda política dos vitoriosos durante o primeiro ano de governo, a partir da
análise de textos e declarações de política externa da nova elite política dirigente.

A intelectualidade da esquerda e sua visão do Pré-64


A Teoria da Revolução Brasileira: Celso Furtado e a Pré-Revolução
Mesmo em meio às indecisões e inseguranças, a juventude brasileira estaria confiante na
construção de um novo Brasil; isto levaria as principais figuras políticas e intelectuais do país a buscar

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 776

uma definição mais clara das posições a defender em meio a realidade nacional – uma identificação
corajosa de objetivos e métodos de luta seriam vitais para a conquista do futuro. (FURTADO, 1962,
p.13)
Para Celso Furtado (1962, p.16-17), a análise dos processos econômicos sociais não teria outro
objetivo senão produzir um guia para a ação. E para esta ação necessitaríamos de uma filosofia. Esta
filosofia de ação para orientar a mudança seria o ‘marxismo’. O marxismo permitiria, em qualquer de
suas variantes, ‘traduzir o diagnóstico da realidade social em normas de ação’. Esta filosofia de ação
combateria a exploração do homem pelo homem, reconhecendo que a realidade social é histórica,
estando, pois, em permanente mutação. Trataria então, de um estágio superior do humanismo,
colocando o homem no centro de suas próprias preocupações, buscando reafirmar que o
desenvolvimento pleno dos indivíduos somente poderiam ser alcançados mediante a orientação
racional das relações sociais.
O preço da liberdade que o povo brasileiro possuía segundo Celso Furtado, seria o
‘retardamento do desenvolvimento econômico geral’. Ao constatar isso, ele aparentava crer que mesmo
com as dolorosas experiências agrícolas da União Soviética e de outras nações além Cortina de Ferro –
que seria evidência universal o rápido desenvolvimento destes países de economia coletivista. Portanto,
Furtado compartilhava da idéia na qual o desenvolvimento destas nações socialistas, mesmo em meio
ao cerceamento de liberdades cívicas, ocasionaria uma ‘realidade mais humanista frente ao caráter
profundamente anti-humano do subdesenvolvimento nacional’.
Assim sendo, um dos métodos eficazes para lograr tais transformações sociais, seria a
implantação de uma ‘rígida ditadura’. Entretanto, em uma sociedade aberta, com a existência de formas
complexas de convivência social, a revolução de tipo marxista-leninista representaria óbvio retrocesso
político, e assim, o socialismo, como forma de humanismo, se perverteria. Ao negar a viabilidade de
uma revolução de tipo marxista-leninista no Brasil, em razão da sociedade aberta existente (já
modernizada), a dualidade da estrutura político-social brasileira deveria ser combatida a partir de
mudanças na estrutura agrária (a sociedade brasileira seria rígida neste segmento). As técnicas
revolucionárias marxistas-leninistas poderiam ser eficazes, haja vista que mais da metade da população
derivaria seu meio de vida diretamente do setor agrícola. (FURTADO, 1962, p.27-29)
A década de 60, em especial o período que perpassava pela saída de Jânio e a entrada de Jango,
segundo Furtado, seria uma autêntica ‘fase pré-revolucionária’. As técnicas de transformação social e os
métodos revolucionários ocupariam o primeiro plano das preocupações políticas. Dentro desta visão,
Celso Furtado via na caminhada de modificações constitucionais, os primeiros passos para a realização
da reforma agrária e a modificação da maquinaria administrativa estatal, assim como do sistema fiscal e
da estrutura dos bancos. Somava-se a isso, a hipótese da criação de mecanismos para disciplinar a ação
do capital estrangeiro, e a possibilidade de estabelecer dispositivos que conhecessem a origem de
recursos aplicados nos órgãos que orientassem a opinião pública. (FURTADO, 1962, p.30-32)

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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Guerreiro Ramos e os mitos e verdades sobre a Revolução


Para Guerreiro Ramos, a revolução seria uma categoria viva da história contemporânea do
Brasil. Recorrendo a Marx, Ramos (1963, p.27) define esta categoria viva como:
A revolução não é um estado que deve ser criado, ideal destinado a orientar a
realidade; é o movimento efetivo que, segundo as possibilidades concretas de cada
momento, suprime a situação presente.

A revolução deveria, a priori, definir seus destinatários – uma vez que, sem suportes sociais
organizados, o poder não se conservaria nas mãos dos que o exercessem.
Para Ramos (1963, p.40-41), uma das tarefas mais urgentes estaria na criação de uma vanguarda
política, que estivesse livre de pressões externas de certas “internacionais”, fosse de direita, fosse de
esquerda. Ramos considerava certo “internacionalismo” uma doença infantil do movimento socialista
brasileiro. Haveria de fato, a necessidade de se constituir um movimento que realmente soubesse
analisar com exatidão a realidade nacional e suas peculiaridades.
Em sua análise, Ramos considerava que o Brasil do início dos anos 60, vivia uma realidade que
tornava cada vez menos praticável a obtenção de uma acomodação dos interesses que representavam o
latifúndio pré-capitalista e os exportadores (principalmente do café), os capitais estrangeiros, o
empresariado vinculado à acumulação interna do capital e o público em geral. Se em tempo não fosse
encontrada a equação interna da economia nacional, o agravamento da inflação acarretaria uma crise
geral, que seria suscetível de se converter em fator eminente e iminente da revolução. (RAMOS, 1963,
p.49)
Guerreiro Ramos reconheceria que a reforma agrária reclamada pelos trabalhadores poderia se
concretizar, sendo que as outras virtuais reformas de base poderiam vir a entrar na equação política do
momento.
Seria notória na estrutura social brasileira a mobilização de setores da sociedade, que poderiam
ser vitais para a efetivação de uma revolução. Ramos cita organizações como o Pacto Sindical da
Unidade e Ação, o Comando Geral de Greve, as Ligas Camponesas, a Frente Parlamentar Nacional, e o
Comando Geral dos Trabalhadores. Partes destes grupos teriam capacidade de recursos de insurreição
– caso das Ligas Camponesas, de Francisco Julião; assim como dissidências do PCB e grupos ligados a
internacional cubana; e também o deputado Leonel Brizola, que não acreditava em uma solução
convencional para o problema do país. (RAMOS, 1963, p.55-59)
A crise brasileira também seria crise de cultura política. Para Ramos, o Brasil passava por um
processo de orfandade política. A crise de liderança poderia fazer com que a tão falada e possível
revolução brasileira se tornasse uma 'jornada de otários'. Haveria muitos que viviam de ‘gesticulações
revolucionárias e de ficções verbais’.
O ativismo que se manifestaria nos setores sindicais, na categoria dos sargentos e dos oficiais
das forças armadas, e em outras esferas nacionalistas, constituiria enorme capital político, porém este

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capital estaria exposto ao 'malbaratamento', em meio a ausência de lideranças competentes e realistas,


que dessem o devido sentido verdadeiramente nacional. (RAMOS, 1963, p.184)

San Tiago Dantas: Relações Exteriores no governo Jango


San Tiago Dantas teve papel relevante no governo de João Goulart, ocupou a pasta de ministro
das Relações Exteriores, além de ser um dos indicados a assumir o posto de primeiro-ministro durante
o período parlamentarista (set.1961/ jan.1963). Sua indicação acabou não sendo aprovada no congresso
por voto de ampla maioria. Ele também ocupou o posto de Ministro da Fazenda durante o primeiro
semestre de 1963.
Durante o ano de 1962, San Tiago Dantas proferiu discursos impactantes no Congresso
Nacional, deixando mais clara qual seria a agenda do governo Janguista nas ações relacionadas à
'política externa independente' e as reformas de base, caso tais metas conseguissem apoio suficiente
junto ao Congresso Nacional.
Na questão referente a 'política externa independente', San Tiago Dantas destacou em discurso
proferido na Câmara dos Deputados, em 7 de fevereiro de 1962, que a primeira condição para o
desenvolvimento do Hemisfério, como uma comunidade de nações independentes - que perseguiriam
pela via do progresso a busca da melhor funcionalidade da democracia - seria o respeito a soberania de
cada povo.
San Tiago Dantas retornava da VIII reunião de Consulta de Ministros das Relações Exteriores,
que ocorreu em Punta del Este, organizada pela OEA (Organização dos Estados Americanos). A ata de
Punta del Este recebeu o título “Ofensiva do Comunismo na América Latina”, e enunciava um posição
perante a ação subversiva do comunismo internacional, posição em que se alinharam as vinte nações
democráticas do Hemisfério.
Vindo de um evento que teve como uma das discussões centrais o regime cubano, Dantas
considerou o fato de reconhecer que entre um regime que se declarava marxista e o sistema
interamericano, existiria uma incompatibilidade, porém, em sua visão, o antagonismo que se delineava
entre o Ocidente e o Oriente, entre as potências socialistas e as potências democráticas ocidentais,
denominado como Guerra Fria, estaria longe de representar uma etapa transitória que evoluiria para
uma guerra real – sendo de fato um estado permanente de competição. (BONAVIDES; AMARAL,
2002, p.630-639)
Segundo Dantas, a delegação brasileira teria como objetivo fortalecer uma comunidade de
nações independentes como demonstração de que cada uma raciocinaria livremente, tomando suas
próprias deliberações à luz de suas próprias convicções, ora acertando, ora errando, de acordo com a
linha de sua independência. Vale se ressaltar que a delegação brasileira das relações exteriores presente
em Punta del Leste, se colocou contra qualquer tipo de sanção militar, econômica e também contra
qualquer tipo de rompimento de relações diplomáticas com Cuba, em voto escrutinado no ultimo dia

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de consulta. Esta declaração feita por San Tiago Dantas na Câmara dos Deputados veio a criar um mal-
estar entre parlamentares opostos a este posicionamento da diplomacia brasileira. (BONAVIDES;
AMARAL, 2002, p. 631-657)
Com grande prestígio na arena de poder dominante do período, Dantas se tornou um dos
principais porta-vozes das mudanças estruturais almejadas durante o governo Jango nos anos de 1962-
1963. Para San Tiago Dantas, o processo de desenvolvimento econômico intensivo ao qual o país se
submeteria, seria financiado em grande parte por recursos inflacionários, colocando em risco o
progresso material do país, que passaria a se dar em desarmonia. Segundo ele, a inflação levaria ao
acúmulo de disponibilidades para certos setores sociais, agravando a injustiça social, ameaçando as
instituições democráticas e uma verdadeira unidade nacional. As disparidades regionais seriam cada vez
mais clamorosas. Regiões que tinham ausência de pólos industriais estariam ficando cada vez mais
inferiores economicamente. Regiões de economia agropastoril no Nordeste assistiriam a um processo
de total desamparo do Estado. (BONAVIDES; AMARAL, 2002, p.693-694)
Na análise de San Tiago Dantas - em discurso proferido no Congresso Nacional em 29 de
junho de 1962 [quando se apresentou como candidato a primeiro-ministro] – as populações rurais
passavam a se inquietar, e reivindicavam de forma desordenada os seus direitos, saindo da sua
tradicional passividade para uma atitude de luta, que poderia vir a constituir uma preocupação
permanente para os que eram responsáveis pelas ações do governo.
Na visão de Dantas, seria necessário reformas – já como ‘medidas de emergência’. Sem elas, não
seria possível atacar de modo eficaz os problemas do país. As reformas deveriam se estender para a
máquina administrativa, visando maior eficiência e modernidade; as reformas tributária, bancária e
agrária também estariam na pauta central. Também seria vital a criação de uma política para
investimento estrangeiro, com o intuito de combater ações de exportação descontrolada de lucros que
atuariam como fonte de espoliação e empobrecimento da economia nacional. (BONAVIDES;
AMARAL, 2002, p.696-697)
A reforma agrária, para Dantas, teria que ser feita com o intuito de oferecer oportunidades às
massas trabalhadoras dos campos, visando o caráter social e humanitário, além do objetivo econômico
de aumentar a produção e melhorar a produtividade – estando, para Dantas, distante de constituir uma
ameaça ao progresso nacional.

Instabilidade e Queda de Jango


O processo histórico que marcou a república brasileira entre 1961-1964 tem sido objeto de
várias análises e interpretações, que apresentam dissenso; sendo elaboradas sob influência de teorias ou
concepções hegemônicas no período em que foram produzidas, e também das condições de acesso a
fontes documentais e aos conteúdos nelas encontrados.

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Segundo algumas análises, existiria uma ‘igualdade de indecisão’ entre certos grupos políticos,
não havendo de forma efetiva uma coalizão parlamentar governamental, assim como não haveria uma
coalizão estável de oposição para substituí-la. Um processo de ‘paralisia decisória’ foi se tornando
inevitável, em vista da ‘fragmentação política’, da ‘polarização ideológica’ e da ‘instabilidade das
coalizões’. A dispersão eleitoral soma-se ao conflito institucional “executivo-legislativo”.
Sem os elementos vitais para decisão política: preferências definidas, recursos e intensidade das
preferências – assistiríamos a um confronto de recursos e ausência de informação completa. A
deslegitimação do sistema partidário e do legislativo ganhava ainda mais força quando a aliança PSD-
PTB [os ganhos de um decorriam das perdas do outro]2 mostrava embates ideológicos freqüentes; já a
UDN, apresentava uma incapacidade de seguir uma unidade nacional, acentuando o caos do sistema
partidário. A radicalização impediu que os partidos se engajassem em cooperação e compromisso,
provocando a ruptura da ordem política.

Nova Elite dirigente no Poder – A “Revolução” dos militares


Em 31 de março de 1964, ocorreria a ruptura da ordem política. Jango era deposto pelos
militares. Projetos traçados pela esquerda se desmanchavam por completo. Em 11 de abril, o marechal
Castello Branco era formalizado como presidente da República.
Em sua primeira entrevista coletiva – em 16 de maio de 1964 – Castello Branco disse:
Terminou o diálogo dos poderosos com os áulicos ou os escravos. É a libertação dos
brasileiros da conivência, da cumplicidade ou do medo. Já é um resultado da
Revolução. O Governo precisa de compreensão, advertência e crítica. Para a sua
evolução, que não pode ser na base das concepções e normas da extrema direita,
torna-se indispensável à colaboração de todos, inclusive dos da esquerda, não da
esquerda subversiva ou do esquerdismo de fancaria.3

Para Castello Branco - em 31 de julho de 1964, em discurso proferido no Palácio Itamaraty - a


expressão política de independência, teria sido deturpada, perdendo utilidade descritiva. Segundo ele, a
expressão que era apresentada como inelutável inovação, teria desconhecido que o conceito de
independência só seria operacional dentro de determinadas condicionantes práticas.
A independência deveria ser um valor terminal, e no caso brasileiro, a política externa não
poderia esquecer-se da ‘opção básica’ feita pelo país, da qual decorreria uma fidelidade cultural e política
ao sistema democrático ocidental. Dentro desta condição geral, a independência do país se manifestaria

2 Devido ao processo de industrialização/urbanização que ocorria no país no fim da década de 1950, o PSD (de base rural)
perde força política, enquanto o PTB (representante da grande massa trabalhadora que se formava) ganha força política.
(SANTOS, 2003)
3 Ministério das Relações Exteriores – Textos e Declarações sobre Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965), 1965,

p.1

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estritamente em termos de interesse nacional, com margem de aproximação comercial, técnica e


financeira com países socialistas, desde que estes não procurassem invalidar a ‘opção básica’ nacional.4
Em 13 de maio de 1964, o Encarregado de Negócios do Brasil em Havana entregou a
chancelaria cubana nota onde se declarava que, não havendo condições para o prosseguimento de
relações diplomáticas e consulares com o governo cubano, o governo brasileiro rompia relações
diplomáticas com Cuba.
Em entrevista coletiva à imprensa nacional e estrangeira – em 30 de outubro de 1964 - o
Presidente Castello Branco destacava que o Brasil possuiria uma política bem definida em relação ao
capital externo, reconhecendo o seu papel como adição ao esforço interno de poupança e a sua
contribuição sob a forma de progresso tecnológico. Ele destacava a adoção da reforma da lei de
remessa de lucros, que ‘eliminaria restrições quantitativas a tais remessas, estimulando assim o
reinvestimento no país’.5 Já em 15 de dezembro de 1964 – Castello Branco, em discurso proferido na
Assembléia Legislativa da Guanabara (quando recebeu o título de cidadão benemérito carioca)
destacava as providências tomadas pelo Governo para uma ‘real independência econômica’. Dentre
elas, ele mencionou a Reforma Tributária, o orçamento para 1965, a política salarial, o combate ao
déficit das autarquias e empresas de economia mista e a extinção dos subsídios cambiais.6
De modo efetivo o Brasil tratava de se enveredar pela política da ‘livre empresa e de
acolhimento ordenado do capital estrangeiro’. Em 1ª de julho de 1964 era efetivado o reescalonamento
da dívida brasileira junto aos representantes dos países credores – membros do Clube de Haia, Áustria,
Bélgica, EUA, França, Itália, Japão, Alemanha, Inglaterra, dentre outros. Os países credores, por
intermédio do Clube de Paris concordaram em conceder uma ajuda financeira ao Brasil. 70% das
dívidas dos anos de 1964, 1965 foram reescalonadas a prazo médio. 7
Segundo o Ministro das Relações Exteriores - Vasco Leitão da Cunha - o Congresso Nacional
que recusara as pretendidas reformas de João Goulart, estaria dando a Castello Branco poderes para ele
levar a cabo o ‘processo de modernização do Brasil’. Destacava o ministro, que na história
contemporânea ainda não se ouvia falar de um povo que tivesse chegado à ‘abundância e plena
prosperidade pisando com desprezo sobre os conceitos de rentabilidade e produtividade dos
investimentos para o desenvolvimento econômico’.
Conforme destacou Juracy Magalhães [Embaixador do Brasil nos EUA], lendo discurso feito
por Vasco Leitão da Cunha, no “Banquete das Américas” realizado em 16 de novembro de 1964, em
Nova York:

4 Ministério das Relações Exteriores - Textos e Declarações sobre Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965), 1965,
p.9
5 Idem, p.35
6 Idem, p.37
7 Idem, p.60

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As mais notáveis formas de progresso econômico e social no mundo de hoje estão
sendo alcançados nos países em que a livre iniciativa é ao mesmo tempo estimulada e
sujeita a controles do Estado com vista a assegurar a melhor distribuição de riqueza, a
maior fruição dos bens pelo maior número.8

A crítica ao processo inflacionário do governo anterior, também era constante por parte da
equipe de governo de Castello Branco. Merece ser destacado que em 1961, a inflação foi da ordem de
30%; em 1962, da ordem de 50%; em 1963, de 80%. A inflação desmedida seria um inimigo declarado
da ‘democracia’. Desta forma, a modificação da Lei de Remessa de Lucros eliminaria as restrições a
entrada de capitais estrangeiros no país, configurando ‘um plano racional e integrado para a
recuperação e expansão do crédito externo do Brasil’.9
A necessidade de importar bens de capital, matérias-primas essenciais, manufaturas e serviços
seria condição sine qua non para o crescimento econômico do Brasil.
Luis Vianna Filho, Ministro Extraordinário para Assuntos do Gabinete Civil, destacou em
discurso de aniversário de um ano da “revolução”, que nos dois últimos anos do governo João Goulart,
teria ocorrido uma queda vertical do poder de aquisição da moeda, e constatava: “E não sei se não
estará aí à causa do fim, da “débâcle” que haveria de marcar o governo do Sr. João Goulart”.10

Considerações finais
Para a chegada da nova elite dirigente ao poder, seria necessário contar com uma base social de
apoio que fosse a mais ampla e diferenciada possível, incluindo setores da sociedade civil além dos
próprios militares.
Com Castello Branco se efetivou algumas reformas: da Administração Pública – que buscou
racionalizar métodos de trabalho da máquina burocrática, e também buscou extinguir práticas
clientelísticas que bloqueariam alternância no poder; houve algumas mudanças na questão agrária, com
o imposto territorial progressivo e o Estatuto da Terra11; e a Reforma da Previdência Social - que pôs
fim a patronagem sindical nos aparelhos estatais, promoveu a unificação administrativa, a
universalização do direito de acesso aos benefícios do sistema, e o fim da representação classista.
(MARTINS; CRUZ, 1983)
Coube a esquerda assistir a queda de Jango e ao fim da possibilidade de uma revolução. Prado Jr
(1977, p.30) ao tratar da teoria da revolução – destacava que, era comum em militantes políticos da
esquerda formados exclusivamente na atividade prática imediatista brasileira, apresentar inclinações de

8 Ministério das Relações Exteriores – Textos e Declarações sobre Política Externa (de abril de 1964 a abril de 1965), 1965,
p.95
9 Idem, p.96
10 Idem, p.146
11 Alguns grupos conservadores que se colocavam contra a Reforma Agrária, caso da Sociedade Brasileira de Defesa da

Tradição Família e Propriedade (TFP), classificavam a Emenda Constitucional nº10 e o Estatuto da Terra aprovados no
governo Castello Branco como a “reforma agrária que Jango queria” (ALENCAR JUNIOR, 2011, p.29).

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preferência, em geral, para a ação mais que para o pensamento e reflexão acerca desta ação e sua crítica
teórica. Existiria um ‘dogmatismo’, que sem grandes indagações proporcionou a construção de uma
defeituosa aprendizagem inicial.
Os elaboradores desta teoria revolucionária não tinham dado conta das diferenças profundas
que separavam os países asiáticos - “coloniais” e “semicoloniais” na nomenclatura consagrada – dos
países “dependentes” da América Latina. Nessa generalização apressada e injustificada, o Brasil teria
sido particularmente prejudicado, pois no organismo que se incumbiria da teoria e linha revolucionária
na América do Sul, predominaria decididamente elementos hispano-americanos, e nada ou muito
pouco se sabia de coisas brasileiras. (PRADO JR, 1977, p.37)
O desacerto consistiu em interpretar a economia agrária nacional e as relações de
produção e trabalho nela presentes como derivações, ou remanescentes de ‘obsoletas e anacrônicas
formas e estruturas feudais’. Para Prado Jr (1977, p.71), não haveria nada que se assemelhasse no Brasil
ao status especial dos proprietários ou senhores de terra da Europa pré-capitalista ou da Ásia.
Portanto, conforme definiu Prado Jr (1977, p.74):
[...] a idéia de uma “burguesia nacional” progressista e contrária ao imperialismo por
sua posição específica de classe causou à linha política da esquerda os mais graves
danos. Foi ela certamente um dos fatores que contribuíram para levar as esquerdas
por caminhos errados e cheios de ilusões que deram no desastre de abril de 1964. É
sem dúvida em boa parte porque iludida com a falsa convicção, derivada daquela idéia,
de que estava politicamente em jogo a luta antiimperialista (como antifeudal também)
de amplos setores pseudo burgueses nacionalistas, que as esquerdas brasileiras se
envolveram na aventura janguista de tão triste desfecho.

A crise de liderança que poderia fazer com que a tão falada e possível revolução brasileira se
tornasse uma 'jornada de otários', uma vez que haveria muitos que viveriam de ‘gesticulações
revolucionárias e de ficções verbais’ - conforme dizia Guerreiro Ramos em 196312 - se concretizou.
Já em 1980 - refletindo sobre o episódio que levou a ruptura da ordem política de 1964 -
Guerreiro Ramos (1982, p.538) considerava que os três partidos políticos (PSD-PTB-UDN) que
constituiriam o ‘cerne da vanguarda civil no Brasil desde 1945 e que vivenciaram o movimento
reformista que agitou o país em 1963 e nos primeiros meses de 1964’ teriam promovido a mais
espetacular ‘jornada de otários’ que se registra em nossa história político-partidária. Por força de suas
‘propostas inarticuláveis’, tudo estaria fadado à frustração e a provocar a substituição daquela
‘vanguarda civil’ pela ‘guarda militar’.

12Em 1963, Guerreiro Ramos publicou Mito e verdade da revolução brasileira, onde transcreveu seu manifesto ao PTB da
Guanabara instando a que o partido renunciasse “à ideologia marxista-leninista”. (verbete sobre Guerreiro Ramos
disponibilizado no CPDOC-FGV)

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Referências
ALENCAR JUNIOR, Moacir P. A Assembléia Nacional Constituinte e o papel da TFP como grupo de pressão no processo de
promulgação da Constituição de 1988. Monografia apresentada ao DCSo – UFSCar, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Bacharel em Ciências Sociais, 2011. Versão em PDF pode ser encontrada em:
http://moaciralencarjunior.files.wordpress.com/2012/01/2c2ba_2011_moacirpereiraalencarjunior10.pdf
BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto. Textos Políticos da História do Brasil, 3ª edição – Volume VII, Senado
Federal, 2002.
CRUZ, S. C. Velasco; MARTINS, C. E. De Castello a Figueiredo: uma incursão na pré-história da “Abertura”.
In: SORJ, B. e ALMEIDA, M.H.T. (eds.). Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo, Brasiliense, 1983.
FERREIRA, Jorge. Dossiê 1946 – 1964: a experiência democrática no Brasil – Apresentação. Tempo, Jun 2010, vol.14,
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FURTADO, Celso. A Pré-Revolução Brasileira. Editora Fundo de Cultura, Rio de Janeiro, Brasil, 1962.
GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas – A esquerda brasileira: Das ilusões perdidas à luta armada. - 4ª edição Editora
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LIMONGI, Fernando. Eleições e Democracia no Brasil: Victor Nunes Leal e a Transição de 1945. DADOS –
Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 55, no 1, 2012, pp. 37 a 69.
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1965, 265 p.
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES [MRE] – Departamento Cultural e de Informações – Textos e
declarações sobre política externa (de abril de 1964 a abril de 1965); 1965, 150 p.
PRADO JR, Caio.(1966). A Revolução Brasileira. Editora Brasiliense, 5ª edição, 1977.
RAMOS, Alberto Guerreiro. Mito e Verdade da Revolução Brasileira. Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1963.
_______. A inteligência brasileira na década de 1930, à luz da perspectiva de 1980. In: A REVOLUÇÃO de 30:
seminário internacional realizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da
Fundação Getulio Vargas. Brasília, D.F, em setembro de 1980: Ed. Universidade de Brasília, c1982. 722 p.
(Coleção Temas Brasileiros, 54)
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. O cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira. Belo Horizonte:
UFMG, 2003. 396 p. -- (Humanitas; 89)
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178 p. -- (Biblioteca Alfa-Omega de Ciências Sociais. Serie Política; v.3)

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O trabalho dos carroceiros de Teresina-PI: uma busca
por direitos profissionais e visibilidade social

Poliana de Sousa Silva1


Ana Beatriz Martins dos Santos Seraine2

1. Introdução

O
contexto do trabalho contemporâneo está marcado pela forma como está articulado a
uma série de mudanças que ocorreram nos últimos tempos. Tolfo e Piccinini (2007),
dentre outros, destacam que essas mudanças compreendem elementos da globalização, a
crescente competitividade entre os países, reestruturação nesse setor, inovações tecnológicas, sócio-
organizacionais e uma alta flexibilidade das relações de trabalho. O aumento do desemprego, a
precarização das relações de trabalho e mudanças na organização familiar, são considerados aspectos
marcantes dessas mudanças, a atividade informal também é uma delas3.
Esse setor da informalidade é conhecido pelos postos de trabalho socialmente desprotegidos,
realizados em condições precárias, pela instabilidade e reduzidas rendas. Por outro lado, essa atividade,
também remete a autonomia, independência, para esses sujeitos, sendo uma forma de afirmação e
valorização de sua identidade, sua honra e posição social (BETTIOL, 2009; SARTI, 1996).
No caso brasileiro, estudos mostram que a informalidade aparece como uma de suas
características mais marcantes4. Em geral, as pessoas inseridas nessa atividade, apresentam como perfil,
uma baixa escolaridade e mão de obra menos qualificada, principalmente aquelas concentradas nos
grandes centros urbanos do país, a exemplo dos carroceiros.
Apesar de ser uma forma de trabalho antiga, esse grupo de trabalhadores apresenta
características tanto em seu trabalho quando no seu modo de viver que podem exemplificar as
transformações pelas quais passaram a sociedade no âmbito do trabalho. Desempenham atividades na
informalidade, são considerados uma mão de obra menos qualificada, preservam um modo tradicional
de execução do trabalho e continuam utilizando carroças conduzidas por tração animal como principal
instrumento de trabalho. Embora tenha havido modificações nos veículos de transportes, esse tipo de
atividade ainda é bastante encontrada, principalmente em regiões metropolitanas das grandes cidades
(MOURA 1988).

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia na Universidade Federal do Piauí.


2 Doutora em Ciências Sociais. Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Piauí e
professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Piauí.
3 BAUMAN, 2006; COUTINHO, 2007; MONTALI, 2000; SOUZA, 2011.
4 Gabriel Ulissea, no texto Informalidade no mercado de trabalho brasileiro: uma resenha da literatura. Revista de

Economia Política, em 2006.


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Em Teresina, o trabalho desse grupo se constitui como um elemento social importante,


principalmente nas regiões periféricas, não só pela contribuição na construção e formação de vários
bairros localizados na zona norte da cidade, mas porque atendem uma parcela significativa da
população que não tem acesso aos serviços públicos de saneamento e infraestrutura. Realizam os mais
diversos tipos de trabalho: transportam mudanças, carregam lixo de casas, fazem a coleta de lixo em
bairros onde o carro responsável pela coleta de lixo domiciliar não passa (devido à falta de calçamento)
e transportam materiais de construção.
Contudo, exercem essa atividade de forma precária, na informalidade, com pouco apoio da
prefeitura, enfrentando baixos rendimentos, se encontram em situação de pobreza e os rendimentos
com esse trabalho não são suficientes para suprir as necessidades básicas. Tal situação tem gerado ações
da categoria, através de suas associações, na busca por melhores condições de trabalho. Nessa
perspectiva, este trabalho tem como objetivo analisar o trabalho desses sujeitos, a fim de verificar como
esse grupo de trabalhadores tem se organizado na busca por direitos profissionais e visibilidade social5.
A análise trata especificamente dos carroceiros situados nas zonas norte e sul da cidade, levando
em conta os seguintes aspectos: às condições de trabalho, renda, condições de sobrevivência e ainda
ações da categoria por melhores condições de trabalho. Para essa análise foi utilizada uma abordagem
do tipo qualitativa, com técnicas de entrevistas, observação participante e utilização de diário de campo.

2. Trabalho e informalidade: algumas perspectivas teóricas.

As transformações que ocorreram nas últimas décadas, no mercado de trabalho, podem ser
visualizadas não só pelas mudanças na maneira de trabalhar, como pelo surgimento de novas formas de
trabalho, a exemplo do trabalho informal6. A informalidade aparece como uma alternativa de
sobrevivência exemplifica, sobretudo, a profundidade e o impacto dessas mudanças na organização
social das pessoas.
A reestruturação pelo qual passou esse setor teve como pontos principais: o aumento do
desemprego, a precarização das relações de trabalho e mudanças na organização familiar,
principalmente no que diz respeito à busca por meios de sobrevivência (MONTALI, 2000). Esse
processo atinge vários setores da economia, não somente os Carroceiros. Contudo nesse grupo
específico é possível visualizar seus efeitos de forma que é possível considerá-los como um dos mais
afetados, apesar de não ocorrer de forma direta.

5 Os resultados desta pesquisa correspondem a um trabalho de conclusão de curso que foi realizado no ano de 2011. No
entanto novas informações foram acrescentadas, devido à continuidade no trabalho com essa temática, no mestrado em
andamento.
6 No Brasil a categoria trabalho informal é utilizada para conceituar aqueles trabalhadores que exercem algum tipo de

trabalho, mas não estão incorporados legalmente na forma de trabalho tipicamente capitalista, assim, não estando
reconhecidos legalmente algumas categorias são marginalizados e compõem um setor informal, qualificado também, como
um setor desprotegido e gerador de postos de trabalho de baixa qualidade (SERAINE, 2009; ULYSSEA, 2006).

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A atividade informal, também pode ser analisada pelo sentido que ela produz na atual realidade
social. O fato do trabalhador se considerar “patrão de si mesmo” leva-o a conceber o seu trabalho
como uma atividade remunerada em uma sociedade com uma escassez de emprego, assim, ele adquire
um valor na sociedade que vive (ANTUNES, 2000; BETTIOL, 2009).
No Brasil, o mercado de trabalho informal desde o início da década de 80 teve uma elevada
proporção de trabalhadores inseridos, ganhando força principalmente no final dos anos 90. Autores
como: Ulyssea (2006), Pochmann, (1999) e Guimarães (2002), destacam que alguns fatores
contribuíram para elevação desse setor no país, entre eles o crescimento da proporção de trabalhadores
por conta própria e sem carteira assinada e mudanças no setor urbano como a expansão do setor de
serviços e a contração da indústria de transformação.
Ainda no que diz respeito ao caso brasileiro, cabe ressaltar que essas características atuais do
mercado de trabalho estão ligadas também ao seu processo de formação. Não há como desconsiderar
que a escravidão se configura como um dos aspectos fundamentais na análise do processo de formação
do mercado de trabalho brasileiro, além de um importante elemento a se considerar na avaliação de
suas marcas políticas, sociais e principalmente econômicas. Alexandre Barbosa (2003), em seu estudo
sobre o desenvolvimento e formação do mercado de trabalho no Brasil, apresenta aspectos
esclarecedores e acima de tudo um panorama crítico desse processo, que ajuda não só na sua
compreensão como aponta direções para relacioná-lo com suas características atuais.
Com algumas reservas, o autor aponta que o sistema colonial brasileiro viabilizou a Revolução
Industrial e o Capitalismo, na medida em que a terra e trabalho funcionavam como forças motrizes
para o desenvolvimento do capital comercial. “Os escravos eram considerados mercadorias socialmente
baratas”. No entanto, efetivamente não é possível visualizar um mercado de trabalho num contexto no
qual a base econômica era prioritariamente na escravidão (BARBOSA, 2003, p. 23-24).
Sonia Tomazini (1995), também traz um traço interessante sobre o assunto, na medida em que
destaca a diversidade de manifestação de falta de emprego no mercado de trabalho brasileiro,
relacionando-o com o grau de desenvolvimento capitalista e suas implicações nesse mesmo mercado.
Em seu trabalho, ela chama atenção, para uma separação que existe entre o que é emprego informal e
ocupações não assalariadas.
O destaque dado a esse aspecto pela autora é importante, porque além de chamar atenção para
essa distinção nas diferentes manifestações da falta de emprego no Brasil, traz como discussão a
importância do grau de integração econômica e dinamismo do mercado de trabalho em diferentes
regiões do país, como um subsídio para compreender essa distinção.
Tanto Alexandre Barbosa quanto Sonia Tomazini, ajudam a compreender o que Gabriel Ulissea
(2006), destaca como características marcantes do setor informal no Brasil nos últimos anos. Com base
em sua análise, as pessoas inseridas nessa atividade apresentam a baixa escolaridade e mão de obra
menos qualificada, principalmente aquelas concentradas nos grandes centros urbanos do país.

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Outro fator que também influenciou para o aumento desse tipo de trabalho foi às altas taxas
impostas pela legislação trabalhista brasileira, como cargas fiscais e restrições do mercado de trabalho.
Ainda com base nesse autor, no Brasil, semelhante a maior parte dos países da América Latina, o
trabalho informal aparece como uma forma de sobrevivência para o desemprego provocado pelas
novas exigências do mercado (ULYSSEA, 2006).
Estudos mostram que em média 95% dos trabalhadores de carteira assinada contribuem para o
INSS, no Brasil e apenas 5% dos trabalhadores informais contribuem, ou seja, um dos pontos mais
negativos da informalidade é a falta de proteção legal, indicando que aqueles que mais precisam de
proteção estão desprotegidos, assim, a informalidade está intrinsecamente associada à precariedade dos
postos de trabalho.
As discussões mostram, dentre outros aspectos, que os problemas ocasionados pela crise no
mercado de trabalho provocaram uma condição de trabalho precária para muitos trabalhadores, apesar
do trabalho de carroceiro ser antigo e provavelmente anterior a esse processo, esse grupo apresentam
em seu modo de trabalho muitos aspectos dos efeitos dessas mudanças, tanto no que se refere às
precárias condições em que realizam o trabalho quanto no modo como se organizam a partir deste.
Além disso, essas discussões contribuem para compreender a origem e desdobramentos do
debate sobre trabalho, permitindo visualizar o trabalho dos carroceiros como um trabalho produtivo e
que apesar de está no âmbito do setor informal, se constitui como uma atividade que possibilita a
sobrevivência de um grupo, na medida em que proporciona o acesso, mesmo que restrito, a
determinados bens úteis a sua sobrevivência.

3. Experiências de trabalho dos carroceiros nas zonas norte e sul: busca por direitos e
visibilidade social.
Em relação aos Carroceiros das zonas norte e sul de Teresina, observou-se em vários aspectos
desse grupo, as discussões levantadas acima. De modo geral, apresentam precárias condições de
trabalho e falta visibilidade no que se refere à proteção legal. A maioria apresenta como principal fonte
de renda o trabalho com a carroça, baixa arrecadação financeira, o que interfere na forma como esses
sujeitos se organizam na busca por sobrevivência.
Na cidade de Teresina, existem atualmente cerca de 1. 300 carroceiros distribuídos em
diferentes zonas7 e representados por associações. Através destas associações, são estabelecidos
contratos com a Prefeitura para limpeza de entulhos jogados em praças e avenidas da cidade, além do
recolhimento do lixo domiciliar em bairros onde o carro de coleta não tem acesso devido à falta de
calçamento.

7Segundo informações da Superintendência de Desenvolvimento Urbano-SDU, esse número corresponde apenas aqueles
Carroceiros que são cadastrados neste órgão, por isso estima-se que possa existir um número maior de Carroceiros em
Teresina.

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Como esses contratos não são permanentes e abarcam apenas uma pequena parcela desses
trabalhadores, na maioria das vezes, transportam cargas dos mais variados tipos: recolhem lixos de
casas, ajudam no transporte de mudanças, transportam materiais de construção em pequenas
quantidades quando as pessoas não podem pagar os serviços de transporte das lojas.
No que se refere às condições de trabalho e vida do grupo, destacam-se as precárias condições
em que realizam essa atividade, falta de visibilidade da categoria no que se refere aos direitos
trabalhistas e os baixos rendimentos. Não contribuem com a previdência social, moram em áreas de
infraestrutura e saneamento precários (tratamento de água, esgoto, coleta de lixo), em grande parte, são
oriundos de zonas rurais do Estado, possuem baixa escolaridade e apresentam dificuldades de acesso a
serviços de saúde e educação.
Só estudei até a quinta série, sou carroceiro a mais de 10 anos, aqui em casa sou eu,
minha mulher e mais três filhos, ganho por mês uns R$ 300,00 a R$ 400, 00 reais,
quase sempre passamos dificuldades, outro dia meu filho teve que fazer uma cirurgia
porque nasceu com um problema no estomago, tive que ficar com ele no hospital e
não trabalhei, passamos muitas dificuldades, milha mulher teve que lavar roupa fora
para conseguirmos passar aqui em casa, de vez em quando passamos necessidade, aí as
outras pessoas nos ajudam (Entrevista dia 13/10/2011, às 15:00h, Vila Nova Parque
Piauí, zona sul de Teresina).

Grande parte dos carroceiros arrecada mensalmente uma média de R$ 300,00 a R$ 600,00, ou
seja, abaixo do salário mínimo vigente no país, trabalham sem carroças apropriadas ao tipo de produtos
que transportam, ficam muito tempo expostos ao sol, possuem pouco incentivo institucional, moram
em áreas com problemas relacionados à falta de serviços básicos como infraestrutura e saneamento
básico (tratamento de água e esgoto), coleta de lixo, alguns residem em casas sem registros na prefeitura
por estarem localizadas em áreas ocupadas e ainda não legalizadas:
Quando fico doente ou meu cavalo adoece, fica difícil as coisas, porque o dinheiro é
pouco e o único meio de vida que eu tenho. Não tenho casa própria, às vezes moro
com meu irmão, às vezes fico na casa de minha mãe, só trabalho como Carroceiro, a
mais de 15 anos. Comecei a trabalhar com a carroça do meu pai, todos meus irmãos
são carroceiros, tiro por mês uns R$ 400, 00 reais, não dá para muita coisa, mas é o
que consigo com meu trabalho, é muito difícil, porque não temos apoio da associação
ou da prefeitura (Dia 14/10/2011 às 15:38h, Vila Nova Parque Piauí, zona sul de Teresina).

A situação vivenciada pelo grupo, nesse aspecto se assemelha as observações de Ulyssea (2006),
sobre as características mais marcantes dos trabalhadores inseridos na informalidade, como: as
condições precárias de realização do trabalho, a baixa qualificação da mão de obra e baixos
rendimentos, ainda permanecem como traços marcantes associados a esse setor. O que também pode
ser explicado pela ausência de políticas e programas que abarquem todos esses setores do ramo
informal.
Por outro lado, outros setores da economia, como pequenos comerciantes, trabalhadores do
setor da construção civil, catadores de lixo e empregadas domésticas (que também exerciam atividades
na informalidade), em sua maioria, apresentam hoje uma situação diferente, no sentido de que foram

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estimulados por medidas específicas para serem inseridos na economia com melhores condições de
trabalho. O que pode demonstrar a falta de visibilidade dessa categoria no tocante a políticas públicas,
tendo como principal consequência à família como mais afetada por essa atual situação.
Outro fator relacionado a este grupo está na forma como são visualizados na cidade. Com base
nos jornais impressos e portais de notícias na internet, entre os assuntos relacionados aos carroceiros,
destacam-se: as precárias condições em que realizam esse trabalho, os maus tratos aos animais, a
contribuição e/ou prejuízo ao meio ambiente, pelo fato de jogarem lixo em locais inadequados,
prejuízos ao trânsito na cidade, questionamentos da permanência desse modo de trabalho primitivo
diante do cenário atual de desenvolvimento da cidade e aquisição de veículos automotores 8.
Essas “notícias e visualizações negativas” associadas ao trabalho desses sujeitos ocorrem
principalmente quando estes circulam pelo centro e em bairros consideradas “nobres” na cidade.
Nesses lugares é possível visualizar um forte processo de urbanização e modernização, o que pode
contrastar com esse tipo de trabalho que conserva aspectos rudimentares.
Nessa linha, o trabalho de Sérgio Paulo Morais (2003), com carroceiros na cidade de
Uberlândia9, traz questões interessantes para pensar o assunto, na medida em que mostra como
diferentes tipos de atividades remuneradas na cidade foram se transformando historicamente,
chamando atenção para um número significativo de circunstâncias que fez com que, o que antes era
aceito se tornasse ilícito e perdesse espaço.
As mudanças no cenário urbano de Uberlândia, ocasionadas pelo desenvolvimento econômico
e industrial da cidade, mudaram também as oportunidades de trabalho, principalmente com carroças.
Segundo Sérgio Paulo, os carroceiros enfrentaram dificuldades com os semáforos eletrônicos que
deram mais mobilidade ao trânsito, estacionamentos de fluxo rápido no qual ficava inviável a carga e
descarga com carroças, ou seja, remodelações que materializavam as novas dinâmicas de trabalho no
cenário urbano da cidade.
Foi necessário impor uma imagem degradada desses veículos e de seus proprietários, e
apresentá-los como estorvos à organização “racional” do trânsito, ao
“desenvolvimento”, à estética dos diversos espaços públicos, etc... a criação de
secretarias especializadas na fiscalização da higiene dos bairros, somada à produção de
mecanismos de apreensão de animais de transporte e de controle e punições à criação
de animais de consumo, parecia determinar também o fim do “tempo dos
carroceiros”, dos criadores de porcos e galinhas, e de todos aqueles que insistam em
manter uma economia familiar baseada na utilização dos espaços das ruas, das casas e
dos bairros. (MORAIS, 2004, citando MORAIS, 2003, p.228- 229).

8 Locais pesquisados: Meio Norte, Jornal O dia, Diário do Povo; Portais de internet: Cidadaverde.com, portal O Dia, Portal
da Clube, site da prefeitura de Teresina. A pesquisa ocorreu entre os meses de fevereiro a março de 2013 e os endereços
citados acima se encontram nas referências.
9 Sua análise histórica trata especificamente de aspectos relacionados ao tempo, trajetórias de vida e trabalho desses sujeitos,

entre 1970-1998.

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Ainda segundo o autor, o trabalho com carroças, apesar de fazer parte do cotidiano da cidade,
estava na contramão a perspectivas e práticas de modernização urbana no qual Uberlândia caminhava.
As carroças não se encaixavam na percepção do mercado de desenvolvimento criado nos anos 1970 e
articulado nos anos de 1980 em torno da participação democrática dos cidadãos urbanos, limpos e
devotados às normas da saúde e da higiene pública.
Em Teresina, esse processo também ocorre, de modo que cada vez mais é reduzido o número
de carroças circulando no centro da cidade. Contudo, esse processo também apresenta aspectos
contraditórios, pois apesar de uma tendência a redução desse tipo de trabalho na cidade, devido às
novas dinâmicas de trabalho no cenário urbano. Há uma parcela significativa de carroceiros circulando
em outras áreas, inclusive reconhecidos como necessários, não só pela população que habita nessas
áreas como pela própria prefeitura, que os contrata para o recolhimento do lixo domiciliar.
Aqui é assim: são eles que recolhem o lixo de nossas casas. Você tá vendo, não tem
calçamento e não tem como o carro grande entrar. Então são eles que nos socorrem.
Quando a prefeitura suspende o contrato com eles, nós chama logo a televisão para
denunciar e resolver o problema. Eles também cobram mais baratos pelos serviços, se
você compra uma carrada de areia num depósito eles cobram uns R$ 20,00 pra vim
deixar em casa, o carroceiro só cobra R$: 10,00 (Entrevista dia 20/ 08/2011, sexo F,
Vila Irmã Dulce, zona sul de Teresina).

Nessas regiões periféricas de Teresina, esse trabalho se apresenta como necessário e assume
uma função social importante, visto que supri as necessidades da população que o poder público não
alcança. Isso mostra que esse processo de urbanização e modernização é contraditório, uma vez que
não abrange aqueles que mais precisam. A permanência desse tipo de trabalho aparece como um
exemplo dessa contradição.
Somos nós que fazemos a limpeza de locais onde o carro do lixo não passa. O que
acontece: essas empresas contratadas pela prefeitura chega aqui pra levar o lixo, pega a
sacola, mas se a sacola derramar, lá fica. É como um carro de corrida. Passa assim:
voo, voo. O cara jogou o lixo dentro do carro e se cair no chão, lá fica. Nós não! A
gente vai com a carroça, pega o lixo e o que cair no chão, vai lá e varre com a vasoura.
Com todo o cuidado. (Entrevista dia 18/08/2013, carroceiro do sexo M, bairro São Joaquim,
zona norte de Teresina).

No que diz respeito às ações do grupo, na busca por direitos profissionais e visibilidade social, é
possível destacar, principalmente em relação aos carroceiros localizados na zona norte de Teresina, que
esses trabalhadores tem se organizado na busca por melhores condições de trabalho e apoio
institucional, o que revela a busca pela afirmação de uma identidade coletiva, através do trabalho.
Nos últimos anos, houve iniciativas por parte do presidente da associação de carroceiros da
zona norte, em conjunto com associações de proteção aos animais, ambientalistas, para elaboração de
projetos. Entre as demandas desses projetos, destacam-se: a regulamentação da profissão (para que
esses trabalhadores possam ter o direito de se aposentar como carroceiro e tenham incentivos para
redução do valor da contribuição mensal), a criação de carroças ecológicas que ocasione menores danos

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aos animais, um aumento no número de contratos com a prefeitura para prestação de serviços na
cidade, criação de locais para os animais descasarem e ficarem protegidos de violências e mortes10.
A senhorita tocou num ponto que Eu sempre batalho, inclusive na passeata dos
Carroceiros que acontece todo dia primeiro de junho, para comemorar nosso dia, Eu
falei sobre isso para os deputados que estavam lá na nossa festa. Luto para nossa
profissão ser reconhecida pra gente poder se aposentar como Carroceiro e contribuir
pra previdência... A maior parte dos Carroceiros tem só essa renda, mas também já
tem muitos aposentados, que complementam a aposentadoria com esse trabalho.
Também tem caso, como o meu, que já sou aposentado, mas minha vida toda
trabalhei como Carroceiro, quando fui me aposentar disseram que essa profissão não
existe, então tive que me aposentar como trabalhador rural. E assim tem muitos. E
mesmo se aposentando continua na profissão. Outra luta nossa é para nós colocarmos
os animais para descansar. Outra coisa, a ração para o animal é cara e muitos
carroceiros quando termina o dia solta os bichinhos para comer capim, não dá a
alimentação adequada. Olha: um burro, que é o melhor pra gente trabalhar, se bem
cuidado, vive 20 a 30 anos, mas tem uns que não passa de 7 anos. Também lutamos
pela saúde dos carroceiros, a maior parte dos carroceiros sofre com isso: a saúde. Fica
muito tempo no sol, tem problema de saúde, problema nos rins, dor de cabeça do sol
e o animal não tem um lugar para descansar porque não dar pra colocar o animal
dentro de casa, aí fica solto e sujeito a violência. (Sexo M, em 18/08/2013, bairro São
Joaquim, zona norte de Teresina).

O resultado de tais iniciativas pode ser visualizado no reconhecimento do dia do carroceiro, na


cidade. Na opinião desses sujeitos, essa foi uma das grandes conquistas da categoria, considerando que
o reconhecimento dessa data oferece a possibilidade do grupo se encontrar, festejar a data e
principalmente discutir formas de melhorar as condições de trabalho. Todo dia 1º de julho é realizada
uma passeata dos carroceiros, que termina com festas e apresentação de novas demandas do grupo.
Na nossa passeata você precisa vê, é muito bonita, saímos nas ruas com nossos burros
e as pessoas batem palmas para nós, sabem o valor do nosso trabalho. Por quê?
Porque toda pessoa às vezes entra numa firma, sai, fica desempregado, recebi os
direitos e o meio mais prático que ele acha, é o que? É trabalhar por conta própria. Ai
compra uma carrocinha, compra um burro e vai trabalhar. É um serviço que a pessoa
ganha pouco, é um serviço humilde, que a pessoa ganhar com suor do rosto, mas é
honesto. Eu acho o trabalho de Carroceiro honesto. Eu cheguei a trabalhar fichado
em empresas, mas as coisas foram ficando difíceis de conseguir trabalho. Então Eu
abracei essa profissão e já estou nela a mais de 30 anos. E tenho muita satisfação no
que faço, porque meu trabalho é honesto (Sexo M, entrevista em 18/08/2013, bairro São
Joaquim, zona norte de Teresina).

Eder Sader (1988), ao falar sobre das experiências de lutas de trabalhadores na grande São
Paulo, no período de 1970 a 1980, destaca o impacto dos movimentos sociais nos mais diversos grupos
populares que estavam na cena pública reivindicando direitos, o que levou a uma revalorização de
práticas sociais presentes no cotidiano desses sujeitos. Ainda com base no autor, esses movimentos

10 A elaboração dos projetos é feita pela filha do presidente da associação da zona norte, que se denomina como secretária
da associação e está articulando a criação de um sindicato para a categoria. Isto ocorre devido ao presidente conhecido
como Careca, não ser alfabetizado. O acesso aos projetos foi mediante a autorização do presidente das associações e de sua
filha.

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chamavam atenção pelas suas linguagens, pelos lugares de onde se manifestavam, pelos valores que
professavam principalmente como indicadores da emergência de novas identidades coletivas.
Resguardando o contexto histórico e político no qual o autor se refere, sua análise contribui
para pensar essa passeata dos carroceiros de Teresina, como um momento em que eles aproveitam sua
evidencia no cenário público, devido a grande mobilização de pessoas que essa passeata concentra
(políticos, autoridades da administração da cidade e jornalistas), não só para fazer suas reivindicações e
demandas profissionais, mas para mostrar o valor do seu trabalho, suas práticas coletivas, afirmar sua
identidade de carroceiro.
Por isso, esse momento representa uma das grandes conquistas do grupo. A passeata tem um
valor simbólico, já que o dia do carroceiro representa o reconhecimento do trabalho desse grupo, sua
importância para a cidade de Teresina. Assim, esse conjunto de ações demonstra, sobretudo, uma
mobilização coletiva do grupo na busca pela afirmação da categoria e reconhecimento social desses
trabalhadores na cidade. A identificação do grupo com o trabalho está expressa nessas ações.
Como assinala Sarti (1996), para as famílias pobres o trabalho é muito mais do que um meio de
sobrevivência, sendo também uma forma de afirmação e valorização de sua identidade. Assim, os
carroceiros de Teresina, apesar das dificuldades com essa atividade que realizam, através dela afirmam
sua honra, honestidade e posição social e com isso o trabalho vai além do ganho material, representa
uma afirmação da moral e disposição de vencer.

4. Considerações finais

O trabalho dos Carroceiros de Teresina exemplifica em vários aspectos as transformações


ocorridas no mercado de trabalho nos últimos anos, apesar de ser anterior a esse processo. Esses
sujeitos estão na informalidade desde seu surgimento, são considerados uma mão de obra menos
qualificada, ainda preservam um modo antigo de executar seu trabalho. No que se refere às condições
de vida desses sujeitos, vivem em condições precárias, tanto no que diz respeito ao trabalho que
realizam, quanto à forma que vivem, a partir dos rendimentos desse trabalho. O que mostra a
necessidade de programas e ações voltados especificamente para essa categoria profissional.
Embora esses problemas, serem comuns em outras categorias na informalidade, dado a
natureza paradoxal do seu trabalho com traços tradicionais que remetem ao meio rural contrastando
com o trabalho do meio urbano, industrial e tecnológico e diminuição do espaço de trabalho do grupo
perante as novas dinâmicas de trabalho que surgem na cidade. Destaca-se que incentivos para esses
trabalhadores contribuírem com a previdência social, através de incentivos institucionais, palestram
sobre os trabalhos informais e direitos trabalhistas desse público, informações sobre cuidados com
animais, poderiam contribuir para melhorar as condições de trabalho e vida desses sujeitos.
O trabalho de carroceiro exerce uma função social em Teresina, na medida em que é necessário
para uma parcela da população carente de ações do poder público local. Nesse sentido, as iniciativas
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desenvolvidas pelo grupo na busca por direitos profissionais e melhores condições de trabalho são
importantes porque podem contribuir para uma integração na economia de mercado e trabalho
teresinense, com boas condições de trabalho e de salário. Mas revelam, sobretudo, a busca pela
afirmação enquanto identidade coletiva.

Referências

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Identidade e comunidade: a busca por uma
comunidade cultural sul americana

Ricardo Antonio Marcusso1

Introdução

A
proposição do trabalho desenvolvido tem como objetivo contribuir para as discussões
acerca da identidade, da comunidade e dos projetos regionais que se desenham no nível sul
americano. Antes de se colocar como palavra final, sugere a interlocução conceitual numa
revisão bibliográfica que visa enriquecer as análises e propostas para o decorrer do século XXI.
A conjuntura de crise que enfrenta o velho continente reforça a necessidade de articulação dos
países sul americanos no intuito de estreitar suas relações políticas e econômicas redundando na
melhoria significativa nos aspectos sociais na região. Para tanto, é preciso compreender os fenômenos
que promovem transformações conceituais no período compreendido por diversos autores como pós
modernidade.
Entender que a América do Sul não está fora do contexto pelo qual os efeitos globalizantes que
promovem identidades flexíveis ao mesmo tempo que deteriora os símbolos comunitários, tendo como
horizonte a sacralização do mercado e do consumo se colocam como desafios e ao mesmo tempo
paradoxo da realidade. Orientar as democracias emergentes e recentes no sul do continente para novas
formas de representação e participação que não seja o modelo pré estabelecido que tantos males
causaram aos povos e nações constituído fronteiras para a alteridade se torna fundamental para que em
colaboração se eleja um projeto comum.
Os efeitos da entrada sul americana na modernidade tardiamente geraram os desenraizamentos,
o êxodo rural numa industrialização concorrencial em nome de um progresso que chegou à poucos. A
formação de blocos econômicos como o Mercosul precisa ser orientado também por uma perspectiva
sociológica, que pese os efeitos reais de uma comunidade para seus membros, que são reais e humanos
na reconstrução de uma história nossa, dos povos que trabalharam e construíram as nações latino
americanas.
Por ser o maior país, seja em extensão territorial, seja em valores econômicos, cabe ao Brasil
desenvolver o papel de articulador da ampliação do Mercosul para formação da comunidade sul
americana de nações. Para tanto, é preciso compreender as múltiplas identidades que compõem o jogo
político, social e econômico com diplomacia e respeito às heterogeneidades que correspondem aos
povos da região.

1 PUC/SP, Mestrando em Ciências Sociais, bolsista Capes.


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Como exposto, refletir sobre as transformações que ocorrem no tempo espaço numa
velocidade nunca vista na história, requer a permanente discussão sobre a identidade em seus aspectos
culturais, sem as quais a construção de uma comunidade orientada por projetos comuns se torna uma
discussão para dentro e sem repercussão no real, pois os jogos de dominação continuam a operar
colocando sob xeque as potencialidades dos povos sul americanos conseguirem de fato autonomia no
cenário global.

1. Modernidade e pós-modernidade na América do Sul

Os fundamentos que escreveram a história ocidental no decorrer dos séculos XIX e XX,
advieram de uma perspectiva, essa seria a modernidade. A modernidade que segundo Bauman (1999) se
apresenta a partir do século XVII, como um conjunto de transformações socioestruturais, primeiro
como projeto cultural e posteriormente com a sociedade industrial capitalista afirma esse modelo de
vida consumada. Nessa conjuntura de transformações está inserida a América do Sul e seus projetos
regionais e locais de “independência” das suas respectivas metrópoles.
As mudanças que o ideário iluminista traria ao mundo, seria a afirmação da racionalidade como
forma de compreensão dos fenômenos naturais e sociais por meio da ciência. Esta traria o
desenvolvimento tecnológico, e como resultado de um pensamento evolutivo, alcançaria o estágio mais
avançado da humanidade, a civilização do progresso. Para Baum (1992) foi fomentada uma crença de
que a ciência e a tecnologia produziriam o progresso contínuo.
O período ao qual se refere à afirmação da modernidade, enquanto projeto, é também o
momento de consolidação das ciências sociais. Marx, Durkheim, Weber, Tocqueville, entre outros estão
nesse entremeio, que percorre a transição de um mundo tradicionalmente rural e agrário, para um
mundo urbano e industrial. Quijano (2005) aponta que ainda que a América Latina, tenha sido em
efeito, uma vítima passiva da modernização, foi na verdade uma troca, pois participou ativamente do
processo de produção da modernidade.
As erupções revolucionárias da Europa tiveram reflexos na América do Sul, ao mesmo tempo
em que a industrialização europeia apresentava novas contradições na sociedade europeia, a América
convivia com ambiguidades herdadas de um momento colonial espoliador. Nesse contexto, segundo
Baum (1992) a Sociologia nasce como uma ciência sensível ao lado sombrio das revoluções industrial e
democrática. A busca pela autonomia, o universalismo e o individualismo marcaram os trabalhos
clássicos. Vale demonstrar que:
O jovem Marx lamentava a alienação infligida aos seres humanos impedindo-os de
assumir as responsabilidades por suas instituições políticas e econômicas; Durkheim
lamentava a anomia produzida em amplos segmentos da população mediante o
declínio da comunidade e o culto do indivíduo; Weber deplorava a racionalização da
existência humana mediante a sempre maior difusão da tecnologia e da burocracia.
(BAUM, 1992, p. 789)

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Bauman (1999), ensina que a modernidade é impregnada de ambivalências, que na verdade não
foram totalmente superadas dentro do projeto moderno. Daí a perspectiva de uma etapa pós moderna,
em que tais ambivalências seriam reexaminadas não no sentido de superação, já que elas são
insuperáveis, constituem a complexidade humana e suas relações. As ambivalências da modernidade
seriam os elementos de continuidade, de rupturas na história, seria o reescrever, ou escrever a história a
contrapelo, como ensinou Benjamim (1987).
Os resultados de uma análise da modernidade na pós modernidade se apresenta como um
momento de reavaliação, já que os conceitos pelos quais se orientou o mundo ocidental, inclusiva a
América do Sul no último século produziram progresso e destruição. Segundo Bauman (1999) e Morin
(2012), a destruição, a miséria e a fome são muito maiores que as benesses que poucos colhem do
progresso. Ainda nessa perspectiva, vale relembrar a passagem de Benjamim (1987), em suas teorias da
história sobre a alegoria do anjo.
Galeano (1976) constata que a deusa tecnologia não fala espanhol, portanto, uma ciência
universal, nos moldes propostos pelo projeto moderno não atinge a América Latina. Já que o
subdesenvolvimento que alimenta o desenvolvimento em regiões do mundo, é na verdade uma
desordem, que como ambivalência necessita existir para manutenção do sistema de espoliação que
marca os povos sul americanos. A aposta feita no século XIX, segundo Quijano (2005) de que a
modernidade seria uma associação entre razão e liberdade, promovendo aos povos a autonomia de seu
destino foram sendo apartadas, onde a razão se associou com a dominação econômica, técnico-
científica e política militar. A esse fenômeno denominado “imperialismo”, recai todo o momento
histórico desenrolado na América do Sul no século XX.
Quijano (2005) chama atenção que na América Latina o processo de desintegração do
mercantilismo promoveu ao plano de poder, os setores sociais mais conservadores, adversos ao
liberalismo, essa ambiguidade na verdade guarda que no continente sul americano, a modernidade não
se concretizou como demonstra Fernandes (2005), que fora na verdade reprimido quando apresentou
possibilidades de se materializar concretamente. Contudo, é preciso reconhecer de acordo com Quijano
(2005), a América Latina que não encontrou a modernidade, encontrou a modernização, foi
industrializada e conduzida a operar na lógica do sistema capitalista, copiando as instituições de poder,
mantendo as desigualdades sociais, promovendo uma urbanização desordenada, entre outros fatores
que permitem a reprodução permanente do modelo de espoliação histórico.
As perspectivas que se apresentam a partir dos anos de 1970 com a adoção de políticas
neoliberais associadas à processos políticos econômicos globais, que redundam na globalização, se
confirma naquilo que Castells (1996) denomina de Sociedades em Redes, que são frutos de um
fenômeno descrito por Harvey (1992) por uma condição pós moderna que altera a dinâmica de
funcionamento do mundo, na compressão do tempo espaço. Dessa condição pós moderna surge a
necessidade de crítica para com a modernidade, uma crítica que apresente novos paradigmas que

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atendam aquilo que a modernidade projetou mas não cumpriu segundo Santos (1997). Contudo, é
preciso analisar que em muitas regiões do mundo, em especial aquelas espoliadas, ou mesmo esquecidas
intencionalmente, como é o caso de partes da América Latina mesmo distantes da modernidade sofrem
os reflexos da “modernidade líquida”, que segundo Bauman (1999), gera um distanciamento cada vez
maior da realidade frente à virtualidade.
As características que marcam a modernidade, como o modernismo e a modernização, se
refletem diretamente na construção dos direitos humanos e sua afirmação, que entretanto na América
do Sul só se fazem em parte, já que o universalismo, a autonomia e o individualismo conforme descrito
pelos ideais iluministas foram ecos incorporados segundo Quijano (2005) pelos setores conservadores
na América Latina. Com isso, mesmo que existam direitos internacionalmente reconhecidos como
humanamente essenciais, a América do Sul foi marcada na segunda metade do século XX, pelo
desrespeito a tais conjunto de direitos, em nome de um progresso e segurança nacional, que não
promoveram a inserção de fato dos povos sul americanos na modernidade.

2. Identidade cultural na pós-modernidade

O estudo da identidade nas Ciências Sociais se apresenta como uma busca de compreender os
mecanismos de identificação social, dos sujeitos e agentes que em tempos de pós modernidade
apresentam mudanças quanto aos conceitos de identificação propostos no século XIX e começo de
XX. É importante destacar que a construção do reconhecimento se faz por aquilo que Marx (1988)
chama de espelhamento, onde dialeticamente o eu e o outro se reconhecem como iguais, ou como
semelhantes em condições de humanidade. Essa relação se aprofunda em diferentes esferas atingindo
os objetos e bens materiais produzidos, onde a identificação liberta o sujeito da alienação.
A problemática que envolve a conceituação de identidade nas Ciências Sociais compõe um alvo
de estudos que se aprofundam e se refazem na atualidade, conforme se observa em:
[...] a “identidade” só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto;
como alvo de um esforço; “um objetivo”; como uma coisa que ainda se precisa
construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-
la lutando ainda mais... A fragilidade e a condição eternamente provisória da
identidade não podem mais ser ocultadas... Atualmente a “identidade” é o “papo do
momento”, um assunto de extrema importância e em evidência... (BAUMAN; 2005,
pp. 21-23).

Hall (2011) aponta que vivemos a chamada “crise de identidade”, vista como parte de um
processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades
modernas e abalando as referências que davam ancoragem estável aos indivíduos no mundo social. A
crise se apresenta nas reformulações conceituais sobre a identidade e a própria concepção de sujeito,
em que a dinâmica social constrói necessidades transitórias levando os sujeitos a se tornarem
subsumidos dentro das relações, em que a escolha é a condição para adentrar em um grupo, ou mesmo
pertencer ao conjunto dos identificáveis. Hall (2011) apresenta a identidade como derivada dos

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momentos históricos e sociais, sendo classificados em sujeitos nos recortes temporais propostos pelo
autor. Tais momentos caracterizam os sujeitos e a identidade, assim temos o “sujeito do iluminismo”
centrado na racionalidade do indivíduo, o “sujeito sociológico” reconhecedor da necessidade do
“outro” na constituição de sua identidade, e o “sujeito pós-moderno” descentrado, fluído e não fixo
sempre na busca de uma identidade ou de múltiplas identidades.
Nessa perspectiva se levanta outro problema essencial para os estudos latino americanos, uma
vez que se tratam de múltiplas identidades, que se constituíram fragmentadas e se reproduzem
fragmentárias, já que no continente americano a formação das nações se fez num processo histórico
capitaneado pelas elites locais, onde os povos originários da terra foram excluídos da participação
política e econômica do país que se formava. Daí decorre mais um dos elementos ausentes da
modernidade na América do Sul, como Giddens (1992) aponta ao dizer que a política emancipatória
torna imperativos valores de justiça, igualdade e participação.
Além dos problemas de ordem estrutural na constituição das nações latino americanas,
encontramos outro mecanismo recorrente na dominação e espoliação das populações, que é estigma.
Essa marca que registra o lugar, portanto, determina quais as possibilidades que os agentes sociais
decorrentes de tais regiões podem ou não assumir na era globalizada. Tal método de segregação é
encontrado nas relações endógenas e exógenas de cada país, com isso se apresenta um tipo de
identidade apontado como:
[...] identidade da subclasse” é a ausência de identidade, a abolição ou negação da
individualidade, do rosto, esse objeto do dever ético e da preocupação moral. Você é
excluído do espaço social em que as identidades são buscadas, escolhidas, construídas,
avaliadas, confirmadas ou refutadas. (BAUMAN, 2005, p.46)

O resultado desse modelo contínuo de estigmatização ocorre no sentido de apartar os sujeitos


dos lugares, dos acessos, do reconhecimento e da alteridade. Isso segundo Martins (2010) ocorre na
América do Sul em consequência dessa parte do mundo, ainda se encontrar no estágio de fronteira.
Esse espaço que ainda carrega o nativo e o civilizado, onde os encontros continuam a acontecer desde a
chegada de Colombo em 1492.
Retomando o problema da identidade e do estigma decorrente do lugar, temos em Bourdieu
(2012) uma definição dos efeitos que o lugar opera nas relações entre os agentes, no mesmo sentido o
estigma definido por Goffman (2012) deteriora as relações a partir do indivíduo que se fecha ou se
anuncia como diferente, assumindo ou rejeitando as características estigmantizantes. Contudo, existe
uma lógica que atua por detrás do contexto em que as tradições inventadas, como apontaram
Hobsbawn e Rangers (1984), conduzem a uma interpretação do que é característico de uma identidade
ou não. A conjuntura global aponta para um tipo de relação em que o sistema capitalista atua, como
observa:
No presente estágio planetário, o problema do capitalismo, a disfunção mais gritante e
potencialmente explosiva da economia capitalista, está mudando da exploração para
exclusão. É essa exclusão, mais do que a exploração apontada por Marx, que hoje está

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na base dos casos mais evidentes de polarização social, de aprofundamento da
desigualdade e de aumento do volume de pobreza miséria e humilhação. (BAUMAN,
2005, p. 47)

Contudo, é oportuno ressaltar:


Não temos conhecimento de um povo que não tenha nome, idiomas ou culturas em
que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não seja estabelecida.
O autoconhecimento nunca está totalmente dissociado da necessidade de ser
conhecido de modos específicos pelos outros. (CALHOUN in CASTELLS, 1996, p.
22).

Nesse sentido, Castells (1996) desenvolve três tipos de identidade, que caracterizam diferentes
objetivos, a primeira delas a identidade legitimadora introduzida pelas instituições dominantes da
sociedade, a segunda a identidade de resistência criada pelos atores sociais em processo de
estigmatização pelas instituições dominantes da sociedade, e a terceira a identidade de projeto em que
os atores sociais se utilizam de diferentes recursos culturais para a construção de novas identidades
capazes de reconfiguras sua posição na sociedade de forma transformadora. Tais concepções são
recepcionadas pelo pensamento que apresenta:
A América Latina ingressa na próxima década dividida em três grandes forças políticas
e sociais: neoliberais, terceira via e neonacionalistas. Os neoliberais seguem as
proposições do Consenso de Washington, caso da Colômbia e do México. A terceira
via busca combinar maior independência externa com políticas sociais, caso do Brasil,
Uruguai e Chile. Os neonacionalistas associam o socialismo cubano e o sandinismo da
Nicarágua, é o caso da Venezuela, Bolívia e Equador. (MARTINS in OLIVEIRA,
2010, p. 253)

O paralelo apresentado é simbólico como a própria construção de identidades na pós


modernidade, já que cada lugar apresenta características próprias para consecução de seus projetos
nacionais ou supra nacionais. Nesse ponto reside o problema, ou a chamada crise das identidades, e de
qual o direcionamento posto para a América do Sul. Valendo-se das proposições de Bauman (2005), de
que as identidades são escolhas livres, acrescentado as perspectivas de política vida de Giddens (1992)
que fazem parte da construção da identidade dos sujeitos sociais, junto as conjecturas de Castells (1996)
que apontam a necessidade da criação de redes para transformação e resistência, caso a identidade
legitimadora seja negada, os caminhos abertos para o conjunto de povos e nações sul americanas se
encontram sem respostas.
Dessa forma se observa o que Harvey (1992) chama a atenção na pós modernidade, a colagem e
a prevalência da estética sobre o vivido, na desterritorialização das identidades. Os riscos de tais eventos
superficiais incorrem no que Bauman (1999) e Giddens (1992) alertam sobre novos tipos de
fundamentalismo mascarados de multiculturalismo. Vale nesse sentido lembrar:
[...] todos os grupos que tem interesse na ordem estamental reagem com especial
violência contra as pretensões de aquisição exclusivamente econômicas. Na maioria
dos casos o vigor da reação é proporcional a intensidade que a ameaça
experimentada... o parvenu jamais é aceito, pessoalmente os sem reservas pelos grupos
estamentalmente privilegiados, por melhor que seu estilo de vida se ajuste aos deles...
(WEBER, 1982, p. 225)

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O reconhecimento de uma identidade cultural sul americana que promova não a


homogeneidade dos povos, mas que consiga compor um projeto de transformação supra nacionais,
como as próprias aspirações universalistas da modernidade encontradas em Tourraine (1994), Giddens
(1992), Bauman (1999) e Castells (1996) entendem como fundamentos para o futuro e que não são
renegadas na pós modernidade, significa uma reação à dominação e a espoliação histórica de tais povos
e de sua inserção e acesso de fato aos bens materiais produzidos em escala global, regional e local.
Como visto, não há como se falar em uma única identidade, mas é possível e necessário realizar o
movimento dialético da transformação social, via a adesão de identidades de projetos que se conectem
em redes. A sociedade do século XXI, como nos diz Castells (1996) é caraterizada pelo movimento das
redes, qualquer ideia fora desse contexto tende a se fechar num círculo em que o eco de transformação
recaí no modelo de resistência.
Na mesma linha de pensamento podemos analisar a ideia de espelho próspero defendida por
Morse (1992), em especial ao observar a América Latina, que segundo o autor fatores categóricos do
domínio colonialista acaba por distorcer a realidade e visão do Outro, do latino americano, pelo próprio
latino americano, como ratifica:
[...] a tragédia em que todos foram conduzidos, sabendo ou não, querendo ou não, a
ver e aceitar aquela imagem como nossa e como pertencente unicamente a nós. De
maneira que seguimos sendo o que não somos, e como resultado não identifica e
resolve nossos verdadeiros problemas, a não ser de uma maneira parcial e distorcida.
(QUIJANO, 2005, p.240).

A constituição de uma identidade sul americana, que componha uma identidade latino
americana, vai de encontro a proposição de Castells (1996) de identidade de projeto. Esse esforço
conjunto, reconhecido em busca da elaboração de um projeto autônomo e emancipador, seria o passo
que descoloniza de fato a América Latina, isso contudo requer uma etapa de aprendizagem para se
libertar do espelho eurocêntrico, já que que a imagem da região é sempre e necessariamente distorcida.

3. Comunidade, direitos e segurança

A globalização e processos de integração mundial, apresentam jogos simbólicos de dominação


econômica e cultural, que por sua vez recai diretamente na concepção de comunidade alterando sua
dinâmica de funcionamento, alterando sua ordem legal de direitos, bem como alteram as necessidades
de segurança, bem como a sensação desta para seus membros sociais.
Nesse contexto de permanente e intencional insegurança, a ideia de comunidade acaba por
sofrer impactos nos sujeitos sociais que passam como observa Bourdieu (2012) a viver na incerteza
sobre o futuro, que gera a incapacidade de elaborar projetos ou planos e segui-los. A vida em
comunidade segundo Bauman (2003) é a baseada na sensação de segurança que essa propicia à seus
membros. No momento em que um conjunto de fatores impedem essa composição identitárias que se

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mantem distorcida no espelho, as raízes comunitárias também sofrem desregulamentações oriundas do


próprio jogo do poder nas diferentes esferas que ele opera na globalização.
Dentre as alternativas apresentadas para manutenção da autonomia e soberania dos povos e
nações numa conjuntura em que as trajetórias dependentes se afirmam, o regionalismo seria o meio
pelo qual uma resistência à dominação político econômica se faz por acordos e blocos como o
Mercosul. Porém há um problema persistente em relação à formação de uma comunidade sul
americana que se coloque unida frente à hegemonia do capital circulante nos mercados financeiros, já
que a autonomia individual sempre tende a criar obstáculos à composição política do todo.
A autonomia, essa exigência de só submeter-nos às nossas próprias leis, de sermos os
senhores de nosso próprio destino, é política e não social: mesmo que eu deseje me
sentir responsável pelos meus atos, continuo a viver em um espaço composto de
outras presenças humanas; mais ainda: sou apenas um elemento das redes inter-
humanas. (TODOROV, 1999, p. 224)

Narrar a história dos vencidos no processo de colonização sul americana, interpretar os


processos pelos quais se construíram mecanismo de dependência do Sul com relação ao Norte, são
fundamentais para que se elaborem conceitos que rompam com o paradigma de inferioridade, de
vitimização que é a primeira forma, segundo Todorov de renúncia da autonomia.
Retomando o contexto de pós modernidade, os laços nacionais, regionais, comunitários, de
vizinhança, de família, por fim que servem de identificação e reconhecimento para os atores sociais são
cada vez mais dispensáveis, Bauman (2003). Essa incerteza, gera a desconfiança que impede a
construção de projetos comuns, e mesmo individuais que tenham ponto de partida e de chegada. Ainda
segunda o mesmo autor, vivemos na perspectiva do presente contínuo, em que passado e futuro não
tem importância. Recaindo nos riscos que Benjamim (????) nos aponta, pois vivemos numa época de
desmemoração. Candau (2012) ao indicar que a história é filha da memória, retornamos ao problema do
espelhamento distorcido, uma vez que a construção de uma identidade regional que fundamente a
comunidade sul americana com um projeto autônomo encontra resistência na própria memória
coletiva.
Por essa perspectiva podemos inferir que, há dois modelos que podemos analisar, um que
coloca o passado heroico frente ao passado vitimizador. Todorov (1999) indica que atualmente ocorre
uma busca pelo passado oprimido, pois é mais lucrativo se apresentar como vítima. Essa concepção
acaba por mergulhar a pretensa comunidade na fragmentação, pois cada país, nação, povo, grupo ou
subgrupo tem um passado a ser reclamado como tendo sido vítima de outros países, nações, povos,
grupos ou subgrupos. Dessa forma, a constituição da comunidade se torna ambivalente e em
permanente estado de reconstrução ancoradas na incerteza sobre o Outro.
O desencontro na fronteira é o desencontro de temporalidades históricas, pois cada
um desses grupos está situado diversamente no tempo histórico. Por isso, a fronteira
tem sido cenário de encontros extremamente similares aos de Colombo com os índios
da América: as narrativas testemunhas de hoje, cinco séculos depois, nos falam das
mesmas recíprocas visões e concepções do outro. A fronteira só deixa de existir

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quando o conflito desaparece, quando os tempos se fundem, quando a alteridade
original e mortal dá lugar à alteridade política, quando o outro se torna a parte
antagônica do nós, quando a história passa a ser nossa história... (MARTINS, 2009,
134).

Aproximar as diferenças, que são afirmadas e ratificadas segundo Todorov (1999) pelos setores
conservadores, são indispensáveis para a construção da comunidade sul americana. Todavia, temos que
relembrar o passado que produziu o quadro de desigualdades na parte sul do continente, bem como
ressaltar a necessidade de garantias de segurança para seus membros perante os ataques geoeconômicos
oriundos do período que Harvey (1992) classifica de capitalismo flexível. A América do Sul enfrenta,
ainda no século XXI, os problemas identificados por Galeano (1978), em que no momento da
independência dos países latino americanos, faltava uma comunidade econômica capaz de realizar a
construção de uma nação única.
A ideia de nação única, em tempos pós modernos encontra ainda mais barreiras, podemos
pensar num projeto comum dos povos sul americanos, e ainda assim temos o desafio de articular o
conjunto de direitos fundamentais a serem preservados pela e para a comunidade. Nesse ponto é que se
levanta o debate sobre os modelos de democracia e participação política que temos nos países sul
americanos.
Ao falar em democracia, é necessário incluir pelo menos, cinco categorias: a repressão,
a negociação, a representação, a participação e a mediação. Esse conjunto de
categorias é indispensável. Sem ela, toda análise sobre a democracia é incompleta.
(CASANOVA, 1986, p. 167)

Articular a comunidade sul americana demanda o esforço coletivo daqueles que detém o poder
político em nome dos seus representados, para superar os interesses exclusivos e sedutores do mercado
mundo, em prol de uma composição que se fortaleça internamente dando garantias de direitos. Tais
direitos só se podem se realizar dentro da democracia, mas numa democracia diversa daquela que
historicamente se impôs à América do Sul, que persegue, explora e violenta os povos e nações em
nome da liberdade. Esse modelo, segundo Galeano (1978) promoveu a sangria, as desigualdades sociais
e a miséria na América Latina.
Os riscos que se tornaram moda na nova conjuntura internacional, deriva da demanda
consumista que produz conceitos e modelos, disso a formação de uma comunidade deve zelar para que
os vínculos fraternos dos povos sul americanos não sejam vistos, como ressalta Bauman (2003) como
comunidade de fracos. E ainda, que não se promova um ideal comunitário estético que se desvincule de
qualquer proposição de longo prazo.
É fato que o Consenso de Washington e suas políticas intervencionistas na América do Sul
fracassaram, mais por resistências do que por projetos articulados entre os países, Martins (2010).
Mesmo assim, o México que outrora seria um membro fundamental para composição de um bloco
latino americano aderiu ao Bloco do Norte, redesenhando o cenário, em que a América do Sul ganha
uma territorialidade específica no jogo geopolítico econômico global.

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Ainda assim, se faz importante destacar que só se constituirá uma comunidade de fato se
houver autonomia para os sujeitos sociais que atuam no cotidiano de cada nação, isso significa
igualdade de direitos políticos, representação e participação.
[...] igualdade de direitos não significa, na verdade, uma igualdade de fato: sempre
haverá os mais fortes e os mais fracos, os mais ricos e os mais pobres, os mais belos e
os mais feios; a igualdade política é a regra do jogo, não seu resultado. (TODOROV,
1999, p. 228)

Dessa forma, não é o singular que determina o objetivo do todo, mas a política representada de
forma igualitária por seus agentes representativos que orientam os resultados do projeto comum.
Respeitar a heterogeneidade existente na América do Sul é fundamental para que não se proponha
modelos ideias a serem transpostos de um lugar para o outro, a ideia de descontruir as fronteiras em
nome da alteridade reescrevendo a nossa história em comum de acordo com suas particularidades é o
primeiro passo.

4. A utopia de uma América do Sul comunitária no Século XXI

Qualquer ideia de utopia, significa romper com o real, no sentido do que existe e está em
hegemonia no plano político, econômico e social. Assim, a utopia se apresenta como um “sonho
possível”. Dessa forma, a utopia de uma América do Sul enquanto comunidade real pode ser sonhada e
imaginada pelos atores políticos e sociais no século XXI.
A identidade de projeto definida por Castells (1996) carrega em seus pressupostos um tanto de
utopismo, já que depois da resistência o projeto comum pode criar a unidade com fins políticos a serem
alcançados. É nesse ponto que a utopia alimenta a própria realidade, já que desafia o velho ao novo, o
conhecido pelo inédito. Assim, Szacki (1972) afirma que o utopista não aceita a mera possibilidade
escolhas entre o “ou e ou”, sempre impostas pela análise das circunstâncias do possível.
Se como observado por Bauman (2003) vivemos no espectro da incerteza, vivemos no reino da
utopias possíveis. Do mesmo modo, se temos uma concepção de que a modernidade chegou ao seu
limite, como nos diz Santos (1997), há que se apostar em novas organizações e instituições políticas
possíveis.
A utopia é uma recusa da absolutização das divisões políticas atuais, é uma tentativa de
recomeçar de novo o debate sobre a forma de sociedade. A escolha entre duas
variantes da realidade é substituída pela escolha entre a realidade e o ideal... (SZACKI,
1972, p. 99)

Colocada em análise as possibilidades apresentadas no decorrer da primeira década do século


XXI, tivemos o momento de contraponto, onde ao mesmo tempo que se realizada o Fórum
Econômico de Davos, se fazia o Fórum Social Mundial no Brasil. Fora o momento de se colocar as
contradições, em que no FSM ficavam claras as alternativas em curso para superação do modelo
existente, Leite (2005). Sob o lema, “Um outro mundo é possível”, o FSM conseguiu apresentar que
projetos utópicos desconectados estavam em curso pelo mundo.
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Retomando a ideia de Szacki (1972), confirmada por Lowy (2000) temos que para além das
imposições do sistema mundial globalizado e flexível, em que os mecanismos de exploração e
degradação ambiental e humana se renovam, as alternativas também sofrem o mesmo processo.
Recuperando Castells (1999), é preciso conectar os projetos alternativos num sistema de rede, em que o
diálogo seja compromisso multilateral, e aplicar tais perspectivas à América do Sul seriam uma aposta
para uma nova agenda para construção de uma comunidade sul americana alternativa.
Rede é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se
entrecorta... Redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada,
integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja,
desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação... Redes são
instrumentos apropriados para a economia capitalista baseada na inovação,
globalização e concentração descentralizada; para o trabalho, trabalhadores e empresas
voltadas para a flexibilidade e adaptabilidade; para uma cultura de desconstrução e
reconstrução contínuas; para uma política destinada ao processamento instantâneo de
novos valores e humores públicos; para uma organização social que vise a implantação
do espaço e invalidação do tempo. (CASTELLS, 1999, p. 498)

Em análise a América do Sul continua a despertar interesse dos gigantes econômicos, tanto dos
setores políticos, como dos empresários, visto que detêm reservas importantes para continuidade do
próprio sistema capitalista. Explorar essas possibilidades por outro viés é o desafio para a comunidade
sul americana, pois cair na lógica da exploração, entregando tais recursos ao mercado é trair novamente
os interesses dos povos e nações sul americanas, como ocorrera na história segundo Galeano (1978).
As alternativas já existem, os ideais estão postos e como e um deles reside no ecossocialismo, os
elementos constituintes da identidade ecossocial a cada dia ganham mais adeptos e a aposta numa
agenda em torno de tal modelo político, social e econômico tende a aproximar os relutantes.
Um novo sistema produtivo e tecnológico, explorando o desenvolvimento e o recurso
a fontes de energia renováveis, especialmente aquelas que não ameaçam a vida
humana ou agridem o meio ambiente natural. O princípio segundo o qual o socialismo
não pode primeiro tomar posse do aparelho de Estado burguês e usá-lo para seus
próprios fins, mas tem que destruir a velha estrutura e construir uma nova, aplica-se
também, embora de forma diferente, ao aparelho técnico produtivo existente. A
forma atual do maquinismo não é a única possível. Ele pode e deve ser radicalmente
transformado, substituído por métodos mais avançados e menos destrutivos de
produção. (LOWY, 2000, p. 128)

Contudo, qualquer que seja a alternativa de superação das desigualdades, da precarização da


vida e da ausência de dignidade e direitos humanos na América do Sul, indica um caminho. Destacando
que não há de fato, pressupostos prontos e acabados dentro da atual conjuntura mundial de qual
modelo se deva seguir para constituir uma comunidade sul americana. Copiar os já existentes significa
ausência de autonomia, de capacidade de reflexão sobre a realidade da região, que não é heterogênea,
mas carrega em si uma historicidade comum, a da espoliação e dominação colonialista que insiste em se
fazer presente, calando e oprimindo os dominados.

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Considerações finais
Os debates em torno da manutenção do Mercosul ou até de sua extinção são cada vez mais
acalorados, sobretudo, nos setores conservadores que defendem a adesão à blocos mais hegemônicos.
Ampliar o Mercosul se apresenta como necessidade, mas não somente de viés econômico, como
exposto é preciso uma alternativa para a atual conjuntura global. Expandir sem construir uma história
que dê conta da análise dos elementos comuns aos povos sul americanos rememorando os processos
de espoliação vividos no continente, contribui diretamente para relegar à região uma condição
subalterna no panorama mundial.
Debater a democracia temos operando na América do Sul, em que os representados não se
sentem assim pelos representantes, em que há repressão ao invés de participação, em que a sociedade
civil não tem poder de negociação política perante os interesses internacionais. Dessa forma, falar em
segurança e direito significa resgatar a autonomia política dos sujeitos sociais sul americanos. A pós
modernidade denuncia que a modernidade não cumpriu suas promessas, e a América do Sul é exemplo
disso, sempre buscou a modernidade sem ter entrado de fato nela.
A utopia da comunidade sul americana, que em outrora, teve viés latino americano, se coloca
como possibilidade real, desde que seus agentes políticos e sociais consigam compor identidades de
projeto, que consigam a interconexão em rede, e que as alternativas visem a superação das
desigualdades sociais que produzem miséria, a destruição sistemática da natureza, que dê maior
participação política aos cidadãos, que estabeleça uma agenda comum para construção de nossa história
do ontem ao hoje, apontando para um horizonte em que uma nova América do Sul seja possível.

Referências
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Petrópolis: Vozes, 1992.
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Formação continuada de professores a distância:
considerações preliminares diante do
direito à educação

Rosangela Oliveira Gonzaga de Almeida1

E
ste paper apresenta algumas considerações preliminares acerca da formação continuada de
professores a partir da leitura da legislação e de alguns indicadores sociais para apontar os
desafios postos à educação diante da universalização do acesso à educação. Recorro ao
acúmulo das minhas experiências profissionais como professora na educação básica, professora tutora
na pós-graduação e assistente social que em vinte e três anos desta sempre manteve uma relação com a
educação dentro desse exercício.
O Brasil em 2009 tinha 20,3% de analfabetos funcionais segundo dados do IBGE – Síntese dos
Indicadores Sociais – Uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira – 2010. E taxa de
analfabetismo em 2011 era de 8,6%, segundo o IBGE – Síntese dos Indicadores Sociais – 2012.
Libâneo (2011) expressa o desafio destinado aos professores de aprender a pensar e a operar a
partir da comunicação permeada por tecnologias da comunicação e informação. Eu diria que é
insuficiente que os professores sejam requisitados sozinhos a elaborar e a intervir no processo
comunicacional. Outros profissionais precisam se aproximar daqueles que compõem os dados
alarmantes dos indicadores de analfabetismo e analfabetismo funcional.
Minhas indicações perpassam dúvidas e certezas quanto a qualificar e atualizar a distância na
pós-graduação diante de uma realidade caótica que exige mais que o empenho dos profissionais
envolvidos: professores objeto dos cursos de formação continuada e professores coordenadores e
tutores. Qual o acesso à biblioteca nas localidades de forma a democratizar o acesso diversificado a
material de leitura (livros, fichas de leitura, gibis, revistas, etc.) e a laboratórios equipados com
tecnologias, em que se tenham profissionais bibliotecários e da área da computação para dinamizar e
supervisionar atividades pedagógicas. A educação como política pública diante de números exorbitantes
não pode focar ações de uma única área. Como pensar a interdisciplinaridade?
A grande responsabilidade da escola é articular a cultura clássica com as novas
tecnologias, compondo um currículo denso e significativo para a formação das novas
gerações. E o grande desafio lançado às escolas na atualidade é como realizar essa
tarefa de modo adequado.” (SAVIANI, 2010 p.179).

Problematizando a formação continuada

As palavras a seguir tentam apontar uma introdução a como pensar uma ação pedagógica que
contemple o que revelam os indicadores sociais expressando a reciprocidade e a complementaridade de

1 Professora Tutora no PNAP/CEAD/UNIRIO. roogonzaga@hotmail.com


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diferentes disciplinas (SEVERINO, 2010, p.11). “A pluralidade dos caminhos do pensar vai também
produzir a suposta multiplicidade dos aspectos do real [...].” (SEVERINO, 2010, p.13), propiciando que
se desdobre em ações não fragmentadas. Considero aqui que o múltiplo das situações educacionais com
as quais se depara o professor, um diverso caótico, se situa no plano da aparência. A fazer tem-se, no
processo de aproximação do real representado pelos dados numéricos da educação que expressam a sua
multiplicidade qualitativa dum universo de problemas, a transposição da aparência esta reduzida à
unidade do sistema explicativo, uma síntese através da interdisciplinaridade.
O Decreto Nº 5.800, de 8 de junho de 2006 aborda a territorialidade como foco principal ao
definir a expansão e a interiorização dos cursos para redução das desigualdades de acesso a formação
continuada dos professores. A finalidade de ampliar a formação dos professores no que tange o alcance
na dimensão da territorialidade requer que se pense o universo que se intenciona alcançar tanto de
professores como de estudantes, e estes a se qualificar e quantificar na verdade numérica.
A educação a distância na formação continuada dos professores como estratégia de abrangência
e de alcance territorial e numérico comporia com efetividade o conjunto das ações direcionada aos
problemas educacionais brasileiros? Não tenho a intenção de trabalhar tal problema dado à dimensão
do texto que proponho a escrever nesse momento. Meu objetivo é formular algumas questões
introdutórias dentro da temática da formação continuada a partir da óptica de não ser direcionada
exclusivamente ao professor uma ação que abarque o que pertence a outras disciplinas no que tange a
solução dos problemas educacionais. Defendo aqui que a finalidade de ampliar a formação continuada
dos professores no que tange o alcance dentro da perspectiva da territorialidade requer que se pense
também a partir da perspectiva da interdisciplinaridade.

TERRITORIALIDADE DIRECIONAR A ABRANGÊNCIA

FORMAÇÃO CONTINUADA FORMULAÇÃO PEDAGÓGICA

A DISTÂNCIA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA

Transcrevo a distribuição por região geográfica por região: praticamente metade das IES
(48,9%) está localizada na região Sudeste. Constatamos que a outra metade das IES (51,1%) está
distribuída da seguinte forma: 18,3% no Nordeste, 16,5% no Sul, 9,9% no Centro-Oeste e 6,4% no
Norte.

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Figura 1 – Número de Instituições de Educação Superior, segundo as Regiões Geográficas –


Brasil – 2011

Fonte: MEC/Inep

Os números apontam a urgência da universalização, interiorização e expansão das IES,


principalmente quando se entende que a universidade sintetiza ensino, pesquisa e extensão. Como a
Universidade Aberta do Brasil contempla a dimensão política atribuída à universidade?
Não obstante, há outros dados que sinalizam a sua intersecção com problemas na educação.
Esses não são possíveis de se atingir, resolver com o exclusivo foco na universidade, em termos do
acesso à formação continuada dos professores.
A perspectiva de universalidade da educação demanda a aproximação com um universo diverso e
complexo do qual esta requer a mediação dos componentes da formação socioeconômica e política
brasileira, sem os quais não se consegue uma síntese qualitativa para definição de políticas públicas
educacionais.
As desigualdades educacionais apresentadas pela Unesco (2012) são definidas na comparação das
taxas de escolarização na idade correta para os níveis e etapas corretas a partir dos diferentes segmentos
educacionais recorrendo-se à localização geográfica (grandes regiões e zonas urbanas e rurais); raça/cor
(brancos, pardos, pretos, amarelos e indígenas); sexo e renda familiar per capta.
Segundo o referido texto da Unesco (2012), no Brasil o percentual da população que tem a idade de
até 17 anos é de população de 56,8 milhões de (segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD, de 2009). Na faixa de 6 a 14 anos somam 30,2 milhões e, destes, 730,7 mil (2,4%)
estão fora da escola. Entre 15 e 17 anos, são quase 10,4 milhões de brasileiros, 14,8% destes excluídos
da escola. As crianças de 4 e 5 anos totalizam 5,6 milhões, 25,2% ainda excluídas. Finalmente, na faixa
de até 3 anos, a população é de 10,5 milhões, 81,6% sem acesso educacional. A Emenda Constitucional
Nº 59, de 11 de novembro de 2009, define que a Educação Básica como obrigatória e gratuita a partir

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dos 4 anos de idade fato que amplia o universo das crianças que estão fora da escola nesta faixa de
idade.

Percentual de excluídos do sistema educacional na faixa etária de 6 a 14 anos (2001 e 2009):

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE, processados pela UNESCO.


Excluídos dados da zona rural da região Norte

Percentual de excluídos do sistema educacional na faixa etária de 15 a 17 anos (2001 e 2009):

Fonte: Microdados da PNAD/IBGE, processados pela UNESCO.


Excluídos dados da zona rural da região Norte.

A proposta de formação continuada deixa explícita a exclusividade de atuação dos professores no


campo das ações pedagógicas reforçando um viés de continuidade sem apontar uma perspectiva de
transformação na inclusão de outros profissionais para uma ação pedagógica que incorpore a
perspectiva de interdisciplinaridade. O professor não pode congregar todas as especialidades das
diversas disciplinas e formações profissionais, com a certeza da impossibilidade desse acúmulo e dos
prejuízos aos projetos políticos pedagógicos na opção pela polivalência (OLIVEIRA, 2012, p.17).
Temos que considerar que a formação continuada de professores congrega a ideia de responsabilização
do professor pelo desastre educacional brasileiro.

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Reconhecer no professor uma unidade que estabelece conexões intelectivas, mas que participa,
partilha, propõe produz potencializa-se concomitantemente com todos na perspectiva de
interdisciplinaridade. Sua função pedagógica possibilita a análise e síntese dos problemas pedagógicos e
educacionais, sem, contudo definir uma proposta de exclusividade de atuação. Pensar a biblioteca com
o profissional de Biblioteconomia e o laboratório de informática com o profissional de Computação é
começar a propor uma política educacional que considere a dinâmica societária contemporânea em que
crianças, adolescentes e jovens defendem o seu tempo, a inovação tecnológica concomitantemente ao
saber, ao pensar e ao transformar, pois estes são os protagonistas do futuro.
Há mediações congruentes à educação permeadas pelas tecnologias da informação e comunicação.
Com as múltiplas possibilidades direcionadas à escola, inquestionável local de apropriação do saber que
no reconhecimento dos conteúdos, da aprendizagem venha aproximar a arte e a cultura sem medo de
que algo se perca. Somente se ganha quando se rompe com o tradicional, com o processo pedagógico
que não contempla as exigências contemporâneas apresentadas pelos discentes no contexto
democrático de participação na formulação do projeto político pedagógico.
Recorrendo a tendência progressista afirmo a partir das considerações de Libâneo (2011) que sendo a
escola espaço de sociabilidade e pertencente à sociedade enquanto recorte desse todo social deve viver
intensamente o debate e a cultura da sua sociedade de referência e não se constitui como algo a parte
distanciada da realidade e desconectada da verdade propagada. A referência da escola é espaço-
temporal.
A persistência de continuidade e o desafio da ruptura se movimentam na formação continuada de
professores. Temos a cultura erudita e a cultura popular, temos as forma de expressão contemporânea.
Estamos diante dos livros, das letras, da gramática e simultaneamente das tecnologias de informação e
comunicação. E na sequência altos índices de analfabetismo funcional, paralelamente à apresentação
das múltiplas possibilidades de acesso pela web. E assim, ir do saber ao engajamento político para o
exercício da cidadania e consolidação de uma sociedade verdadeiramente justa e democrática. A
contradição é a submissão de todos à mercadoria porque o instrumento o aparato tecnológico é objeto
de consumo inerente ao contexto da produção e regras do mercado definidas pelo mercado financeiro e
o Estado. É contraditório no que tange à superação das desigualdades sociais e as diferenças de
território.
“Há um confronto do aluno entre sua cultura e a herança cultural da humanidade, entre seu modo de
viver e os modelos sociais desejáveis para um projeto novo de sociedade.” (LIBÂNEO, 2011, p. 46)
Seria exclusivamente o professor o único profissional a transitar nesse universo de responsabilidades?
O mapa a seguir apresenta como estão concentradas as pessoas segundo a migração no Brasil
definindo a diversidade cultural dentro das cinco regiões. O projeto político pedagógico requer que se
incluam todas as diferenças culturais não exclusivamente para difusão de culturas, mas para

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identificação como a vida do outro, para incorporação que não pertence sendo próprio do outro e que
se mistura, dando a possibilidade de ser, cidadão emancipado.
A arte é necessária para que o homem se torne capaz de conhecer e mudar o mundo
[...]. A arte em todas as suas formas [...] comum a todos e elevando todos os homens
acima da natureza, do mundo animal. A arte nunca perdeu inteiramente esse caráter
coletivo, mesmo muito depois da quebra da comunidade primitiva e da sua
substituição por uma sociedade dividida em classes. (FISHER, 1987, p. 20-47).

O mapa a seguir apresenta a origem do imigrante, o que gera a circulação das culturas internamente e
a diversidade cultural. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília agrupam o maior número de
migrantes vindos da Região Nordeste. Os estados do Espírito Santo, Goiás, Tocantins, Mato Grosso,
Rondônia agrupam de 50% a 58,5% da população não natural.

Fonte: Atlas do Censo Demográfico – 2010.

A leitura e a diversidade cultural com a interface das mídias deveriam ser partilhadas pelos
professores das diversas disciplinas (o artista plástico e o músico aqui se incluem) juntamente com os
profissionais da Biblioteconomia, da Computação e da Comunicação, com a disponibilização de salas
de mídia, salas de produção e studio de gravação. Somente assim proporcionaríamos a transformação
da educação eliminando o cuspe e o giz que tanto colabora para desaparecer aqueles que certamente
não se acerta com o tradicional pedagógico.
Apontamentos para conclusão

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Inicialmente expressei-me considerando o processo comunicacional para incorporar o histórico


social da evolução da linguagem, da comunicação, das mídias, da arte e da cultura numa perspectiva de
totalidade.
Pensar 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para educação é propor transformação. É
acreditar que por este caminho se elimina, se aboli crianças, adolescentes e jovens da violência. É
acreditar na possibilidade de um futuro para aqueles pertencentes a todas as classes sociais. É defender
a vida.
Uma política educacional que ressalta o resultado e não o processo do trabalho pedagógico
negligencia o futuro e anula o percentual maior da população se considerar a pirâmide que aponta o
percentual de concluintes a cada fase. A palavra chave é investimento pedagógico. Este não acontece
sem o reconhecimento da importância da educação e dos profissionais que participam do processo.

Referências

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continuada de professores; contribuições para o debate. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2012.
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instituições de ensino participantes do Sistema Universidade Aberta do Brasil, vinculado a CAPES e à Secretaria
de Educação a Distância do Ministério da Educação, nos exercícios de 2008/2009.
SAVIANI, D. Interlocuções pedagógicas; conversa com Paulo Freire e Adriano Nogueira e 30 entrevistas sobre
educação. São Paulo: Autores Associados, 2010.
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de (org.). Serviço Social e interdisciplinaridade; dos fundamentos filosóficos à prática interdisciplinar no ensino,
pesquisa e extensão.8ª ed. São Paulo: Cortez Editora,2012, p.11-21.
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Alcançar os excluídos da educação básica; crianças e jovens fora da escola no Brasil. Série Debates ED, n.3,
abr/2012.

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Aproximações do pensamento de Celso Furtado
com a Teoria da Dependência

Wilson Vieira1

Introdução: Breves Considerações Metodológicas

O
objetivo deste trabalho é analisar, em caráter introdutório, as aproximações do
pensamento de Celso Furtado com a teoria da dependência no decorrer da década de
1970, tendo a hipótese de trabalho de que suas reflexões se aproximam dessa teoria,
principalmente da sua vertente marxista, denotando uma transformação de seu pensamento sobre a
relação entre a construção da nação e o binômio desenvolvimento-subdesenvolvimento.
Portanto, a fim de atingirmos o fim para o qual é proposto este trabalho, é necessária uma breve
exposição da metodologia de análise adotada, a qual se utiliza da sociologia do conhecimento de Karl
Mannheim e da teoria da linguagem política de John Pocock, para que possamos compreender o
contexto e a linguagem utilizados por Furtado e pelos teóricos da dependência, conforme expomos nos
parágrafos seguintes.
A sociologia do conhecimento de Karl Mannheim, exposta primeiramente no livro Ideologia e
Utopia (1972) e posteriormente no livro Sociologia da Cultura (1974), possui as seguintes características:
I) Ela analisa o pensamento, o conhecimento, como uma construção coletiva, ou seja, está
sempre inserido num contexto concreto de uma situação histórico-social. Portanto, nunca parte de um
indivíduo isolado, mas sim de determinados grupos humanos que buscam respostas aos seus problemas
e situações que vivem em comum.
II) Ela integra os modos de pensamento concretamente existentes ao contexto da ação coletiva,
pois é através desta que se descobre inicialmente o mundo num sentido intelectual.

Portanto, a utilização da sociologia do conhecimento de Karl Mannheim pode ser justificada


das seguintes maneiras:
I) É o instrumental de análise adotado por Furtado, fato que nos permite compreender melhor
a elaboração de suas reflexões.
II) Esse instrumental também nos permite compreender o debate sobre a relação nação e o
binômio desenvolvimento-subdesenvolvimento entre Celso Furtado e a teoria da dependência,
observando o contexto no qual ele está inserido: transformações radicais no capitalismo mundial,
ascensão de ditaduras na América Latina, revisão da teoria cepalina do desenvolvimento, e, mais

1Professor da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e Pós-Doutor em Sociologia pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
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especificamente no Brasil, a crise do período 1962-1967, a implantação do Plano de Ação Econômica


Governamental (PAEG) entre 1964 e 1967, o “milagre” econômico brasileiro (1968-1973) e o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND), entre 1974 e 1980.

Como forma de complementar o instrumental da sociologia do conhecimento, utilizamos


também a teoria da linguagem política de John Pocock, exposta no livro Linguagens do Ideário Político
(2003) a qual afirma que determinados pensadores podem inovar na reflexão sobre um determinado
tema ao lançarem uma nova linguagem, um novo vocabulário, um novo léxico, ou, na expressão do
autor, uma nova langue que modificará a parole, ou seja, a própria maneira de se expressar e debater
sobre determinado tema.
Portanto, a adoção da teoria da linguagem política de John Pocock se justifica pelo fato permitir
que observemos a forma pela qual a reflexão sobre o binômio desenvolvimento-subdesenvolvimento
feita por Furtado e pelos teóricos da dependência contribui para trazer uma nova linguagem, uma nova
maneira de refletir sobre esse tema.
A partir das justificativas feitas acima, dividimos nosso trabalho da maneira que segue abaixo.
Apresentamos inicialmente e de maneira breve a conjuntura econômica, social e política entre 1964 e
1980, período de transformações na reflexão de Furtado e de origem e desenvolvimento da teoria da
dependência. A partir daí, apresentamos as reflexões de Celso Furtado e da teoria da dependência,
destacando suas aproximações. Por fim, tecemos considerações finais, expondo os desdobramentos
dessas reflexões.

A conjuntura econômica, social e política entre 1964 e 1980: breves considerações

O período compreendido entre 1964 e 1980 é marcado por grandes transformações no Brasil e
no mundo. Entre 1930 e 1964, observamos o desenvolvimento da Industrialização por Substituição de
Importações (ISI), que pode ser subdividida, segundo Mello (1982), em industrialização restringida
(1930-1956), caracterizada pela predominância do Departamento III da economia (bens de consumo
não duráveis) e em industrialização pesada (1956-1980), caracterizada pela implantação e
desenvolvimento do Departamento II (bens de consumo duráveis) e do Departamento I (bens de
capital).
No Brasil, frente aos reflexos da instabilidade econômica e política devido ao quadro de
estagnação e inflação desde 1962 (como herança negativa do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek,
apesar de ter conseguido implantar o Departamento II) e ao conturbado mandato de João Goulart, o
qual teve um período parlamentarista (como solução à sucessão de Jânio Quadros, que renunciou ao
mandato apenas oito meses após ter assumido em 1961) seguido de um período presidencialista com
radicalizações à esquerda e à direita e tentativa de recuperação da economia através do Plano Trienal,
elaborado por Celso Furtado, mas que mal saiu do papel, observamos a consumação de um golpe civil-

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militar em 1964, ou seja, um golpe de Estado liderado por forças da direita e pelos militares e que
contou com o apoio decisivo dos EUA, dado o contexto de guerra fria com a então URSS. Esse golpe
foi o primeiro de uma série dos que ocorreram na América Latina a partir de então e que instauraram
ditaduras.
No caso brasileiro em particular, a ditadura militar perdura por quase 21 anos (até 1985) e
incialmente, no período 1964-1967 implementa o Plano de Ação Econômica Governamental (PAEG),
que se propôs a combater o quadro de estagnação econômica e inflação (estagflação) através de duas
frentes:
I) Conjuntural: aplicação de medidas de política econômica de caráter ortodoxo (inclusive
arrocho salarial), variando somente na intensidade, ou seja, de tipo stop-and-go, a fim de promover a
retomada do crescimento econômico com o combate à inflação, além da criação da correção monetária.
II) Estrutural: reforma profunda do sistema econômico nacional através das seguintes medidas:
a) reforma do sistema financeiro nacional com a criação do Banco Central do Brasil (BACEN), do
Conselho Monetário Nacional (CMN) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM); b) fim da
estabilidade no emprego do setor privado após dez anos de permanência na mesma empresa e criação
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), do Programa de Integração Social (PIS) e do
Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP); c) criação do Sistema Financeiro
da Habitação (SFH) e do Banco Nacional da Habitação (BNH); d) reforma tributária, criando a
estrutura tributária cuja maior parte ainda vigora.
O resultado de tais medidas é percebido na queda das taxas de inflação e na mudança dos
rumos da política econômica a partir de 1967, quando Delfim Netto assume o Ministério da Fazenda e
defende a retomada de um ritmo mais vigoroso de crescimento econômico através do argumento de
que a manutenção de políticas econômicas de caráter recessivo poderiam fazer a inflação voltar a
crescer, dada a alta capacidade ociosa da economia e os altos custos em mantê-la, ou seja, a inflação que
poderia voltar a crescer seria caracterizada como de custos.
Portanto, tendo em vista tal diagnóstico, inicia-se um período de vigoroso crescimento
econômico que ficou conhecido como “milagre” econômico brasileiro e que durou até 1973 sem ter
completado, contudo, a implantação do Departamento I, além de ter se caracterizado como
concentrador de renda e com arrocho salarial.
Porém, devido ao primeiro choque do petróleo em 1973 e ao esgotamento da capacidade
produtiva, o período do “milagre” chega ao fim e em 1974 o governo Geisel se vê diante de duas
opções: implantar medidas de contenção da atividade econômica ou avançar na ISI, a fim de terminar a
implantação do Departamento I da economia, ou seja, internalizando-o, a fim de superar a dependência
externa dos bens de capital.
O governo Geisel (1974-1979) optou pela segunda alternativa, implantando o II Plano Nacional
de Desenvolvimento (II PND), dentro do projeto “Brasil potência”, cujo objetivo era tornar o país

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uma potência, pelo menos em nível regional, além de tomar parte do movimento dos países não
alinhados, procurando se distanciar um pouco da esfera de influência dos EUA.
Sobre o II PND, mais especificamente, observamos que os investimentos foram
predominantemente das empresas estatais, com pouca ou nenhuma participação das empresas
transnacionais, dada a conjuntura internacional adversa, e pouca participação das empresas privadas
nacionais, que se opuseram a tal plano, por considerá-lo extremamente intervencionista. Além desses
fatos, o financiamento se deu através de endividamento externo.
Contudo, a situação de subdesenvolvimento não seria superada, dado caráter de manutenção da
dependência desse plano, por copiar simplesmente o paradigma tecnológico do centro e também pela
crise econômica que o Brasil passa a sofrer devido ao segundo choque do petróleo em 1979 e à crise da
dívida externa a partir de 1980, dado aumento dos juros internacionais2.

As reflexões de Celso Furtado e da Teoria da Dependência: aproximações

Para podermos compreender as reflexões de Celso Furtado e da teoria da dependência, é


necessário que discorramos brevemente sobre o seu pensamento e sobre o debate da temática
desenvolvimento e subdesenvolvimento no Brasil e no mundo antes de 1964.
Entre 1949 e 1958, período em que Furtado atua na Comissão Econômica para a América
Latina e o Caribe (Cepal), observamos um desdobramento e aprofundamento de suas reflexões,
iniciadas na tese de doutorado A Economia Colonial no Brasil nos Séculos XVI e XVII (1948), observados
no artigo Características Gerais da Economia Brasileira (1950), e nos livros A Economia Brasileira (1954), Uma
Economia Dependente (1956, constituído de alguns capítulos do livro de 1954) e Formação Econômica do
Brasil (1959), considerado por muitos dos seus estudiosos como a sua maior obra. Além do terreno da
história econômica especificamente, Furtado também elaborou vários artigos nos quais defendia a ideia
de planejamento da Cepal, dentro do debate que se travava no Brasil entre os desenvolvimentistas e os
liberais3. Observamos uma reflexão localizada mais no terreno da análise econômica stricto sensu, apesar
da sua interdisciplinaridade, além da crença na industrialização planejada sob a liderança do Estado para
a superação do subdesenvolvimento, tal como Raúl Prebisch, Secretário Executivo da Cepal nesse
período, defende no Manifesto Latino-Americano (1949)4.
Entre 1958 e 1964, observamos a seguinte trajetória de Celso Furtado: em 1958 ele se dedica à
pesquisa e à escrita do livro Formação Econômica do Brasil (1959) na Universidade de Cambridge, e de
1959 a 1964 ele se dedica à Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), com

2 Para mais detalhes sobre as transformações econômicas no Brasil entre 1964 e 1980, ver Giambiagi et al. (2011).
3 Para mais detalhes ver Bielschowsky (2000).
4 Nome pelo qual ficou conhecido o texto El Desarrollo Económico de la América Latina y Algunos de sus Principales

Problemas, parte de Estudio Económico de la América Latina 1948, publicado em 1949.

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uma pequena interrupção para assumir o Ministério do Planejamento entre setembro de 1962 e junho
de 1963 a fim de elaborar o Plano Trienal.
No período da SUDENE, observamos em Furtado uma reflexão de caráter mais
interdisciplinar, nas quais observamos um otimismo com o processo de industrialização no Brasil,
apesar dele observar suas primeiras dificuldades na década de 1960, além de uma elaboração que
podemos dizer ser um pouco diferente daquela de Prebisch sobre a relação desenvolvimento-
subdesenvolvimento. Essas reflexões estão presentes nas obras Desenvolvimento e Subdesenvolvimento
(1961), A Pré-Revolução Brasileira (1962) e Dialética do Desenvolvimento (1964).
Podemos afirmar que as reflexões de Furtado estão inseridas no grande debate sobre nação e
desenvolvimento econômico ocorrido nesse período. Observamos que ele se posiciona de maneira
contrária à teoria do desenvolvimento econômico elaborada no centro5 as quais veem o
subdesenvolvimento como uma etapa anterior ao desenvolvimento, bastando, portanto, para superá-lo,
seguir o caminho feito pelos países desenvolvidos. Na qualidade de membro da Cepal na década de
1950, ele compartilha da posição de Raúl Prebisch, que observa o subdesenvolvimento como o outro
lado do processo de desenvolvimento cuja superação passaria pela industrialização planejada pelo
Estado e não como uma etapa anterior ao desenvolvimento.
Dentro do debate sobre nação mais especificamente, Furtado está inserido, no debate mundial,
naqueles que chamam a atenção para o processo peculiar de construção das nações do Terceiro Mundo,
que, numa análise modernista, procura seguir os valores da nação a partir da Revolução Francesa, mas
através de um caminho próprio, com ampla participação do Estado no planejamento para a
industrialização, num modelo socialdemocrata6. Essa posição vai de encontro àquela que via a
construção da nação no Terceiro Mundo através de um mero transplante do processo vivido no
Primeiro Mundo sem levar em conta as especificidades da periferia7.
No Brasil em especial, Furtado toma parte no rico debate que ocorre sobre nação e
desenvolvimento, se alinhando entre os desenvolvimentistas do setor público nacionalista. Destacamos
os seguintes nomes nesse debate: Caio Prado Júnior, Ignácio Rangel, Partido Comunista Brasileiro
(PCB), Roberto Simonsen, Eugênio Gudin, Octávio Gouvêa de Bulhões, Roberto Campos, Instituto
Superior de Estudos Brasileiros (ISEB)8.
Nesse período, é clara a identificação da construção da nação com o projeto de
desenvolvimento econômico, entendida por Furtado como processo de unificação do espaço
econômico nacional, através da valorização do mercado interno via políticas conduzidas pelo Estado, as

5 Podemos encontrar exemplos em Rostow (1964) e Millikan & Blackmer (1963).


6 Observamos essa posição em Myrdal (1956), Nurkse (1957), Matossian (1958), Geertz (1963) e Bendix (1977).
7 Essa posição pode ser vista em Kohn (1963).
8 Para mais detalhes, ver Mantega (1984) e Bielschowsky (2000).

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quais garantiriam o vínculo de solidariedade entre as regiões brasileiras, num contexto político
semelhante ao da socialdemocracia europeia.
Logo após o golpe militar de 1964, Furtado, cassado de seus direitos políticos pelo Ato
Institucional nº 1, parte para o exílio, primeiramente no Chile, depois para os EUA e finalmente para a
França (em 1965), onde assume cargo de professor na Universidade de Paris (Sorbonne). Nesse
período, observando a situação de estagnação da economia brasileira e o poder hegemônico dos EUA
sobre a América Latina, Furtado elabora um diagnóstico e um prognóstico pessimista caso nada fosse
feito para modificar tal situação, fato que o leva a propor alternativas, como observamos em
Subdesenvolvimento e Estagnação na América Latina (1966), Um Projeto para o Brasil (1968) e Brasil: da República
Oligárquica ao Estado Militar (1968). Nesse período, destacamos as seguintes inovações na sua análise, tais
como: i) o conceito de “efeito de demonstração”, isto é, imitação, pelas classes pobres dos países
periféricos, do padrão de consumo das suas classes médias, e destas, do padrão de consumo das classes
médias dos países centrais; ii) a percepção de que a assimilação da tecnologia moderna continuaria
acarretando efeitos negativos sobre a taxa de criação de novos empregos, além do aumento da
concentração de renda; iii) inclusão da análise sobre a transnacionalização do capital, mostrando a sua
penetração na periferia, acompanhada de desequilíbrios estruturais de difícil correção (maiores
disparidades de níveis de vida entre grupos de população e rápido aumento do desemprego aberto e
disfarçado). Esses novos pontos de análise se constituiriam na base da sua reflexão sobre a
“modernização” a partir da década de 1970.
Na verdade, as reflexões de Furtado após 1964 reforçam o que ele já havia percebido a partir de
1960, ou seja, de que a industrialização não conseguiu equacionar as questões sociais. Tal constatação
leva o referido teórico, juntamente com Prebisch9, a fazer sua autocrítica e propor a inclusão da
necessidade de políticas sociais e de distribuição de renda para sair do subdesenvolvimento e, assim,
construir a nação.
Nesse período também observamos o surgimento da teoria da dependência nas suas duas
vertentes, a saber:
I) Vertente marxista: composta por Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vânia
Bambirra (principais membros) os quais criticam a tese da estagnação defendida por Furtado e veem
uma nova fase do subdesenvolvimento, com industrialização e manutenção da dependência da periferia
frente ao centro. Segundo Santos (2000: 134)10:
Combati em 1964 todas as teses estancacionistas que viam na política de estabilização
monetária de Roberto Campos a destruição da indústria brasileira. Ao contrário,
afirmei que a política de estabilização deveria levar a uma nova fase de crescimento,
baseada contudo num nível mais alto de produtividade, concentração econômica,
monopolização e estatização (...).

9 Para mais detalhes, ver Prebisch (1964).


10 Para mais detalhes, ver Santos (2000).

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II) Vertente do desenvolvimento dependente e associado: composta por Fernando


Henrique Cardoso e Enzo Faletto (principais membros), os quais também questionam as teses
estagnacionistas do período, mas veem como saída para o subdesenvolvimento um desenvolvimento
dependente e associado ao centro.
Furtado, ao observar que a economia brasileira não continuou estagnada, mas voltou a
apresentar crescimento econômico no período 1968-1973, denominado de “milagre” econômico
brasileiro (como observamos acima), reavalia suas reflexões anteriores e inova na sua teoria ao elaborar
o termo “modernização”, mantido entre aspas porque não se trata de uma modernização que leve a ao
desenvolvimento econômico, mas sim que traz crescimento econômico e não supera a situação de
subdesenvolvimento.
O termo “modernização” aparece pela primeira vez no livro Análise do “Modelo” Brasileiro
(1972)11. A palavra modelo aparece entre aspas para denotar que não se trata de um modelo de
desenvolvimento econômico, como se apregoava na época tanto no Brasil quanto no exterior, mas sim
um caso de crescimento econômico conjugado com forte concentração de renda, fruto de reformas
econômicas feitas pelo PAEG. Segundo Furtado, esse período demonstra que somente a
industrialização não traz automaticamente o desenvolvimento socioeconômico, aproximando-se da
reflexão da vertente marxista da teoria da dependência e indo contra a reflexão da vertente de Cardoso
e Faletto.
Para fundamentar sua análise sobre a “modernização”, Furtado inicialmente chama a atenção
sobre a história do subdesenvolvimento, fortemente ligada à da Revolução industrial, percebida nas
formas que ela assumiu: i) transformação de técnicas produtivas, inicialmente nas manufaturas e nos
meios de transporte; ii) modificação nos padrões de consumo. Essas transformações ocorridas em
conjunto caracterizam os países desenvolvidos. Naqueles países em que as transformações ocorreram
somente nos padrões de consumo (mesmo que de uma minoria da população), observamos o
fenômeno do subdesenvolvimento.
Portanto, na visão de Furtado (1982: 13 e 15), enquanto nos países desenvolvidos o fluxo de
novos produtos e o complexo de inovações tecnológicas que o acompanham são essenciais para o
funcionamento da economia capitalista, se observamos tal fato no âmbito mundial, percebemos que
tais fatores preservam as relações de dominação e de dependência, explicitando o subdesenvolvimento.
A partir da definição e da análise da “modernização” nos países subdesenvolvidos, Furtado
mostra como se dá esse processo no caso específico brasileiro do “milagre” econômico, baseado em
forte concentração da renda mediante compressão salarial, contudo, sem ser estática, mas sim dinâmica,
ou seja, porque também contou com a ampliação do grupo social consumidor do mercado de bens de

11 A primeira edição é de 1972. Utilizamos a de 1982.

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consumo duráveis (além da minoria proprietária de bens de capital, com inclusão da classe média)
através do financiamento do consumo em suas várias formas (subsídios ao consumo e transferências de
títulos de propriedade e de crédito). Tais medidas foram tomadas para evitar dificuldades da retomada
do processo de industrialização (depressão predominante em importantes segmentos da atividade
econômica) que certamente ocorreriam se a concentração de renda continuasse a ser estática.
No livro O Mito do Desenvolvimento Econômico (1974), Furtado busca aprofundar o significado da
“modernização” para os países subdesenvolvidos. Podemos observar isso em alguns pontos listados
abaixo.
I) A “modernização” está inserida no processo de industrialização da periferia, a qual não se
orienta para formar um sistema econômico nacional, mas sim para completar o sistema econômico
internacional.
II) A industrialização periférica conta, de maneira cada vez mais forte, com a presença das
grandes empresas transnacionais.
III) A partir das modificações estruturais ocorridas no centro (transnacionalização das grandes
empresas e financeirização crescente do capital), principalmente a partir da segunda metade da década
de 1960, observamos as seguintes consequências: a) processo de unificação dos países centrais, o qual
levou a uma intensificação do seu crescimento; b) ampliação considerável do fosso entre o centro e a
periferia; c) as relações comerciais entre países centrais e periféricos (mais ainda do que entre os países
do centro) se transformaram progressivamente em operações internas das grandes empresas.
IV) A modernização é uma manifestação de um mimetismo cultural da periferia.
V) A partir dos pontos listados acima, Furtado (1974: 81-82), então, define a “modernização”
da seguinte maneira:
Chamaremos de modernização a esse processo de adoção de padrões de consumo
sofisticados (privados e públicos) sem o correspondente processo de acumulação de
capital e progresso nos métodos produtivos. Quanto mais amplo o campo do
processo de modernização (e isso inclui não somente as formas de consumo civis, mas
também as militares) mais intensa tende a ser a pressão no sentido de ampliar o
excedente, o que pode ser alcançado mediante expansão das exportações, ou por meio
de aumento da “taxa de exploração”, vale dizer, da proporção do excedente no
produto líquido. (...). Daí que apareçam crescentes pressões, ao nível da balança de
pagamentos, quando o país atinge o ponto de rendimento decrescente na agricultura
tradicional de exportação e/ou enfrenta deterioração nos termos de intercâmbio. (...).
A importância do processo de modernização, na modelação das economias
subdesenvolvidas, só vem à luz plenamente em fase mais avançada quando os
respectivos países embarcam no processo de industrialização; mais precisamente,
quando se empenham em produzir para o mercado interno aquilo que vinham
importando. (...). Ao impor a adoção de métodos produtivos com alta densidade
de capital, a referida orientação cria as condições para que os salários reais se
mantenham próximos ao nível de subsistência, ou seja, para que a taxa de
exploração aumente com a produtividade do trabalho.

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No trecho em negrito da citação acima, observamos uma primeira aproximação do pensamento


de Celso Furtado com a teoria da dependência, em especial com a teoria da superexploração da força
de trabalho na periferia, de Ruy Mauro Marini12.
Em Prefácio a Nova Economia Política (1976), observamos a retomada de pontos analisados nas
obras que expomos acima, além do acréscimo dos seguintes:
I) A ideologia do progresso é um forte impulsionador da industrialização periférica.
II) Consequências da penetração do modo capitalista de produção no quadro da dependência
externa: tensões na estrutura de dominação interna (fenômeno da insegurança social) e revoluções
sociais (que podem ocorrer ocasionalmente).
III) Ocorre um duplo processo de concentração de renda: em benefício dos países centrais e,
dentro de cada país periférico, em benefício da minoria que reproduz o estilo de vida do centro,
assemelhando-se aqui também com a análise de Marini sobre a superexploração dos trabalhadores da
periferia (e de maneira mais patente).
IV) Furtado chama a atenção para pontos importantes a serem estudados, a fim de
compreendermos melhor esse processo de “modernização”: a) os grupos que controlam as principais
atividades econômicas nos países latino-americanos; b) as relações dos Estados nacionais com as
empresas transnacionais.
No livro Criatividade e Dependência na Civilização Industrial (1978), que pode ser considerado seu
livro mais interdisciplinar, destacamos os seguintes pontos de análise sobre a “modernização” e
dependência:
I) As estruturas sociais internas na periferia são importantes para a compreensão da
industrialização dependente.
II) A “modernização” também significou ocidentalização, isto é, destruição de valores culturais em
vários países da periferia sem haver uma substituição adequada.
III) Apesar do quadro negativo na periferia, Furtado (1978: 114-116) vê possibilidades de
superação:
A luta contra a dependência passa, portanto, por um esforço para modificar a
conformação global do sistema. Que se esteja atualmente discutindo essa questão –
mais precisamente: que a conformação global do sistema haja sido questionada – é
clara indicação de que a relação de forças se está modificando a favor dos países
dependentes.

Portanto, a partir do que analisamos acima, percebemos que as aproximações do pensamento


de Celso Furtado com a teoria da dependência, em especial na sua vertente marxista, demonstra a
construção coletiva do conhecimento a partir do debate e da própria evolução dos acontecimentos, tal
como a sociologia do conhecimento de Mannheim chama a atenção, provocando, nesse processo a

12 Para mais detalhes, ver Marini (2000) e Bichir (2012).

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criação de uma nova langue na parole, ou seja, nas expressões de Pocock, inovação no debate sobre o
binômio desenvolvimento-subdesenvolvimento através das elaborações teóricas da Cepal, de Furtado e
da teoria da dependência, tal como podemos observar em expressões como deterioração dos termos de troca,
centro, periferia, dependência, dentre outras.

Considerações finais: desdobramentos das reflexões

Furtado, com sua análise sobre a “modernização”, nos mostra que os desafios para a construção
da nação são cada vez mais complexos, fato que o leva a trabalhar numa perspectiva cada vez mais
interdisciplinar e com ênfase nas variáveis externas, dada a força que possuem na conformação das
decisões que são tomadas no plano interno. Por isso que as saídas para a situação do
subdesenvolvimento passam pelo repensar o desenvolvimento na periferia numa perspectiva de busca
de soluções e ações de caráter conjunto entre esses países.
A partir das suas elaborações teóricas na década de 1970, Furtado continuaria refletindo em
obras posteriores as alternativas para o Brasil diante dos desafios que iam surgindo para a nação
brasileira: a crise econômica da década de 1980, como observamos em O Brasil Pós-“Milagre” (1981) e os
riscos da adesão ao neoliberalismo, como observamos em Brasil: A Construção Interrompida (1992).
A teoria da dependência desdobra-se nos seguintes caminhos: a vertente marxista da teoria da
dependência acopla-se à teoria do sistema mundo e a vertente do desenvolvimento dependente e
associado defende a globalização como uma atualização para o desenvolvimento da América Latina.

Referências

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RESUMOS
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 827

Resumo

Harmonização da legislação tributária do Mercosul:


trata-se de projeto viável?

Graziela Tavares de Souza Reis

O
presente artigo pretende analisar como o princípio constitucional da cooperação
internacional aplicado em matéria tributária pode repercutir em progresso econômico para
os países do Mercosul. Nessa intenção, pretende demonstrar que a inserção dos países-
membros do Mercosul em medidas de cooperação internacional tributária pode ser meio eficaz de
aproximação comercial. Parte da compreensão dos sistemas tributários dos países-membros do
Mercosul e averigua uma possível harmonização tributária, sugerida desde o tratado de Assunção.
Pondera, ainda, sobre tal dificuldade, ao se considerar as diversidades dos sistemas tributários
mercosulinos. Esse estudo pretende investigar a estreita relação entre o Direito e a Economia, tomando
por base o Direito Internacional como instrumento de modificação e integração social, econômica e
política.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 828

Resumo

Universalismo, relativismo e direitos humanos:


uma revisita contingente

Jayme Benvenuto Lima Junior

O
artigo revisita o debate em torno do relativismo e do universalismo cultural, por meio do
recurso a autores de referência e procurando atualizá-lo, tendo como foco as discussões
relacionadas a gênero, atualmente existentes no Brasil. Concentra-se na posição
contingente exposta por Richard Rorty, com o que o autor assume uma posição de equidistância em
relação aos universalismos e aos relativismos tradicionais.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 829

Resumo

Solução de Controvérsias no Mercosul: uma


análise sobre o Tribunal Arbitral

Verônica Chaves Salustiano

O
presente artigo pretende analisar os meios disponíveis de solução de controvérsias no
Mercosul. Com tal propósito, buscará detalhar as previsões do protocolo de arbitragem,
bem como, dar destaque às decisões contemporâneas. Pretende-se compreender se a
colisão do bloco, incluindo a aproximação comercial entre todos, depende também da credibilidade e
confiança atribuída aos seus meios de solução de controvérsias. Definirá todo o sistema de solução de
controvérsias no âmbito do Mercosul, partindo da análise do Protocolo de Brasília até a análise do
Protocolo de Olivos. Delineará a organização do Tribunal Arbitral ad hoc do Mercosul, no marco do
Protocolo de Brasília. Apresentar-se-á uma síntese do direito aplicado pelo Tribunal Arbitral, fazendo
menções às controvérsias tramitadas no marco do Protocolo de Olivos. Ao final, em considerações
finais, tecer-se-ão conclusões acerca de sua efetividade.

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X

Políticas Sociais para a


Integração Regional
ARTIGOS
Análise comparativa dos indicadores socioeconômicos
do Brasil, Peru, Colômbia e Venezuela versus os da
África do Sul, Angola, Moçambique e Nigéria

Aline Nazário de Almeida1


Pedro Ricelly Gama de Oliveira2
Yolanda Vieira de Abreu3

Introdução

E
sse estudo visa comparar dados socioeconômicos de alguns países da América do Sul com
outros da África. Foram escolhidos os seguintes: Brasil, Peru, Colômbia, Venezuela, África
Do Sul, Angola, Moçambique e Nigéria. Esses países são tidos como subdesenvolvidos ou
em desenvolvimento e foram escolhidos por apresentarem características históricas semelhantes, por
terem sido colônias de exploração de recursos naturais e outros pelos europeus e outras nações.
O conceito de subdesenvolvimento pode ser depreendido por meio de seu oposto, o do
desenvolvimento. Para Bresser-Pereira (2006) o desenvolvimento econômico é um fenômeno histórico
que é caracterizado pelo aumento sustentado da produtividade ou da renda per capita, acompanhado de
acumulação de capital bem como de incorporação de progresso técnico. Já Oliveira (2002) assevera que
o desenvolvimento deve ser encarado como um processo complexo que é, com mudanças e
transformações intervenientes, seja na ordem econômica, política e, nas palavras do autor,
principalmente humana e social. O autor acrescenta que desenvolvimento é o crescimento convertido
para satisfazer as necessidades humanas, tais como: saúde, educação, transporte, habitação, alimentação,
lazer, entre outras. Desse modo, os países que não observam esses processos podem ser considerados
como subdesenvolvidos.
Todos esses países, também, são considerados periféricos. A ideia de periferia surge com o
estudo do sistema Centro-Periferia desenvolvida pelo economista argentino Raúl Prebisch Couto
(2007). Para este, o Centro pode ser entendido, de maneira geral, como os países desenvolvidos que
produzem bens manufaturados, e por periferia entende-se os países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos, produtores de bens primários. Ainda de acordo com o autor, o Centro e a Periferia,
resultam do processo histórico da propagação do progresso técnico em escala mundial.
Segundo Bari (2006), o modo de produção colonial tem como consequências o
empobrecimento, o subdesenvolvimento e a imposição cultural. Contudo, nos últimos anos muitos das
ex-colônias portuguesas, francesas e inglesas, após se tornarem países independentes conseguiram

1 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Tocantins - UFT


2 Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Tocantins – UFT e egresso do PET Economia UFT
3 Economista. Profa Da do Curso de Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Tocantins - UFT
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 833

formar sociedades e construir nações que têm apresentado avanços significativos em seus indicadores
socioeconômicos. Tais países foram elevados à categoria de países em desenvolvimento, como é o caso
de Brasil e África do Sul.
No intuito de sintetizar esses avanços a fim de compará-los entre as duas regiões é que se faz
necessário esse estudo. Foram selecionados oito países, quatro sul-americanos e os demais africanos,
conforme citado anteriormente.
A metodologia utilizada foi a exploratória, descritiva e bibliográfica. Os dados foram coletados
das seguintes instituições e organizações: Banco Mundial, IBGE, PNUD e outros. O período analisado
foi entre os anos de 2000 a 2010, sendo que para alguns países foi flexibilizado por dificuldades de
dados.
Os indicadores socioeconômicos escolhidos para analisar e comparar o desenvolvimento entre
os países selecionados foram os seguintes: PIB per capita, IDH, população, educação, saneamento
básico, expectativa de vida ao nascer, mortalidade infantil e consumo de energia elétrica.

Comparação dos indicadores socioeconômicos

Segundo Goldemberg (1998, p. 7) “Energia é um ingrediente essencial para o desenvolvimento,


que é uma das aspirações fundamentais da população dos países da América Latina, Ásia e África.” Para
este o consumo de energia per capita é um indicador relevante dos problemas que afligem esses países,
por esse motivo a análise inicia-se por esse aspecto. O Gráfico 1 apresenta o consumo de energia
elétrica per capita para os países analisados.
A partir do gráfico 1, nota-se que a África do Sul é o país que apresenta o maior consumo de
energia elétrica por (kWh) desde inicio do período analisado até 2010, ficando muito além dos demais
países africanos e até mesmo do Brasil, mesmo com toda sua fonte energética. A África do Sul é
caracterizada como um líder na extração de diamante além de se destacar também na produção do
petróleo, processos produtivos energo-intensivos.

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Gráfico 1 – Consumo de Energia Elétrica (kWh per capita) de países selecionados de 2000 a 2010.
6000

5000

4000

3000

2000

1000

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Angola Brasil Colômbia Moçambique
Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

Crescimento populacional ou crescimento demográfico é a mudança positiva no número de


habitantes de uma população, dividido por uma unidade de tempo. O Gráfico 2 mostra o crescimento
populacional dos países selecionados. O que se percebe é que em todos os países analisados o aumento
populacional vem se dando a taxas cada vez menores. Angola é o país com maior índice do indicador
no período analisado. A África do Sul foi o país africano que apresentou maior redução do crescimento
demográfico, passando de 2,5% em 2000 para menos de 1,5% em 2010.
A partir do Gráfico 2 observa-se, também, que os países sul-americanos aproximam-se do valor
observado mundialmente que é de 1,2% (BANCO MUNDIAL, 2012) enquanto que os africanos, com
exceção da África do Sul, ainda possuem indicadores dessa categoria em patamares mais elevados.

Gráfico 2 – Crescimento populacional (% anual) de países selecionados de 2000 a 2010


4

3,5

2,5

1,5

0,5
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Angola Brasil Colômbia Moçambique
Nigéria Peru África do Sul Venezuela

Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

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A taxa de alfabetização mede a proporção de pessoas alfabetizadas com mais 15 anos em um


país. É importante ressaltar que nem todos os países selecionados possuem dados para todos os anos
do período analisado, como é o caso de Moçambique e Nigéria, que possuem informação de somente
dois anos, 2003 e 2010. Um fato a se considerar é que não houve crescimento significativo da
alfabetização no período, o que se deve, possivelmente, ao caráter de longo prazo das políticas
relacionadas à educação.
O Gráfico 3 mostra essa taxa para os países avaliados neste estudo. Observa-se que os países
sul-americanos encontram-se no mesmo patamar, isto é, em média 90% da população maior de 15 anos
são alfabetizados. Angola e África do Sul são os países do continente africano que possuem os
melhores resultados nesse indicador. Moçambique e Nigéria mostram-se semelhantes, com níveis de
alfabetização mais baixos de os demais países.

Gráfico 3 – Taxa de alfabetização de maiores de 15 anos (% do total) de países selecionados de 2000 a 2010

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Angola Brasil Colômbia Moçambique Nigéria Peru Venezuela África do Sul


Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

Mesmo na África havendo uma redução no número de analfabetos, esse indicador ainda é
preocupante. Em Moçambique, por exemplo, apenas 56% dos indivíduos maiores de 15 anos no ano
de 2010 sabiam ler e escrever.
A taxa de mortalidade infantil, indicador utilizado para medir as condições da saúde infantil ao
fazer uma relação entre a quantidade de crianças nascidas vivas com os óbitos até 1 ano de idade, é
apresentada por meio do Gráfico 4. Ao analisar este gráfico, percebe-se que os países sul-americanos
agrupam-se por possuírem resultados bastante próximos entre si e melhores que os africanos, bastante

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elevados. O país africano com melhor taxa, a África do Sul, apresenta um desempenho quase três vezes
pior do que os da América do Sul em média.
Altos índices desse indicador geralmente estão relacionados às condições de saúde, saneamento
(analisado mais adiante) e moradia e das populações onde as crianças nascem.

Gráfico 4 – Taxa de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos) de países selecionados de 2000 a 2010

140
120
100
80
60
40
20
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Angola Brasil Colômbia Moçambique
Nigéria Peru África do Sul Venezuela

Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

Destaque para o Peru nessa análise, pois o país apresentou uma redução bastante significativa
em sua taxa de mortalidade infantil, passando de 30,4 para 13,7 em uma década.
Outra variável a ser analisada nessa perspectiva é a expectativa de vida ao nascer, uma vez que a
mortalidade infantil é um dos fatores que a afetam. O Gráfico 5 resume a evolução desse indicador para
os países avaliados e apresenta um resultado interessante: percebe-se que os países africanos e sul-
americanos agrupam-se por continente. O que podemos notar é que os países que compõem cada
grupo apresentam resultados semelhantes, isto é, exibem uma evolução no mesmo nível de
crescimento.
Observa-se que a expectativa de vida está em ascensão em todos os países, e as causas podem
ser relacionadas aos avanços na medicina, melhorias no saneamento, maior preocupação com a saúde,
entre outros fatores.
É interessante notar que a separação clara entre os países nesse quesito reflete a diferença no
grau de desenvolvimento dos países, uma vez que a expectativa de vida é considerada no cálculo de
medidas como o IDH.

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Gráfico 5 – Expectativa de vida ao nascer (anos) de países selecionados de 2000 a 2010

75

70

65

60

55

50

45

40
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
Angola Brasil Colômbia Moçambique
Nigéria Peru África do Sul Venezuela

Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

A África enfrenta sérios problemas que fazem com que esse indicador não seja positivo, entre
os quais se destaca a AIDS. De acordo com os dados do Banco Mundial (2013) a prevalência do HIV
na população mundial entre 15 e 49 anos é de 0,8%, enquanto que em países como África do Sul e
Moçambique, esse valor é de 17,3% e 11,3% respectivamente.
Ainda em relação às condições de saúde, é pertinente analisar o saneamento básico, pois o
acesso ao mesmo promove melhora nas condições de vida. O Gráfico 6 mostra o percentual de acesso
da população ao saneamento básico e assim como nos Gráficos 4 e 5, os indicadores dos países sul-
americanos superam aqueles dos países africanos, com exceção da África do Sul, com performance
superior aos demais países do seu continente.
A Venezuela destaca-se nesse segmento por ser o país que possui o maior numero de habitantes
com acesso ao saneamento básico proporcionalmente, com um índice acima de 90%. Já Moçambique
situa-se abaixo de 20% em se tratando de cobertura de sua população com saneamento básico.

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Gráfico 6 – Saneamento básico (% da população com acesso) de países selecionados de 2000 a 2010

100

90

80

70

60

50

40

30

20

10

0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Angola Brasil Colômbia Moçambique


Nigéria Peru África do Sul Venezuela

Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

O Gráfico 7 mostra a evolução do PIB per capita, que revela o desempenho econômico dos
países no período estudado. É, de acordo com IPEA (2013), o produto ou renda média das pessoas
residentes no país e o termo per capita advém da divisão pelo tamanho da população.
Assim como nas análises anteriores, os países do continente africano apresentam resultados
aquém daqueles obtidos pelos sul-americanos. Destaque para Venezuela, África do Sul e Brasil, que
apresentam riqueza média acima de cinco mil dólares. Há que se considerar, entretanto, o nível de
desigualdade observado nos países em questão. O índice de Gini4, medida de concentração de renda,
revela que há má distribuição de riqueza nesses países, um exemplo é a África do Sul que possui PIB per
capita elevado, porém com índice de Gini de 63,1 em 2009 (BANCO MUNDIAL, 2013).
Todos os países apresentam, no período estudado, crescimento da renda per capita. A Venezuela
apresenta uma redução significativa entre 2001 e 2003, em seguida observa-se que a economia voltou a
crescer, para sofrer nova queda no ano de 2008 e crescer novamente. Apesar dessas oscilações, que não
ocorreram nos demais países com tanta intensidade, o resultado líquido do período é de crescimento. A
Venezuela destaca-se, ainda, como um dos principais países que produzem petróleo na América Latina,
sobressaindo-se assim dos demais países analisados.

4 Mede o grau de concentração de renda em determinado grupo. Aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres
e dos mais ricos. Varia de 0 a 1, quanto mais próximo de 0, menor a concentração de renda (IPEA, 2013).

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Gráfico 7 – PIB per capita (US$ constantes de 2005) de países selecionados de 2000 a 2010
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Angola Brasil Colômbia Moçambique


Nigéria Peru África do Sul Venezuela
Elaboração própria a partir dos dados do Banco Mundial

A África do Sul possui grandes reservas de carvão, petróleo e ouro, além de ser um líder na
extração de diamante, o que lhe confere resultados do PIB per capita além dos do Brasil, que figura
entre as maiores economias do mundo.
É importante ressaltar que a Colômbia apresenta-se com bons resultados do PIB per capita
mesmo atravessando sérios problemas com violência e guerrilhas.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso em longo
prazo sob a ótica de três dimensões básicas do desenvolvimento humano: saúde, educação e renda.
Surge como contraponto ao PIB, e pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento
humano. O índice varia de 0 a 1, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento. (PNUD, 2013).

Gráfico 8 – IDH de países selecionados de 2000 a 2010

,8,0000

,7,0000

,6,0000

,5,0000

,4,0000

,3,0000

,2,0000
2000 2005 2009 2010
Angola Colômbia Brasil Peru
Nigéria Moçambique África do Sul Venezuela

Elaboração própria a partir dos dados do PNUD

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O Gráfico 8 apresenta os resultados do IDH para o grupo de países verificados neste estudo.
Por meio do gráfico percebe-se que os países sul-americanos apresentam níveis de desenvolvimento
bastante superiores aos observados nos africanos. Esse resultado já é esperado em virtude do
desempenho constatado por meio dos indicadores apresentados.
A evolução do indicador no período apresenta um padrão bastante similar para os países do Sul
da América, já em relação ao continente africano, os países demonstram evoluções do IDH de formas
diversas. Há que destacar elevação do índice de Moçambique e Angola em contraste à constância de
Nigéria e África do Sul.
O resultado mais interessante que se depreende da análise do Gráfico 8 provém da comparação
com o Gráfico 7. Enquanto que o primeiro evidencia o nível de desenvolvimento dos países, o segundo
mostra o crescimento econômico. O caso da África do Sul merece ênfase ao passo que figura em
segundo lugar em PIB per capita e em quinto no IDH.
Por meio dessa comparação, infere-se que o crescimento econômico é uma característica
necessária ao desenvolvimento, uma vez que faz parte do cálculo do IDH, porém não é suficiente.

Conclusão

Este estudo teve como objetivo comparar os dados socioeconômicos de alguns países da
América Latina com alguns da África. Os países escolhidos da América Latina foram: Brasil, Peru,
Colômbia e Venezuela. Do continente africano foram: África do Sul, Angola, Moçambique e Nigéria.
A fim de se alcançar o objetivo proposto realizou-se uma pesquisa exploratória, descritiva e
bibliográfica, adotando indicadores socioeconômicos para comparar a trajetória de desenvolvimento
dos países na última década.
A análise dos indicadores demonstrou que, em média, os países sul-americanos analisados
possuem melhores resultados socioeconômicos que os países africanos selecionados, como por
exemplo, os índices IDH, de saneamento básico e de mortalidade infantil. Verificou-se, também, que
alguns países do continente africano, mesmo enfrentando, por anos, guerras internas e outros conflitos,
têm dados socioeconômicos semelhantes ou melhores do que alguns países latino-americanos
selecionados, nesse caso pode-se citar o desempenho da África do Sul no consumo de energia elétrica e
no PIB per capita.
Comparando indicadores do Brasil e África do Sul, que fazem parte do BRICS (junto com a
Índia, Rússia e China) o Brasil sobressai nos resultados dos indicadores do IDH, saneamento básico e o
índice de analfabetismo já a África do Sul, já citado anteriormente, se destaca com um maior consumo
de energia elétrica e PIB per capita.
Há que enfatizar, ainda, o contraste entre os grandes produtores de petróleo das regiões
analisadas, Nigéria e Venezuela, que se mostraram bastante díspares quantos aos índices de
desenvolvimento. Nesse sentido, destaca-se o saneamento básico, PIB per capita, IDH e alfabetização
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em que a Venezuela apresentou os melhores resultados enquanto que Nigéria mostra-se quase sempre
na última posição entre os países verificados neste estudo.
Durante o estudo pode-se perceber, sobretudo, a melhora contínua dos dados socioeconômicos
(educação, PIB per capita, saneamento básico, acesso a energia elétrica, expectativa de vida ao nascer,
mortalidade infantil e outros) dos dois continentes nos últimos dez anos.

Referências

BARI, Mamadu Lamarana. Reflexões acerca do desenvolvimento na África: ideias e debates. Salvador, 2006. Disponível
em < http://www.didinho.org/AFRICAEDESENVOLVIMENTO.htm> Acesso em 09/02/2013.
COUTO, Joaquim Miguel. O pensamento desenvolvimentista de Raúl Prebisch. In: Economia e Sociedade, Campinas, v.
16, n. 1 (29), p. 45-64, abr. 2007.
DAVIS JR, R. Hunt. Encyclopedia of African History and Culture. Vol IV - The Colonial Era (1850 to 1960). Nova
Iorque, Facts On File, Inc 2005.
GOLDEMBERG, José. Energia e desenvolvimento. Estud. av., São Paulo, v. 12, n. 33, Ago. 1998.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em http://www.ibge.gov.br/. Acesso em
09/09/2013.
IPEA, Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. G1: Apesar de melhora, educação ainda trava avanços
sociais no Brasil. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com
_content&view=article&id=19178&catid=159&Itemid=75, Acesso em 20/09/2013.
OLIVEIRA, Gilson Batista de. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento. Rev. FAE, Curitiba, v.5, n.2, p.37-48,
maio/ago. 2002.
PNUD, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Human Development Report 2011 - Sustainability and
Equity: A Better Future for All. Disponível em http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/IDH
_global_2011.aspx?indiceAccordion=1&li=li_Ranking2011 Acesso em 02/09/2013.
WORLD BANK. Disponível em http://data.worldbank.org/. Washington, DC, 2013. Acesso em 20/08/2013.

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Impactos da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER)
para o desenvolvimento rural no município de
Serrinha/Bahia

Ana Carla Evangelista dos Santos1

Tema, objetivo e descrição do objeto e unidade de pesquisa.

O
presente artigo apresentará o resultado da pesquisa acerca dos impactos da Política
Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para o desenvolvimento do município de
Serrinha/BA. Durante o processo, além de pesquisa bibliográfica e análise de dados
secundários, foi realizada uma pesquisa de campo a fim de conhecer as contribuições e os desafios da
ATER nos indicadores de desenvolvimento rural, tais como renda agrícola, diminuição do êxodo rural,
ocupação nas atividades rurais, acesso a outras políticas, programas e serviços públicos, entre outros,
pelos agricultores familiares de Serrinha/BA.
A Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) é um serviço direcionado aos agricultores
familiares, de caráter gratuito, através de educação continuada e não formal, que promove processos de
gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e serviços agropecuários e não
agropecuários, inclusive atividades agroextrativistas, florestais e artesanais2. No entanto, até 1973, tal
serviço era prestado por associações a uma pequena parcela de agricultores com foco a concessão de
crédito.
Foi a partir do governo do presidente Geisel que esse serviço foi ampliado, ocasionando a
estatização de parcela considerável das atividades realizadas. É importante ressaltar que esse
crescimento foi favorecido pela conjuntura da época, na qual o Estado se constituiu como o grande
empreendedor e financiador dos avanços capitalistas, não apenas na indústria, especialmente de base,
mas também no campo.
A crescente percepção da falência ou ausência de um Estado como solucionador dos problemas
da sociedade, que via o campo apenas como espaço físico, deu lugar a diversas iniciativas locais para a
superação daqueles antigos problemas, fazendo surgir atores que passaram a reconhecer o campo como
o ambiente de relações diversas e complexas, que incluem espaços físicos e simbólicos para o exercício
de poder por meio das interações sociais estabelecidas, em que os mesmos passaram a exigir uma nova
postura e ação dos agentes políticos (ABRAMOVAY, 2007).

1Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - Estudante do Mestrado em Ciências Sociais: Cultura, Desigualdades e
Desenvolvimento. – Bolsista Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia(FAPESB).
1 Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER). –

Lei 12.188/2010.
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É com a justificativa de promover um novo modelo de desenvolvimento do meio rural, baseado


na sustentabilidade e participação social, que a ATER vem passando por diversas transformações em
sua estrutura ao longo de quase sete décadas, e todas essas mudanças carecem de um estudo
aprofundado para se averiguar a consonância dos seus objetivos com as demandas por
desenvolvimento rural.
Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de maior amplitude e ainda em andamento. Por
meio dele, espera-se aqui apresentar alguns dados que permitam inferir sobre a problemática da
contribuição da ATER para o desenvolvimento rural, tomando como lócus de pesquisa o município de
Serrinha/BA. Uma breve caracterização da unidade de pesquisa nos revela as desigualdades sociais e
econômicas em que foram submetidas a região onde o município está situado, as quais refletem
negativamente sobretudo no desenvolvimento do espaço rural.
O município está localizado no Território do Sisal, considerado uma das regiões do Brasil
economicamente mais pobre. Pertencente ao bioma caatinga, nele estão 20 municípios, sendo que
destes, 14 estão classificados entre os 20% mais pobres do país e 5 aparecem entre os 10% com os
piores índices de condição de vida humana, (PNUD, 1997).
No Território do Sisal, 57,21% da população (333.149 habitantes) reside em áreas rurais. A
agricultura familiar predomina em 84% das propriedades e equivale a 68% da população
economicamente ativa local, caracterizando um território tipicamente rural; 9,7% dos agricultores
familiares da Bahia estão neste território e, entre estes, 57,5% são classificados como quase sem renda.
Entre os mais de 160 territórios identificados pela Secretaria do Desenvolvimento Territorial do
Ministério do Desenvolvimento Agrário, é o território com maior concentração de Agricultores
Familiares e onde se emprega mais pessoas por hectare, correspondendo ao dobro das médias estadual
e nacional. (IBGE, 2006).
Além desses problemas, a região é fortemente afetada pela escassez de água e sua concentração
a mão de poucos. Diversas pesquisas sobre o semiárido brasileiro apontam que a escassez de água não
está relacionada apenas às questões climáticas, mas significativamente atrelada à concentração das
fontes e reservas pelo grande agronegócio e/ou pelo poder estatal, decorrente de uma política
concentradora da água, através da qual uns poucos e privilegiados detêm a posse e uso de quase toda a
água do Semiárido, enquanto outros passam por extrema insuficiência, (PNUD, 2007).
Apesar dessas relações marcadas pela superexploração socioeconômica, cultural e ambiental que
desenvolveram os pilares para a concentração fundiária e a desigualdade social tão evidentes no meio
rural baiano, a região apresenta múltiplas alternativas para superação dessas mazelas, entre as quais as
ações da ATER se apresentam como estratégias efetivas.
As observações da densidade demográfica e da população dos municípios da região sisaleira
revelam a permanência das características rurais. Segundo o Censo Demográfico IBGE (2010), o
município com maior população é o de Serrinha, com 76.762 habitantes e também com maior

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densidade demográfica (116,5 hab/km2). Possui uma área territorial total de 624,228 km², com
distribuição da população rural e urbana não muito desigual (47.188 população urbana e 29.574 rural).
Dentre os habitantes da área rural, 3.803 são agricultores familiares, o que apresentou uma redução
34,6% numa comparação entre os censos agropecuário 1996 e 2006.
Conforme já foi apontado, o município de Serrinha está localizado na região nordeste da Bahia,
pertencente a zona semiárida, apresenta um clima subúmido a seco, vegetação caatinga, sua bacia
hidrográfica é formada pelos rios Paraguaçu, Inhambupe e Toco. Sob essas condições tem-se como
principais produtos agrícolas o milho, o feijão e mandioca, além da criação de aves, bovinos, suínos e
ovinos. Observou-se ainda que a pecuária foi o setor que mais recebeu financiamento público frente o
setor agrícola, no período de 2007 a 2012, segundo dados do Banco Central3.
No município há quatro entidades que prestam ATER. Entre elas estão as ONG’s: Associação
de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (APAEB), Movimento de Organização
Comunitária (MOC), Associação das Cooperativas de Apoio a Economia Familiar (ASCOOB); e uma é
entidade pública estadual, a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA).

Políticas Públicas voltadas ao meio rural.

Mesmo com os diversos projetos de desenvolvimento implantados no intuito de promover o


desenvolvimento do país, esses apenas promoveram o crescimento econômico, concentração de renda
e de terra e, gerando exclusão social de todas as formas. Porém, tudo isso não significou uma ausência
total do Estado no enfrentamento a essas desigualdades, mas se percebia a necessidade de estabelecer
de uma política verdadeira, baseada nas demandas e especificidades de cada público, que favorecesse a
descentralização político-administrativa e inclusão do campo nas estratégias de desenvolvimento
nacional.
Mesmo com os graves e prolongados problemas econômicos, sociais, políticos e ambientais
ocorridos no meio rural brasileiro há décadas, sobretudo na região nordeste, esse espaço ainda não
obteve o incentivo necessário e suficiente, por meio das políticas públicas que o retirasse da condição
de marginal.
As iniciativas governamentais para o meio rural, consideradas de forma ampla e estruturadas,
são recentes. A instituição de um programa articulado a nível nacional data de 1996, com a criação do
PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, instituído pelo decreto nº
1.946/96. Esse programa, entre suas inovações, também trouxe o reconhecimento do público
“agricultores familiares”.

3 Fonte: http://www.bcb.gov.br/?RELRURAL2009, http://www.bcb.gov.br/htms/CreditoRural/2012 (R$ 973.679,28 de


financiamento à pecuária em 2009 e R$ 313.913,83 em 2012).

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Vale destacar algumas iniciativas de programas públicos voltados ao meio rural que antecedem
o PRONAF, as quais resultaram de longas lutas de movimentos sociais. A lei 4.504/1964 instituiu o
estatuto da terra o qual dispunha sobre a execução da Reforma Agrária e promoção da Política
Agrícola. Para consecução dessa lei foi criado o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA, como
órgão competente para promover e coordenar a execução dessa reforma, o qual detinha poderes de
representação da União, para promover a discriminação das terras devolutas federais, autoridade para
reconhecer as posses legítimas, dentre outras atribuições. Mas o público objeto dessa lei e as instituições
de reivindicação ligadas ao campo consideram que essa lei nunca se efetivou plenamente.
Outra iniciativa estatal voltada para o desenvolvimento rural, mas não de iniciativa única daquele
ente, foi a Política Agrícola instituída pela lei 8.171 de 1991, a qual fixava os fundamentos, definia os
objetivos e as competências institucionais, previa os recursos e estabelecia as ações e instrumentos da
política agrícola, relativamente às atividades agropecuárias, agroindustriais e de planejamento das
atividades pesqueira e florestal. Dentre os seus objetivos, visava a regularidade do abastecimento
interno e a redução das disparidades regionais, promover a descentralização da execução dos serviços
públicos de apoio ao setor rural, compatibilizar as ações da política agrícola com as de reforma agrária,
melhorar a renda e a qualidade de vida no meio rural, entre outros.
Para atingir os objetivos propostos pela lei foram articulados ações e instrumentos de política
agrícola tais como: pesquisa agrícola tecnológica; assistência técnica e extensão rural; associativismo e
cooperativismo; crédito rural; produção, comercialização, entre outros. No entanto, o abismo entre o
que determinava a lei e sua efetivação era tamanho, ao ponto de pouco modificar a realidade do seu
público.
Após a criação do Pronaf, dez anos depois, surge um novo marco legal que trouxe em seu
escopo um conjunto de promoções para o meio rural. Refere-se à lei 11.326, de 2006, que estabelece os
conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas à
Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Uma das novidades dessa lei foi a
denominação e caracterização de uma nova categoria de público desse espaço, a de agricultores familiares,
que para muitos estudiosos da área nada mais foi do que uma tentativa de camuflar e tirar de cena uma
categoria historicamente constituída e reconhecida: o camponês.
Essa política estabelecia como objetivos: descentralização; sustentabilidade ambiental, social e
econômica; equidade na aplicação das políticas, respeitando os aspectos de gênero, geração e etnia;
participação dos agricultores familiares na formulação e implementação da política nacional da
agricultura familiar e empreendimentos familiares rurais. Essa lei, como as anteriores, também
promoveu o serviço de assistência técnica e extensão rural, entre outros, para o atendimento dos
objetivos que devem ser buscados em parceria com outras áreas.
As intenções de criar mecanismos que possibilitassem o desenvolvimento do espaço rural
brasileiro não se esgotaram até então. Mais recentemente, em 2010, foi instituída a lei 12.188 que

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institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e
Reforma Agrária - PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na
Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – Pronater, resultado de décadas de reivindicações feitas
pelas entidades estatais e da sociedade civil, por um tratamento mais estruturante do serviço de ATER.
Ao ampliar o serviço de ATER para estrutura de política pública nacional, essa lei expressa a
necessidade, urgência e importância do serviço público de ATER para o desenvolvimento rural,
considerando-o, de alguma forma, base para o desenvolvimento de outros setores da economia.
A citada lei prevê em seus objetivos, dentre outros: promover o desenvolvimento rural
sustentável; aumentar a produção, a qualidade e a produtividade das atividades e serviços agropecuários
e não agropecuários; promover a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários; construir sistemas
de produção sustentáveis; aumentar a renda do público beneficiário e agregar valor a sua produção;
promover o desenvolvimento e a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas adequadas ao
público beneficiário; apoiar o associativismo e o cooperativismo; contribuir para a expansão do
aprendizado de forma apropriada e contextualizada à realidade do meio rural brasileiro. Contudo,
diante da disponibilidade e forma da gestão dos recursos públicos destinados à execução dessa política,
esses objetivos estão longe de serem alcançados de forma plena.
Essa política, em primeira instância, é executada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário,
criado em 25 de novembro de 1999; pela medida provisória n° 1.911/12 e demais entidades estatais e
não estatais nas unidades da federação e municípios.
Numa análise não muito aprofundada dessas iniciativas, pode-se constatar que apesar de
trazerem em seu corpo estratégias viáveis para o desenvolvimento do espaço rural brasileiro, até hoje
não conseguiram efetivar seus objetivos de forma plena, visto que o atraso e as desigualdades internas e
entre regiões ainda persistem no meio rural, resultando o êxodo rural, concentração de terras, escassez e
insuficiência na infraestrutura, entre outros.
Sabe-se que políticas públicas não surgem apenas da identificação e seleção de problemas por
iniciativas dos governos. Elas devem ter por base a capacidade de organização e pressão da sociedade
que pode pautar questões na esfera pública, para que sejam reconhecidas como problemas passíveis de
intervenção, ainda que contrariem o poder de formulação do Estado (OFFE, 1984). No caso das
políticas voltadas ao campo, particularmente a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão
Rural (PNATER), representa um marco novo da participação popular frente ao processo de
formulação da política. Sua criação foi precedida de plenárias e conferências a nível municipal, estadual
e nacional, com a participação de representantes da sociedade e do Estado.
Para superar esses desafios históricos, a Política Nacional de ATER está sendo construída de
forma participativa, em articulação com diversas esferas do governo federal, ouvindo os governos das
unidades federativas e suas instituições, assim como os segmentos da sociedade civil, lideranças das

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organizações de representação dos agricultores familiares e dos movimentos sociais comprometidos


com essa questão.
Essa Política tem o interesse de contribuir para uma ação interinstitucional capaz de implantar e
consolidar estratégias de desenvolvimento rural sustentável, estimulando a geração de renda e de novos
postos de trabalho. Para tanto, ela necessita de instituições com infraestrutura organizacional adequada,
capacidade técnica suficiente, materiais e métodos adaptados à realidade do público.

Descentralização de Políticas Públicas como forma de integração regional

As teorias que podem ser utilizadas para situar as políticas públicas implantadas no Brasil
podem ter origem no Estado de bem-estar social que sucede o Estado liberal após a crise econômica de
1929, estabelecendo uma nova relação entre Estado, Mercado e Sociedade, por meio de leis e políticas
que interviam e tentavam controlar as estruturas (MOURA,1998).
A construção do Estado de bem-estar social no Brasil, também denominado de
desenvolvimentista, não ocorreu apenas a partir da implementação de políticas sociais, mas da
promoção do desenvolvimento econômico através de investimentos em industrialização e, talvez, de
uma ruptura política (mas não ideológica e de práxis), pelo fato de que nesse período também se inicia
o enfraquecimento de uma dominação oligárquica e seu sistema organizacional. Porém, o sistema de
proteção social brasileiro se desenvolveu de forma fragmentada, heterogênea e estratificada, que acabou
impactando negativamente a estrutura social, reforçando as desigualdades, principalmente no meio
rural, espaço que continuou às margens das políticas e programas dos governos (VIANNA, 1998).
A partir da década de 30, o Estado brasileiro passou a intervir de forma mais constante, ampla e
decisiva nas diversas dimensões que consideraram base para o desenvolvimento econômico, mas
sempre com olhar marginal em relação ao espaço rural e não visualizando os problemas regionais em
vista de um projeto nacional de integração.
Outra crise, a de 1970, influenciou modelos de planos e programas dos Estados. Oriunda da
estagnação do petróleo, impactou a economia de todo o mundo e também afetou significativamente o
modelo de desenvolvimento (Welfare state) até então vigente. Ressurge então o pensamento liberal, que
ganhou força em quase todo mundo impulsionado pela globalização.
O modelo neoliberal passou a ser implantado no Brasil a partir da década de 1980. Nesse
período, apesar das fortes reivindicações dos movimentos sociais do campo, faltava um projeto
nacional de desenvolvimento do campo que contribuísse para estruturar uma política pública efetiva e
de integração regional.
Corrobora com essa ideia as pesquisas realizadas por Leite et al, (2009) os quais discutem sobre
a forma como as políticas públicas são concebidas no Brasil, no que diz respeito ao meio rural.
A ausência no Brasil de algo que assemelhe a uma estratégia de desenvolvimento,
notadamente no que se refere às políticas agrícolas e de desenvolvimento rural,

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contribui à sobrevalorização do comércio internacional em si mesmo como fonte de
dinamismo econômico e eixo ordenador de um padrão de desenvolvimento que
termina por se revelar desigual e excludente (LEITE et al., 2009, p.159).

Esse estudo reforça a constatação de que o Brasil foi, por décadas, assolado por uma política de
desenvolvimento focada no mercado internacional e que, por isso, não promoveu as bases para um
desenvolvimento endógeno, durador, integrado e autônomo.
O processo de descentralização de políticas públicas no Brasil foi concretizado a partir da
constituição de 1988 - a qual também influenciou a estrutura de planejamento para o desenvolvimento
rural - marcado pela transferência de recursos e do poder decisório de instâncias superiores para
unidades espacialmente menores, incluindo a sociedade civil organizada (MALMEGRIN, 2010).
No caso das políticas voltadas para o meio rural, o marco da descentralização se definiu com a
Lei 8. 171 de janeiro de 1991, porém, sua efetivação foi se concretizando nos anos seguintes, por
iniciativas de atores ligados à questão. Daí surgiu a proposta de consolidação de um modelo
institucional de ATER pública estatal, não estatal, descentralizado, pluralista, autônomo e gratuito.
Como princípios, a proposta defendia ainda o desenvolvimento sustentável, o controle social da gestão
e organização em rede, entre outros, os quais se busca efetividade constantemente, (PNUD,1997).
Sabe-se que a gestão descentralizada de programas e políticas sociais de criação do governo
federal ainda passa por diversos desafios, visto que essa metodologia inserida na administração pública
brasileira é recente e, portanto, demanda de maior aperfeiçoamento e amadurecimento por parte dos
atores envolvidos (ARRETCHE, 2004).
Apesar de tudo, não se pode dizer que a descentralização de políticas públicas foi insuficiente.
De certa forma, ela contribuiu muito para a democratização política e descentralização do poder, mas
há de se reconhecer que a forma como se deu não foi por intensões puramente de desenvolvimento da
nação.

Impactos da ATER para o desenvolvimento rural de Serrinha: Possibilidades e desafios.

Conforme já exposto, a assistência técnica e extensão é um serviço público de capacitação e


educação não formal, destinado aos agricultores no meio rural e que objetiva a prestação de
informação, conhecimentos e técnicas direcionadas ao desenvolvimento das propriedades e suas
famílias. Porém, sua orientação nem sempre ocorreu nesse sentido. Em mais de 4 décadas predominava
na ATER uma prática difusionista, estruturada para o avanço do capital no campo, servindo de ponte
para a implantação da modernização da agricultura, caracterizada pela utilização de grandes extensões
de terras, equipamentos, insumos e técnicas modernas importadas quase sempre dos Estados Unidos,
aliadas às práticas em larga escala de monoculturas e uso intensivo de produtos inorgânicos,
(STEDILE, 2012). Essa estratégia de desenvolvimento, denominada de “modernização conservadora”

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ou “revolução verde” só provocou crescimento econômico, expulsão dos trabalhadores do campo,


empobrecimento, favelização, entre outros problemas sociais ainda visíveis no meio rural e urbano.
A proposta da nova ATER surge no intuito de reverter esse quadro perverso de marginalização
das ações públicas que por décadas foram destinadas às áreas rurais. A fim de superar esse passado
excludente a ATER tem centrado suas ações e metodologias na perspectiva de um novo modelo de
desenvolvimento do rural, o qual pode ser baseado, segundo as pesquisas de Van Der Ploeg et al, nas
seis características do processo de produção agrícola que determinam tal fenômeno.
1)Esforço para reduzir a dependência do mercado de insumos externos à unidade
produtiva, visando à redução de custos e ao melhor aproveitamento dos recursos
naturais; 2) introdução de novas atividades que permitam utilizar mais os recursos
internos; 3) produção ambientalmente mais adequada; 4) introdução de práticas de
cooperação e pluriatividade; 5) diversificação de produtos e busca de economias de
escopo; 6) maior controle sobre os processos de trabalho, que pode significar
autonomia ou exercício da capacidade de utilização das condições existentes para
atendimento de suas necessidades (VAN DER PLOEG et al, 2000 apud
KAGEYAMA, 2008, p.65, grifo nosso)

Esse novo modelo tem a ver com a proposta do desenvolvimento sustentável e, para alcançar
esse estágio, as ações da ATER, sem exclusões de outras, tem sido as seguintes: promover e prestar
assistência técnica agropecuária, gerencial e social junto aos produtores rurais e suas famílias; promover
a introdução e/ou adaptação de inovações de tecnologias; incentivar os agricultores à diversificação
e/ou combinações de culturas e criações; sensibilizar e fomentar o acesso dos agricultores a políticas e
programas voltados ao meio rural; programar e executar, de acordo com as reais necessidades do
público, cursos de capacitação de mão-de-obra rural; diagnosticar e planejar a situação das comunidades
rurais atendidas, das unidades familiares e dos empreendimentos formados pelos agricultores familiares.
Baseada nessa concepção espera-se que a ATER contribua para o desenvolvimento rural de
Serrinha, no que concerne aos seguintes aspectos: na utilização de recursos da própria região no
processo produtivo das famílias; na diversificação da produção e ampliação das fontes de renda destinas
à propriedade; em atividades ambientalmente mais adequadas implementadas pelos agricultores; no
engajamento político-social, formação de cooperativas e associações e no acesso e controle dos meios
de produção.
No que tange à avaliação desse serviço público, esse tipo de estudo ainda não foi estruturado e
realizado de forma integrada a nível nacional. Cabe destacar que, por demanda da Secretaria de
Agricultura Familiar (SAF), em 2002, a pesquisa, dentre os diversos levantamentos, apresentou dados
acerca da cobertura do serviço no território nacional. Foi constatada a seguinte situação: enquanto no
sul ela atinge 99% dos municípios com escritórios locais, na região nordeste este índice é de apenas
50%. Todas têm como público prioritário os agricultores familiares, sendo que pelo menos um terço
das instituições atende também agricultores patronais. O nível de atendimento varia de 65% do público
potencial na região sul a 27% na região nordeste. As informações demonstram o quanto a prestação de

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serviço é desigual de região para região, se agravando na região norte e nordeste do país, (MDA/FAO,
2003).
As desigualdades no espaço rural brasileiro vão além das demonstradas pela pesquisa do perfil
da ATER. O Censo Agropecuário 2006, realizado pelo IBGE, constatou que apenas 22% dos
estabelecimentos agropecuários do País recebem algum tipo de orientação técnica. De acordo com o
instituto, a área média dos estabelecimentos que recebeu assistência é de 228 hectares; enquanto a dos
não assistidos é 42 hectares. A orientação técnica de origem governamental atinge 43% dos
estabelecimentos assistidos e está mais voltada para os estabelecimentos menores, com área média de
64 hectares.
Pelos dados do documento de divulgação do Censo/IBGE, em toda a Região Norte e Nordeste
houve avanço em relação à orientação técnica de origem governamental, o mesmo ocorrendo em Minas
Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Distrito Federal. Mas esse comportamento não se repetiu
em todos os estados, já que houve significativa redução de produtores que declararam receber
orientação técnica nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Goiás, o que
pode ser uma sinalização de declínio nos serviços de extensão rural nestes Estados. Segundo o órgão,
porém, cabe uma pesquisa avaliativa para se identificar os fatores que contribuíram para a diminuição
do serviço nessas regiões. Os estabelecimentos que têm orientação técnica particular ou do próprio
produtor têm área média de 435 hectares. As empresas privadas de planejamento atendem a
estabelecimentos com maior área média, 506 hectares.
O censo agropecuário 2006 revela dados que na opinião de muitos pesquisadores, são talvez o
fator determinante de todos os tipos de desigualdades e mazelas sociais, tanto no campo quanto na
cidade, isso diz respeito a concentração fundiária.
De acordo com os dados do Censo Agropecuário, levantados pelo IBGE em 2006, enquanto os
estabelecimentos rurais de menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7% da área total ocupada pelos
estabelecimentos rurais, a área ocupada pelos estabelecimentos de mais de 1.000 hectares concentra
mais de 43% da área total.
O município de Serrinha, lócus da unidade dessa pesquisa, se encontra nesse patamar. Os
quadros abaixo demonstram as características do desenvolvimento rural quanto as condicionantes já
apresentadas.

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Características da unidade de pesquisa – Serrinha/BA.
População População Densidade Total de Agr. População Estabelecimentos Entidades de
total/mil Rural/mil demográfica. Fam. ocupada na agropecuários até 20 ATER
IBGE IBGE 2000 / IBGE /mil atividade ha.
2000 / 2010 2010 2000 Censo Agr. agropecuária
/2010 1996/2006

83.206 37.263 103,22 5.816 15.681 4.181 do total de 4 entidades (3


/ / / / 4.485 ONG’S e
76.762 29.574 116,50 3.803 1estatal)

Fonte: IBGE Censo Demográfico( 2000, 2010), IBGE Censo Agropecuário(1996 2006), MDA/Incra/SIR (2007), Atlas
Brasil 2013 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pesquisa de campo – Elaboração: Ana Carla Evangelista
dos Santos.

Observa-se a partir dos dados da tabela uma diminuição da população total na ordem de 6.444
pessoas no período de 10 anos. No entanto, a diminuição na área rural foi mais significativa: 7.689
pessoas deixaram o campo no mesmo período. Quanto ao número de agricultores familiares, a redução
foi de 2.023 entre 1996 e 2006. Pode-se inferir que mesmo com a atuação de 4 entidades prestadora de
ATER no município, o desafio de favorecer o campo de condições que garantam a permanência com
qualidade de vida para sua população ainda está longe de ser alcançada.
Na tabela a seguir são apresentados dados acerca do desenvolvimento social e econômico do
município, os quais o colocam numa condição de baixo desenvolvimento. Constata-se um crescimento
considerável de concentração de terras evidenciado pelo índice de Gini e de desigualdade no tamanho
dos estabelecimentos rurais. Observou-se que na faixa de 1 a 20ha existem cerca de 2.158
estabelecimentos que correspondem a 48% do total, outros 2012 estão na faixa de 0,1 a 1ha,
perfazendo um total de quase 45% de estabelecimentos considerados com pouca área, impossibilitando
a reprodução familiar.
Aspectos do Desenvolvimento Rural do Município de Serrinha/BA.
Nº de Agri. Renda média mensal per IDH Índice de Acesso a outros programas Participação político-
Fam. capita por domicílio rural 1991 GINI e políticas social; Acesso aos meios
assistidos particular permanente. 2000 1980 de produção.
pela ATER IBGE 2006 2010 1985
1996
2006
300 177,00 reais. 0,388 0,749 1)crédito Pronaf, Significativa participação
0,488 0,762 2)habitação rural, social; Baixo nível de
0,634 0,775 3)luz para todos, 4)bolsa acesso e ampliação dos
0,820 família, meios de produção.
5)PAA,
6)PNAE,
7) Cisternas.
Fonte: MDA(2012), IBGE Censo Demográfico( 2000, 2010), IBGE Censo Agropecuário(1996 2006), MDA/Incra/SIR
(2007), Atlas Brasil 2013 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Projeto GeografAR, 2011, Pesquisa de
campo – Elaboração: Ana Carla Evangelista dos Santos.

A redução de 80% no tamanho das propriedades rurais e a insuficiência de infraestrutura


dificultam o acesso e implementação de tecnologias que potencializem a produção e ampliem as
possibilidades de escoamento dos produtos. Nesse quesito a ATER apresenta ações com o intuito de:

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identificar e estimular os agricultores para a utilização de recursos locais, incentivar mudanças para
técnicas de produção mais sustentáveis e fomentar o acesso a outras políticas e programas que apesar
do grande acesso, parte da população rural ainda não foi beneficiada.
Resultado positivo da atuação da ATER é a participação dos agricultores assistidos em diversos
espaços políticos, como conselhos municipais e outros, através de suas organizações (associações,
sindicato e cooperativas).
Outra questão que tem impacto direto no desenvolvimento como um todo é a condição da
infraestrutura do município (saneamento, estradas, energia, água). A tabela a seguir apresenta uma
realidade ainda precária no que diz respeito a esses fatores, no município de Serrinha.

Características da Infraestrutura do município de Serrinha/BA.


Infraestrutura: 1) saneamento, 2) estradas, 3) energia, 4) água encanada.

1) Possui esgotamento sanitário insuficiente e sem as devidas condições técnicas;


2) Cortada por uma BR e uma BA em estado de conservação regular;
3) 80,7% dos estabelecimentos rurais possuem energia elétrica
4) 49% dos estabelecimento possuem água encanada e banheiro;

Fonte: SEI/BA (2012), SEAGRI/BA (2012), IBGE Censo Demográfico( 2000, 2010), IBGE Censo Agropecuário(1996
2006), Atlas Brasil 2013 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pesquisa de campo – Elaboração: Ana Carla
Evangelista dos Santos.

A estrutura de acesso à energia elétrica é considerada razoável, porém, quanto a esgotamento


sanitário, apenas uma pequena parcela da população tem acesso. No que se refere à água encanada,
metade da população ainda se encontra sem acesso a esse serviço. Constatou-se também a inexistência
de planos e recursos disponíveis nos orçamentos municipais para a implantação de uma política de
coleta, tratamento e destinação dos resíduos. Todos esses fatores se colocam como graves empecilhos
para a efetivação dos serviços de ATER e consequentemente para o desenvolvimento rural, pois
mesmo o técnico(a) extensionista capacitando os agricultores visando a melhoria da produção em suas
propriedades, aqueles agricultores nem sempre têm acesso a outras condicionantes indispensáveis para
suprir suas necessidades produtivas e reprodutivas.

Considerações
Diante do legado histórico de práticas políticas como o clientelismo, paternalismo, coronelismo,
entre outras, vivenciado no estado da Bahia, considera-se que esses fatores, aliados aos econômicos e
culturais, influenciaram de forma negativa a execução da ATER na Bahia.
A ATER, enquanto serviço público destinado aos trabalhadores do campo que possuem algum
tipo de propriedade de terra ou que foram beneficiados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária
(PNRA), exclui significativa parcela daquela população que está inserida no conjunto de indivíduos
marginalizados pela concentração e má distribuição das terras do país. Assim, espera-se que essa
política também promova o acesso à terra pelos camponeses.

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A partir de uma análise não aprofundada dos atuais programas destinados ao meio rural,
percebe-se que o foco da reforma agrária foi desviado para o ”fortalecimento da agricultura familiar”
enquanto segmento potencial de produção e escoamento de produtos, sob a forma de custeio à
produção e infraestrutura, em detrimento de um projeto nacional estrutural de reforma agrária. Nesse
ambiente a ATER pode se tornar o elo fundamental para consecução de uma estratégia de manutenção
do poder da classe aristocrata rural ou emancipação dos camponeses.
Diante dessas constatações, o desafio que está posto para a ATER enquanto serviço público
destinado à parcela da população considerada em situação de mais desvantagens sociais e econômicas, é
quanto a sua contribuição para elevação dos níveis de escolaridade e conhecimento dos agricultores,
acesso à terra, à tecnologias apropriadas e disseminação de práticas ambientalmente adequadas.

Referências:
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC, 1992.
ARRETCHE, M. T. S Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo em
Perspectiva, 18(2): 17-26, 2004.
BRASIL:– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE). Censo Agropecuário 2006/ Pesquisa territórios
rurais 2007/ Censo Demográfico 2010.
LEITE, S. et al. Políticas públicas e agricultura no Brasil.- 2 ed. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.
KAGEYAMA, A. Desenvolvimento rural: conceitos e aplicações ao caso brasileiro. – Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2008.
MALMEGRIN, Maria Leonídia. Redes Públicas de federação em ambientes federativos. Florianópolis: UFSC, 2010
Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA)/Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária(INCRA)/Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação(FAO): Perfil das
Instituições de Assistência Técnica e Extensão Rural para Agricultores Familiares e Assentados no Brasil; Projeto
de Cooperação Técnica MDA-FAO, 2003.
MOURA, Suzana. A construção de redes públicas na gestão local: algumas tendências recentes. Rev. adm.
contemp. vol.2 no.1 Curitiba, Jan./Apr. 1998.
OFFE, Claus (1984). Problemas estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD). Atlas de Desenvolvimento Humano, Relatório
2007.
Projeto GeografAR - A Geografia dos Assentamentos na Área Rural (UFBA/CNPq), 2011. Formas de Acesso à
terra na Bahia. Banco de Dados. Salvador, 2009. Disponível em: < http://www.geografar.ufba.br>.Acesso em
19/06/2013.
STEDILE, João Pedro. A questão agrária no Brasil: Programas de reforma agrária 1946-2003. – 2. Ed.- São Paulo :
Expressão Popular, 2012.
SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA (SEI/BA). Estudos
territórios rurais, 2012.
VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. A Americanização (perversa) da Seguridade Social no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, IUPERJ, 1998.

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Análise do acesso à saúde na fronteira Brasil–Uruguai
e suas peculiaridades

Carla Gabriela Cavini Bontempo1


Vera Maria Ribeiro Nogueira2
Helenara Silveira Fagundes3

1. A fronteira em questão

T
rataremos aqui da relação entre dois países sul-americanos que possuem vários pontos de
conexão em suas fronteiras através das chamadas cidades-gêmeas, que são assim
denominadas por se tratarem de
[…] adensamentos populacionais cortados pela linha de fronteira – seja esta seca ou
fluvial, articulada ou não por obra de infraestrutura – apresentam grande potencial de
integração econômica e cultural, assim como manifestações “condensadas” dos
problemas característicos da fronteira, que nesse espaço adquirem maior densidade,
com efeitos diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania (BRASIL, MIN,
2010, p. 21).

Segundo Machado (2010, p. 68), estudar as cidades-gêmeas possibilita fazer do território


fronteiriço “[…] o ‘centro’, com seus próprios autorreferentes em vez de margem do estado nacional”,
e no nosso caso, pensar esse território – aqui entendido como um campo de forças em que “relações
sociais [são] projetadas no espaço concreto” (SOUZA, 2011, p. 87) – na dimensão da saúde, nos remete
à reflexão para além da segurança nacional, para o cotidiano dessa população. Na fronteira do Brasil
com o Uruguai existem seis pares de cidades-gêmeas: Aceguá/Aceguá, Barra do Quaraí/Bella Unión,
Chuí/Chuy, Jaguarão/Rio Branco, Santana do Livramento/Rivera e Quaraí/Artigas, conforme
demonstrado no mapa a seguir.

1 Mestre em Política Social, doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista CAPES.
cacaias@hotmail.com
2 Doutora em Enfermagem, professora dos Programas de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Católica de

Pelotas e de Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina. veramrn@gmail.com


3 Doutora em Serviço Social, professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social pela Universidade Federal de

Santa Catarina. helenarasf@hotmail.com


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Figura 1 – Mapa fronteira Brasil – Uruguai evidenciando cidades-gêmeas


Fonte: IBGE, 2012, elaborado pelas autoras.

Esses municípios estão inseridos na chamada “faixa de fronteira”, instituída pela Constituição
de 1934 como uma zona de segurança nacional, faixa esta que foi ampliada pelo governo Getúlio
Vargas em 1937 de 100 para 150 quilômetros, abarcando assim 27% do território nacional (STEIMAN,
2002). Caracterizando as cidades-gêmeas do Brasil e Uruguai, nelas residem, segundo dados do último
Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), 340.779 brasileiros
distribuídos em 11 municípios, ou seja, representa 0,18% dos brasileiros ou ainda 3% dos gaúchos. Em
se tratando dos habitantes uruguaios, segundo dados do Instituto Nacional de Estadística (INE, 2011)
são 143.503 habitantes distribuídos em cinco Departamentos – Rocha, Treinta y Tres, Cerro Largo,
Rivera e Artigas, nos quais estão localizadas as seis cidades gêmeas com o Brasil, que totalizam 4,27%
da população daquele país, segundo o Instituto Nacional de Estadística (2011).
O Aceguá brasileiro é um município localizado no Bioma Pampa, que foi desmembrado da
cidade de Bagé em 1996, porém a estrutura administrativa iniciou as atividades em 2001. Está dividido
em quatro distritos: Sede, Rio Negro, Colônia Nova e Minuano, que ocupam uma área de 1.549,383
km², e sua população de 4.394 habitantes – a maior parte (75,89%) domiciliada na zona rural, é

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composta por estancieiros, fazendeiros, “gaúchos4, quilombolas, agricultores assentados - oriundos de


várias regiões do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, e imigrantes alemães luteranos e menonitas.
Já o lado uruguaio conta com uma população de 1.511 pessoas, e embora seja tida como cidade-
gêmea, não é uma cidade: foi elevado de Pueblo a Villa5, através da Lei 15.810 de 1986 (INE, 2010). Na
esfera administrativa conta com uma Junta Local encabeçada por um Encarregado, que se reporta e
replica as decisões tomadas pela Junta Departamental de Cerro Largo, em nível local. Em suas sessões
são discutidos assuntos variados que tocam as villas e pueblos, como o caso da evasão de crianças
uruguaias para escolas brasileiras: “[…] seguimos perdendo identidade, já que quando começam seus
primeiros passos em escolas brasileiras raramente retornam ao Uruguai, em seguida continuam nas
diferentes opções de estudo que lhes oferece o país irmão” (JUNTA DEPARTAMENTAL DE
CERRO LARGO, 2012).
Barra do Quaraí foi distrito de Uruguaiana de sua criação (1892) até 1995, quando foi
emancipado e teve sua sede instalada em 1997, embora em dois plebiscitos anteriores (1985 e 1991)
houvessem intentado seu desmembramento (RODRIGUES, 2005). Seus 4.010 habitantes estão
distribuídos por quatro distritos: Barra do Quaraí, Francisco Borges, Guterrez e Passo Cruz, sendo que
29,28% deles moram na zona rural (IBGE, 2010). A principal atividade econômica provém do setor
agrícola, com produção orizícola, e na sede, o comércio. Durante a pesquisa de campo chamou a
atenção o número de mercados (que a exemplo de Aceguá abasteciam as casas uruguaias), lojas de
vendas de bebidas e vários pontos comerciais abandonados, ainda que situados na avenida principal da
cidade.
Sua congênere foi fundada em 1829 com o nome de Santa Rosa del Cuareim por Fructuoso
Rivera e índios guaranis refugiados das Missões, e em 1929 passou a chamar-se Bella Unión
(ALJANATI, 1970a), sendo alçada a município do Departamento de Artigas em 2009, tendo sua
primeira eleição municipal em 2010. Atualmente tem o triplo de habitantes que Barra do Quaraí –
12.200 pessoas (INE, 2011), e sua principal atividade econômica é o cultivo de cana-de-açúcar e arroz,
sendo encontradas também atividades como vitivinicultura, apicultura e cultivo de hortaliças
(ARTIGAS, 2012). Estão instalados na cidade quatro freeshops e vários comércios.
O Chuí é o município mais austral do Brasil, conta com 5.918 habitantes (IBGE, 2010), que por
conta das grandes extensões de terra destinadas ao cultivo mecanizado de arroz tem apenas 4,5% de sua
população na área rural. Foi desmembrado de Santa Vitória do Palmar em 1995, e assim como Aceguá
e Barra do Quaraí, sua vocação comercial era prestigiada pelos uruguaios

4 Segundo Silva (2009), antes de “gaúcho” ser utilizado como gentílico para todos do Rio Grande do Sul, o termo estava
associado aos trabalhadores da pecuária em estâncias do Pampa, ou também como sinônimo de marginal.
5 A denominação de um lugar como Pueblo, Villa ou Ciudad remontam ao período colonial, e não existem normas ou

critérios que atribuam determinadas características entre uma ou outra categoria.

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A cidade de Chuy, localizada na fronteira com a mesma brasileira, ao longo da


rodovia que nos une ao país do norte, é a entrada principal para o nosso país
do turismo brasileiro. [...] A característica marcante desta cidade é a rua
principal que corre ao longo da fronteira, onde está localizada a grande maioria
das casas comerciais. Do lado brasileiro há praticamente um comércio ao lado
do outro, todos muito bem equipados com as mercadorias mais vantajosas ao
comprador uruguaio (ALJANATI et al, 1970b, p. 44).

Assim como suas congêneres, sua população vislumbrou o auge e a decadência econômica por
conta das variações cambiais. O Chuí substituiu então alguns comércios que eram direcionados para
uruguaios (lojas de roupas e supermercados), por uma infraestrutura de serviços que oferece suporte
aos inúmeros turistas que vão ao Chuy veranear na praia (é a única cidade-gêmea que tem saída para o
mar), visitar o Forte de São Miguel (1737) e a Fortaleza de Santa Tereza (1762), construções erguidas
durante a disputa pelo território entre portugueses e espanhóis, e realizar compras em seus variados
freeshops, dispostos majoritariamente na Avenida que faz limite com o Brasil.

2. Os sistemas de saúde do Brasil e do Uruguai

Com o advento da Constituição, em 1988, o Estado brasileiro toma para si a responsabilidade


pelo acesso à saúde pela população e prevenção de agravos, através da criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), missão essa inscrita na já tão propalada frase “a saúde é um direito de todos e o dever do
Estado”. Na ocasião previu-se também a observância aos princípios da universalidade, integralidade,
equidade, descentralização e participação popular na condução do SUS.
A partir da Lei 8080, o Brasil elegeu então centrar esforços em um sistema que expandiu a
cobertura da atenção em saúde, potencializada posteriormente através do Programa Saúde da Família
(PSF), em 1996. Através dele, a população adscrita em um determinado território ali seria atendida em
suas necessidades primárias, recebendo orientações quanto a prevenção de doenças e promoção da
saúde. A atenção à saúde bucal foi ampliada e a saúde mental foi totalmente reorientada através do
fechamento gradual de hospitais psiquiátricos e introdução de Centros de Atenção Psicossociais
(CAPS). Quanto a rede hospitalar, segundo Giovanella et al (2012), a maior parte dos leitos (65%) ainda
concentrados em hospitais privados, e embora o número de leitos em hospitais públicos estejam
aumentando, o setor privado ainda é o que mais recebe recursos do SUS.
A partir da descentralização administrativa aprovada pela Constituição Federal em 1988,
estados e municípios se tornaram politicamente autônomos e soberanos, cabendo a estes concretizarem
as políticas sociais propostas pelo diversos níveis de governo, as quais atenderiam as demandas da
população de determinada circunscrição. A adesão dos municípios ao SUS foi alicerçada em outras
variáveis

[…] envolve(ndo) o custo político e financeiro de arcar com a responsabilidade


pública pela oferta universal de serviços de saúde em condições de elevada incerteza

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quanto ao fato de que o governo federal venha efetivamente a cumprir com a sua
função de financiamento do sistema. Paralelamente, supõe que o município disponha
de uma capacidade técnica instalada que o habilite a desempenhar as funções previstas
em cada uma das condições de gestão (ARRETCHE, 1999, p. 121).

Segundo Yunes (1999), o modelo de descentralização adotado teve como eixo a relação entre a
União e os municípios, prejudicando o papel dos estados como articuladores do processo de
regionalização dos serviços e favorecendo um cenário que “acentua as distorções regionais e que acaba
desequilibrando a redistribuição dos recursos destinados à saúde” (p. 68). Já Cohn (1994, p. 94),
enfatiza que os aspectos econômicos sobrepuseram os políticos nesse movimento, e que a
descentralização foi forjada de maneira nebulosa,
[…] sendo implantada com um volume crescente de recursos dos municípios, como
também a baixa definição das competências de cada nível de poder impõe limites
estreitos à autonomia dos municípios na definição de suas políticas de saúde. Acresce
que a descentralização, nos moldes em que se dá, carece de um padrão de articulação
entre os níveis federal, estadual e municipal. Há casos em que município e nível
federal se relacionam diretamente, e outros em que o nível estadual figura como
intermediário.

Passada mais de uma década do início desse movimento, a necessidade de implantação de uma
forma mais eficaz e profunda de conduzir esse processo é verificada pelos gestores do Sistema Único
de Saúde, por perceberem várias fragilidades no processo de implantação do SUS. O instrumento
proposto para favorecer a organização dos serviços através de uma rede regionalizada de atenção aos
principais agravos à população, fortalecer o controle social e assim melhorar a gestão dos recursos foi a
adesão por estados e municípios ao Pacto pela Saúde. O Pacto pela Saúde está dividido em três esferas
(CONASS, 2006):
 Pacto pela vida – elege prioridades e metas a serem alcançadas na atenção em saúde (saúde
do idoso, da mulher, redução da mortalidade infantil e materna, saúde do trabalhador, saúde do
homem, saúde mental...);
 Pacto em defesa do SUS – consiste em regulamentar a Emenda Constitucional nº 29, e
definir o compromisso das três esferas de gestão do SUS (municípios, estados e governo federal)
quanto ao financiamento das ações em saúde;
 Pacto de gestão – este eixo contempla a organização administrativa da saúde, estabelecendo
responsabilidades e, inclusive, novos ordenamentos regionais e territoriais com o intuito de
descentralizar a gestão e desburocratizar processos, qualificar o controle social e o trabalho em saúde,
regulação do acesso aos serviços.

Especificamente sobre a organização da saúde em municípios fronteiriços, sugere a criação de


Regiões de Saúde Fronteiriças, em que gestores nos âmbitos municipal, estadual e federal possam
montar estratégias de atuação que contemplem as necessidades da população que ali vive. Porém, de

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acordo com a análise feita por Preuss e Nogueira (2012), sobre os desdobramentos advindos da
assinatura do Pacto pelas cidades-gêmeas brasileiras, argentinas e uruguaias ocorreram diversos
problemas em sua implantação (seja por parte da morosidade conferida pela burocracia para adesão,
seja pelo não entendimento por parte de gestores e profissionais de saúde quanto as suas implicações).
Em suma, a adesão ao Pacto na fronteira

[…] não ampliou o acesso à saúde aos brasileiros e estrangeiros. Entende-se que a
intenção originária do pacto é ampliar a capacidade operacional dos municípios,
incluindo a população estrangeira nos mesmos patamares de atenção integral e
universal garantida nos termos constitucionais aos brasileiros (PREUSS e
NOGUEIRA, 2012, p. 331).

Da criação do SUS até então, se tem experimentado a transferência de programas e ações em


saúde do âmbito federal para Estados e Municípios, alguns de adesão compulsória – a exemplo das
vigilâncias em saúde, outros elegíveis de acordo com critérios populacionais (programas específicos de
atenção a crianças, jovens, indígenas, negros, mulheres, homens, idosos, gestantes…) ou
epidemiológicos (atenção a hipertensos, diabéticos, portadores de HIV/AIDS, pacientes oncológicos).
Embora haja essa nova estrutura de descentralização o custeio dos serviços é um grande entrave,
porque os valores repassados pela União e Estados são considerados baixos, e se refletem na
dificuldade de fixação de profissionais – em geral médicos especialistas fora dos grandes centros,
formação de recursos humanos, déficit da estrutura de atendimento a urgências e emergências, acesso a
medicamentos, ações insuficientes para promover ações de prevenção em saúde (GIOVANELLA et al,
2012).
O sistema de saúde uruguaio, segundo Fuentes (2010), tem passado nos últimos anos por uma
reforma no modelo de atenção que apresentava custos elevados, grandes disparidades no pagamento de
salários aos profissionais e na infraestrutura de atenção pública e privada, além de modelo centrado na
hospitalização em detrimento da atenção básica. Iniciada ainda em 2005 no primeiro governo da Frente
Ampla (2005-2009), e propiciada por uma conjuntura de fatores como a crise econômica de 2002,
apoio dos diferentes atores (parlamentares, usuários e trabalhadores da saúde, principalmente
corporações médicas que ora atuam como profissionais, ora como prestadores de serviços), a dita
reforma foi estabelecida pela Lei 18211/2007, que criou o Sistema Nacional Integrado de Saúde (SNIS),
e regulamentou “[…] o direito à proteção da saúde que têm todos os habitantes residentes no país e
estabelece as modalidades para seu acesso a serviços integrais em saúde” (URUGUAI, 2007).
Voltado para a atenção básica, o novo sistema tem como principal objetivo integrar os variados
subsistemas de saúde existentes que não tinham conexão, com metas a serem alcançadas como, por
exemplo, atenção a hipertensos e diabéticos, tabagistas, gestantes, financiado pelo Fundo Nacional de
Saúde (FONASA), de forma que a população contribua de acordo com sua renda, mas que receba

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atenção de acordo com suas necessidades, alcançando assim, um patamar de justiça social
(MINISTÉRIO DE SALUD PUBLICA, s/d).
O financiamento do SNIS é como no Brasil: mantido por tributos arrecadados pelo governo e
pelas contribuições dos trabalhadores e empresas. Todo o recurso é reunido no FONASA, que faz o
repasse para os prestadores de serviço públicos e privados que compõem o sistema, sendo enviados
recursos para o Fundo Nacional de Recursos (FNR), que cobre os tratamentos de alto custo e
complexidade.
Com a criação do SNIS, é posto em prática o Plan Integral de Atención a la Salud (PIAS), que
deve ser seguido por prestadores de saúde públicos e privados. Segundo Giovanella et al (2012, p. 737),
esse é um “[…] aspecto relevante dado que o sistema opta por um espectro de prestadores misto aos
quais o usuário assegurado pode escolher sua afiliação”. É o PIAS que define as diretrizes sobre as
modalidades de atenção, os procedimentos terapêuticos, de reabilitação e ambulatoriais, vacinas,
atendimento a urgências e emergências, cuidados paliativos e internações. Então, se em um primeiro
olhar os prestadores públicos e privados têm as mesmas atribuições, o quê determina a opção do
usuário por um ou outro? Segundo um dos entrevistados
[…] o público está muito desprestigiado no Uruguai. Em realidade o ASSE
[Administración de los Servicios de Salud del Estado] é o maior prestador que tem no
país, porque cobre todo o território nacional, e tem tudo o quê se precise, embora
você tenha que esperar de uma semana para outra. E tem todos os benefícios sem
pagar: se você tem o carnê de assistência ou de seguridade social [trabalhadores] não
paga nada para ser atendido na policlínica, emergência, medicamentos, tomografia. No
privado você tem um elenco de procedimentos que o Ministério da Saúde Pública
exige a cada prestador – e que o ASSE tem alguns fora desse elenco, e se você precisar
de algo que estiver fora disso precisa pagar (Entrevistado 13, 2012).

Na prática, as pessoas que optam por contribuir para sistema privado uruguaio acabam tendo
que realizar co-pagamentos para utilizar os serviços que não estão listados no PIAS, acesso a
medicamentos para hipertensão e diabetes, que no sistema ASSE são subvencionados. Não há menção,
na politica de saúde uruguaia sobre ações e programas especiais para a faixa de fronteira.

3. Estrutura de saúde na fronteira Brasil-Uruguai

3.1 Aceguá-Aceguá
Em termos de infraestrutura em saúde, o Aceguá do lado uruguaio conta com uma policlínica
(ligada a ASSE), e uma unidade de atendimento da Cooperativa Assistencial Médica de Cerro Largo
(CAMCEL), que é privada. Já no Brasil, há um posto de saúde na sede do município, uma unidade
móvel de saúde que atende no interior do município principalmente as especialidades de odontologia e
ginecologia, além de um hospital localizado na Colônia Nova, zona rural, que foi construído na década
de 1970 pelos imigrantes com auxílio do governo alemão, e atende em sua maioria usuários do SUS.

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Embora o município se mantenha ao nível de atenção básica em saúde, de acordo com os entrevistados
esse hospital consegue resolver boa parte dos problemas da população, realizando inclusive cirurgias.
Segundo a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007a), o atendimento a brasileiros no Uruguai
nesta parte da fronteira ocorreria caso pagassem a CAMCEL, mas também foram relatados casos de
gratuidade – embora não se especificasse quais os critérios para esse atendimento; já os estrangeiros
residentes no Brasil eram atendidos pelo PSF, sendo observado que não havia distinção de
nacionalidade quando o tema era vacinação. Na ocasião da pesquisa de campo ocorreram duas
situações que desaguam no mesmo rio chamado financiamento da saúde: a percepção de que o sistema
uruguaio não tem lastro para atendimento a brasileiros, e o reconhecimento de que fornecer o acesso a
saúde é universal, mas esbarra na burocracia e no custeio das ações.

3.2. Barra do Quaraí-Bella Unión


No que tange o atendimento à saúde, Barra do Quaraí proporciona atenção básica aos seus
habitantes (casos de maior complexidade são encaminhados para Uruguaiana), e conta com um Centro
de Saúde que abriga uma equipe do programa Estratégia Saúde da Família (ESF), enfermeiros,
fisioterapeuta, odontólogo, psicólogo e quatro médicos contratados através de uma cooperativa. Bella
Unión conta com um Hospital de atendimento exclusivo ASSE com bloco cirúrgico, 40 leitos e 40
médicos que atuam em 24 especialidades médicas (neurologia, psiquiatria, anestesia, cardiologia,
oftalmologia, otorrino, endocrinologia, dermatologia, traumatologia, dentre outras). Na cidade também
atua a Cooperativa Médica de Artigas (GREMEDA). Como já exposto, o hospital sempre atendeu aos
brasileiros de Barra, e ainda atendimentos a partos, que não estão cobertos pelo convênio firmado em
2011 entre a Prefeitura da Barra do Chuí e o Hospital de Bella Unión.
O reconhecimento da cidade vizinha como alternativa aos cuidados em saúde da população fica
evidente quando se refere à caracterização da saúde municipal, Rodrigues elenca “[…] duas ambulâncias
equipadas para a remoção de pacientes para Uruguaiana e Bella Unión” (2005, p. 27). Analisando as
distâncias percorridas entre o Centro de Saúde barrense e sua referência – a Santa Casa de Uruguaiana,
fica evidente que nem sempre o atendimento pelo hospital uruguaio se dá por opção, e sim por
necessidade. Por ter uma infraestrutura menor, não foi referido o fluxo de uruguaios para atendimento
em Barra do Quaraí. Sobre atendimentos no Uruguai, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2008), revelou que 85% dos seus entrevistados já haviam recebido atendimento em Bella Unión.
Por conta da aprovação do Ajuste Complementar ao Acordo para Permissão de Residência,
Estudo e Trabalho a Nacionais Fronteiriços Brasileiros e Uruguaios, para Prestação de Serviços de
Saúde, firmado no Rio de Janeiro, em 2008, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 933/2009 e promulgado pelo
Decreto nº 7239/2010, foi possível que os municípios em questão (prefeitura municipal e a Administração de
Serviços de Saúde do Estado (ASSE), do Uruguai celebrassem um convênio para compra de serviços em

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no hospital uruguaio. Desse modo, foi possível custear pelo atendimento de brasileiros no Hospital de
Bella Unión, garantindo pela vigência de um ano o atendimento a
Consultas de urgência/emergência incluindo exames básicos de sangue e
eletrocardiograma; hemograma, glicemia, sódio, potássio, ureia e creatina, TGO e
TGP, TP, KTTP, hemossedimentação, PCR, HIV, troponina, CPK e CKMB, amilase,
QUE, urocultura, beta HCG (PREFEITURA MUNICIPAL DA BARRA DO
QUARAÍ, 2011, p. 2).

O referido convênio (tratado diretamente entre a prefeitura brasileira e direção do hospital, com
alguma intervenção do Ministério da Saúde) foi estipulado em um teto de 300 consultas ao valor
unitário de U$ 54,00 (cinquenta e quatro dólares), e a dificuldade apontada pelos atores locais foi a
efetivação do pagamento dessas prestações junto ao hospital, que eram acrescidas de taxas bancárias
que chegavam a 35% do montante a ser pago, por se tratar de operação financeira internacional. É
interessante salientar que o convênio surgiu mais para legitimar uma situação que já ocorria no território
(de atendimento de brasileiros pelo hospital uruguaio), posto que o mesmo está localizado a 6 km de
distância de Barra do Quaraí, em detrimento à referência hospitalar do município para esse tipo de
atendimento, situada a 70 km dali. Foi relatado que as gestantes que se encontram na iminência de
terem seus filhos seguem sendo atendidas no hospital, fora da cota desse convênio, sendo essas crianças
já registradas ali e depois novamente registradas no Brasil, tendo elas a dupla nacionalidade, ou o
fenômeno conhecido como “doble chapa”.

3.3 Chuí-Chuy
De acordo com dados obtidos junto ao Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de
Saúde (SCNES, 2012) o Chuí brasileiro dispõe de um centro de saúde com enfermeiros, técnicos em
enfermagem, nutricionista, psicólogos, odontólogos, e mantém um convênio com uma cooperativa que
disponibiliza médicos, devido a dificuldade de contratação desses profissionais – ao todo são 18
médicos (pediatria, ginecologia e clínica geral), a maioria com 4 horas carga horária semanal. Quanto ao
acesso da população, ele “atende brasileiros e uruguaios que vivem no Brasil” (Entrevistado 11, 2012).
O Chuy tem uma população de 10.045 habitantes, foi alçado a município há três anos, conta com um
hospital que atende ASSE, e também prestadores privados como a Cooperativa de Médicos de Rocha
(COMERO). Ao hospital estão vinculados 47 médicos de diversas especialidades: ginecologia, pediatria,
neurologia, ortopedia, entre outras.
Embora no Brasil não se tenha obtido relatos de que brasileiros fossem atendidos no Hospital
do Chuy, nossos vizinhos mantém um controle de frequência desses pacientes: entre junho e agosto de
2012, somavam-se 270 atendimentos, média de 90/mês. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(2007b) também aponta que durante pesquisa realizada no município, 40,1% dos entrevistados
buscaram atendimento no Chuy. Segundo Aveiro (2006, p. 96), a conclusão do Hospital do Chuy foi

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tratada no Comitê de Fronteira em 1990, que atendia “[…] aos cidadãos dos dois lados da fronteira, de
forma gratuita e indistinta”, quando Chuí ainda era um distrito de Santa Vitória do Palmar.
Os dois há anos municípios procuram implementar um Centro Regional de Hemodiálises, no
Chuy, tendo inclusive uma Comissão Binacional específica constituída em outubro de 2011 para tratar
deste tema, pois os pacientes brasileiros com insuficiência renal crônica tem de percorrer 245km até
Pelotas e os uruguaios 130km até Rocha, três vezes por semana para obter tratamento. O Centro seria
encampado pela COMERO, que já teria inclusive adquirido terreno para iniciar sua construção. Seu
funcionamento se daria com 11 máquinas em funcionamento e 3 para eventuais substituições, às
segundas, quartas e sextas-feiras, contando com enfermeiros e pessoal treinado e médicos que se
deslocariam de Rocha para acompanhar os procedimentos. Quanto ao financiamento, seria coberto
pelo Fondo Nacional de Recursos, e atenderia a pacientes vinculados a ASSE e Instituições de
Assistência Médica Coletiva (IAMC) (COMISIÓN BINACIONAL PRÓ CENTRO REGIONAL DE
HEMODIÁLISIS PARA CHUY, 2011). Sobre o custeio para atendimento a brasileiros ainda não está
definido, pois segundo os entrevistados o que emperra as negociações é encontrar a forma de pagar
pelos procedimentos
O Uruguai se propôs a fazer o centro de hemodiálise, e o Brasil pagaria o uso pelos
brasileiros através do SUS. Nós ficamos de ver a possibilidade do SUS pagar para uma
empresa do lado uruguaio – não sabemos como isso será feito legalmente (Entrevistado 11,
2012).

Segundo dados da Comissão, 37 pacientes de Chuí, Chuy, Santa Vitória do Palmar, Lascano de
Cebolattí seriam beneficiados pelo Centro. A viagem para os serviços de referência, além de serem
longas (o trajeto Chuy-Rocha-Chuy mais o tempo de tratamento dura cerca de dez horas) e cansativas
para os pacientes que já estão debilitados preocupam também por conta dos acidentes de trânsito6 que
ocorrem com os veículos que os transportam. Outro inconveniente assinalado é o desemprego por
conta da impossibilidade destas pessoas trabalharem, pois são em sua maioria relativamente jovens que
acabam dependendo de seus pais aposentados, filhos ou esposas/maridos para viver (JUNTA
DEPARTAMENTAL DE ROCHA, 2010).

Conclusões
Nas cidades pesquisadas foi possível verificar que, embora tenham características em comum
quanto a população e estrutura disponível em saúde, cada um procura sanar suas debilidades na atenção
à saúde de forma peculiar: procurando a referência do lado brasileiro, propondo convênios ou mesmo
troca de serviços, valorizando assim a expertise do município vizinho. E de fato, enquanto não forem

6 Em 2008 um grave acidente entre um ônibus da Secretaria Municipal de Saúde de Santa Vitória do Palmar e um caminhão
resultou na morte de 7 pessoas e 20 feridos. Eles estavam a caminho de Pelotas e Rio Grande para realizar tratamentos de
saúde. Entrevistados uruguaios relataram a ocorrência de acidentes no trajeto a Rocha.

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seguidos acordos existentes e outros sejam elaborados para normatizar essas questões, o acesso da
população estrangeira ao serviço variará sempre de acordo com o entendimento que o gestor ou
prestador de saúde tiver sobre o direito à saúde.

Referências
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Indicadores socioeconômicos na América Latina:
estudo de caso entre Venezuela, Argentina,
Brasil, Colômbia e Haiti

Laila Cristina Gonçalves Silva Amaral1


Giani Raquel dos Santos Resplandes Gouvêa2
Thais Souza Gonçalves3
Yolanda Vieira de Abreu4

Introdução

O
acompanhamento das transformações advindas de políticas públicas, empresariais ou
acadêmicas consistia apenas em quantificações exclusivas. A partir da Segunda Guerra
Mundial os interesses mudaram e iniciou-se um controle da sociedade e dos países via
construção de dados estatísticos diversos, passando a identificar a realidade a partir de indicadores
econômicos produzidos por departamentos, agências e repartições públicas (BRASIL, 2010). No Brasil,
esta quantificação de modo mais sistêmico, foi realizada a partir da criação do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
No entanto, a partir de 1970, percebeu-se que os índices de desenvolvimento econômico não
refletiam o verdadeiro grau de desenvolvimento de um país, fazendo com que surgissem,
posteriormente, instrumentos mais específicos de quantificação e qualificação da condição de vida
populacional, como é atualmente (BRASIL, 2010).
Existem várias definições de indicadores, sendo que, de modo geral, para Cassiolato e Gonzales
(2009), estes são medidas de quantidade ou qualidade que informam a evolução de um objeto em
avaliação, mais especificamente:
O indicador é uma medida, de ordem quantitativa ou qualitativa, dotada de significado
particular e utilizada para organizar e captar as informações relevantes dos elementos
que compõem o objeto da observação. É um recurso metodológico que informa
empiricamente sobre a evolução do aspecto observado (CASSIOLATO;
GONZALES, 2009, p. 24).

O IBGE, em suas principais publicações os classifica, em uma perspectiva mais ampla, em


indicadores econômicos, sociais e ambientais. Os econômicos, primeiros a serem produzidos, refletem
o desempenho da economia de uma determinada região. Os sociais demonstram a qualidade de vida da

1 Universidade Federal do Tocantins. Economista. Mestranda em Agroenergia.


2 Universidade Federal do Tocantins. Bacharel em Direito. Mestranda em Agroenergia.
3 Universidade Federal do Tocantins. Economista. Mestranda em Agroenergia.
4 Universidade Federal do Tocantins. Economista. Prof a Dra Mestrado em Agroenergia.
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população e, consequentemente, o nível geral de bem-estar. Por fim, os ambientais apresentam os


progressos no que tange ao desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2010).
Com o intuito de estudar o comportamento socioeconômico da Venezuela, Argentina, Brasil,
Colômbia e Haiti, e consequentemente, detectar semelhanças ou disparidades entre estas nações e
estabelecer um perfil de cada território, foram selecionadas 14 variáveis, sendo que 7 descrevem as
características sociais e 7 descrevem os aspectos econômicos.

Metodologia
As metodologias utilizadas no presente trabalho foram explicativa, explanatória e bibliográfica.
As principais fontes consultadas para coleta de dados foram o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a Organização das Nações Unidas (ONU), o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional (FMI), entre outras instituições e programas que contemplam o assunto no ano de 2013.
No entanto, por não apresentarem dados estatísticos, realizou-se a captação de dados em anos
imediatamente anteriores em alguns casos.
Os países estudados foram Venezuela, Argentina, Brasil, Colômbia e Haiti com a finalidade de
apresentar a real situação econômica e social destes, a partir de indicadores de desenvolvimento, tais
como:
 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): “índice composto que mede as realizações em três
dimensões básicas do desenvolvimento humano - uma vida longa e saudável, o conhecimento e
um padrão de vida digno” (PNUD, 2013, p. 153). Medido entre 0 e 1, sendo que, valores mais
próximos a 1 indicam alto índice de desenvolvimento humano naquela região.
 Expectativa de Vida ao Nascer: “número de anos que uma criança recém-nascida poderia esperar
viver se os padrões prevalecentes das taxas de mortalidade por idades à data do nascimento
permanecessem iguais ao longo da sua vida” (PNUD, 2013, p. 153).
 Taxa de Alfabetização: percentagem de pessoas com 15 ou mais anos de idade que saibam ler e
escrever um bilhete simples no idioma que conhece.
 Índice de Gini: cálculo usado para medir a desigualdade social, cujo valor varia de zero (perfeita
igualdade) a um (a desigualdade máxima).
 Eletricidade per capita: energia elétrica consumida por habitante.
 Saneamento Básico: população com acesso a rede sanitária.
 Abastecimento de Água: população com acesso a água potável.
 Produto Interno Bruto (PIB): valor de mercado de todos os bens e serviços finais, produzidos em
uma nação em determinado período de tempo (MANKIW, 2005). Quanto mais elevado o PIB,
melhor e mais próspera a condição de vida nessa nação (FERREIRA, 2012).

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 PIB per capita: resulta da divisão do PIB da nação por sua população total, de modo a verificar a
riqueza média desta.
 Dívida Pública Federal: refere-se a todas as dívidas contraídas pelo governo federal para
financiamento do seu déficit orçamentário, incluindo o refinanciamento da própria dívida e
outras operações com finalidades específicas, definidas em lei (STN, 2013).
 Taxa de Desemprego: população de 15 anos ou mais de idade economicamente inativa.
 Importações: total de bens e serviços produzidos no exterior e, posteriormente, comprados por
clientes locais.
 Exportações: total de bens e serviços produzidos localmente e, posteriormente, vendidos a
clientes estrangeiros.
 Saldo da Balança Comercial: total de recursos financeiros que entram e saem de um país na forma
de importações e exportações de produtos, serviços, capital financeiro, bem como transferências
comerciais (STN, 2013).

Análises dos indicadores

Para a apresentação das análises social e econômica da Venezuela, Argentina, Brasil, Colômbia e
Haiti foi realizada, primeiramente, uma caracterização geral a partir dos aspectos demográficos dessas
regiões, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 Características Demográficas, 2012.


Venezuela Argentina Brasil Colômbia Haiti
Área 912.050 2.791.810 8.515.767 1.141.750 27.750
(km²)
População 29.890.694 41.118.986 199.242.462 47.550.708 10.255.644
(hab.)
População Urbana 93,74 92,67 84,9 75,58 54,8
(%)
População Rural 6,26 7,33 15,1 24,43 45,2
(%)
Densidade 33 15 23 42 370
(hab./km²)
Fonte: IBGE, 2012.

Com base nos dados acima, pode ser observado que o Brasil é o país, dentre os analisados, com
maior extensão territorial e maior população absoluta, ou seja, 8.515.767 km² e 199.242.462 habitantes,
respectivamente. O Brasil compreende uma área e uma população quase duas vezes maior que todos os
países em estudo, conjuntamente.
A maior parte da população brasileira (84,9%) se concentra na zona urbana, assim como a
população dos demais países. No entanto, no Haiti esse percentual é bem menor, sendo a ocupação na
zona rural mais acentuada (45,2%), evidenciando o caráter primário da região desde a colonização.

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O Haiti é responsável ainda pela maior densidade demográfica dos países em estudo, com 370
habitantes por km². A Argentina, por sua vez, possui uma densidade demográfica relativamente baixa
para os padrões mundiais, ou seja, apenas 30% da média mundial, de 50 habitantes por km². Tal fato se
explica devido a Argentina se encontrar no bloco de países continentais e o Haiti no de países insulares.

Indicadores Sociais
Os indicadores sociais são medidas de monitoramento do bem-estar social e,
consequentemente, do desenvolvimento de determinadas regiões. Assim sendo, a Tabela 2 revela
informações sobre o desenvolvimento dos países localizados na América Latina, vistos a partir destes.

Tabela 2 Indicadores Sociais, 2013.


Venezuela Argentina Brasil Colômbia Haiti
IDH
0,748 0,811 0,730 0,719 0,456
(valores entre 0 e 1)
Expectativa de Vida
74,6 76,1 73,8 73,9 62,4
(anos)
Taxa de Alfabetização*
93,0 97,6 90,4 92,7 65,3
(%)
Índice de Gini*
0,435 0,458 0,539 0,585 0,595
(valores entre 0 e 1)
Eletricidade per capita
3.061 2.481 2.286 858 32
(kWh)
Abastecimento de Água*
- 99 97 93 64
(%)
Saneamento Básico*
- 96 81 78 26
(%)
Fonte de dados: IBGE, PNUD, OMS/UNICEF (2013).
* Dados referentes ao ano de 2011.

Desde o ano 2000, todos os países registraram progressos na educação, na saúde e nos
rendimentos, como aferidos pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). No entanto, analisando
esses países de forma específica, observa-se que a Argentina e a Venezuela são as nações em estudo
com os melhores indicadores sociais.
No Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2013, ano base 2012, elaborado pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os IDHs da Argentina e da Venezuela
são considerados como muito elevado (0,811) e elevado (0,748), ocupando a 45ª e 85ª posições,
respectivamente. O Haiti é o único, dentro desse conjunto de países, com desenvolvimento humano
baixo (165ª), os demais apresentam IDHs considerados muito elevado e elevado.
A América Latina foi, em 2012, a região com maior crescimento nos indicadores de
desenvolvimento humano no mundo (0,67%). Atualmente, esta apresenta IDH (0,741) inferior apenas
ao da região europeia, onde planejamentos e altos investimentos sociais fizeram com que países
obtivessem um alto índice de desenvolvimento. O nível mundial do IDH é de 0,694 (PNUD, 2013).
Ainda de acordo com o RDH (2013), a América Latina apresentou índices positivos em todas as
variáveis que compõem o IDH, entre os quais se destaca uma expectativa de vida de 74,7 anos, também

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acima da média mundial de 70,1 anos. Tal fator se explica, segundo o PNUD (2013), devido à
integração de “Estados fortes” na economia e no comércio mundial. A Colômbia, por sua vez,
apresenta expectativa de vida maior que a brasileira (73,9 anos), mesmo sendo um país com menor
desenvolvimento humano e uma prevalecente desigualdade de rendas e riquezas. Observa-se ainda que
no Haiti, a expectativa de vida é, em média, dez anos menos do que na Venezuela, Argentina, Brasil e
Colômbia.
A proporção de pessoas de 15 ou mais anos de idade alfabetizadas na Argentina (97,6%) e na
Venezuela (93,0%), também é superior aos índices dos países analisados. No Brasil, este percentual é de
90,4, mostrando que quase 10% da população não sabem ler e escrever um bilhete simples no idioma
que conhece.
A Colômbia, mesmo com seu caráter guerrilheiro, apresenta menor taxa de analfabetismo que o
Brasil e o Haiti, e uma taxa pouco superior ao índice da Venezuela, com 92,7% de sua população
alfabetizada. Já no Haiti, país possuidor dos piores índices, o problema afeta mais de um terço (34,7%)
da população com idade superior a 15 anos, indicando que muito tem a ser feito pelo país mais pobre
do hemisfério Ocidental (PNUD, 2013).
Nesse ranking, o Brasil ocupa a décima segunda maior taxa de analfabetismo, em um total de 20
países, ficando atrás dos índices de Cuba (0,2%), Uruguai (1,9%), Argentina (2,4%), entre outros
(PNUD, 2013).
Estimativas mostram ainda que a taxa de analfabetismo da América Latina reduziu 68,5% entre
1970 e 2010, passando de 26,3% para 8,3%. E mais, a ONU estima que em 2015 tal percentual será de
7,1 para a América Latina e de 8,2 para o Brasil (PNUD, 2013).
A Tabela 2 demonstra o índice de Gini, onde apontam o Brasil com resultado de 0,539, sendo
assim, o sétimo país mais desigual do mundo, à frente apenas da Colômbia, Haiti, Bolívia, Honduras,
África do Sul e Angola (PNUD, 2013).
A Colômbia e o Haiti, mesmo apresentando-se como regiões com posições tão extremas em
alguns índices, como os citados acima, nesse, estes se apresentam como pouco díspares, vez que o nível
de desigualdade colombiano é inferior ao haitiano em menos de 10%.
Os dados do PNUD (2013) permitiram constatar ainda que, dos 10 países mais desiguais do
mundo, segundo o índice de Gini mundial, 06 se encontram na América Latina, região mais desigual
atualmente.
Quanto ao nível de eletricidade per capita, pode ser observado que a Venezuela, país que vem
apresentando bom comportamento dos indicadores sociais, apresenta neste um valor elevado (3.061
kWh por habitante), um dos fatores que justificam a necessidade declarada de estado de emergência do
sistema de serviço elétrico do país, pelo governo venezuelano, em abril de 2013.

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O ministro venezuelano de Energia Elétrica, Jesse Chacón, afirma que o país se tornou o maior
consumidor de energia per capita da América Latina, devido ao aumento da demanda advinda do
fornecimento de energia à população que jamais obtivera esse recurso (TADDEO, 2013).
A Venezuela possui uma capacidade de consumo elétrico superior ao do Haiti em quase 100
vezes. A Argentina, o Brasil, e a Colômbia apresentam níveis de consumo inferiores ao venezuelano em
18,9%, 25,3% e 71,9%, respectivamente.
Em termos de recursos hídricos, afirma-se que a América Latina é responsável por mais de 31%
da água doce mundial, sendo considerada a região mais rica no que tange a disponibilidade de água por
habitante. No entanto, estimam que 78 milhões de habitantes dessa região, ou seja, 15% da população
carecem de água potável devido à explosão da urbanização dos países em desenvolvimento. Além disso,
irregularidades no abastecimento fazem com que países da mesma região apresentem disparidades tão
significativas, como podemos observar entre Argentina e Haiti, por exemplo (BANCO MUNDIAL,
2013).
Pode ser observado também que, os índices dos países analisados são elevados no que tange ao
acesso da população a água potável. Na Argentina, 99% da população dispõem desse benefício e
possuem todos os atributos para que esse percentual chegue a 100, com a criação de novos programas
que os beneficiem, em 2012. No Haiti, por outro lado, esse percentual é de apenas 64, mostrando que
quase 7 milhões de habitantes passaram a ter esse problema social a partir do terremoto ocorrido em
2010 na capital do país, Porto Príncipe. Comparado ao Brasil, Argentina e Colômbia, o Haiti possui,
uma taxa 34% menor referente ao nível de acesso à água potável.
Em saneamento, o índice haitiano é ainda mais preocupante, de apenas 26%. Nos demais
países, com exceção da Venezuela, devido a não estimação, e da Argentina, por contar com 96% de sua
população com saneamento básico, tais valores também não são tão favoráveis. A Argentina possui um
nível de saneamento 73% maior que o do Haiti. No Brasil, por sua vez, apenas 45,7% dos domicílios
tem acesso à rede de esgoto sanitário, onde dos 5.564 municípios, 2.495 não contam com nenhum tipo
desse serviço (IBGE, 2013).
O relatório “Programa de Monitoramento Conjunto para Abastecimento de Água e
Saneamento”, realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF) em 2013, estimou que a carência do serviço de saneamento atingirá 2,4
bilhões de pessoas no mundo até 2015. Dentre estes, 22%, o equivalente a 175 milhões de pessoas,
serão da América Latina, onde a falta deste e de água é comum (OMS/UNICEF, 2013).
Segundo Sanjay Wijesekera, diretor global do Programa de Água, Saneamento e Higiene do
UNICEF, "esta é uma situação de emergência não menos terrível do que um forte terremoto ou
tsunami". Afirma ainda que "todos os dias centenas de crianças morrem, todos os dias milhares de pais
choram seus filhos e filhas. Podemos e devemos agir em face desta colossal tragédia humana diária"
(OMS/UNICEF, 2013, p. 1).

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Indicadores Econômicos
Autores afirmam que os indicadores econômicos buscam apresentar informações do sistema
econômico de determinada região:
Os indicadores econômicos (IEs) representam essencialmente dados e/ou
informações “sinalizadoras” ou “apontadores” de comportamento (individual ou
integrado) das diferentes variáveis e fenômenos componentes de um sistema
econômico de um país, região ou estado (LOURENÇO; ROMERO, 2002, p. 27).

A seguir serão apresentadas informações sobre o desenvolvimento de alguns países localizados


na América Latina, a partir de indicadores econômicos (Tabela 3).

Tabela 3 Indicadores Econômicos, 2013.


Venezuela Argentina Brasil Colômbia Haiti
PIB
382.42 474.90 2435.20 369.80 7.84
(bilhões de US$)**
PIB per capita
6.406,87 11.601,63 5.721,23 4.252,38 459,7
(US$)**
Dívida Pública
49,0 43,2 65,1 32,3 16,2
(% PIB)**
Taxa de Desemprego
7,6 7,2 5,6 9,88 40,6*
(%)
Importações
13.916 7.058 20.199 4.310 247,25**
(milhões de US$)
Exportações
22.200 7.828 21.425 4.820 65,26**
(milhões de US$)
Saldo da Balança Comercial
8.284 770 1.226 0.510 181.99**
(milhões de US$)
Fonte de dados: TRADING ECONOMICS (2013).
* Dados referentes ao ano de 2010.
** Dados referentes ao ano de 2012.

Com base nos dados apresentados no “Balance Económico Actualizado de América Latina y el
Caribe 2012” de abril de 2013, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), nota-
se que o crescimento do PIB da América Latina foi de 3,0%. O motivo deste ter sido menor que os
3,1% estimados no fim de 2012, deve-se ao fato que as taxas de crescimento da Argentina (1,9%) e do
Brasil (0,9%) foram menores que as estimativas iniciais. Dentre os países latinos americanos, a taxa
brasileira ficou a frente apenas do Paraguai, cujo índice foi de -1,2%.
No entanto, observa-se na Tabela 3 que o Brasil e a Argentina respondem, conjuntamente,
pelos maiores índices, ou seja, são as maiores economias da América Latina. Entretanto, comparando
com os países em estudo, o PIB brasileiro é duas vezes maior que o PIB destes, concomitantemente.
Adicionalmente, comparando com o PIB da Venezuela, Argentina e Colômbia têm-se um PIB médio
de US$409,04 bilhões, ou seja, apenas 16,8% do PIB do Brasil. Nota-se ainda que o PIB brasileiro é
superior ao haitiano 310 vezes.
Os países, Venezuela, Colômbia e Haiti apresentaram crescimentos de 5,6%, 4,0% e 2,8% no
ano de 2012, respectivamente. Para 2013, as estimativas são de crescimento em 2,0% para a Venezuela,

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de 4,5% para a Colômbia, de 6,0% para o Haiti, de 3,5% para a Argentina e de 3,0% para o Brasil. Para
a América Latina, como um todo, estimam-se um percentual de crescimento de 3,5 a partir da
recuperação agrícola e dos investimentos da Argentina e do Brasil, perdidos em 2012 (CEPAL, 2013).
Quanto ao PIB per capita, destaca-se que a Argentina, mesmo com um PIB teoricamente
pequeno comparado ao do Brasil, possui o maior índice (US$11.601,63 por habitante). O Brasil,
detentor de maior PIB, porém, com maior número populacional, apresenta PIB per capita duas vezes
menor que o argentino e doze vezes maior que o haitiano, de apenas US$459,7 por habitante.
Comparando com o PIB per capita da Argentina têm-se que este é 25 vezes maior que o haitiano, 2
vezes maior que o colombiano e, aproximadamente, 2 vezes o venezuelano.
No entanto, ao analisar a taxa de crescimento do PIB per capita desses países, apresentado no
“Estudio Económico de América Latina y el Caribe: tres décadas de crecimiento desigual e inestable”
da Cepal, vê-se que a Venezuela (4,0%), a Colômbia (2,6%) e o Haiti (1,5%) apresentaram aumentos
superiores ao da Argentina (1,0%). O Brasil, no entanto, apresentou crescimento baixíssimo de apenas
0,1%, tornando-o um dos países mais desiguais da América Latina mesmo com crescimento econômico
e redução da pobreza nos últimos anos. Por sua vez, a América Latina apresentou crescimento de 1,9%
em seu PIB per capita (Cepal, 2013).
A Dívida Pública Federal (DPF) inclui os endividamentos das nações. Desse modo, no que
tange aos países em análise, pode-se observar na Tabela 3, que o Brasil é o país com maior dívida
pública, ou seja, 65,1% do orçamento da União são destinados ao pagamento da mesma. Em termos
monetários isso significa, cerca de, R$ 2 trilhões, com estimativas de aumentos entre 4,58% e 11,55%
em 2013, podendo chegar a R$ 2,24 trilhões (STN, 2013).
Maria Lucia Fattorelli, auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira “Auditoria
Cidadã da Dívida”, afirma que:
A dívida pública se transformou em um mero instrumento do mercado financeiro.
Em lugar de servir como meio de obtenção de recursos para financiar o Estado e
incrementar as condições de vida de todos os brasileiros, tornou-se um mecanismo de
subtração de crescentes volumes de recursos públicos, inviabilizando a destinação de
verbas para áreas sociais e provocando a piora nas condições de vida da sociedade em
geral, enquanto favorece o setor financeiro (UNISINOS, 2012, p. 1).

Na Argentina onde, atualmente, tentam aprovar nova reestruturação da dívida, esta corresponde
43,2% do PIB desta nação. No Haiti, esse percentual é de apenas 16,2, devido ao fato de que seus
principais credores, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), juntamente com os governos dos
Estados Unidos, Canadá e França, perdoaram a dívida em quase sua totalidade para que se iniciasse o
Plano de Reconstrução do Haiti (PSTU, 2013).
A DPF da Colômbia é duas vezes menor que a brasileira, consumindo apenas 32,3% do PIB
deste país. Diante disso, estima-se uma tendência de melhora, vez que, mesmo com o menor
crescimento da economia devido à crise externa, este foi maior que o brasileiro. Luiz Cherman,

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economista do Itaú Unibanco, afirma que a Colômbia tem feito o dever de casa por meio de reformas
políticas para melhorar sua situação, como é o caso da “regra fiscal” (MANIERO, 2012).
No relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre as tendências mundiais do
emprego, foi declarado que a taxa de desemprego mundial alcançará níveis inéditos, podendo chegar a
202 milhões de pessoas desempregadas findos 2013. A situação é ainda mais preocupante entre os
jovens entre 15 e 24 anos, cuja taxa poderá atingir 12,6% destes. No entanto, a América Latina poderá
fechar o ano com o índice entre 6,4% e 6,2%, ou seja, o mais baixo das últimas décadas (OIT, 2013).
Na Tabela 3, constata-se que a Argentina e a Venezuela, conhecidas por apresentarem os
melhores índices, perdeu lugar ao Brasil, o qual possui melhor comportamento desse indicador com
apenas 5,6% da sua população desempregada. A Colômbia possui quase 10% de sua população com
essa problemática social.
No entanto, índice alarmante é o do Haiti, onde o indicador, taxa de desemprego, sempre foi
um problema social devido à incapacidade de geração de rendas no país. Comparado aos demais países,
mesmo com dados de 2010, este possui uma taxa de desemprego altíssima (40,6%), chegando a possuir
uma taxa cinco vezes maior que a taxa de desemprego média dos países em estudo,
concomitantemente. Com a ocorrência do terremoto, esse percentual chegou a 95% da população
economicamente ativa em 2011, onde mais de 70% da população vivia e vive até hoje do mercado
informal (OIT, 2013).
No que tange a capacidade de importação e de exportação dos países analisados, podemos
constatar que Brasil e Venezuela detêm os melhores índices. Tal fato deve-se a produtividade
petrolífera da Venezuela, a qual ocupa o lugar de maior produtora da América do Sul com uma média
de 3 milhões de barris/dia (FERNANDES, 2012).
No Brasil, o principal responsável pelos altos índices são as elevadas exportações de milho e
derivados, como carne e etanol, entre outros, ou seja, das commodities agrícolas como um todo. Um
dos fatores que favoreceram tal fato foi a forte seca que atingiu a safra norte-americana, reduzindo a
oferta mundial desses produtos pelos Estados Unidos. Para a América Latina, região com enorme
riqueza de matérias primas e bens básicos para o comércio, este foi o grande fator para a superação de
crises (FERNANDES, 2012).
Os saldos das balanças comerciais apresentaram superávits, com exceção do Haiti, cujo déficit
foi de US$181 milhões em 2012. No Brasil, estima-se que, mesmo estando em superávit, tal poderá se
reverter para um déficit de US$2 bilhões no fim de 2013, devido a atual redução das exportações
petrolíferas advinda da desativação de algumas plataformas da Petrobrás. O presidente da Associação
de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, informa que se tal fato não viesse a ocorrer, o
saldo da balança comercial do Brasil poderia chegar a um superávit de US$7 a US$10 bilhões em 2013
(BRANCO, 2013).

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Para Sérgio Vale, da MB Associados, o mercado de commodities do Brasil apresenta um


problema estrutural, como, por exemplo, falta de investimentos em infraestrutura e altos custos de
produção, que dificulta uma forte elevação das exportações brasileiras. Ou seja, com um mundo cada
vez mais competitivo, o Brasil vem perdendo mercado a cada ano devido a esses fatores (MODENA,
2013).

Conclusão
Este artigo buscou analisar 14 variáveis socioeconômicas dos seguintes países: Venezuela,
Argentina, Brasil, Colômbia e Haiti. Percebeu-se durante o estudo que na Argentina e na Venezuela, as
variáveis que denotam aspectos relacionados à qualidade de vida da população, possuem valores que
representam uma evolução positiva a nível social e econômico em comparação com as demais nações,
como IDH, Índice de Gini, PIB per capita, Taxa de Desemprego, entre outras, nos anos de 2011, 2012 e
2013.
Porém, o que foi constatado durante a pesquisa e chamou a atenção foram os dados da
Colômbia para 2013, mesmo tendo: a menor área por quilômetro quadrado; a segunda maior
população, perdendo somente para o Brasil; a maior densidade demográfica, que chega quase ao dobro
frente a do Brasil; maior taxa de desemprego; menor saldo na Balança Comercial; enfrentado Guerra
Civil e guerrilhas desde 1960, apresenta melhor expectativa de vida que o Brasil, e apresenta um IDH,
que se comparado com o do Brasil (0,730) e o da Venezuela (0,748), pode-se concluir que existe uma
melhor aplicação do dinheiro público em favor da população nessa nação.
Outro fator importante refere-se ao Haiti, que em 1790 era, porventura, o país mais rico do
Novo Mundo, e atualmente ocupa a posição de país mais pobre do hemisfério Ocidental.
Na América Latina apesar da desigualdade ter diminuído, esta se apresenta, como a região mais
desigual de todas as regiões do mundo no tocante à distribuição de riquezas (PNUD, 2013). Desse
modo, evidencia-se a existência de diferenças marcantes entre as nações estudadas e, mais ainda, entre
essas e os países em estudo pertencentes ao mundo em desenvolvimento.

Referências
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07 ago. 2013.
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XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 876
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em: 08 ago. 2013.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Programa Compra Direta do governo federal para
a agricultura familiar: caso da cidade de Paraíso
do Tocantins (TO) e cidades vizinhas

Márcio Eckardt1
Rafael Gualberto de Ávila2
Yolanda Vieira de Abreu3

Introdução

A
modalidade de Compra Direta Local é realizada por meio da aquisição de alimentos dos
agricultores enquadrados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF). Os alimentos são fornecidos pelas entidades sócios assistenciais que atendem as
famílias ou indivíduos que estejam em estado de insegurança alimentar nutricional, em vulnerabilidade
social, pessoas atendidas por programas sociais, crianças de escolas públicas. Para o funcionamento do
programa é firmado convenio com os governos estaduais que são responsáveis pela operacionalização
(BRASIL, 2011).
Os produtos que podem ser comercializados pelos agricultores e permitidos pelo PCD e PCDL
são os alimentícios oriundos da agricultura familiar para consumo humano, que incluem alimentos
perecíveis e característicos da região e do hábito alimentar. A região de abrangência da regional de
Paraíso do Tocantins atende a estas exigências, adquirindo produtos dos agricultores familiares, que são
peça fundamental para o estado do Tocantins que vem vivenciando crescimento dos centros urbanos
ao mesmo tempo em que o número de habitantes na área rural vem diminuindo.
O Estado do Tocantins esta localizado na região Norte do Brasil, na área denominada de
Amazônia Legal, possui extensão territorial que pode ser estilizada para produção agrícola de
13.921.035ha. Deste potencial 7.500.000ha são pastagens e 600.000ha são atualmente explorados com
agricultura, restando uma área a serem explorados de 6.900.000 hectares (SEAGRO, 2011).
As principais atividades agropecuárias desenvolvidas pelos agricultores familiares são a criação
extensiva de gado bovino e os cultivos de arroz, mandioca, milho e fruticultura. (CONAB, 2008). Com
a aquisição destes produtos, o Estado, através da execução do Programa Federal de Aquisição de
Alimentos busca contribuir para o melhoramento das condições dos agricultores familiares.
A agricultura familiar apresenta-se no Tocantins com o total de 56.567 unidades familiares
(IBGE, 2006) que podem ser incluídas no Programa de Compra Direta (PCD), criado pelo governo
federal para ser desenvolvido pelos municípios brasileiros. Este torna possível que agricultores

1 Prof. MSc. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (Campus Paraíso)
2 Prof. MSc. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (Campus Gurupi)
3 Profa. Dra . Universidade Federal do Tocantins (Campus de Palmas)
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 878

familiares comercializem seus produtos através da venda direta às instituições municipais, estaduais e
federais sem licitação ou procedimentos burocráticos normais exigidos por estes. No Estado do
Tocantins as entidades beneficiadas pelo programa são as escolas, creches, casas de repouso e outras
instituições localizadas na região em que estes agricultores familiares estão inseridos. O PCD tem como
meta a aquisição de produtos agropecuários produzidos por agricultores familiares os quais tenham o
perfil exigido pela legislação específica destinada ao mesmo.
Para participarem do Compra Direta Local, os agricultores devem estar inscritos no Pronaf
sendo que cada beneficiado poderá comercializar até o valor total de R$4.500,00 por ano em produtos
como hortaliças, cereais, doces, legumes, derivados do leite, frutas entre outros produtos regionais.
Com a venda de produtos regionais foi possível, no ano de 2010, a 173 agricultores familiares
da regional de Paraíso do Tocantins participantes do programa Compra Direta Local atenderem a 69
entidades beneficiadas. Como resultado deste estudo pretende-se apresentar como o PCD propiciou
melhoria na renda dos agricultores familiares, inclusos no programa, e na segurança alimentar de
crianças e adultos das instituições beneficiadas.
O estudo de caso descrito é o da regional de Paraíso do Tocantins abrangendo 15 municípios.
O fato de 84% dos empreendimentos agrícolas no Brasil serem classificados como familiar e empregam
74,4% da população rural, além de representar 10% do PIB (MDA, 2013). Faz deste trabalho um
instrumento de reflexão quanto a agricultura familiar.

Material e métodos
O Programa de Compra Direta analisado é o da região da cidade de Paraíso do Tocantins (TO-
BR). A abordagem da pesquisa realizada foi do tipo exploratório, explicativo e descritivo. A coleta de
dados foi do tipo bibliográfico (livros, revistas, relatórios, outros) e, também, coleta de dados
estatísticos, in loco, nas instituições locais ligadas ao assunto desta pesquisa. Das instituições municipais,
estaduais e federais, no geral, envolvidas no PCD, pode se citar por exemplo: RURALTINS (Instituto
de Desenvolvimento Rural do Estado do Tocantins), IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), CONAB (Companhia
Nacional de Abastecimento) e outros. A delimitação temporal foi a do período que compreende a
comercialização dos produtos pelos agricultores nos anos de 2009 e 2010. Porém, este período foi
flexibilizado, quando necessário, quanto a fatos e dados históricos ou estatísticos para entender a
dinâmica do desenvolvimento do programa.

Resultado
Para incentivo e fomento da atividade da agricultura familiar o governo do estado do Tocantins
– TO por intermédio de sua LEI 2.069/2009 em seu Inciso II isenta da taxa de serviços Estaduais
(TSE) na emissão de nota fiscal avulsa relativa às operações.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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Com a participação da agricultura familiar a adesão ao programa compra direta no estado por
intermédio da regional de Paraíso do Tocantins atende aproximadamente 15 municípios, 69 entidades
que recebem uma diversificação de 150 tipos de produtos com preço estabelecido em pesquisa de
mercado. Entregam seus produtos ao programa 173 dos 5.322 agricultores familiares cobertos pela
regional, perfazendo um total de 3.25%. Os produtores receberam aproximadamente no ano de 2010
em média, segundo dados do controle financeiro da regional de Paraíso do Tocantins R$1.365,39 por
produtor.
Para manter a qualidade dos produtos fornecidos pelos produtores e garantir a segurança
alimentar a Secretaria da Agricultura solicita que todos os produtos devem ter a aprovação da vigilância
sanitária. Produtos como galinha caipira ou aves em geral devem estar abatidas congeladas e
empacotadas com o nome do produtor e seu endereço fixado em local visível para contato, se
necessário. Também, foram comercializados outros produtos como a mandioca, que deve estar limpa e
em caixas, milho verde, que deve estar sem palha, polpas de frutas, que deverão estar em embalagens de
500 gramas ou 1 quilo para facilitar o uso e ter padronização, o mel, que deverá ser entregue em
embalagem própria, sendo que para o mel não será permitido o uso de garrafa PET. Os produtos
devem obedecer ao padrão sugerido pela Secretaria de Estado e devem estar em condições de uso
imediato após o recebimento pela entidade. Se o produtor entregar um produto estragado ou sem
qualidade, este produto será devolvido. Ao persistir o problema de entrega de produtos sem condições
de uso o produtor responsável por tal entrega será desligado do programa.
Para minimizar os problemas de qualidade dos produtos decorrentes, muitas vezes pela
dificuldade de entrega e para agilizar a distribuição às entidades estão sendo implantadas as Centrais de
Distribuição nos municípios atendidos pelo programa de Compra Direta Local. Esta central servirá
para a entrega dos produtos por parte do produtor e local de retirada dos produtos por parte das
entidades beneficiadas.

Discussão
O PCDL na regional de Paraíso do Tocantins está sendo desenvolvido em 15 municípios
circunvizinhos onde beneficia em torno de 69 entidades carentes cadastradas como creches, escolas e
asilos. Dentro das 69 entidades o montante de pessoas beneficiadas é de 8.466 pessoas as quais
começam a ter acesso a segurança alimentar.
Entre as pessoas beneficiadas 4.587 pessoas são do sexo feminino e 3.879 pessoas do sexo
masculino, merecendo destaque ao montante de mulheres beneficiadas, pois nesse grupo ao se
trabalhar a segurança alimentar além de se reduzir a fome, há também a redução da taxa de mortalidade
infantil. Assemelhando-se a outros trabalhos realizados pelo governo federal como exemplo os
trabalhos desenvolvidos em comunidades indígenas no país (Programa de Segurança Alimentar e
Nutricional de Mulheres e Crianças Indígenas).

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Com a finalidade de se trabalhar a segurança alimentar, o programa busca a comercialização de


produtos regionais, os quais são comercializados 150 tipos de produtos como frango caipira, farinha,
doces, frutas, leite e hortaliças. Os responsáveis pelos 150 tipos de produtos são em torno de 173
agricultores familiares que realizam a venda com preços estabelecidos através de pesquisa de mercado
local realizada pelos órgãos executores do programa. A comercialização dos produtos através do
programa gera uma renda media adicional de R$ 1.365, 39 por produtor significando aumento nos
ganhos da família.
Assim, o programa funciona como uma ponte entre a produção e o combate à fome,
representando uma garantia de mercado para a agricultura familiar, promovendo a inclusão social no
meio rural por meio do fortalecimento do seu principal segmento produtivo. Os produtos são doados
ou seguem para estocagem e assim permite aos produtores receber preço justo, garantindo valor e
gerando renda, evitando a ação exploratória de atravessadores mal intencionados, tendo como objetivo:
1. Garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às
populações em situação de insegurança alimentar e nutricional;
2. Contribuir para formação de estoques estratégicos;
3. Permitir aos agricultores familiares que estoquem seus produtos para serem
comercializados a preços mais justos;
4. Promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura
familiar.
O acréscimo na renda familiar, segundo Aguiar (2011), pode fazer com que o agricultor familiar
tenha maior participação ao restante da economia, a ponto de não mais poder ser separada dos setores
que lhe fornecem insumos e/ou compram seus produtos. Essa integração pode ser percebida, por
exemplo, nos chamados complexos agroindustriais, que passaram a dirigir a própria dinâmica das
atividades agropecuárias a eles vinculadas.

Conclusão
O Programa de Compra Direta organizado pela regional de Paraíso do Tocantins (TO) está em
conformidade com as estratégias de atuação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar dando segurança alimentar para a população que se enquadra nas regras estabelecidas para
classificação das famílias ou entidades requerentes. O programa oferece garantia de mercado para os
agricultores familiares que estão cadastrados e ao mesmo tempo oferece alimentos de qualidade às
pessoas atendidas pelas entidades sociais e assistências da região. Os produtores recebem o preço justo,
conforme pesquisa de mercado, realizada antes da comercialização, evitando a ação de atravessadores
que exploram os produtores rurais.
Além disso, a implantação do programa na região de Paraíso do Tocantins gerou um aumento
da renda média dos agricultores, tem garantindo o acesso a alimentos saudáveis às populações em

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 881

situação de insegurança alimentar. Esta promovendo a inclusão social no campo, por meio do
fortalecimento da agricultura familiar e da segurança da compra de seus produtos a preços justos. Este
tipo de programa é muito importante uma vez que permite ao agricultor manter a si e sua família com
dignidade e promover melhoria na qualidade de vida do mesmo.

Referências
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<http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/> acesso em: 04 ago 2011.
_______. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). MDA apresenta politicas em encontro com novos prefeitos e
prefeitas em MT. Disponível em: http://portal.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=12556120. Acesso em
28 de Ago. de 2013.
COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO – CONAB. Acompanhamento da Safra Brasileira.
Grãos, safra 2007/2008, Décimo Levantamento, Brasília, Julho de 2008. Disponível em
<http://www.conab.gov.br> Acesso em: 07 de Ago de 2011.
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da Federação. Rio de Janeiro: IBGE, 2006. Acesso em: 05 ago 2011. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/
economia/agropecuaria/censoagro/agri_familiar_2006/familia_censoagro2006.pdf
SEAGRO. Agricultura. Tocantins. 2011. Acesso em: 05 ago 2011. Disponível em:
http://www.seagro.to.gov.br/conteudo.php?id=18

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


A integração social do Mercosul: uma agenda
de políticas públicas

Regina Claudia Laisner1


Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina
Guilherme Augusto Guimarães Ferreira
Gabriela Scarpari de Giacomo

Introdução

O
Mercosul surge da busca, nos anos de 1980, por maior inserção na economia global,
sobretudo, de Brasil e Argentina, que tiveram papel determinante no seu processo de
construção, majoritariamente, como forma de integração comercial. No limiar da década
de 1990 e início dos anos 2000, porém, a entidade voltou-se à ampliação do seu escopo e à
incorporação das questões sociais em sua agenda. Trata-se de um momento, fortemente influenciado
pelas demandas de atores não estatais que, fortalecidos pela realização do Fórum Social Mundial em
2006, acreditam que outra integração é possível (DELLO BUONO, 2006).
É nesta perspectiva que se apresenta esta comunicação com o objetivo de refletir sobre as bases
da integração social do Mercosul, tendo em vista os avanços e limites em termos de políticas públicas
no âmbito do bloco, em uma perspectiva crítica. Mais especificamente, versar-se-á, a respeito das
políticas públicas culturais, educacionais e de agricultura familiar.

O surgimento do Mercosul
O processo de integração latino-americana foi iniciado no século XIX, tão logo se desenvolve
o movimento de independência dos países da região, com ideais de proteção contra as metrópoles e de
solidariedade entre os países. Mas somente em meados dos anos de 1950 a ideia de integração se firma
e se consolida a partir da criação da Associação de Livre Comércio da América Latina (Alalc) em 1960
como tentativa de construção de um mercado comum para maior inserção dos países latino-americanos
no comércio internacional. Mais tarde encaminharam-se negociações mais abrangentes e, ao mesmo
tempo mais flexíveis, de modo a incorporar os diversos interesses a partir da criação da Associação
Latino Americana de Integração (Aladi), em 1980. Esta organização teve bastante relevância para os
diversos países da região na medida em que estabeleceu “uma estrutura capaz de viabilizar a negociação
de acordos de liberalização comercial entre eles, permitindo acordos bilaterais ou plurilaterais, graduais
e progressivos.” (ARAÚJO, 2006 p. 114)

1Autores do Núcleo de Estudos em Políticas Públicas – NEPPs / Faculdade de Ciências Humanas e Sociais / Universidade
Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" – Unesp, Franca/Brasil
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 883

As aproximações, sobretudo entre Brasil e Argentina, que mais tarde dão vida ao Mercosul
iniciam-se com a assinatura do acordo Itaipu-Corpus já em 1979 entre os governos brasileiro, argentino
e paraguaio. Tal aproximação avança no interior da própria Aladi, a partir de 1980, com a assinatura do
Tratado de Montevidéu e se acelera após a redemocratização dos dois primeiros países com a adoção
da Declaração de Iguaçu (1985), o Programa de Integração e Cooperação Econômica (1986) e o
Tratado de Integração e Desenvolvimento (1988). O salto determinante destas aproximações se deu em
março de 1991 quando, juntamente à participação do Paraguai e Uruguai, adotou-se o Tratado de
Assunção, marco que institucionalizou o Mercado Comum do Sul.
O objetivo destas aproximações na direção da construção do Mercosul pressupunham a
formulação de uma alternativa de desenvolvimento conjunto de modo a facilitar a inserção na
economia global pois, como afirma Oliveira (2003, p. 13)
[...] essas ações facilitariam a abertura comercial ao mundo externo e a competitividade
global, preservando ainda uma certa fronteira regional em relação ao espaço
econômico mundial, bem como a articulação entre diversas outras esferas, como a
científica, a tecnológica, a se segurança e a financeira, num amplo espectro de
perspectivas de colaboração, que propiciariam, pelo menos idealmente, antes de mais
nada, a reestruturação produtiva das empresas da região e, por conseguinte, tanto a
retomada do desenvolvimento nacional quanto o sucesso da integração regional entre
os países.

Esta perspectiva de desenvolvimento nacional apoiado no desenvolvimento regional se


vinculava a uma visão mais ampla do que consistia o desenvolvimento embalada no ideário neoliberal
que orientava os países, sobretudo do terceiro mundo, como modelo necessário e inevitável de
desenvolvimento. Tal ideário baseia-se em uma espécie de campanha contra o Estado de bem-estar que
teria gastos excessivos em salários e políticas sociais compensatórias, à revelia dos lucros das empresas,
processo que em última instância seria responsável pelos processos inflacionários. A recuperação dos
lucros e a retomada dos investimentos exigia a remoção de toda a espécie de entraves corporativos, o
estímulo à concorrência, e, principalmente, uma presença menor do Estado.
As elites nacionais de cada um deles [de cada um dos países] eram levadas a absorvê-
las [as ideias neoliberais] como ideário político e econômico, pois estavam interessadas
nas promessas de reestruturação socioeconômica pela renegociação da dívida externa
e pelos ajustes internos preconizados pelo Plano Baker, complementado mais tarde
pelo Plano Brady. Esses planos enfatizavam a criação de condições propícias tanto à
ampliação de um espaço de valorização do capital por outras regiões do planeta,
visando contornar a crise internacional no centro do sistema, quanto à saída da
estagnação sofrida na chamada 'década perdida' na periferia latino-americana
(OLIVEIRA, 2003, p. 14)

Deste modo, iniciava-se uma nova forma de inserção de Argentina e Brasil no sistema
internacional, baseada na aplicação destas medidas neoliberais com vistas a consolidar uma "plataforma
de expansão comercial ou circuitos auxiliares de valorização patrimonial e financeira" (TAVARES &
MELIN, 1998, p. 77 apud OLIVEIRA, 2003, p. 15)

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 884

Já no Artigo 1 do Tratado de Assunção o documento apresentou os propósitos do novo bloco


emergente: busca da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os membros a partir da
eliminação das restrições nacionais; estabelecimento de tarifa externa e política comercial comuns para a
região; coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes e harmonização
das respectivas legislações nacionais para o fortalecimento do processo integracionista (Mercosul,
1991). Desde então, as negociações e dinâmicas que ganharam palco neste ambiente marcaram-se pelo
caráter econômico e comercial dos seus conteúdos.
Paralelamente a este processo de consolidação do Mercado Comum do Sul, com forte apelo
comercial e profundamente articulado ao processo de liberalização econômica das décadas recentes na
América Latina e no Caribe, novas demandas surgem e colocam em evidência os desdobramentos
problemáticos deste tipo de integração restrito a uma perspectiva de desenvolvimento econômico.
Estas demandas chamam a atenção para a necessidade de construção de caminhos alternativos de
integração na América do Sul, e se colocam na ordem do dia com a incorporação de outros temas e
setores sociais, políticos e culturais, que haviam sido colocados em segundo plano. (AYERBE, 2007:
219).
Esta perspectiva mais abrangente do bloco, inclui a ideia de uma outra integração possível como
proposta ao contexto latino-americano. Essa nova referência difere das concepções economicistas da
integração – fundamentando-se na necessidade de influenciar todos os âmbitos da sociedade, em uma
integração que traga certamente elementos comerciais, mas para além disso se configure como uma
integração social, a partir da consolidação de políticas públicas amplas, inclusive sociais, desenhadas
para as necessidades do bloco e a população que nele reside.
E é por conta desta nova perspectiva de integração regional que temas como cultura, educação
e agricultura familiar, por exemplo, tem ganhado destaque. É a estes temas que nos dedicamos a seguir
de modo a avaliar avanços e desafios no âmbito do Mercosul, como variáveis fundamentais no
processo de integração que devem ser entendidas enquanto aspectos do cotidiano que modificam
concretamente a vida das pessoas que vivem os processos integrativos. Elementos que como defende
Dello Buono (2006) não sejam incorporados marginalmente, mas como formas genuínas, democráticas
e organizadas, desde baixo, na construção de novas identidades sociais, políticas e culturais.

As políticas para a Agricultura Familiar

O agronegócio, para os países do Mercosul, é um tema caro que sempre representou um


impasse para o desenvolvimento econômico e social no bloco. O cenário atual da agricultura na região
é marcado por uma produção que Marin (2012) denomina de “agricultura sem agricultores” a qual,
segundo o autor, tem na sua estrutura uma alta concentração da produção nas mãos de poucos
produtores, latifúndios monocultores com alto nível de utilização de agrotóxicos, aparato tecnológico
que praticamente elimina a mão de obra humana e que tem sua produção destinada, quase que
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 885

exclusivamente, para o mercado externo. (MARIN, 2002). Nesse contexto, a agricultura familiar
desponta como alternativa de produção e importante estratégia para garantir a segurança alimentar na
região tanto em termos de quantidade de alimentos quanto em qualidade.
Preocupações com essa temática deram origem à Reunião Especializada sobre Agricultura
Familiar do Mercosul (REAF), criada pela resolução 11/2004 do Grupo Mercado Comum (GMC), a
partir de uma proposta do governo brasileiro. A REAF, tem por objetivo, “inserir a agricultura familiar
no processo de integração regional por meio do fortalecimento das políticas públicas e da geração de
renda pela facilitação do comércio dos produtos da agricultura familiar.” (REAF, 2011). O órgão conta,
ainda com 05 (cinco) unidades temáticas, que são responsáveis por tratar de assuntos mais específicos,
como acesso à terra e reforma agrária, facilitação de comércio, gênero, seguro agrícola e gestão de risco
e juventude rural.
As atividades da REAF, segundo Costa e Pires (2008), podem ser divididas em dois ciclos. O
primeiro ciclo, que compreende da I à V REAF, teve como traço marcante de atuação a realização de
estudos e diagnósticos. Nesse ciclo foram criadas as Seções Nacionais, que são comissões que avaliam
políticas públicas internas aos países do bloco e levam à REAF experiências e modelos que tem
potencial de se tornarem comuns, através do processo de transferência internacional de políticas
públicas.2 Quantos aos estudos, nessa etapa se trataram de temas iniciais e de mapeamento,
relacionados à representatividade da agricultura no Mercosul e à estrutura de produção e
comercialização dos produtos agrícolas.
Portanto, observa-se que a REAF apresentou atuação muito tímida nesse primeiro ciclo, de
forma que não houve implementação de nenhum projeto de incentivo à agricultura familiar, como
colocam Costa e Pires, “em resumo, este primeiro ciclo consistiu em um estudo para a compreensão da
Agricultura Familiar e de sua representatividade.” (COSTA e PIRES, 2008. p.09).
A partir de 2006 tem início o segundo ciclo da REAF (COSTA e PIRES, 2008). Nesse novo
momento fica clara a mudança na atuação do órgão, que passa a agir de modo mais organizado e com
maior participação da sociedade civil. Como destacam Costa e Pires, “Nota-se claramente a
preocupação em ir além dos estudos teóricos e concentrar esforços para que as discussões atinjam de
fato os agricultores através das políticas públicas.” (COSTA e PIRES, 2008. p.12).
Nesse sentido, tem início a implantação de vários programas pilotos, como o Programa de
seguro agrícola para a agricultura familiar, o Programa de fortalecimento institucional de políticas de
igualdade de gênero na agricultura familiar do Mercosul, o Fundo “Seguro de colheita” (programa de
cobertura de riscos climáticos) e alguns outros, que visavam forçar a atuação mais direta da REAF.

2Entendida aqui como um processo político que conduz à adoção de políticas públicas semelhantes por diferentes países, a
partir de trocas de experiências e compartilhamento de Know How. Para um estudo mais aprofundado consultar: MARIN,
Pedro de Lima. Mercosul e a disseminação internacional de políticas públicas. Disponível em:
<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cgpc/article/view/3567/2252> .

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 886

Muito embora alguns desses programas tenham alcançado relativo sucesso, como o caso do Programa
de educação não-formal de jovens rurais, que objetivava capacitar jovens líderes rurais, o que se percebe
é que as iniciativas permaneceram tímidas, limitadas à pequenas regiões experimentais.
Por um outro lado, dois novos projetos do REAF, pensados a partir de 2009, tem se destacado
como programas potenciais para o fortalecimento da agricultura familiar em toda a região, sendo o
Programa de compras públicas e o Fundo da Agricultura Familiar (FAF). O primeiro, é um programa
que busca, por meio de intercâmbio de experiências entre os países membros do Mercosul, fortalecer as
políticas públicas de compras institucionais como alternativa comercial dos produtos da agricultura
familiar. Já o FAF, conforme o estabelecido no Art. 1º da Decisão número 45/08 do Conselho do
Mercado Comum, tem por objetivo “financiar os programas e projetos de incentivo à agricultura
familiar do Mercosul, assim como facilitar uma ampla participação dos atores sociais em atividades
relacionadas ao tema”.3 No entanto, como em todo processo de negociação multilateral, existem muitos
desafios a serem superados, a nível institucional e internos aos países membros, para que essas políticas
passem a produzir resultados efetivos para a produção familiar.
Assim, se o Mercosul deve impulsionar projetos com a finalidade de promover o
desenvolvimento econômico e social (PECCI, 2002), o quadro é de uma atuação embrionária mas que
se apresenta como importante alternativa para fomentar o desenvolvimento na região, haja visto os
importantes avanços que as discussões no âmbito da REAF já trouxeram e os resultados, mesmo que
pequenos, dos projetos pilotos implantados.

A cultura no Mercosul: avanços e desafios

O Mercosul Cultural (MC), assim como o âmbito da agricultura familiar, ainda se configura
como uma iniciativa recente, fruto da demanda por maior participação social. Este adquire maior
importância através da quebra da visão que valoriza apenas o aspecto econômico em detrimento dos
aspectos sociais e culturais e ao difundir a necessidade de se estabelecer uma agenda de políticas na qual
o âmbito cultural seja altamente estimado e se vincule diretamente à construção de um projeto
societário mais amplo e à busca de novas práticas de ação política.
Embora a trajetória e a agenda do Mercosul Cultural não sejam extensas, são perceptíveis certos
avanços a despeito de dificuldades que ainda devem ser superadas. A primeira menção ao Mercosul
Cultural foi feita em outubro de 1992, enquanto a primeira Reunião Especializada de Cultura foi
realizada apenas três anos depois, em 1995, na qual foi elaborado um primeiro documento que visava a
institucionalização do aparato técnico-burocrático referente às políticas culturais. No ano seguinte, é
possível afirmar que ocorreram certos progressos na estruturação do Mercosul Cultural, isto por ter

3Decisão Número 45/08 do CMC. Disponível em <http://www.reafmercosul.org/reaf/sobre/documentos>. Acesso em


08 SET 2013.

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sido instituído o “Protocolo de Integração Cultural do Mercosul”- documento que estruturou a política
cultural do bloco- , as reuniões técnicas regulares, as reuniões dos Ministros da Cultura dos países
participantes; assim como o Parlamento Cultural “que buscou a harmonização normativa entre os
países nas disposições atinentes à cultura”
Preocupações com essa temática deram origem a projetos como o “Selo Mercosul Cultural” (o
qual normatiza a circulação de bens culturais e objetiva promover o intercâmbio artístico cultural, por
meio da isenção de impostos), o “Fundo Mercosul Cultural” e os Corredores Culturais, aquele ainda se
encontra em vias de aprovação e visa financiar programas que incentivem a criação, circulação,
proteção e transmissão dos bens e serviços culturais enquanto o último objetiva a realização de
atividades culturais em áreas fronteiriças.
Pode-se analisar, com os avanços retratados, que é inegável que o fator da “cultura” tomou um
maior espaço nas políticas “mercosulinas”. Contudo, o projeto ainda está sendo estruturado
institucionalmente, fazendo com que muitos dos programas demandados pelos Ministros da Cultura
dos países membros não sejam executados ou ainda estarem em fase de elaboração. Ademais, tais
progressos ainda parecem extremamente ínfimos e tímidos se comparados com as próprias projeções
do Bloco, o que decorre do modelo neoliberal no qual o Mercosul ainda se insere, apesar das alterações
perpetradas na última década. É perceptível que a finalidade do MC, bem como de seus projetos, é a
promoção de intercâmbio de bens e serviços culturais, assim como a criação de outras atividades as
quais fomentam as economias dos países membros; distanciando-se da concepção inicial de cultura,
conceituada como catalisadora de uma integração mais ampla.
Nota-se que a agenda do Mercosul Cultural é extremamente vaga quanto aos seus objetivos,
atendo-se apenas a três principais frentes: a viabilidade de compatibilizar currículos, a preservação de
patrimônios culturais e as análises de problemas vinculados à propriedade intelectual. Além destas
problemáticas inicias, o desenvolvimento do projeto é dificultado sobretudo por carecer de ferramentas
flexíveis e isonômicas que permitam a elaboração de ações conjuntas de mútuo interesse, criando uma
grande deficiência na implementação das políticas e diretrizes aprovadas pelo bloco.
No entanto, apesar destes obstáculos, é evidente que o Mercosul Cultural se configura como
um espaço privilegiado para o debate e para a construção de políticas públicas que objetivem a inclusão
e transformação social da região. O escopo desse empreendimento aponta para a criação de uma
integração cultural e social que avance no sentido de respeito às diferenças, de valorização à pluralidade
de culturas e do desenvolvimento aliado à justiça social para todo o Cone Sul. Destaca-se portanto a
unidade identitária do projeto ao mesmo tempo que celebra a heterogeneidade de pensamentos e
vivências, na busca da consolidação não apenas de um mercado comum, mas de uma verdadeira aliança
que caminhe na direção da humanização, emancipação e do diálogo com as realidades dos povos da
América Latina.

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O tema da educação na construção de políticas públicas


A educação, ao contrário de outras políticas sociais anteriormente citadas, obteve destaque
desde os momentos iniciais do Mercosul, visto o reconhecimento da mesma como elemento
imprescindível no processo de integração regional. Tal reconhecimento se deve às mudanças das
relações de produção do sistema capitalista, em especial o neoliberal, que não são mais avaliadas pela
força de trabalho, mas sim pelo caráter técnico e especializado do trabalhador. Sendo assim, a educação
passou a ser utilizada como um instrumento da lógica capitalista na formação de recursos humanos.
O Mercosul, na medida em que tem como principal objetivo a inserção econômica
internacional, segue essa lógica, afirmando que a educação tem “papel na geração e transmissão de
valores e conhecimentos científico-tecnológicos e a firme possibilidade que oferece para a
modernização dos Estados Partes” (Mercosul, 1998, online). O bloco também reconhece a importância
da educação no processo de formação de uma identidade regional, contudo é dado a esse aspecto papel
coadjuvante.
Em meados de 1991, o Conselho do Mercado Comum (CMC) instaura a Resolução 07/91,
criando a Reunião de Ministros da Educação dos Países membros do Mercosul (RME), encarregados
de coordenar as Políticas Educacionais. No final do mesmo ano os Ministros da Educação assinam um
Protocolo de Intenções que conformou o Setor Educativo do Mercosul (SEM), que em teoria pretende,
[...] ser um espaço regional onde se prevê e garante uma educação com equidade e qualidade,
caracterizada pelo conhecimento recíproco, a interculturalidade, o respeito à diversidade e à
cooperação solidária, com valores compartilhados que contribuem para a melhoria e
democratização dos sistemas educacionais da região e oferecer condições favoráveis para a paz,
por meio do desenvolvimento social, econômico e humano sustentável. 4

Em 1992 foi aprovado o primeiro “Plano Trienal para o Setor da Educação no Mercosul”,
elaborado e aprovado pelos Ministros da Educação. O plano foi prorrogado em 1994 e 1997 e aborda
três temáticas principais, que são: (i) Formação da consciência cidadã favorável ao processo de
integração; (ii) Capacitação de Recursos Humanos para contribuir ao desenvolvimento; (iii)
Compatibilização e harmonização dos sistemas educativos (Mercosul, 1992, online).
O II Plano Trienal (1998-2000) e os seguintes- Plano 2001-2005; 2006-2010; 2011-2015
reforçam os aspectos abordados pelo primeiro Plano Trienal e adicionam especificidades e ajustes nos
seus respectivos Planos. No geral, os Planos Trienais explicitam o caráter subsidiário da Educação e do
SEM no Mercosul, utilizados como ferramentas em prol do desenvolvimento produtivo no bloco.
Contudo, não se pode negar que outras temáticas educacionais aos poucos ganham visibilidade, como
mostra o quarto Plano Trienal (2004-2010) ao pontuar que a educação deve ajudar a construção
econômica e social do Mercosul, de modo a melhorar a qualidade de vida da população.

4 MERCOSUL EDUCACIONAL. O que é o Setor Educacional do Mercosul. Disponível em


<http://www.sic.inep.gov.br/pt-BR/mercosul-educacional/o-que-e.html>. Acessado em 07 SET 2013

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O SEM é nebuloso ao citar quais e como os objetivos dos Planos Trienais estão sendo
executados. Porém, podemos citar os projetos de maior expressão já realizados como o Escolas de
Fronteira, o Parlamento Juvenil do Mercosul, o Programa de Mobilidade Acadêmica Regional em
Cursos Acreditados (Marca), a criação da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila),
o Programa de Intercâmbio Acadêmico de Português e Espanhol, o Sistema de Acreditação Regional
de Cursos Superiores dos Estados do Mercosul e Estados Associados- ARCSUL, o Núcleo de Estudos
e Pesquisas na Educação Superior do Mercosul, o Foro Universitário del Mercosur (FoMerco) entre
outros.
O ensino das línguas oficiais pode ser considerado um dos programas mais importantes do
SEM, pois como pontua Sombra Saraiva2, amplia os conhecimentos em três áreas principais. Em
primeiro lugar o aluno adquirirá um conhecimento técnico do idioma (compreensão oral e escrita), a
segunda aquisição se refere aos aspectos culturais dos povos do Mercosul em um sentido
antropológico, e por fim o terceiro ponto é o desenvolvimento da criticidade e compreensão das
diversas culturas. No Brasil, desde 2005, o ensino do espanhol é obrigatório para o Ensino Médio de
escolas públicas e privadas, e o ensino gratuito e particular de escolas especializadas no idioma vem
crescendo consideravelmente.
A análise dos vintes anos do Mercosul Educacional indica que a maioria das propostas dos
Protocolos e Planos Trienais ainda não foi concretizada, em especial às relacionadas à formação da
identidade regional. Um dos principais agravantes desses fatos é a ocupação periférica do SEM no
Mercosul, além das dificuldades quanto ao financiamento dos seus projetos e do teor economicista
encobrir as demais vertentes educacionais. E assim o Setor Educacional do Mercosul segue com vários
desafios pela frente, caminhando a passos lentos rumo a uma integração que ultrapasse as fronteiras do
mercado comum.

Considerações finais

Através da construção deste artigo, observaram-se semelhanças nas iniciativas sociais


supracitadas. Estas apesar de serem criadas por razões e circunstâncias distintas, acabam por ser
inseridas na mesma perspectiva mercadológica e economicista do bloco, limitando, desta forma, sua
autonomia, assim como o alcance do projeto, avançando pouco na execução dos planos de ação,
anteriormente elaborados. Fica explícita, portanto a superficialidade do plano de integração social
mercosulino, evidenciando a necessidade de se pensar uma integração que envolva fatores não apenas
econômicos, mas também políticos e sociais, para que então, esta integração forneça os vínculos
necessários entre a sociedade e as instâncias formais a fim de se construir uma integração efetiva que
reflita os interesses direto das pessoas envolvidas, e da multiplicidade de dimensões que as atinge.
Nesse sentido, a atual demanda por uma outra integração que adote essa perspectiva se baseia,
segundo Dello Buono, em um projeto regional alternativo mais solidário, includente e democrático do
XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 890

que o atual modelo oferecido e formulado pelo modelo capitalista neoliberal: “El movimiento hacia la
outra integración posible es um proceso transformador y emancipatório” (DELLO BUONO, 2006:
18).
Uma integração que seja capaz de promover o fortalecimento regional embasado na condição
periférica comum e no interesse coletivo em busca de alternativas de melhorias e transformações
sociais. Para Dello Buono:
[...] el papel de los acuerdos integracionistas como la CAN [Comunidade Andina de Nações] y el
MERCOSUR [Mercado Común do Sul] son indispensables en la lucha por la otra integración
posible, por su capacidad de conformar un bloque para frenar proyectos hegemónicos5 [...]. También,
puede funcionar como un mecanismo para ampliar los parámetros de los esquemas integracionistas
con un mayor énfasis sobre los componentes sociales y culturales de la integración (DELLO
BUONO, 2006: 21).

Diante deste quadro é importante destacar a importância da participação de atores não estatais
no processo de inclusão das novas necessidades, em especial as de caráter social, nas pautas políticas do
Mercosul. Ressalta-se ainda que, mesmo que as políticas apresentadas acima se apresentem em estágio
embrionário e com um baixo nível de desenvolvimento instituicional - fruto das dificuldades das
negociações multilaterais- estas representam importante passo para a consolidação de um Mercosul
mais plural.
É com essa perspectiva que olhamos para as possibilidades da integração do Mercosul como
uma agenda de políticas públicas, a qual torna-se capaz de se adequar às demandas coletivas,
corroborando para que as políticas de cunho social possuam um suporte adequado para a realização de
seus projetos. Possibilitando não apenas a transformação do atual panorama, como também
perpetuando uma integração em seu sentido mais amplo.

Referências

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http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n20/v8n20a21.pdf. Acesso em 06 SET. 2013
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americanos. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
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2006.
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08 SET 2013.
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Mercosul: avanços e desafios. Disponível em: http://www.observatoriogeograficoamericalatina.org.mx/egal12/
Geografiasocioeconomica/Geografiaagricola/16.pdf Acesso em 07 SET 2013.

5 Aqui, Dello Buono utiliza o termo “hegemonia” para referir-se à atual dominação burguesa, termo que difere da
concepção trabalhada por Antonio Gramsci.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 891
GADOTTI, Moacir. O Mercosul Educacional e os Desafios do Século 21. Disponível em
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2000). Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005.

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A geopolítica do desenvolvimento sustentável e
sua contribuição nos processos de integração
e exclusão socioambiental

Thelma Tereza da Silva1

N
a análise consideramos importante relembrar as limitações concernentes ao
desenvolvimento, em consequência, sobretudo das especificidades da lógica contraditória
do capital demonstrando que há uma relevante tendência de vinculação orgânica com o
Estado capitalista. No primeiro momento, exemplificamos como o processo de desenvolvimento busca
articulação com a ordem em função da sua manutenção, partimos então para o entendimento da
constituição desse processo. Em seguida tratemos de apresentar algumas alternativas hegemônicas das
esquerdas em função de um novo projeto político de desenvolvimento, sendo assim cunhamos o
reconhecimento do desenvolvimento enquanto uma política necessária, ressaltando, porém que este
não se encerra em si.
É fundamental definir as mediações da política de desenvolvimento com o Estado, suas
designações extremamente restritas assimilam um controle econômico e social. Haja vista que essa
realidade pode ser constatada rapidamente sobre olhar do capitalismo monopolista que travou com
organicidade uma ação interventiva do Estado para com a dinâmica do Capital, é da conformação do
pós-crise de 19292 que o Estado remodula suas atribuições em função do capitalismo monopolista,
assumindo com organicidade as transações econômicas. A assimilação de novas estratégias no Brasil
culminou na ideologia do desenvolvimentismo pregada pelo governo de Juscelino Kubitschek (1956-
1961), tendo sua gênese fundamentada na hegemonia norte-americana, e atribuída a necessidade de
integração e capacitação para o progresso, numa funcionalidade que transpassa processos de
modernização e participação (enquanto ajuda mútua). Como observa Cardoso (1977), a ideologia
desenvolvimentista reduz as problematizações críticas à estrutura socioeconômica, todo esforço nesse
processo tem por objetivo o progresso na sociedade dentro dos parâmetros ditados pelo capitalismo,
trata-se da manutenção da ideologia dominante.
O processo de industrialização escamoteia as relações de classe, esse fenômeno ocorre desde a
Revolução Industrial no início do século XIX quando da instauração do modo de produção capitalista,
todo esforço no processo desenvolvimentista tinha por objetivo a “ordem e o progresso” na sociedade
dentro dos parâmetros ditados pelo capitalismo. Sendo assim, o sistema encampava ações para o seu

1Bacharel em Serviço Social, pela Universidade Federal Fluminense.


2A crise de 1929 (quebra da Bolsa de Nova Iorque) é o marco de um dos processos de crise cíclico, gerada pela reprodução
ampliada do capital que fomenta a produção de mais-valia, cabe lembrar que o próprio funcionamento contraditório do
capital desencadeia as crises – sendo esta uma crise de superprodução, demarcada pelo aumento da capacidade produtiva
ociosa.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 893

próprio desenvolvimento, e qualquer movimento disfuncional á sua lógica tinha caráter subversivo,
diga-se de passagem, que tamanho era o jogo manipulatório desse governo ao ponto de indicar a
subversão como sendo determinação da miséria - “de tal modo que lutar contra subversão no seu
sentido profundo seria lutar contra a miséria e de que acabando com a miséria estaria acabada a
subversão – é a própria desqualificação da subversão” (CARDOSO, 1977:336).
No capitalismo concorrencial, a harmonia social era sem interferência do Estado na auto-
regulação do mercado, tratava-se da “mão-invisível”, o Estado organizando dispositivos internos de
forma a gerar um equilíbrio na economia. No capitalismo monopolista o chamado Estado Keynesiano
vai exercer algum nível de atividade reguladora priorizando determinados setores (setores
monopolistas), buscando um conjunto de medidas econômico-sociais “anticíclicas”, a fim de
salvaguardar as condições de reprodução ampliada do capital, tem destaque nesse processo de
desenvolvimento a capacidade tecnocientífica, marcada pela indústria da guerra no período pós II
Guerra Mundial, e em conseqüência da Guerra Fria com a bipolarização do mundo, e a corrida
armamentista. A partir de então, o desenvolvimento tecnocientífico impulsionava uma composição
orgânica do capital, e o Estado mantinha incólume os fluxos econômicos.
Nos anos 80 inicia a articulação de um projeto democrático popular contando com uma
vigorosa participação da sociedade civil, ações contextualizadas nesse período obtiveram como marco
legal a promulgação da Constituição Federal de 88. Conquista possível através de um dispendioso
esforço dos movimentos sociais demonstrando todo o seu capital social, sob condição de assimilarem
um controle social através da participação política, em função dos direitos sociais, universais.
Como observou Neves (2008), os movimentos sociais, tenderam um dispendioso esforço de
forma a articular um novo tipo de gestão, o controle social por via de participação popular seguido de
um avanço nas políticas públicas. Cabe ressaltar, que o dado projeto democrático-popular, compete a
um plano ideológico do PT (Partido dos Trabalhadores), que enquanto governo monta uma estratégia
diante do quadro conjuntural do Brasil, período pós-ditadura militar, e consegue implementar
mecanismos institucionalizados de gestão democrático-participativa. Diante deste contexto de transição
política, a sociedade civil tornou-se mais visível.
Já nos anos 90 tais organismos de ação democrática proliferam, mas os mesmos não foram
garantia de democratização; mesmo com a descentralização de poder, a cultura participativa não se
efetivava em alguns espaços. Tal antagonismo era reflexo da hegemonia neoliberal, a democracia
participativa só encontrava articulação nos municípios em que o PT, ou partidos aliados estavam no
poder. Travava-se uma disputa entre projetos para uma hegemonia política, de um lado a busca para a
construção de processo democrático comprometido com a defesa de direitos, de outro desmobilização
e despolitização necessários ao desenvolvimento do projeto neoliberal. Mas, como exercer a
democracia diante da burocratização apresentada na esfera política, se até mesmos os partidos de

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 894

esquerda num momento de ascensão de poder engatilharam um processo burocrático e assistencialista,


isso porque o “transformismo” dado aos processos passou a representar outros interesses.
Segundo Bruseke, o modelo político-econômico no seu empenho sobre o território nacional
vem produzindo processos sociais que indicam integração e exclusão populacional, sob a ótica de
garantir o privilégio na administração do processo de gestão. Mesmo os mecanismos democráticos
seguem em conformidade com a ordem vigente, como constata Duriguetto (2007:93): “[...] as funções
protetoras da integração social são exercidas cada vez mais por uma rede de “governantes privados” –
partidos e agentes corporativos autônomos.” Dessa forma, esses mecanismos que ora foram criados
para compreender os interesses da classe trabalhadora, outrora passam a evidenciar-se enquanto
“instrumento de controle social e de consenso racional”, argumenta.
No entanto, os parâmetros de gestão das políticas públicas segundo suas necessidades
acompanham as condições apontadas pelo MBG (Manual da Boa Governança) seguido do grau de
desenvolvimento do capitalismo, os free-riders discursivos desqualificam o aprofundamento da
argumentação cotidiana e refletem no pragmatismo moral das representações sociais. No âmbito da
correlação de forças, devemos nos contrapor a um pacote de técnicas que transferem um problema
estrutural para um problema de gestão favorecendo acordos para manutenção da autocracia burguesa, o
que seria mera ilusão na resolução das múltiplas refrações da questão social. (Fonseca; Bursztyn, 2009).
Em tempos neoliberais busca-se uma ênfase ao processo de globalização que aponta para um
novo patamar de desenvolvimento. Segundo Harvey (2004), a globalização nos oferece formulações e
execuções em escala global em função da mobilização planetária que solapa as particularidades nos
variados espaços, movimento que se traduz em um estreitamento desigual de escalas geográficas. O
processo de globalização dissimula uma correspondência com a universalidade qualitativamente
mistificada e fantasmagórica, se ocupando da ampliação e generalização do termo universal, para uma
aceitação de mudanças demarcadas pelas leis de mercado. Com clareza o autor explicita que, “as
contradições e os paradoxos da globalização oferecem oportunidades de uma política progressista
alternativa” (HARVEY, 2004:127).
Não obstante, esse processo de globalização de alcance planetário avança para
“incontrolabilidade destrutiva do capital”, e a política de desenvolvimento sustentável acompanhada da
contradição do sistema, tem cumprido de maneira ironicamente formidável esse papel, também de
forma mistificada essa perspectiva tem sido externada por diversos agentes econômicos, através dos
pactos globais. A análise de Marilda Iamamotto (2010:121) assenta-se no aspecto de que a
mundialização não atravessa as funções do Estado na reprodução “interesses institucionalizados”, e
ainda que este processo de governança e assimetria de poder intensifica o “fracionamento social e
territorial”, tendo como âncora a dívida externa expandida em função dos pactos e acordos para o
desenvolvimento, articulados entre a “santíssima trindade do capital em geral” onde fazem composição

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 895

o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio


(IAMAMOTTO, 2010: 110).
Para Silva (2010:119) a partir da perspectiva de desenvolvimento sustentável a economia
capitalista tende a definir sua incontrolabilidade, quando define a regulação dos recursos naturais em
escassez enquanto um bem econômico, privatizando-os a fim de protegê-los, institucionalizando a
questão ambiental através dos serviços ambientais, criando novos nichos de mercado, fazendo assim
desabrochar a dinâmica de “valorização econômica da degradação”. O mercado econômico passa assim
definir suas metas e alternativas, os mesmos estipulam um teto de poluição e alternativas aos recursos
em escassez através de suas inovações – elevando assim a questão ambiental do seu potencial micro ao
macro, através do despotismo do consumo impulsiona o status do local para o global.
Entendemos por esse movimento que o processo de desenvolvimento, trata-se um mecanismo
com resultados mais contundentes no seu papel de pulverizar as condições programáticas do capital, e
assim podemos visualizar que a sustentabilidade pregada pelo desenvolvimento sustentável, tem a ver
com as alternativas em sustentar os mecanismos de reprodução da ordem, não com os efeitos
destrutivos da sua propagação. Para Furtado (1996:88-89), importa salientar que o modelo de
desenvolvimento da ordem vigente “proporciona uma demonstração cabal de que o estilo de vida
criado pelo capitalismo industrial sempre será privilégio de uma minoria”, e assim um substantivo
desenvolvimento econômico em função da coletividade, será sempre um objetivo abstrato.

Desenvolvimento Sustentável: um salto estratégico na questão ambiental

Assumimos o interesse num movimento heterogêneo, o movimento ambiental que reúne


diversos atores e opera em microregiões bem delimitadas, mas ao mesmo tempo os impactos dos
problemas ambientais são globalizados, o que remete a unificação de lutas para um movimento social
maior. A crítica é movida pela relação concreta entre sociedade/natureza, sob condição da práxis
humana que movimenta a degradação ambiental dirimida pelo desenvolvimento da produção
capitalista. Poderíamos aqui delimitar um objeto bem mais específico, mas o objetivo por ora é
generalizar a fim de pautar a geopolítica internacional dos problemas ambientais. O impacto da ação
desenfreada do ser humano sobre a natureza no processo de produção capitalista coloca o Estado
numa posição, na qual o mesmo não mais se pode eximir de tal responsabilidade, então surge aos olhos
um novo paradigma, o Desenvolvimento Sustentável. Este, ganha espaço diante do processo de
globalização e produz impacto na geopolítica em nível nacional e internacional, contudo, trata-se de um
Estado neoliberal e a prevalência de tal respaldo para com a questão ambiental se encontra imbricado
de interesses.
Vale salientar que, a criação da gestão ambiental pelo Estado Brasileiro só se estabeleceu por
intermédio de pressões internacionais, evidentemente, objetivando uma conformação de subordinação
da natureza a um processo que corresponde á abstração dos conflitos socioambientais envoltos por
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suas múltiplas determinações da esfera econômica, refutando a real objetividade de que a questão
ambiental em sua totalidade abrange não só a natureza em si, mas também questões territoriais e
sociopolíticas.
A abertura social e política para com o tema têm como iniciativa primeira a Declaração de
Estocolmo sobre o Ambiente Humano em 1972, que em seus princípios procura moldar ações
institucionais para com o meio ambiente. Mas, é a partir da Rio-92, realizada no Rio de Janeiro, que o
Brasil passa a contar com a cooperação internacional, que para além da defesa do meio ambiente,
promoveu um grande debate sobre desenvolvimento sustentável, traçando não só princípios. O
encontro acarretou na elaboração diplomática da Agenda 213 colocando em pauta um novo padrão de
desenvolvimento a partir do século XXI, apontando para novos padrões de produção e consumo. O
Brasil incorpora uma política de gestão ambiental a princípio instituindo a Política Nacional de Meio
Ambiente em 1981, garantindo uma institucionalidade frente à defesa do meio ambiente, seus fins e
mecanismos estão fundamentados nos incisos VI e VII do art. 23 e no art. 235 da Constituição Federal.
Mediante a proposta de tal legislação, fica instituído o Sistema Nacional de Meio Ambiente
(SISNAMA) que busca articulação de órgãos e entidades que compõe os níveis político-administrativos
de gestão ambiental. Tais iniciativas buscam a normatização da utilização dos recursos naturais e seus
espaços de modo a conter a degradação ambiental, e promover o desenvolvimento sustentável.
Diante de tal cenário, observa-se a possibilidade de integração de propostas junto à cúpula
internacional, políticas universais que garantam a política de desenvolvimento sustentável em ampla
escala. Podendo ser citado nesse caso o Protocolo de Quioto que define sobre a emissão de gases de
efeito estufa nos países industrializados desde 1990, tendo seu vencimento estendido até 2012, citamos
também o Plano Nacional de Mudança do Clima4 (PNMC), apresentado em 2008 na 14ª Conferência
das Partes realizada na Polônia.
A política de desenvolvimento sustentável, expressa um olhar tecnicista sobre a questão
ambiental, e se propaga como um mecanismo de “manutenção da alienação”, que vem sancionar uma
nova forma de apropriação da natureza, se expressa como uma ideologia, capaz de ocultar a luta de
classe (CHAUÍ apud OLIVEIRA, 2005). O autor enfatiza, os pressupostos do Relatório de Brundtland
foram adotados imediatamente pelo empresariado internacional, e que faz a política de
desenvolvimento sustentável emergir no berço da elite dirigente.

3 179 países participantes da Rio-92 acordaram e assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado num
documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um
novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”. O termo “Agenda 21” foi usado no sentido
de intenções, desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI. A Agenda 21 pode ser
definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases
geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Fonte: www.mma.gov.br.
4 A Política Nacional sobre Mudança do Clima foi sancionada em 29 de dezembro de 2009 pelo presidente Luiz Inácio Lula

da Silva. Aprovada pelo Senado em novembro, a Política fixa em lei o compromisso do Brasil de reduzir, até 2020, as
emissões projetadas de gases do efeito estufa, entre 36,1% e 39%, com base nas taxas do relatório de emissão até 2005.
Fonte: Site do Ministério do Meio Ambiente.

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Pensar nos organismos e mecanismos institucionalizados que envolvem tais questões é refletir
sobre a visibilidade e tratamento dado aos conflitos socioambientais e ao Meio Ambiente. A
aproximação das particularidades envoltas nesses conflitos dependerá de uma articulação entre políticas
públicas e econômicas, pois se trata de uma relação indissociável entre o ser humano e a natureza,
estando o ser humano em constante movimento de apropriação. Neste sentido, a intervenção do
Estado busca regular a ação do ser humano sobre o Meio Ambiente, paradoxalmente, essa regulação
possibilita um questionamento, pois imprimi um ataque á culturas já sustentáveis, impossibilitando
muitas vezes o uso sustentável dos recursos naturais, ora que são essas comunidades que produzem
menos impacto ao meio ambiente.
É fundamental descortinar as relações sociais e econômicas no contexto de reprodução da
sociedade capitalista, e dar centralidade aos conflitos socioambientais. Isto, porque as questões
ambientais percorrem uma relação interconexa entre indivíduo/natureza e sociedade/natureza,
mediadas pela categoria trabalho e pelas transformações nas relações de produção e consumo.
Tomamos por base a apreensão do significado histórico do cenário neoliberal, ensejando a
contextualização antagônica das relações sociais, movidas pelas condições materiais impostas pelas
relações de produção. Neste eixo as políticas públicas que mediam interesses coletivos atuam como
instrumento ideológico de reprodução da estrutura de classes, sendo assim, sob uma política cada vez
mais expansionista em função da consolidação de uma hegemonia neoliberal, o modelo de
Desenvolvimento Sustentável articula novas políticas públicas desconsiderando particularidades das
relações dos homens entre si e com a natureza.

A subestimação das comunidades tradicionais nas unidades de conservação - o caso do


PESET
Evidenciamos um nexo de causalidades entre a questão social e a questão ambiental, essas duas
dimensões tem relação direta com a dinâmica do capitalismo e as contradições que o fundamentam. A
sustentação dessa concepção deve ser compreendida através das múltiplas determinações que se
encontram numa totalidade, ou seja, compreende os problemas sociais, econômicos, culturais e
políticos, dimensão sem a qual se fragmenta a realidade e dificulta a leitura crítica sobre a relação ser
humano/natureza. Essas determinações têm parte de suas manifestações nos problemas
socioambientais.
A legislação ambiental aponta transformações contemporâneas onde os modelos de unidades de
conservação adotados no Brasil, seguem uma concepção exportada sobre a preservação, com os
mesmos parâmetros de Yellowstone, primeiro Parque Nacional criado em meados do século XIX nos
Estados Unidos, considerando o ideário de “wilderness” (vida natural/selvagem). Dado modelo, não
vislumbra a presença humana nas áreas então delimitadas, o que contribui para a exclusão social das
comunidades tradicionais (DIEGUES,1994).

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Neste cenário vale mencionar que no movimento ambientalista se há uma preponderância de


duas vertentes teóricas: o preservacionismo, inspirando-se na “reverência da natureza no sentido de
apreciação estética e espiritual da vida selvagem (wilderness).” – favorecendo o ramo empresarial do
ecoturismo. A segunda vertente compreende o conservacionismo, que concebe o contexto de
“transformação da natureza em mercadoria”, propondo o manejo baseado em três princípios: “o uso
dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção de desperdício; e o uso dos recursos naturais
para benefício da maioria dos cidadãos” (PINCHOT apud DIEGUES, 1994).
A última vertente concebe a presença humana nas áreas protegidas, mas na sua contramão
tende a especular criações de unidades de Proteção Integral, o que acirra os conflitos junto às
comunidades tradicionais. Estas em geral já estavam inseridas em algum tipo de conflito fundiário ou
sofrem com a especulação imobiliária. Ou seja, essa mesma vertente que concebe a presença humana
desconsidera refrações da questão social, estando de acordo com perspectiva de Desenvolvimento
Sustentável, abstraída de uma análise crítica pelo capital.
Cabe enfatizar que o modelo econômico apresenta uma preocupação muito recente com o meio
ambiente, dado a real diminuição das matérias-primas. Desde a criação de Yellowstone, as relações
sociais nas unidades de conservação passam a ser compreendidas fora do espaço natural, no sentido de
que tais matérias-primas são inesgotáveis, estabelecendo então o mito da “natureza intocada”. Callicot
apud Diegues (2008) aponta que a dicotomia entre o ser humano e a natureza marcada pelo conceito
wilderness que estabelece o caráter etnocêntrico do modelo de conservação adotado, em contraposição
o autor referencia uma nova dinâmica, esta por sua vez considera a permanência das populações
tradicionais sob a justificativa de que essas garantiram a preservação das então unidades de
conservação.
No enfoque dado pelo Estado no contexto neoliberal emerge novos objetivos sobre as
unidades de conservação, e nesse sentido, segundo Simon (2003), essas unidades também são
consideradas “categoria de manejo”. Em síntese o Estado passa a ser responsável pela formulação,
implementação e gerenciamento das políticas públicas direcionadas a conservação do meio ambiente,
fazendo repercutir a política de Desenvolvimento Sustentável.
O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) materializa o modelo de conservação
nos Parques Nacionais. Cabe enfatizar que mediante tal regulamentação os Parques Estaduais e os
Parques Naturais Municipais seguem a mesma categoria, sendo criados respectivamente pelo Estado e
Município, instituídos enquanto Unidades de Proteção Integral, na qual o uso dos recursos naturais tem
por via o acesso indireto, tendo em vista que o Plano de Manejo da Unidade pode e deve estabelecer
condições para visitação pública. Além disso, cabe a administração da unidade autorizar a pesquisa
científica. Outro critério de importante relevância diz respeito às comunidades tradicionais, esses que
estabeleciam uma produção mercantil nessas áreas perdem o acesso aos recursos naturais, que até então
compreendiam em meios de subsistência. Sobre tal critério o SNUC estabelece, para fins previstos,

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capítulo X, art. 2: “garantam às populações tradicionais cuja subsistência dependa da utilização de


recursos naturais existentes no interior das unidades de conservação meios de subsistência alternativos
ou a justa indenização pelos recursos perdidos.”
Concentremo-nos no princípio de que a criação de unidades de conservação integral gera
impactos sociais, criando cenários conflitivos. Cabe-nos desse modo questionar onde e como se
posicionam as políticas públicas de cunho socioambiental. Acentuamos e refinamos nossa pesquisa
sobre o Parque Estadual da Serra da Tiririca, este que foi criado no início dos anos 1990, pela Lei nº
1901, de 29.11.1991, sendo composto por duas partes, uma continental e outra marítima, localizando-se
entre os municípios de Niterói e Maricá. No entanto a delimitação da área não foi estabelecida tão logo
a sua criação, esta só ganhou limites provisórios em 1993, através do Decreto Estadual nº 18.598, de
19.04.1993 e até que os limites definitivos fossem estabelecidos – a “zona provisória de uso especial”
abrangia cerca de 2.400 hectares. O avanço na área da especulação imobiliária foi de tamanha
proporção que a Comissão Estadual de Controle Ambiental não conseguiu exercer o controle, mas esta
também não se manifestou antes certamente, por alianças e interesses políticos externos á comissão.
Sobre o cenário conflitivo no qual nos deparamos na instituição do PESET, se relacionam
diversos atores, no entanto considerando a perspectiva deste trabalho, cabe nos discorrer sobre a
população de sitiantes tradicionais, ligados a Associação de Sitiantes Tradicionais da Serra da Tiririca
(ASSET). Esta entidade foi criada em 1999, por alguns sitiantes, na sua maioria tradicionais que residem
na Serra há mais de 30 anos, com a necessidade de se organizarem em defesa dos sítios e da própria
natureza que compõe a Serra. Outro objetivo era informar a sociedade sobre os acontecimentos, já que
não houve nenhuma mobilização do Instituto Estadual de Florestas (IEF), como consulta pública, ou
levantamento fundiário para criação do Parque. A ASSET compartilhou para a conscientização da
população, informando através de várias reuniões sobre as transformações ocorridas nesse território-
lugar e para isso contou com o apoio de representantes do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e da Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP).
A ASSET é uma entidade apartidária e autogestiva, financiada apenas pela contribuição mensal
dos seus associados. A maioria dos sitiantes da instituição do Parque foi prejudicada em seu modo de
vida e reprodução social, pois dependia da agricultura familiar, mas hoje a maioria dos sitiantes,
trabalhadores rurais, vive de “biscates” no mercado informal - como bares, restaurantes caseiros e
mercearia no entorno do Parque. Mas ainda assim, a entidade nunca se posicionou contra a criação do
PESET, sua luta contra redução dos limites do Parque é prova disso. A luta travada pelos sitiantes em
apoio e defesa do meio ambiente ocorre em conjunto com ambientalistas e pesquisadores locais,
considerando que os tradicionais são sujeitos da conservação do local e, portanto, esta luta é também
pela manutenção da comunidade que vive no interior do Parque.
Para recordar a história da comunidade da Serra da Tiririca, cabe enfatizar que a cultura
tradicional se revela através das comunidades hoje existentes no Parque, sendo essas descendentes de

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pescadores tradicionais, colonos, ex-trabalhadores da Fazenda Engenho do Mato, que hoje vivem como
pequenos agricultores. Em pesquisa, Mendonça (2008) nos traz referências sobre a Fazenda Engenho
do Mato, que ocupava um engenho de açúcar em meados do século XIX, localizando-se no atual bairro
Engenho do Mato, no pé da Serra da Tiririca. Com a falência da Fazenda a empresa imobiliária
Terrabraz, comprou sua massa falida e iniciou um processo de opressão fundiária aos trabalhadores da
antiga Fazenda adquirindo suas posses, obrigando-os a deixar suas casas. No entanto, esses
trabalhadores resistiram, e com o apoio do Estado iniciou-se um processo de Reforma Agrária, que
consistiu no Plano de Ação Agrária, no qual foram concedidos sítios na Serra para cada família de
colonos. Então, surgem os sitiantes tradicionais da Serra da Tiririca.
Quando do estabelecimento dos limites definitivos do Parque pela Lei 5079/2007, a área
inicialmente delimitada em 2.400 hectares, reduziu para 2.077 hectares, tal redução vinha contemplar a
especulação imobiliária, que então já se instalava, sob a construção de grandes condomínios. A nova
legislação provocou grande reação de um conjunto de ambientalistas e movimentos sociais,
mobilizando também as comunidades tradicionais locais. Estas consideravam a redução dos limites em
30% um “crime ambiental”, pois além de regulamentar as invasões no entorno da Serra da Tiririca,
garantia a liberação de dezenas de hectares para a especulação imobiliária, extrapolando os limites da
Mata Atlântica.
Furlan (2004) concentra-se no princípio, de que a criação de unidades de conservação integral
gera impactos sociais, criando cenários conflitivos. Cabe-nos desse modo questionar onde e como se
posicionam as políticas públicas de cunho socioambiental. É importante acentuar que a comunidade
residente na Serra da Tiririca assim como aquela que habita seu entorno não teve participação na
criação da lei que institui o Parque. Se hoje esses assentamentos humanos ali permanecem, é devido a
uma enorme resistência, a fim de garantir a natureza, e “território”, e este território se refletir enquanto
“lugar” representando uma identidade entre as comunidades tradicionais e a natureza. “O território
como lugar e a identidade, não podem ser compreendidos em si mesmos, há sempre uma mediação
com os objetos ou a materialidade do lugar.” (FURLAN, 2004, p.226)
Subjacente a essa discussão Furlan (2004) argumenta que o Estado é ausente, ao ponto de não
perceber que território e lugar tem sentido amplo nas práticas culturais das comunidades tradicionais, o
direito à propriedade de terra se confunde, no direito a autonomia cultural e valores. Um não assegura
o outro, a unidade de proteção integral não assegura o modo de vida tradicional, quando limita o acesso
aos recursos naturais, não assegura também a “autonomia de escolha sobre o seu futuro, não lhes
assegura o território como lugar.” (FURLAN, 2004, p. 227).
Sentimos nas várias dimensões de nossa vida os efeitos da problemática inter-regional da nação
brasileira marcada por profundas desigualdades sociais, onde predomina um projeto de
desenvolvimento que privilegia a concentração e centralização de terra e renda, conjugado a degradação
ambiental. Esse modelo carrega uma opção de industrialização, de agricultura e de sociabilidade que

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traz consequências sociais, econômicas e ambientais. Superar as desigualdades e a indiferença é uma


tarefa da humanidade. Pensar modelos de produção mais integrados com a natureza, e, portanto
sustentável é uma urgência.
Segundo Mészáros (2007:185), “se o desenvolvimento no futuro não for sustentável, não haverá
absolutamente nenhum desenvolvimento significativo, por mais necessário que seja”, contudo, “a
condição inseparável da busca do desenvolvimento sustentável é a realização progressiva da igualdade
substantiva.” Mediante a lógica do capital, todo e qualquer desenvolvimento deve se submeter aos seus
desígnios, tendo em vista o processo de “economicização da vida social”, não sendo diferente a
sustentabilidade buscada pelo capitalismo deve obedecer aos proclames da ordem, sendo ditada pelos
mecanismos internacionais e alcançada pelas elites no poder, daí o desenvolvimento sustentável em
escala mundial, não significando universalidade sob condição de igualdade substantiva, a
sustentabilidade é garantida apenas a burguesia.
Por conseguinte, não podemos cair no discurso romântico da questão ambiental. A crítica sobre
a destruição da natureza deve partir de uma visão das relações ser humano/natureza, confrontada ao
caráter destrutivo da produção capitalista. Neste contexto a ofensiva do capital mostra dois pontos de
vista, o da conservação da natureza no que concerne sua preservação, e o da desumanização humana.
A apreensão da problemática ambiental que envolve as comunidades tradicionais é movida
pelas condições antagônicas impostas pelo capitalismo. Os problemas se efetivam tanto na significação
histórica da luta territorial, quanto da soberania popular, dada suas práticas culturais sobre o espaço, e
especialmente na sustentabilidade socioambiental; mas, a reificação do capital nega o conhecimento
coletivo em função da apropriação privada, sobretudo, as unidades de conservação integral cumprem
com a exclusão social de assentamentos humanos, ao tempo que favorecem aos interesses do capital
imobiliário e da indústria do ecoturismo.
Um aspecto relevante a observar neste estudo é a luta dos movimentos sociais, ou seja, o caráter
ontológico social daqueles, em função da democracia, um processo denominado por Lukàcs de
“democratização”, com base no entendimento, de que esse processo “se expressa essencialmente numa
crescente socialização da participação política”, segundo Coutinho (2006, 20:21). O desdobramento da
luta dos sitiantes enquanto parcela do campesinato, organizados na ASSET, entidade que se articula
constantemente às lutas sociais em seu nível ampliado, têm conseguido articular respostas contrárias, e
em defesa de sua comunidade geograficamente delimitada, sendo capaz de compreender que o trabalho
é dotado de uma práxis, que no processo de humanização pela complexidade das objetivações do ser
social traduz-se na transformação da natureza pelo ser humano, e na transformação do ser humano
pelo próprio ser humano sob valores éticos e, sobretudo materiais que ideologicamente conduzem no
intervir e pensar a realidade a eles apresentada. (NETTO, 2007)

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Referências

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CARDOSO, Luís Antônio. A Centralidade do Trabalho: Uma Análise Crítica do Debate Contemporâneo, in Revista
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COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções: o marxismo na batalha das idéias, São Paulo: Cortez, 2006.
DIEGUES, Antonio Carlos & Nogara, Paulo José. O nosso lugar virou parque: estudo sócio-ambiental do Saco de
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do pesquisador: enciclopédia caiçara, v.1- Diegues, Antonio Carlos(Org), (pp.225-249),– São Paulo: Editora
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Furtado, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de janeiro: Paz e Terra, 1996.
HARVEY, David. Espaços de esperança. Trad. de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo:
Edições Loyola, 2004.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social – 4ª ed.,
São Paulo: Cortez, 2010
ISTVÁN, Mészáros. O desafio e o fardo do tempo histórico: o socialismo no século XXI – 1ª ed., São Paulo: Boitempo,
2007.
NETTO, José Paulo e Braz, Marcelo. Economia Política: uma introdução crítica – 2ª edição - São Paulo: Cortez
(Biblioteca básica do Serviço Social; v.1) 2007.
NEVES, Ângela Vieira. Cultura política e democracia participativa: um estudo sobre o orçamento participativo. Rio de Janeiro:
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OLIVEIRA, Leandro Dias. A ideologia do Desenvolvimento Sustentável: Notas para reflexão. Revista Tamoios, Rio de
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SILVA, Maria das Graças. Questão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável: um desafio ético-político ao Serviço Social – São
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RIO DE JANEIRO. Lei nº 1.901, de 29 de novembro de 1991. Dispõe sobre a criação do Parque Estadual da Serra da
Tiririca e dá outras providências. Rio de Janeiro, 29 nov. 1991.
______ Decreto-Lei nº 18.598 de 19 de abril de 1993. Dispõe sobre limites da área de estudos para a demarcação e do
perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da Tiririca. Rio de Janeiro, 19, abr. 1993.
______ Lei nº 5.079 de 03 de setembro de 2007. Dispõe sobre o perímetro definitivo do Parque Estadual da Serra da
Tiririca, criado pela Lei Estadual nº 1.901/91, localizado entre os Municípios de Niterói e Maricá. Rio de Janeiro, 03, set.
2007.

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XI

O Mercosul educacional

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ARTIGOS
Reinventando a educação pela comunicação

Anelisa Maradei1

Introdução:

N
as últimas décadas, assistimos a grandes mudanças socioeconômicas, políticas, culturais,
científicas e tecnológicas que impactaram todo o mundo. Ainda não conseguimos
dimensionar de forma precisa o que deverá representar a globalização da economia, das
comunicações e da cultura para a América Latina. Sabemos, contudo, que tais transformações,
impulsionadas pelo aparecimento de novas tecnologias, tornaram possível o surgimento de um novo
momento histórico, um tempo de crise de concepções e paradigmas. Trata-se de um contexto social
rico de possibilidades. Por isso, não podemos falar do futuro da educação no Brasil e na América Latina
sem certa dose de cautela. Qual é o papel da educação nesse novo cenário emergente? Qual é o papel
da educação na era da informação?
Para compreender essas mudanças, inicialmente, é necessário traçarmos um breve panorama
histórico evolutivo da educação. O surgimento da escola no começo da Idade Média, modelo essencial
da escola tal como hoje a conhecemos, representou a primeira revolução tecnológica na história do
ensino, pondo fim a um ensino clássico ligado a um estilo de vida aristocrático. Posteriormente, a
educação passou da esfera eclesiástica para a estatal, tornando-se uma poderosa arma na formação de
nações. Com a Revolução Industrial (final do séc XVIII e XIX), entramos em um novo ciclo, o da
educação maciça e padronizada. Chegamos, por fim, à atualidade, à era da informação, tempo em que a
comunicação se tornou central na cultura dos povos e das civilizações. Considerando-se que a
comunicação ocupa, na contemporaneidade, lugar de centralidade nas relações pessoais, no trânsito de
valores, torna-se fundamental a discussão do tema comunicação e educação.
Um dos pontos que consideramos fundamental ressaltar é que, diante de imensas
transformações sociais, faz-se necessário um movimento em direção a novos parâmetros educacionais
na região. As instituições de ensino estão inseridas em uma sociedade muito mais dinâmica nos dias de
hoje. A mudança tecnológica tem um forte impacto psicológico e sociológico em nossa sociedade e a
educação tradicional já não cabe na contemporaneidade. Há necessidade de redefinições no campo da
educação formal: mudanças nos mecanismos de aprendizagem, promovendo novas formas de ver,
sentir e compreender.
Os cérebros de nossos filhos e netos já não operam como os nossos e precisamos estar atentos
a essa realidade. O que funcionou para nós enquanto processo educacional, parece já não funcionar

1Mestreem Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e Professora do Curso de Pós-Graduação em
Comunicação Empresarial da Universidade Metodista de São Paulo.
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para as novas gerações. Por exemplo, a educação tradicional opera ainda hoje, preponderantemente,
com a linguagem escrita. Entretanto, nossa cultura atual dominante vive impregnada por uma nova
linguagem, a da televisão e da informática, particularmente a linguagem da Internet. Em muitos
estabelecimentos de ensino trabalha-se muito ainda com recursos convencionais que têm pouco apelo
para as crianças e jovens.
Observa-se, em muitas escolas, que as tecnologias da informação e comunicação (TICs)
aparecem como um elemento alheio à educação, ou, na melhor das hipóteses, como uma ferramenta
emprestada, como um fator externo que deve ser trazido para a escola. Entretanto, como propõe Sodré
(2012, p.13): “[...] a forma da consciência contemporânea é fundamentalmente tecnológica. Isto
equivale a dizer que o relacionamento do sujeito humano com a realidade hoje passa necessariamente
pela tecnologia, em especial as tecnologias da informação, em todos os seus modos de realização”.

O novo papel do educador


O computador, o vídeo, o DVD, a internet e outros recursos têm de ser vistos como presenças
na realidade educacional contemporânea, na qual alunos e professores estão imersos. Entretanto, tais
instrumentos devem ser utilizados dentro de um planejamento realizado pelo professor, conforme seus
objetivos, com vistas ao acesso crítico ao conhecimento e a múltiplas informações. Como propõe
Baccega (2005, p. 10), “À escola compete educar, ou seja, fazer com que o aluno aprenda a aprender”.
A pesquisadora acredita que “só a escola poderá formar cidadãos que usem a tecnologia para diminuir a
distância entre o homem-cidadão e o homem desrespeitado na sua condição humana”.
Por isso, não renegamos, no presente artigo, o papel da escola e do professor na formação dos
cidadãos latino-americanos. Porém, parece sensato refletirmos sobre o fato de que qualquer projeto
educacional na atualidade deve considerar e estar em sintonia com as exigências impostas pelas
tecnologias da informação e comunicação sem, contudo, sucumbir a elas. Assim, Orozco (2006, p. 376)
reforça:
Não se trata de modernizar a escola introduzindo computadores em suas práticas
educativas – eu creio que esta é uma perspectiva errada. O que proponho é que a
escola participe e incorpore novos fenômenos epistemológicos implicados nos novos
meios de comunicação. O uso de novas tecnologias é um fenômeno cultural distinto
que a escola tem de entender e incorporar para que continue sendo uma instituição
social relevante na sociedade.

Mas, se não há tecnologia que substitua o professor, máquina que substitua o elemento
humano, a escola precisa começar a perceber que fora dela há uma série de situações novas às quais ela
deve estar atenta. Como propõe Orozco (2006, p. 375), a escola “poderia participar contribuindo com
todo o seu potencial educativo e reflexivo” da relação entre os educandos e os meios de comunicação.
Entendemos que o sucesso da educação passa pelas relações humanas e não pelos aparatos
tecnológicos, muito embora haja forte influência desses elementos na educação contemporânea.

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Uma das questões mais debatidas na atualidade, por exemplo, é a dificuldade que temos de
transformar a grande quantidade de informação disponibilizada pelas novas tecnologias em
conhecimento. Hoje, temos muita informação, que nos chega com grande facilidade pela Web e por
tantos outros meios de comunicação. Há mecanismos sofisticados de busca, como o Google, mas,
como afirma Morin (2004, p.12) “[...] o conhecimento é resultado da organização da informação”. Ao
realizar tal afirmativa, o autor conlui que “[...] temos excesso de informação e insuficiência de
organização, logo carência de conhecimento”. Nesse sentido, num mundo submerso em informações, o
papel norteador da escola parece ser fundamental.
De fato o que presenciamos é um grande conflito entre a facilidade de acesso à comunicação e à
informação, proporcionada pelas novas tecnologias, e a qualidade de informação repercutida nessas
mídias. E para onde caminhamos com essa avalanche de informações? Em meio a tantas informações, a
pergunta que se faz é se não estaríamos sendo induzidos a pensar que sabemos o que nem imaginamos
ter conhecimento? Não estaríamos nos distanciando do conhecimento que tanto almejamos?
Como propõe Sylvia Moretzsohon (2007, p.2), hoje, temos a superexposição que substitui a
cegueira pela treva à cegueira pelo excesso de luz. A autora sustenta que “[...] diante do que estava
oculto podíamos ser levados a saber que ignorávamos, e com isso despertar para a necessidade de
saber; pela aparência da visibilidade total, somos levados a ignorar que não sabemos, e nos consolamos
na ilusão do saber”. Nesse sentido, o papel norteador do educador nunca se fez tão necessário quanto
nos dias de hoje.
Alinhado a essa perspectiva, Martín Barbero, em entrevista concedida ao jornal Folha de
S.Paulo em 2009, também ressalta a importância do sistema educacional em um mundo onde há
disponibilidade de uma grande quantidade de informações. Para ele, o sistema educacional torna-se de
extrema importância para esse aluno exposto a conteúdos midiáticos dispersos:
Hoje há tanta informação que é muito difícil saber o que é importante. Mas o
problema para mim não é o que vão fazer os meios, mas o que fará o sistema
educacional para formar pessoas com capacidade de serem interlocutoras desse
entorno; não de um jornal, uma rádio, uma TV, mas desse entorno de informação em
que tudo está mesclado. Há muitas coisas a repensar radicalmente.

Atento à relevância das mediações, e de mediadores como os educadores, ainda na mesma


entrevista, o pesquisador se pronuncia sobre a falsa perspectiva de que, com a chegada da Internet, não
necessitamos mais ser representados, seja por partidos políticos, seja pela escola, seja pelo estado. Ele
ressalta: “Seguimos necessitando de mediações de representação das diferentes dimensões da vida.
Precisamos de partidos políticos ou de uma associação de pais em um colégio, por exemplo”.
Reforçamos, assim, nossa perspectiva de que se o papel do professor de hoje já não é o mesmo,
por outro lado, ele passa a ser um facilitador, na medida em que o jovem quer ser protagonista. Os
meios de comunicação, no contexto contemporâneo, são um reconhecido lugar de saber. O educador
tem, nesse cenário, responsabilidade na formação de sujeitos conscientes. Na complexidade do entorno

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social, cabe ao educador desenvolver no educando a capacidade de pensar criticamente a realidade que
lhe é apresentada pelos meios de comunicação de massa e pela internet, conseguir selecionar
informação e inter-relacionar as informações provenientes dos meios de comunicação com as da sala de
aula.
O educando, na atualidade, já não consegue estar por 50 minutos numa sala de aula dentro dos
parâmetros convencionais, em que o professor fala, com autoridade máxima, e os alunos ouvem. O
educando deve ser percebido como sujeito crítico e autônomo que se ajusta ao universo em que vive,
mas que também o transforma. Assim, o educador se reafirma como um facilitador, responsável pela
formação crítica e participativa dos educandos para leitura dos meios de comunicação.
O educador deve ser, mais do que nunca, responsável pela construção de uma sociedade
dialética e dialógica, que percebe o educando como constituinte e constituído por sua cultura, ou seja,
um indivíduo que é capaz de transformar a realidade por meio de atos de criação, recriação e decisão.
Deve perceber o diálogo como condição essencial de sua tarefa, que é a de coordenar, sem jamais
influir ou impor.

Novas formas de perceber o mundo


Hoje, há um deslocamento de uma comunicação de massa para uma comunicação de públicos.
Dessa maneira, retoma-se a ideia do processo comunicativo como fator de construção de uma
identidade cultural e social, em que, na mediação, são construídos os sentidos da realidade e de seus
sujeitos. O que consideramos importante ponderar é que a transformação do sistema educacional com
base no protagonismo pode ter nos meios de comunicação e nas novas tecnologias da informação
importantes aliados. Afinal, os meios de comunicação de massa e a internet oferecem aos educandos
múltiplos contatos, que antes não eram possíveis. Oferecem possibilidades de desenvolvimento pessoal
e social, de distração, assim como de aprendizagem constante.
Os MCM e a internet reproduzem situações reais, que se não têm muito a ver com o ensino,
têm a ver com a facilitação da aprendizagem, o que também é uma oportunidade. Contudo, um dos
grandes desafios da atualidade é fazermos os meios de comunicação nossos aliados. Como sugere
Orozco (1997, p.62),
Ou fazemos dos meios aliados ou os MCM seguirão sendo nossos inimigos e
competindo, deslealmente, fazendo-nos perder relevância na educação das crianças e,
finalmente, deixando-nos marginalizados de seu desenvolvimento educacional real, ou
seja, esse que se dá fora do espaço escolar.

Mais que questionar o uso do vídeo ou da Internet em sala de aula, é preciso reconhecer que
essas ferramentas se tornaram parte da vida das pessoas. A escola atual encontra-se diante de um
desafio adicional: assumir novas funções num contexto social diverso, cujas bases tradicionais se

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debilitaram. O livro didático com seu conteúdo repleto de valores pré-estabelecidos já não é capaz de
formar um jovem dinâmico, inserido num universo de múltiplas possibilidades de acesso à informação.
As novas tecnologias criaram outros espaços de conhecimento e, agora, além da escola, também
o espaço domiciliar e social tornaram-se educativos. Cada vez mais pessoas estudam em casa, pois
podem, de sua residência, acessar o ciberspaço da formação e da aprendizagem a distância. Além disso,
a sociedade civil (ONGs, associações, sindicatos, igrejas, etc) está se fortalecendo como espaço de
difusão de conhecimento. Um espaço potencializado pelas novas tecnologias.
Os eventos técnico-científicos, como a internet, não são uma coisa a mais na vida das pessoas.
São, sim, centrais, reorganizadores das relações sociais. No decorrer da história migramos do polo da
oralidade para a escrita, e da escrita chegamos ao polo informático, da linguagem digital dos dias atuais.
Assim vejamos: a comunicação oral propicia um compartilhamento mais próximo de informações, pois
as coisas estão na memória das pessoas. Com a escrita, através da carta, por exemplo, as informações
atingem maiores distâncias. Já com a linguagem digital chegamos, na contemporaneidade, a um
hipertexto universal, todos convivemos com tudo, as informações estão disponíveis por toda parte em
tempo real, num clique no computador, e isso tem mudado as concepções de tempo, de espaço e
compartilhamento dos indivíduos, fato que não pode ser ignorado por quem almeja uma educação
eficaz para os jovens do Brasil e da América Latina.
Não podemos fechar os olhos ao fato de que o sistema perceptivo acionado pela TV, pelo
videogame, pela internet é o da aceleração. O sistema vídeo tecnológico nos fornece a possibilidade de
explorar o espaço e o tempo. Já a sala de aula é lugar de sistematização. A retórica vídeo-tecnológica é
muito mais rica, mais híbrida: ouço, vejo, leio, clico. Já a escola vem operando, ainda hoje, com signos
de linguagem menos complexos e interativos, embora os esforços para se estabelecer novos parâmetros
educacionais já sejam detectados e o debate em torno da questão esteja ganhando força no Brasil e em
toda a América Latina.
O que é urgente perceber é que ensinar a ler nesse universo de suportes eletrônicos é ensinar a
usar seletivamente as ferramentas, e não apenas crer que mesmo para o analfabeto haverá um mundo
aberto que ensinará gratuitamente e sem esforço algum. Ensinar, analisar, estudar, pesquisar sempre
foram atividades que exigem esforço, concentração, o que na maioria das vezes nada têm a ver com o
prazer imediato e direto que alguma linguagem mágica possa proporcionar.
Esse é, contudo, um grande desafio a ser superado. A mídia está constituída no vídeo
tecnológico e a escola na comunicação clássica. Há um abismo entre a atividade, diversidade,
curiosidade e atualidade que dinamizam o mundo da comunicação e a passividade, redundância e
anacronismo que marcam o processo escolar. Essa distância coopera para mover ainda mais os jovens
em direção aos MCM e à internet e afastá-los da escola.
A educação, assim, tem que rever seu paradigma letrado e adentrar o campo das imagens e das
linguagens tecnológicas para que se possam ultrapassar as barreiras que separam duas culturas: uma

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iluminista e burguesa, baseada na escrita como forma de produção e controle do conhecimento; e


outra, globalizada, massiva, baseada em múltiplas linguagens e tecnologias de comunicação, dentre as
quais se afirmam de forma hegemônica os meios audiovisuais.
Essa superação de barreiras não é fácil e nem imediata, especialmente em uma região de tantos
desafios sociais, econômicos e políticos como a América Latina. É um trabalho que envolve debates,
experimentação, análise e avaliação, em um processo com avanços e recuos, mas definitivo, e só será
alcançado com a potencialização da figura do professor, que de mero retransmissor de conhecimento se
converte em formulador de problemas, provocador de questionamentos, coordenador de equipes de
trabalho, sistematizador de experiências, memória viva da instituição que faz a diferença e que
possibilita o diálogo entre gerações, conforme sugere Martín Barbero (1995)2.
É preciso mudar profundamente os métodos de ensino para reservar ao cérebro humano o que
lhe é peculiar, a capacidade de pensar, em vez de desenvolver a memória. A função da escola será, cada
vez mais, a de ensinar a pensar criticamente. Para tanto, é preciso que o professor domine metodologias
e linguagens diversas, inclusive a linguagem eletrônica. Para vencermos tantos desafios há de se romper
barreiras, estereótipos, como o que preconiza que a única instituição apta a educar é a escola. Isso não é
mais uma realidade. Hoje há muitos outros espaços de produção educativa. Os jovens aprendem a falar
inglês em programas de televisão a cabo e com jogos de computador. Dispõem de grande velocidade de
percepção e articulação. São sujeitos flexíveis culturalmente. Há o estímulo à ativação de um novo tipo
de sensorium. Uma nova forma de perceber o mundo. Uma nova forma de registro do cotidiano. Como
sustenta Citelli (2006, p.161),
À escola coloca-se o desafio de trabalhar num universo marcado pelas linguagens
complexas, híbridas. Os deslocamentos e crescentes processos de integração entre os
media, com a televisão, a internet, os jogos eletrônicos, o rádio, acentuam e
intensificam as migrações do conhecimento e da informação, facultando ao sensorium
dos jovens vivenciar experiências de linguagem que não se bastam e tampouco se
confinam à tradição verbal. Essa evidência transforma a sala de aula em espaço
cruzado por mensagens, signos e códigos que não se ajustam ou se limitam à tradição
conteudista e enciclopedista que rege a educação formal.

Além disso, Hoje, alunos e professores passam a conviver proximamente com relação ao
universo cultural e informacional. Eles estão debatendo com os mesmos indicativos, assistem aos
mesmos filmes, acessam informações e grupos de debate na internet. O universo comum de referência
de alunos e professores nunca se tornou tão próximo. E mais, os MCM, como a televisão e as redes
sociais na internet, por contarem com um código de acesso mais simples que o do livro, expõem as
crianças, desde cedo, a um mundo que antes só era acessível aos adultos (sexo, guerra, conflitos
familiares etc).

2Barbero, Jesús Martín. Heredando el futuro. Pensar la educación desde la comunicación. In: Revista Nórmadas, Bogotá,
DIUC, 1995.

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Considerações finais

Se o que os alunos aprendem fora da aula é relevante para a sua aprendizagem dentro da escola,
é obrigação dos educadores estarem atentos a essa aprendizagem proveniente das telenovelas, da
internet, dos MCM, enfim. Não há como se conviver com a ideia equivocada de que os MCM,
especialmente a TV, são uma “caixa idiota” e que a única instituição legítima para educar é a escola.
Temos que inserir a escola nesse cenário informatizado. Há espaço para a transformação e para a
educação para os meios.
Toda discussão, em verdade, gira em torno do fato de que, tanto no processo de aprendizado
quanto no de comunicação, devemos estar atentos ao que se processa no polo da recepção. É
importante preparar o receptor para interagir mais criticamente com os MCM e as redes sociais na
internet. O problema se localiza na recepção e na falta de educação da audiência na América Latina para
interagir mais crítica e autonomamente com relação às mensagens dos meios de comunicação. Por
exemplo, os professores que falam com seus alunos em classe sobre aquilo que estes viram no dia
anterior na telenovela, oferecem a eles uma possibilidade de contar com um juízo para ir formatando
um critério frente a essas mensagens. Por outro lado, o próprio fato de que as crianças comentam o que
viram na TV com seus companheiros indica que o processo de recepção se estende até a escola.
Dessa forma, conclui-se que a escola é local de mediação, de cruzamento de culturas, de
diversidade de componentes. Não só os alunos, mas os próprios docentes são distintos entre si. Sendo
assim, não se pode olhar a escola como um meio, apenas como uma instituição de ensino. Mais que
isso, temos que percebê-la como um espaço de múltiplas mediações. E é na mediação que os
significados sociais são produzidos e reproduzidos, pois esse é o lugar das práticas efetivas. Temos que
deixar de perceber os meios de comunicação como foco e transportar nosso olhar para o processo de
comunicação. Os meios de comunicação precisam ser pensados sob novas perspectivas, muito menos
por sua capacidade de manipular, como preconizavam os frankfurtianos, mas como um sistema que
engloba novas formas de perceber a realidade, a cultura e a sociedade.
Com as tecnologias da comunicação e informação se inicia uma nova revolução educacional,
com uma série de implicações. A constituição de um sistema tecnológico de informação e
telecomunicações facilita esses processos e gera novos contextos, dentro dos quais deverá se
desenvolver, a partir de agora, a formação de pessoas.
Quando nos perguntamos como organizar a educação em vista de tantas mudanças, inclusive
nas alterações familiares, em vista de uma cultura cada vez mais pluralista, decorrente do processo de
globalização e da revolução científica e tecnológica, percebemos que a ciência está em condições de
responder muitos desses problemas, mas a educação, em contrapartida, não pode esperar. Nota-se que
as escolas e universidades estão em desequilíbrio, desalinhadas em relação ao meio.
Há estratégias que alguns países estão seguindo para adaptar a educação às mudanças
necessárias, como: a educação contínua ao longo da vida para todos e a educação à distância e
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aprendizagem distribuída. O caminho não é a tecnologia reforçar o processo educativo tradicional. A


saída é efetivamente repensar a educação sob a perspectiva dos próprios educandos como protagonistas
e, a partir daí, verificar para que pode servir a tecnologia, ou seja, pensar um novo desenho do processo
educativo.
No caso do Brasil, esses desequilíbrios são acentuados pelo precário conhecimento acerca dos
mecanismos de funcionamento das linguagens institucionalmente não escolares, pelas carências
estruturais da escola, que, em muitos casos, impossibilitam tanto a superação do déficit conceitual
como a própria modernização física das salas de aula, que terminam por afastar os professores do
campo das comunicações. Some-se a isso a desmoralização crescente dos professores, deteriorização
salarial, escassez de recursos, não renovação de equipamentos, fatores que fazem os educadores, muitas
vezes, avessos a qualquer inovação ou melhoramento da qualidade. Mas, a luta continua e é irreversível.

Referências
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São Paulo: Paulinas Editora. Ano X, n.1, p. 7-14. jan/abr 2005.
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Bogotá, DIUC, 1995.
_______. Os exercícios do ver. São Paulo: Senac, 2001.
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CITELLI, A.O. Comunicação e Educação: a linguagem em movimento. São Paulo: Editora Senac, 2000.
_______. Palavras, meios de comunicação e educação. São Paulo: Cortez, 2006.
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<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2308200914.htm>. Acesso em 02 set 2013.
FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
GADOTTI, Moacir. Desafios para a era do conhecimento. Revista Viver Mente & Cérebro, Coleção Memória da
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MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo e esclarecimento. Disponível em
<http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/versoereverso/article/view/5759/521>. Acesso em 03 set
2013.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand do
Brasil, 2004.
OROZCO GÓMEZ, Guillermo. Os meios de comunicação de massa na era da internet. Revista Comunicação &
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_______. Professores e Meios de Comunicação: desafios, estereótipos. Comunicação & Educação, São Paulo:
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apresentado no Forum International de Chercheurs “Le jeunes et les medias demain”, Paris, abr. 1997.
_______. La audiencia frente a la pantalla: una exploración del proceso de recepción televisiva. Lima: Felafacs, n.
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__________________.Televisión, audiencias y Educación. Enciclopedia Latinoamericana de Sociocultura y


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Sodré, Muniz. Reinventando a educação: Diversidade, descolonização e redes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

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Análise comparada da formação na área de Ciências Sociais
na América Latina: uma experiência de pesquisa
na UFPR e na Udelar

Ellen da Silva1
Edmar Antonio Brostulim2

N
a condição de bolsistas do Programa de Ensino Tutorial do curso de Ciências Sociais
da Universidade Federal do Paraná, foi proposto um projeto de pesquisa coletiva3 cujo
objeto seria a carreira do cientista social no Brasil, e onde se encontrariam os
profissionais formados em nosso curso nos últimos 30 anos. Porém, ao examinar a bibliografia
referente ao assunto foi possível aferir a ausência de discussões mais aprofundadas sobre os cursos
de graduação existentes no país e seus graduandos.
As pesquisas existentes sobre as Ciências Sociais no Brasil se dirigem à situação da pós-
graduação: sua importância, história, conjuntura, papel, etc. Dessa forma, como os holofotes não se
voltavam para o curso superior e seu respectivo papel para a formação do cientista social, surgiu à
ideia de discutir somente a graduação.
Ao percebermos o quanto dados sobre graduandos são inéditos, decidimos tornar os alunos da
graduação em Ciências Sociais da UFPR nosso objeto de análise. Buscamos identificar: a) quem são
estes alunos; b) qual a sua inserção e suas expectativas em relação à graduação; c) o que conhecem
dos programas de pós-graduação ofertados pela área. Ao fim de um ano e meio (2010-2011) de
pesquisa coletiva delineamos um perfil do estudante de Ciências Sociais da UFPR.
Enquanto realizávamos essa pesquisa coletiva local, surgiu a oportunidade de uma das
autoras de realizar de intercâmbio na Universidade de La Republica Uruguay (Udelar) pelo convênio da
UFPR com a Associação de Universidades do Grupo Montevideo (AUGM). Nesse contexto se
tornou interessante a ideia de tentar reproduzir a pesquisa já realizada para então comparar dois
aspectos principais: a grade curricular e as expectativas dos estudantes quanto aos cursos, com
inspiração em trabalho semelhante já realizado na Argentina. Esse exercício comparativo é relevante
para inventariar quais são os motivos que levam estudantes latino-americanos de contextos tão

1 Ellen da Silva é graduanda do 12º período do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Foi
pesquisadora bolsista do grupo PET (Programa de Educação Tutorial) do mesmo curso. Participou, em 2011, de
Intercâmbio E studantil da “Universidad de La República”. Em 2012 foi Bolsista do Programa de Fortalecimento da
Função Pública na América Latina. Desenvolve, desde 2009, pesquisas na área de Ciência Politica, a t u a n d o nos
temas: Elites Paranaenses, Carreiras Políticas e Trajetórias Sociais de Elites.
2 Mestrando em Antropologia Social pelo PPGAS/UFPR. É Técnico em Administração de Empresas pela UFPR (2005) e

graduado em Ciências Sociais pela UFPR(2013). Foi bolsista do grupo PET - Programa de Educação Tutorial do curso de
Ciências Sociais da UFPR entre 2009 e 2013. Tem interesse na área de Antropologia, especialmente nos temas: culturas
tradicionais e migração, urbanização, projetos de desenvolvimento e atividade portuária.
3 “A relação entre a graduação e a pós-graduação em Ciências Sociais na UFPR”, realizada pelos autores, juntamente com

a estudante Fernanda Henrique, sob orientação da profa. Dra. Simone Meucci.


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distintos, como o do Brasil e do Uruguai, a procurarem a formação na área de Ciências Sociais e


quais são as expectativas que os faz permanecer.
Pequenos ajustes foram necessários, pois na Udelar o curso de Ciências Sociais não é ofertado
na capital4. Este curso é parte da “Facultad de Ciencias Sociales”, que atualmente oferece um currículo
comum durante os três primeiros períodos, no quarto o estudante decide o curso que quer se formar.
Dentre as opções ofertadas na capital estão a Sociologia, Ciência Política, Desenvolvimento e
Serviço Social. No caso do Brasil, em especial no Paraná, o curso de Ciências Sociais é escolhido
no vestibular e depois de dois anos, o graduando opta por uma área de atuação: Sociologia,
vestibular e depois de dois anos, o graduando opta por uma área de atuação: Sociologia, Ciência
Política ou Antropologia5.

Metodologia
Este trabalho utilizou método comparativo com duas fontes de análise: I) grade curricular
das duas graduações6 e II) a comparação da percepção dos alunos quanto aos cursos. Para tanto,
trabalhamos com uma entrevista semi estruturada, dividida em três blocos, por meio de um
questionário. Esse instrumento foi elaborado coletivamente pelos pesquisadores envolvidos na
pesquisa da UFPR. No caso da UDELAR contamos, com o auxílio de dois estudantes uruguaios para
fazer a tradução e a adaptação do instrumento para a realidade deles, excluindo, por exemplo, as
questões relativas à licenciatura7.
No caso da UFPR, foram entrevistados apenas alunos que haviam entrado na Universidade
no período entre 2003 e 2008. As implicações metodológicas dessa decisão não implicam em uma
perda irreparável para a pesquisa por duas razões: a) com a experiência dos outros questionários,
percebemos que os alunos que estão pouco ativos no curso têm mais dificuldade para responder o
questionário e b) as entrevistas realizadas representam 97,9% da amostra o que já é significativo para
a pesquisa.
O questionário respondido pelos alunos da graduação pareceu levar questões que de alguma
forma permeiam o universo dos graduandos, e que estes consideram importantes responder. Exemplo
que demonstre isso talvez tenha sido a frequente “conversa sobre o assunto” após terminar um

4 Durante a pesquisa pode-se perceber que este curso ocupa uma posição periférica dentro da “Facultad de Ciencias
Sociales”, primeiramente por não ser oferecido na capital. E também porque forma poucos alunos : segundo os dados da
Secretaria, o número de formandos foram cinco em 2010.
5 É importante frisar que houve reforma curricular nos dois cursos: No Brasil, ela foi implantada em 2011, alterando a

grade curricular do Curso de Ciências Sociais da UFPR. A escolha entre as três áreas já citadas se dá no 4º. semestre, ou
seja, 2º. ano. No Uruguai, o currículo foi alterado em 2009 e a escolha se dá no 4° semestre também.
6 Este material foi consultado nos sites disponíveis: Curso de Ciências Sociais da Universidade F ederal do Paraná:

http://www.cienciassociais.ufpr.br/ e Curso de Ciência Política da UDELAR:


http://www.fcs.edu.uy/seccUA.php?tipoSecc=5
7 Na UFPR, esse currículo conta com nove períodos e é de Licenciatura e Bacharelado. No entanto existe a

possibilidade do estudante se formar somente com o grau de bacharel.

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questionário: muitos entrevistados tinham algo a dizer sobre a situação da graduação. Outro
retorno muito positivo que obtivemos em relação à pesquisa foi o elogio de alguns professores do
curso, ao considerarem a temática extremamente coerente e importante para a reflexão do papel da
graduação.
A Pesquisa na Udelar foi mais modesta por uma razão prática: havia somente uma
pesquisadora, que não dominava bem o idioma e que não estava ambientada no campo. O
primeiro passo foi definir quem seriam os entrevistados: restringimos o universo para os estudantes
de quarto ano. A justificativa para essa restrição é o fato de estes estudantes serem os últimos
remanescentes do currículo de 1992, currículo mais ou menos do mesmo período que o da UFPR.
Havia mais ou menos 89 alunos matriculados nas disciplinas de quarto ano. O objetivo era
que uma amostra de trinta estudantes respondesse a pesquisa. O questionário foi enviado para a lista de
e-mail da turma para angariar o máximo de respostas. Mesmo com essa medida só obtivemos retorno
de quinze agentes. Por tal
Razão os dados aqui compilados não podem ser considerados estatisticamente
representativos. Eles foram tratados com metodologia qualitativa e representam somente o perfil e
as expectativas do grupo de estudantes que participou da pesquisa.

Referenciais teóricos

Pela análise dos textos, é possível observar, como já enunciado na introdução, que o assunto
dominante nos textos brasileiros mais recentes é a pós-graduação em Ciências Sociais e temas a ela
relacionados, principalmente no que tange ao papel e a utilização da teoria social e aos recursos
destinados para a pesquisa e a produção intelectual brasileira.
Quando o tema da graduação aparece em artigos, entrevistas e outras publicações pode-se
perceber três grandes frentes de discussão. A primeira, que trata da institucionalização das Ciências
Sociais no Brasil - localizada historicamente na década de 1930, momento no qual se buscava a
criação de profissionais especializados em conhecimentos específicos da sociedade brasileira, a
formação de professores de Sociologia e técnicos treinados para atender às demandas governamentais,
conforme afirma Oliveira (1991).
A segunda frente de discussão tematiza os modelos curriculares contrastando, e a terceira
ocupando-se do problema da alta taxa de saída de graduandos em Ciências Sociais sem concluírem o
curso. Um exemplo de relação entre estas duas variáveis é o artigo de Gláucia Villas-Bôas,
intitulado “Currículo, iniciação científica e evasão de estudantes de ciências sociais”, analisando o
curso de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas no Rio de Janeiro. O que a
autora demonstra é que mesmo com as sucessivas reformas curriculares, acordadas com o contexto
sociopolítico na qual se encontravam, não era possível resolver o problema da alta taxa de evasão de

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graduandos em Ciências Sociais; situação que é modificada pelos programas de iniciação científica.
A Revista Brasileira de Ciências Sociais publicou o resultado da entrevista realizada com Elisa
Pereira Reis (socióloga), Fábio Wanderley Reis (cientista político) e Gilberto Velho (antropólogo);
cujo título era As Ciências Sociais nos últimos 20 anos: Três perspectivas; e cujo conteúdo estava estruturado
em torno de seis temas, sendo eles: a) as ciências sociais no Brasil hoje; b) o desenvolvimento da
pesquisa e da pós-graduação; c) as relações da comunidade brasileira com a comunidade internacional;
d) áreas temáticas e abordagens metodológicas; e) o impacto das ciências sociais na sociedade ; f)
os principais problemas e perspectivas das ciências sociais brasileiras. Nota- se que a graduação não
aparece enquanto tema específico numa entrevista que versa justamente a situação da ciência social
brasileira. Já a pós-graduação aparece não só num bloco específico, mas também surge, em
determinados momentos, nas respostas às outras perguntas. Como é possível falar da Ciência Social
Brasileira sem falar da graduação em Ciências Sociais?
A relação entre graduação e pós é pensada principalmente a partir da matriz de pesquisa.
Figueiredo (2006) aponta a importância do contato e da efetiva prática científica, ofício do sociólogo
e, por conseguinte, dos outros dois cientistas sociais, o que se daria por meio das bolsas de
iniciação científica. A autora reconhece, porém que os graduados apenas iniciam-se na formação de
pesquisador, continuada nos programas de pós-graduação, nos mesmos departamentos onde são
ofertados cursos de mestrado e doutorado, onde os valores da pesquisa científica estariam mais
facilmente disseminados e que, portanto, motivaria o estudante à prática do rigor científico.
Uma dificuldade apontada, porém, é que na criação dos programas de pós, já se buscou uma
distância da graduação, conforme Maggie (1991). A partir disto, ressaltamos que não é questão de
duvidar da importância da pós-graduação para a ciência social brasileira ou para o próprio cientista
social – pelo contrário, essa importância é devidamente reconhecida -, mas trata-se apenas de
questionar o porquê da graduação não aparecer na agenda de questões dessas discussões; por que
não se enfatiza quais são seus defeitos, suas qualidades e, principalmente, seu papel na formação
profissional.
Já no contexto Uruguaio, existem pouquíssimos trabalhos que tenham o curso de Ciência
Política como objeto. Tivemos acesso a algum material, mas a maioria era referente a fundação da
Universidade de La República e pelos processos de Reforma que esta passou. Essa ausência
provavelmente se dá porque os processos de institucionalização da Ciência Política no Uruguai são
muito recentes. Como veremos no tópico seguinte, o Programa de Mestrado, por exemplo, foi
fundado há quinze anos.
Em nossa pesquisa bibliográfica encontramos somente dois textos que tem o Instituto de Ciencia
Política (IC) da Udelar como objeto: o de Garcé (2005) e de Altman (2011). O primeiro texto detalha o
contexto como a Ciência Política nasceu e se desenvolveu, destacando quais foram os principais
agentes,instituições e acontecimentos históricos decisivos para a consolidação desta disciplina no
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campo acadêmico uruguaio. O segundo texto teve como objetivo fazer um estudo sistemático da
produtividade científica e do impacto de mais de vinte departamentos de Ciencia Política e
Relações Internacionais Latino americanos. No entanto a UFPR não foi objeto dessa pesquisa, o
que fez o primeiro texto ser a principal fonte mobilizada.

Contextualização: o surgimento dos cursos de ciências sociais da UFPR e de ciência política


da Udelar
Nesse tópico gostaríamos de informar o leitor sobre alguns aspectos do ensino superior no
Brasil e no Uruguai no que se refere a) ao acesso ao Ensino Superior e b) ao surgimento e
consolidação da área de Ciências Sociais/Ciência Política no contexto nacional.
No Brasil há uma crescente expansão do ensino superior e de aumento de vagas, nos
programas de graduação e pós-graduação. Havia em 2010, de acordo com os dados do MEC,
6.407.733 alunos matriculados no ensino superior, em 2.734 instituições. Destes. O número de alunos
matriculados no curso de Ciências Sociais em 2010 era de 332. O curso, por se localizar na capital
do estado, recebe estudantes de várias regiões do mesmo. O acesso ao ensino superior tem se
ampliado especialmente na UFPR pela implantação do programa de cotas raciais e sociais, em
funcionamento desde 2005.
O curso de graduação no Brasil é fundado por grupos religiosos em 1938, na antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Paraná (FFCL), por "professores das Faculdades de
Direito, Engenharia e Medicina da Universidade do Paraná, da Escola Agronômica do Paraná, alguns
membros do Círculo de Estudos Bandeirantes, sacerdotes católicos e outros" (Westphalen, 1988:19),
não havendo, portanto, num primeiro momento, de acordo com a autora, profissionais
especializados na área compondo o corpo docente do curso. O curso se constitui num ambiente
de luta entre o movimento de intelectuais católicos e uma frente anticlerical, composta por diversas
correntes de pensamento (maçônicos, militares, evangélicos e socialistas), mas orientada
especialmente pelos ideais do positivismo, conforme afirma Bega (2006). O panorama permanece o
mesmo por pelo menos os trinta primeiros anos do curso até que se rotinize tanto a procura pelo
curso como periodicidade de formação, bem como representação na Universidade.
No que tange ao acesso, no Uruguai qualquer cidadão com o “Liceo” completo tem condições
de ingressar na Udelar, a única instituição de ensino superior pública do país. Em 2009, por
exemplo, dos 97.511 estudantes matriculados no ensino superior, 81.774 eram alunos da Udelar8·, o
que demonstra que essa instituição absorve a maior parte dos estudantes do país.
O ensino superior gratuito e universal que os uruguaios usufruem é uma das heranças da

8 Dados acessados no website do “Instituto Nacional de Estadística ":http://www.ine.gub.uy/socio-


demograficos/ensenanza2008.asp acesso em 23/06/12 as 20h35min.

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Reforma Universitária de Córdoba, que em linhas gerais foi um movimento muito importante ocorrido
em 1918, na Argentina, que tinha como meta: a autonomia universitária em todos os âmbitos
(acadêmico, administrativo e financeiro); eleições de autoridades pela comunidade universitária.;
concursos para a seleção de professores; modernização dos métodos de ensino ;democratização do
acesso a educação superior entre outros. Essa reforma consolidou a Universidade na Argentina e
em outras nações, como o Uruguai, por exemplo, como uma instituição laica, gratuita e universal.
A primeira vista esse sistema escancara as portas que dão acesso ao Ensino Superior, para que
qualquer cidadão que deseje cursar uma graduação possa fazê-lo. No entanto, no contexto Uruguaio
não é bem assim. Se observarmos os dados relativos à escolaridade da população, é possível aferir
que esta não está usufruindo da Universidade: segundo o Instituto Nacional de Estadística (INE),

em 2010, em torno de 61,7% da população tinha menos que dez anos de estudo 9vii. O requisito
para ingressar na graduação são doze anos de estudos. Somente 16,1% dos uruguaios têm mais
que 13 anos de estudo, isto quer dizer que menos de 20 % da população conseguiu ingressar no
Ensino Superior. O INE não divulgou o percentual dos que tem o ensino superior completo.
Tendo isso em vista é possível afirmar que no Uruguai, apesar do acesso ao ensino superior
ser universal, existe uma seleção anterior que não permite que a maioria da população ingresse na
graduação. O problema de acesso ao curso superior é de ordem diferente do caso brasileiro e só
poderá ser sanado quando for solucionado o problema da permanência da população no ensino
básico.
Partindo especificamente para o contexto de desenvolvimento da Ciência Política nesta
nação, cabe salientar que, na UDELAR, as ciências sociais não são um curso de graduação único. A
Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política são separadas, cada uma é uma graduação10.
Historicamente, existiram cátedras de Ciência Política desde 1957, na Faculdade de Direito.
No entanto, só foi possível a criação de Centros de Pesquisa e a consolidação de um curso de
graduação na UDELAR no final dos anos 80. Garcé (2005) aponta que essa consolidação foi tardia
se comparada a áreas como a Economia e a Sociologia. O autor sugere que a ausência da
institucionalização da disciplina pode ser explicada pela reflexão de alta qualidade gerada pelos Partidos
Políticos. Ele aponta também que durante os anos sessenta, o campo intelectual das ciências sociais
tendia a não ver os fenômenos políticos de forma autônoma. Os teóricos da época eram mais
afeitos a paradigmas teóricos que explicassem os fenômenos por um viés da economia ou da
sociologia. Nessas condições não houve uma produção teórica extensa da Ciência Política.
No entanto, dos anos sessenta em diante, alguns agentes como Carlos Real de Azúa, Juan

9 Dados acessados no website do “Instituto Nacional de Estadística” :http://www.ine.gub.uy/socio-


demograficos/ensenanza2008.asp acesso em 23/06/12 as 20h45min
10 O curso de Antropologia não faz parte nem da mesma Faculdade .A Sociologia e a Ciencia Politica são alocadas na

Facultad de Ciencias Sociales,enquanto a Antropologia faz parte da Facultad de Humanidades.

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Pivel Devoto, José Pedro Barrán e Benjamín Nahum que se esforçaram para desenvolver estudos da
área. Essas pesquisas, geralmente desenvolvidos na Universidad de L a República, foram o que criaram
a acumulação teórica que possibilitou o avanço posterior da área.
Com o Golpe de 1973 houve uma interrupção da produção de todas as áreas relacionadas às
Ciências Sociais, pois muitos docentes foram expulsos da UDELAR. Por tal razão, durante a
Ditadura Militar, vários centros de Pesquisa Privados 11 começaram a ser fundados ou revitalizados
para abrigar as pesquisas.
A Ciência Política conseguiu se desenvolver bastante nesse período, principalmente com
estudos sobre Partidos Políticos e sobre a relação entre Estado e Sociedade. Concomitante a essa
expansão de pesquisas havia uma geração de estudantes fazendo cursos de pós-graduação em
grandes Universidades no exterior.
Com a acumulação teórica e a contribuição dos pesquisadores que estavam obtendo grau de
mestre e doutor fora do país, foi fundado na Universidade da República, no departamento de
Direito, o Instituto de Ciencia Política (ICP), em 1985.
Quatro anos mais tarde foi fundada a Facultad de Ciencias Sociales. Com essa inauguração o ICP
foi incorporado e já foi aberto o curso de graduação em Ciência Política. O departamento cresceu
rapidamente: em 1997 começou o Programa de Mestrado em Ciência Política e em 2005, o de
doutorado em Ciências Sociais.
Ao longo dos anos noventa O Instituto de Ciência Política (ICP) se consolidou como o
centro de pesquisa mais importante do país, contando com um grupo de professores altamente
capacitado. A maioria desses docentes se formou na América Latina em centros de excelência como o
Iuperj (Brasil), Flacso (México) e a UBA (Argentina).Atualmente, o número de estudantes que
ingressam atualmente é crescente ,muito similares por exemplo aos números da Sociologia.
A Ciência Política atual já está consolidada, porém existem novos desafios no horizonte. Garcé
(2005) aponta que no campo acadêmico é necessário sanar a ausência de algumas linhas de
pesquisa e aumentar o número de pesquisas comparadas com outros países, para que haja uma
internacionalização e ampliação da reflexão de alta qualidade gerada nacionalmente.
No que tange ao campo profissional, o autor aponta que é relativamente fácil os estudantes
conseguirem bolsas em bons programas de pós-graduação no exterior, mas existem graves
dificuldades de inserção no mercado de trabalho u ruguaio. Além disso, os cientistas políticos têm
sido mais demandados pelos meios de comunicação para explicarem processos eleitorais, do que por
ONGs e pelo Estado para ajudarem na formulação das políticas públicas. Nesse contexto são

11Os Centros que Garcé(2005) cita são Centro Latinoamericano de Economía Humana (CLAEH) , Centro de Información
y Estudios Sociales del Uruguay (CIESU) , Centro de Investigaciones Económicas (CINVE) y el Centro Interdisciplinario
de Estudios sobre el Desarrollo del Uruguay (CIEDUR).

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necessárias medidas para consolidar o lugar do polítólogo no mercado de trabalho uruguaio, para que
não haja uma “fuga de cérebros”.
Até mesmo a carreira docente no ICP na Universidade de La República, que é uma posição
excelente para os politólogos uruguaios, tem suas mazelas: existe um descompasso entre o prestígio
social e o retorno salarial que os professores do ICP gozam.

Resultados

Tabela 1. Grades Curriculares

Ciência Política UDELAR Ciências Sociais UFPR


Período
Plan 1992* 67/02 – CEPE**
Política I: Introdução a Teoria Política
Sociologia I Sociologia I: Introdução à Sociologia
1° Ciência Política I ou Serviço Social I História Contemporânea IV
Matemática para as Ciências Sociais Antropologia I: Introdução à Antropologia
História do Pensamento Econômico
Política II: Fundamentos da Teoria Política Contemporânea
Economia I Sociologia II: Teoria Sociológica I
2° Metodologia Da Pesquisa I Antropologia II: Teorias Antropológicas I
Estatística I Optativa Livre
Optativa Livre
Política III: Teoria Política Contemporânea
História do Uruguai Sociologia III: Teoria Sociológica II
3° Ciência Política II Antropologia III: Teorias Antropológicas II
Teoria Política I Optativa Livre
Optativa Livre
Política IV: Instituições Políticas
Metodologia da Pesquisa II Sociologia IV: Teorias Sociológicas Contemporânea I
4° Sociologia do Uruguai Antropologia IV: Teorias Antropológicas III
Sistema Político Nacional I Optativa Livre
Optativa Livre
História Universal Contemporânea Política V: Comportamento Político
Ciência Política III Sociologia V: Teoria Sociológica Contemporânea
5° Economia II Antropologia V: Antropologia Brasileira
Laboratório de Análise Política I Optativa
Optativa
Teoria Política II Estatística I
Ciência Política IV Métodos e Técnicas de Pesquisa

Sistema Político Nacional II Optativa
Laboratório de Análise Política II Optativa
Sistemas Políticos Latino Americanos Estágio Supervisionado
Direito Público Optativa
7° Seminário de Pesquisa I Optativa
Optativa Específica I ("Taller") Optativa
Optativa Específica II ("Taller")
Teoria Política III Orientação Monográfica
Sistema Político Nacional III Optativa
8° Seminário de Pesquisa II Optativa
Optativa Específica III ("Taller") Optativa
Optativa Específica IV ("Taller")
Em um primeiro momento podemos observar que o grande eixo dos dois cursos são as
matérias obrigatórias teóricas. A grade curricular do curso da UDELAR é muito mais “fechada”, no
sentido que os estudantes têm uma carga horária de matérias obrigatórias bastante alta, e contam

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somente com quatro disciplinas optativas, os “talleres”.12 É relevante salientar também que as cargas
horárias das disciplinas não são fixas, elas podem variar dependendo do ano. Esses “talleres”
citados tinham a carga de 30 ou 45 horas. Já na UFPR o currículo do curso permite que o aluno
faça dezesseis matérias do seu interesse: as optativas.
Nesta Universidade também há uma diferença substancial no que tange a carga horária,
existe um padrão fixo de 60 horas de duração dos cursos tanto de optativas como obrigatórias. É
importante salientar também que as optativas na UFPR totalizam 960 horas das 2820 previstas para
a formação integral, o que representa 35% da carga horária total do curso. Estas optativas são
organizadas em torno de temas ou grandes projetos de pesquisa, que se alinham as linhas de
pesquisa da pós-graduação e aos núcleos constituídos nos departamentos responsáveis pelo curso
(Antropologia e Ciências Sociais, este último congregando as áreas de Sociologia e Ciência Política).
Outro ponto que não podemos deixar de salientar é a preocupação com a discussão teórica com
enfoque no contexto nacional. Ao observar os títulos das disciplinas obrigatórias podemos aferir que
na UFPR a única disciplina que contempla essa questão é a de “Antropologia V: Antropologia
Brasileira”, enquanto no Uruguai os estudantes têm acesso a, pelo menos, cinco matérias que tratam
exclusivamente do país: História do Uruguai, Sociologia do Uruguai e Sistema Político Nacional I, II e III. A
experiência em sala de aula na disciplina de “Sistemas Políticos Latino-americanos” deixou evidente
que os estudantes conheciam as minúcias do Sistema Político Nacional e por isso podiam usar este
conhecimento como parâmetro comparativo para analisar os sistemas políticos de outros países do
continente.

Expectativas dos estudantes

a) Universidade Federal do Paraná


Essa pesquisa em um primeiro momento buscou identificar um perfil geral dos estudantes no
Brasil. Segundo nossa amostra, o curso de Ciências Sociais é composto por agentes bastante jovens,
87,3% dos alunos têm entre 19 e 25 anos. Quanto ao sexo há preponderância de mulheres (60%).
Os alunos foram questionados se tinham membros ascendentes com curso superior e com
pós-graduação. Esta questão foi formulada tendo em vista que o nível superior é reconhecidamente
um título restrito a uma parcela muito pequena da população. Um agente que detenha esse grau
geralmente tem uma colocação melhor no mercado de trabalho e também uma socialização que
permite um acesso maior a bens culturais, um agente socializado em um meio como este também
tem maior acesso a esses bens. Quanto aos resultados 65,4% declararam ter pai ou mãe com ensino

12No semestre em que a pesquisa foi realizada no Uruguai algumas das opções eram: “Políticas Sociais”; “Relações
Internacionais” e ”Forças armadas, política e sociedade”

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superior, 69% dos alunos declararam ter tios e 12,7% avós.No que se refere a membros ascendentes
com o título de mestre e/ou doutor 20% dos respondentes declararam ter pais e tios com este
grau e somente um aluno tinha um avô.
Considerando que o acesso ao ensino superior no Brasil foi ampliado nas últimas décadas,
estes dados indicam que há um percentual relativamente alto dos estudantes que foram socializados
em ambientes em que a graduação se configurava como uma realidade próxima.
No que se refere especificamente à trajetória acadêmica, 58,2% dos entrevistados são
vinculados a programas de bolsas das mais diversas modalidades e em relação a características
profissionais, 25 alunos do total de 54 entrevistados trabalham e destes,
30% em ocupações vinculadas a área de ciências sociais, desenvolvendo em especial
atividade de docência e estágios13.
Em relação ao motivo principal que levou a optar pelo curso de graduação em Ciências
Sociais no Brasil, aponta o seguinte gráfico:

Gráfico 1-Motivo original da graduação

Metade (50,9%) dos alunos buscou originalmente a graduação em Ciências Sociais por
afinidade e interesse com temática das ciências sociais, como citadas a política e os movimentos
sociais. 16,4% responderam que seu interesse foi motivado pelo contato com a Sociologia no
ensino médio, em especial os alunos de GRR2008, o que pode por sua vez, ser apontado como
influencia do estabelecimento recente da disciplina de Sociologia na grade curricular do ensino
médio, ao passo que 12,7% responderam que sua escolha foi motivada pelo anseio que o curso
fornecesse em termos mais amplos uma melhor compreensão do mundo social. 5,5% buscaram

13Os estágios citados pelos entrevistados vão desde atuando diretamente na área de ciências sociais, bem como em outras
áreas: estágio em direito, projetos sociais e bibliotecas.

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aprimoramento ou complemento de formação e 14%%, cinco dos entrevistados responderam outros.


Quando questionados sobre suas expectativas atuais com a graduação, a maioria dos alunos
aponta a “Preparo para a carreira acadêmica” como principal alternativa (43,6%), e todos os bolsistas de
Iniciação Científica apontaram-na em primeiro lugar. A pretensão de carreira acadêmica também é
uma das opções escolhidas em segunda e terceira alternativa, com percentagem de 18% e 16%
respectivamente.
“Sofisticação do repertório cultural e intelectual” também ganha destaque nas expectativas dos alunos
em relação à graduação. ¼ dos alunos a apontam como expectativa principal; 18% para a segunda e
22% para a terceira alternativa.
A alternativa “Preparo para funções técnicas junto a ONGs, Estado e empresas privadas” é citada por
12,7% dos entrevistados como primeira alternativa, o que pode indicar que os graduandos estão
buscando outras colocações no mercado de trabalho fora da academia. “Preparo para atividade docente
no ensino médio” foi escolhida como expectativa principal por um entrevistado; e eleita por 14,5%
como segunda a alternativa.

A literatura que buscamos ao elaborar as pesquisas apontava-nos a realização da pós-


graduação como momento do ingresso na carreira acadêmica, e também fortemente vinculada à
melhora do currículo profissional visando ampliação das oportunidades de trabalho. Para verificar se
tal afirmação encontra correspondência no contexto da graduação em Ciências Sociais da UFPR,
perguntamos aos entrevistados se consideram que a graduação, bacharelado e licenciatura, é
suficiente para que atenda as expectativas atuais em relação ao mercado profissional. 74,5% afirmam
que a graduação é insuficiente para tais expectativas, e 16,4% consideram suficiente o nível de
bacharel/licenciado para sua atuação profissional enquanto 9,1% responderam parcialmente, indicando

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insuficiência em alguns pontos da graduação (a licenciatura é o mais citado).


Buscou-se também a intenção dos graduandos em cursar a pós-graduação (mestrado e
doutorado strictu sensu), e quase a totalidade (94,5%) responderam que há interesse, e destes 69%
consideram sua intenção como forte, 27,3% como média e 3,6% como fraca. Neste sentido, é
importante observar a relevância da pós-graduação presente no horizonte de formação dos
graduandos em Ciências Sociais, entendendo-a como parte importante de sua formação. A seguir,
arguidos sobre as razões de cursarem a pós- graduação, também foi pedido aos entrevistados que
elencassem em ordem de importância três alternativas da lista disponível nos questionários, conforme
ilustramos na tabelas abaixo:

Tabela 2 – Motivações escolhidas pelos graduandos em primeiro plano para cursar a pós-graduação

Oportunidade de fazer um tema de pesquisa do meu interesse


40%
Meio de obter titulação de mestre/doutor para ter melhor posição na carreira
20%
com efeito favorável sobre renda/estabilidade no emprego
Maneira de obter renda através da concessão de bolsa e, ao mesmo tempo,
16,4%
manter horários flexíveis e liberdade de pensamento
Maneira de obter renda através da concessão de bolsa e, ao mesmo tempo,
9,1%
se qualificar

Tabela 3 – Motivações escolhidas pelos graduandos em segundo plano para cursar a pós-
graduação

Possibilidade de alongar e aprofundar a formação iniciada na graduação 32,8%


Meio de obter titulação de mestre ou doutor para ter melhor posição na
23,6%
carreira com efeito favorável sobre a renda/estabilidade no emprego
Oportunidade de fazer pesquisa sobre um tema de meu interesse 20%

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Tabela 4 – Motivações escolhidas pelos graduandos em terceiro plano para cursar a pós-
graduação
Oportunidade de fazer pesquisa sobre um tema de meu interesse 20%
Meio de obter titulação de mestre ou doutor para ter melhor posição na
18,2%
carreira com efeito favorável sobre a renda/estabilidade no emprego
Possibilidade de alongar e aprofundar a formação iniciada na graduação 14,5%

Como podemos observar nas tabelas acima muitos estudantes acreditam que cursar uma pós-
graduação lhes oferecerá maior liberdade para realizar uma pesquisa de seu interesse: a alternativa foi a
mais votada como primeira razão e apareceu novamente no segundo e terceiro plano.Curiosamente
,mesmo em um contexto de abundancia delas, a concessão de bolsas não foi o principal atrativo para a
realização de uma pós.Já a possibilidade de melhor inserção no mercado de trabalho por conta do título
está presente com percentuais similares nos três planos.

b) Universidad de la República
Para este estudo de caso foram entrevistados quinze estudantes. Destes dez são mulheres e
cinco são homens. No quesito idade a amplitude vai de 21 a 49 anos. Oito desses tem menos de
25 anos e o restante é disperso.
Como já comentamos antes, no contexto uruguaio somente uma parcela muito pequena da
população consegue terminar o nível educacional que é requisito para ingressar no nível superior, por
isso nos pareceu relevante indagar se os pais dos estudantes cursaram graduação: dos quinze
respondentes, oito tiveram pais graduados. O que indica que pode haver um capital cultural familiar
que pesa nesse ingresso ao curso superior.
Questionamos os entrevistados também sobre a sua inserção no Mercado de Trabalho e sobre
o recebimento de bolsas na Universidade: dez, dos quinze respondentes, trabalham fora. E somente
dois vincularam suas ocupações ao curso de Ciência Política. Na experiência como estudante dessa
universidade foi possível perceber que a maior parte das disciplinas da Ciência Política, para os
estudantes dos últimos anos, é ofertada no período noturno.
No que se refere às bolsas, somente dois respondentes afirmaram receber. Nesse quesito a
experiência dos graduandos da Udelar é radicalmente diferente dos da UFPR: enquanto aqui metade
dos estudantes tem bolsas, lá a oferta é muito restrita. Em conversas informais com os estudantes
fomos informados que essas bolsas geralmente não são de pesquisa, como no contexto da UFPR,
os estudantes que trabalham na Universidade geralmente realizam trabalhos administrativos.
Com este pequeno panorama sobre o perfil dos estudantes podemos expor agora as
expectativas destes em relação ao curso. No que tange ao motivo original que levou os
respondentes a fazerem o curso onze dos entrevistados indicaram que era a Afinidade com áreas da

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Ciência Política; dois apontaram que buscavam Compreender melhor o mundo Social. Dois respondentes
deram respostas mais ligadas à prática: um apontou que lhe pareceu necessário o ingresso para
influir em alguma mudança importante e outro respondente apontou que a motivação original era
que a esquerda ganhasse as eleições de 2005.
Os estudantes também foram questionados acerca das expectativas que tinham com o curso no
momento da entrevista:

Como podemos observar na tabela acima a maioria dos estudantes espera que o curso os
prepare para desempenhar funções técnicas junto a ONGs, ao Estado e a Empresas Privadas. Essa
expectativa foi a mais citada em primeiro lugar, mas também foi a que mais apareceu como segunda
e terceira opção.
Os estudantes também foram questionados se o curso atende a essa demanda: dos treze, onze
responderam que sim. Porem destes, três fizeram ressalvas que indicam que a formação atende
parcialmente a essa expectativa.
Como Garcé (2005) citou nos anos oitenta e noventa, na emergência da Ciência Política
como uma área institucionalizada com curso de graduação e Centro de Pesquisa, foi possível uma
grande absorção de politólogos para a docência e pesquisa no ICP. Porém, as novas gerações
precisam de novas e mais amplas opções de inserção no Mercado de Trabalho.
Os estudantes citarem mais vezes a preparação para funções técnicas como expectativa,
demonstra que eles já identificaram em quais espaços podem atuar. Somado ao parecer positivo dos
respondentes em relação à qualidade da formação para estes cargos, podemos crer que nos próximos

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anos haverá uma busca por vagas em organismos Estatais, em ONGs e Empresas Privadas, que
aloquem este contingente de politólogos recém-formados.
Apesar de ser menos citada como primeira expectativa, provavelmente pela saturação do
campo, a segunda expectativa que apareceu mais vezes foi o “Preparo para carreira acadêmica”,
notadamente a docência e a pesquisa no Ensino Superior. Quando questionados se o curso atendia
essa demanda nove dos respondentes disseram que sim e dois que não,
A terceira expectativa mais citada foi à sofisticação do repertório cultural e intelectual, uma
resposta bastante recorrente no contexto dos estudantes da UFPR também. Essa também foi apontada
por oito, dos dez, dos respondentes como uma demanda atendida. Observando esses dados, é possível
aferir que os estudantes em questão têm expectativas similares e que o curso as tem atendido.
Os entrevistados também foram questionados se acreditavam que o curso de graduação é
suficiente para atender as expectativas supracitadas e se tinham intenção de cursar alguma pós-
graduação strictu sensu.
GRÁFICO 3 GRÁFICO 4 GRÁFICO 5
A graduação é suficiente para Você tem intenção de fazer uma Qual a intensidade dessa
atender as suas expectativas pós-graduação strictu sensu intenção?
atuais? (mestrado e doutorado) em
Ciência Política?

12 16 9

14 8
10
12 7
8 6
10
5
6 8
4
4 6
3
4 2
2
2 1
0
Sim Não 0 0
Sim Não Forte Média Fraca

Dos quinze respondentes, dez acreditam que a graduação não é suficiente para atender as
expectativas que eles citaram. Quando questionados sobre intenção de realizar uma pós-graduação
strictu sensu, com exceção de um respondente, até mesmo os que acreditam que a graduação atende
suas expectativas responderam que o mestrado está nos seus planos.
Para saber se essa intenção é um plano longínquo, ou um objetivo mais tangível, perguntamos
qual era a intensidade dessa intenção. Mais da metade dos entrevistados apontaram que é uma

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intensidade forte. Cinco apontaram que é média e um que é fraca.


Quando questionados sobre quais seriam os três principais motivos que os levariam a
realizar uma pós-graduação, a variável que apareceu em primeiro lugar –com seis respondentes- e que
também apareceram mais vezes - 14 vezes - foi “A Possibilidade de alongar e aprofundar a formação iniciada
na graduação”. A opção “Oportunidade de fazer pesquisa sobre um tema do seu interesse” também apareceu
como primeira opção de seis dos respondentes, e no total foi citada como um motivo por dez dos
respondentes, ficando em segundo lugar. A terceira opção que mais apareceu foi “Meio de obter titulação
de mestre ou doutor para obter melhor posição na carreira com efeito favorável sobre a renda/estabilidade no
emprego”,somente um respondente a apontou como o primeiro motivo,no entanto no total ela foi
citada por nove entrevistados.
Como a concessão de auxílio estudantil é muito diferente no contexto Uruguaio, as opções
que salientavam que a bolsa motivava a realização de um curso de pós- graduação apareceram somente
cinco vezes e sempre como segunda ou terceira opção.

Considerações finais

Esta pesquisa possibilitou um diagnóstico do perfil do estudante de Ciências Sociais, em


especial no que tange às suas expectativas profissionais, sua percepção do ambiente acadêmico e
como estabelece as relações com o curso de graduação e os programas de pós-graduação.
Apontou-se a relação que é construída por estas duas etapas de formação, buscando quais os
liames construídos entre elas. Neste sentido, buscou-se lançar luz sobre os caminhos da formação do
cientista social: as lacunas e pontos fortes de sua formação, que interesses motivam a entrada no
curso e que perspectivas de carreira e inserção profissional, que se expande para além da esfera
acadêmica e começa a aparecer com maior ênfase atuando na iniciativa privada, terceiro setor e
empresas públicas.
Apesar de serem contextos institucionais muito distintos foi possível encontrar muitas
semelhanças entre os estudantes da UFPR e da Udelar: a maioria entrou nos cursos por já ter
afinidade com as áreas das Ciências Sociais; a carreira acadêmica / docente no ensino superior e a
ocupação de funções técnicas estão no topo das expectativas destes estudantes e a maioria deseja
realizar cursos de pós-graduação.
Gostaríamos de estimular mais pesquisadores a fazerem este tipo de estudo, para que dessa
maneira possamos inventariar quais são os encontros e desencontros nas trajetórias educacionais dos
estudantes latino-americanos.

Referências

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ALTMAN, David. Where is knowledge generated? On the productivity and impact of Political science
departments in Latin America”. Advance online publication, 14 January 2011; doi:10.1057/eps.2010.82 [online],
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GARCÉ, Adolfo. La Ciencia Política En Uruguay: un Desarrollo Tardío, Intenso Y Asimétrico. Revista de
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Análise jurídica da efetividade da Política Nacional de
Educação Ambiental - PNEA

Giselle Ferreira Sodré1


Suyene Monteiro da Rocha2
Renato da Silva Vieira3
Jaqueline Ferreira de Sousa4

1. Introdução

A
lguns dos problemas ambientais brasileiros estão relacionados com o sistema
socioeconômico de consumo e produções insustentáveis se desenvolveu nos últimos anos.
O atual quadro de alerta ambiental é fruto de reiterados atos políticos e sociais, que se
demonstravam despreocupados com o futuro ambiental do País.
Os conhecimentos acerca do meio ambiente passaram a ser insuficientes para subsidiar as
decisões de organizações ambientais o que desencadeou um avanço nas diversas áreas do saber, entre
elas a ecologia. (MEDINA, 2008). A preocupação do ser humano em reverter o quadro alarmante que a
sua interferência ocasionara ao meio ambiente foram sendo aperfeiçoados os conceitos e criada normas
jurídicas ao longo da história, e nesse contexto a Educação Ambiental. (SOUZA, 2011).
As questões ambientais incidem diretamente na criação de vínculos sociais e ações solidárias a
promover a interação entre os diversos tipos de conhecimentos e experiências, a multi e
interdisciplinariedade. Assim, parte-se do pressuposto de que, para disseminar a conscientização
ambiental, deve-se valer de um desencadeamento sistemático de atos e práticas ambientalistas, para que
se possa atingir o início desse efeito dominó que, pois, conscientizar e confrontar o homem na sua fase
inicial da vida.
Somados a esse contexto, o histórico de devastação ao meio natural, e as conferências que
ocorreram em âmbito internacional em que o Brasil se fez signatário determinou a criação de uma
política publica que estabelecesse diretrizes e ações na formação da consciência socioambiental do ser
humano e atendesse ao princípio do desenvolvimento sustentável. Assim, em 1999, foi publicada a Lei
nº 9.795/99 que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), que visa instituir
campanhas, ações e projetos para disseminação da Educação Ambiental (EA), bem como disciplinar a
sua observância na edição de leis ambientais. (BRASIL, 1999).

1 Discente no curso de Direito no Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA. gfs.gisele@gmail.com


2 Doutoranda em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Rede Bionorte). Docente na Universidade Federal do
Tocantins e no Centro Universitário Luterano de Palmas. suyenerocha@uft.edu.br.
3 Pós Graduando em Gestão Empresarial (UFT), Graduado em Sistemas de Informação (UNEST). rsv.renato@gmail.com
4 Discente no curso de Direito no Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA. jsousadireito@gmail.com
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A PNEA fornece a sociedade ferramentas, incumbindo a de manter atenção permanente à


formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a
prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais, para que possa cobrar a
obrigatoriedade da promoção da EA no Brasil, o que não poderia ser diferente, haja vista que a
Educação Ambiental, no campo jurídico é um Direito transindividual.
A fim de se externar as políticas ambientalistas, o Programa Nacional de Educação Ambiental
(PRONEA), estipulou linhas de ações destinadas à comunicação e disseminação da Educação
Ambiental. Visando promover a descentralização de informações relacionadas à EA, utilizando-se de
ferramentas tecnológicas, que buscam garantir mais celeridade e interação social, para tal, criou o
Sistema Brasileiro de Informações em Educação Ambiental (SIBEA).
Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar as disposições normativas da PNEA,
verificando sua abrangência na formação de um sistema sócio-educacional-ambiental.

2. Educação ambiental: breve contexto histórico

Durante o século XX, iniciou-se no Brasil e no mundo uma série de discussões acerca dos
problemas ambientais ocasionados ao bioma da terra. O período pós-revolução industrial fora marcado
pela chegada de máquinas, que tinha como intuito primordial, dinamizar a produção, oferecendo maior
quantitativo em itens em um curto lapso temporal, o que também ocasionou uma crise econômica,
pois, os índices de demissão e desempregos subiram significadamente. Entretanto, o crescimento
industrial, associado à ideia de um crescimento econômico desencadeou uma série de danos ao meio
ambiente.
Nos anos 70 eclodiu no mundo uma série de manifestações ambientais que tinham como mote
grave exploração aos recursos naturais ameaçando a qualidade da vida e colocando em jogo a
possibilidade de sobrevivência da própria humanidade. Nesse período, os componentes dos
movimentos ambientalistas, que emergiam espalhados pelo mundo, ponderavam que a violação dos
princípios ecológicos teria alcançado um estado crítico, o que ameaçava em curto lapso temporal a
qualidade da vida e consequentemente a possibilidade de sobrevivência da própria humanidade no
futuro. (MEDINA, 2008).
Devido o estado alarmante dos países, como por exemplo, a França e Alemanha, marcado por
descobertas, e o surgimento de novos fenômenos ambientais, começou-se a cogitar a necessidade de
desenvolver políticas públicas visando à preservação ambiental.
Assim, em 1972, foi realizado a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano
ocorrida em Estocolmo, visando contribuir, entre outros temas, com o desenvolvimento da educação
ambiental no mundo. Nessa Conferência foi construída a recomendação de nº 96 que propunha o
Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), lançado em 1975, para que promovesse a

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educação ambiental como uma base de estratégias para atacar a crise do meio ambiente. A partir da
Conferência de Estocolmo iniciou-se uma série de polêmicas de caráter mundial que colocou a
educação ambiental como assunto oficial da ONU. (MATOS, 2009).
No Brasil, o que se evidenciou foi a utilização abusiva dos recursos naturais pelo homem, cuja
exploração retratava a concepção econômica da época e o anseio por um crescimento industrial. Essas
ações proporcionaram resultados negativos na esfera ambiental, com consequências diretas ao homem.
Nas décadas de 80, a EA começa a avançar no país, o que se consolidou nos anos 90, com a
ECO92, cuja preocupação era as incógnitas globais e as matérias relativas ao desenvolvimento
sustentável. Entre os documentos provindos dessa conferência, destaca-se a Agenda 21, que apresentou
um plano de ação para o desenvolvimento sustentável de vários países, dentre eles a promoção do
ensino, da conscientização e do treinamento vinculado as áreas de programa da Agenda. (SOUZA,
2011).
Nesse contexto, a criação de uma política publica que estabelecesse diretrizes e ações na
formação da consciência socioambiental do ser humano e atendesse ao princípio do desenvolvimento
sustentável era essencial. Assim, surge em 1999, regulamentada pela Lei nº 9.795/99, a Política
Nacional de Educação Ambiental (PNEA).
O quadro 1 demonstra cronologicamente os principais marcos históricos da EA no Brasil,
entretanto, cumpre destacar que além dos acontecimentos abaixo informados, ainda ocorreram
inúmeros fóruns, cursos e movimentos ambientalistas que tinham como tema centralizador o termo
Educação Ambiental.

QUADRO 1- Acontecimentos que marcaram o contexto histórico da Educação Ambiental no Brasil


ANO MARCO HISTÓRICO
1984 Criação do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA).
1988 A EA ganha previsão no texto constitucional como direito de todos e dever do Estado.
1992 - Conferência ECO92;
- Criação dos Núcleos de Educação Ambiental do IBAMA;
- O MEC promove no CIAC do Rio das Pedras, em Jacarepaguá/ RJ, o Workshop sobre
Educação Ambiental cujo resultado encontra-se na Carta Brasileira de Educação Ambiental,
destacando a necessidade de capacitação de recursos humanos para EA
1999 Criação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), Lei nº 9.795/95
2001 MEC excuta nas escolas o Programa Parâmetros em Ação: meio ambiente na escola
2002 - Decreto nº 4.281/02 regulamenta a PNEA;
- Lançado o Sistema Brasileiro de informação sobre Educação Ambiental e Práticas Sustentáveis
(SIBEA)
2003 Criação do Órgão Gestor da Política Nacional de EA reunindo MEC e MMA
2004 - Realizada a Consulta Pública do ProNEA, que reuniu contribuições de mais de 800 educadores
ambientais do país;
- Lançamento da Revista Brasileira de Educação Ambiental e com a criação da Rede Brasileira de
Educomunicação Ambiental - REBECA.
Fonte: MMA (online)

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A Educação Ambiental integra uma forma ampla no campo educacional que visa, por meio de
um processo participativo permanente, envolver os cidadãos, a fim de se suscitar uma consciência
crítica, acerca das controvérsias ambientais existentes.
É possível afirmar que as inserções da educação ambiental nos planos governamentais visam
promover o desenvolvimento de ações socioeducativas relacionada à prevenção, proteção e
recuperação ambiental, a fim de se fomentar mudanças sociais e culturais na sociedade, por meio de
trabalhos educativos.

3. Criação da PNEA e os objetivos e redes virtuais do Pronea

Antes do século XXI, havia pouco interesse governamental em investir na proteção ambiental,
o que se pode perceber pelas dificuldades encontradas ao tentar se estabelecer critérios para uma
economia sustentável, dentro de países desenvolvidos ou em desenvolvimento.
Com a promulgação da CF/88 a Educação Ambiental passou a ganhar efetivamente forças para
se tornar uma área autônoma e relevante entre as Políticas Ambientais.
Especificadamente o Art. 225, VI, CF/88, prevê a necessidade de promover a Educação
Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente. A fim de externar os preceitos constitucionais, se instituiu 10 anos após a promulgação da
constituição, a Política Nacional da Educação Ambiental, Lei 9.795/99.
Com a criação da PNEA, estabeleceu-se no âmbito federal um novo sistema de atuação de
políticas públicas em Educação Ambiental, conforme a figura1:

Figura1: Representação gráfica das relações da estrutura do sistema de políticas públicas


de EA, na esfera federal.

Fonte: TAMAIO, 2008, p. 23.

Nesse sistema, o Departamento de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente


(DEA/MMA) e a Coordenadoria-Geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação
(CGEA/MEC) são competentes para formular e implementar políticas de Educação Ambiental em
âmbito federal, sendo responsáveis ainda pela gestão da PNEA. As novas políticas devem estar de
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acordo com as previsões legais da PNEA e em consonância com o Programa Nacional de Educação
Ambiental (ProNEA), conforme ilustrado.
A fim de facilitar a gestão de novas políticas educambientais o ProNEA, traçou alguns
objetivos, que estão coerentes com princípios e finalidades da Lei de educação ambiental, dos quais
pode-se destacar:
a) Promover processos de educação ambiental voltados para valores humanistas,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências que contribuam para a
participação cidadã na construção de sociedades sustentáveis; b)Contribuir com a
organização de grupos – voluntários, profissionais, institucionais, associações,
cooperativas, comitês, entre outros – que atuem em programas de intervenção em
educação ambiental, apoiando e valorizando suas ações; c) Promover a inclusão digital
para dinamizar o acesso a informações sobre a temática ambiental, garantindo
inclusive a acessibilidade de portadores de necessidades especiais. (MMA, 2005, p. 39-
49).

Desse modo, visando alcançar seus objetivos, o Instituto utilizou-se de redes virtuais para fazer
circular as informações entre os atores e autores ambientais. No Brasil, existem muitas redes virtuais,
tanto em âmbito nacional, estadual e local, como por exemplo, o REBEA, REASUL, RMEA, RPEA,
SIBEA, entre tantas outras, este última será foco de análise do presente trabalho. Além disso, destaca-se
ainda a existências de redes internacionais, como REDELUSO e a REDE AMAZÔNICA.

3.1 O sistema Sibea

O Sistema Brasileiro de Informação sobre Educação Ambiental (SIBEA) é um das propostas


oferecidas pelo Programa Nacional de Educação Ambiental, para que haja integralização dos
educadores e instituições ambientais. O sistema foi implantado no ano de 2002, como sendo a semente
para o “projeto tecendo cidadania”, objetivando por meio de um sistema aberto ser um centro de
referencia online para educação ambiental.
Desde 1990, já se cogitava a criação de bancos de dados que reunisse as inúmeras experiências
em EA articuladas pelos diversos atores sociais espalhados pelo Brasil. A possibilidade de interligar
esses educadores tornaria mais ágil e fácil a vida desses atores que sempre estão à procura de idéias e
referencias que colaborem em suas atividades de EA, e ainda na formulação de políticas públicas.
(CZAPSKI, 2008, p. 51).
Para o lançamento do projeto, a intenção era selecionar 150 palavras-chave divididas em 15
grupos, a fim de subsidiar o banco de dados. O projeto “Tecendo Cidadania”, o qual recebeu cerca de
US$ 500 mil para financiar projetos voltados à geração de dados, pelo Fundo Nacional do Meio
Ambiente (FNMA).
Devido ao crescente e acelerado desenvolvido das áreas de informática, com o desenvolvimento
de novas ferramentas de tecnologias da informação deixaram o sistema em pouco tempo desatualizado.

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Assim no início de abril de 2007, o SIBEA foi reformulado, e essa nova versão constou com
uma base de 200 mil registros. Outra novidade foi a conexão do sistema à plataforma Lattes, do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), uma base dados que
congrega milhares de currículos de especialistas e pesquisadores em todas as áreas, bem como
informações sobre organizações.

Figura 2: reestruturação SIBEA para o ano de 2007

Fonte: MMA, B, p. 06

Dessa forma, a reformulação do SIBEA, em 2007, visou adaptar a rede a sociedade tecnológica,
valendo-se de seus meios eficazes para atingir seus objetivos. Entretanto, conforme será analisado, o
portal possui vícios que comprometem sua estrutura e acessibilidade, não sendo, portanto, um molde
eficaz de disseminação de Educação Ambiental.

3.2.1 Análise técnica de usabilidade do Sibea

O SIBEA foi criado com a finalidade principal de possibilitar, por meio de um espaço público o
acesso acerca de educadores ambientais e instituições que trabalham com educação ambiental no Brasil,
como uma das principais formas de disseminar as ideias ambientalistas no país.
A princípio, a ideia de centralizar um banco de dados com informações acerca de profissionais
que trabalhassem diretamente com a EA, foi aplaudida pelos órgãos responsáveis pela organização e
implantação de meios eficazes para atingir um grande grupo social, principalmente o estudantil.
Entretanto, analisando a estrutura do portal, foi possível constatar alguns vícios que comprometem
todo o projeto, que partem desde os erros mais simples aos mais grosseiros.
O método utilizado foi o percurso cognitivo, que persiste em uma técnica em que o avaliador se
coloca no lugar do usuário analisando se há algum problema em acessar, utilizar ou se interagir com o
portal, site, sistema, ou ao menos tentar prevê tais situações, simulando a execução das tarefas
recebidas.
Nesse sentido, Prates e Barbosa entendem:
[...] o avaliador deverá se colocar no lugar do usuário do sistema (o que deverá ser
feito através da leitura de um texto informativo, previamente elaborado, sobre o perfil
do potencial usuário), e simular a execução das tarefas recebidas, respondendo uma

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série de perguntas enquanto realiza as tarefas, tentando descobrir possíveis problemas


na interação do usuário com o sistema. (Prates e Barbosa, 2003 apud MAGRINELLI,
2010).

Desse modo, com os resultados obtidos por meio das analises feitos no percurso cognitivo, é
possível constatar imperfeições que comprometem a execução e uso do sistema. Assim, realizou-se uma
análise levando em consideração o designer, a acessibilidade e usabilidade nos campos de registro,
buscas, cartograma e críticas e sugestões.

3.2.1.1 Designer
Percebe-se que o portal demonstra uma grande falha em seu posicionamento, o que acarreta em
transtornos em sua usabilidade e flexibilidade aos usuários.

Figura 3 – Tela inicial do Sibea

Fonte: http://Sibea.mma.gov.br/dcSibea/

Além disso, as barras de rolagem do lado direito e no rodapé demonstram mais uma falha no
site, pois todos os navegadores (Chrome, Mozilla, Explore) já têm suas barras de rolagem padrão.
Desse modo, quando conteúdo do site ultrapassa o tamanho da resolução do monitor do computador
ela é ativada automaticamente para facilitar a visualização do conteúdo do site.
Por tanto, este erro de programação é considerado grosseiro por não ter sido implantado o
código CSS (Cascading Style Sheets), que é uma ferramenta para construção do layout dos websites, nas
barra de rolagem no corpo todo do site, prejudicando a acessibilidade a todas as pessoas, inclusive
portadoras de alguma necessidade especial.

3.2.1.1 Registro
O sistema SIBEA, a priori, visou permitir que seus usuários pudessem realizar o registro de
forma facilitada, para tanto o índex ou página inicial do portal apresenta um link ao lado esquerdo e um
banner do lado direito para efetuar o registro de perfil, possibilitando assim a fácil localização e
identificação do link, conforme Figura 04.

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Figura 4 - Tela inicial do Sibea – Campo de registro

Fonte: http://Sibea.mma.gov.br/dcSibea/

Depois de selecionado o link, o segundo passo é a escolha entre os três perfis disponíveis para
divisão dos grupos educacionais, quais sejam Instituição; Organizações sem CNPJ, Educador
ambiental, como se pode verificar na Figura 05.
Figura 5 - Campo de cadastro – Escolha de perfil

Fonte: http://Sibea.mma.gov.br/dcSibea/

Entretanto, nenhuma das três modalidades de perfis funciona, pois ao clicar no botão “Aceito”,
para anuir acerca dos termos de adesão, nenhuma das opções passa para tela de identificação. Devido
ao erro constante na programação, não é possível prosseguir no cadastro do perfil, este erro pode
ocorrer nos select que faz a conexão do botão do formulário de cadastro com próximo formulário
identificação, conforme Figura 6.
Figura 6 – Campo de cadastro – problema no botão “Aceito”.

Fonte: http://Sibea.mma.gov.br/dcSibea/

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3.2.1.2 Buscas
O Portal SIBEA disponibiliza serviços de busca, de visualização de redes e de extração de
indicadores para os diversos atores do sistema de Educação Ambiental. Através desse campo, os
usuários podem fazer consultas sobre educadores, pesquisadores, instituições que trabalham
diretamente com educação ambiental, desde que estejam devidamente cadastrados no SIBEA e na
Plataforma Lattes.
Em análise a Figura 7, percebe-se que as páginas de buscas apresentam incompatibilidade do
CSS com navegador Chrome, este erro ocorre devido algumas funções adicionadas no estilo da página.
Assim, ao se utilizar o Chrome aparecem barras de rolagens em locais impróprios, o que dificulta a
visuabilidade da pesquisa. Cabe ressaltar que este erro também ocorre na tela de redes por competência,
conforme Figura 08.

Figura 7 – Campo de Buscas –problema na área de buscas nos navegadores Chrome e Mozilla.
(A e B) e problema na área de redes por competência (C)

Fonte: http://Sibea.mma.gov.br/dcSibea/

Depois de solicitado as buscas, os resultados, aparecem listados, com o nome e devidas


qualificações dos educadores ambientais, além das instituições e do pedagógico pertinente ao tema
requerido. Entretanto, assim como os demais mecanismos do portal, ocorre erro na programação,
quando se tenta visualizar demais informações disponíveis no rol localizado.
Desse modo, percebe-se somente o levantamento de informações simplórias acercas de
educadores e demais atores ambientais não serve como levantamento de dado algum, tendo em vista
que sequer é possível identificar o trabalho desenvolvido, o que leva a concluir novamente que o
sistema se encontra defasado.

3.2.1.3 Cartograma
O Cartograma é uma ferramenta que visa permitir a fácil visualização gráfica de informações
sobre a base de dados do SIBEA, tais como a distribuição de competências, instituições, ações,

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políticas, programas e material pedagógico no Brasil, considerando diversos critérios de filtragem. Esses
indicadores são referenciados geograficamente pelos estados brasileiros.
A comunicação entre as informações é uma das finalidades básicas do sistema. Portanto, o
cartograma se faz essencial a observação e análises de medidas e ações educoambientais adotadas no
país, bem como verificar quais foram mais viáveis e os métodos aplicados para atingirem sua finalidade.
Além disso, por meio dos dados veiculados provavelmente identificaria os problemas das Políticas
Públicas ao trabalhar a Educação Ambiental.
A Figura 9 mostra que no index do site possui links para o acesso ao cartograma, ou seja, as
informações necessárias, ao clicar em qualquer dos links é aberta uma nova tela vazia. Esses ocorrem
geralmente por falta de conteúdo ou falha na comunicação com o banco de dados.

Figura 9 - Tela inicial do Sibea – Cartograma da Educação Ambiental

Fonte: http://sibea.mma.gov.br/dcsibea/

Portanto, pode-se afirmar que o SIBEA perdeu a sua essência básica, pois, uma vez que não
consegue sequer apresentar informações básicas sobre o andamento da EA, impossibilita a
disseminação da educação entre os usuários.

3.2.1.4 Críticas e Sugestões


O campo de crítica e sugestões permite, como qualquer outro portal, que, os educadores
ambientais interagir através de críticas e sugestões.
Figura 10 - Tela inicial do SIBEA

Fonte: http://sibea.mma.gov.br/dcsibea/

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Entretanto, ao se tentar abrir a página, ocorre erro no sistema e não abre a tela desejada. Esse
erro pode ocorrer por fala de comunicação do formulário de sugestão com banco ou por estar com o
link quebrado.

4. Considerações finais
No Brasil, houve um grande avanço da EA nos últimos anos, porém, ainda, há muitos
problemas a serem encarados para que realmente a Educação Ambiental atinja sua finalidade.
Em análise às leis disponíveis, é possível estabelecer que no Brasil vivemos a era Ambiental,
onde o capitalismo tem que atender, em caráter obrigatório, as necessidades do meio ambiente, ou seja,
caminhamos sentido a uma economia verde, que se externa por meios de debates, conferências, fóruns,
onde visam atender as exigências legais e básicas da EA.
A Política Nacional de Educação Ambiental prevê dentre seus objetivos o incentivo à
participação permanente e responsável do indivíduo e da coletividade, na preservação do equilíbrio do
meio ambiente, e o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia. Portais
como SIBEA nascem de ideias que tem por base externar os objetivos da PNEA e do PRONEA.
Entretanto, para executar um sistema de grande porte, acaba por despender tempo, investimento e
colaboração, o que só esteve presente na criação e na reforma do SIBEA.
Com os resultados obtidos, pode-se concluir que o SIBEA mostra inúmeras inconsistências,
além de erros visíveis na linguagem de programação e nos formulários com banco de dados, o que
inviabiliza sua executoriedade e ainda prejudica a imagem do sistema frente aos usuários caso não haja
as devidas correções.
Atualmente o mercado tecnológico desenvolve websites em um padrão conhecido como
W3Cuma “plataforma Web aberta”, que serve para desenvolver aplicativos que permitis aos
desenvolvedores criar experiências interativas, o que é alimentado por grandes armazenamentos de
dados. Sites desenvolvidos com essas normas permitem o acesso e visualização por qualquer pessoa ou
tecnologia, sem levar em consideração o hardware ou softwares por elas utilizados, como celulares,
tabletes e outros. Assim, propõem-se, as ferramentas e linguagens de programação sejam revistas,
alterando-se as etapas que envolvem diretamente a interface do sistema. Além disso, deve ser feito uma
vistoria mais rígida pelos órgãos competentes a fim de constatar tais falhas que são perfeitamente
aparentes. Ressalta-se que ainda há possibilidade de que sejam realizadas as devidas reparações no
portal SIBEA, a fim de se conceder acessibilidade e usabilidade aos seus usuários.
Desse modo, o presente estudo abre espaço para novas análises e discussões acerca dos altos
investimentos que são realizados, sob a argumentação de tais aplicações servem para integralizar as
viabilizar melhor execução da educação ambiental por meio das ferramentas tecnológicas disponíveis
no mercado, sem ao menos fiscalizar todo o projeto.

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Mercosur Educativo: actualidad, perspectivas y desafíos

Arca García, Catalina1


Castañon López, Manuel2
Rustoyburu, Nancy3

1. El Sector Educativo dentro del Mercosur

E
l Tratado fundacional del Mercosur, firmado en 1991 en Asunción, representó la concreción
de un proyecto integracionista comercial para fomentar el desarrollo de los países del Cono
Sur americano, bajo una lógica de apertura regional, en el marco de un consenso
hegemónico (PERROTA, 2011, p. 79). El acuerdo planteó esencialmente los objetivos de acelerar los
procesos de desarrollo económico, promover la inserción de los países fundadores en el mercado
internacional y modernizar las economías a través del intercambio constante.
Las ideas-fuerza fundantes del pretendido Mercado Común no escaparon a la lógica dominante
en la década de los ’90, donde la participación de los actores políticos y sociales quedó disminuida
frente a la incidencia de los actores empresariales. Aunque en la constitución del bloque se les asignó
importancia a la justicia social, a la integración latinoamericana y a la unión entre los pueblos, las políticas
orientadas al desarrollo económico otorgaron una prioridad menor a las políticas culturales, educativas
y sociales (BOTTO, 2007).
Ya desde la fundación del bloque, sin embargo, los Ministros de Educación de los países
fundadores reconocieron la importancia de la educación en el proceso integracionista y suscribieron, en
1991, el primer Protocolo de Intenciones relativo a aspectos educativos, en el que se destacó la
importancia de “reconocer a la educación como un elemento dinamizador, que permitirá acelerar los
procesos de desarrollo económico con justicia social y consolidar el camino de integración”4. Así, fue
creada la Comisión de Ministros de Educación, devenida en la actual Reunión de Ministros de
Educación, tras la Decisión del CMC nº 7/1991.
De esta forma, paulatinamente fue tomando dimensión la necesidad de una formación integral
de los recursos humanos para “fortalecer el proceso de integración y alcanzar la prosperidad, el
progreso y el bienestar con justicia social de los habitantes de la subregión”5.

1 Estudiante de Comunicación Social. Facultad de Derecho y Ciencias Sociales, Universidad Nacional del Comahue;
Argentina.
2 Estudiante de Derecho. Facultad de Derecho y Ciencias Sociales, Universidad Nacional del Comahue; Argentina.
3 Estudiante de Psicología. Facultad de Psicología, Universidad Nacional de Mar del Plata; Argentina.
4 MERCOSUR. Reunión de Ministros de Educación. Protocolo de Intenciones. Brasilia: 1991.
5 MERCOSUR. Consejo del Mercado Común. Decisión 07/1991. Brasilia: 1991.
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En 1992 comenzó a regir el primer Plan Trienal del Sector Educativo del Mercosur (SEM),
cuyo objetivo principal –reiterado en los Planes subsiguientes– fue detectar el estado de situación y los
obstáculos que condicionarían la movilidad de los alumnos en la región (GIANGIÁCOMO, 2008).
Sin embargo, el planeamiento concreto de diversos proyectos de regionalización de la educación
superior fue definido por primera vez en el Plan de Acción del SEM 2001-20056, especialmente en lo
relativo a la aprobación por parte de los países de diversos programas, en el marco del trinomio
acreditación-movilidad-cooperación como bloques temáticos rectores.
Sólo después de 2003, en el marco de los nuevos gobiernos con amplio apoyo popular y con
una fuente impronta social en sus políticas internas7, se comenzó a articular un compromiso regional
real en materia de regionalización educativa. Vazquez (2012) destaca la importancia del Consenso de
Buenos Aires8 como punto de partida de un proceso orientado a lo social, en el cual se afirmó la
necesidad de fortalecer los sistemas universitarios “con el fin de generar un polo científico regional” 9,
reconociendo un marco de asimetrías entre los diversos países.
Los principios del Consenso se plasmaron en el Programa de Trabajo del Mercosur 2004-200610,
que otorgó prioridad, en lo relativo a educación, a la negociación para el reconocimiento de títulos
universitarios, la circulación de profesionales, la mejoría en los niveles educacionales y a la enseñanza
obligatoria de los idiomas español y portugués.
Asimismo, en la XX Cumbre Iberoamericana de Jefes de Estado de 2010, se aprobó el Plan
“Metas Educativas 2021” –con objetivos de universalizar la educación, mejorar la calidad educativa y
posibilitar la igualdad educativa–, que complementó sinérgicamente el accionar del SEM, otorgando un
nuevo marco de compromisos políticos regionales.
Los nuevos impulsos conducentes a la integración educativa determinaron, por un lado, planes
de acción más ambiciosos. Es posible verificar una evolución en las metas, donde se incluyeron
paulatinamente la concreción de proyectos de impacto real y se estableció un sistema de monitoreo y
evaluación para acompañar las acciones establecidas. Asimismo, se propuso como objetivo la
comunicación con los diversos actores sociales.
Por otro lado, junto con la diversificación de temáticas y mayor complejidad adquirida por la
agenda educativa, se produjo un mejoramiento del acervo normativo relativo al SEM. Así, la estructura

6 En los documentos anteriores, las metas se centraban fundamentalmente en el estudio de situación y perspectivas, con
excepción de escasos proyectos con protocolos aprobados. Es ilustrativa la meta 4.2.2 del Plan Trienal 1998-2000:
“Fomento a la cooperación dentro de la región, en vistas a favorecer la transferencia de conocimientos y tecnologías y el
intercambio de estudiantes, docentes e investigadores en el marco de los protocolos existentes.” (El resaltado nos
pertenece).
7 Son los casos de Néstor Kirchner (Argentina, 2003-2007), Tabaré Vázquez (Uruguay, 2005-2010), “Lula” da Silva (Brasil,

2003-2011) y Fernando Lugo (Paraguay, 2008-2012), elegidos democráticamente, con un fuerte arraigo en sectores
populares y que impulsaron diversas políticas sociales conducentes a la mejora del nivel de vida, acceso a la educación y
servicios sanitarios y lucha contra la pobreza.
8 Destaca PERROTA (2011) que el nombre atribuido respondió a una clara oposición al Consenso de Washington.
9 ARGENTINA y BRASIL. Declaración Conjunta. Buenos Aires: 2003. Considerando 5º.
10 Adoptado por la Decisión CMC 26/2006.

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orgánica simple y precaria fundada tras la Reunión de Ministros de 1991 se perfeccionó de forma
paulatina, especialmente tras las Decisiones 7/1991, 05/2006 y 05/2011 del CMC. Se crearon, bajo la
órbita de la Reunión de Ministros de Educación, diversas Comisiones Coordinadoras de Área y grupos
de trabajo específicos, además de un Fondo de Financiamiento propio del Sector Educativo.

2. Actualidad: el Plan de Acción 2011-2015


El Plan de Acción del SEM vigente desde 2011 se enmarca en un contexto regional de aumento
de inversiones del sector externo –tras la crisis de 2008–, de crecimiento de los países integrantes del
bloque y de estabilidad democrática11, además de la consolidación del Mercosur como bloque de poder
geopolítico regional, especialmente con medidas como el Parlamento del Mercosur, el Fondo de
Convergencia y Fortalecimiento Institucional (Focem) y el Instituto Social del Mercosur. Asimismo, las
políticas públicas nacionales acordes a la concepción de educación como derecho humano (LÓPEZ, 2007)
resultaron en un aumento en el acceso a instituciones educativas, motivando aún más los desafíos
integracionistas.
Los principios orientadores del Plan son la confianza, el respeto, la solidaridad, la cooperación y
el consenso, buscando superar las asimetrías intrarregionales, además del diálogo externo y la interacción
como forma de responder frente a las asimetrías interregionales. Asimismo, el valor impacto se encuentra
presente, como forma de “prever acciones que tengan consecuencias concretas en los sistemas
educativos de los países, considerando a los centros educativos como los principales destinatarios de
sus acciones”12, junto con la difusión y visibilidad.
El Plan destaca como balance positivo la creación del Fondo de Financiamiento del SEM, el
primer presupuesto sectorial que busca asegurar una solvencia permanente para los proyectos
educativos.
En cuanto a la cooperación, fue destacada la participación del Mercosur como bloque integrado
en conferencias educativas internacionales, como la Conferencia Mundial de Educación y la
Conferencia de Educación de Jóvenes y Adultos, ambas de la Unesco. Se celebraron, además,
convenios interbloque con la Unión Europea, específicamente para los programas PMM y PASEM. La
resolución 27/2011 del GMC indica que “[…] una de las prioridades definidas por los Estados Partes
ha sido la celebración de Acuerdos que incrementen los vínculos y fortalezcan las alianzas de
cooperación con otros países o con grupos de países.”

11 La estabilidad democrática de los países integrantes del bloque, reconocida en el Plan de Acción 2011-2015, quedó
debilitada frente al Golpe Institucional contra el presidente paraguayo Fernando Lugo, en 2012, que obtuvo como
respuesta la suspensión del Paraguay en los órganos decisorios del Mercosur.
12 MERCOSUR. Plan de Acción del Sector Educativo del Mercosur 2011-2015. Asunción: 2011, p. 11.

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Con respecto a la situación interna de los países del Mercosur, fue notable la mejoría cualitativa
y cuantitativa en términos educativos, ya reconocida en el Plan 2006-201013, a pesar de la existencia de
desafíos en materia de igualdad de acceso y universalización. Estas situaciones internas determinan y
condicionan, aunque no exclusivamente, las dinámicas integracionistas en el ámbito regional
(PERROTA, 2001, p. 90-91).
Los objetivos estratégicos del Plan 2011-201514 fueron, por un lado, relativos a la educación
transformadora de ciudadanía, cuya utilidad destaca Tedesco (1996, p. 7), como medio de integración
cultural en un contexto de supranacionalidades. Así, se reconoce la necesidad de ejecutar políticas
educativas de promoción de una ciudadanía regional. También, se prevé asegurar una “educación de
calidad” como “factor de inclusión social, de desarrollo humano y productivo”15.
Por otro lado, existen objetivos estratégicos relativos a la integración educativa propiamente dicha.
Estos son: la promoción de la cooperación y el intercambio con miras en la mejoría de la calidad
educativa; el fortalecimiento de programas de movilidad de estudiantes, docentes, investigadores y
profesionales; y la articulación de la regionalización educativa con el proceso rector del Mercosur.
El Plan reconoce, como ya fue dicho, la importancia del Programa “Metas 2021: La educación
que queremos para la generación de los Bicentenarios” de OEI-Cepal y la consonancia de los objetivos
con esa carta-compromiso de Jefes de Estado.
Dentro del Plan 2011-2015, en el “Plan Operativo” se destacan diversas metas derivadas de los
objetivos estratégicos. Sin perjuicio de la clasificación originaria según las estrategias de acción del SEM,
es posible identificar cuatro grandes ejes en las acciones planeadas: 1) institucionalización del SEM y
vinculación con otros organismos intra y extra Mercosur; 2) promoción y fortalecimiento de la
formación docente con perspectiva integracionista y eje en la diversidad; 3) equivalencias, acreditación
de carreras y proyectos de movilidad regional; y 4) integración de políticas internas e intercambio de
buenas prácticas entre los países miembros.
El primer eje está orientado a consolidar la institucionalidad del SEM, a través de la interacción
con otros organismos dependientes del Mercosur y con sectores externos al bloque. Así, se destaca la
necesidad de elaborar instrumentos de cooperación técnica con otras instancias del Mercosur y de
gestionar espacios de participación de la RME en las reuniones del CMC. Otras metas destacables son:
 identificar potenciales socios (países, bloques y organismos) para desarrollar proyectos conjuntos
de cooperación con el SEM;
 coordinar y articular la agenda con grupos especializados de UNASUR y otros bloques y
organismos;

13 MERCOSUR. Plan de Acción del Sector Educativo del Mercosur 2006-2010. 2006, p. 5.
14 Los objetivos son reiterados en los anteriores Planes de Acción, especialmente en el Plan 2006-2010, que guarda
semejanza con el actual vigente.
15 MERCOSUR. Plan SEM 2011-2015. Op. cit., p. 13.

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 coordinar acciones con la sociedad civil, especialmente sindicatos y organizaciones sociales;


 vincular las acciones del SEM con el Parlamento Mercosur y las Comisiones de Educación de
los parlamentos de los países miembros;
 transformar en permanente el Fondo de Financiamiento propio, para consolidar la estructura
financiera del SEM.
El segundo núcleo agrupa aquellas metas relacionadas a la promoción y el fortalecimiento de la
formación docente, bajo una perspectiva de integración regional y diversidad cultural, para concluir en
la concreción de proyectos de educación bilingüe e intercultural. Se focaliza principalmente en la
capacitación continua de docentes multiculturales y en el desarrollo de un marco regulatorio para el
reconocimiento y acreditación regional de la formación docente.
El eje en la acreditación de carreras de educación superior, equivalencias y movilidad regional es
el que presenta mayor ambición, además de mayores programas institucionalizados en marcha. Se
destaca la necesidad de acordar convenios que resuelvan las dificultades migratorias de los actores
educativos y se proyecta la creación de un sistema integrado de movilidad, articulando los programas
existentes, que cuente con apropiación de las instituciones educativas y tenga enfoque en la
cooperación e internacionalización. Se destacan también, entre otros objetivos:
 fortalecer el programa ARCUSUR, ampliando el número de instituciones participantes y carreras
acreditadas, con vistas a su expansión y diversificación; e implementar un mecanismo de
reconocimiento de títulos en al menos tres carreras acreditadas;
 optimizar y expandir el programa MARCA para fortalecer su sustentabilidad;
 actualizar permanentemente la tabla de equivalencias Mercosur para educación básica, primaria y
secundaria; revisar la tabla del Convenio Andrés Bello y consensuar con otros países ajenos al
bloque;
 actualizar el “Protocolo de Integración Educativa y Reválida de Diplomas” para nivel medio
técnico.
Con respecto a la integración de políticas internas e intercambio de buenas prácticas entre los
miembros del bloque, se proyectó la construcción de políticas integradas de participación juvenil en
temas de diversidad cultural y de educación con perspectiva inclusiva de sectores indígenas y afro
descendientes. También se prevé el diseño de un programa para el estudio de historia, culturas y
lenguas del bloque y un impulso a la instalación de escuelas de frontera multiculturales. Otra meta
destacable es la promoción del intercambio de especialistas, gestores, profesores y estudiantes para
conocer in situ los sistemas de educación, e intercambiar buenas prácticas y acciones innovadoras.

3. Programas institucionales vigentes en el ámbito del SEM


Sin perjuicio de las ambiciosas metas del Plan de Acción actual, el SEM consolidó diversos
programas institucionales que han tenido vigencia, sea como proyectos-piloto o como proyectos

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consolidados, en su mayoría relativos a la educación superior. Es posible destacar, entre otros, los
proyectos ARCUSUR, MARCA, MARCA Docentes, Movilidad lingüística y Programa de Movilidad
Mercosur.

El sistema ARCUSUR de acreditación de carreras


ARCUSUR es un sistema de acreditación de carreras universitarias para el reconocimiento
regional de la calidad académica de las respectivas titulaciones en el Mercosur y Estados Asociados.
Constituye la creación de un mecanismo permanente de acreditación, cuyo primer ciclo involucró a las
carreras de Agronomía, Arquitectura, Veterinaria, Enfermería, Ingeniería, Medicina y Odontología.
El programa facilita la movilidad de personas entre los países de la región y podría servir como
punto de partida de mecanismos regionales de reconocimiento de títulos y diplomas universitarios. Se
destaca como una necesaria política de Estado integrada, con vistas a mejorar la formación de Recursos
Humanos, con criterios de calidad requeridos para la promoción del desarrollo económico, social,
político y cultural de los países de la región.
La adopción de este mecanismo de acreditación definitivo tuvo como base las experiencias del
Mecanismo Experimental de Acreditación, conocido como MEXA. Existe, en cada estado parte, un
organismo gubernamental interno de acreditación.
Sin embargo, pese a los ambiciosos objetivos, la acreditación no confiere el derecho a ejercer la
profesión en los países-miembro ni implica la reválida automática de las titulaciones.

MARCA – Estudiantes (Movilidad para carreras acreditadas)


Teniendo en cuenta la relación de las metas del Plan 2006-2010 con una mayor inversión en
movilidad entre los Estados Parte, se creó –bajo el ámbito de ese Plan y con objetivos de permanencia–
el Programa de Movilidad para Carreras Acreditas - MARCA.
Es un programa de movilidad para estudiantes de grado de las carreras acreditadas por el
mecanismo ARCUSUR. La primera convocatoria se realizó en 2006, donde se ejecutó una experiencia
piloto con participación de la carrera de Agronomía.
MARCA tiene como objetivo contribuir a mejorar la calidad de la enseñanza superior en las
carreras acreditadas en el MEXA y ARCUSUR de los países integrantes del bloque, así como estimular
la cooperación interinstitucional e internacional.
Sin embargo, en la actualidad sólo existen siete carreras acreditadas, lo que hace necesario
fomentar programas generales de movilidad para carreras de grado que no se encuentren acreditadas.

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Programa de Asociación Universitaria para la Movilidad de Docentes de grado para el


Programa MARCA
El programa está destinado a proyectos de asociación institucional universitaria para las carreras
de grado que participan del Programa MARCA; está inserto en el marco del Plan de Acción del Sector
Educativo del Mercosur para el período 2006-2010.
En el año 2001 se realizó la convocatoria de la cual pudieron participar del programa docentes
de grado en ejercicio de las universidades reconocidas oficialmente por los respectivos sistemas
educativos de los países participantes del Programa, acreditadas por el sistema regional de acreditación
del Mercosur y que cuentan con adhesión vigente al Programa MARCA al momento de la
convocatoria. La primera experiencia se llevó a cabo en el primer semestre del año 2012.

Programa de Intercambio Académico de portugués y español


El objetivo del Programa es fomentar la asociación institucional universitaria para estimular el
intercambio de estudiantes y docentes de grado relacionados con el área de letras, con vistas al estudio
de las lenguas portuguesa y española.

Núcleo de Estudios e Investigaciones en Educación Superior del Mercosur


El proyecto tiene el objetivo de contribuir con la cooperación interinstitucional entre los
sistemas universitarios de los países del Mercosur, incluyendo la sistematización de información sobre
investigaciones e iniciativas académicas, la promoción de investigaciones intrarregionales sobre
educación y la elaboración de propuestas novedosas para la mejoría del SEM.
En la actualidad, cuenta con un Grupo de Trabajo integrado por representantes de Argentina,
Brasil, Paraguay, Uruguay, Chile y Venezuela.

Sistema Integral de Fomento para la Calidad de Posgrados del Mercosur


En el Plan Estratégico 2011-2015, el sector educativo del Mercosur resolvió institucionalizar la
temática de Carreras de Posgrado para contribuir a la reducción de asimetrías y a la formación de
recursos humanos. El Grupo de Trabajo, conformado en el año 2010, elaboró los términos y bases de
los programas de cooperación que integran el Sistema Integral de Fomento del Posgrado.
En la actualidad, se encuentran vigentes el Programa de Asociación de Proyectos Conjuntos de
Investigación, el Programa de Asociación para el Fortalecimiento de Posgrados y el Programa de
Formación de Recursos Humanos.

Programa de Movilidad Mercosur en Educación Superior


El 16 de abril de 2008 se firmó el convenio de financiación entre el Mercosur y la Unión
Europea que dio origen al Programa de Movilidad del Mercosur. La gestión del proyecto estuvo a cargo

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del Ministerio de Educación y Cultura de la República Oriental del Uruguay en conjunto con la
Universidad de la República.
Los objetivos del programa se relacionan con las metas establecidas en los Planes 2006-2010 y
2011-2015: conocimiento recíproco, interculturalidad, respeto a la diversidad, cooperación, etc.
La fase piloto del Programa se desarrolló en 2012, y participaron 157 estudiantes de diferentes
carreras de grado –sin restricciones– de los entonces cuatro estados parte. El balance final del programa
fue positivo, destacando la participación de diversas universidades regionales16.
Si bien existe voluntad y se cuenta con la logística adecuada –especialmente tras la creación de
redes interuniversitarias–, el inconveniente mayor para dar permanencia al programa es de índole
presupuestario, debiendo articularse un financiamiento conjunto del SEM con las universidades
participantes.

4. A modo de conclusión: desafíos futuros que enfrenta el Sector Educativo


A pesar de su vigoroso desarrollo, especialmente en la última década, el SEM enfrenta
diferentes desafíos, a cuya resolución paulatina deben apuntar los futuros Planes de Acción. El origen
de las problemáticas es diverso y de diferente intensidad: existen, por un lado, desafíos en torno al
Mercosur y su institucionalidad, y por el otro, a las condiciones actuales de la educación en los países
miembros.
Si bien en la actualidad, según Perrota (2011, p. 87) las políticas del Mercosur no descansan
sobre el libre mercado sino sobre la política de los gobiernos y la influencia de los actores sociales –lo
que puede ser considerado como un notable avance en el proceso integral de regionalización–, el Sector
Educativo se ha visto limitado en diversas oportunidades por la propia estructura del bloque y su
dinámica de funcionamiento. Ha sido destacada la necesidad de coordinar las agendas sociales y
culturales de los países miembros (ILB, p. 42), para definir una política de acción clara desde el CMC.
Con respecto a la estructura del bloque, es preciso identificar como problemática a la
dependencia de los organismos al Consejo del Mercado Común, especialmente en la aprobación de
normas. Esto se traduce, sin dudas, en una falta de autonomía funcional real del SEM, lo que deriva en
una menor productividad y concreción de proyectos, muchas veces subordinados a una lógica
mayormente mercantilizada de la integración.
Existen, asimismo –y como ya fue dicho– desafíos en torno a las condiciones internas de los
países, que presentan disímiles características. Ya la decisión CMC 07/1992 destacó el problema de la
“carencia de un conocimiento exhaustivo de los sistemas educativos que facilite el intercambio mutuo y
señale pautas concretas que orienten las acciones conjuntas” del Sector Educativo, en un escenario de
incompatibilidades de las políticas educativas nacionales. Es así que, en lo sucesivo, los Programas de

16 Los coautores de este trabajo fueron participantes de la Fase Piloto del programa.

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Acción han enfatizado el estudio y el intercambio de buenas prácticas entre los diversos sistemas17. Esto
se ha visto, por un lado, en la diferencia de esquemas de educación general, y por el otro, en el grado
diferente de implementación de Agencias de Acreditación universitarias.
En relación a la movilidad de los actores educativos, Astur (2011, p. 128) destaca que los
estados han fracasado en las negociaciones tendientes a la libre circulación de estudiantes y
profesionales no encuadrados en el Acuerdo de Residencia Permanente del Mercosur. No hay
actualmente un sistema de Visa Estudiantil unificado, sino que existen acuerdos bilaterales aislados,
como el caso Argentina-Brasil de exención de tasas para el trámite de visas estudiantiles. Sin embargo,
la necesidad de trámites consulares de visado existe y representa un obstáculo para las movilidades de
larga o media duración.
La circulación de profesionales, que también se ve alcanzada por las dificultades migratorias,
está también condicionada al reconocimiento de títulos universitarios por parte de los Ministerios de
Educación locales. La decisión 4/1999 CMC puso en vigencia el reconocimiento de títulos
universitarios “al solo efecto del ejercicio de actividades de docencia e investigación”. Sin embargo, un
entendimiento18 de la CAPES19 brasileña determinó que el reconocimiento es exclusivo para actividades
académicas temporales y no permanentes. Es decir, nuevamente, existen divergencias en la aplicación
interna que truncan la aplicación de una norma que, si bien no resolvió, avanzó en el reconocimiento de
diplomas.
Asimismo, a pesar de que el sistema ARCUSUR fue mentado para facilitar el reconocimiento de
títulos y la consecuente habilitación profesional (HERMO, 2006), las negociaciones en ese sentido
fracasaron. Así, el sistema está limitado a garantizar la calidad de las carreras acreditadas, pero sin
implicar ello la reválida. Astur (2011, p. 112) reconoce que existen resistencias de Brasil, por una parte,
y de Uruguay y Paraguay, por otra, por no contar con sistemas de colegiación posteriores a la
revalidación de los diplomas.
No será posible concretar un sistema eficiente de acreditación y posterior reconocimiento, si no
se profundiza la lógica de que si el Mercosur “cuenta con una base de trabajo común que acredita
niveles comunes de calidad, esta pueda operar como sustento de reconocimiento, ya que aporta los dos
elementos fundamentales que son el conocimiento de los sistemas de formación y la confianza mutua
sobre la calidad de los títulos” (ASTUR, 2011, p. 114).
Por otro lado, como ya fue indicado, existe un grado diferente de implementación de los
sistemas nacionales de acreditación de carreras universitarias. Así, mientras la CONEAU argentina

17 En el Plan 2011-2015, por ejemplo, las metas A.1.1 y B.1.1 del objetivo estratégico 2, CCR.
18 Parecer CNE/CES nº 106, de 2007, disponible en http://www.capes.gov.br/images/stories/-
download/avaliacao/pces106_07.pdf. Consultado el 02/09/2013.
19 La CAPES -Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- depende del Ministerio de Educación y
tiene funciones, por un lado, de evaluación de posgrados y, por el otro, de incentivo a la ciencia y técnica.

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comenzó a funcionar en 1996, la ANAES paraguaya, el SINAES brasileño y la Comisión ad-hoc


uruguaya iniciaron sus tareas con posterioridad (en 2003, 2004 y 2008, respectivamente). Esta
disparidad en el grado de avance de la acreditación interna, responsables frente al ARCUSUR, produce
asimismo un retraso en el propio sistema de acreditación regional.
En cuanto a la integración cultural por medio de la educación, es posible verificar grandes
falencias en la enseñanza del español y el portugués como lenguas extranjeras. No existe, hasta ahora,
obligatoriedad plena en los países del bloque de enseñanza de esos idiomas. Tampoco se han
contemplado otros idiomas regionales, como el guaraní –idioma oficial en Paraguay– o las diversas
lenguas aborígenes en diferentes regiones. Mendonça de Lima (1996) destaca la importancia vital del
aprendizaje de las lenguas para el proceso de integración cultural, en un marco de evolución del portuñol
al bilingüismo regional.
Sin dudas, será necesario avanzar también en la formación de docentes multiculturales, con
conocimiento en historia y geografía regional, para desplazar las lógicas nacionalistas y eurocentristas
vigentes en los currículos actuales.
Los procesos de internacionalización de las propias universidades, si bien han aumentado
notablemente, aún deben profundizarse y orientarse a la integración con interacción. Según indica Kerr
(SAFIRO, 2009, p. 6), “la internacionalización se divide en cuatro componentes: el flujo de nuevos
conocimientos, el flujo de los académicos, el flujo de los estudiantes y el contenido del currículo”.
Asimismo, Van der Wende la describe como “el proceso de desarrollo del currículo y de innovación
curricular que tiene como meta integrar la dimensión internacional en el contenido del currículo y, si es
relevante, también en el mismo método de enseñanza” (SAFIRO, 2009, p. 7). Así, es necesario un salto
cualitativo y cuantitativo en los procesos tendientes a la regionalización institucional de los espacios
educativos.
Sin embargo, se presenta una interrelación entre los diferentes desafíos: sin un trámite
migratorio simple y de bajo o nulo costo y sin reconocimiento automático –al menos parcial– de los
planes y programas de estudio, los procesos de internacionalización de las instituciones, aún con
impulsos desde su propia autonomía, no pueden concretarse en su máxima expresión.
Es posible identificar, sin ahondar en un tema ajeno a los propósitos de este trabajo, ciertas
similitudes en las problemáticas identificadas que motivaron la Declaración de Bolonia de 1999, en el
ámbito de la Unión Europea, que inició la conformación del Espacio Europeo de Educación Superior,
de alta movilidad, cooperación e interacción interuniversitaria. Veglia (2011) destaca, por un lado, la
notoria influencia del Proceso de Bolonia en los Planes de Acción del SEM, pero reconoce que los
resultados no han tenido una magnitud comparable con el modelo europeo, debido a las propias
dificultades estructurales del bloque.
Para concluir, es posible afirmar que el Sector Educativo es un área de trabajo incipiente dentro
del Mercosur, cuyo desarrollo fue –como ya fue dicho– potenciado en la última década. Se encuentra, al

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igual que el propio bloque, atravesado por las diversas problemáticas sociales, culturales y educativas
internas de los países miembro. Sin embargo, es notorio el grado de avance en las políticas educativas
nacionales, que repercute en el fenómeno integracionista.
En definitiva, para arribar al objetivo de un espacio educativo común, las políticas regionales
deben proponer un reconocimiento a la diversidad y a la compatibilidad de intereses y objetivos,
buscando la interacción entre los diferentes contextos de cada uno de los países y universidades. Es en
la creación de este espacio común que, integrando las diferencias socioculturales, se encuentra el
concepto de Identidad Regional (BARRERA, 2012). Ese proceso de creación de una identidad regional
también tiene sustento, en términos lacanianos20, en las pautas y marcos simbólicos necesarios para que
cada sujeto comparta y construya con el Otro, representado en este caso en el bloque regional.
Al mentar una Identidad Regional construida en el marco de un espacio educativo común, debe
reconocerse su dinamismo teniendo en cuenta el presente, el pasado y el futuro de las proyecciones, los
proyectos y los propios mitos. El punto de partida es, necesariamente, el reconocimiento del territorio y
la identificación de la cultura, la historia y todo aquello que pertenezca a la misma.
El camino de la integración es, entonces, el reconocimiento de lo heterogéneo y diverso que
permite, a su vez, valorizar lo característico de cada contexto y adquirir una visión integral y coherente
de la región. Es a partir de la identidad regional que surgen el sentimiento de pertenencia, los valores
regionales comunes, el fomento de capital social y la cooperación.
La integración económica no es posible sin integración social, cultural y educativa. Y debe
entenderse que la integración implica respeto, cooperación y solidaridad –valores presentes en los
Planes del SEM–, con objetivos no de aculturización o uniformización, sino de diálogo permanente entre
las culturas.

Referencias
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Latinoamericana de Ciencias Sociales, Universidad de San Andrés en cooperación con Universidad de Barcelona,
Buenos Aires. 2011.
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BOTTO, M. Saber y Política en América Latina. El uso del conocimiento en las negociaciones comerciales internacionales.
Buenos Aires: Prometeo. 2007.
CEPAL et. al. 2021: Metas Educativas. Documento Final. Madrid: OEI. 2010.

20 Como puede verse en LACAN, J. El estadio del espejo como formador de la función del yo. 1949.

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Capitalismo e Universidade: transformações no cenário
econômico internacional e possíveis tendências dos sistemas
universitários de Brasil e Argentina

Máximo Augusto Campos Masson


Eduardo Gonçalves Serra

Introdução

A
o curso do processo de conformação da modernidade no ocidente, intrinsecamente
vinculado à constituição do capitalismo como modo dominante de produção e fundamento
ordenador das sociedades contemporâneas, a geração e a disseminação dos conhecimentos
científicos e filosóficos ocuparam, progressivamente, um papel de importância singular tanto para o
próprio desenvolvimento das relações de produção capitalistas, como para a instituição e legitimação
das formas de sociabilidade e organização política que passaram a desempenhar um papel
paradigmático a partir do século XX.
As ciências (e a filosofia) cada vez mais se fizeram presentes no universo econômico, por meio
da promoção do domínio e intervenção sobre a natureza, mediante o desenvolvimento contínuo de
novas tecnologias; da racionalização, sob a lógica da acumulação do capital, dos processos de produção
e circulação de bens materiais e simbólicos e da compreensão das relações sociais e do processo de
individuação que assinalam a modernidade.
A produção e a disseminação de novos conhecimentos e informações, em escala inédita na
história da humanidade, tornaram obrigatória a constituição de sistemas de ensino vinculados aos
Estados Modernos, cada vez mais abrangentes do ponto de vista das classes, dos gêneros, das etnias e
dos grupos etários, dada a sua importância para a economia e a afirmação de dispositivos
comportamentais próprios ao “viver moderno”. Não unicamente, mas de modo especial, a chamada
educação superior ganhou papel de destaque, fazendo com que as instituições por esta responsável –
sobretudo as universidades – não fossem tão somente locais de formação de quadros profissionais
qualificados, por meio da transmissão de saberes reconhecidos como legítimos, seguindo, em maior ou
menor grau, o “modelo de ensino superior napoleônico”, mas também se afirmassem, gradativamente,
como espaços da produção científica, em articulação a institutos e demais centros de pesquisa, fossem
estes públicos ou privados.
Deste modo, nas sociedades que historicamente ocupam posições centrais no sistema
econômico internacional, se evidenciaram – e continuam se evidenciando- de forma quase “natural”, os
elos entre produção do conhecimento científico (e filosófico) e a organização de estruturas
institucionais essenciais para o próprio progresso das ciências e, igualmente, para a formação e a
qualificação dos quadros técnicos socialmente necessários à continuidade do crescimento econômico e
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da ordem pública dominante. Para tal sempre se fez presente a ação estatal, mesmo quando coadjuvada
pela iniciativa privada, objetivando a promoção e a reorganização dessas estruturas institucionais
quando, por força de mudanças históricas, assim o fosse preciso, pois como, ao final do século XIX,
Durkheim afirmava em suas lições sobre a educação moderna: o Estado não pode desconsiderar o
sistema educacional, sob pena de prejuízos impensáveis, dada a importância do mesmo (em todas as
suas dimensões) para a reprodução da própria sociedade (DURKHEIM, 1984).
Os países capitalistas avançados como os EUA e os europeus ocidentais, ressalvadas suas
particularidades e incorporação em maior ou menor grau dos princípios do welfare state, têm sistemas
universitários consagrados, de ampla dimensão e abrangência, bases de financiamento diversas e
variadas funções: das mais tradicionais, como a formação de quadros, às de extensão, cursos de
atualização e especialização, consultorias para agentes públicos e privados, projetos de produção
cultural e ações de assistência social. No caso dos países europeus, resultante da constituição da União
Europeia, foi progressivamente instituído o Processo de Bolonha, principalmente a partir da
Declaração de Bolonha, em 1999, objetivando estabelecer parâmetros - inclusive curriculares - e
objetivos comuns para as instituições europeias de ensino superior.
Em sociedades de desenvolvimento capitalista tardio, mas que podem também ser classificadas
como “avançadas ou desenvolvidas” como vem a ser o caso de Japão e Coréia do Sul, as características
nacionais se evidenciam mais fortemente, notadamente no tocante a elos mais diretos entre a
implantação (e/ou reforma) dos sistemas de ensino e desenvolvimento econômico. Nesse sentido, vem
a ser muito expressiva trajetória sul-coreana. A configuração do sistema de ensino superior sul-coreano
foi resultante de ambicioso projeto de crescimento econômico, iniciado após o final da guerra civil e
que tinha por objetivo superar os efeitos destrutivos de anos de conflito e ocupação estrangeira e atingir
a condição de país desenvolvido.
Tal projeto era centrado na industrialização, utilizando instrumentos de planejamento
econômico como planos quinquenais detalhados e com metas precisas, forte apoio do Estado ao
sistema produtivo privado, com financiamento a juros reduzidos, reserva de mercado para as empresas
nacionais e indução à formação dos grandes grupos econômicos conglomerados (os chaebols).
Por consequência, a ênfase na formação de engenheiros (cerca de 50% das vagas destinam-se a
estudantes de cursos de engenharia) e pessoal especializado para a indústria marcou o desenvolvimento
da educação superior sul-coreana. As instituições de ensino, em sua maioria, são privadas, porém
contam com sistema de apoio do Estado (bolsas para estudantes e outros mecanismos de permanência
no ensino superior) e atendem a mais de 60% dos jovens entre 18 e 20 anos de idade.
Se para as sociedades capitalistas avançadas a produção do conhecimento científico e as
consequentes aplicações tecnológicas e organizacionais foram - e são - cruciais para a continuidade da
expansão do processo de acumulação capitalista e da superação de crises conjunturais que ciclicamente
incidem sobre o sistema econômico como um todo, para as sociedades que, por força das

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transformações históricas, romperam politicamente com o estatuto colonial, mas sem que essa ruptura
viesse a situá-las em posições que não fossem, com maior ou menor força, as de dependentes e
periféricas, empreender o desenvolvimento da pesquisa científica e tecnológica bem como promover a
ampliação dos níveis de escolarização de suas populações em ritmos necessários à superação da
condição subalterna terminou por se constituir em um dilema, quase uma impossibilidade, em função
das dificuldades econômicas, políticas e culturais que nelas se configuraram ao longo dos últimos dois
séculos.
De todo modo, as instituições de ensino superior têm sofrido significativamente os efeitos das
mudanças, especialmente as econômicas, que vieram a marcar o final do século XX.
Mudanças que se caracterizam pelo elevado grau de monopolização do capital, tanto em esferas
nacionais como na internacional, visível em todos os setores econômicos: dos diretamente produtivos
ao financeiro, inclusive o educacional.
A emergência da crise econômica mundial, iniciada em 2008 a partir da quebra do setor
imobiliário dos Estados Unidos, ao expressar contradições estruturais do sistema capitalista e o possível
esgotamento do chamado modelo neoliberal vigente nas últimas décadas na maior parte dos países,
acentuou ainda mais a tendência à concentração monopolista do capital e, ao mesmo tempo, delineia o
que podem ser alternativas de crescimento - também no campo educacional - para países de
industrialização tardia, como os BRICs, embora isto não signifique que estes,como os demais
participantes do cenário econômico mundial, estejam imunes as vicissitudes da crise.

O cenário Sulamericano ao final do século XX


No caso da América do Sul, a educação superior, no curso de todo o século XX, foi sempre
objeto de esperanças significativas, tendo sido praticamente permanente o debate sobre o papel e a
importância das universidades e demais instituições de ensino superior para a modernização, o
desenvolvimento capitalista (ou a construção de possíveis alternativas socialistas) e a superação do
atraso e das desigualdades sociais, embora as características concretas dos diversos sistemas e
instituições de ensino superior sul-americanos nem sempre viessem a confirmar essas expectativas
positivas.
Neste sentido, tanto a presença, por décadas, do movimento estudantil na história das
repúblicas latino-americanas - expressão dos anseios de parte das classes médias de nosso
subcontinente por mobilidade social e mudanças estruturais – como a recorrência das polêmicas sobre
a “reforma do ensino superior”, evidenciam a importância particularmente atribuída às instituições
universitárias para o desenvolvimento dos países da região. Hoje, quando cada vez mais se fazem
presentes os efeitos do processo de globalização, intensificado nas décadas finais do século passado, a
importância da educação superior vem a ser continuamente afirmada entre nós, tal como demonstram
os inúmeros pronunciamentos dos governantes da região, bem como de organizações da sociedade

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civil, sejam ou não diretamente vinculadas a instituições educacionais, as quais ressaltam os ainda mais
fortes vínculos entre educação e desenvolvimento.
A educação superior quase permanentemente esteve entre nós, sul-americanos, relacionada às
temáticas da modernização e do desenvolvimento, mesmo com a implementação de políticas
econômicas de inspiração neoliberal que acompanharam o processo de democratização política na
grande maioria dos países do subcontinente.
Notadamente pelos aspectos que configuram o capitalismo e a ordem mundial no principiar do
século XXI, as problemáticas do desenvolvimento e do papel das instituições de ensino superior em tal
contexto devem ser necessariamente analisadas sob novas perspectivas. Perspectivas que sejam capazes
de, em primeiro lugar, apreender a hoje marcante diversidade de interesses presentes nas nossas
sociedades, os quais não mais se configuram unicamente em torno da relação que estabelecem com os
processos econômicos, ainda que esta permaneça sendo a principal relação constituinte das identidades
dos agentes sociais.
Em segundo lugar, elas devem propiciar uma melhor compreensão das particularidades das
sociedades da América do Sul, as quais, embora se vejam quase que “forçadas à integração e à
internacionalização”, possuem características decorrentes de suas trajetórias históricas mais recentes
que as diferenciam entre si.
Sublinhemos que se o “nacional-desenvolvimentismo” esgotou-se como caminho para a
“superação do atraso”, tampouco as tentativas de implementar a modernização através de estratégias
econômicas neoliberais resolveram dilemas históricos das sociedades da América do Sul. Ao contrário,
o agravamento das condições de vida de grande parte das populações da região, traduzidas em maior
empobrecimento, índices elevados de informalidade e desemprego, perpetuação (em alguns casos,
maior precarização) de serviços públicos de baixa qualidade, redução dos parques industriais,
intensificação da violência urbana e da criminalidade, foram, entre outros, parte significativa dos
resultados alcançados pelos governos que adotaram postulações neoliberais em nome da estabilidade
monetária.
Por sua vez, os governos que se seguiram a onda neoliberalizante dominante nos anos noventa
não empreenderam, salvo as situações mais pontuais de Venezuela, Bolívia e Equador, rupturas mais
profundas com a ordem dominante, especialmente no que diz respeito à manutenção de determinadas
diretrizes de política econômica adotadas por governos de espectro mais conservador como os de
Carlos Menem, Fernando Henrique Cardoso e Alberto Lacalle. Correlações de força favoráveis à
mudança, mas não a rupturas estruturais de maior radicalidade, fizeram com que governos de centro-
esquerda e herdeiros dos (in)sucessos neoliberais, como os de Lula, Nestor e Cristina Kirshber,
Vasquez, Aylwyn e demais representantes da Concertación chilena, apesar de suas bases partidárias se
situarem à esquerda, optassem por assegurar a governabilidade, combinando a persistência de
princípios conservadores para a política econômica, garantidores de taxas de crescimento moderado,

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com a ampliação de políticas de combate à pobreza extrema e o aumento da oferta de serviços de


assistência social, saúde e educação, como vem a ser, principalmente, os casos do Brasil (sob os
governos Lula) e de Chile, dentro das particularidades de uma sociedade que ainda não rompeu
totalmente com a herança política do regime ditatorial.
No contexto particular da primeira década do século XXI, projetos políticos na América do Sul,
que tenham em consideração as especificidades próprias das sociedades da região e que não mais
pretendam simplesmente promover adequações locais pontuais a fórmulas gerais que se apresentam
como verdadeiros receituários supranacionais, são obrigados a ter como seus objetivos centrais a busca
pelo estabelecimento e fortalecimento de elos de integração econômica, política e cultural entre os
países da região e, concomitantemente, a construção da democracia política, a minimização das
desigualdades sociais e o desenvolvimento sustentável. E é em tal quadro que devem ser avaliados os
possíveis papéis da educação superior para o sucesso desses projetos.
Neste sentido, cabe preliminarmente perguntarmos se a educação superior, que ocupou papel
significativo nas propostas de desenvolvimento nacional e modernização da região durante
principalmente a segunda metade do século XX, apesar, salvo exceções1, das insuficiências apresentadas
pelas políticas educacionais empreendidas, continuaria mantendo, de fato, uma posição de destaque e
importância. Considerando os objetivos econômicos dominantes e as perspectivas atuais de inserção
associada no cenário econômico mundial não seria mais politicamente sensato que os governos sul-
americanos empreendessem, sobretudo, as devidas adequações de seus sistemas de ensino superior a
um modelo cosmopolita, mais conveniente às exigências dos tempos atuais?
A resposta a esta questão não pode ser dada de forma acrítica.
A educação é hoje reconhecidamente um instrumento de importância para o desenvolvimento e
modernização de qualquer sociedade, seja por promover a capacitação necessária às atividades laborais
modernas, em especial nos setores industrial e de serviços, seja por também poder possibilitar (embora
não necessariamente) a consecução de meios favoráveis ao exercício da cidadania e de práticas políticas
democráticas. Neste sentido, todo projeto global de desenvolvimento econômico eu tenha entre os seus
objetivos políticos maiores a redução significativa de desigualdads sociais como as existentes entre nós,
decorrentes de nossa ainda subalterna condição no sistema econômico mundial, ,não poderá
desconsiderar o caráter estratégico da educação em geral e particularmente da educação superior, em
virtude do significado da formação de qudros suficientemente qualificados para responder com sucesso
às exigências postas pelas transformações em curso no cenário educacional.
Contudo, é preciso ter em conta que a mera transposição de formas organizacionais de ensino
superior, notadamente sob o argumento da tendência à homogeneização das instituições e a

1 Como exemplo de construção de política educacional relativamente bem sucedida, mesmo que orientada
predominantemente por um viés conservador, temos o caso da constituição do sistema de pós-graduação brasileiro a partir
do final dos anos sessenta.

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inevitabilidade da adoção de modelos “únicos”, em virtude da globalização, termina por ser falaciosa.
Não é possível desconsiderar na análise dos sistemas de ensino bem como na elaboração de propostas
para os mesmos, as especificidades de cada sociedade, suas características estruturais singulares, a
diversidade de interesses das classes e segmentos sociais, enfim, as próprias histórias dessas sociedades.
Minimizar na análise ou proposição de políticas setoriais de Estado, a importância das
trajetórias constituintes de um campo social, como, por exemplo, o educacional (ou o acadêmico), em
uma dada realidade histórica particular, é submeter-se ao que, já nos anos setenta foi classificado como
sendo a mera assimilação de “idéias que estariam fora de seu lugar” (Cardoso, 1980) e que, mais
recentemente, Pierre Bourdieu (2000) denominou simplesmente de “imperialismo cultural ou analítico”,
o qual impõe para todos os lugares do mundo e todas as regiões, modelos ou paradigmas de políticas
públicas.
Se a crítica à adoção de modelos, que se pretendem universais, é justa e politicamente
necessária, todavia, incidem, igualmente, no mesmo tipo de equívoco conceitual, aquelas análises que,
buscando se contrapor à pura e simples submissão a modelos institucionais “mundializados”,
terminam, ainda que dotadas de sentido ideológico aparentemente inverso, por se submeter a uma
similar lógica de percepção da realidade, visto também desconsiderarem as particulares históricas das
sociedades e as diferenças de cada momento conjuntural, universalizando “a subserviência ao
imperialismo” como móvel determinante de toda proposição política governamental das últimas
décadas2.
Frente aos esquematismos de toda ordem, é preciso salientar a importância de enfoques
analíticos que tenham em conta a relatividade e a descontinuidade da própria produção científica. Este
é um aspecto fundamental, de sobremaneira, pois somente deste modo poderemos apreender as
características particulares do espaço social latino-americano contemporâneo (particularmente no que
diz respeito às sociedades sulamericaas) e, assim, contribuir positivamente para intervenções de ordem
política que objetivem a superação dos entraves ao estabelecimento de uma sociedade em que o fim das
desigualdades sociais se constitua em objetivo majoritário, possibilitando a conformação de uma ordem
econômica, social, cultural e politicamente democrática.
Como tem sido por tantas vezes salientado, as mudanças na ordem econômica internacional
repercutiram diretamente no cenário educacional, tanto nas sociedades capitalistas avançadas como
naquelas outras que se encontram em uma posição periférica e subalterna. No novo contexto mundial,
os sistemas educacionais se encontram diante da necessidade de atender a demandas correlacionadas
diretamente aos interesses capitalistas como também aos interesses mais imediatos dos trabalhadores.
Da parte do empresariado, é preciso desenvolver novas formas organizacionais e tecnológicas
baseadas em informações mais detalhadas e precisas, disponibilizadas em tempo real, bem como formar

2 Como exemplo, podemos mencionar Leher (2004)

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uma força de trabalho polivalente, devidamente qualificada e disciplinada, habituada à avaliação mais
constante e capaz de se adequar, em tempo real, às exigências diferenciadas do mercado.
A concretização desses projetos e objetivos demanda o domínio pelos agentes sociais (sejam
gestores, sejam trabalhadores) de novas competências e habilidades, as quais possam agregar maior
valor aos bens e serviços comercializados. E é pela ampliação da socialização escolar, inclusive, por sua
extensão a níveis pós-secundários e superiores, que esse domínio vem a ser possível.
Da parte dos trabalhadores, espera-se que os sistemas de ensino possam instrumentalizá-los,
permitindo que obtenham as desejadas inserção e permanência no mercado de trabalho, considerando
as oscilações que sobre este incidem, seja conjunturalmente em função do cenário de incertezas que
hoje se ressente a economia capitalista mundial dada a crise iniciada em 2008. Se os anos finais do
século XX foram de “desemprego estrutural”, a crise mundial agravou a eliminação de postos de
trabalho, inclusive para indivíduos dotados de maior grau de escolarização.
Portanto, é sob este cenário que devemos compreender as mudanças em curso nos sistemas de
educação superior e as possíveis relações com o desenvolvimento de áreas periféricas , sem se esquecer
que no caso das sociedades sul-americanas esses sistemas além ds questões postas pela conjuntura
internacional contemporânea, se defrontam com duas grandes problemáticas herdadas do século XX. A
primeira, a definição precisa do papel das instituições de ensino (independente de sua modalidade
administrativa e/ou acadêmica) no processo de desenvolvimento nacional e a segunda, a contínua e
crescente demanda por acesso a cursos superiores, intensificada conforme se processaram a
urbanização e a industrialização, com as conseqüentes alterações na estrutura de classes dessas
sociedades.
Nas últimas três décadas, agências internacionais como a Unesco, o Banco Mundial, a
Organização Mundial do Comércio, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), mesmo apresentando, em certos aspectos, perspectivas diametralmente opostas, formularam,
nos anos oitenta e noventa, projetos de adequação e/ou reforma das instituições de ensino superior, em
função das transformações econômicas, políticas e culturais do final do século XX, conformando, dessa
forma, as discussões e decisões internacionais sobre educação superior. Para alguns analistas (KERR,
1990 e livro publicado na UnB), as reflexões e propostas de reforma institucional, delineariam um
modelo “cosmopolita” de educação superior, implicitamente presente em iniciativas
intergovernamentais de cooperação – como, por exemplo, os programas Erasmus (European Action
Scheme for the Mobility of University Students) e UMAP (Univesity Moblity in Asia and Pacific) e

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definição de padrões institucionais comuns, como o Processo de Bolonha3. Porém, menos do que um
“modelo”, podemos dizer que há uma agenda relativa à educação superior composta por temas como:
- o aumento da “população universitária”, objetivando atender favoravelmente às demandas por
quadros técnicos qualificados, o que, no caso brasileiro e em grande parte dos países sulamericanos, é
um ponto de pauta absolutamente relevante, dada o proporcionalmente reduzido número de
ingressantes em cursos superiores;
- a democratização do acesso ao ensino superior para que sejam superadas as barreiras impostas pelas
desigualdades de classe bem com os efeitos excludentes sobre segmentos sociais que, historicamente,
têm sido objeto de discriminação, seja esta de ordem étnica ou não, mesmo em países onde o acesso ao
ensino superior é formalmente irrestrito;
- a manutenção ou, principalmente, a obtenção por parte dos países denominados “em
desenvolvimento ou emergentes” de padrões elevados de qualidade de ensino e pesquisa - estratégicos
para o maior domínio e produção de tecnologia - mesmo quando concomitante a processos de
massificação da educação superior e/ou pós-secundária;
- as formas de financiamento das instituições de educação superior, o que envolve assuntos bastante
polêmicos como limites orçamentários governamentais e propostas de vinculação de investimentos
públicos ao cumprimento de metas institucionais;
- a autonomia das instituições de educação superior quanto a ensino e pesquisa, temática que também
inclui o debate acerca de critérios internos e externos presentes nos processos de tomada de decisão e
as formas de controle social sobre essas instituições;
- as relações entre o setor público e o setor privado nos sistemas de educação superior e a consequente
definição da situação e papel das instituições privadas nesses sistemas, bem como as formas de sua
regulação pelo Estado;
- a contribuição dos sistemas de educação superior para a obtenção de condições de melhor
competitividade, traduzida em ganhos circunstanciais e inserção mais bem sucedida da produção
econômica no mercado internacional, em função de maiores possibilidades de agregação de valor às
mercadorias geradas por uma força de trabalho mais capacitada e devidamente qualificada;
- a internacionalização de modelos de cursos e instituições de ensino superior, tendo por conseqüência
a intensificação do intercâmbio institucional (não apenas entre docentes e pós-graduados, mas também
entre graduandos);
- a padronização de currículos (notadamente em áreas como engenharia, medicina, odontologia e
economia) e a instituição de mecanismos internacionais de acreditação de diplomas, objetivando o

3 Iniciado em 1999 e envolvendo mais de quarenta países signatários de toda a Europa, concretiza as mais expressivas
iniciativas de construção concertada de um projeto internacional de estabelecimento de parâmetros comuns para a reforma
da educação universitária.

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reconhecimento universal; tema bastante caro aos países sulamericanos, em especial, aos integrantes do
Mercosul;
- a possibilidade de comercialização internacional da educação superior, conceituada pela OMC
(Organização Mundial de Comércio) como um serviço a ser ofertado mediante transações comerciais
em todo o mundo tal como outros bens e serviços mercantilizados. A posição adotada pela OMC sobre
a comercialização de serviços educacionais originou uma dos mais polêmicos debates sobre políticas
educacionais no cenário mundial.
Se desde os anos oitenta, O Banco Mundial defende repetidamente a contenção de
investimentos por parte do Estado e ampliação da presença de instituições privadas, inclusive mediante
o apoio técnico e financeiro do próprio setor público, a UNESCO, reafirmou reiteradamente, ao longo
das últimas duas décadas, a importância estratégica do comprometimento do Estado com
investimentos diretos na educação superior.
Dessa maneira, independente de suas configurações ideológicas, as propostas de reestruturação
dos sistemas de educação superior são hoje objeto de ações intergovernamentais como que vem a se
constituir como resultante de experiências anteriores de ação interinstitucional e intergovernamental.
Embora de forma ainda preliminar, iniciativas semelhantes ganham corpo no cenário sul-americano,
envolvendo principalmente ações dos governos integrantes do Mercosul.
Entretanto, embora devam ser observadas as tendências mundiais e as tentativas de
implementação de modelos institucionais mais favoráveis à lógica atual da acumulação capitalista, não
podemos, como já sublinhamos, delimitar nossas análises por um reducionismo mecanicista que
termina por estabelecer as orientações de certas agências internacionais – especialmente as mais
diretamente representativas do grande capital – como maior fator determinante das ações políticas
empreendidas pelos governos nacionais dos países periféricos. Isto seria considerá-los, em última
instância, como meros elementos executores de forças externas dominantes, numa perspectiva analítica
que desconsidera as especificidades locais e, conseqüentemente, as formas como as lutas entre as
classes se afiguram efetivamente nos espaços constituintes dessas mesmas sociedades, ou seja, nos
diversos campos sociais, entre os quais se inscreve o educacional. Em outras palavras, é a diversidade
conflituosa dos interesses locais o elemento delineador final das políticas públicas. Assim, permanece
como elemento imprescindível para o estudo da natureza e função contemporâneas dos sistemas de
educação superior, as relações destes últimos com as características estruturais das sociedades em que
estão situados.
Como sabemos, desde a primeira metade do século XX a trajetória do desenvolvimento
capitalista nas sociedades da América Latina, principalmente em países como Brasil e Argentina,
ampliou a demanda por quadros qualificados nas áreas de administração, economia e engenharia,
alterando a tradição do ensino superior, originada no século XIX, de formar especialmente graduados
nas áreas do direito e da medicina, que atuavam como profissionais liberais ou se direcionavam para a

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burocracia estatal. Em que pesem a progressiva diversificação da oferta de cursos de graduação e das
modificações na legislação educacional, ilustradas nas reformas do ensino superior realizadas no
subcontinente, o aumento da população universitária ficou aquém das necessidades de implementação
da modernização das sociedades sulamericanas, expressando, dessa forma, os efeitos da lenta e ainda
inconclusa universalização do acesso à educação básica.
Ainda que a partir dos anos setenta a oferta do ensino superior tenha aumentado
expressivamente, graças, não somente, mas, sobretudo, a posturas governamentais favorecedoras da
criação de instituições privadas na maioria dos países da região, a educação superior conviverá ao longo
de mais de quatro décadas com o recorrente problema da escassez de vagas, sempre aquém da demanda
existente, de modo especial no que diz respeito à formação de quadros pós-graduados (mestres e
doutores).
Saliente-se que as políticas educacionais promovidas pelas ditaduras militares e pelos governos
subseqentes à “redemocratização política” permitiram o agravamento da distinção entre as instituições
escolares públicas e privadas, seja no que tange ao ensino fundamental e secundário, seja quanto ao
ensino superior. Intensificou-se o hiato entre as redes públicas de ensino fundamental e médio e a rede
privada, produzindo, em conseqüência, efeitos diretos no acesso às instituições de ensino superior.
Os estudantes pertencentes aos segmentos mais próximos do pólo dominante da sociedade – e
quase sempre portadores de maior capital econômico, cultural e social –se direcionam para os cursos
mais prestigiados das melhores instituições de ensino superior, as quais, são, em geral, públicas. Já os
que se encontram em posições mais subalternas do campo social continuam se encaminhando para os
cursos oferecidos por instituições particulares (geralmente consideradas academicamente inferiores) ou
aos cursos de menor prestígio social das instituições públicas.
A oferta da educação superior tem se concentrado em cursos da área de ciências humanas, em
sua maioria localizados em instituições privadas ou em cursos de curta duração (dois anos), ambas
modalidades de curso oferecidas predominantemente por instituições não-universitárias e menor
reconhecimento acadêmico.
A ampliação da oferta de cursos de cursos superiores, predominantemente nas regiões de maior
urbanização como o sudeste e o sul brasileiros ou a região metropolitana de Buenos Aires, veio a
atender, principalmente, à demanda de segmentos determinados da sociedade, notadamente camadas
das classes médias urbanas. Estas, objetivamente, consideram o acesso ao ensino superior, antes de
tudo, um instrumento individual de mobilidade social. Mesmo os programas de pós-graduação e
pesquisa, originariamente estruturados dentro de uma perspectiva desenvolvimentista, não raro sob
ótica política conservadora, também tendem hoje, objetivamente, a se constituir muito mais em
instrumentos de ascensão social desses mesmos segmentos sociais do que propriamente um meio de
promoção planejada do desenvolvimento nacional.

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Apesar da vitória das coalizões de centro-esquerda após a “década neoliberal” em boa parte dos
países da região, as medidas propostas continuam destacando temáticas sublinhadas por seus
antecessores, como: autonomia universitária; modalidades de instituição de ensino superior (com
propostas de adoção de modelos institucionais semelhantes aos “colleges” norteamericanos ou aos
indicados no “Processo de Bolonha”); formas de ingresso nos cursos de graduação; avaliação das
instituições de ensino superior, notadamente as do setor privado; mudanças nas estruturas curriculares
dos cursos de graduação; sendo claramente perceptível, particularmente no caso brasileiro, que o ponto
das maiores atenções governamentais continua sendo o atendimento à demanda crescente por vagas no
ensino superior.
Os sistemas de ensino superior, como os afirmamos e não poderia ser de outro modo, resultam
das características das sociedades em que estão localizados. Sua dinâmica é determinada pelos interesses
econômicos e políticos produzidos mediante as relações entre os diversos segmentos e campos da
sociedade em que estes sistemas se desenvolvem. Não havendo forma de transplantar mecanicamente
modelos externos ou implantá-los “artificialmente” em uma determinada sociedade, sem que existam
interesses de agentes sociais internos que possam ser favorecidos pela adoção desses modelos.
A história das sociedades sul-americanas assinala a persistente demanda popular por medidas que,
possibilitando o atendimento dos interesses mais imediatos da grande maioria da população e fossem
instrumentos políticos para a reestruturação de uma ordem social produtora das mais extremas
desigualdades.
Com a democratização política era esperado que demandas presentes desde as lutas sociais que
antecederam a emergência dos regimes autoritários na região, somadas àquelas provenientes das
mudanças relacionadas à modernização conservadora das sociedades sulamericanas pudessem ser
atendidas.
Contudo, com respeito ao campo educacional na América do Sul, continua se perpetuando a
sua condição subalterna. Para isto contribuiu decisivamente a predominãncia de governos norteados
pelo objetivo de assegurar a estabilidade monetária, mesmo que a custos sociais elevados, entre os quais
a redução relativa dos recursos para o desenvolvimento dos sistemas de ensino, inclusive o superior,
situação que não foi plenamente revertida por governos de centro-esquerda que assumiram o poder na
primeira década deste novo século. E aos efeitos das ações de governos de insraçãoo neoliberal, não
nos esqueçamos , somam-se a perpetuação do conservadorismo acadêmico e à força dos interesses
privatistas, dois fatores importantes na preservação e reprodução das fragilidades do ensino superior
sul-americano, sobretudo quanto às suas possibilidades de intervir positivamente para o atendimento
das demandas por modernização, desenvolvimento econômico e igualdade social existentes na região.
Apesar da sempre reiterada importância das relações entre a educação superior e o
desenvolvimento nacional, as propostas feitas até o momento não demonstram existir um projeto de
desenvolvimento econômico nacional e integração regional de maior vulto, aos quais as instituições de

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ensino superior – em particular as universidades – e de pesquisa possam ser vinculadas na condição de


instrumentos estratégicos, contribuindo, assim, de forma mais decisiva para a superação das condições
de subordinação que persistem caracterizando o capitalismo na América do Sul.
Ao contrário, ao iniciarmos o século vinte e um, o ensino superior na região parece ter
assumido, de fato, conforme a classificação de Tilak (2003), a condição de bem privado e não de bem
público, com sua oferta sendo cada vez mais regulada pelas leis de mercado e pelo “arbítrio” do
consumidor, apesar da legislação de boa parte dos países, como é exemplo a mais recente lei sobre
ensino superior argentina (Lei 26.206 de 27 de dezembro de 2006 – Lei de Educação Nacional), afirmar
claramente e seguindo recomendações aprovadas pela Unesco, que a educação é um bem público e um
direito individual.
Dessa forma contraria-se, na prática, toda tradição do ideário desenvolvimentista que definia a
educação superior como ferramenta fundamental para o crescimento planejado do país (DIAS
SOBRINHO, 2000), um mecanismo produtor de efeitos de longo prazo sobre a economia e a
sociedade. Sem dúvida, a contradição entre as afirmações legais quanto à educação (inclusive a superior)
ser um bem público e práticas institucionais que a tratam como um bem privado, cria dificuldades
significativas tanto para o planejamento educacional quanto para a própria viabilidade de certas
instituições de ensino, cuja sobrevivência termina sendo determinada pelas flutuações dos mercados,
inclusive o de bens simbólicos como os certificados e diplomas. Em tal quadro, além da inserção de
instituições de ensino superior e de pesquisas em projetos de desenvolvimento terminar, sendo
secundarizada, nem mesmo e assegurado o oferecimento de um ensino de mínima qualidade, pois as
condições em que se realiza o trabalho docente são precárias sendo a dedicação exclusiva à docência
uma situação de excepcionalidade e não a norma comum, como ainda vem a ser hoje, de modo especial
nas instituições de menor grau de excelência, geralmente sob administração privada, nas quais a
pesquisa acadêmica é reduzida ou mesmo inexistente.
Frente, portanto, a presença diversificada e contraditória dos fatores que atuam sobre os
sistemas de ensino da região, em geral, e os sistemas brasileiro e argentino em particular, conformando-
os de acordo com os interesses predominantes, é imprescindível definirmos novos caminhos para o
ensino superior na América do Sul. Rumos que permitam, ao mesmo tempo, tanto responder
positivamente às demandas, reprimidas por tantas décadas, pelo acesso ao ensino superior (ou nele
permanecer, questão particularmente afeita ao sistema argentino), instrumento ímpar de mobilidade
social para as classes médias e demais segmentos sociais subalternos, como possibilitar que as
instituições de ensino superior possam cumprir suas duas funções básicas: formar, em nível de
excelência, quadros profissionais qualificados e desenvolver criativamente a pesquisa científica, em
particular, e acadêmica, em geral. É necessário para essas funções se concretizem em toda a sua
plenitude que medidas governamentais, objetivando o desenvolvimento e fortalecimento do campo
educacional, assumam com maior força o planejamento e a regulação estatal na esfera educacional e,

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igualmente, permitam o estreitamento das relações das instituições de educação superior com o setor
empresarial e demais segmentos da sociedade civil, inclusive reavaliando as iniciativas governamentais
até o momento tomadas e as ações necessárias a serem realizadas, avaliando criticamente as tendências
que se configuram para a educação superior em todo o continente e muito particularmente em Brasil e
Argentina.

Referências
AZEVEDO, Mario Luiz Neves de e CATANI, Afrânio Mendes. Universidade e Neoliberalismo: o Banco Mundial e
a Reforma Universitária na Argentina (1989-1999). Londrina: Práxis, 2004
BARROS, Octavio de e GIAMBIAGI. Fábio. 2008. Brasil Globalizado, Editora Campus, 2008.
BOURDIEU, Pierre. 2000. Escritos de Educação. Organização Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani. Petrópolis,
Vozes.
CARDOSO, Fernando. Henrique. As Idéias e seu lugar. Ensaios sobre as teorias do desenvolvimento. Petrópolis. Vozes,
1980.
COX, Robert W. Gramsci, hegemonia e relacionais internacionais: um ensaio sobre o método. In GILL, Stephen
(org.). Gramsci, Materialismo Histórico e Relações Internacionais. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 2007.
DIAS SOBRINHO, José. 2000. Avaliação Da Educação Superior. Petrópolis, Vozes.
DURKHEIM, Émile. Sociologia, Educação e Moral. Tradução de Evaristo Santos. Porto, Ed. Rés, 1984.
GARCIA GUADILLA, Carmen. Complejidades de la globalización e internacionalización de la educación
superior: Interrogantes para América Latina. Cuadernos Del CENDES, vol.22, no.58, janeiro-abril de 2005,
páginas 1-22.
TILAK, Jandhyala B. G. Ensino superior e desenvolvimento. Seminário Internacional Universidade Século XXI, Brasília,
2003.

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Internacionalização da educação superior: para o
Mercosul ou para o mundo?

Paula Regina de Jesus Pinsetta Pavarina1


Regina Claudia Laisner2
Raquel Helene Salvato Delatorre3

Introdução

O
objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões sobre o processo de
internacionalização da educação superior adotado no âmbito do Mercado Comum do Sul.
Ainda que seja reconhecida como um importante aspecto para a promoção do
crescimento e do desenvolvimento econômico, a internacionalização tem sido estabelecida de maneira
desconexa e desigual e, talvez, não como uma função estratégica estabelecida por meio de políticas
públicas. Conhecer as manifestações da internacionalização da educação superior ocorrida nos e entre
os países do Mercosul é importante para se ter acesso a um panorama contemporâneo da importância
concedida pelos governos a esta questão e das relações internacionais que se estabelecem entre este
bloco e o restante do mundo.
A temática que ora se aborda faz parte de uma investigação mais ampla, elaborada e conduzida
pelo Núcleo de Estudos em Políticas Públicas (NEPPs) da Universidade Estadual Paulista, Unesp –
campus de Franca, sendo uma pesquisa ainda em desenvolvimento. Este trabalho apresentará uma
revisão sobre a internacionalização da educação superior, seguida de considerações sobre este processo
no âmbito do Mercosul. Também apresentará alguns dados quantitativos que possibilitam uma reflexão
inicial sobre a condução da internacionalização nos países mercosulinos. Por fim, são apresentadas
algumas reflexões a guisa de considerações finais.

2. A internacionalização da educação superior


A importância da educação para a promoção do crescimento e do desenvolvimento é quase
consensual na bibliografia econômica. Enquanto fator de produção – capital humano – é destacado a
sua contribuição ao incremento do Produto Nacional. Também é ressalvada a importância da educação
para o desenvolvimento econômico, tendo em vista as relações e correlações positivas encontradas

1 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca.
Doutora em Economia Aplicada (USP).
2 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca.

Doutora em Ciência Política (USP).


3 Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca.

Graduanda em Relações Internacionais. Bolsista PIBIC/ Reitoria.


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entre incrementos na escolaridade e diminuição de mortalidade infantil, elevação da renda pessoal e


diminuição da pobreza, entre outros indicadores sociais.

Além da qualificação em geral, há um destaque na literatura ao papel da educação superior,


considerado fundamental para o estabelecimento e desenvolvimento de um setor de pesquisa, gerador
do progresso técnico ou tecnológico, esfera responsável pela introdução ou assimilação de novas ideias
e técnicas, produtos ou processos produtivos. Com este entendimento, o ensino superior tem potencial
estratégico para a promoção de mudanças nas nações, ao produzir, difundir e aplicar conhecimentos
técnicos e científicos, que são fundamentais ao avanço econômico e social de qualquer país.
Além dos benefícios econômicos há de se ressaltar também as benesses sociais. Após a II
Guerra Mundial a educação passou a ser considerada um aspecto estratégico para consolidação da paz e
da segurança internacionais, tendo sido destacada a importância da internacionalização de culturas e
saberes na própria carta constitutiva da Organização das Nações Unidades (ONU). Especificamente
para a consecução deste objetivo, foi criada também em 1945 a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que destaca já em seu primeiro artigo a importância, a
contribuição e o papel da cooperação educacional, da ciência e da cultura para o fortalecimento ao
“respeito universal pela justiça, pelo estado de direito, e pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais [...], sem distinção de raça, sexo, idioma e religião” (UNESCO, 2012, art. I, 1.).
O ensino superior é defendido pela Unesco enquanto um bem público, compreendido como
um direito humano, universal e “um dos pilares fundamentais dos direitos humanos, da democracia, do
desenvolvimento sustentável e da paz, e que, portanto, deve ser acessível a todos no decorrer da vida”
(UNESCO, 1998). Destaca ainda que “a educação superior como um bem público é responsabilidade
de todos os investidores, especialmente dos governantes” (UNESCO, 2009a).
A importância da internacionalização da educação superior se faz mais evidente ainda após a
divulgação das conclusões da Conferência de 2009, denominada ‘As Novas Dinâmicas do Ensino
Superior e Pesquisas para a Mudança e o Desenvolvimento Social’. Logo no início do texto é destacado
que o ensino superior deve contribuição não somente para “fornecer práticas sólidas para o mundo
presente e futuro, mas deve também contribuir para a educação de cidadãos éticos, comprometidos
com a construção da paz, com a defesa dos direitos humanos e com os valores de democracia”
(UNESCO, 2009a). Entre estas práticas, é dada ênfase à “internacionalização, regionalização e
globalização”, enquanto diretriz estratégica para a promoção da mudança e desenvolvimento social. Há
menção ao papel da cooperação interinstitucional, às redes de pesquisa e parcerias, à mobilidade
acadêmica, à acreditação de diplomas e o combate aos fornecedores de ‘diplomas falsos’.
A globalização e a consequente alteração no contexto socioeconômico, cultual e tecnológico
alterou a compreensão sobre o papel da educação superior, frente a um mundo focado no
conhecimento. A realidade da internacionalização, neste novo ‘pano de fundo’, torna necessárias novas

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diretrizes para o ensino superior, respaldadas pelas organizações internacionais, mas consolidadas por
meio de política públicas ou orientações nacionais – ou supranacionais, como no caso de blocos
econômicos.
Cabe um comentário sobre a definição de internacionalização da educação superior. Este
trabalho a define enquanto um processo abrangido tanto no nível nacional como no institucional, aos
quais se integra a dimensão internacional, intercultural ou global aos propósitos, funções e ofertas de
educação superior (ensino, pesquisa e extensão), tal como apresentado por Knight (2004). Esta
internacionalização assume diferentes roupagens: mobilidade acadêmica de estudantes de graduação,
pós-graduação e de docentes, bem como de pessoal técnico-administrativo, colaboração ou
desenvolvimento conjunto de pesquisas, delimitação de projetos internacionais de desenvolvimento em
educação superior, internacionalização de currículos ou estruturas curriculares em programas e cursos
gerais ou de disciplinas específicas – e no caso extremo a dupla titulação, a cooperação interinstitucional
e a da prestação de serviços educacionais (estabelecimento de filiais de faculdades/ universidades no
exterior ou redes transnacionais de instituições de ensino superior) (VAN DAMME, 2001).
Entretanto, por ser uma pesquisa ainda em elaboração, este trabalho focou na mobilidade de
estudantes – graduação e pós-graduação. Justifica-se esta escolha pelo fato de que na América Latina,
região que compreende os países do Mercosul, concentram-se esforços na ‘mobilidade’ – de estudantes
e docentes – enquanto aspecto da internacionalização. Este fato indica uma falta de coerência com as
demais estratégias e objetivos elencadas por Van Damme (2001) e que a internacionalização ainda é
considerada ‘periférica’ frente às demais atividades desenvolvidas pelas instituições (GARCÉL-ÁVILA
et al., 2005).

3. Internacionalização da educação superior no âmbito do Mercosul4

Apresentam-se na Tabela 1 alguns dados sobre o fluxo de saída de estudantes de nível superior
dos países do Mercosul. Os demais países do bloco não são destino prioritário da mobilidade de
estudantes de nível superior, em geral. Somente o Brasil figura como destino de estudantes dos outros
três membros, mas o inverso – brasileiros com destino ao países do Mercosul – não é comum.
Tabela 1. Fluxo de saída de estudantes de nível superior. Países do Mercosul, 2009.

4 Inicialmente cabe também ressalvar que este trabalho apresenta dados para Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Em que
pese a Venezuela também ser parte do bloco, os dados coletados referem-se ao ano de 2009, quando este país ainda não
fazia parte do Mercosul, e por isto não foram considerados.

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País Brasil Argentina Paraguai Uruguai


Ordem Destino Total % Destino Total % Destino Total % Destino Total %
1o EUA 8.708 32% Espanha 3.005 32% Cuba 685 25% Espanha 652 24%
2o França 3.540 13% EUA 2.146 23% Brasil 536 20% Brasil 407 15%
3o Portugal 2.801 10% Cuba 827 9% Espanha 371 14% EUA 387 14%
4o Alemanha 2.251 8% França 782 8% EUA 337 12% Cuba 373 14%
5o Espanha 1.969 7% Brasil 757 8% Venezuela 74 3% França 95 4%
6o Reino Unido 1.277 5% Alemanha 415 4% França 71 3% Chile 42 2%
7o Itália 873 3% Itália 277 3% Coréia do Sul 42 2% Reino Unido 40 1%
8o Cuba 836 3% Reino Unido 214 2% Itália 37 1% Alemanha 39 1%
9o Austrália 776 3% Chile 175 2% Alemanha 37 1% Canadá 33 1%
10o Japão 621 2% Suíça 145 2% Japão 34 1% Itália 24 1%
Soma 87% Soma 94% Soma 81% Soma 78%
Fonte: elaboração própria, a partir de dados disponíveis em Unesco (2009b).
A maior parte dos estudantes de nível superior do Mercosul tem como destino países
desenvolvidos da América do Norte e Europa. Por outro lado cabe destacar a importância relativa que
Cuba tem enquanto destino destes estudantes, sendo um parceiro importante no processo de
internacionalização para todos, sobretudo para os paraguaios. Na América Latina, de modo geral, Cuba
concentra 59% do volume de estudantes, seguida por Chile, Argentina e Venezuela (UNESCO, 2009b).
Também é necessário ressaltar que é baixo o percentual de estudantes latino-americanos que realizam
intercâmbio internacional durante o período universitário – 0,4% dos estudantes da Argentina e Brasil e
menos ainda do Uruguai e Paraguai.5
A Unesco (2009b) não dispõe de dados referentes à entrada de estudantes universitários nos
países do Mercosul, havendo somente informações do Brasil, que são apresentada na Tabela 2. O fluxo
líquido de estudantes é desfavorável ao país: são 14.738 estudantes estrangeiros que vieram para cá,
enquanto quase o dobro (27.148) foram para o exterior realizar seus estudos e pesquisas. Da análise
conjunta das Tabelas 1 e 2 pode-se verificar que há uma diferença quando se compara a origem dos
estudantes que vieram para o Brasil: são, em sua maioria, estudantes que falam a língua portuguesa –
que, conjuntamente, respondem por 28% do total de ingressantes no país. Dos três Estados do
Mercosul vêm 12% do total de estudantes de nível superior. Pode-se aventar a hipótese que o domínio
do idioma é um importante limitador do acesso de estudantes ao Brasil.

Tabela 2. Fluxo de entrada de estudantes de


nível superior. Brasil, 2009.

5 Unesco (2009b) menciona que a mobilidade de estudantes universitários encontra percentual relevante somente em
algumas ilhas caribenhas, tais como as Ilhas Virgens Britânicas (onde um percentual de 33% dos universitários realizam
estudos no exterior), Trinidad e Tobago (percentual de 30%) e Barbados (13%).

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Ordem Origem Total %


1o Angola 1.631 11%
2o Cabo Verde 892 6%
3o Guiné-Bissau 830 6%
4o Portugal 830 6%
5o Argentina 757 5%
6o Peru 552 4%
7o Paraguai 536 4%
8o Chile 445 3%
9o EUA 424 3%
10o Uruguai 407 3%
Soma 50%
Fonte: elaboração própria, a partir de dados
disponíveis em Unesco (2009b).

De modo geral, em que pese o elevado volume de estudantes e docentes encaminhados ao


exterior, os países que compõem a América Latina é destino de poucos alunos e pesquisadores
estrangeiros, principalmente de fora da própria região. Com base nos dados evidenciados na Figura 1,
percebe-se que a região responde somente por 1,9% do fluxo total de mobilidade estudantil, registrada
no ano de 2007. Apesar da maioria dos estudantes que realizam intercâmbio nesta região serem
provenientes da própria América Latina, esta não é considerada prioritária quando se decide realizar
mobilidade estudantil.

Figura 1. Mobilidade internacional de estudantes.


Fonte: UNESCO (2009b, p.39).

A América Latina também não é considerada área prioritária para o estabelecimento de


parcerias e ações de internacionalização nem da parte dos próprios países latinos. Reportando pesquisa
com representantes das instituições de ensino superior membros da Associação Internacional de
Universidades (AIU ou IAU – International Association of Universities), Lima; Contel (2011, p.193) relatam

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que quando avaliaram as três principais regiões do mundo que seriam privilegiadas pelas políticas de
internacionalização nas instituições que representavam, os dirigentes de todas as regiões representadas
na pesquisa mencionaram várias outras regiões, que não a América Latina. Mesmo os dirigentes de
instituições latinas mencionaram que privilegiariam parcerias com a América do Norte e Europa e
somente em 3º lugar aparece a própria região, empatada com a Ásia.
A capacidade de atração de estrangeiros de parte das universidades da América Latina é
considerada a mais baixa entre as diversas macrorregiões do globo (UNESCO, 2009b), o que pode ser
interpretado como falta de maturidade para captação dos estudantes e pesquisadores ou inexistência de
políticas públicas que sejam capazes de estimular a inserção ativa da região no processo de
internacionalização. Apesar de a América Latina ser representada nos diversos rankings internacionais
que classificam as ‘melhores’ universidades do mundo, a região ainda é sub-representada, dado que
somente quatro dos países – dois deles do Mercosul (Argentina e Brasil), além de Chile e México –
possuem IESs com padrão de excelência internacional, classificadas de acordo com o Academic Ranking
of World Universities do Instituto de Ensino Superior da Shangai Jiao Tong University (LIMA; CONTEL,
2011).6
Há indícios de baixa competitividade da América Latina comparativamente aos sistemas de
educação superior dos países mais desenvolvidos: os sistemas educacionais são desconexos e há
dificuldade de acreditação do ensino superior nos próprios países da região (DIAS SOBRINHO,
2005a).

4. Considerações finais
Ainda que as conclusões deste trabalho não sejam definitivas, dado que é uma pesquisa ainda
em andamento, é possível tecer algumas considerações sobre o processo de internacionalização da
educação superior. O Mercosul não se configura, de fato, como destino de estrangeiros – nem mesmo
aqueles provenientes do próprio bloco – apesar de enviar grande número de estudantes para o exterior
– sobretudo para a América do Norte e Europa ocidental. O processo inverso, de acolhimento de
europeus e estadunidenses nas universidades da região, é menos intenso e em escala muito menor. O
fluxo de estudantes e professores para os países mais desenvolvidos é desproporcional, portanto. Neste
contexto, há risco de acontecer uma nova ‘divisão internacional do trabalho universitário’ – divisão do
mundo entre países que encaminham estudantes para o exterior (os chamados ‘passivos’) e outros que
recebem (países ativos) (LIMA; MARANHÃO, 2011). Isto porque se pode esperar uma

6 Lima; Contel (2011, p.175) apresentam os resultados para o ano de 2007, que relaciona as universidades de São Paulo,
Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Estadual Paulista e
Universidade Federal de Minas Gerais no Brasil; Universidad de Buenos Aires na Argentina; Universidad Nacional
Autónoma de México, no México; e Pontifícia Universidad Católica e Universidad de Chile, no Chile. Estas universidades
também fazem parte do ranking apresentado no ano de 2012, ao qual se soma a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (dados disponíveis em: <http://www.shanghairanking.com/>; acesso em: 28 jan. 2013).

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internacionalização da educação de maneira desigual – aumentando as distâncias e diferenças no acesso


e difusão de conhecimento entre os países, em uma nova ‘geopolítica do conhecimento’, nas palavras
de Lima; Contel (2011).

Referências
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do conhecimento? São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
GARCEL-ÁVILA, I.; JARAMILLO, I.C; KNIGHT, J.; DE WIT, H. The Latin American way: trends, issues,
and directions. In: DE WIT, H.; JARAMILLO, I.C; GACEL-ÁVILA, I.; KNIGHT, J. (eds). Higher education in
Latin America: the international dimension. Washington, DC: The International Bank for Reconstruction and
Development/The World Bank, 2005.
KNIGHT, J. Internationalization remodeled: definition, approaches, and rationales. Journal of Studies in
International Education, v.8, n.1, 2004.
LIMA, M.C.; CONTEL, F. B. Internacionalização da educação superior: nações ativas, nações passivas e a geopolítica
do conhecimento. São Paulo: Alameda, 2011.
OLIVEIRA, O.S. Políticas educacionais brasileiras, integração latino-americana e o Mercosul Educacional:
questões para debate. Revista HISTEDBR, n.43, p. 223-236, set. 2011.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA
(UNESCO). Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Disponível
em: <http://unesdoc.unesco.org/images/ 0014/001472/147273por.pdf>. Acesso em: 6 jul. 2012.
_______. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação – 1998. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/ Direito-a-Educa%C3%A7%C3%A3o/ declaracao-mundial-
sobre-educacao-superior-no-seculo-xxi-visao-e-acao.html>. Acesso em: 13. jul. 2012.
_______. Conferência Mundial sobre Ensino Superior 2009: As Novas Dinâmicas do Ensino Superior e
Pesquisas para a Mudança e o Desenvolvimento Social. 2009a. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>.
Acesso em: 9 out. 2013.
_______; INSTITUTO DE ESTADÍSTICA DE LA UNESCO. Compendio mundial de la educación 2009:
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2009b. Disponível em: <http://www.uis.unesco.org>. Acesso em 13 dez. 2012.
PUPPIO ZUVÍRIA, T. La educación superior universitaria en el proceso de integración del Mercosur. In:
SCOTTI, L.B. (org) Balances y perspectivas a 20 años de la constitución del Mercosur. Buenos Aires: Eudeba, 2013.
VAN DAMME, D. Quality issues in the internationalization of higher education. Higher Education, n.41, p. 415-
441, 2001.

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Cooperação Acadêmica Internacional no âmbito do Mercosul

Thelma Silva Rodrigues Lage

Introdução

O
mundo tem apresentado diversas transformações nos âmbitos socioeconômico, cultural e
tecnológico, que atingiram as diferentes dimensões da sociedade contemporânea. Tais
mudanças estão associadas em escala mundial ao processo de globalização, que se
apresenta como um conceito abrangente, diverso e que induz a diferenciadas perspectivas de análises.
Entre as atuais tendências que se apresentam como centrais nas discussões e debates no mundo
globalizado se evidencia a internacionalização, concebida de forma ampliada, para além da cooperação
técnica, mas como a inserção de uma dimensão internacional ou intercultural em todos os aspectos,
especialmente os de educação e pesquisa. Surgem assim, novas necessidades formativas para o ensino
superior, que hoje enfrenta o desafio de preparar para um mundo sem fronteiras.
Para a consolidação do processo de globalização, faz-se necessária a aplicação e a produção de
conhecimentos e informações cuja base científica tem importância crescente. Neste cenário, novas
diretrizes estão postas ao ensino superior, elaboradas por políticas nacionais e supranacionais.
As universidades brasileiras são chamadas a se posicionar e contribuir para a efetiva
implementação de políticas públicas e de desenvolvimento. A inserção das mesmas no âmbito
internacional, mais que uma rotina institucional, deve ser encarada como um dever para quem pensa
enfrentar e vencer os desafios colocados pelo mundo e pela sociedade.
Com a globalização, não é mais admissível uma postura de isolamento. O intercâmbio cultural,
científico e tecnológico se faz necessário e imprescindível a todos: países, pessoas e, especialmente
universidades, as quais expressam papel preponderante como propulsoras do conhecimento universal.
Deste modo, cabe à Universidade assumir sua relevante função utilizando-se da cooperação
acadêmica e se dispondo a operar de forma mais eficiente como promotora do desenvolvimento
científico e tecnológico de sua região e consequentemente, seu país.
Convém ressaltar o lugar de destaque em estudos e aprimoramento que a cooperação
internacional entre universidades tem alcançado, se tornando assim, parte integrante da política dos
países. Neste sentido, acaba por se traduzir como a expressão de um trabalho conjunto entre nações,
atuando em direção dos interesses e benefícios de seus membros. O Estado atento aos benefícios da
geração de conhecimento surge como um dos impulsores da cooperação em nível acadêmico
internacional.
A educação superior passa a ser reconhecida assim, como setor estratégico para o
desenvolvimento, o qual compreende um conjunto de atores sociais que se relacionam através regras
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instituidas. E ainda, associada aos movimentos de internacionalização e integração regional1, a educação


superior se torna parte indispensável ao processo de formação de blocos regionais.
Na América Latina, todos os países estão inseridos, de um modo ou de outro, em blocos sub-
regionais que têm entre seus objetivos a construção de políticas e ações conjuntas em áreas políticas,
econômicas, financeiras, administrativas, culturais, educativas, ambientais e sociais. Neste contexto,
observa-se que as universidades latino-americanas vêm desenvolvendo ações que tendem à articulação,
à cooperação e à convergência em várias modalidades de vinculação (SANTOS e DONINI, 2010).
Propõe-se assim uma discussão acerca da cooperação internacional e integração regional tendo
o ensino superior como elemento central a ser considerado no âmbito do Mercado Comum do Sul.
A referida discussão estará fundamentalmente relacionada à Cooperação Internacional no
âmbito do Mercosul2, verificando-se as cooperações acadêmicas entre os países do bloco demonstrando
como a integração no campo da Educação é um fator extremamente positivo e necessário.
Para tal, será ressaltado o Setor Educacional do Mercosul (SEM)3, o qual através da negociação
de políticas públicas e da elaboração e implementação de programas e projetos conjuntos, busca a
integração e o desenvolvimento da educação em toda a região do Mercosul e países associados, visando
sua constituição como espaço regional onde é prevista e garantida uma educação com equidade e
qualidade, caracterizada pelo conhecimento recíproco, interculturalidade e respeito à diversidade e
cooperação solidária, contribuindo assim para a democratização dos sistemas educacionais do bloco
(Mercosul, 2011).
No que se refere aos sistemas de educação superior nos países que compõem o Mercosul,
verifica-se que apesar das crises de caráter político e econômico apresentadas entre os países-membros
nos últimos anos, tem-se havido grande evolução na integração no campo da educação.
Assim sendo, o Ensino Superior, enquanto produtor de conhecimento, por meio de suas
atividades de ensino, pesquisa e extensão, se estabelece como elemento legítimo e essencial de
integração e espaço efetivamente propício à promoção do desenvolvimento de um Estado, país ou
região.
Observa-se que à medida que se avança no século XXI, a dimensão internacional da Educação
Superior torna-se mais relevante e complexa. A presença de novos atores, fundamentos,
regulamentações e o novo contexto de globalização, fazem com que a internacionalização se torne força

1 Regional aqui se refere a bloco de países e não a espaço ou entidade sub-nacional.


2 Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai (suspenso temporariamente do bloco em função da deposição do ex-presidente
Fernando Lugo em junho de 2012). A incorporação da Venezuela no Mercosul ocorreu em 31 de julho de 2012. A Bolívia
também negocia a adesão como membro pleno. São membros associados do Mercosul o Chile, o Peru e a Colômbia.
Fonte: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6044/educacao_superior_andres.pdf
3 Tem como missão formar um espaço educacional comum, por meio da coordenação de políticas que articulem a educação

com o processo de integração do MERCOSUL, estimulando a mobilidade, o intercâmbio e a formação de uma identidade e
cidadania regional, com o objetivo de alcançar uma educação de qualidade para todos, com atenção especial aos setores
mais vulneráveis, em um processo de desenvolvimento com justiça social e respeito à diversidade cultural dos povos da
região. Fonte: http://www.mercosur.int/edu/

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de proporções extraordinárias para a mudança da educação no cenário mundial.

1. Globalização e internacionalização da educação superior

Nos tempos antigos, tinha-se a idéia de que o mundo era plano e isto, conseqüentemente,
remetia à sociedade uma idéia de que o mundo era por assim dizer infinito, o que no entendimento das
pessoas, impossibilitava sua conquista e compreensão.
Contudo, a partir da aceitação de que o mundo não era mais plano e sim esférico,
sua conquista passa ser considerada como algo possível, transformando-se em um objeto a ser
conhecido e alcançado.
Surge assim a globalização, exprimindo a idéia de que o mundo é um globo ou esfera, cujo
alcance torna-se possível a todos.
Enquanto fenômeno econômico a globalização é compreendida como fruto das mudanças
tecnológicas e extensão dos mercados, possuindo seus alicerces no pós-guerra e tomando fôlego a
partir do início dos anos 1970 até os dias atuais.
Manifesta-se como expressão de uma nova ordem no padrão de relacionamento entre as
nações, seus mercados, capitais e serviços financeiros, ganhando força nas últimas décadas e se
caracterizando como um processo em plena marcha e expansão.
O Brasil adentra o século XXI conduzido pelo processo de globalização e testemunhando a
emergência e desenvolvimento de um mercado voltado para o ensino superior que atravessa fronteiras.
A globalização por sua vez, juntamente com advento de transição para uma sociedade do
conhecimento, passa a criar novas demandas e exigências às universidades.
Neste sentido, faz-se necessária uma melhor compreensão sobre a internacionalização da
educação superior. Diferentemente do que muitos acreditam, seu sentido é bastante recente. Antes de
1990, o termo usado coletivamente era “educação internacional”. Referia-se a um termo abrangente,
que buscava englobar toda uma série de atividades internacionais, pouco relacionadas entre si no campo
da educação superior: o estudo no exterior, orientação de estudantes estrangeiros, intercâmbio de
estudantes e funcionários entre universidades, ou ainda, o ensino voltado para o desenvolvimento e
estudos de áreas específicas.
Foi somente nas duas últimas décadas que se tornou possível observar uma transição gradual do
uso de “educação internacional” para “internacionalização da educação superior”, e a criação de uma
abordagem mais conceitual para tal termo.
A Internacionalização, neste sentido, é um termo que pode ser definido de várias formas. Para
algumas pessoas, pode ser compreendida como uma série de atividades tais como a mobilidade
acadêmica de estudantes e professores; redes internacionais, associações e projetos; novos programas
acadêmicos e iniciativas de pesquisa.

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Para outros, no entanto, pode significar a transferência ou difusão de educação a outros países,
através de novas disposições, como as sucursais de universidades ou franquias, usando uma variedade
de técnicas presenciais ou até mesmo à distância.
É de grande importância ressaltar que o aumento da ênfase na comercialização da educação
superior também tem sido visto como internacionalização. Logo, esta pode ser interpretada e aplicada
de maneiras diversas nos países ao redor do mundo.
De acordo com a autora canadense Jane Knight, a internacionalização pode ser definida como
sendo “[...] o processo no qual se integra uma dimensão internacional, intercultural ou global nos
propósitos, funções e oferta de educação pós-secundária (2008, p.02)”.
Ainda segundo a autora, a dinâmica relação entre a internacionalização do ensino e a
globalização é uma importante área de estudo. Com o objetivo de reconhecer, mas não simplificar o
complexo e bastante controverso tema da globalização, é necessário que parâmetros sejam
estabelecidos a fim de que a referida discussão possa ser moldada.
Para tal, uma definição não ideológica de globalização é adotada por Knight:
[...] o fluxo de tecnologia, economia, conhecimento, pessoas, valores e idéias...
através das fronteiras. A globalização afeta cada país de uma forma distinta,
devido à história individual de cada nação, tradições, cultura e prioridades. A
globalização está posicionada como um fenômeno multifacetado e um
importante fator ambiental que tem vários efeitos sobre a educação (2003, p.0
2). (tradução da autora)

Jane Knight acrescenta que a globalização claramente apresenta novas oportunidades, desafios e
riscos e é apresentada como um processo que tem impactado a internacionalização. Resume seu ponto
de vista colocando que “[...] a internacionalização está mudando o mundo da educação e que a
globalização está mudando o mundo da internacionalização” (2003, p.03). (tradução da autora)
De acordo com a autora, esforços substanciais têm sido feitos durante a última década a fim de
se manter o foco na internacionalização do ensino e de se evitar o uso do termo globalização da
educação. Ressalta que a relação entre estes dois termos é reconhecida, porém ambos não são vistos
como sinônimos e tampouco são utilizados de forma intercambiável (KNIGHT, 2003).
Dentro deste contexto, verificar-se-á que paralelamente ao advento da globalização, a
internacionalização e o processo de integração regional se evidenciam como os elementos mais
representativos do atual sistema internacional.
Logo, a configuração política, econômica e cultural manifesta na nova ordem internacional,
passa a ter sua expressão mais visível na tendência à regionalização e multilateralização das relações
entre os Estados.
Observa-se, portanto, que nas duas últimas décadas, simultâneamente ao processo de
internacionalização da educação houve também a evolução no processo de integração regional,
acarretando significativas transformações no panorama educacional de países centrais e periféricos

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assim como efeitos expressivos nas instituições, produções científicas e autonomia universitária.
No âmbito do Mercosul, verifica-se que o avanço no processo de integração em suas áreas
predominantes, a saber: economia e comércio, tem apresentado dificuldades desde o final da década de
1990 devido às crises e disputas entre os Estados-membros. Contudo, apesar das dificuldades sofridas
nas principais áreas de atuação no processo de integração regional do bloco, observaram-se avanços
significativos na área da educação desde a sua criação.
Sendo assim, será analisada a evolução institucional no processo de integração regional do
Mercosul no que se refere à educação superior, assim como as ações promovidas pelo Setor Educativo
do mesmo, o SEM, a fim de que fique evidenciada tal evolução.

2. Integração regional e o setor educacional do Mercosul

De igual forma ao conceito de internacionalização, o conceito de integração regional também é


bastante recente e apresenta certa complexidade em sua compreensão.
Pode ser definido como um processo cujos atores, inicialmente independentes, acabam por se
unificarem, se tornando interdependentes e com objetivos comuns.
É um processo dinâmico no que se refere às relações entre seus membros, o que acaba por
acarretar novas formas de governança de escopo regional.
O estudo do processo de Integração regional, definido por suas correntes complementares de
multilaterização das relações comerciais e de regionalização econômica remete a uma análise mais
apurada de questões políticas, econômicas e principalmente comerciais de seus integrantes, inserindo-se
perfeitamente no atual cenário econômico mundial.
A concentração dos países em blocos econômicos, como a União Européia e o Mercosul, é
favorável ao fortalecimento das relações comerciais de seus países membros, assim como é
estrategicamente funcional ao contexto internacional, uma vez que a partir do momento em que as
negociações, não somente de ordem comercial, começam a se dar em grupo, o peso das decisões e
conseqüências se torna mais eficaz e superior.
A formação de Blocos Econômicos é um grande passo em direção à integração não só
econômica, mas também social, política e cultural dos povos envolvidos.
Constituída no processo de integração regional, a União Européia4 figura como o mais
adiantado expoente dos blocos regionais de integração da educação superior, uma vez que apresenta
diversos aspectos supranacionais que a caracterizam como tal, dentre os quais podem ser citados o

4 União Europeia (UE) é a união econômica e política de 28 Estados-membros independentes localizados na Europa.
Opera através de um sistema híbrido de instituições supranacionais independentes e decisões intergovernamentais
realizadas por seus membros. Tem desenvolvido um mercado comum através de um sistema padronizado de leis que se
aplicam a todos os integrantes do Bloco.

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direito comunitário e os processos de tomada de decisão pela maioria e órgãos com autonomia, cujos
representantes atuam em nome do Bloco e não de seus Estados-membros.
Já no contexto da América Latina, o primeiro passo visando à organização de um mercado
econômico regional ocorreu na década de 1960, quando foi formada a Associação Latino-Americana de
Livre Comércio (Alalc).
É fundamental que seja ressaltado o fato de que importantes iniciativas adicionais foram
tomadas nos anos 1980 para que houvesse a concretização desse mercado, dentre as quais podem ser
citadas: a sucessão da Alalc pela Associação Latino-Americana de Integração (Aladi); Brasil e Argentina
assinaram, em 1985, a Declaração de Iguaçu e, em 1988, o Tratado de Integração, Cooperação e
Desenvolvimento.
Os referidos países, recém-saídos de regimes autoritários, buscavam desta maneira, uma maior
integração à economia global.
Neste cenário, é instituído em 26 de março de 1991, o Mercado Comum do Sul – Mercosul,
como zona de livre comércio com o propósito de realizar a integração acelerada das economias
nacionais da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, signatários do Tratado de Assunção.
Conforme é colocado pelo autor Hector Capraro,
Os processos de integração regional e, em particular, a criação de um mercado comum
como o Mercosul implicam, dentro de um contexto de supranacionalidade, a
realização de uma série de ações tendentes a lograr a livre circulação de bens, serviços
e fatores produtivos entre os países membros; estabelecimento de tarifas aduaneiras de
uma política comercial comum; a coordenação de políticas macroeconômicas e,
finalmente, a harmonização dos regimes jurídicos (CAPRARO, 1991; p.6).

Apesar do Tratado de Assunção, assinado no dia 26 de março de 1991, que criava o Mercado
Comum do Sul, apresentar conteúdo estritamente econômico-comercial, os membros do bloco
buscaram expandir o debate para outras áreas.
No início do século 21 teve início uma nova etapa da integração regional, denominada
Relançamento do Mercosul, visando reforçar a união aduaneira e conferir prioridade aos temas do acesso ao
mercado; agilização dos trâmites em fronteira; incentivos aos investimentos, à produção e à exportação;
fortalecimento institucional do Mercosul; tarifa externa comum; solução de controvérsias e educação
entre outros. Conforme o Ministério das Relações Exteriores do Brasil,
[...] a integração comercial propiciada pelo Mercosul também favoreceu a implantação
de realizações nos mais diferentes setores, como educação, justiça, cultura,
transportes, energia, meio ambiente e agricultura. Neste sentido, vários acordos foram
firmados, incluindo desde o reconhecimento de títulos universitários e a revalidação
de diplomas até, entre outros, o estabelecimento de protocolos de assistência mútua
em assunto penais e a criação de um “selo cultural” para promover a cooperação, o
intercâmbio e a maior facilidade no trânsito aduaneiro de bens culturais5
(MERCOSUL, 2000).

5Fonte: http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/relext/mre/orgreg/mercom/ Citada em: Estudo Analítico


Comparativo do Sistema Educacional do Mercosul 2001-2005.

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Neste sentido, foi assinado o Protocolo de Intenções em Brasília, no dia 13 de dezembro de


1991, pelos Ministros da Educação da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
O referido Protocolo deu origem ao Setor Educacional do Mercosul (SEM), o qual tem o
propósito de salientar o comprometimento dos Ministérios da Educação na agenda educacional no
âmbito regional.
O documento acentua a importância da educação na integração, revelando a necessidade dos
sistemas educacionais, em todos os níveis, manterem contato entre si e criarem canais de diálogo, a fim
de garantir tanto a qualidade da educação oferecida quanto a convergência dos sistemas de educação
dos Estados-membros. Não obstante, o documento também relata sobre a preservação da diversidade
nacional.
A criação do SEM teve como ponto de partida o reconhecimento, pelos
ministros de Educação dos Estados membros do bloco, do papel estratégico
desempenhado pela Educação no processo de integração, para atingir o
desenvolvimento econômico, social, científico-tecnológico e cultural, da região.
(MERCOSUL, 2000; p. 50)

O Setor Educacional do Mercosul (SEM) é um espaço de coordenação das políticas


educacionais. Através da negociação de políticas públicas e da elaboração e implementação de
programas e projetos conjuntos, o SEM busca a integração e o desenvolvimento da educação em toda a
região do Mercosul e países associados.
Do ponto de vista da teoria funcionalista de integração regional, a intenção de agregar os
sistemas de educação superior dos membros do Mercosul pode ser compreendida como uma iniciativa
para se criar um tipo de padronização nesta área (SOUZA JÚNIOR, 2011). Desta forma, pode-se
afirmar que a criação do SEM e as iniciativas que se seguiram representam a tendência da criação de
práticas comuns na educação no âmbito do Mercosul.
Vale ressaltar que a partir de 1992, as atividades do SEM passaram a ser definidas por Planos de
Educação6 elaborados e aprovados pela Reunião de Ministros, os quais enfatizavam os objetivos e ações
do setor educacional para cada período correspondente, tendo em vista as diversidades dos sistemas
educacionais dos Países-Membros. (SOUZA JÚNIOR, 2011)
Visando operacionalizar as resoluções dos Ministros e os propósitos dos Planos de Educação,
foram criadas instâncias de decisões políticas e operacionais no intuito de executar as políticas
educacionais nos Estados-Parte.
Sob uma perspectiva avaliativa do Plano SEM,observou-se que até o ano de
2010, apesar das dificuldades inerentes a qualquer processo de integração, o
Setor Educacional do Mercosul conseguiu dar continuidade às suas atividades
avançando nas direções estratégicas estabelecidas (MERCOSUL, 2011).

6Estes Planos foram denominados como Planos Trienais de Educação até 2001, quando entrou em vigor o Plano
Estratégico de Educação, caindo em desuso a denominação inicial.

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Desta forma, é oportuno salientar que nos últimos anos, tem-se verificado obstáculos
significativos concernentes à política e economia no âmbito do Mercosul. Contudo, a Educação tem
assumido lugar de destaque dentre os elementos de integração que se podem considerar no Bloco, em
especial o Ensino Superior.

Quadro 1 – objetivos estratégicos dos Planos do SEM: 1992-2010

1992-1997 1998-2000 2001-2005 2006-2010


1. Formação de uma 1. Desenvolvimento da 1. Fortalecimento de 1. Contribuir para a integração
consciência social favorável identidade regional, por uma consciência cidadã regional acordando e executando
ao processo de integração; meio do estímulo ao favorável ao processo políticas educativas que promovam
conhecimento mútuo e a de integração regional uma cidadania regional, uma cultura
2. Capacitação dos recursos uma cultura de integração; que valorize a de paz e o respeito à democracia, aos
humanos que contribuam diversidade cultural; direitos humanos e ao meio
para o desenvolvimento; 2. Promoção de políticas ambiente;
3. Compatibilização e regionais de capacitação 2. Promoção de
harmonização dos Sistemas de recursos humanos e educação de qualidade 2. Promover educação de qualidade
Educacionais. melhoria da qualidade da para todos na região e para todos como fator de inclusão
educação. de políticas de formação social, de desenvolvimento humano
e capacitação de e produtivo;
recursos humanos
competentes; 3. Promover a cooperação solidária e
o intercâmbio, para a melhoria dos
3. Conformação de um sistemas educativos;
espaço educativo
regional de cooperação 4. Impulsionar e fortalecer
solidária. programas de mobilidade de
estudantes, “passantes”, docentes,
investigadores, gestores, diretores e
profissionais;

5. Concertar políticas que articulem a


educação com o processo de
integração do Mercosul.

Fonte: Mercosul Educacional (www.sic.inep.gov.br).

A presidência do SEM é exercida, de forma rotativa e pelo prazo de seis meses, pelos ministros
da Educação dos países membros do Mercosul. O Conselho de ministros de Educação é a instância
máxima do SEM, responsável pela definição das políticas e planos estratégicos do setor.
O organograma do Setor Educacional do Mercosul está ordenado da seguinte maneira:

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Conselho do Mercado Comum

Setor Educacional do Mercosul

Reunião de Ministros da
Educação

Comitê Coordenador Regional

Comissão Técnica para Comissão Técnica para Comissão Técnica para


Educação Básica Educação Tecnológica Educação Superior

Fonte: http://viderefutura.riobrancofac.edu.br/site/Artigos/

Desde que o SEM foi instituído, a informação e a comunicação têm sido consideradas seus
elementos-chave no que se refere ao processo de integração das políticas educacionais.
Desta forma, ficou clara a necessidade da criação de canais de comunicação que possibilitassem
o intercâmbio sistemático de informações, imprescindível para a continuidade das políticas de
integração no âmbito da educação. Teve origem assim, o Sistema de Informação e Comunicação (SIC),
organizado a partir das infraestruturas e redes já existentes na Região, por exemplo, os bancos de dados
de universidades e centros de pesquisa em educação.
Dentre as funções do SIC podem ser citadas: difusão das ações do SEM junto aos sistemas
educacionais nacionais e às instâncias responsáveis pela gestão escolar; produção e disseminação das
informações atualizadas; e organização de base terminológica comum a ser adotada pelo SEM
(MERCOSUL, 2000).
Desde que foram analisadas as atas das primeiras Reuniões de Ministros da Educação, já havia
ficado evidenciada a relevância da educação para o desenvolvimento de um país e para o sucesso de um
processo de integração regional.
Neste sentido, será realizada a seguir uma análise de Cooperação Acadêmica Internacional no
âmbito do Mercosul e as principais cooperações entre os países do bloco.

3. Cooperação acadêmica internacional

A cooperação acadêmica internacional consiste num importante instrumento de fortalecimento


do ensino e pesquisa no âmbito da educação superior.
A partir de programas e projetos por ela viabilizados, é possível que conhecimentos,
experiências e tecnologias sejam transferidos de modo a contribuírem efetivamente para o benefício da

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ação universitária, no sentido da formação profissional de acadêmicos, professores e funcionários que


integram esta comunidade.
A cooperação acadêmica internacional se dá através da internacionalização das universidades e
mobilidade estudantil, tema que vem dominando a literatura especializada, pelo surpreendente
crescimento observado. Seus esforços se direcionam prioritariamente para a promoção e
aperfeiçoamento de um ensino de qualidade nas instituições participantes, acarretando assim impactos
significativos na sociedade.
Segundo dados da Unesco (2009), aproximadamente 995 mil estudantes encontravam-se em
mobilidade no mundo todo no ano de 1980. Em 2010, este número já chegava a 3 milhões e ao que
tudo indica, o mesmo encontra-se em constante ascensão, conforme pode-se observar na tabela que
segue:
7
Tabela 1: número de estudantes internacionais no mundo de 1980 a 2010:

ANO 1980 1990 1995 2000 2004 2009 2010


Total em
milhões de 0, 993 1,2 1,5 1,6 2,7 2,8 3,0
estudantes
Taxa de
crescimento 20,8% 25% 6.7% 68% 3,7% 7,1%

Fonte: Unesco (2009)

No entanto, é necessário que seja ressaltado o fato de que a cooperação acadêmica


internacional transcende a questão da mobilidade de docentes e discentes e sua realização requer o
intermédio das políticas públicas. Se torna essencial que o papel da internacionalização seja discutido
com mais ênfase uma vez que é chegada a era em que a relação entre os governos, universidades e
empresas ultrapassam as fronteiras dos chamados sistemas nacionais.
A cooperação internacional tem alcançado posição de notoriedade e relevância junto às
empresas e governos, não se limitando à importação e exportação de serviços acadêmicos, e desta
forma tem contribuido em larga escala para o desenvolvimento endógeno das regiões.

Tabela 2 – crescimento do número de estudantes de ensino superior no mundo:


ANO TOTAL em milhões de estudantes
1975 40
1995 80
2000 100,8
2007 152,5
Fonte: Unesco (2009)

7A Unesco entende como estudante internacional aquele matriculado em um programa de educação de um país sem ter a
condição de residente permanente.

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De acordo com dados da Unesco (2009), o crescimento verificado se dá numa proporção onde,
para cada 100 estudantes de nível superior no ano de 2000, havia 150 em 2007, sendo que, deste
contingente, 2,8 milhões optaram por estudar no exterior, representando um aumento de 53% desde
1999. Estimativas relatam que esta cifra chegue a oito milhões em 2050.
No contexto do Mercosul, a cooperação acadêmica entre os países membros desempenha um
papel crucial favorecendo tanto a troca de conhecimentos já existentes, quanto o desenvolvimento
conjunto de novas técnicas nas mais diversas áreas de interesse do Bloco. Contribui diretamente para a
promoção do desenvolvimento científico e tecnológico de modo coordenado assim como para o
aumento e diversificação da oferta de bens e serviços com padrões comuns de qualidade, conforme as
normas internacionais estabelecidas.
De acordo com Neves e Morosini (1995), a cooperação interuniversitária na referida região se
dá basicamente em três planos distintos, sendo eles: a cooperação esporádica entre instituições e
grupos, acordos interinstitucionais bilaterais e acordos interinstitucionais multilaterais ou redes.
No que se refere aos sistemas de educação superior nos países que compõem o Mercosul,
apesar das inúmeras diferenças existentes, eles têm priorizado seu foco ao desenvolvimento de recursos
humanos e à produção de conhecimento.
Não obstante o processo de massificação da educação superior, os países membros do
Mercosul apresentam características distintas, dentre as quais destaca-se a relativa taxa bruta de
educação superior.
Tabela 3 - taxa de escolarização de nível superior nos países do mercosul - 2007

País Percentual
Chile 27,2%
Argentina 26,4%
Uruguai 19,9%
Paraguai 14,2%
Brasil 13,2%
Venezuela 8,4%
Fonte: Indicadores Educacionais dos países membros do Mercosul e associados.

Entre as ações universitárias de cooperação voltadas especificamente ao Mercosul, merece


destaque a expansão acentuada de redes institucionais de conhecimento entre os Estados-membros. A
seguir serão destacadas as principais cooperações que têm por objetivo estimular e fomentar a
integração das instituições universitárias do bloco.

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3.1 Cooperações acadêmicas no ãmbito do Mercosul


Dentre os principais objetivos a serem seguidos conforme estabelecido pelas diretrizes da
política de cooperação internacional do Mercosul, destacam-se:
Apoio ao desenvolvimento do processo de integração do Mercosul; fortalecimento das
capacidades técnicas e institucionais dos órgãos da Estrutura Institucional do Mercosul,
com ênfase na redução das assimetrias entre os Estados Partes; promoção de
desenvolvimento de terceiros países ou outros processos de integração;
aprofundamento do relacionamento externo do Mercosul por meio da cooperação
horizontal e triangular (Decisão Normativa 011/2012).8

Ao considerar que no âmbito do Mercosul a área de Educação Superior contempla os eixos


temáticos de Acreditação, Mobilidade e Cooperação Institucional, fica evidente a predominância de
políticas de regionalização voltadas à criação de um sistema regional de credenciamento de cursos
universitários e de estratégias de mobilidade docente e discente, visando melhores condições de
empregabilidade e de competitividade regional no âmbito internacional.
Contudo, convém ressaltar que a definição e implementação de políticas na esfera do Mercosul
têm se mostrado bastante lentas, principalmente devido à dificuldade na obtenção de consenso entre os
países-membros do bloco, condição necessária para a aprovação de novas ações e para o
desenvolvimento de estruturas jurídicas de gestão que possibilitem a construção de instâncias regionais.
Ao expor sobre os avanços mais concretos em termos de internacionalização da educação no
Mercosul, serão priorizados aqui o Programa MEXA (Mecanismo Experimental de Acreditação), o
Sistema ARCUSUL (Sistema Permanente de Acreditação) e o Programa MARCA (Programa de
Mobilidade Acadêmica Regional Mercosul) – programas orientados à cooperação acadêmica
internacional.
Um dos maiores progressos da inserção da educação no processo de integração regional do
Mercosul foi o Mecanismo Experimental de Acreditação (credenciamento) para Cursos de Graduação,
mais conhecido como MEXA que teve início em 1998.
O credenciamento é o processo mediante o qual se outorga validade pública, de
acordo com as normas legais nacionais, aos títulos universitários, garantindo
que os cursos correspondentes cumpram com requisitos de qualidade
previamente estabelecidos no âmbito regional. Este processo estará baseado em
mecanismos de avaliação que permitam garantir a devida formação dos
titulados. (SOARES, 2009, p.07)

Com o objetivo de validação de títulos e graus universitários entre os países-membros do


Mercosul, de caráter exclusivamente acadêmico, porém não conferindo o direito do exercício
profissional, o MEXA foi desenvolvido com cunho experimental e teve sua aplicação a poucos cursos e
áreas, limitando-se aos cursos de agronomia, medicina e engenharia.

8 Fonte: http://www.mercosur.int/innovaportal/v/4393/1/secretaria/2012

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Seu credenciamento se dava através da avaliação das universidades e seus respectivos programas
por parte das Agências Nacionais Credenciadoras. Tal avaliação abrangia o corpo docente, bibliotecas,
infraestrutura de serviços e laboratórios, buscando garantir que todos os cursos aprovados no programa
estariam em semelhante patamar de qualidade (SOARES, 2009).
Em virtude de seu caráter experimental o MEXA foi sucedido pelo Sistema ARCU-SUL,
aprovado em novembro de 2006 como um sistema de acreditação permanente (Mercosul, 2006).
O Sistema ARCU-SUL é o Sistema de Acreditação Regional de Cursos Superiores dos Estados
do Mercosul e Estados Associados: “ é resultado de um Acordo entre os Ministros de Educação de
Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Chile, homologado pelo Conselho do Mercado Comum
do Mercosul através da Decisão CMC nº 17/08 (SISTEMA ARCU-SUL)”9.
Tem como ponto de partida critérios e parâmetros de qualidade comuns para cada curso,
acordados pelos ministros dos países-membros do Mercosul. É gerenciado pela Rede de Agências
Nacionais de Acreditação, no âmbito do Setor Educacional do Mercosul e procura respeitar as
legislações nacionais assim como a autonomia de suas instituições universitárias.
A adesão por parte das instituições de educação superior é voluntária desde que o Curso seja
reconhecido no País de origem e atenda a alguns critérios. E ainda, o processo de Acreditação é
contínuo, com convocatórias periódicas, participando do mesmo as seguintes titulações: Agronomia,
Arquitetura, Enfermagem, Engenharia, Medicina e Odontologia (Mercosul, 2011).
Considerando que a mobilidade regional é mais um dos eixos estratégicos do Setor de Educação
do Mercosul (SEM) e está diretamente ligada à acreditação regional dos cursos de ensino superior, ou
seja, ao reconhecimento regional dos títulos, foi criado também o Programa de Mobilidade Acadêmica
Regional Mercosul - MARCA.
O Programa, considerado como sendo pioneiro na área da mobilidade estudantil, apresenta
como objetivo principal a promoção do intercâmbio de alunos, docentes, pesquisadores e gestores de
Instituições de Ensino Superior acreditados pelo Mercosul. Também tem como finalidade o
fortalecimento das carreiras acadêmicas e acreditadas, o fomento da cooperação institucional e o
cumprimento dos objetivos centrais de integração regional. É importante salientar que o programa tem
avançado em especial na mobilidade do corpo discente, uma vez que consiste exclusivamente no
reconhecimento acadêmico dos títulos.
Outro Projeto de relevância é o Universitários Mercosul. É um projeto do Setor Educacional do
Mercosul (SEM), que surge a partir de um convênio de financiamento entre o Mercosul e a União
Européia, assinado em 16 de abril de 2008. A gestão do projeto foi delegada ao Ministério de Educação
e Cultura da República Oriental do Uruguai. Com término previsto para 2014 pelos Ministérios da

9 Fonte: http://arcusul.mec.gov.br/index.php/pt-br/descricao/122-sistema-arcu-sul.

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Educação dos países membros, apresenta como objetivo principal a contribuição para a consolidação e
expansão do Programa de Mobilidade Estudantil de Ensino Superior do Mercosul.
E ainda, vale ressaltar que no dia 11 de abril de 2013 foi firmado um convênio entre o Mercado
Comum do Sul e a União Européia, do qual o Brasil é signatário, lançando o programa de trabalho
destinado a apoiar a criação de Redes de Instituições de Formação Docente, com objetivo de permitir o
desenvolvimento de pesquisas conjuntas para encontrar soluções comuns para os problemas de
formação de professores (MERCOSUL, 2011).
Ocorreu também, a implantação de outros vários projetos, destacando-se em especial, a
formalização do Fundo de Financiamento do Setor Educacional do Mercosul (FEM), o qual além de
ser o primeiro fundo setorial de financiamento do Mercosul, também opera como instrumento para a
continuidade das ações do Setor, até então financiadas por iniciativas pontuais dos Ministérios de
Educação dos países participantes e organismos internacionais.
No que diz respeito à relação do Setor Educacional do Mercosul com outros blocos e
organismos internacionais, como OEI, Unasul, União Européia, UNESCO e OEA, têm sido
observados avanços significativos.
Sob uma perspectiva avaliativa do Plano SEM, observou-se que até o ano de 2010, apesar das
dificuldades inerentes a qualquer processo de integração, o Setor Educacional do Mercosul conseguiu
dar continuidade às suas atividades avançando nas direções estratégicas estabelecidas.
Ao expor sobre as cooperações acadêmicas no âmbito do Mercosul, convém ressaltar o
importante significado que tem o bom gerenciamento das mesmas. Uma vez bem geridas, a
cooperações acadêmicas internacionais acabam por gerar impactos bastante positivos e amplos
benefícios à comunidade acadêmica.
Pode-se dizer que, no âmbito do Mercado Comum do Sul, existe de fato uma diversidade de
programas e acordos desenvolvidos direcionados à cooperação e à internacionalização da educação
superior por meio de associações, redes universitárias, instituições de educação superior e organismos
intergovernamentais. Programas como o MEXA, MARCA e Sistema ARCU-SUL entre outros
evidenciam o fomento à cooperação acadêmica internacional no Mercosul (MERCOSUL, 2011).
Contudo, há um fator de significativa importância a ser considerado ao se analisar as ações do
bloco: o conceito de educação superior vem sendo utilizado em perspectiva ampliada, sem que sejam
diferenciadas as distintas modalidades institucionais: as universidades com foco no ensino
profissionalizante e aquelas que atuam na dimensão do ensino, pesquisa e extensão.
Considera-se que, se não for reconhecida a especificidade da instituição
universitária no âmbito da pesquisa, corre-se o risco de dissociar a formação
profissional da pesquisa científica e tecnológica no âmbito regional
(KRAWCZYK e SANDOVAL, p.655).

Esta questão se torna preocupante em função do aumento da educação superior de formação


profissional com fins lucrativos na maioria dos países da região e também do fato da concentração da
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pesquisa em reduzido número de universidades públicas e empresas transnacionais. Tais fatores afetam
diretamente a expansão do conhecimento científico e tecnológico necessários para a constituição de
blocos regionais capazes de enfrentar os desafios impostos pela globalização, comprometendo assim o
êxito das cooperações acadêmicas internacionais.
Em síntese, pode-se observar que os países da região do Mercosul têm buscado, aos poucos,
modificar esta dinâmica a fim de potencializar e obter maior sucesso nas estratégias e práticas de
integração utilizadas. A construção de um espaço regional de educação superior, que tem se
transformado cada vez mais em objeto de políticas públicas e estratégias de atuação de instituições
internacionais e regionais, fez com que as instituições de ensino superior vissem neste processo a
oportunidade de assumir a liderança na promoção da cooperação internacional.
Sendo assim, pode-se afirmar que a Cooperação Acadêmica Internacional tem se tornado cada
vez mais campo primordial e determinante de atuação das Instituições de Ensino Superior, propiciando
o fortalecimento e desenvolvimento dos sistemas universitários.

Considerações finais
A análise aqui realizada mostra entre outros aspectos que a dialética globalização e
internacionalização, regionalização e cooperação acadêmica internacional, presentes no âmago do
referido artigo, se configuram como elementos distintos, contudo, complementares demonstrando
servirem de engrenagem ao processo de globalização.
As mudanças observadas no cenário mundial decorrentes deste advento e das novas demandas
no campo da produção fazem emergir a relevância e a centralidade da educação e do conhecimento
como vetores de desenvolvimento e competitividade entre os países, induzindo a diferentes formas de
se pensar e elaborar políticas públicas.
De igual modo, fica clara a imperiosa necessidade de se desenvolver a integração na dimensão
educacional e cultural na mesma intensidade que é desenvolvida na dimensão econômica e comercial a
fim de enfrentar os avanços e desafios impostos pela globalização no século XXI.
Neste aspecto, a conjuntura global apresenta um desafio particular à educação. Ao passo que
esta anteriormente concentrava-se prioritariamente nas necessidades e no desenvolvimento do
indivíduo, o mundo globalizado faz com que a educação passe a ampliar seus limites para além da
comunidade, região e nação.
Surge assim a internacionalização conquistando significativo espaço no campo da educação
superior como pressuposto de cooperação em seus diferentes níveis e formas: científica, tecnológica e
acadêmica.
Ao analisar o fenômeno de internacionalização da educação superior, verifica-se que a idéia de
cooperação, compreendida como integração entre as instituições, não se ajusta por completo às
definições de globalização, uma vez que esta frequentemente acaba por evidenciar que nem todas as
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regiões e países se inserem neste processo nas mesmas condições de igualdade, propiciando uma
discrepância entre seus respectivos pólos de desenvolvimento.
Na América Latina, em especial no Brasil, o processo de internacionalização pela perspectiva da
mobilidade acadêmica ainda é bastante incipiente e não ocorre de forma homogênea. A capacidade de
atração de estudantes estrangeiros pelos países deste continente ainda é bastante reduzida, o que
demonstra um desequilíbrio entre as regiões desenvolvidas e aquelas em processo de desenvolvimento,
ao considerar que a grande quantidade de alunos estrangeiros no mundo concentra-se nas regiões mais
desenvolvidas, com universidades mais consolidadas e detentoras de tecnologias de ponta.
Como se constatou no artigo, o Brasil vem adotando uma série de estratégias de captação e
envio de estudantes, por meio de políticas e programas financiados por recursos privados e públicos, o
que certamente, acarretará mudanças positivas no quadro da mobilidade acadêmica no país, através da
integração regional.
Neste sentido, conclui-se que a organização em blocos econômicos é fundamental ao
desenvolvimento dos países, uma vez que a integração econômica, social e cultural através da formação
de blocos regionais, no caso específico o Mercosul, é a forma mais eficaz de se fazer frente à pressão
competitiva imposta pela globalização nos dias atuais.
Vale destacar que o Mercosul vem se consolidando como um dos mais importantes projetos de
política externa da região e representa atualmente, muito mais que um acordo comercial e neste
contexto, verifica-se que a liderança brasileira é inquestionável.
Frente à heterogeneidade das instituições educativas é importante salientar que com o
surgimento dos blocos econômicos, observa-se que a internacionalização da função ensino apesar de
estimulada nos países do Mercosul, no que remete ao Brasil, ainda se apresenta em forma incipiente,
denominada como modelo periférico, por se caracterizar pela presença de atividades internacionais em
apenas alguns setores da IES e não como modelo central de internacionalização da educação superior,
onde toda a IES está imbuída desta característica.
Percebe-se desta maneira, que a eliminação das fronteiras nacionais, no âmbito do Mercosul,
não é elemento crucial no processo de integração, mas sim, as ações de integração universitária que têm
como marca a construção de redes de conhecimento que superem as barreiras burocráticas impostas
pelos estados nacionais (NEVES e MOROSINI, 1995).
As inúmeras iniciativas das universidades, bem como as ações governamentais e internacionais
desenvolvidas no âmbito do Mercosul, indicam o reconhecimento da cooperação acadêmica como
fundamental no processo de formação do bloco para que ocorra de fato uma integração consolidada.
Para concluir, fica claro o fato de que neste cenário a universidade se manifesta como parte
ativa do processo de integração e este, apoiado na evolução da cooperação acadêmica internacional,
tem logrado retorno demasiadamente positivo das instituições de ensino superior integrantes da região.

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As considerações que foram feitas no decorrer deste artigo apontam para uma reflexão mais
ampla acerca da missão da universidade na sociedade contemporânea e como a educação superior nos
países do Mercosul tem respondido aos desafios da internacionalização.

Referências
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RESUMOS
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 994

Resumo

Integração regional, qualificação para o trabalho e


validação de títulos acadêmicos de pós-graduação
entre os países do Cone Sul

Antonio Walber Matias Muniz

C
uida o presente trabalho sobre reconhecimento de títulos acadêmicos de pós-graduação pelo
Brasil, obtidos em instituições argentinas e paraguaias investigando os entraves político-
jurídicos e administrativos existentes, No Brasil precisa-se em dez anos elevar para 40% e
35% o número de mestres e doutores, respectivamente; titular 60 mil mestres e 25 mil doutores por ano
visando consolidar a pesquisa acadêmica. A questão é: “como encontrar parâmetros de qualidade
capazes de assegurar o reconhecimento destes diplomas fazendo com que eles passem a ter validade no
Brasil fara fins de concurso de docente, progressão funcional, aumentos remuneratórios de servidores
docentes e técnico-administrativos, gratificação por titulação, concessão de benefícios legais, igualdade
de tratamento com os profissionais que obtiveram titulação equivalente no território nacional”? Estes
títulos até o presente momento, conforme normas do MERCOSUL são válidos para atividades de
pesquisa e docência temporárias,

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 995

Resumo

Políticas de educação sexual no Brasil, formação


de professores e o Mercosul Educacional:
articulação possível?

Claudionor Renato da Silva

C
onsiderando o Plano de Ação do Setor Educacional do Mercosul (2011-2015) o presente
estudo pretende tecer reflexões sobre a temática das políticas públicas educacionais voltadas
à educação sexual no Brasil procurando discutir em que medida tais políticas se articulam ao
Plano de Ação, com especial destaque à formação de professores. A partir da LDBEN 9394/96
seguem-se documentos federais e diversas iniciativas estaduais e municipais, na forma de projetos. A
análise de documentos e Projetos permitem algumas articulações possíveis ao Mercosul Educacional: a
primeira, é o foco na formação de professores, com ênfase na educação básica. A segunda articulação:
mesmo que haja uma timidez das políticas federais, estaduais e algumas municipais, voltadas quase
exclusivamente para a prevenção de doenças e gravidez de adolescentes elas se engajam ao Plano de
Ação 2011-2015. Porém, uma das ressalvas nas articulações possíveis é o Plano não considerar
explicitamente a educação sexual como eixo.

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Resumo

Las politicas regionales para la educación superior


del Mercosur Educativo: balance y desafíos

Daniela Vanesa Perrotta

E
l presente trabajo analiza las peculiaridades de las políticas regionales del Mercosur en el área
de la educación superior en el marco del proyecto político del acuerdo de integración y su
vinculación con el nivel nacional de definición de las políticas públicas. En vistas a alcanzar
este objetivo se procede a un estudio de caso: la política de acreditación de la calidad de las titulaciones
de grado en el Mercosur (1998-2012), que contó con una primera fase de carácter experimental entre
los años 2002 y 2006 (Mecanismo Experimental de Acreditación de Carreras de Grado Universitario del
Mercosur, Bolivia y Chile, MEXA) y devino, a mediados del año 2008 en un sistema permanente
(Sistema de Acreditación de Carreras Universitarias para el reconocimiento regional de la calidad
académica de sus respectivas titulaciones en el Mercosur y Estados Asociados, ARCU-SUR). Se
pretende realizar una contribución al campo de estudios de la integración regional.

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Resumo

Trajetórias sociais e intercâmbio no Brasil:


estudos de casos sul-americanos

Darbi Masson Suficier


Greice Kelli Christovam
Luci Regina Muzzeti
William Alexandre Manzan

O
presente artigo apresenta quatro breves retratos sociológicos de intercambistas de
diferentes países (Argentina, Uruguai, Bolívia e Colômbia) que vivenciaram a experiência
do intercâmbio no Brasil no primeiro semestre de 2013. Baseado no referencial teórico
desenvolvido por Pierre Bourdieu, os agentes foram entrevistados em sua última semana de estadia no
Brasil (entrevista semiestruturada) com o objetivo de analisar, através de seus relatos, suas trajetórias
sociais, apresentadas em forma de retratos sociológicos (trajetórias individuais analisadas
sociologicamente). Destacam-se as diferenças comportamentais e culturais, bem como certo “olhar” de
estrangeiro, ou seja, da percepção das pequenas diferenças (a forma de convivência, a vida universitária,
a sociabilidade, etc.) entre o Brasil e o país de origem. Pode-se vislumbrar que os estranhamentos
contribuem para a formação de laços de solidariedade entre os intercambistas das diferentes
nacionalidades e frações de classe.

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XII

Arte e Cultura na América Latina

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ARTIGOS
O “antifilme” de Lygia Pape: audiovisual como
movimento de expansão das artes plásticas

Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho1

1. Introdução

O
presente trabalho é parte dos levantamentos iniciais de minha pesquisa para a escritura da
tese de doutorado, sob a orientação da Prof.ª Glaucia Villas Bôas no Programa de Pós-
graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ. Neste sentido, esclareço que o escrito
busca o levantamento de questões e o diálogo com outros pesquisadores num território de produção
acadêmica, sendo despretensioso da apresentação de resultados.
Em termos gerais, o estudo é composto pela revisão bibliográfica da discussão sobre arte e
cultura no Brasil nas décadas de 1950 a 70. Partindo das narrativas sobre trajetória social de Lygia Pape,
busco estabelecer relações e esmiuçar as conexões entre estas e as narrativas existentes sobre os
movimentos, Cinema Novo e Cinema Marginal. Para tanto, pretende-se um recorte de sua trajetória
que privilegie a relação com o cinema, visando compreender sua criação como uma unidade narrativa
inteligível a teoria sociológica.
Neste levantamento, procuro compreender o diálogo de Lygia e suas experimentações com o
cinema como rupturas criativas: digressões que procuram, na crítica dos padrões vigentes, extravasa-los
pela ampliação de suas possibilidades expressivas, criando transversalidades. Processos decorrentes da
apropriação de outros materiais, suportes e linguagens artísticas, como é o caso do filme, da câmera e
do cinema em Pape.
Assim, busco questionar-me sobre a influência do Cinema Novo, especialmente de Glauber
Rocha, na maneira em que Pape pensará as imagens em movimento. O cinema de Pape é convergente
com os traços que marcam o cinema moderno brasileiro: o cinema de autor, os filmes de baixo orçamento
e a experimentação.
Explorou nos seus filmes questões que marcaram o cinema de sua época, como os debates
sobre o nacional-popular, a problemática do realismo, o subdesenvolvimento, a colonização e a
sociedade de consumo. Lygia também colocou questões que extravasavam os debates mais marcantes
da esfera estrita da produção de cinema, marcando sua independência relativa. Contemporânea dos
movimentos Cinema Novo e Cinema Marginal, Lygia criou um conjunto heterogêneo de
experimentações em filme, tendo mesclado diferentes tipos de bitolas, investido em diversas
proposições estéticas e não fidelizado a nenhuma.

1 Licenciado e bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em Comunicação pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atualmente é doutorando do Programa de Pós-graduação em Sociologia e
Antropologia da UFR J e professor de sociologia da Fundação de Amparo a Escola Técnica do Estado Rio de Janeiro
(FAETEC), E-mail:cdouglasmartins@gmail.com.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1001

Procurou, nos curtas metragens e, posteriormente, no Super-82, a liberdade criativa em relação à


indústria adotando uma realização pautada pelo “amadorismo”, dispensando grandes recursos
financeiros e técnicos. Em termos conceituais, Pape concebia sua criação em oposição a esfera de
negócios, definida por ela mesma como “anti-filme” (PAPE, 2013, sp.).
Parece-me coerente convergir à interpretação de Fernando Cocchiarale (2013, sp.) sobre as
poéticas neoconcretas com a experiência cinematográfica de Pape: a busca de integração efetiva do
espaço real no espaço da obra, superando o dualismo entre o espaço da arte e real, e a busca
aprofundada de uma síntese da linguagem visual e da narrativa.
Tendo em vista que desde a década de 1990 a produção dos artistas neoconcretos vem sendo
assimiladas institucionalmente, principalmente no exterior. Considera-se a relevância da pesquisa neste
contexto, procurando refletir criticamente o significado e a contribuição da obra de Lygia Pape para a
Sociologia da Arte no Brasil.

2. Lygia Pape e contexto no Brasil da década de 1950

Lygia nasceu na cidade de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro, em 1929 e deixou como
marca de sua obra uma diversidade exemplar. Criou intensamente e durante um longo tempo, do início
da década de 50 até quase meados dos anos 2000, não se especializando em nenhuma linguagem ou
meio de expressão artístico. Produziu uma obra tão diversa quanto complexa: de gravuras, passando
por pinturas, eventos, design, programação visual, filmes, performances e toda uma sorte de objetos. Sua
criação não partia de predeterminações, do contrário, era determinada a experimentar, apropriava-se de
diversos meios e objetos como formas de expressão.
Considero importante um panorama, mesmo que rápido e incompleto, da mulher que tendo
iniciando-se como artista no abstracionismo geométrico, integrou entre 1954 e 1956 o Grupo Frente,
formado por Ivan Serpa, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Mario Pedrosa e outros. Aproximou-se do
concretismo e foi signatária do “Manifesto Neoconcreto”, publicado por Ferreira Gullar em 1959,
mesmo ano em que começa sua relação com o cinema a partir da produção do roteiro do filme
“Brasília”, que jamais foi rodado (MACHADO, 2008, p.94).
Na década de 1950 o país passou por um novo impulso de modernização e industrialização:
impelidos por uma política nacional-desenvolvimentista, em um dos poucos interstícios democráticos
de nossa história, houve grande florescimento cultural e artístico. Com a abertura dos museus de arte
moderna e inauguração das bienais internacionais, concentrou-se uma soma variada de expressões
culturais. Foi o momento em que a sociedade brasileira se imbuiu do novo discurso modernizador ou
que, segundo Cocchiarale (2013, sp.), pela primeira vez na história cultural do país que as classes

2 Surgido na década de 60, esta técnica foi popularizada na década seguinte devido a sua leveza, maleabilidade e facilidades
técnicas como a visão direta do foco no visor, fotometragem automática, incorporação do zoom.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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dominantes “assumiam sua responsabilidade cultural, tradicionalmente delegada ao Estado”, ainda que
por um breve momento, antes de serem substituídos pelos burgueses estadunidenses.
Juscelino Kubitschek é eleito anunciando 50 anos em 5. O horizonte político é o
desenvolvimentismo e o lema, o progresso. Brasília é construída. Nas artes e na
arquitetura o moderno é consagrado. Niemeyer, Lúcio Costa, Reidy e outros fundam
um novo cânone arquitetônico, pontuando a vida urbana com símbolos do futuro
planejado. Os Museus de Arte Moderna são fundados por todo o Brasil, e, em 1951,
Francisco Matarazzo Sobrinho institui ainda a Bienal de São Paulo. Em meio a
representações de construção de um novo país, também no âmbito da cultura
inovações formais aparecem no eixo Rio-São Paulo. A música é a Bossa Nova, o
cinema é o Cinema Novo. Nas artes e na poesia, o Concretismo assinala o sentido do
moderno, ditando as normas da ruptura (SANT’ANNA, 2013, p.3).

O debate entre artistas acadêmicos e modernos fora superado, sendo substituído por uma
disputa entre concepções de arte moderna:
Em contraste com o programa estético anterior [modernismo], que adotava uma
concepção figurativa e tinha por objetivo “representar” a “nação brasileira”, os artistas
concretistas dedicaram-se às experimentações com cores, formas, linhas e pontos
(VILLAS BÔAS, 2008, p. 199).

Dentre os intelectuais que se sobressaíram naquele contexto está o crítico de arte Mário
Pedrosa, um dos porta-vozes do Grupo Frente e signatário do “Manifesto Neoconcreto”. O crítico
colaborou para a transformação do campo cultural brasileiro em um período de profissionalização das
atividades intelectuais e artísticas, e da inauguração de estabelecimentos artísticos voltados para a arte
moderna. Como parte deste processo de complexificação do campo artístico, a divisão do trabalho no
sistema de arte também se acentuou; surgem os críticos de arte, marchands, colecionadores, além de
técnicos e intelectuais ligados à preservação do patrimônio histórico e artístico.
O reconhecimento dos artistas modernos nos meios culturais, literários e políticos
cariocas não pôs término ao academicismo nem acabou com as disputas no campo
artístico. Os integrantes do grupo modernista na sua primeira versão programática
logo tiveram que enfrentar outro projeto artístico, também modernista, porém
fundado em princípios construtivistas. Tal disputa aparece em sua dimensão discursiva
na crítica de arte veiculada pela imprensa, especialmente a de Mario Pedrosa, que ao
voltar do exílio nos Estados Unidos, em 1945, não poupou esforços em defender o
que chamava então de busca das “formas privilegiadas” (VILLAS BÔAS, 2008, p.
200).

Segundo Renato Ortiz (2009, p.105), o modernismo brasileiro enfrentou situação distinta ao
modernismo europeu, que detinha um passado clássico que servia tanto como fonte de tradição
artística quanto de referência à crítica. Mas ambos passaram pelo momento em que as inovações
tecnológicas eram imprevisíveis e seus efeitos ainda restritos a um pequeno grupo de pessoas,
transcorrendo em uma conjuntura política de profundas incertezas. Situação que o autor sintetiza
citando Perry Anderson (apud ORTIZ, 2009, p.105): “o modernismo europeu (...) floresceu no espaço
situado entre um passado clássico ainda utilizável, um presente técnico ainda indeterminado e um
futuro político ainda imprevisível”.

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No Brasil não existiu este passado clássico, ocorrendo uma correspondência histórica entre o
desenvolvimento de uma cultura de mercado e a autonomização do campo artístico. Para o autor, foi
este fenômeno que permitiu um trânsito entre as vanguardas artísticas, como os concretistas, os
cinemanovistas e a bossa nova, e pontos de interseção entre manifestações culturais consideradas
“populares” e “eruditas” (idem, p. 106).
O concretismo supunha rejeitar modos tradicionais de ver e representar o Brasil,
apontando para uma arte que, cultivando a racionalidade, apostava em relações sociais
mais modernas. Por oposição a sociedade brasileira rural, patriarcal, patrimonialista,
[...] o concretismo assinalava uma arte partidária de um modo de vida industrial,
urbano, impessoal, contratual, meritório, em suma, moderna. Modo de vida desejado e
de que a arte não era senão enunciadora. (SANT’ANNA, 2006, p.35).

Nosso presente técnico era igualmente indeterminado, porém marcado por características
próprias, dentre as principais estão à precariedade da indústria cultural e a incipiência da sociedade de
consumo. Situação que facilitou a expressão de grupos de vanguarda nos meios de comunicação de
massa e o surgimento do “experimentalismo”, tendência de dupla face: “Uma negativa, referente às
dificuldades propriamente técnicas dos profissionais; outra positiva, relativa à busca de soluções novas,
às vezes engenhosas, para se contornar os problemas enfrentados” (ORTIZ, 2009, p. 106).
A proposta do concretismo carioca, também produto deste contexto sócio-histórico favorável
ao “experimentalismo”, está associada à quebra da moldura dos quadros e a supressão da base na
escultura, capaz de descolar o espectador de arte da anterior postura contemplativa e coloca-lo em ação.
Mais que a construção de um repertório formal, a grande contribuição do concretismo carioca se situa
em seu intenso sentido experimental, que Mário Pedrosa (1995, p. 308) definiria como o “exercício
experimental de liberdade”. Máxima que se tornaria um valor e forma de sociabilidade marcante do
movimento, trazendo a discussão um conceito de moderno que privilegia a mudança, a criação, a
contingência e a rejeição da racionalidade do concretismo paulista, retomando a dimensão subjetiva e
humana na arte presente, sua relação com o afeto e a emoção.

3. A aproximação com o Cinema

No ano de 1959 se da à primeira aproximação de Lygia Pape com o cinema, decorrente da


criação do roteiro do filme “Brasília”. No mesmo ano, segundo Vanessa Machado (2008, p. 95), Mário
Pedrosa em texto intitulado “Brasília – Síntese das Artes”, escrito para o Congresso Internacional de
Críticos de Arte, defende a cidade como “obra de arte coletiva”. Apresenta a cidade de forma ampla
como síntese de uma totalidade social, cultural e artística.
Para Pedrosa, a aspiração à síntese das artes se impunha naquele período e coincidia
com a necessidade de reconstrução do mundo. Ela daria novamente às artes um papel
relevante social e culturalmente nessa tarefa. A fusão das artes, que para o crítico
encontrava em Brasília uma importante possibilidade de se viabilizar, seria uma forma
de reintegrar o artista na missão social de reconstrução do mundo (MACHADO,
2008, p.95).

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O roteiro de “Brasília” (1959) clarifica o posicionamento da artista, coerente com a proposta de


Pedrosa, de reestruturar as linguagens artísticas para a construção desse novo ambiente. O roteiro
subdivide-se em três partes, que segundo Pape, devem fluir no “sentido de água corrente”: inicialmente
a construção, depois os “palácios” e por fim a “Praça dos Três Poderes”. Inicia com um quadrado
vermelho, sendo o filme realizado em preto e branco. A primeira tomada seria uma aérea de alguma
construção focalizando os andaimes “como a descida de um jato”. Seque-se uma tela escura e uma
sequencia da “verticalização do espaço”. Cenas que Pape comentaria pela trajetória de personagens-
construtores na tela, carregando cada um seu instrumento de trabalho na construção da cidade. Eles
surgiriam em fila e subiriam a tela “como se fossem formigas” (MACHADO, 2008, p.95).
[...] pelos cantos da tela, começava a subir um homem a pé, seguido de outros
segurando enxada, foice, ancinho etc., em seguida um com um carrinho e, finalmente,
tratores, para mostrar a construção da cidade. Em suma, eles iam subindo pelo
cantinho da tela como se fossem formiguinhas construindo. Depois começava a
mostrar as construções, aquela maravilha que estava lá, porque na época era uma visão
idealista lindíssima (PAPE, 1998, p. 47-48 apud MACHADO, 2008, p.95).

O roteiro de “Brasília” apresenta uma visão idealista e otimista da cidade, consonante com as
proposições de Mário Pedrosa. Compõe uma leitura que parte do imaginário utópico que busca a
valorização do trabalho, tendo nos personagens iniciais os trabalhadores, que de seu movimento
organizado, como “formigas”, segundo a metáfora de Pape, em uma obra coletiva e da sua junção
numa linha horizontal, faz surgir às edificações e posteriormente a personagem principal, a cidade em
si.
Os trabalhadores aparecem não em referência aos movimentos operários e organizações
sindicais, mas como o “tipo ideal” de trabalhadores, como formigas, fazendo surgir o sujeito principal
do roteiro, a cidade de Brasília. A ambiguidade do desaparecimento da política no roteiro de “Brasília”,
que realiza e constrói a cidade, cujo objetivo maior era a instauração do núcleo do poder político
brasileiro. Revela uma narrativa ingênua em que a cidade se faz fruto do voluntarismo dos
trabalhadores, que partem de linhas horizontais, que surgem e somem, sem demais conflitos, deixando
como imagem os prédios e monumentos.
O roteiro originaria, se tivesse sido realizado, um filme de artista, e mais que isso, um
filme “construtivo”. Ele se constrói pelo encadeamento de imagens em movimento,
que não contam narrativas nem tampouco são imagens colhidas da realidade. [...] O
filme de Pape rejeitaria as categorias tradicionais do cinema, não seria comédia nem
drama, seria um filme abstrato. E, como um filme abstrato, negaria categorizações:
fugiria das definições de gênero (MACHADO, 2008, p. 95).

Reflexo das expectativas otimistas e ingênuas desta vanguarda com relação ao processo de
modernização pelo qual passava o Brasil. O roteiro de “Brasília” pensou a cidade como fruto do
trabalho humano horizontal e coletivo, numa visão essencialmente igualitária e utópica, de um filme
que nunca teria sido realizado.

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4. A experiência com o Cinema Novo


Lygia Pape descreve sua aproximação com o cinema da seguinte maneira: “no dia em que fiz
uma gravura toda branca, parei. Cheguei à luz. Ai fui fazer cinema” (GUERRA; PECCININI, 2011).
Talvez seja por esta razão que Pape descreve assim sua experiência com o Cinema Novo:
Entre os anos 1960 e 1970, assisti a todos os copiões dos filmes do Cinema Novo, na
velha Líder. Era pura visualidade _ imagens soltas, brilhantes _ e com a imaginação eu
construía estruturas de claro e escuro, como pinturas. Poucas vezes me interessei em
ver os filmes prontos (PAPE, 2013, sp.).

Depois de escrever o roteiro para o filme “Brasília”, Lygia envolveu-se com o movimento
Cinema Novo, colaborando com a programação visual de Mandacaru Vermelho (1961) e Vidas Secas
(1963), ambos dirigidos por Nelson Pereira dos Santos, depois colaborou com Ganga Zumba (1963-64),
dirigido por Carlos Diegues e, finalmente, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) de Glauber Rocha.
Foram estas as primeiras primeira experiência concreta de Pape com o cinema.
Trabalhei ainda com o Cinema Novo, mas profissionalmente como designer. Créditos,
cartazes, displays para Mandacaru vermelho (o mais trabalhoso): gravei alfabetos em
madeira e imprimi todos os letreiros, letra por letra, em precioso papel japonês para
deixar aflorar a textura da madeira, como um cordel nordestino. Depois vieram Vidas
secas, Ganga Zumba, Deus e o diabo na terra do sol, O padre e a moça, A falecida, O
desafio e outros, e mais alguns curtas (PAPE, 2013, sp.).

O Cinema Novo influenciou decisivamente Lygia, encantada com a densidade e lastro social
que o movimento alcançara, mas esta influência se daria a partir das proposições mais abertas, radicais e
utópicas. A defesa do cinema autor, que Glauber Rocha definiu como “revolucionária” (XAVIER, 2006,
p. 10), não chega a ser uma influência, mas uma convergência, visto que isso já estava presente no
roteiro de “Brasília”, mesmo que distante de se concretizar. A autoria em oposição à “indústria” se
tornou o horizonte prático de realização do cinema de Lygia Pape. A influência do Cinema Novo
também se faz presente na centralidade de questões do imaginário ligadas à identidade nacional e a
crítica à sociedade de consumo.
O horizonte da libertação nacional foi o maior pressuposto do Cinema Novo, bem
como de outros movimentos culturais no Brasil [...] Ao mesmo tempo, como parte de
sua agenda política, o Cinema Novo tentou problematizar sua inserção na esfera da
industrial cultural, apresentando-se no mercado, mas procurando ser sua negação e
seu questionamento, procurando com tal perspectiva sua inserção na tradição cultural
erudita (Leite, 2005, p.96).

Segundo Ortiz (2009, p.106), devido à fragilidade da indústria cultural, o Cinema Novo
desfrutou dessa “abertura precária” para construir sua expressão estética como a prática de um autor
que se opõe à indústria cinematográfica, trazendo uma perspectiva crítica à ideia de uma arte industrial
voltada para o consumo. “Devido à incipiência da indústria cinematográfica, é possível um palavra de
ordem tão utópica e artesanal como ‘uma câmera na mão e uma ideia na cabeça’” (idem, p. 108).
O cinema novo, devido à própria precariedade da indústria não encontra concorrente podendo
escapar das pressões do Estado. Porém, seria sua inserção na indústria que distanciaria Pape do cinema

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novo, conduzindo-a a um processo criativo próprio que posteriormente convergiu com o Cinema
Marginal.
Pessoalmente, escolhi o território do curta-metragem por estar livre das grandes
produções, dos problemas burocráticos e principalmente financeiros. Pura alegria e
prazer da criação. Tudo correndo na intimidade do diretor/editor, um fotógrafo
simpático e um eletricista: estava pronta a equipe. (PAPE, 2013, sp.).

5. Experimentações e convergência com o Cinema Marginal

Num segundo período, no cenário brasileiro pós-golpe de 1964, Pape seguiu produzindo seus
próprios filmes. Iniciou com o curta-metragem Letreiros/cinemateca/MAM em 1965, que segundo a
sinopse é uma “Decupagem da palavra cinemateca através de imagens relacionadas a cada uma de suas
sílabas em uma vinheta para a Cinemateca do MAM – RJ” (FILMOGRAFIA, 2012). Dois anos depois
realizou La Nouvelle Creation (1967), filme pelo qual obteve um prêmio internacional.
Neste momento sua obra foi marcada por uma nova postura em relação às questões levantadas
pelo abstracionismo. Criou em favor de propostas que implicaram na realização de ambientes, eventos,
performances, obras de forte caráter coletivo, incorporando questões como a participação ativa do
espectador, produzindo obras como Ovo, Divisor e Roda dos prazeres.
Na década seguinte Pape produziu filmes experimentais e documentários como Artes Plásticas
(1970), O Guarda-chuva vermelho (1971), Eat me (1973), Wampirou (1974), Arenas calientes (1974), Carnaval in
Rio (1974), A mão do povo (1975) e Catiti Catiti (1978).
Nesse novo período manteve a natureza experimental de seus trabalhos, porém sua atuação
tendeu a ser crescentemente “marginal” em relação ao circuito de arte. Em texto para o catálogo
Expoprojeção de 1973, Lygia Pape e Antonio Dias, defenderam o super-8 como uma possibilidade de
trabalho em contraposição ao cinema convencional.
O S8 é realmente uma nova linguagem, principalmente quando também esta livre de
um envolvimento mais comercial com o sistema. É a única fonte de pesquisa, a pedra
de toque da invenção, hoje. (EXPOPROJEÇÃO, 2013, p.56).

Garantido o sentido de desvio à ordem instituída, Pape deu ainda outra dimensão à
marginalidade desse cinema, que sintetizaria sua obra:
Ser marginal, estar à margem de uma sociedade, ainda permanece como um conceito
burguês. Não foi esse cinema marginal de que participei ou participo. Marginal era o
ato revolucionário da invenção, uma nova realidade, o mundo como mudança, o erro
como aventura e descoberta da liberdade: filmes de 10 segundos, 20 segundos... o anti-
filme (PAPE, 2013, sp.).

O interesse de Pape centrou-se nos curtas metragens, pois os considerava mais livres,
burocrática e financeiramente, que os filmes de longa metragem. Tendo iniciado nos filmes de 35mm,
assim como atesta Pape (2013, sp.): “sempre trabalhei em 35 mm”. Não se especializou nesses,

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produzindo filmes em diferentes bitolas, apropriando-se dos meios técnicos disponíveis que melhor se
adequassem a sua subversão a lógica industrial do cinema.
Neste contexto, considerado que os filmes superoitistas criavam situações descoladas da vida
cotidiana, permitindo a Pape inventar, com doses de humor, uma “nova realidade” disparatada onde
referências à cultura erudita apareciam mescladas a toda sorte de elementos da indústria cultural, tais
como vampiros em Wampirou (1974), tendo explicitamente como cenário a cidade do Rio de Janeiro.
Realizei três longas em Super 8, todos em 1974, com 40 minutos de duração cada. Em
Wampirou (o vampiro que pirou), além dos "atores" trabalharam como extras artistas
plásticos como Lygia Clark e poetas como Waly Salomão. Carnival in Rio é sobre o
carnaval individual do "eu" sozinho, filmado entre a praça Mauá e o Obelisco, no Rio
de Janeiro. Arenas calientes era o mais interessante, pois meus personagens tinhasm
aventuras no deserto com dunas imensas, onde hoje é o Condomínio Nova Ipanema,
no Rio de Janeiro. A dificuldade em encontrar água no deserto saciava-se com
gasolina nos postos Esso da região (PAPE, 2013, sp.).

Um de seus últimos filmes, Catiti Catiti (1978) é considerado por Ivana Bentes (2011, p.5) um
“filme-postulado”, pois destaca a importância da simbologia Tupinambá e a filosofia antropofágica ao
longo da obra e do pensamento de Lygia Pape. Temática que retornará na década de 1980 na sua
dissertação de mestrado, defendida no curso de Filosofia da UFRJ com o título: Catiti Catiti: na terra dos
Brasis. A “ontologia canibal” destaca-se para pensar uma arte brasileira experimental, que visa fundir o
arcaico com as questões de ponta das vanguardas modernas (BENTES, 2011, p.5).

6. Considerações finais

Lygia Pape aproximou-se do cinema no período entre o final da década de 1950 e continuou
seu diálogo durante as duas décadas subsequentes, pode-se dizer que Pape foi contemporânea do
“período estética e intelectualmente mais denso do cinema brasileiro” (XAVIER, 2006, p. 14).
Mesmo não tendo ela feito cinema, em seu sentido industrial, manteve intenso diálogo com os
movimentos de vanguarda, se mostrando presente nas produções mais significativas do Cinema Novo.
Além de ter colaborado intensamente para as formulações do Cinema Marginal com sua intensa criação
de curtas.
Sendo assim, é possível relacionar sua obra com os debates da sua época, como o debate na
questão nacional-popular e da problemática do realismo. Marcando sua abordagem pela próxima a um
imaginário da revolução social e da crítica radical, suas concepções tinham bases sociais objetivas e
refletiam a “utopia de um destino político ainda imprevisível” (ORTIZ, 2006, p.109).

Referências
BENTES, Ivana. Caos-Construção – O formal e o sensorial no cinema de Lygia Pape. XX Encontro Nacional da Compós
- UFRGS, Porto Alegre, 14 a 17 de junho. Grupo de Trabalho “Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual”,
2011.

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La producción audiovisual comunitaria: innovación
tecnológica y espacio de producción alternativa
para la inclusión social

Carolina Barnes1
Aída Quintar2

Introducción

L
a revolución de las tecnologías de la información y la comunicación (TICs), que se desarrolla en
el último cuarto del siglo XX, introduce importantes cambios cualitativos en las formas
socioproductivas y de la comunicación. Por una parte sientan las bases materiales para la
“informatización de la producción” y el despliegue del llamado “trabajo inmaterial” (HARDT y NEGRI,
2000) y por otra, favorecen nuevos desarrollos en el campo de la producción audiovisual3. Estos
desarrollos tienen como propósito común explorar nuevos modos de interacción que posibiliten una
democratización de las relaciones sociales, la política, el conocimiento y la comunicación. Es en torno a
las nuevas modalidades de la producción audiovisual comunitaria que desarrollaremos nuestra
investigación. Tomamos como unidad de análisis las prácticas desplegadas por instituciones y
organizaciones territoriales que se plantean la producción de formas de comunicación alternativa,
ponderando una participación de la comunidad más amplia y democrática.
El plan de exposición de este trabajo es el siguiente: en una primera parte se plantean algunas
digresiones en torno a la incidencia y a la apropiación de las nuevas tecnologías de información y
comunicación (TICs) por parte de diversos colectivos sociales para el desarrollo de experiencias
alternativas de comunicación. En una segunda parte, en el marco de la producción audiovisual y de cine
comunitario en América Latina, se exploran algunas experiencias desarrolladas en la Argentina.. Se
analizarán algunas de las organizaciones que llevan adelante diversas modalidades de producción
audiovisual comunitaria en el AMBA4, tomando en cuenta sus similitudes y diferencias en términos de
objetivos y prácticas así como la incidencia que tienen en sus participantes. Finalmente, se incluyen
algunas reflexiones acerca de los alcances y límites de este tipo de experiencias alternativas y de su
incidencia en la democratización de los espacios sociales.

1 Licenciada en Política Social. Instituto del Conurbano. Universidad Nacional de General Sarmiento.
2 Doctora en Ciencias Políticas. Instituto del Conurbano. Universidad Nacional de General Sarmiento
3 La red de Internet que se constituye como un espacio de interacción abierto, acentrado y no jerárquico – el ciberespacio -,

comienza a difundirse no sólo en el campo tecnoproductivo sino también a nivel de las instituciones sociales, políticas y
culturales, dando lugar entre otros procesos a la constitución de una amplia diversidad de comunidades virtuales (Quintar,
A., Calello, T. y Aprea, G. (2007).
4 AMBA, Área Metropolitana de Buenos Aires.
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1. El contexto de surgimiento de la producción audiovisual comunitaria

La producción audiovisual comunitaria surge en América Latina como parte de un amplio


proceso de democratización político cultural iniciado en las últimas décadas del siglo pasado. Este tipo
de producción resulta de la necesidad de comunicación sin intermediarios que tienen diversos sectores
marginalizados que buscan expresarse en un lenguaje propio. Este tipo de producción pretende
representar políticamente a colectividades generalmente invisibilizadas o ignoradas. Este propósito es
común a las experiencias del llamado “arte comunitario” que surge a fines del siglo pasado y en ese
sentido su referente principal no es la cinematografía como industria sino el cine de carácter más
etnográfico y antropológico5.
En un material que surge de un reciente congreso latinoamericano de cultura viva comunitaria
realizado en La Paz (Bolivia) se destaca la existencia en la región de “más de 120.000 experiencias y
organizaciones sociales de base territorial que trabajan en torno a la producción y distribución de bienes
culturales en sus comunidades, sin fines lucrativos e inscriptas en procesos de democratización y
desarrollo local.” (INÉS SANGUINETTI, 2013). En el marco de este conjunto amplio de
organizaciones, se encuentran aquellas que se dedican al desarrollo de diversas producciones
audiovisuales, y esto, sin dudas, acompañado por el acceso cada vez más cercano a las nuevas
herramientas tecnológicas.

1.2. La incidencia de las nuevas tecnologías de información y comunicación (TICs) en la


producción audiovisual alternativa
Un factor que favoreció el desarrollo de la producción audiovisual comunitaria fue la gran
difusión que tuvieron las nuevas tecnologías. Si bien hubo otras tecnologías audiovisuales previas a las
TICs que permitieron el uso comunitario, como es el caso del video, las nuevas tecnologías potenciaron
prácticas preexistentes y al abaratar los costos de nuevos instrumentos facilitaron su acceso6. A su vez,
cumplieron igual cometido las permanentes innovaciones que aumentaron de manera significativa las
mejoras técnicas, posibilitando que jóvenes sin experiencia previa en la materia pudieran adoptarlas para
desarrollar sus producciones audiovisuales.
Al respecto, Gumucio Dagron (2011) plantea que el modo en el que se emplea la tecnología es
un factor central que distingue al cine comunitario del industrial. Generalmente el cine industrial es una
actividad comercial y como tal busca conquistar públicos a través de la participación de actores
reconocidos, de la excelencia formal de las imágenes, etc. “Cada vez más, el desarrollo tecnológico

5 Tal el caso del documental etnográfico creado por el ingeniero civil francés Jean Rouch, que logró revelar con su cámara la
riqueza de las diversas culturas autóctonas de África. Entre 1950 y 1980 se dedicó al documental etnográfico del cual es su
fundador. (Alfonso Gumucio agron, 2011)
6 De hecho, las TICs no sólo influyen en la producción sino también en la circulación y exhibición, sobre todo partir de la

digitalización y la difusión de Internet.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1011

permite al cine industrial ofrecer películas de mejor factura, donde la imagen y el sonido destacan por
su sofisticación. En el cine comunitario, la tecnología debe adaptarse a las necesidades de expresión de
las comunidades, porque de otro modo los procesos del audiovisual comunitario no serían sostenibles.”
A partir de estas posibilidades de democratización del audiovisual “fue gestándose un movimiento
continental preocupado por utilizar el medio audiovisual como un instrumento de recuperación
histórica, reforzamiento de la identidad, promoción cultural, denuncia, educación y democratización
(GUMUCIO DAGRON, 2011)7
Así, se comienza a difundir un tipo de producción audiovisual que acompaña las
reivindicaciones y debates al interior de grupos sociales organizados tales como sindicatos y gremios
profesionales, organizaciones indígenas, barriales, de derechos humanos, ecologistas, feministas, y
otros. De este modo, en estos procesos asociativos que se multiplican, se inventan nuevos ámbitos de
definición y de ejercicio de la ciudadanía, basados en redes de solidaridad y ayuda mutua que funcionan
en forma paralela o complementaria con las que se despliegan a nivel del Estado o del mercado
(CHANIAL y LAVILLE, 2009).
Gracias a la accesibilidad de los medios digitales, en numerosas experiencias, la propia
comunidad interviene en el proceso de producción ya sea desde el momento de la elección del tema y la
toma de decisiones sobre la forma de abordarlo, así como en el establecimiento del equipo humano de
producción, en la atribución de tareas y en la definición de los modos de difusión. En efecto, esta
modalidad busca generar a nivel de la comunidad un sentido de pertenencia a partir de que promueve
una apropiación colectiva del proceso fílmico de forma que sus miembros se sienten involucrados tanto
en la producción como en la decisión y la organización de la actividad (SOLANO y LAZARRINI,
2009).
Por otra parte, estas producciones audiovisuales que recibieron diversos nombres (popular,
educativo, etc.) no sólo desarrollaron formas de producción sino también de circulación alternativos a
los tradicionales, intentando fomentar variadas modalidades de exhibición no tradicional dada la escasa
presencia que tiene este tipo de producción audiovisual en las pantallas accesibles al público masivo.

2. Experiencias de producción audiovisual comunitaria en Argentina

En este apartado analizaremos, en primer lugar, los ejes comunes alrededor del cual se organiza
la producción audiovisual comunitaria en la Argentina particularmente el caso de una de las principales
regiones del país como es el AMBA. Posteriormente nos focalizaremos en cuatro experiencias de
producción audiovisual comunitaria investigadas para este trabajo.

7 Alfonso Gumucio Dagron (2011) señala que en ese entonces se defendía la noción de que formatos como el Súper 8 y el
video, no eran la expresión subdesarrollada del cine de pantalla y de la televisión sino que eran instrumentos con definidas
funciones sociales.

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2.1. Características comunes de la producción audiovisual comunitaria en el AMBA.


Las organizaciones sociales elegidas para el desarrollo de este trabajo8, más allá de sus
particularidades, poseen ciertas características que las unifican. En primer lugar, estas experiencias
comparten un fuerte compromiso con las problemáticas típicas de cada comunidad. En segundo lugar,
se trata de organizaciones que fomentan la participación y la capacitación de los miembros que
intervienen en estas actividades (este es un aspecto crucial en este tipo de experiencias).
El primer eje común que tienen entre sí estas experiencias de producción audiovisual es el de
dar visibilidad a las distintas problemáticas que tienen lugar en el AMBA, pero lo distintivo es que esto
se realiza a partir de la perspectiva de los propios actores. En este sentido, las producciones poseen un
formato y estética con similitudes parecidas tanto en lo referido a las temáticas como al modo expresivo
utilizado para exponerlas.
El segundo eje común está vinculado a la posibilidad de crear espacios de participación en los
que se promueva el acercamiento, conocimiento y capacitación en la utilización de las herramientas y el
lenguaje de la producción audiovisual, por parte de los sectores populares.
El trabajo específico con las temáticas audiovisuales y el despliegue de estas iniciativas de
producción audiovisual y cine comunitario son, por lo general, destinadas a los jóvenes que encuentran
en estos espacios un lugar en el cual pueden desarrollar su faceta creativa. Y esto se facilita con la
posibilidad de acceder a los dispositivos tecnológicos, desde la utilización de celulares hasta cámaras de
filmación cada vez más simples
El anclaje de estas iniciativas hace hincapié en la horizontalidad de la enseñanza y en la
adquisición del conocimiento a través de un aprendizaje desde la propia práctica. En este sentido,
Perrenoud (2000) sostiene que la capacidad de obtención de determinadas competencias está basada en
la puesta en juego de esquemas de pensamiento, percepción y acción que se despliegan en el contexto
de una práctica concreta. Es así que el aprendizaje y conocimiento es adquirido bajo la perspectiva de la
educación popular.
La formación y participación en estos espacios posibilita que muchas personas que se
encuentran fuera de los circuitos de educación formal o en situación de marginalidad encuentren en
estas iniciativas una nueva forma de sentirse partícipes y de potenciar sus habilidades a través de las
herramientas audiovisuales.
En referencia al alcance que tienen estas iniciativas en las personas participantes son variadas,
por un lado, algunos logran tener una inserción estable en las organizaciones y convertirse en
promotores que replican en otros las enseñanzas que una vez aprendieron. Por otro lado, la

8 Eso no significa desestimar la lógica instrumental material, necesaria para llevar adelante cualquier emprendimiento
económico, sino que como sostiene Coraggio (1999), supone subordinar la acumulación a la reproducción de la vida,
estableciendo otro tipo de relación entre la producción (como medio) y la reproducción (como sentido).

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participación en estos espacios revitaliza los lazos de amistad y solidaridad en los ámbitos barriales y
permite, en ocasiones, aminorar ciertas conflictividades que pueden existir entre los grupos.
Si bien el formar parte de estas experiencias no modifica, en líneas generales, la situación
económica de quienes se incorporan a estas producciones, el hecho de sentirse protagonistas o
realizadores puede llegar a provocar en ellos cambios importantes, en términos personales y sociales.
“Pibes que no habían ido nunca a la escuela,… y de repente son reconocidos y aplaudidos por lo que
ellos habían hecho y ese es el valor de la herramienta” (A,G, abril, 2013).

En definitiva, las actividades desplegadas por estas organizaciones, más allá de las
particularidades de trabajo que desarrolla cada una de ellas, tienen como objetivo despertar la
conciencia social y critica, y esto, a partir de contar diferentes historias que permita dar visibilidad a las
problemáticas cotidianas, pero de una perspectiva distinta, y a través de un trabajo de construcción
colectiva.

2.2. Análisis de las cuatro experiencias de producción audiovisual comunitaria seleccionadas


Si bien las experiencias analizadas comparten un conjunto de premisas como las señaladas
anteriormente, cada una de ellas desarrolla esta actividad con su propia impronta en el territorio. A
continuación se caracteriza a cada experiencia.

2.2.1. Culebrón Timbal


Culebrón Timbal surge en el último quinquenio de los años noventa y desde su propia fundación
se considera una organización de base que cuestiona el orden político vigente en ese momento en la
Argentina. Su presencia en los espacios de resistencia se fue consolidando a nivel territorial como un
nuevo modelo de expresión y comunicación popular a través del arte.
A comienzos del nuevo siglo logran profundizar una inserción institucional constituyéndose en
Asociación Civil, Social y Cultural. El obtener su personería jurídica le permite ampliar su actividad no
sólo participando con otras organizaciones de base similares sino también con organismos públicos de
la Ciudad y del Gran Buenos Aires.
En su desarrollo se fueron autodefiniendo como una “productora-escuela cultural comunitaria”
dedicada a la producción de formatos e iniciativas con una visión alternativa sobre la vida cotidiana en
el Gran Buenos Aires a la trasmitida por los medios masivos de comunicación. En esa línea no sólo
aporta al desarrollo de redes de organizaciones ligadas a la cultura popular a nivel local, nacional y
latinoamericano sino que también promueve la formación y capacitación de jóvenes en diversas
expresiones de arte y comunicación popular. Entre sus producciones se destacan productos musicales
propios, historietas y un video en los que tratan de reflejar su mirada sobre el Gran Buenos Aires, sus
mitos, su conflictividad social y la incertidumbre, representada por historias de personajes oscuros y
mágicos de los barrios del Conurbano. Así también se reflejan en sus producciones el tema del poder y

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las construcciones sociales de principios del siglo XXI. A su vez, tienen la revista “La Posta Regional”
y la radio FM y el canal de TV “La Posta”9. En la señal de TV La Posta se emiten producciones propias
de eventos filmados y también productos de otras organizaciones que traen sus videos institucionales.
Tanto Barrio Galaxia como Desde los barrios van a los eventos y los filmamos,
entonces de algún modo es un noticiero de lo que pasa comunitariamente. Por
ejemplo, con Sofovial hay un montón de cortos y documentales que ellos nos traen
[…] (E.B.abril de 2013)

Desde el año 2003 comienzan a trabajar en un proyecto de cine comunitario que tras cinco años
de trabajo se concreta en un medio metraje llamado El Cuenco de las Ciudades Mestizas que tuvo
varios premios en diversos festivales. En el Festival de Cine de Saladillo10 ganó el primer premio.
Nosotros ya hacíamos espectáculos escénicos y musicales. Incorporamos el tema del
cine en el ultimo laburo, por una necesidad expresiva de mostrar lo que hacíamos…
eso se estrenó en el 2008 y se laburó desde el 2003 en adelante…. el Cuenco tiene que
ver con mostrar el trabajo nuestro en Cuartel V, una serie de temas, el lugar de lo
artístico, de la locura. (E.B.abril de 2013)

Lo que ellos proponen como punto de partida para el desarrollo del cine comunitario es ampliar
la capacidad de expresión de la comunidad y por esa razón consideran fundamental su participación en
la producción. Y si bien reconocen que en el caso del cine es necesario dominar ciertos saberes técnicos
sostienen que el mayor aprendizaje lo brinda la propia práctica.
[…] Hay que empezar a entender que la producción cultural popular no es un
tipo de actividad que haya que circunscribir al sector que está
profesionalizado….Eso no debería ir en desmedro de las cosas que se hacen
con mayor nivel de “profesionalidad”. (E.B.abril de 2013)

2.2.2. Sociedad de fomento del video alternativo (Sofovial)


El origen de esta organización se remonta hacia el año 1985 cuando se crea la “Asociación Sin
Anestesia”11 con la participación de algunos de los fundadores de dicha asociación. Asentada
territorialmente en el municipio de San Miguel (en el viejo partido de Gral. Sarmiento) en 1989 toma
contacto con la Dirección Colegiada del Hospital Larcade y de ese contacto surge el interés por aunar el
trabajo de quienes tienen la intención de impulsar una comunicación democrática con los que apuestan
a la salud social y comunitaria. Ese eje fundacional es el que se desarrolla y continúa en el presente. En
sus palabras, se definen como:

Un colectivo de trabajo comunicacional solidario que generan en la región un tipo de


organización articuladora de experiencias y saberes habitualmente distantes, una

9 Con diversas comunidades, la Asociación Raíces Escénicas, realizó cuatro medio metrajes: “Saltar el Charco“, con las
comunidades de Polvorín y de Antonio José de Sucre; “Este soy yo“, con la comunidad de Valle Verde; “ De Regreso a
Casa “ con la comunidad de Santa Cruz con “ y “ Si se cree, se puede “. La última, con la comunidad Los Lanceros.
10 La película la dirigió Meirelles Fernando y se estrenó en el año 2002. El film es contado de una forma no-lineal, utilizando

diferentes técnicas de edición y tomas de cámaras y muchos de los actores, fueron residentes de favelas.
11 http://cinemanosso.wix.com/semifestaudiovisual#!cinemanosso/c20r9

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creativa relación entre el Video Proceso, la Educación Popular y la Estrategia de


Atención Primaria de la Salud. (H.A. marzo de 2013)

Una de las primeras actividades conjuntas que realiza Sofovial con el Hospital Larcade fue un
relevamiento videográfico de la situación sanitaria del ex partido de Gral. Sarmiento. Esto posibilitó que
la asociación se vinculara con centros de atención primaria y con otras organizaciones que trabajaban
con esos centros.
En 1989 producen el primer video sobre la prevención del SIDA en la Argentina, a partir del
cual recibieron numerosas solicitudes para la realización de talleres en distintos establecimientos
públicos y sociales (sindicatos, escuelas, sociedades de fomento, etc). Casi la totalidad de los talleres se
graban y se transforman en videos, que con los aportes de la comunidad, logran construir un “sentido”
diferente alrededor de determinada problemática.
Los videos que realiza la organización, se distancian de los “videos tradicionales”, que por lo
general, hacen foco en el resultado videográfico, artístico o en su impacto mediático. En cambio, el tipo
de videos que realizan es catalogado por ellos mismos como “video proceso”, que sin descuidar los
aspectos comunicacionales, hacen foco en la construcción comunicacional, en el entramado de
relaciones, en la participación en distintos momentos del proceso de la realización: en el guión, las
investigaciones, el rodaje, las entrevistas, fotografías, música, etc.
Sofovial se ha consolidado como una organización que, a través de las prácticas audiovisuales
ha logrado realizar diferentes tipos de trabajos con distintas organizaciones públicas y privadas, tales
como organizaciones sociales, instituciones diversas como escuelas, sociedades de fomento, clubes,
universidades, municipios, entre otros. En los últimos tiempos han entablado una relación muy cercana
con distintos ministerios nacionales (Educación, Desarrollo Social, de Seguridad), pero principalmente,
con el Ministerio de Salud
Si bien en la actualidad los vínculos con el Ministerio de Salud están consolidados, no
ha sido fácil en sus comienzos pero nos han dicho que actualmente tenemos el
archivo de salud comunitaria más importante del país. (H.A. marzo de 2013)

Las producciones audiovisuales realizadas han sido variadas, desde cortos, programas para
televisión (ficción y documentales) e institucionales. Y todas conllevan una impronta particular, en ellas
se reflejan las distintas problemáticas, en donde prima lo territorial, barrial y la imagen de lo cotidiano.
Los encargados de las realizaciones se han formado tanto a nivel profesional, como en la
práctica. En sus comienzos, solo había una persona especializada en las temáticas audiovisuales:
Antes de Sofovial, no teníamos ninguna experiencia previa, salvo yo que estudié en el
SICA, pero ninguna con una cámara y una video casetera y fuimos aprendiendo.
Todos los que pasaron por acá estudiaron se recibieron. (H.A. marzo de 2013).

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Hoy en día la organización esta conformada por profesionales en distintas disciplinas (médicos,
economistas, sociólogos, diseñador grafico, programador), otros que están cursando sus estudios
secundarios y sin estudios formales.

2.2.3. Cine en movimiento


Es una Asociación Civil que surge en el año 2002 a partir de la iniciativa de tres jóvenes
vinculados al trabajado social y al cine, con el propósito de que distintos grupos provenientes de los
sectores populares se apropiaran de las herramientas de producción audiovisual y pudieran producir sus
propios videos. Desde sus inicios hasta ahora trabajan con el objetivo de que niños, jóvenes y adultos -
acercándoles los saberes del lenguaje cinematográfico- puedan construir su propio mensaje a través de
cortometrajes. El objetivo de esta asociación es aportar a una mayor inclusión social dado que esas
experiencias, en palabras de uno de los fundadores, les permiten:
[…] Compartir espacios y poder ir a otros espacios, a la Universidad, al cine: no como
espectadores sino en carácter de realizadores. Ese es el objetivo. Nosotros trabajamos
con chicos, mujeres que viven en la periferia de todo…y de repente esos espacios
tiene que ver con la inclusión en el barrio o en la Ciudad.” (A. G., marzo de 2013)

En la mayoría de los casos han trabajado con organizaciones sociales, en temáticas vinculadas
con la niñez, la adolescencia y la juventud. También incorporaron la temática de las mujeres en
situación de violencia, de prostitución y recientemente trabajan con adultos mayores del PAMI. Hasta
ahora pasaron por sus talleres 1200 personas en la provincia de Buenos Aires y ya articularon
actividades con cerca de medio centenar de organizaciones de base, incluyendo a las cooperativas de
“Argentina Trabaja”.
La primera experiencia surgió de una actividad que el trabajador social realizó con chicos de un
centro asistencial en el Gran Buenos Aires con motivo de un festival que se hacía en la Ciudad de
Buenos Aires y que convocaba a escuelas para hacer el primer cortometraje.
Un día los chicos dijeron que querían contar como era un día de ellos en la calle, y se
llamo “Los de andar con pies descalzos” que es una canción de Walter Olmos, que
hizo un cantante cuartetero, que había sido un pibe de la calle. Los pibes eligieron esa
canción y también eligieron a quien querían entrevistar en el día, día. (A. G., marzo de
2013)

El objetivo de Cine en Movimiento es no sólo enseñar la utilización de las herramientas de


producción audiovisual sino también dejar capacidad instalada para que los grupos puedan continuar
con las actividades más allá de la organización.
[…] en una escuela en Neuquén al tercer año de estar yendo, los pibes ya editaban con
sus propios recursos que consiguieron de la Universidad del Comahue [para] el
proyecto, el programa de edición, una camarita….Después ya hacían solos los cortos
sobre el 12 de octubre o el 24 de marzo […] (A. G., marzo de 2013)

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El nombre “Cine en Movimiento” tiene que ver, por una parte, con la vinculación que han
forjado con las organizaciones y movimientos sociales con las que vienen trabajando desde su origen.
Pero también tiene que ver con la decisión de no tener una sede fija y no ver al cine como algo estático
al que la gente tiene que acercarse. En palabras de su fundador:
[…] Pensar desde el origen la idea del cine como en una cosa móvil, en movimiento
como llegar a eso lugares donde el cine no había llegado nunca. (A.G., marzo de 2013)

Si bien la experiencia se inicia con dos personas vinculadas directamente al cine, el interés
principal de ellos es el de acercar el lenguaje audiovisual a los sectores populares o sea producir
contenido audiovisual desde la misma comunidad y no desde otro tipos de espacios.
No es mejor o peor, pero es distinto si nosotros nos ponemos hacer un documental
acerca de los cartoneros a que lo hagan los mismos involucrados. El que mira por la
cámara es otro y el que establece el guión, la cámara es otro, es otra forma de contar y
nosotros vamos detrás de eso. La idea es ir detrás de lo que el otro quiere contar
generar un espacio educativo, para que el otro pueda contar lo que quiera. (A. G.,
marzo de 2013)

Es de este modo, que el trabajo que realiza la organización es el de que la propia comunidad
pueda contar y plasmar sus historias y vivencias por medio del manejo de las herramientas
audiovisuales, en este caso a través de la concreción de distintos cortometrajes.

2.2.4. Desde abajo cine


Cine desde abajo, si bien se origina a fines de los años noventa recién se constituye como
asociación civil con personería jurídica en el 2008. Esta organización fue impulsada y coordinada
inicialmente por el cineasta Gabriel Aquino y el nombre surge de una serie ficcionada de TV que
Aquino estaba realizando en la que planteaba contar historias que se construyen desde abajo.
Junto a un conjunto de jóvenes de la Fundación Che Pibe de Villa Fiorito, con los que estaba
diseñando y coordinando proyectos sociales y culturales de promoción de derechos humanos, comienza
a realizar producciones en género de ficción y documentales (spots, videoclips, cortos institucionales y
educativos.). En sus producciones los que protagonizan el tema del film también participan en la
creación del relato.
Yo quiero filmar pero que el relato sea construido por las personas que sufren la
problemática. Cuando empecé a hacer eso, muchos me decían ‘no se va a poder, los
chicos no van a querer’…Hay muchos prejuicios, incluso la gente que trabajaba en las
organizaciones […] (G.A. abril de 2013)

Una característica de esa modalidad de hacer cine es incorporar el proyecto de filmación dentro
de un proyecto social. Si bien los proyectos que realizan han recibido diversos financiamientos (Unicef,
Banco Mundial, Fundación Huésped, BID, Municipios, Ministerio de Desarrollo Social de la Nación)
los miembros que participan en la asociación se autodefinen como voluntarios, es decir que además de

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esa actividad cada uno de los integrantes desarrolla un trabajo en paralelo. Actualmente está
conformada por un grupo estable de unas 20 personas.
Desde el 2004, la asociación tiene su sede en el partido de San Fernando y en este lugar es que
comenzaron a trabajar con la Fundación Huésped en un programa de prevención del sida. En el 2008,
se abre un espacio de cine comunitario orientado con temáticas relacionadas con la juventud en donde
se trabaja de forma integral.
Hay un espacio de encuentro semanal, con participación total, resolución de
problemas y de producción audiovisual…El proyecto actual es Jóvenes integrados, y
es un taller de cine y tv comunitaria, y uno de lenguaje audiovisual para la promoción
de derechos. (G.A, abril, 2013)

Por lo general, el proceso de culminación de una producción conlleva un año. Se conforman


grupos de alrededor de 20 jóvenes, con los que se trabaja de forma conjunta para poder acordar en el
tipo de proyecto que se quiere encarar, si estos son documentales o ficción y a partir de allí, se
organizan los talleres en los que se trabaja en el guión, actuación, dirección, producción y realización
técnica.
La motivación que tienen los integrantes de la organización que impulsan estas iniciativas es que
los jóvenes puedan trasmitir sus propias problemáticas y se sientan que son capaces de llevar adelante
un proyecto en concreto.
Me potencia la idea de un espacio de comunicación comunitaria donde se trabajan las
realidades. El objetivo principal es que los jóvenes tengan un sentido de proyección a
futuro y donde el producto comunicacional surge a partir de una instancia de
superación de grupo e individuales…”

Los trabajos realizados desde la organización en conjunto con los jóvenes participantes, han
logrado el reconocimiento de diversas instituciones públicas y privadas (Gobierno de la Provincia de
Buenos Aires, Canales de Televisión, festivales, etc.)12.

3. Algunas reflexiones finales a modo de conclusión


La producción audiovisual comunitaria, esta particular modalidad de expresión cultural y
comunicacional desplegada a nivel territorial se da en el marco de un proceso de recuperación
democrática en América Latina que se venía desplegando desde los años 80. El propósito que guió
dicho despliegue fue el de democratizar la participación activa de la comunidad en la creación de
productos audiovisuales que le dieran voz a sectores sociales marginalizados apuntando a fortalecer
procesos de inclusión social.
La difusión de las nuevas tecnológicas de la información y el abaratamiento de los costos de los
equipos posibilitaron el acceso de amplios sectores de la población al manejo, cada vez más amplio, de

12Polanco Uribe, Gerylee; Aguilera Toro, Camilo "Luchas de representación: prácticas, procesos y sentidos audiovisuales
colectivos en el suroccidente colombiano"-Programa Editorial Universidad del Valle-2011

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herramientas audiovisuales. En ese contexto, las comunidades locales pudieron utilizar esas
herramientas para llevar adelante diversas experiencias comunicacionales de forma participativa, que
tienen como eje el abordaje de los problemas sociales de la comunidad, involucrando, en ocasiones, sus
propias historias de vida. Cabe destacar que si bien la multiplicación de este tipo de experiencias es, sin
dudas, valiosa para las personas y la comunidad en su conjunto su nivel de desarrollo es aún incipiente.
Del conjunto de experiencias investigadas algunas se inscriben como parte de un proyecto más
amplio de arte y cultura comunitaria, mientras que otras se dedican específicamente a la producción
audiovisual, ya sea como cine comunitario (documentales o de ficción) o como videos con objetivos
vinculados a la educación popular. En todas esas experiencias resulta significativa la activa participación
de los miembros de la comunidad no sólo en términos de los temas que se muestran sino también en su
participación como técnicos, actores, guionistas, etc. Incluso, en algunos casos, la participación no sólo
les permitió capacitarse sino que los transformó también en capacitadores replicando en diversos
ámbitos la experiencia.
Con este trabajo pretendemos aportar al conocimiento de las formas de producción audiovisual
alternativas que han surgido en las últimas décadas y que tienen como objetivo la democratización del
lenguaje y las herramientas audiovisuales, a través de los principios de la educación popular y la
comunicación social. Consideramos que los casos analizados nos aportan elementos para seguir
profundizando en la investigación de este campo de gran riqueza y diversidad.

Referências
CORAGGIO, J.L. Política social y economía del trabajo. Alternativas a la política neoliberal para la ciudad, Madrid:
Miño y Dávila, 1999.
Chanial y Laville. Asociativismo. En: Cattani A.D, Coraggio, J.L. y Laville, J.L. (Org). En Diccionario de la otra
economía. Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento/Altamira/Clacso..2009.p.36-42
GUMUCIO DAGRON, Alfonso. Aproximación al cine comunitario. En Estudio de experiencias del cine y el
audiovisual comunitarios en América Latina y el Caribe. Cuba: Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano.
Observatorio del Cine y el Audiovisual Latinoamericano. 2012
HARDT, M. y NEGRI, A. Empire. Cambridge (Massachussets) – London, Harvard University Press. 2000.
HINKELAMMERT, F. y Mora Jiménez, H. Economía, sociedad y vida humana. Preludio a una segunda crítica de la
economía política. Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento/Altamira. 2009
Perrenoud, P. Aprender en la escuela a través de proyectos: ¿por qué?, ¿Cómo?. Revista de Tecnología Educativa,
Santiago de Chile, Año XIV, Nº 3. 2000.
Quintar, A., Calello, T. y Aprea, G. Los usos de las TICs. Una mirada multidimentsional. Buenos Aires: UNGS –
Prometeo.. 2007
SANGUINETTI, I. El arte, la cultura y el desarrollo equitativo en Latinoamérica.. Sobre la base de documentos de
Plataforma Puente - Cultura Viva Comunitaria. Congreso Latinoamericano de cultura viva comunitaria realizado
en La Paz (Bolivia). 2013. p. 1-15.
Solano, H.Ch y Mutuberría Lazarrini, V..Economía comunitaria. En: Cattani A.D, Coraggio, J.L. y Laville, J.L.
(Org.). Diccionario de la otra economía. Buenos Aires: Universidad Nacional de General Sarmiento/Altamira/Clacso..
2009.p.121-133

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Os desafios cinematográficos da América Latina:
uma análise sócio-histórica da produção fílmica

Cleber Fernando Gomes1

Introdução

A
o propor uma análise sócio-histórica sobre cinema latino-americano, já de início, pode-se
imaginar uma complexidade de fatores que envolvem a produção fílmica desta região,
principalmente fatores econômicos e políticos que implicaram em censura de certas obras
cinematográficas.
Na historiografia do cinema latino-americano podemos observar que há uma variação de
temáticas que abordam de melodramas, questões políticas e sociais, além dos temas cômicos e sensuais.
Mas esses temas não foram suficientes para fidelizar o público nacional que acaba preferindo o cinema
hollywoodiano. Segundo Autran (2009, p.130) é preciso “encarar a mundialização da cultura” para
entendermos a ausência do público aos filmes latinos.
Nesse sentido, o conceito de “mundialização da cultura” é defendido pelo sociólogo Renato
Ortiz no livro de sua autoria intitulado “Mundialização e Cultura”. Fala-se em uma vivência
mundializada, como por exemplo, nos casos específicos da Euro Disney e de Hollywood. A temática
cultural passa a ser analisada no contexto da sociedade global, considerando-se também a economia e
política. Esses fatores estão interligados ao processo de globalização e a uma cultura de consumo,
muito evidente e eficiente nos dias atuais.
Os processos econômicos, sociais e culturais contemporâneos são marcados pela
globalização, diante da qual as fronteiras dos mais variados tipos ou a vigilância do
Estado-Nação são porosas e ineficientes (AUTRAN, 2009, p.130).

No século XXI a dinâmica social, política e econômica se alterou devido aos avanços
tecnológicos e de informação, impulsionado pelo desenvolvimento da pesquisa científica após a
Segunda Guerra Mundial. Todos esses fenômenos influenciaram diretamente o cinema mundial,
principalmente o norte-americano, que aproveitou, com o apoio político e econômico, para se difundir
e internacionalizar.
Dessa forma, entendemos que os desafios do cinema latino-americano envolvem fatores
econômicos e políticos que historicamente afetaram os setores sociais e culturais das suas sociedades.
Segundo Ortiz (1994, p.94) “cultura e economia seriam assim dimensões equivalentes. Isto significa,
porém, que a mundialização só pode ser compreendida como um fenômeno externo aos países que a
adotam”.

1 Sociólogo, pós-graduando em artes visuais, intermeios e educação no instituto de artes da universidade estadual de
campinas (unicamp).
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Desafios latinos
Os estudos e análises do cinema latino-americano permitem reflexões sobre alguns pontos do
nosso processo histórico enquanto homens produtores de bens culturais. A cultura pode ser um meio
de estudo das questões políticas, econômicas e artísticas assim como dos fenômenos sociais recorrentes
em determinadas épocas, além de refletir a subjetividade de uma nação. O cinema pode ser considerado
um meio e/ou recurso para pensarmos sobre a complexidade que envolve a construção de
determinadas sociedades.
É evidente que temos que levar em conta a liberdade poética dos produtores de cinema, pensar
sobre as razões e visões do diretor, bem como todo o processo que envolveu a produção e realização
da obra cinematográfica.
O cinema latino-americano ainda é muito desconhecido pelo seu próprio povo, diferente do
que ocorre com o cinema norte-americano de hollywood. Com a expansão do capitalismo e todo o
processo de globalização impulsionado pelas tecnologias da informação, o cinema hollywoodiano,
amparado numa economia forte e numa política imperialista norte-americana, se valeu de ganhar
espaço de exibição pelo mundo a fora, e consequentemente de conseguir atrair e fidelizar um público
que comparece aos cinemas para prestigiar as produções de hollywood.
Na América Latina diversos desafios estão em jogo, mas o maior deles vem da economia que
sofreu no seu processo sócio-histórico grande golpes e explorações. Com o advento da colonização por
povos europeus, essa região do continente americano foi expropriada o que historicamente causou-lhe
danos que até os dias atuais refletem nas sociedades latinas.
Dessa forma, os diversos segmentos das sociedades latinas com todas as suas diversidades
étnico-culturais sofreram um processo de aculturação que gerou transformações profundas nos modos
de ser e viver dos latino-americanos. O cinema não fugiu a regra. De acordo com Paranaguá (1984,
p.09) “o cinema aparece na América Latina como mais uma importação estrangeira”.
Na tabela 1 podemos observar que após a primeira exibição pública do cinematográfico em
Paris no dia 28 de dezembro de 1895, o mesmo feito, foi realizado um semestre depois na parte latino-
americana do continente. Com ressalvas ao Kinetoscópio de Thomas Alva Edison que provavelmente
foi exibido na capital Argentina em 1894.

Tabela 1: Primeiras exibições de cinema na América Latina

País Datas
Buenos Aires 1894 e 18 de julho de 1896
Rio de Janeiro 08 de julho de 1896
Montevidéu 18 de julho de 1896
México 14 de agosto de 1896
Santiago do Chile 25 de agosto de 1896
Guatemala 26 de setembro de 1896
Havana 24 de janeiro de 1897
Venezuela 28 de janeiro de 1897

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Lima 02 de março de 1897


Bolívia Por volta de 1904
Costa Rica Após 1908
Fonte: Paranaguá (1984, p.09-11)

Mas esse movimento de difusão do cinema na América Latina ocorreu de forma desigual e
irregular, porque as dificuldades eram muitas e a tecnologia ainda estavam em desenvolvimento.
Segundo Paranaguá (1984, p.14) os latino-americanos eram “espectadores de uma produção
importada.” No começo do século XX o cinema ainda gerava dúvidas quanto ao seu desempenho
comercial e econômico, dificultando os investimentos e posteriormente a sua expansão, além de
concorrer com outras atrações culturais de rua que se apresentavam ao vivo e de forma mais interativa
com o público, como por exemplo, o circo.
Os teatros, cafés e clubes tiveram um papel importante na difusão do cinema em diversos países
da América Latina. Mas fatores estruturais das cidades acabavam por dificultar a exibição de filmes
nesses espaços, pois nessa época a eletricidade ainda não estava disponível em todos os lugares.
Algumas capitais da América Latina estavam em processo de modernização e algumas salas de cinema
vão começar a ser inauguradas a partir de 1900, conforme demonstra a tabela 2.

Tabela 2: Primeiras salas de cinema na América Latina


País Datas
Buenos Aires Por volta de 1900
Havana 1902
Rio de Janeiro / São Paulo 1907
México Por volta de 1906
Bogotá 1910
La Paz 1912
Costa Rica 1917
Fonte: Paranaguá (1984, p.14-15)

Essas salas de cinemas inauguradas em algumas capitais da América Latina tem como principal
exibição filmes documentários. Esses filmes eram silenciosos, ou seja, cinema mudo, porque no inicio o
cinema não tinha som nem cor. Talvez por falta de conhecimento da linguagem cinematográfica ou até
mesmo de criatividade para inventar histórias de ficção, a maioria de filmes produzidos nessa época em
diversas capitais latinas eram basicamente filmes sobre o cotidiano das cidades, das fazendas, dos
políticos e principalmente dos empresários que podiam pagar pela produção de uma fita sobre as suas
atividades comerciais, com o intuito de auto-promover o próprio negócio.
Mas um dos fatores primordiais nessa luta pela sobrevivência cinematográfica na América
Latina se deu pelas ações em competir com os filmes estrangeiros que chegavam com força total,
invadindo as salas de cinema e ganhando atenção dos telespectadores que eram receptivos aos seus
diversos filmes de ficção.
Observamos que nesse período os filmes de cavação e os cinejornais são as únicas opções dos
diretores para não se afundar numa crise de mercado cinematográfico que já estava instalada pela
presença dos produtos estrangeiros, principalmente dos norte-americanos.

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A presença de filmes norte-americano no espaço latino começa a ganhar força após a primeira
guerra mundial. Antes desse evento o foco do negócio cinematográfico estava concentrado entre
exibidores e produtores locais. Em seguida o foco é alterado para as importações de produtos já
prontos, no caso filmes norte-americanos. Sendo assim, na área cultural e de mercado de cinema “a
América Latina virou o quintal dos Estados Unidos” (PARANAGUÁ, 1984, p.25).
Se observarmos os números de exibição dos filmes latinos em comparação com os filmes norte-
americanos podemos compreender que a hegemonia do cinema de hollywood é uma realidade no
século XXI. Fatores estritamente econômicos e políticos regem as regras do mercado cinematográfico,
não só na América Latina, mas também na Europa e na maioria dos demais países, onde os filmes
hollywoodianos prevalecem.
Ao analisar estatisticamente os dados de lançamentos, e faturamento do cinema de diversos
países e compará-los aos dados do cinema norte-americano, podemos entender que “o cinema e o rádio
se autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram
qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos” (ADORNO, 2002, p.08).
No gráfico 1 temos como exemplo os dados numéricos do cinema brasileiro que revela como
os lançamentos nacionais ainda não conseguiram superar as produções norte-americanas.

Gráfico 1: Bilheterias de cinema


As 20 maiores bilheterias do ano de 2011

EUA; 17 Filmes

BRASIL; 3 Filmes

Fonte: Brasil / ANCINE, (2012, p.06)

De acordo com a Agência Nacional do Cinema brasileiro (Ancine) o ano de 2011 foi muito
bom para o desempenho dos filmes estrangeiros no Brasil. Observamos no gráfico 1 que os filmes
norte-americanos lideraram as bilheterias brasileiras tendo uma participação muito superior quando
comparado aos filmes nacionais de maior sucesso.
Esse desempenho dos filmes estrangeiros também é observado quando analisamos os dados
referente a renda das 20 maiores bilheterias do ano de 2011. No gráfico 2 fica evidente que o cinema
nacional faturou muito pouco em comparação com o cinema dos Estados Unidos (EUA).

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Dentro desse contexto, não temos como objetivo repudiar a existência do cinema norte-
americano, principalmente porque é inegável o nível qualitativo e técnico dos seus filmes, mas sim,
entender como essa dominação cultural foi possível e se difundiu pelo resto do mundo, inclusive no
Brasil, se tornando preferência nacional quando os filmes estão em exibição nos cinemas.
Sabemos que questões políticas e econômicas são os principais meios de difundir culturalmente
um produto, seja cinema, música, novela, literatura, etc. O poder econômico, político e militar dos
norte-americanos facilitaram muito o desenvolvimento de práticas de difusão cultural, incluindo os
negócios cinematográficos. Além disso, e talvez um dos mais importantes fatores, é o desenvolvimento
de novas tecnologias, impulsionado e incentivado por ações governamentais e privadas.
É muito importante compreender historicamente como a indústria cultural de hollywood se
tornou poderosa mundialmente, porque através dessas informações históricas é possível criar
estratégias e planos de ações para desenvolver o próprio cinema da América Latina. É claro que fica
evidente as questões políticas e econômicas envolvidas nesse processo sócio-histórico. Mas não é
impossível pensar como criar novas oportunidades para o cinema latino analisando e entendendo
historicamente o cinema dominante norte-americano.
A importância de entender esse contexto histórico pode ser compreendida no gráfico 2 quando
vemos que a porcentagem da renda das 20 maiores bilheterias do ano de 2011 está na fatia dos EUA
com 90% do total de arrecadação. Na Comparação com o cinema nacional o Brasil esta longe de se
igualar ao cinema norte-americano. Mesmo assim, de acordo com a Ancine “o mercado brasileiro de
cinema é o mais pujante entre todas as artes” atingindo no ano de 2011 um faturamento de R$ 1,44
bilhão se tornando um dos mercados mais importantes do mundo (BRASIL, 2012, p.02).

Gráfico 2: Renda dos filmes


Porcentagem da renda das 20 maiores bilheterias do
ano de 2011

BRASIL
10%

EUA
90%
Fonte: Brasil / ANCINE (2012, p.06)

O caso brasileiro é uma exceção porque nem todos os países da América Latina tem o mesmo
tamanho geográfico e populacional, além de uma economia em pleno desenvolvimento que apresenta

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sinais de estabilidade. O setor cultural de qualquer país depende muito da sua economia para se
desenvolver. Ações culturais, entre elas as cinematográficas exigem grandes investimentos para
produção e difusão.
Com base nessas perspectivas os governos latinos poderiam elaborar planos de
desenvolvimento para impulsionar as áreas cinematográficas de seus países, porque como observamos,
esse é um setor que movimenta bilhões de dólares na indústria cultural norte-americana, oferecendo
muitas possibilidades de trabalho técnico e criativo a milhares de pessoas, além de autopromover e
difundir os bens culturais de uma nação. Em artigo recente no jornal Folha de S.Paulo a ministra da
Cultura do Brasil, Marta Suplicy, escreveu sobre as oportunidades que o soft power brasileiro poderá
trazer ao país.
Isso se chama "soft power". Se for suficientemente atraente, funcionará como uma luz
que conquistará visitantes, investidores e sonhadores. Quando o conjunto é de tal
monta consistente, pode exercer extraordinário poder (soft power) como Hollywood em
relação aos EUA, a moda e a gastronomia na França, os monumentos históricos da
humanidade na Itália e na Grécia... Trata-se, porém, muito mais que cinema, comida
ou monumentos. São valores, posições históricas, políticas externas e autoridade
moral que, no conjunto, geram admirações e sonhos (SUPLICY, 2013).

Sem nenhuma pretensão de fazer política partidária à ministra da Cultura, mas concordando
com o seu pensamento quanto ao soft power brasileiro, conceito que segundo Suplicy (2013), foi criado
pelo professor Joseph Nye da Universidade Harvard, os países da América Latina também poderiam
aderir ao conceito soft power para difundir sua diversidade cultural numa tentativa de fortalecer suas
relações econômicas e políticas tendo o cinema como um dos principais produtos de divulgação.
Observamos no gráfico 3 que os EUA sabem muito bem como trabalhar o seu soft power
cinematográfico. A porcentagem da participação no total de público das 20 maiores bilheterias do ano
de 2011 no Brasil, consta que 89% das pessoas preferiram ir aos cinemas brasileiros para assistir filmes
norte-americano. Esse dado revela que ações políticas e econômicas do governo norte-americano são
muito efetivas para impulsionar e tornar o seu cinema mais atraente no exterior, e consequentemente
lucrar muito com as suas qualidades softs.
Em Cesário (2008, p.07) observamos o market share de alguns casos locais da América Latina
referente ao ano de 2006. Na Argentina, por exemplo, apenas 11,6% de espectadores foram aos
cinemas prestigiar filmes nacionais, no Brasil esse porcentual foi de 11,1%, seguido de 7,1% no México
e no Chile apenas 6,3%.

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Gráfico 3: Participação do público no cinema


Porcentagem da participação no total de público das 20
maiores bilheterias do ano de 2011

Filmes do Brasil
11%

Filmes dos EUA


89%

Fonte: Brasil / ANCINE (2012, p.06)

Partindo desse mesmo pressuposto, o sociólogo Juca Ferreira e ex-ministro da Cultura do


Brasil, também escreveu um artigo em 2010 intitulado “A centralidade da cultura no desenvolvimento”.
Nesse artigo Ferreira (2010) defende a idéia de que “o Brasil precisa de um novo Projeto de Nação,
construí-lo com a sociedade é a nossa maior missão”. Pensar em um novo projeto de nação é algo
complexo e polêmico, porque exige uma diversidade de opiniões e prioridades que serão colocadas à
mesa de discussão, e isso sempre trará debates intermináveis.
A cultura produz muitas "externalidades"; os impactos dos processos simbólicos, das
ações e dos conteúdos culturais e artísticos iluminam de diversas formas os diferentes
segmentos da sociedade e a vida das pessoas nas mais diversas dimensões: impactos da
cultura são visíveis na economia, na saúde, na educação, na ciência e tecnologia, na
pesquisa, na qualidade das relações sociais, nas questões de segurança pública, na vida
política do país, na possibilidade de desenvolvimento de subjetividades complexas,
fundamentais na formação de uma cultura democrática, solidária e participativa
(FERREIRA, 2010).

Nesse caso, conforme Ferreira (2010) é preciso políticas públicas de valorização da cultura
nacional com toda a sua dimensão simbólica, cidadã e econômica para que o Brasil se torne mais forte e
desenvolvido na área cultural.
Desse modo, ao observarmos a relação de filmes que ficaram entre os 20 maiores sucessos de
bilheteria do ano de 2011, entendemos que dos 17 filmes (tabela 3) dos EUA que mais faturaram no
Brasil são filmes de gênero animação / aventura que acaba englobando todas as faixas etárias de
público. E apenas por curiosidade, são filmes que sempre retratam os heróis norte-americanos.

Tabela 3: As 20 maiores bilheterias de 2011


Filme País
A Saga Crepúsculo: Amanhecer - Parte 1 EUA
Rio EUA
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 EUA
Os Smurfs EUA

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Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas EUA


Enrolados EUA
Gato de Botas EUA
Velozes e Furiosos 5 EUA
Carros 2 EUA
Transformers: o Lado Oculto da Lua EUA
De Pernas pro Ar Brasil
Kung Fu Panda 2 EUA
Cilada.Com Brasil
Se Beber, Não Case! 2 EUA
Capitão América: o Primeiro Vingador EUA
X-Men: First Class EUA
Thor EUA
O Planeta dos Macacos: a Origem EUA
Bruna Surfistinha Brasil
Esposa de Mentirinha EUA
Fonte: Brasil / ANCINE (2012, p.06)

Os dados da tabela 3 mostram como o caso brasileiro reflete muito o que acontece no mercado
cinematográfico, não só em espaço nacional, mas em todo o espaço latino-americano, o cinema de
Hollywood domina todas as salas de exibição com os seus blockbuster, que por sinal sempre retrata na tela
histórias de super-heróis norte-americanos. Seria então necessário o cinema da América Latina também
criar os seus super-heróis? Ou como no caso brasileiro (tabela 3), investir nos filmes de comédia e
sensuais? Qual seria a fórmula de sucesso para o cinema latino-americano?
É difícil responder as perguntas acima porque a América Latina é um complexo de países que
tem suas individualidades e especificidades culturais, políticas, econômicas e artísticas. Mas sabemos
que é preciso valorizar sua própria cultura incentivando a produção de bens materiais e imaterias que
possam garantir a soberania cultural de seus povos. Em Avellar (1995, p.141-142) observamos que “o
cineasta deve examinar as estruturas sociais, ver como se articula a linguagem em sua realidade para, a
partir daí, descolonizar o gosto“. Para Avellar esse gosto cultural e cinematográfico foi “colonizado pela
estética comercial/popular (hollywood), pela estética populista/demagógica (Moscou), pela estética
burguesa/artística (Europa)”.
Dessa forma, podemos entender que as políticas públicas de difusão cultural do cinema
nacional, do folclore, das artes plásticas, da música, do teatro, seria um dos caminhos a serem
perseguidos para fortalecer os vínculos do povo latino com a sua própria cultura.

Imagens em construção
O cinema latino-americano ao longo de sua história já passou por períodos positivos sendo
reconhecido no cenário internacional ganhando prêmios e críticas favoráveis as suas produções. Mas
também houve e ainda há muitos problemas a serem enfrentados para garantir uma produção
cinematográfica expressiva e forte na América Latina. Se observarmos a tabela 4, no caso específico do
Brasil, podemos entender que os lançamentos estrangeiros são muito superiores aos lançamentos
nacionais.

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Tabela 4: Linha do tempo dos lançamentos de cinema no Brasil


Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Lançamentos
brasileiros 30 30 51 51 73 82 79 82 75 99
Lançamentos
estrangeiros 167 195 251 227 264 254 244 235 228 240
Fonte: Brasil / ANCINE (2012, p.03).

Esses dados não são diferentes em outros países latinos, se consideramos que a economia
brasileira é uma das maiores da região. Países como México, Argentina e Chile também poderiam ser
analisados a partir da relação entre economia e produção fílmica mais expressiva.
Dentro desse contexto, segundo Riquelme (2011, p.45) alguns cineastas latino-americanos, tais
como: Fernando Birri, Fernando Solanas, Octavio Getino, Glauber Rocha, Jorge Sanjinés, Julio Garcia
Espinoza e Miguel Littin começam a se relacionar na tentativa de trocar experiências sobre suas
produções, principalmente sobre cinema documentário.
Os primeiros Encontros de Cinema Latino-Americano aconteceram em Viña Del
Mar/Chile, (1967 e 1969) e Mérida/Venezuela (1968), e estes três festivais
constituíram o nascimento e o próprio desenvolvimento do Movimento
Cinematográfico a nível continental. Diversos representantes do cinema da América
do Sul e da América Central participam com o intuito de se conhecer e trocar ideias
sobre cinema e cultura em geral, unir os esforços em metas comuns e reafirmar a
constatação da existência de um cinema próprio (RIQUELME, 2011, p. 45, apud,
FRANCIA, 1990).

Dessa forma, as imagens latinas começam a se integralizar por meio do cinema a partir da
década de 1960 nos Festivais de Cinema do Chile e Venezuela. Observamos que essa integralização se
fortaleceu e continua até os dias atuais com a recente edição de 2013 do 8º Festival de Cinema Latino-
americano de São de Paulo, onde participaram diversos países da região, entre eles: Argentina, Brasil,
Bolívia, Colômbia, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
É importante destacar a relevância dos festivais de cinema da América Latina, uma vez que
esses festivais reúnem uma grande diversidade de filmes latinos promovendo relações entre cineastas,
produtores, atores, exibidores e o público em geral. Por outro lado, esses festivais também contribuem
para formação de público e uma memória afetiva junto ao cinema latino. Além de ser um meio de
concorrer com a “indústria da consciência” e o “imperialismo cultural” imposto pelo cinema norte-
americano (ORTIZ, 1994, p.89).
A América Latina ainda sofre muito com a concorrência dos filmes estrangeiros, dificultando o
desenvolvimento e o fortalecimento de uma indústria cinematográfica local. Segundo Cesário (2008,
p.06) países como México (45%) lidera a produção fílmica da região, seguido de países do extremo sul,
como Brasil (25%), Argentina (20%) e Chile (10%). Vale reafirmar que fatores econômicos e políticos
influenciam muito a dinâmica de produção fílmica da região.

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Como já mencionado a liderança do produto fílmico norte-americano começa após a Segunda


Guerra Mundial. Para Cesário (2008, p.01) “o cinema americano estende seu império ao conjunto do
mundo e se consolida como o grande meio de comunicação moderno”. Sendo assim, novas leis tiveram
que ser criadas para tentar incentivar a produção audiovisual na América Latina, com o intuito também
de facilitar as Parcerias Públicas Privada e as co-produções.
Com o advento da globalização e de sistemas políticos neoliberais foi preciso haver
intervenções governamentais para garantir um mínimo possível de produção cinematográfica nos países
da América Latina. Sem as ações do governo seria quase impossível fazer cinema na região, uma vez
que essa atividade exige altos investimentos, e sabemos que na maioria dos países latinos existem
muitas outras prioridades básicas.
Entretanto, falar de investimentos em cinema na América Latina ainda continua sendo um
desafio porque a região ainda é muito carente em diversas áreas, principalmente no campo social e
tecnológico. Porém, em defesa de uma produção consistente do cinema latino, podemos levar em conta
o que escreveu Ismail Xavier sobre o cinema brasileiro “que acumulou um capital estético que mostra
seu rendimento até hoje, e afirmou múltiplas formas de responder a uma conjuntura política, cultural,
social” (XAVIER, 1993, p.268).

Experiências contemporâneas

A maior produção de cinema latino-americano na atualidade se concentra em poucos países,


isto devido aos fatores econômicos, pois sabemos que uma atividade cinematográfica ativa necessita de
muitos investimentos e principalmente uma economia forte. Se analisarmos os filmes de longa-
metragem aceitos em 2013 no 8º Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo pode-se
compreender que países como Brasil, Argentina e Uruguai, tiveram maior participação com exibição de
mais filmes. Ver tabela 5:

Tabela 5: Longas-metragens exibidos no


8º Festival Cinema São Paulo-2013
País Número de Filmes
(longa-metragem)
Brasil 10
Argentina 4
Uruguai 3
Colômbia 2
Equador 2
México 2
Peru 2
Cuba 1
Paraguai 1
Fonte: Brasil/Memorial América Latina (2013)

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O México talvez seja o país que contrasta com esses dados da tabela 5, porque historicamente é
um país que se destaca na produção fílmica da América Latina. Mesmo assim, observamos que os
dados revelam uma maior produção de longas-metragens no extremo sul da região.
É importante lembrar que o cinema latino-americano, mesmo passando por dificuldades
financeiras com a falta de recursos econômicos e muitas vezes falta de recursos tecnológicos e de
logística, conseguiu ao longo da história cinematográfica se destacar entre as melhores produções do
mundo.
Portanto, podemos citar as indicações ao Oscar, prêmio norte-americano de maior prestígio
cinematográfico concedido aos melhores filmes. Vale lembrar que o Brasil já concorreu por 4 vezes ao
Oscar (1963, 1996, 1998 e 1999). Outros países da América Latina como México já concorreu por 8
vezes (1961, 1962, 1963, 1976, 2001, 2003, 2007 e 2011), a Argentina por 6 vezes (1975, 1985, 1986,
1999, 2002 e 2010) ganhando 2 vezes (1986 e 2010), e países como Peru e Chile concorreram 1 vez,
respectivamente (2010; 2013).

Considerações finais
A cultura latino-americana é composta por diversas nacionalidades, todas com suas
especificidades e complexidades. A América Latina é uma região que se destaca pela sua exuberância
geográfica e riqueza natural, além de sua pluralidade cultural. E o cinema desta região é tão valioso
quanto os recursos naturais disponíveis pela sua natureza. Porém sabemos que este cinema não é
reconhecido e valorizado como deveria, principalmente pelo seu próprio povo.
Esse fenômeno de rejeição ao cinema nacional latino pode ser entendido pelo próprio processo
de globalização que acaba incluindo a cultura (principalmente a cultura cinematográfica) nos seus meios
de consumo. Segundo o Sociólogo Renato Ortiz (1994, p.91) “a indústria cultural, ao se desenvolver
preferencialmente em solo americano, teria inventado um tipo de cultura irresistível, e pela sua
extensão, portadora dos germes da universalidade”. Nesse caso, entendemos porque o cinema
hollywoodiano se tornou hegemônico na América Latina.
Em Ortiz (1994, p.08) também compreendemos que “a mundialização da cultura se revela
através do cotidiano”, incluindo os filmes. Além de que “a fabricação industrial da cultura (filmes, séries
de televisão, etc.) e a existência de um mercado mundial exigem uma padronização dos produtos”
(ORTIZ, 1994, p.32). Essas afirmações de Renato Ortiz confirmam os dados da tabela 3 que mostram
lançamentos fílmicos norte-americanos padronizados em temáticas heróicas de aventura e animação,
conseguindo atingir os diversos tipos de público. Ou seja, um cinema mercadológico voltado para o
consumismo imediatista.
Enfim, volto à reflexão de Ortiz (1994, p.91), e pergunto: “Caberia aos outros imitá-la”? Imitar
o cinema de Hollywood seria o melhor caminho para a América Latina conseguir criar vínculos com os
seus espectadores? No Brasil tivemos a experiência positiva em 2010 com o filme “Tropa de Elite 2”
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que foi a maior bilheteria de todos os tempos do cinema nacional. Capitão Nascimento seria o nosso
herói nacional? Exemplo a ser seguido por outros países? Não é possível prever o futuro do cinema
latino-americano, mas sabemos que são essenciais novos investimentos no setor cinematográfico, assim
como ações políticas de incentivo à produção nacional.

Referências
ADORNO, Theodor W., Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2002.
AUTRAN, Arthur. O cinema brasileiro contemporâneo diante do público e do mercado exibidor. São Paulo: Revista
Significação USP, nº32, p.119-135, 2009.
AVELLAR, José Carlos. A Ponte Clandestina: Teorias de Cinema na América Latina. Rio de Janeiro / São Paulo: Ed.
34 / Edusp, 1995.
BRASIL. Agência Nacional do Cinema. Informe de Acompanhamento do Mercado – Filmes e Bilheterias. Resultados de
2011 (31 de dezembro de 2010 a 5 de janeiro de 2012), ANCINE, 2012. Acessado em 08jun2013, disponível em:
http://oca.ancine.gov.br/media/SAM/Informes/2011/Informe_Anual_2011.pdf
BRASIL. Memorial da América Latina. Programação do 8º Festival de Cinema Latino-americano de São Paulo. Secretaria
de Estado da Cultura de São Paulo, 2013. Acessado em 04ago2013, disponível em:
http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/AgendaDetalhe.do?agendaId=456
CESÁRIO, Lia B. Cinema Latino-Americano e Globalização: Novos Desafios Econômicos, Políticos e Culturais. Rio de
Janeiro: Rede Alcar, 2008.
FERREIRA, Juca. A centralidade da cultura no desenvolvimento. In: BARROSO, Aloísio Sergio; SOUZA,
Renildo (orgs.). Desenvolvimento: ideias para um projeto nacional. São Paulo: Fundação Mauricio Grabois, p. 265-278,
2010.
ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994.
PARANAGUÁ, Paulo Antonio. O cinema na América Latina : longe de Deus e perto de Hollywood. Porto Alegre (RS):
Ed. L&PM, 1984.
RIQUELME, Diego I.C. O Cinema Documentário na Integração Latino-Americana: O ABC do início. Tese, Instituto de
Artes Unicamp. Campinas, 2011.
SUPLICY, Marta. O “soft power” brasileiro. São Paulo: Jornal Folha de S. Paulo – Opinião, 24fev2013. Acessado
em 10/07/2013, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/95343-o-quotsoft-powerquot-
brasileiro.shtml

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Políticas públicas para as juventudes: olhares
sobre o Programa Cultura Viva na cidade
de Palmas – TO

Edisselma dos Santos Alecrim1


Cynthia Mara Miranda2
Ana Lúcia P. Silva Lino3

Introdução

O
debate sobre a juventude vem se intensificando nos últimos anos no Brasil, direcionando
os olhares da sociedade para uma nova configuração deste tema, no qual os jovens passam
a ser vistos como protagonistas de ações que envolvem diretamente a sociedade. Esta
mudança de visão também propiciou o amadurecimento do tema e ampliou o conceito ao considerar a
diversidade como elemento importante para compreensão desse segmento. Neste sentido, quando
falamos sobre políticas públicas para a juventude, já não podemos limitar como referência a juventude,
mas as juventudes. Segundo Castro e Abramovay (2002),
[...] advoga-se a definição da juventude a partir da transversalidade contida nessa
categoria. Ou seja, recortes cronológicos, implica vivências e oportunidades em uma
série de relações sociais, como trabalho, educação, comunicações, participação,
consumo, gênero, raça, etc. Na realidade, essa transversalidade traduz que não há
apenas um grupo de indivíduos em um mesmo ciclo de vida, ou seja, uma só
juventude.

Neste viés, quando nos referimos aos jovens, há que se considerar a heterogeneidade destes,
uma vez que tentar emoldurá-los ou delimitá-los seria não considerar este universo tão plural que os
englobam, caracterizado por diversos fatores. Assim, mais que uma delimitação de idade, nas
juventudes está arraigada todo o contexto a sua volta.
O Estatuto da Juventude, aprovado em 7 de julho de 2013, em seu Art. 1º § 1º define que “são
consideradas jovens as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. É um
período razoavelmente extenso, em que o indivíduo sai da adolescência e entra na fase adulta, fazendo
um percurso de inúmeras descobertas e experiências que poderão influenciar fortemente suas vidas.
Durante este período, o jovem vivencia várias formas das juventudes, determinadas pelas experiências

1 Secretária Executiva na Universidade Federal do Tocantins/UFT; aluna especial no Programa de Pós-graduação em


Desenvolvimento Regional; Especialista em Metodologia do Ensino de Linguagens;
http://lattes.cnpq.br/9418379152280867.
2 Professora no Curso de Comunicação Social e no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional da

Universidade Federal do Tocantins/UFT; Doutora em Ciências Sociais pela UnB (2012);


http://lattes.cnpq.br/3694775809256234.
3 Secretária Executiva na Universidade Federal do Tocantins/UFT; Especialista em Docência do Ensino Superior;

http://lattes.cnpq.br/5128061477901535.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1033

ao longo destes anos. Há também as influências culturais, territoriais, religiosas e financeiras que
refletem diretamente com qual configuração das juventudes o sujeito melhor se identifica.
Neste viés, Pochmann (2009) corrobora destacando que, “ainda que a fase juvenil esteja
presente em todas as classes, nota-se que ela não ocorre de forma homogênea a todos. O modo de ser
jovem difere muito, principalmente quando há diferenças significativas entre os estratos de renda da
população”.
Neste sentido, para o desenvolvimento desta investigação, tomou-se como base a participação
das juventudes no programa Cultura Viva no município de Palmas, Tocantins. Mais especificamente,
esta pesquisa voltou sua atenção às ações que buscam identificar como as políticas públicas podem
contribuir para a equalização do acesso à formação acadêmica, profissional e, ainda, oferecer cultura e
lazer aos seus usuários/beneficiários. A metodologia foi norteada pela pesquisa documental, análise
bibliográfica e pela coleta de dados nos pontos de cultura de Palmas - TO, na Fundação Cultural, na
Secretaria Estadual da Juventude do Tocantins, nos endereços eletrônicos do Ministério da Cultura e da
Secretaria Nacional da Juventude, no intuito de enriquecer a discussão embasada por autores que tratam
sobre políticas públicas de cultura e de juventude. Além disso, foram entrevistados alguns gestores deste
programa.

Políticas públicas e políticas de cultura para as juventudes

De acordo Rua apud León (2008), as políticas públicas podem ser entendidas:
Como um conjunto de decisões e ações destinadas à resolução de problemas políticos.
Essas decisões e ações envolvem a atividade política compreendida como um
conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e se
destinam à solução pacífica de conflitos relacionados com bens públicos.

Para Lahera (2004), uma boa política pública corresponde

[…] a aquellos cursos de acción y flujos de información relacionados con un objetivo político definido
en forma democrática; los que son desarrollados por el sector público y, frecuentemente, con la
participación de la comunidad y el sector privado. Una política pública de calidad incluirá
orientaciones o contenidos, instrumentos o mecanismos, definiciones o modificaciones institucionales, y
la previsión de sus resultados.

Quando tratamos de políticas públicas para as juventudes é importante lembrar que este público
possui demandas específicas, inerentes a sua faixa etária. Portanto, faz-se necessário que os governos
incluam em suas agendas projetos que beneficiem diretamente os jovens, buscando pensar
implementações de programas que visualizem como devem ser as políticas públicas para as juventudes.
Neste sentido, faz-se imperativo que a políticas públicas sejam desenvolvidas em consonância como os
interesses sociais, visando, principalmente, o investimento em pessoal.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


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Já as políticas públicas de cultura oportunizam aos jovens construírem suas identidades,


autonomia e reconhecimento como sujeitos de valores em meio à sociedade, além disso, busca
incentivar as potencialidades deste grupo que encontra-se em formação. Cabe ressaltar que as políticas
de cultura são bastante acessadas pelos jovens, já que a apropriação dos bens culturais é para eles uma
forma de lazer e também de aprendizagem, neste sentido, estimular a participação destes a programas
culturais é possibilitá-los ampliar seus universos significativamente, no sentido de atuarem de forma
positiva no mundo a sua volta, desconstruindo a imagem de que o jovem é visto como ameaça à
sociedade.
Castro e Abramovay (2002) afirmam que ainda há um pensamento equivocado na forma de
fazer políticas públicas para os jovens, alertando que “há uma tendência em inaugurações ou
lançamento de programas, constroem-se quadras de esportes, mas não se analisa com a comunidade
prioridade ou formas de efetivá-las; lançam-se programas, mas não se percebe uma preocupação com o
processo de implantação e implementação de programas”. Neste viés, as autoras afirmam ainda que
“caberia pensar não em políticas públicas para juventude, mas em políticas de/para/com juventudes”.
O texto base da 2ª Conferência Nacional da Juventude4, por exemplo, afirma que as políticas
públicas para as juventudes “devem buscar a estruturação de mecanismos de suporte adequados para
que os jovens possam desenvolver sua formação, processar suas buscas, construir seus projetos e
percursos de inserção na vida social”. E segue defendendo que “nas políticas públicas de juventude,
portanto, a participação (dos jovens) é de suma importância, pois o olhar dos jovens sobre elas é uma
condição essencial para sua eficácia e eficiência”.
Dentro desta perspectiva, as políticas públicas para as juventudes devem englobar ações de
interesse dos jovens, oportunizando o processo de interação, protagonização, fruição e construção
identitária, tão inerentes ao desenvolvimento cultural destes. Quando englobamos a formação cultural
para as juventudes, deve-se considerar o dinamismo e a pluralidade que as envolvem. Neste viés
Barbosa e Araújo (2009) corroboram, “a descrição das culturas juvenis deve levar em consideração a
complementaridade das abordagens, a necessidade de políticas que as reconheçam simultaneamente e
desenvolvam ações de promoção e reconhecimento das diferenças”.
A cultura tem um papel muito importante na vida do ser humano. Por meio dela podemos
reconhecer as identidades dos povos, refletindo suas características, fatores climáticos, geográficos
financeiros, suas crenças, entre outros. Ter acesso às diversidades culturais proporciona-nos uma

4A segunda Conferência Nacional da Juventude aconteceu em 2011; é um evento que visa reunir os jovens de todo o País
para dialogarem com o Governo Federal. Disponível em http://www.juventude.gov.br/conferencia/arquivos/texto-base
acesso em 11/jul./2013.

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melhor formação social, pessoal e profissional, “desencadeando processos de autonomia, protagonismo


e empoderamento criativo e social” (TURINO, 2013).5
A exemplo do incentivo à cultura em Palmas, está o programa Cultura Viva do Ministério da
Cultura, o qual é desenvolvido em parceria com o Estado e município. De acordo a Portaria do
Ministério da Cultura nº 82, de 18 de maio de 2005, em seu Art. 3º o programa Cultura Viva é
destinado
[...] à população de baixa renda; estudantes da rede básica de ensino; comunidades
indígenas, rurais, quilombolas e gays, lésbicas, transgêneros e bissexuais; agentes
culturais, artistas, professores e militantes que desenvolvem ações no combate à
exclusão social e cultural.

Dentre os projetos do Cultura Viva está o ponto de cultura, que busca oferecer a comunidades
de baixa renda oficinas de atividades recreativas, culturais e instrutivas. Embora não seja destinado
apenas aos jovens, seu público é predominantemente composto por esta faixa etária, uma vez que
identificam-se com suas propostas, já que estão em processo de formação acadêmica, profissional,
cultural e, em alguns casos, não se encontram em nenhum destes perfis, dispondo de vasto tempo
ocioso; daí a relevância da atenção a esta faixa etária, que busca o reconhecimento identitário enquanto
sujeitos de direitos e históricos, enquanto agentes estruturadores e transformadores de suas vidas.
Para Turino (2010),
[...] uma política pública de acesso à cultura tem que ir além da mera oferta de
oficinas artísticas, espaços e produtos culturais; precisa ser entendida em um sentido
amplo, expresso em um programa que respeite a autonomia dos agentes sociais,
fortaleça seu protagonismo e gere empoderamento social. Cultura para aproximar os
diferentes. Aproximação para que os diferentes se percebam próximos na essência.
Cultura que dá coragem, une, potencializa. Este tem sido o principal objetivo do
programa Cultura Viva: a busca de uma cultura que liberta.

Neste viés, o site do Ministério da Cultura (MinC)6 reforça que o ponto de cultura “é uma ação
prioritária do Programa Cultura Viva. Ele é referência de uma rede horizontal de articulação, recepção e
disseminação de iniciativas culturais. Como um parceiro na relação entre estado e sociedade”. Assim, o
programa Cultura Viva estimula o desenvolvimento sociocultural, desportivo e profissional dos jovens,
por meio dos pontos de cultura, onde “são ofertados bens e serviços culturais pertinentes aos interesses
dos jovens, sobretudo considerando que esses centros culturais, em grande parte, se encontram em
regiões cuja maioria da população é de baixa renda” (LEITE, 2012, p. 79).
Ainda de acordo o site do MinC, o Programa Cultura Viva busca “fortalecer o protagonismo
cultural na sociedade brasileira, valorizando as iniciativas culturais, grupos e comunidades, ampliando o
acesso aos meios de produção, circulação e fruição de bens e serviços culturais”. Para Leite (2012)

5 TURINO, Célio é Historiador e Servidor Público, idealizador do Programa Cultura Viva. Apresenta uma leitura da atual
conjuntura do Programa Cultura Viva no artigo “O desmonte do Programa Cultura Viva e dos pontos de Cultura no
Governo Dilma”. Disponível em (http://revistaforum.com.br/brasilvivo) acesso em 7/jul./2013.
6 Disponível em http://www.cultura.gov.br/ acesso em 28/jun./2013.

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apresenta “com um desenho inovador e uma visão da cultura como geradora de processos criativos nas
comunidades, o Cultura Viva veio ocupar o lugar de projeto complementar diferente”.
Neste sentido, ainda de acordo informações no site do MinC apud Leite (2012) complementa
que ponto de cultura “é o ponto nodal a partir do qual, em interação com outros pontos, começa a
construir uma rede não hierarquizada de trocas entre os pontos, e ganham um novo impulso suas
iniciativas junto às suas comunidades pela ampliação de suas relações, contatos, parcerias”; o que sem
dúvida incorpora as juventudes. Portanto, voltar o olhar a projetos que incentivem ações desta natureza
faz-se de extremamente relevância, uma vez que estimula e busca difundir a democratização cultural.
Ainda nesta mesma perspectiva, Turino (2010) enfatiza que os pontos de cultura “potencializam
iniciativas já em andamento, criando condições para um desenvolvimento alternativo e autônomo, de
modo a garantir sustentabilidade na produção da cultura. É a cultura entendida como processo e não
mais como produto”.
Os pontos de cultura são espaços que valorizam as diversidades das culturas juvenis, onde suas
produções são reconhecidas como resultados da sociedade a que pertencem. Por isso, esta sensibilidade
ao reconhecimento dos jovens enquanto participantes ativos nas comunidades a que pertencem,
imprime nestes a valorização da autoestima assim como o exercício do desenvolvimento de
potencialidades humanas, primordiais a esta faixa-etária.

Contexto atual

Um forte exemplo de amadurecimento cultural dos jovens pode ser evidenciado por meio dos
protestos que estão ocorrendo atualmente no Brasil que vive um momento histórico em que grandes
mudanças são almejadas pela população a qual tem lotado as ruas para protestar por diversos motivos7,
contrariando o senso comum que definia as juventudes com passivas e adormecidas, que suas
manifestações eram apenas através da tela do computador/celular. “Os manifestantes realizaram um
evento político: disseram não ao que aí está, contestando as ações dos poderes executivos municipais,
estaduais e federal, assim como as do poder legislativo nos três níveis” (CHAUÍ, 2013).8

7 Dentre os diversos motivos das causas dos protestos podemos destacar os seguintes: 1- melhores condições nos
transportes públicos; 2- mais investimentos na saúde pública; 3- destinação de 10% do PIB para a educação; 4- fim da
corrupção; 5- fim do fórum privilegiado, sob a alegação que é um ultraje ao Artigo 5º da nossa Constituição; 6- não
aprovação da PEC 37, que faria com que o poder de investigação fosse exclusivo da Polícia Federal e Civil, retirando a
atribuição do Ministério Público e outros órgãos; 7- saída imediata de Renan Calheiros da presidência do Congresso
Nacional; 8- imediata investigação e punição de irregularidades nas obras da Copa do Mundo, pela Polícia Federal e
Ministério Público Federal; 9- criação de legislação que torne corrupção no Congresso crime hediondo. Os protestos foram
encabeçados por jovens indignados com o aumento da tarifa de ônibus, iniciaram em São Paulo e tomou todo o país. Vale
ressaltar que, como as notícias sobre os protestos corriam, principalmente, pelas redes sociais, é difícil precisar todas as
causas reivindicadas. Retirado das redes sociais nos períodos de 1º a 30/jun./2013.
8 CHAUÍ, Marilena é filósofa e professora na USP. Apresenta seu ponto de vista sobre as manifestações de 2013 no artigo

“O inferno urbano e a política do favor, tutela e cooptação”. Disponível em http://www.viomundo.com.br acesso em


11/jul./2013).

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Essa atitude demonstra que é justamente o acesso à cultura, o acesso às informações que
possibilitam os jovens desenvolverem o pensamento crítico, levando-os à busca de tornarem-se sujeitos
de suas histórias, é isso que os movem para se articularem em busca de melhorias, lutarem por seus
direitos, mais que isso, se tornarem detentores de direitos. Neste sentido, Silva [s.d.] reforça: “a
participação requer conhecimento e competências educacionais básicas, negar a oportunidade de
escolarização a algum grupo é contrário às condições elementares da liberdade participativa”.
Para tanto, é importante uma estruturação que constitua mecanismos de fortalecimento da
classe juvenil, uma vez que organizados em massa, conseguirão maior visibilidade, prova disso é que a
mobilização dos jovens já surtiu efeitos positivos, levando as juventudes a conquistar espaço. Embora
as mudanças ainda sejam tímidas, o fato de as juventudes entrarem na pauta, conseguir dialogar com o
governo e apresentar suas demandas é um passo importante para a consolidação das etapas posteriores;
mas é preciso atentar ao fato de que a ampliação da política continua tendo como obstáculo a
transversalização. Portanto, é importante que sejam estabelecidos diálogos e parcerias, tanto do
governo com os jovens, como, entre as Secretarias e Conselhos, isso facilitará significativamente o
fortalecimento das políticas públicas para as juventudes.
Nesta vertente, Turino (2010) enfatiza que o papel do Estado vai muito além de abrir espaço na
agenda para as juventudes e explica que
[...] ouvir a demanda, porém, é insuficiente. É preciso ouvir como fazer, assegurar voz
e autonomia, respeitar o protagonismo, empoderar. Para que esta relação entre Estado
e os agentes da sociedade não seja aparente e aconteça de forma unidirecional, com
diálogos desiguais (em razão do desnivelamento de informação e poder), é necessário
urdir redes; muitas redes, redes intermediárias, por afinidades, territórios, públicos,
linguagens, interesses; redes que se interconectam. Em rede a sociedade ganha força.
O programa Cultura Viva pressupõe a gestão e articulação em rede. Com gestão em
rede se estabelece uma outra prática em política pública, podendo gestar um novo tipo
de Estado. Um Estado que aprende a conversar com o movimento social de uma
outra forma, não como controlador ou provedor, mas como parceiro orgânico,
integrado na rede.

Assim, faz-se necessário que os jovens estejam atentos para não se deixarem levar por
manobras políticas, em que ações de assistencialismo são enfatizadas desencadeando assim, uma relação
de dependência; daí a importância do acesso ao capital cultural, pois é ele quem oferece mecanismos
para a sustentação de um pensamento crítico, em que se prima pelo não conformismo, onde a luta pelo
empoderamento deve ser uma constante na vida da sociedade.
Outro fator positivo, muito cobrado durante as manifestações, foi a aprovação do Estatuto da
Juventude, em 7 de julho de 2013; embora esta demanda venha sendo reivindicada há muito tempo, a
pressão pode ter facilitado seu processo de aprovação. A regulamentação do Estatuto é uma grande
conquista para os jovens, assim, normatiza seus direitos, princípios e propõe diretrizes para
implementação de políticas públicas para as juventudes.

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O Estatuto da Juventude não anula o Estatuto da Criança e do Adolescente, aos que estão na
idade entre 15 e 18 anos, pelo contrário, ele vem a somar, sendo aplicado para esta faixa etária quando
não confundir com as normas de proteção integral do adolescente. Dentre suas principais temáticas
voltadas para as políticas de acesso à cultura estão:
→ destinação de recurso, pelo poder público, ao fomento de projetos culturais destinados aos
jovens e por eles produzidos, considerando suas especificidades em relação à ampliação do acesso à
cultura e à melhoria das condições para o exercício do protagonismo no campo da produção cultural;
→ direito à cultura, incluindo a livre criação, o acesso aos bens e serviços culturais e a
participação nas decisões de política cultural, à identidade e diversidade cultural e à memória social, em
que a política de acesso aos locais e eventos culturais deve ser estimulada, mediante preços reduzidos
em âmbito nacional, com direito a meia-entrada em salas de cinema, cineclubes, teatros, espetáculos
musicais e circenses, eventos educativos, esportivos (exceto os que tratam das Leis nº 12.663, de 5 de
junho de 2012, e nº 12.780, de 9 de janeiro de 2013), de lazer e entretenimento, em todo o território
nacional, para jovens de até 29 anos, pertencentes a famílias de baixa renda, com limite de 40% do total
de ingresso, por evento;
→ participação na elaboração dos Planos Nacional, Estaduais e municipais de Políticas de
Juventudes, em parceria com os Estados, Distrito Federal, Municípios e a sociedade.
Portanto, é relevante que os jovens, em meio a esta nova conjuntura, em que “acordaram” para
lutar por seus direitos, não deixem que as conquistas e o desejo de mudança se percam, que continuem
buscando reconhecimento de uma nova autonomia “com atos concretos de participação e afirmação
social; protagonista, articulada em rede, modificando relações de poder e gerando empoderamento
social como exercício de liberdade” (TURINO, 2010, p. 68). Ações desta natureza impulsionam os
jovens a visualizarem-se com sujeitos de direitos. É importante ressaltar que este tipo de articulação não
seria possível se não fosse por meio de acesso às informações, a clareza de ideias; tão importantes para
alavancarem tamanha mobilização.
Mas, faz-se imperativo que esta cobrança pelos tão “gritados” anseios precisa de uma
organização política, ainda que para isso seja necessário reformular a atual conjuntura política, visando
um novo modelo de democracia. Neste sentido, Chauí (2013) corrobora, “ninguém governa sem um
partido, pois é este que cria e prepara quadros para as funções governamentais para concretização dos
objetivos e das metas dos governantes eleitos”. É dispensável lembrar que ferramentas e mecanismos
para isso já temos, não foi por acaso que as “convocações”, por meio das redes obtiveram tamanha
aderência e sucesso, basta saber usá-los.

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O caso de Palmas

O Programa Cultura Viva intenta promover ações que favorecem a articulação de políticas
destinadas às juventudes por meio de pontos de cultura. Portanto, é significativo estudar seu histórico
analítico em Palmas, buscando apresentar sua relevância enquanto fomentador de projetos que prestam
assistência às juventudes, sob a visão de que este tipo de programa não deve ser encarado como
dispendioso, mas com um investimento social. Além disso, investigar, ainda, se a ações propostas pelo
programa realmente atingem seu público-alvo e quais os mecanismos utilizados para a garantia do
sucesso destes, é importante para uma melhor avaliação deste programa.
O programa Cultura Viva em parceria com o município Palmas possui dez pontos de cultura,
distribuídos principalmente entre os extremos norte e sul da cidade, onde há maior concentração de
pessoas de baixa renda, com exceção de um ponto localizado na região central e outro na zona rural.
Os pontos oferecem à população diversas atividades como teatro, violão, teclado, dança de rua,
percussão, bateria, dança popular, violino, quadrilha, cinema, leitura, redação, artesanato, reciclagem,
entre outras; o que confirma a relevância destes programas para o processo de interação, formação
sociocultural, instrutiva e, possivelmente, financeira, oportunizando aos jovens menos favorecidos
construir de caminhos e projetos de vida.
Segundo informações da Fundação Cultural de Palmas, os dez pontos que fazem parceria com a
rede municipal estão em pleno funcionamento. Em entrevista, Luciane de Marque de Bortoli 9, explica
que os pontos de cultura
[...] desenvolvem ações de impacto sociocultural em suas comunidades. São geridos
por instituições não governamentais, selecionadas por meio de edital público. As
entidades passam a receber aportes de recursos liberados em três parcelas de R$
60.000 para aplicação conforme o plano de trabalho próprio e que o atual convênio
está no segundo ano de execução dos projetos.

Os convênios são firmados a partir de seleções realizadas por meio de chamamento público, em
editais lançados pelo MinC, pelos governos do Estado ou pelas prefeituras. Os pontos de cultura não
possuem um modelo padrão de instalações físicas, já que utilizam as estruturas de instituições não
governamentais. As atividades também não possuem modelo único, e são previstas nos projetos de
acordo com a demanda da região/bairro em que são desenvolvidas. Neste sentido, Barbosa e Araújo
(2009) reforçam que os pontos de cultura “não procuram padrões culturais que sirvam de referência à
excelência. Simplesmente avançam na ideia de reconhecer as comunidades e o associativismo cultural
como elementos dinâmicos”.
Embora os gestores de alguns pontos de cultura mostrassem bastante receptivos, houve
resistência por parte de outros para visitação aos locais e, alguns, não foram possíveis localizar, pela

9 Luciane de Marque de Bortoli é Diretora de Convênios da Fundação Cultural de Palmas. Entrevista concedida em
10/mai./2013.

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falta de atualização dos contatos; assim, não se conseguiu conhecer todos os pontos de cultura de
Palmas. Mas dos que foram visitados10, pode-se registrar que a participação dos jovens nas atividades
desenvolvidas é predominante; as atividades são desenvolvidas em parcerias com associações, igrejas e
comunidade; que há uma preocupação em incentivar a permanência dos participantes nas escolas,
embora não haja exclusão dos que não estão estudando; a maioria das atividades é destinada a crianças e
jovens de até 18 anos, a oferta de atividades a outras faixas etárias ainda é tímida.
Um dado que chamou atenção foi constatado no ponto Ideia Cultural, que fica localizado na
região central da cidade; de acordo com seu coordenador, uma das maiores dificuldades em
implementar as atividades é a participação do público a quem são destinadas, uma vez que as pessoas
que moram naquela região já têm acesso a outras formas de atividades culturais e recreativas e, embora
disponha de programações riquíssimas como cinema, cursos de teatro e organização de espetáculo,
aulas de leitura e redação e oficina de costura, a procura pelas atividades oferecidas ainda é pouca. Já, os
demais pontos de cultura visitados, que ficam nas regiões com pessoas de rendas mais baixas, têm uma
demanda intensa; suas atividades são bem disputadas e a participação de seu público é bastante ativa,
atendendo cerca 560 alunos, com destaque ao ponto de cultura Arte Fato, o qual tinha em seu projeto
inicial o objetivo de atender a 300 alunos e, atualmente, oferece 400 vagas distribuídas entre oficinas de
teatro, dança de rua, percussão, violão, bateria, dança popular e teclado.
A maioria das atividades oferecidas nos pontos de cultura é demandada pela própria
comunidade, o que fortalece seus aspectos culturais no sentido de incentivar a fruição e a difusão da
cultura. Além disso, faz parte de suas atribuições analisar os resultados e impactos socioculturais e
colher dados que indiquem a satisfação da comunidade local, isso contribui à implantação das atividades
e, consequentemente, para o sucesso destas. Barbosa e Araújo (2009) enfatizam, “é necessário lembrar
que boa parte da produção só se completa no consumo e este se refere ao movimento relacionado ao
gosto e às utilidades dos bens e produtos consumos. Ou seja, à realidade de produção deve-se adicionar
a do consumo”. Assim, não foi detectado nenhum dado relevante das atividades preferenciais dos
jovens, já que a preocupação em oferecê-las em consonância com a realidade e aspirações da
comunidade é considerada.
O público geralmente é constituído por pessoas da comunidade, de baixa renda e que têm
pouco acesso aos meios de cultura, esta inclusive é uma política do programa, constituindo-se como
característica em todo o país. Leite (2012) ressalta,
[...] observando a programação dos pontos de cultura e o que eles disponibilizam em
equipamentos, percebe-se que são ofertados bens e serviços culturais pertinentes aos
interesses dos jovens, sobretudo considerando que esses centros culturais, em grande
parte, se encontram em regiões cuja maioria da população é de baixa renda, ou lidam

10Foram visitados quatro pontos de cultura entre os dias 14 e 25 de maio, sendo eles: Arte Fato, Cabana Cultural, Cordas
do Tocantins e Ideia Cultural.

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com um público com pouco acesso a atividades tanto para a produção como para a
fruição.

Além disso, percebe-se que os pontos de cultura, promovem a integração de seu público,
reforçando laços de convívio social; investe na formação de agentes multiplicadores, numa perspectiva
de reconhecer os sujeitos como cidadãos, estimulando-lhes as aptidões pessoais e profissionais, no
intuído de oferecer dignidade aos alunos. Neste sentido, os pontos de cultura também têm um
importante papel social de resgatar o jovem da vitimização de um contexto de pobreza que o rodeia
para a reinserção social e, até mesmo, econômica. “Desta forma, a cultura pode ser tomada como um
fenômeno vivo, dinâmico, capaz de animar a vida econômica e simbólica das sociedades” (BARBOSA e
ARAÚJO, 2009, p. 237).
Para Jocel Santiago11,
[...] os pontos de cultura contribuem para o desenvolvimento da cidadania, mudança
de postura, interação social, rendimento escolar, capacitação pessoal, inclusive ex-
alunos e professores das oficinas integram o quadro de professores das escolas de
tempo integral e todos os nossos instrutores são ex-alunos da associação. O projeto
promove mudança social, interferindo de forma positiva na formação dos jovens.

Logo, o ponto de cultura apresenta uma configuração que oportuniza a democratização de


acesso à cultura, promovendo autonomia e protagonismo sociocultural às comunidades de baixa renda,
reconhecendo, potencializando e respeitando suas diversidades, sob a égide de que se houver
investimentos de qualidade em políticas públicas e de cultura, certamente, a sociedade as incorporará,
mas para isso, as esferas políticas precisam ser mostrar interessadas em implementar estratégias de
melhor assistência social, por meio de investimentos, diálogo e parcerias.

Considerações finais

Entende-se que o conceito de juventudes tem se firmado com mais consistência, sustentando a
tese de que há um universo plural que as rodeiam. Apresentar um julgamento enquadrando e/ou
delimitando o jovem revela falta de um pensamento mais aprofundado sobre o assunto. Bourdieu apud
Castro e Abramovay (2002) já defendia muito sabiamente que “seria um abuso de linguagem referir-se a
uma juventude, quando os universos culturais de distintos jovens são tão diferentes”.
As políticas públicas e as políticas de cultura ainda recebem pouca atenção dos governos. Há
que se reconhecer que na última década tivemos avanços significativos, mas ainda longe de atingir o
ponto ideal. Quando tratamos de políticas públicas de cultura para as juventudes, faz-se necessário
compreender que os debates precisam ser intensificados levando em consideração que elas são plurais,

11Jocel Santiago de Araújo é presidente da Associação Ação Social Jesus de Nazaré, na Quadra 405 Norte, onde fica o
ponto de cultura Arte-fato. Entrevista concedida em 14/mai./2013.

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dinâmicas e estão em formação; portanto, seu contexto deve ser considerado, pois uma política que deu
certo em uma terminada região pode não apresentar sucesso em outra.
Outro fator importante e até desafiador é a transversalização das políticas. Implementá-las sem
um planejamento, sem conversa e parceria entre os conselhos, secretarias, governos e jovens seria um
caminho um tanto arriscado. Logo, é importante incentivar o aprendizado do “fazer políticas” como
um ponto indispensável para uma melhor construção destas.
Em relação aos pontos de cultura de Palmas, podemos tomá-los como exemplos de que tantos
as políticas públicas universais como as políticas setorizadas como as de cultura são essenciais à
sociedade civil. São ações dessa natureza que estimulam a prática da democratização de acesso aos bens
culturais incentivando as potencialidades de jovens de classes menos favorecidas, legitimando a ideia,
como bem canta Titãs12 apud Castro e Abramovay (2002) de que “a gente não quer só comida, a gente
quer comida, diversão e arte”, em que nossas necessidades vão além do imediatismo de sobrevivência
(comer e beber), mais que isso, precisamos viver, e, em sentido mais amplo.
Mas, há de se reconhecer que os investimentos nas políticas públicas de cultura ainda são
frágeis. Há uma dependência muito grande do governo para que as ações sejam implementadas e
continuadas, quando já estão em andamento. Portanto, é considerável repensar uma melhor
consolidação destas políticas no sentido de fomentar ações de empoderamento e legitimação das
juventudes. “Este é um caminho diferente de inclusão e sustentabilidade social, e envolve não somente
a capacitação a partir da vocação cultural de cada grupo, como também de um processo de inclusão
social, digital, cultural, econômica e política” (TURINO, 2010, p. 74). Portanto, a construção deste
caráter emancipador social, é possível, desde que haja investimentos sólidos de recursos por parte do
governo às políticas públicas e de cultura, priorizando-as como necessidade básica da sociedade civil e
não o contrário, como privilégio de poucos.

Referências
CASTRO, Jorge Abrahão de; AQUINO, Luseni Maria C. de; ANDRADE, Carla Coelho de (Orgs). Juventude e
políticas sociais no Brasil. Brasília: Ipea, 2009.
CASTRO, Mary Garcia e ABRAMOVAY, Miriam. Por um novo paradigma do fazer políticas de/para/com juventudes.
Revista Brasileira de Estudos de População, v. 19, nº 2, jul./dez. 2002.
DENCKER, A. F. M. Métodos e técnicas de pesquisa em turismo. 5. ed. São Editora Cortez.
Diário Oficial da União. Seção 1 nº 97, de 23 de maio de 2005.
FREITAS, Maria Virgínia de; PAPA, Fernanda de Carvalho (Orgs). Políticas públicas: juventude em pauta. São Paulo:
Cortez, 2008.
________. Juventude em pauta: políticas públicas no Brasil. São Paulo: Peirópolis, 2012.

12Titãs é uma banda de rock brasileira formada em São Paulo em 1981, a música Comida foi lançada em 1987 como forma
de protesto à ausência de valorização da cultura e arte no Brasil. Disponível em http://www.titas.net/historia/ acesso em
16/jul./2013.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1043

LAHERA P., Eugênio. Política y Políticas Públicas. Revista CEPAL - Série Políticas sociales. Naciones Unidas,
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LIMA, Telma Cristiane Sasso de; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedimentos metodológicos na construção do
conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katalysis, v. 10, p. 35-45, 2007.
SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, jul/dez
2006, p. 20-45.
SILVA, João Oliveira Correia da. Amartya Sen – Desenvolvimento com Liberdade. Faculdade de Economia do Porto.
[s. d.].
TURINO, Célio. Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima. São Paulo: Anita Garibaldi: 2010.
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www.juventude.gov.br/conjuve/ acesso em 17/mai./2013.

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Teatro como ferramenta de aprendizagem na
conscientização ambiental: ação do PET-EAmb
nas escolas de Palmas - Tocantins

Fausto Amancio de Oliveira1


Alana de Almeida Valadares1
Ana Carolina da Silva Soares1
Héllen Rayssa Nunes Rodrigues1
Tâmara Lopes Faria1
Tatiana Alves Gouveia1
Juan Carlos Valdes Serra2

Introdução

O
Programa de Educação Tutorial constitui um instrumento complementar na formação
acadêmica dos estudantes de graduação. O referido programa busca propiciar condições
para realização de atividades extracurriculares, procurando atender o tripé que sustenta a
Universidade: a Pesquisa, o Ensino e a Extensão.
Segundo o Manual de Orientações Básicas (2006), as atividades extracurriculares objetivam
garantir aos alunos do curso oportunidades de vivenciar experiências não presentes em estruturas
convencionais, tendo como base a formação global e favorecendo a formação acadêmica. O Programa
de Educação Tutorial do curso de Engenharia Ambiental (PET-EAmb) foi criado para amplificar o
conhecimento do estudante universitário buscando sempre disseminá-lo a toda comunidade. O PET-
EAmb é composto por doze alunos bolsistas, um aluno voluntário e um professor Tutor, cada
integrante têm como prioridade o bom desempenho acadêmico, estar envolvido em um projeto de
pesquisa referente ao curso e repassar o conhecimento adquirido para a comunidade no formato de
extensão universitária. O grupo possui um planejamento anual de eventos relacionados ao curso e de
atividades interdisciplinares que devem ser desenvolvidas no decorrer do ano.
Segundo Arcoverde (2008) desde a época de Platão o teatro tem o intuito de educar, visto que
esse movimento de expressão dramática era estudado com valores didáticos e um importante
instrumento educacional. O conceito de educar a partir do movimento cultural, teatro, é ao mesmo
tempo tão antigo quanto recente, hoje utilizam esta ferramenta para fixação do aprendizado, onde se
pode aprofundar a percepção da realidade num formato criativo e didático. Aredes et. al. (2004) acredita

1 Graduandos em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Tocantins e Bolsista do Programa de Educação
Tutorial Engenharia Ambiental - PETEAmb;
2 Professor do curso de Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Tocantins e Tutor do Programa de Educação

Tutorial Engenharia Ambiental - PETEAmb.


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que com o teatro há várias maneiras de observar um assunto e que mais tarde pode ajudar na
transformação humana.
Os anseios do bem estar, interesses individuais e coletivos da sociedade, crescem
concomitantemente a velocidade de degradação ambiental, gerando sempre resíduos poluidores,
destruição de habitats naturais, contaminação da água, do ar e do solo, ameaça a fauna e flora, problemas
e prejuízos ambientais que aguçam as incertezas futuras da prosperidade humana. De fato a solução
existente de caráter prático que pode ser acessada por todos, englobando diversos fatores com
respostas rápidas ao tempo é a Educação Ambiental.
O referido trabalho está disposto em dois temas que se complementam, o Teatro e a Educação
Ambiental. O primeiro está voltado à criatividade de apresentar um conteúdo e o segundo se instaura
na problemática a ser apresentada no intuito de educar. Os textos teatrais são de fácil entendimento,
com assuntos sobre impactos ambientais regionais, tais como: Resíduos Sólidos e Queimadas.

Metodologia
Foi acordado em reunião ordinária do grupo PET-EAmb que uma das ações desenvolvida no
ano seria a Educação Ambiental no formato de Teatro. O grande desafio seria como proceder às
atividades artísticas individuais, partindo da escolha do assunto abordado, seguida pela escrita do texto
e por fim a apresentação cênica. Para facilitar o planejamento a atividade foi dividida em tópicos de
interesse:
a) Escolher a temática ambiental a ser abordada;
b) Pesquisar o método de escrita para teatro;
c) Escrever o texto teatral;
d) Escolher as escolas em Palmas de Ensino Fundamental;
e) Ensaiar a peça teatral;
f) Criar o cenário;
g) Apresentar o teatro.

A escolha do tema ambiental abordado foi de fácil discussão pelo grupo visto que
problemáticas ambientais são de conhecimento de todos do curso de Engenharia Ambiental. Já os
ensaios, os cenários e as apresentações nas escolas teve maior dificuldade visto que alguns integrantes
nunca apresentaram teatro, mas a ideia foi alcançada e os alunos compreenderam a real situação do
meio ambiente.
O texto intitulado “Lixo Amigo” tem como contexto Resíduos Sólidos, onde atitudes
incorretas como jogar o lixo no chão levam a grandes consequências e prejuízos ambientais. Foi
apresentado para todas as turmas de Ensino Fundamenal I e II da Escola Municipal Mestre Pacífico

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Siqueira Campos conforme a Figura 01 e Figura 02. No final de cada apresentação a moral da história
era debatida entre os atores e plateia.
A segunda peça teatral foi apresentada no Colégio Marista de Palmas/Tocantins, com o tema:
“Foco na Queimada”, Figura 03 e Figura 04. Esse texto envolveu personagens do folclore brasileiro, o
curupira e a caipora que são seres que defendem a natureza, e o grande vilão do estado, a queimada
descontrolada. Percebeu-se que as crianças do Ensino Fundamental I se sensibilizaram com a história,
tiveram participação e discussão em cada momento das cenas do teatro.

Resultados e discussões

Sabe-se o quão importante é o aprendizado do aluno a partir de movimentos culturais, o teatro


surtiu efeito positivo nesse aspecto. Verificou-se a atenção das crianças em cada momento, em cada
desenrolar das cenas, nas falas dos “atores”, e a participação no final de cada teatro comprovou a
fixação do conteúdo. Cerca de 210 alunos assistiram as apresentações, número bastante significativo,
pois se cada espectador levar para casa a mensagem do teatro, um futuro menos agressivo ao meio
ambiente poderá ser imaginado.
Na Tabela 1 mostra os Impactos Ambientais e os Impactos Sociais que justificam a decisão
pelos assuntos abordados no Teatro.

Tabela 1: Descrição dos Impactos causados pelo Resíduo Sólido e pela Queimada.
IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DOS ASSUNTOS
Assunto Impacto Ambiental Impacto Social
- Contaminação do lençol - Habitat para vetores de
freático; doenças;
- Contaminação das águas - Odor desagradável;
Resíduo Sólido
superficiais; - Acumulo de lixo;
- Contaminação do ar; - Infecções.
- Contaminação do Solo.
- Redução da Biodiversidade; - Queda de fuligem;
- Morte de animais; - Problemas respiratórios;
- Morte de vegetais; - Risco de queimaduras;
Queimadas
- Erosão; -Perda na produtividade
- Desertificação; agrícola.
- Poluição do ar.

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Figura 01: Cenas do Teatro Lixo Amigo.

Figura 02: Grupo de acadêmicos do grupo PET-EAmb.

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Figura 03: Cenas do Teatro “Foco na Queimada”.

Figura 04: Apresentação do grupo PET-EAmb.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Manual de orientação báscias. 2006.
ARCOVERDE, S. L. M. A Importância do Teatro na Formação da Criança. PUCPR, 2006.
AREDES, A. P.; ANIZ, R. M. C.; PEDRAO, M.A.; LANDIN, P.M.G.; GOMES, G. M.; O papel do Teatro na
Escola Pública: o Caso da Escola Estadual Nair Palácio de Souza. In: Congresso Brasileiro de Extensão
Universitária. UEMS, 2004.

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Pensando práticas de consumo de vinil no Rio de Janeiro

Felipe V. G. Brandão1

Introdução

N
a etapa final de minha graduação, vi-me às voltas com a necessidade de fazer algum tipo de
pesquisa a partir do qual desenvolvesse minha monografia. Durante minha formação já
apresentava uma vontade de trabalhar com a literatura sobre consumo e escrever a
monografia seria a oportunidade de realmente explorar o tema. Apesar de ser músico, sempre tive uma
espécie de rejeição a escolher um objeto de estudo que fosse relacionado ao meio musical, por temer
que o exercício intrínseco a prática antropológica, o estranhamento, fosse tirar o prazer de um dos
meus hobbys. Seja por ironia, seja por meus interesses terem falado mais alto, acabei escolhendo como
objeto empírico os discos de vinil. Ou seja, seria obrigado a discutir o que eu tanto temia como objeto
de estudo. Ainda que pelo viés do consumo, a música estaria presente em meus trabalhos e, como se
provou mais tarde, de maneira ainda mais impositiva do que eu imaginava.
Assim, usando despretensiosamente uma rede social na internet, deparei-me com a seguinte
manchete indicada por um amigo: “A volta do vinil: Deckdisc lança quatro discos esta semana”. Não
tendo sido suficiente ter me deparado com esta notícia um pouco anacrônica, minha sensação de estar
deslocado no tempo aumentou ao reparar que ela havia sido publicada em janeiro de 2010. Iniciei a
leitura, ainda um pouco impressionado e, para aumentar minha surpresa, a matéria discorria sobre o
histórico muito recente do processo de reabilitação da fábrica em questão, iniciado em 2007. Passei
então a buscar links e matérias sobre esta aclamada "volta do vinil" e em pouco tempo percorri diversos
sites, percebendo toda uma movimentação no mercado musical em torno do vinil. Apesar do conteúdo
das matérias estar recheado de informações sobre vendas, números, balanços, discussões sobre
mercado, uma outra coisa me chamou mais atenção. Havia inúmeros relatos sobre uma espécie de
"paixão", "devoção", "sacralidade" em torno do vinil. Pessoas que nunca tiveram contato com vinil,
passando a desejá-lo. Pessoas que jogaram toda sua coleção no lixo nos anos 90, voltando a colecionar.
Pessoas, que nunca pararam de colecionar, eufóricas com as novas prensagens. Enfim, porque um
objeto que para muitos estava fadado ao esquecimento voltou a encantar tantos ouvintes? Diante do
material coletado em uma pesquisa prévia, a chamada netnografia, minha pergunta inicial foi: afinal de
contas, que tipo de contribuição o reaparecimento e o retorno dos velhos discos de vinil podem
oferecer aos estudos contemporâneos sobre o consumo de bens culturais? Sei que para alguns esta

1 Granduando em Ciências Sociais/UFF.


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pergunta pode parecer trivial ou demasiado arbitrária, mas farei um grande esforço para mostrar como
estes objetos podem dizer alguma coisa sobre nós e vice-versa.
Talvez o leitor deste texto já seja um entusiasta do vinil e esteja achando um tanto quanto
ingênua minhas indagações. Ou então, não considere que um objeto "obsoleto" possa ter questões de
alguma relevância sociológica. Neste caso, preciso me alongar um pouco sobre onde pretendo situar
este trabalho dentro das diversas possibilidades de bibliografia. Para tanto, me reportarei aos estudos
sobre consumo nas Ciências Sociais que muitas vezes são relegados a um segundo plano ou
questionados sobre sua legitimidade acadêmica. Apesar deste campo ter passado por um grande
desenvolvimento nas últimas décadas, ainda existem acusações de que essas pesquisas buscam justificar
o consumismo e a frivolidade. A questão é que os estudos sobre consumo podem se apresentar tão
fundamentais ao tentar entender nossa sociedade, quanto categorias como trabalho, por exemplo. A
proposta aqui é entender o consumo para longe do sentido de ‘consumismo’, ‘exaustão’, ‘compra’, e ir
em direção de ‘que usos se fazem das coisas’ (BARBOSA; CAMPBELL, 2006).
Dentro dos estudos sobre consumo, corre a expressão “Bias Produtivista” (MILLER, 1995)
para designar uma tradição teórica que valoriza a análise da produção da sociedade capitalista em
detrimento do estudo do consumo. Digo ‘em detrimento’, pois esta oposição não apenas separa
consumo e produção em duas esferas estanques, como também as qualifica em lugares bem distintos da
dinâmica social. A produção seria criativa, agregaria valor e estaria diretamente ligada a uma das chaves
a se compreender a sociedade como um todo: o sistema de estratificação social. Enquanto isso, o
consumo seria destrutivo e alienador, um empecilho para que se entenda a base que sustenta toda a vida
social. Ainda como apontaram Campbell e Barbosa, “as oposições entre dádiva e mercadoria, troca e
mercado, entre feitichismo e utilidade e entre generosidade e interesse”, presentes em grande parte da
literatura das Ciências Sociais, reforçam de maneira mais contundente a suposta oposição entre
produção e consumo. O ponto é que a sociedade não é dividida entre consumidores e produtores,
muito menos suas condições são excludentes. Produz-se a partir de um sistema de consumo e
consome-se a partir de um sistema de produção.
Uma maneira de se entender consumo na contemporaneidade e, que vai auxiliar muito este
trabalho, é a ciência do gosto e do consumo cultural (BOURDIEU, 2011). A argumentação de
Bourdieu passa por tentar desnaturalizar o gosto, tentar descontruir o argumento de que ele seja fruto
de uma empatia pura. Um agente social vai interpretar determinada obra a partir de seus referentes
culturais e é preciso uma competência cultural específica para que se tenha uma percepção estética
determinada. Sua análise, porém, vai privilegiar a classe social como a instituição genuína para a
construção das disposições estéticas, diferentemente deste trabalho. Um dos panoramas colocados pelo
autor, é que estas disposições estéticas além de serem fruto de uma construção cultural incorporada
pelo agente social, também produzem as próprias práticas sociais. Agora, é importante ressaltar que a
disposição estética também é uma “expressão distintiva de uma posição privilegiada”, ou seja, além de
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suscitar uma práxis específica, esta objetividade posiciona o agente em seu espaço social. Ou seja, o
gosto é uma forma de distinção social.
Bem, outra questão que acredito ser central nesta discussão é a do objeto em si, sua
materialidade e o que ela implica. Apesar de uma parte da literatura do consumo enfatizar como nos
expressamos através das coisas, como elas constroem nossa identidade e como nos relacionamos com
outras pessoas através de coisas, gostaria de discorrer aqui como os objetos também nos constroem.
Talvez tenha sido Marx (MARX, 2012) uma das primeiras grandes referências a chamar atenção para o
objeto em si, a mercadoria. Seu texto vai enfatizar como as mercadorias não são algo alheio ao seu
ambiente social, como os objetos incorporam também relações sociais. Apesar de enxergar o processo
de produção na sociedade capitalista como desumanizante, onde o trabalhador não se reconhece na
mercadoria, vamos nos ater, nesta contribuição de Marx, ao apontamento de que a mercadoria
incorpora relações sociais. Pois bem, ainda dialogando com Marx, Benjamin (1987) pode nos aproximar
às especificidades do vinil como um objeto socialmente construído. O autor vai pensar a obra de arte a
partir de sua reprodutibilidade técnica. Benjamin vai apontar que além de terem uma “estrutura física”,
as obras de arte também possuem uma “relação de propriedade em que ela ingressou”, onde seus
vestígios são “objeto de uma tradição, cuja reconstituição precisa partir do lugar em que se achava o
original”. O autor afirma haver uma “aura” envolta ao objeto de arte, onde parece aproximar o agente
social das propriedades autênticas, ao “aqui-e-agora” da tradição original. Todavia, sua análise irá
considerar a reprodutibilidade técnica da obra de arte um aspecto negativo, onde a “existência única”
vai dar lugar a uma “existência serial” e, consequentemente, a obra terá sua “aura” atrofiada, perdendo
seu valor tradicional. Essa indicação de atrofia da “aura”, nos vai ajudar a pensar mais adiante as
transformações passadas pelo vinil.

Metodologia
Os dados e reflexões que compõem este artigo fazem parte de uma pesquisa ainda em curso,
iniciada em janeiro de 2013. Meu trabalho de campo começou no mesmo dia em que li a primeira
reportagem sobre a venda de vinis. A partir daí fui iniciando um mapeamento do campo no sentido de
entender por onde circulavam os colecionadores e o próprio disco de vinil: feiras, lojas, sebos,
ambulantes, festas, coletivos, reportagens, sites. Além de ter iniciado um acompanhamento dos
ouvintes a partir de uma observação de perto e de dentro (MAGNANI, 2002), até agora já percorri
mais de 70 reportagens, 35 lojas e iniciei o processo de gravar entrevistas em profundidade.
Primeiramente, minha opção foi de iniciar uma observação participante. Minha intenção seria
etnografar as práticas destes usuários do LP e construir minha pesquisa a partir de algum possível Clube
do Vinil. Porém, uma das primeiras constatações foi a inexistência (pelo menos até agora) de algum
clube desses nas cidades do Rio de Janeiro ou Niterói. A ideia de acompanhar ouvintes em suas
audições se tornaria um desafio, já que suas vitrolas se encontram em um território mais privado: suas
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casas. Minha primeira saída, então, foi me concentrar na abordagem de lojistas. Porém, ao contar a
colegas de universidade minhas intenções passei a perceber que muitos deles já colecionavam LP’s e
esta tem sido minha importante porta de entrada para o mundo dos vinis, já que, passei a constatar
mais tarde que não se convida "qualquer um" para escutar um disco em sua casa.
Em seguida, outra constatação foi a de que não se fala de outra coisa que não seja música
quando se está na presença de um colecionador de vinil. Como tenho podido observar, definitivamente
todos os meu interlocutores costumam narrar uma série de histórias e fatos são evocados (seja da
fabricação do disco, se vendeu bem ou encalhou, a pior ou melhor fase do artista, etc.). Se tivesse
mesmo a intenção de me aprofundar no relacionamento com esses nativos seria preciso dominar um
certo tipo de conhecimento em relação à história de certos artistas, álbuns, gravadoras, ou seja, ter
algum domínio sobre o funcionamento da indústria fonográfica do vinil, o que requer um capital
cultural (BOURDIEU, 2011) específico. Comecei a perceber que existe toda uma literatura nativa
(WACQÜANT, 2002) na qual eu precisaria me iniciar e investir para poder repertoriar meu
posicionamento em campo. Biografias, revistas atualizadas, programas de TV me ajudaram muito na
pesquisa das histórias por trás dos álbuns.
Aliás, foi em episódios como esses que comecei a sentir o quão forte são as questões acerca do
gosto na mediação e na interação entre os colecionadores. Meu principal informante, por exemplo, é
um funcionário da universidade que já convivia há alguns anos comigo. Algumas conversas
despretensiosas sobre música eram travadas quando nos encontrávamos. Por ele ser DJ nas horas
vagas, perguntei quando iniciei a pesquisa se não conhecia colecionadores de discos de vinil que ele
pudesse me apresentar. Para minha surpresa, não só descobri que ele é um colecionador (estima ter por
volta de 3.000 discos), como nossa relação mudou completamente. Ele, até mais entusiasmado que eu,
passou a me contar histórias diversas sobre uma espécie de “cultura do vinil” (categoria nativa)2, como
também passou a me fazer convites para audições de discos em sua casa. Me sentia o tempo todo
convidado a ingressar nessa "cultura do vinil" mencionada por ele, com constantes incentivos a iniciar
minha coleção, chegando ao ponto de ser presenteado com umas das 5 vitrolas que ele guardava em sua
casa.

As recentes alterações no mercado de vinis

Já que minha pesquisa e particularmente este texto se iniciaram com relatos sobre a
movimentação da indústria fonográfica em relação aos vinis, creio que vale incluir uma descrição sobre
as alterações ocorridas nos últimos anos e que estão diretamente ligadas às práticas em torno do objeto
estudado.

2 Categoria nativa mencionada por meu informante.

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Em 2008, um acontecimento em específico foi o carro chefe para a crescente atenção da mídia
para os vinis: a compra da fábrica Polysom pela gravadora nacional Deckdisc. Fundada em 1999, a
Polysom chegaria a carregar o título de única fábrica de vinis da América Latina até o seu fechamento
em 2007. Se os anos 90 foram marcados pela interrupção da fabricação de discos de vinil por parte de
todas as grandes gravadoras que atuavam no Brasil, o surgimento da Polysom no último ano desta
década pode ser visto como um indicativo de que, na prática, o consumo de vinil nunca foi
interrompido. Tendo sobrevivido basicamente de prensagens de pequenos artistas independentes e de
uma alta demanda do mercado de música gospel3, a movimentação, ainda que tímida, era um
demonstrativo de que havia consumidores determinados a propagar a ‘cultura do vinil’. E, ao contrário
do que foi anunciado por muitos jornalistas e trabalhadores da indústria fonográfica, o vinil nunca
morreu no sentido que pautavam. Por mais que muitos colecionadores não tivessem acesso a novas
prensagens (a não ser por importações e de tiragens de poucos artistas independentes e gospel), um
mercado de vinis usados estava ativo, ainda que totalmente transfigurado.
Os anos 2000, e principalmente sua primeira metade, foram marcados pela rápida popularização
do acesso à internet e a circulação grátis de cópias virtuais dos CD’s. Este foi o pano de fundo para o
fim da Polysom. Cada dia mais enfraquecida com o acesso grátis às novas formas de escutar música, a
fábrica teve que fechar suas portas em 2007. As pequenas tiragens de artistas independentes e a
migração do mercado gospel quase que totalmente para a área virtual e do CD contribuíram para o fim
da fábrica. O apelo que sustentava a fábrica se esgotou de forma a se tornar insustentável sua
manutenção. Paralelamente, os donos da Deckdisc estavam acompanhando as crescentes vendas do
mercado americano, consolidando em 2008 a compra da Polysom e sua reestruturação.
Apresentar mais detalhes sobre as vendas de vinis no mercado norte-americano pode parecer
deslocado em um trabalho que visa discutir o consumo de vinis no Rio de Janeiro. Porém, por três
razões acredito ser importante passar por este caminho. Primeiro, foi o crescimento de vendas nos
Estados Unidos que encorajou a decisão da Deckdisc. Segundo, existe um instituto de pesquisa, a
Nielsen Soundscan, que computa as vendas de vinil no Estados Unidos. No Brasil, a ABPD4 parou de
computar as vendas de vinis, devido a sua crescente inexpressividade nas vendas dos novos
lançamentos, ainda em meados dos anos 90. Cabe ressaltar que tanto a Nielsen Soundscan quanto a
ABPD apresentam os números das vendas de vinis por parte das grandes gravadoras, ou seja, artistas
independentes não entram nos números destes institutos. Terceiro, muitos artistas que passaram a

3 Segundo uma das entrevistas em profundidade: “O pessoal religioso, parece que no Norte e Nordeste, tinham muitos
senhores que não tinham acesso ao CD ou não sabiam manusear (...) Algumas cidades mais afastadas do Nordeste e Norte
também, interiorzão mesmo, pessoal mais idoso, não tinha acesso ao CD, e não sabia operar o CD”. Até agora esta foi a
única interpretação sobre a predominância do volume de prensagens no mercado gospel no início da Polysom. Vale notar
nesta fala a indicação de uma prática específica de se escutar vinil inserida na distinção das mídias CD-vinil. Como a relação
pessoa-objeto é dialética, onde os objetos culturalmente construídos também constroem nossas práticas.
4 Associação Brasileira de Produtores de Discos. Site: www.abpd.org.br

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lançar seus trabalhos no Brasil (sejam brasileiros ou estrangeiros) fazem parte ou tem ligações com
gravadoras multinacionais que atuam no mercado norte-americano.
Em 2007 o instituto Nielsen calculou um total de 1 milhão de vinis vendidos, 15% maior que o
ano anterior. Para entender a computação e a presença de uma venda significativa no mercado
americano é preciso lembrar que, apesar do resfriamento a partir da popularização dos CD’s, a
fabricação e lançamento de novos discos de vinil continuava ainda dentro das grandes gravadoras, ao
contrário do Brasil. Este cenário foi se aquecendo ano a ano, chegando a um total de 4,4 milhões em
2012. Foram dados como esses que encorajaram a Deckdisc a prensar novos artistas e relançar álbuns
clássicos da música brasileira ou do seu próprio casting. Dados mais recentes, de agosto de 2013,
mostram que há um crescimento de 33,5% em relação ao ano anterior e estimam que a venda deva
chegar a 5,8 milhões no final de 2013. No Reino Unido, por exemplo, as vendas de vinil representam
36% do total e, nos primeiros três meses de 2013, já alcançaram 78% de aumento em relação ao mesmo
período do ano anterior. As vendas e receptividade do mercado brasileiro também deram sua resposta:
a Polysom em 2012 passou a operar com um lucro de 13,55%.

Ouvindo os ouvintes: notas sobre as entrevistas

Na seção anterior foram descritas algumas movimentações tanto das vendas de vinis nos
Estados Unidos e Brasil, como também um pouco da recente trajetória de uma gravadora (não apenas
uma, mas a única da América Latina) Polysom. Pois bem, essa descrição por si só não consegue atingir
a suposta pretensão deste trabalho que é investigar a aura (BENJAMIN, 1987) em torno dos discos de
vinil. Por mais que levemos a considerar as alterações do mercado, nosso foco aqui é o que as relações
pessoa-vinil podem nos dizer. Seria interessante pensar no sentido de o que se faz, afinal, com estes
discos? Neste caso, mais do que escutar os vinis, é preciso escutar seus ouvintes.
Logo que iniciei a pesquisa tinha a hipótese de que as discussões girariam em torno de gostos
musicais. Isto se confirmou e acredito que esteja presente em todos os discursos analisados até agora.
Porém, há uma outra questão que está o tempo todo sendo pautada e que acredito ser anterior à
discussão dos gostos musicais, que é a própria predileção/especificidade do vinil como mídia em
detrimento do mp3, CD ou fita-cassete, por exemplo. Parece haver um encantamento específico pelo
vinil, principalmente em relação à qualidade do som, como podemos ver nestes trechos selecionados:
“Meu foco é vinil. Não desprezo novas tecnologias, acho todas elas importantes, mas vinil tem
charme” – DJ Sir Dema, em entrevista à Globo News.
“Tem uma qualidade melhor, a profundidade do grave, a quantidade de frequências que você
ouve, a resposta que você tem, a forma como um arquivo não comprimido funciona dentro do seu
ouvido. É mais suave, é mais macio. É muito fácil perceber essa diferença.” – Rafael Ramos, produtor
musical e sócio da Polysom.

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“Uma coisa que eu sempre falava com as pessoas, sobre essa história de frequência, que uma
coisa que percebi e continuo achando que, e aí deve ter a ver com frequência, se você escutar o CD
muitas vezes seguidas te cansa. Não sei explicar o quê, mas cansa um pouco. Um vinil, posso escutar,
sei lá, 20 horas seguidas que não cansa. Mas se eu escutar muitos CDs seguidos chega uma hora que eu
quero parar e com o vinil isto não acontece.” – Jorge, dono de loja de vinis em entrevista concedida ao
autor.
“Não tem como negar. Eu acho que a própria passagem do vinil pro CD foi uma grande
enganação, uma mentira. Porque o que o CD prometia era um som de maior qualidade e de uma
durabilidade maior e não tem nem uma coisa, nem outra. Vinil por mais que tenha o chiado, é muito
diferente.” – Betânia, consumidora de vinil em entrevista concedida ao autor.
“É provado tecnicamente que, com certeza, o vinil tem maior qualidade. Não é uma coisa que
vai perceber em toda música. (...) É provado.” – Paulo Rodrigues, DJ de vinil em entrevista concedida
ao autor.
Estes trechos podem servir de referência para pensar melhor os discursos acerca do lugar
diferenciado que é delegado ao vinil em relação a outras mídias. Acredito ser proveitoso interpretarmos
este consumo contemporâneo de vinil a partir de uma teoria do gosto. Neste caso, podemos entender a
opção, ou rejeição, do vinil como uma disposição estética, sendo uma “expressão distintiva de uma
posição privilegiada no espaço social, cujo valor distintivo determina-se objetivamente na relação com
expressões engendradas a partir de condições diferentes” (Bourdieu, 2006). Parece haver uma certa
hierarquia na qualidade do som do vinil ou uma economia das frequências onde no vinil se escuta mais
e melhor. Apesar de todos os informantes citados terem relatado que não dispensam o uso de outras
mídias para audição de músicas, mencionam o vinil como ocupando um lugar especial em relação à
qualidade do som obtido. Mas esta relação não é unilateral, na qual o consumidor elegeu
arbitrariamente um lugar diferenciado para o vinil no campo musical. Este objeto também constrói o
ouvinte e o desloca para uma determinada disposição social. Não é uma relação exatamente entre
consumidores e artista ou consumidores e consumidores, mas uma relação pessoa-objeto. Ao mesmo
tempo que se delega ao vinil um “charme”, como apontou um dos informantes em trecho anterior, esse
mesmo “charme”, de certa forma, empodera simbolicamente o ouvinte do vinil. Se se considera que o
vinil te permite escutar melhor, é também considerado um melhor consumidor.

Mas, afinal, que volta é essa?

Já mencionei que os vinis nunca pararam de estar por aí, nos rondando. Ele não se desintegrou.
Por mais que a chegada dos CD’s e a internet tenham passado a predominar, mesmo que o vinil tenha
passado a frequentar mais os porões do que nossa sala principal, ele não desapareceu. A questão é

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1056

investigar por quê se fala tanto da "volta" de algo que realmente não se foi. Vamos tomar o termo
“volta” (assim mesmo, entre aspas) como uma categoria nativa. Afinal, que "volta" é esta?
Iniciei uma investigação acerca do que teria acontecido no período em que as vendas de vinil
passaram a crescer significativamente, por volta de 2007 e 2008 e quando também, posteriormente,
aconteceu a reativação da Polysom. Deparei-me com inúmeras adaptações do mercado fonográfico em
prol do vinil, mas ainda não tinha nenhuma hipótese do que poderia ter sustentado tudo isso. Mas foi
conversando com vendedores de vinil que tive um indicativo de que, talvez, teria errado nos anos
escolhidos para análise. Quando perguntados se teriam sentido muita diferença na procura por LP’s nos
anos referidos, todos até agora me alertaram que, na verdade, eles perceberam uma mudança brusca na
procura por vinis já em 2004 e 2005. Pesquisando sobre as movimentações da indústria fonográfica
acerca destes anos, percebi que a grande pauta naquele momento ainda era a adaptação do mercado
musical aos compartilhamentos gratuitos de música pela internet e já um início de respostas positivas
quanto às propostas de venda digital de música. O LP? Quando era citado em alguma reportagem era
para se fortalecer sua inexpressividade e descarta-lo do futuro da música. Agora, tomando como base
os relatos de meus informantes, essa alteração brusca que se notou em torno dos vinis se deu ao
mesmo tempo em que a popularização do compartilhamento online de música estava tão aquecida que
levava à discussão acerca de uma crise do mercado fonográfico. Será que esses dois movimentos teriam
alguma relação?
Minha hipótese é de que para além de ter uma relação, ela não é contraditória. Se considerarmos
o consumo dos formatos de reprodução musical a partir de uma disposição estética, como proposto
anteriormente, como ficaria este processo com uma corrente popularização do acesso a música do
ponto de vista da distinção? Como um ator social, neste caso o consumidor de música, manteria sua
posição dentro do campo musical com as mudanças mencionadas? Parece que não bastaria apenas ter
discografias completas em seu computador, também seria preciso adquirir alguns discos de vinil à sua
coleção. Mas então, se considerarmos isso como explicar o fechamento das portas de Polysom em
2007? Como em pleno aumento na procura de vinis a fábrica fecha alegando que não havia demanda
para manter suas atividades? Primeiro, é preciso comparar superficialmente o que mudou na fábrica
Polysom antes e depois de sua reabertura com a administração da gravadora Deckdisc. Se antes a
Polysom funcionava, majoritariamente, a partir de demandas de artistas independentes e de música
gospel, agora ela funcionaria a partir de prensagens de discos clássicos da música brasileira e de artistas
de grandes gravadoras. O mercado que a antiga e a nova Polysom visavam não são os mesmos. Mas,
afinal, que volta é esta?
A categoria "volta" que está presente tanto em reportagens como nos discursos nativos dos
colaboradores, não deve ser levada tão literalmente. Pensando a partir dos exemplos e indicações
mencionados acima, acredito que esta "volta" do vinil não seja uma volta propriamente dita, mas uma
alteração do significado do vinil e das práticas que envolvem seu consumo. Acredito que essa "volta"
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do vinil esteja ligada à popularização do acesso ao consumo de música, catapultada pelo


compartilhamento gratuito. Neste caso, faz sentido uma procura maior por autenticidade, ou aura
(BENJAMIN, 1987) que ganha nova configuração prática na ressignificação deste objeto
profundamente incorporada à vontade de compartilhar a citada aura do vinil. Então, acredito haver dois
movimentos aqui. Primeiro, há uma espécie de ética que se apresenta que respalda essa busca por
autenticidade que foi materializada no vinil. Sua aura é envolta de uma tradição genuína que aproxima o
consumidor do vinil a uma originalidade que ele sente não encontra em outras mídias. Da mesma
forma, este consumidor se reconstrói em seu espaço social, reivindica uma posição neste espaço
hierarquizado. Segundo, existe a movimentação da indústria musical e os números que expressam as
vendas de vinis. Neste caso, pode-se interpretar as movimentações e alterações do mercado musical
como uma maneira lidar com essas novas práticas de consumo musical, ou seja, uma tentativa de
mercantilizar essa nova ética corrente entre os consumidores de mídias relativas à música.
Desta forma, o que nos faz entender a "volta" do vinil não são as alterações em relação à venda
propriamente, mas sim a maneira como se ressignifica o consumo de música ou, no nosso caso, do
vinil. É preciso investigar na direção de como seus consumidores re-significaram suas relações com o
próprio vinil, que tipo de ética está respaldando essas novas maneiras da relação pessoa-objeto.

Referências
BARBOSA, L.; CAMPBELL, C. O Consumo nas Ciências Sociais. In: Cultura, Consumo e Identidade. Rio de
janeiro: FGV Editora, 2006.
BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Obras Escolhidas, 1987.
BOURDIEU, P. A Distinção: crítica social do julgamento. 2. ed. Porto Alegre: Zouk, 2011.
MAGNANI, J. De perto e de longe. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, 2002.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. 30. ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
MILLER, D. Acknowledging consumption. London: Routledge, 1995.
WACQÜANT, L. Corpo e Alma. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.

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Esporte e lazer: da gênese à política

Fernanda Ramos Parreira1

O
esporte e o lazer são elementos que surgiram da dinâmica humana, alicerçada na
sociedade moderna. Seja com a função de controle social e de formação do homem
“civilizado”, ou como campo de força e de distinção social, percebe-se que na sociedade
contemporânea o esporte e o lazer são elementos que se apresentam incorporados tanto ao cotidiano
dos indivíduos, quanto na própria estrutura estatal.
Em sua origem o esporte (e o lazer), como explicita Dunning (2010), surge no seio da sociedade
inglesa, deu-se, portanto em virtude do modo como se apresentava o Estado inglês no século XVII.
Dunning relata que:
[...]como Elias ainda mostrou, pelo fato de a Inglaterra ser uma ilha e uma potência
naval, que doravante não exigia mais aquela espécie de imensa burocracia centralizada
que tende a crescer nos Estados continentais onde é necessário um importante
exército de terra para defender as fronteiras. Além disso, na Inglaterra, diferentes
pressões sociais permitiram às classes superiores dos proprietários de terra, a grande e
a pequena nobreza, conservar um alto grau de autonomia e, através do Parlamento,
dividir as tarefas de poder com o monarca. (DUNNING, 2010, p. 98)

Percebe-se que na sociedade moderna o esporte surge na articulação societal, já no contexto


contemporâneo o Estado toma o esporte e o lazer como categorias sob seu domínio. Esse poder
exercido pelo Estado leva à “naturalização” do modo de vida, devido ao monopólio do uso legítimo da
violência e da coerção, seja física ou simbólica. Sobre a legitimidade e hegemonia do poder do Estado,
Bourdieu diz que:
Se o Estado pode exercer uma violência simbólica é porque ele se encarna tanto da
objetividade, sob a forma de estruturas e de mecanismos específicos, quanto na
“subjetividade”, ou seja, sob a forma de estruturas mentais, de esquemas de percepção
e de pensamento. Dado que ela é resultado de um processo que a institui, ao mesmo
tempo, nas estruturas sociais e nas estruturas mentais adaptadas a essas estruturas, a
instituição instituída faz com que se esqueça que resulta de uma longa série de atos de
instituição e apresenta-se com toda a aparência do natural. (BOURDIEU, 1996, p. 97)

Ou seja, o Estado exerce poder sobre os diferentes espaços e campos sociais. No campo de
esporte e lazer, foco de estudo neste trabalho, percebe-se que, por vezes, esses são difundidos com
caráter competitivo, desigual e excludente.

1 Universidade Federal de Goiás, Mestranda em Ciência Política.


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O esporte e suas influências no processo civilizador da sociedade moderna ocidental.

Em meio à consolidação da educação física como campo científico e acadêmico na idade


moderna, o esporte e o lazer passaram a integrar-se à respectiva área como objetos de estudo. No
entanto, essas duas categorias já instigavam sociólogos, antropólogos e higienistas, bem antes de a
educação física ser legitimada enquanto área de conhecimento e tomar para si as categorias
supracitadas.
O esporte moderno surgiu na sociedade europeia, a partir do século XVIII, e apresentou-se
como atividade corporal, de caráter competitivo, com regras preestabelecidas. Guttmann descreve as
seguintes características que diferenciam o esporte moderno dos esportes pré-modernos2: (1)
secularização; (2) igualdade de chances; (3) especialização dos papéis; (4) racionalização; (5)
burocratização; (6) quantificação e (7) recorde (BRACHT, 2005).
A secularização do esporte revela que nas sociedades que antecederam a sociedade moderna, o
mesmo não se apresentava sob o mesmo aspecto social e funcional, ou seja, o esporte estava associado
à religiosidade ou ao utilitarismo. A atividade corporal, seja por meio dos jogos ou de dança, estava
vinculada a crenças religiosas ou ao cultismo. Já na Roma antiga, a atividade esportiva ocorria por meio
de brigas, corridas de bigas ou por espetáculos galgados na violência a exemplo da arena de gladiadores.
Na idade feudal, qualquer que fosse a prática corporal – esporte, dança, jogos, brincadeiras – ela era
situada na esfera do profano.
No século XVIII, o esporte retorna à vida social, conforme relatam Elias & Dunning (1985)
como mecanismo de controle do comportamento dos indivíduos.
Destarte, na sociedade moderna, as regras e as transformações sofridas por elas forneceram um
aparato legal que alterou as concepções de esporte, antes visto sob a forma do amadorismo, levando-o
à profissionalização. O esporte neste contexto oferece não somente a igualdade pelo aspecto da
participação, mas também oportunizou o acesso a todos.
Portanto, a racionalização e a especialização favoreceram o processo de esportivização através
de regras mais “burocratizadas”. Elias & Dunning (1985) relatam que do século XIV ao XIX os jogos
apresentavam-se de maneira brutal e violenta.
Outro ponto a ser abordado sobre as regras estabelecidas no âmbito do esporte refere-se ao
processo de civilidade da sociedade moderna. “As regras esportivas acompanharam o processo de civilidade da
humanidade. Os escritos de Nobert Elias são bastante profícuos para descortinar essa face do esporte” (PILATTI, 2002
p. 68).

O quadro das regras, incluindo aquelas que eram orientadas pelas ideias de “justiça”,

2Guttmann classifica o esporte a partir de uma concepção histórica, ou seja, analisa o desenvolvimento do esporte através
de uma cadeia evolutiva histórica. Para o mesmo, o esporte é dividido em quatro classes: 1) esporte primitivo, 2) esporte
antigo (gregos e romanos), 3) esporte medieval e 4) esporte moderno.

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de igualdade de oportunidades de êxito para todos os participantes, tornou-se mais


rígido. As regras passaram a ser mais rigorosas, mais explícitas e mais diferenciadas. A
vigilância quanto ao cumprimento das regras tornou-se mais eficiente; por isso, passou
a ser menos fácil fugir às punições devidas a violações das regras. Por outras palavras,
sob a forma de “desportos”, os confrontos de jogos envolvendo esforços musculares
atingiram um nível de ordem e de autodisciplina nunca alcançados até aí. Além disso,
sob a forma de “desportos”, as competições integraram um conjunto de regras que
asseguravam o equilíbrio entre a possível obtenção de uma elevada tensão na luta e
uma razoável protecção contra os ferimentos físicos. A “desportivização”, em resumo,
possui o caráter de um impulso civilizador comparável, na sua orientação global, à
“curialização” dos guerreiros [...]. (ELIAS & DUNNING, 1985 p. 224)

A terceira característica que Guttmann descreve é a especialização das funções e a divisão do


trabalho que surge no esporte e levou à profissionalização. Ou seja, a ruptura com o caráter amador do
esporte fomentou a formação de atletas e profissionais do esporte. Essa característica propiciou,
também, a difusão dos megaespetáculos, uma vez que, a organização de eventos esportivos
modernizou-se e o que antes eram apenas competições esportivas, com o processo de especialização
passa a integrar-se ao campo econômico e do divertimento.
De acordo com Bracht (2005), a especialização do esporte leva à divisão do mesmo em um
sistema dual: o esporte de alto rendimento ou espetáculo, e o esporte enquanto atividade de lazer. Para
o referido autor, o esporte educacional não é considerado uma subdivisão do campo genérico do
esporte, pois para o mesmo toda ação esportiva é uma ação educacional, para outros autores, o esporte
educacional está relacionado ao esporte tratado no campo da educação formal, dito esporte escolar.
Trata-se neste estudo, da dimensão esportiva enquanto prática do lazer, e o processo educacional neste
contexto é condição sine qua non do esporte-lazer e para o processo de lazerania3.
O esporte-espetáculo ou de alto rendimento, para Bracht (2005), abriga como característica
central a transformação do esporte em mercadoria veiculada pelos meios midiáticos. E aponta os
seguintes elementos constitutivos deste tipo de esporte:
- Possui um aparato para a procura de talentos, normalmente financiado pelo Estado.
Além disso, este aparato promove o desenvolvimento de aparelhos para a utilização
ótima do “material humano”;
- possui um pequeno número de atletas que tem o esporte como principal ocupação;
- possui uma massa consumidora que financia parte do esporte-espetáculo;
- os meios de comunicação de massa são co-organizadores do esporte-espetáculo; e
- possui um sistema de gratificação que varia em função do sistema político-societal.(BRACHT,
2005 p. 17 – grifo do autor)

Trazendo pra a realidade do Brasil, onde serão sediados mega-eventos esportivos, – Copa das
Confederações, Copa Mundial de Futebol e Jogos Olímpicos – é pulsátil esse processo de

3 Mascarenhas (2004) engendra esse termo a partir da junção entre lazer e cidadania. A lazerania ao mesmo tempo em que
procura expressar a possibilidade de apropriação do lazer como um tempo e espaço para a prática da liberdade, isto é, para
o exercício da cidadania, busca traduzir a qualidade social e popular de uma determinada sociedade cujo direito ao lazer tem
seu reconhecimento alicerçado sobre os princípios como planificação, participação, autonomia, organização, transformação,
justiça e democracia, deixando de ser monopólio ou instrumento daqueles que concentram poder econômico
(MASCARENHAS, 2004 p. 75).

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especialização, com a criação de centros de excelência, construção de estádios e arenas esportivas, e


programas e projetos de formação de atletas (a exemplo: Programa Bolsa Atleta, Programa Potência
Esportiva, Plano Brasil Medalhas 2016, entre outros).
A racionalização é outra característica presente no esporte moderno. Na modernidade,
conforme Max Weber disserta, o processo de racionalização societal entra em voga influenciando as
condutas políticas através da parlamentarização, as atividades corporais pela esportivização, o processo
de construção de conhecimento com a intelectualização e a burocratização do aparato estatal. A
racionalização transforma as regras em artefato cultural e abandona a concepção de “instruções
divinas” (PILATTI, 2002).
Em síntese, o processo de racionalização significa que as dimensões sociais, em determinadas
condições de desenvolvimento, suscitam ações sociais racionalmente orientadas (WEBER, 1995).
A quantificação é fruto das características acima mencionadas, uma vez que, racionalizado,
especializado e burocratizado o esporte, torna-se importante a mensuração da performance atlética. Logo,
os recordes são registrados por cronômetros, frequencímetros e outros instrumentos de mensuração.
O modelo de Guttmann baseia-se no modelo ideal-weberiano ao colocar o esporte moderno
como o modelo-tipo ideal, por conter todos os elementos necessários e fundamentais à atividade
esportiva. No entanto, para alguns autores como Dunning (2010), o referido modelo apresenta lacunas.
A secularização do esporte moderno, a exemplo, com o desenvolvimento de mega-espetáculos
esportivos, transformou o esporte em ritual, o que não era vislumbrado por Guttmann.
Outro aspecto criticado no modelo ideal de Guttmann refere-se à unidimensionalidade do
esporte. Não obstante, o esporte apresenta no mínimo três dimensões: o esporte de alto rendimento, o
esporte escolar ou como prática educativa e o esporte enquanto categoria do lazer.

O lazer para além da dicotomia trabalho e não-trabalho.


Existem correntes teóricas que, assim como no esporte, defendem que o lazer tenha surgido
anteriormente à formação da sociedade moderna. Contudo, para Dumazedier (1999) o lazer deve ser
pensado como elemento constituído na Revolução Industrial.
Nas sociedades pré-industriais do período histórico, o lazer não existia tampouco. O
trabalho inscreve-se nos ciclos naturais das estações e dos dias: é intenso durante a
boa estação, e esmorece durante a estação má. Seu ritmo é natural, ele é cortado por
pausas, cantos, jogos, cerimônias. Em geral se confunde com a atividade do dia: da
aurora ao pôr-do-sol. Entre o trabalho e o repouso o corte não é nítido. [...]
Evidentemente, não apresenta as propriedades do lazer. (DUMAZEDIER, 1999 p.
26)

A assertiva apresentada acima é corroborada pela existência de um objeto simbólico que adorna
o cotidiano da sociedade contemporânea ocidental – o relógio. Instrumento que simboliza a
segmentação do tempo não só do indivíduo, mas em contexto mais amplo, da própria sociedade

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ocidental, tal acessório representa a forma como a sociedade a partir de relações sócio-históricas define
o tempo do trabalho, define o tempo do não-trabalho, define o tempo livre, e claro, define o tempo do
lazer.
Nobert Elias realiza a distinção de cada um destes tempos fragmentados na vida urbana e
moderna. De maneira sintética, esse autor, define o trabalho como atividades realizadas pelas pessoas
para “ganhar a vida”, enquanto que o tempo livre destina-se ao trabalho não remunerado, ou seja, o
tempo que não se vincula às ocupações de trabalho. E o tempo do lazer é uma pequena parte que
compõe o tempo livre, destinado ao divertimento e para amenizar o estresse. Esse autor desenvolve a
classificação das atividades de tempo livre em cinco tipos: trabalho privado e administração familiar; repouso;
provimento das necessidades biológicas; sociabilidade e atividades miméticas ou jogo.
Compreendido que o tempo do lazer é a menor fração que compõe o tempo do indivíduo, eis
que surge a seguinte inquietação, a qual o presente trabalho buscará responder por meio da tipologia
desenvolvida por Dumazedier (1999) o que é o lazer?
A primeira definição apresentada por Dumazedier descreve o lazer como um estilo de
comportamento, assim o mesmo está incorporado a qualquer atividade humana. “Todo comportamento em
cada categoria pode ser um lazer, mesmo o trabalho profissional” (DUMAZEDIER, 1999 p. 88). O lazer é
analisado sob a perspectiva muito mais psicológica que sociológica, como elemento da psique humana e
não construído socialmente.
A segunda definição, contudo, trata o lazer como elemento antagônico do trabalho, ou seja,
existem dois momentos para o homem, um é o tempo do trabalho e o outro o tempo do lazer. Essa
visão acaba por ignorar as outras atividades que foram descritas por Elias & Dunning (1985).Logo, sob
essa perspectiva, o lazer fica obscurecido e até mesmo dependente da categoria trabalho. Outra
corrente que apresenta o mesmo princípio limitador relaciona o lazer a atividades sócio-políticas e
religiosas.
A quarta definição categoriza o lazer como um elemento constitutivo do tempo livre. Haja vista
que o tempo livre é composto por atividades familiares, pelas obrigações políticas-religiosas e pelo
lazer.
A última definição apresentada por Dumazedier (1999) vai de encontro à quinta categoria
descrita por Elias & Dunning (1985) e esta é tomada como a definição mais adequada para o presente
estudo. O lazer é pensado como uma categoria sociológica, construída e consolidada na modernidade e
entendida, assim como o esporte, como uma das categorias que corroboram o processo civilizador da
sociedade moderna.
Tratar o esporte “como problema sociológico”, tal como Nobert Elias se propôs a
fazer, implicava analisar as condições sociais de seu surgimento. Situada
historicamente, a gênese do esporte o estava também socialmente. Após a análise
interna das atividades esportivas, a análise social acabava por constituir a esportização
numa modalidade do processo de civilização. Tanto do ponto de vista dos agentes
sociais quanto das condições sociais da gênese do esporte, são os mesmos grupos e as

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mesmas razões que participam desse processo. (GARRIGOU, 2010 p. 70)

O lazer, como pôde ser demonstrado, é um campo de estudo que aborda ações dos indivíduos
em determinado contexto fora das obrigações societais – profissional, familiar, religiosa e política – e
que gera satisfação e redução das tensões. No entanto, o lazer não se resume, exclusivamente, a apenas
esta característica. Dumazedier apresenta quatro caracteres que são “[...] constitutivos do lazer; em sua
ausência, ele não existiria”. (DUMAZEDIER, 1999 p. 94)
Dentre os caracteres apresentados presentes no lazer, primeiramente pontua-se o caráter
liberatório, que oferece ao indivíduo a liberação das obrigações institucionais – sejam o trabalho
profissional, os afazeres domésticos, os deveres políticos ou religiosos.
O lazer apresenta caráter desinteressado, uma vez que não está fundado na obtenção de lucro
ou fim utilitário, como ocorre no ambiente do trabalho profissional e nas obrigações domésticas. “No
lazer, as atividades física, artística, intelectual ou social não se acham a serviço de fim material ou social
algum, mesmo quando os determinismos materiais ou sociais pesam sobre eles [...]”. (DUMAZEDIER,
1999 p. 95).
Outra característica apresentada por Dumazedier é o aspecto hedonístico do lazer, cuja
finalidade está na própria satisfação do indivíduo, ou seja, atender a seu self.
Há o caráter pessoal, que representa as necessidades pessoais em meio a uma gama de
possibilidades de lazer. Dumazedier descreve três possibilidades de lazer que estão vinculadas à
realização, encorajada ou contrariada, das virtualidades desinteressadas do homem, concebido de forma
hedonística, em relação ou em contradição com as exigências ou necessidades societais
(DUMAZEDIER, 1999).
Os três gêneros ou possibilidades do lazer apontadas por Dumazedier são o gênero biológico
ou fisiológico, o gênero psicológico e o gênero sócio-cultural. Dumazedier (1999) descreve uma gama
de modalidades de lazeres, a exemplo, os lazeres artísticos, lazeres práticos, lazeres intelectuais, lazeres físicos ou
esportivos e lazeres sociais. No entanto, independentemente do tipo de modalidade de lazer é fundamental
atentar-se à condição relacional existente entre os três gêneros ou possibilidades do lazer que deverá
estar presente em quaisquer daqueles acima mencionados, pois como Dumazedier afirma, “[...] o lazer
mais completo é aquele que poderá satisfazer estas três necessidades do indivíduo e estas três funções
fundamentais irredutíveis entre si, mas em estrita inter-relação” (DUMAZEDIER, 1999 p. 97),
O fundamental é compreender que esporte e lazer propiciaram a mudança de conduta da
sociedade “não civilizada” para “civilizada”4. Elias relata que:

4[...]Nobert Elias reconheceu explicitamente o fato de que o termo “civilização” é, no uso corrente, um termo carregado de
valor. Ao contrário, no seu uso sociológico, e mais particularmente sob a forma do conceito de “processo civilizacional”, é
uma palavra técnica, diferente, utilizada sem nenhuma conotação em termos de valor. Elias a usa, mais particularmente,
para referir-se à sequência potencialmente reversível das mudanças num longo tempo sofridas pelas sociedades dominantes
da Europa ocidental, que fez com que seu desenvolvimento social levasse, num primeiro momento, os grupos dirigentes de

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As condições de forte excitação individual, em particular uma excitação socialmente


partilhada que podia conduzir à perda do autodomínio, tornavam-se agora mais raras e
menos toleradas sob o ponto de vista social. O problema consistia em saber como
habilitar as pessoas para a experiência de uma total excitação agradável, que parecia ser
uma das necessidades mais elementares dos seres humanos, sem atingir riscos sociais e
individuais para os outros e para si próprio, e apesar da formação de uma consciência
que podia abranger muitas formas de excitação que, em fases anteriores, foram não só
fontes de elevado prazer e gratificação, mas, também, de perturbações, feridas e
sofrimento humano. (ELIAS, 1985 p.255)

O esporte e o lazer institucionalizados na sociedade moderna transformaram-se em espaços de


disputas e conflitos sociais. Bourdieu, ao tratar desse campo de forças, relata o processo de dominação
e desigualdades sociais, “[...] pois em seus olhos a cultura não é uma esfera inocente e, sim, um meio
importantíssimo para a reprodução da estrutura de classes da sociedade capitalista desenvolvida”
(BRACHT, 2005 p. 51).
Neste contexto, em que esporte e lazer simbolizam campos de poder e capitais simbólicos, o
presente estudo retorna a discutir o papel do Estado e o processo de construção de políticas públicas.
Para tanto, toma-se o discurso de Bourdieu no que concerne a concepção do aparato estatal enquanto
resultado do processo de concentração dos diferentes tipos de capital – econômico, cultural, social,
esportivo, informacional, simbólico, de coerção física, etc – portanto, o Estado torna-se detentor de
uma espécie de metacapital, com poder não somente sobre os outros tipos de capital, mas com poder
sobre os detentores dos mesmos (BOURDIEU, 1996).
Sob essa égide, as políticas públicas são as ações concretas do Estado que determinam o quê,
quando, onde e para quem tais capitais serão disponibilizados ou reproduzidos. É a partir dessa
concepção bourdiana que se desenvolveram as reflexões sobre as políticas públicas de esporte e lazer.

Políticas públicas de esporte e lazer.

Entendido o processo de consolidação do lazer e do esporte, sob o escopo do pensamento de


Nobert Elias, como elementos interventores no processo civilizador da sociedade moderna ocidental,
no qual se exigiu dos indivíduos uma maior regularidade e diferenciação de comportamentos a partir de
normas de conduta e valores morais. Nesta mesma direção, ressalvadas as singularidades de cada
estudioso, Pierre Bourdieu trata o campo esportivo como espaço distintivo que estrutura a sociedade e
tende a perpetuar formas de reprodução das desigualdades sociais. Trata-se de perceber que as
dinâmicas sociais inter-relacionadas com as ações governamentais têm modelado a sociedade
contemporânea.

suas sociedades e, mais tarde, os setores maiores de suas populações a se perceberem como “civilizados”. (DUNNING,
2010 p. 93)

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A área de conhecimento de políticas públicas (policy science) surgiu, no século XIX, nos Estados
Unidos da América e posteriormente na Europa. No entanto, nos EUA, as pesquisas vinculavam-se à
análise sobre o Estado e suas instituições, enquanto que no continente europeu os estudos sobre
políticas públicas foram desdobramentos de trabalhos baseados em teorias sobre o Estado, em especial,
sobre o governo, visto como “[...] produtor, por excelência, de políticas públicas” (SOUZA, 2006 p. 22).
A partir da concepção europeia de Estado em face de ações, em nível local, no campo de lazer
e esporte é fundamental compreender as políticas por ele engendradas. No Brasil, desde a Constituição
Federal de 1988, tanto o esporte quanto o lazer são tratados como direitos sociais. Já no início da
Constituição Federal do Brasil, de 1988, Título II – Dos direitos e garantias fundamentais/Capítulo II –
Dos direitos sociais, o artigo sexto explicita que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a
moradia, o lazer (grifo nosso), a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta constituição” (BRASIL, 2008 p. 11).
Mais adiante a Carta Magna contempla o esporte ao ditar no capítulo III, uma seção exclusiva,
sob o título “do desporto”, para tratar desse tema. Alicerça o artigo 217 que “é dever do Estado
fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um[...]” (BRASIL, 2008 p.
66).
No Brasil, é recorrente tornar em ações assistencialistas o que, de fato e de direito, deveria ser
garantido a todos os cidadãos. Segundo Marcellino (2001), vícios assistencialistas têm por precedente as
raízes históricas. Desde os tempos coloniais, o Estado brasileiro apresentava-se patrimonialista,
clientelista e coronelista. Lavram-se ações contraditórias e confusas que tornavam direitos em favores,
público em privado e governo em patrão e cidadãos em subordinados.
Portanto, o lazer e o esporte, na condição de elementos constituídos pelo Estado, acabam
sendo difundidos como políticas assistencialistas.
Outro ponto que deturpa as políticas de esporte e lazer é entendê-las de forma isolada sem
entender as relações inseridas no contexto societal, bem como, o processo de lutas neste espaço social.
Bourdieu diz que:
O campo das práticas esportivas é o lugar de luta que, entre outras coisas, disputam
monopólio de imposição de definição legítima da prática esportiva e da função
legítima da atividade esportiva, amadorismo contra profissionalismo, esporte-prática
contra esporte-espetáculo, esporte distintivo – de elite – e esporte popular – de massa
– etc; e este campo está ele também inserido no campo das lutas pela definição do
corpo legítimo e do uso legítimo do corpo [...] (BOURDIEU, 1983 p. 07)

Ademais, barreiras interclasses e intraclasses sociais formam um todo inibidor que dificulta o
acesso ao lazer, não só quantitativamente, mas em especialmente sob o aspecto qualitativo. Deixar as
pessoas a esmo para exigir seus direitos, sem a interferência política, no que se refere ao lazer, acaba por
segregar aqueles que não conseguem pagar por isso, no campo cada vez mais rentável e sofisticado do
“lazer mercadoria” (ou melhor, mercado de entretenimento). (MARCELLINO, 2001)

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Barbosa (2004), sobre a formação de uma sociedade de consumo, afirma que os grupos sociais
não são indiferenciados entre si em termos de consumo, haja vista que, todos são a priori consumidores.
No entanto, “[...] noções de gosto – ou melhor, de bom ou mau gosto e de ‘estilo social – tornaram-se
um dos mecanismos fundamentais de diferenciação, inclusão e exclusão social [...]” (BARBOSA, 2004
p. 23).
Essa discussão leva o esporte e o lazer a serem tratados como elementos de responsabilidade do
mercado, onde o Estado atua como parceiro, favorecendo o setor privado através de leis de incentivo e
financiamentos públicos.
Embora sejam configurados como direitos sociais, esporte e lazer ficam à mercê do capital
econômico. Por essa razão, poucos são aqueles que possuem acesso a este direito outorgado pela
Constituição.
As diversas interpretações, engendradas por crenças e valores diversificados, sobre o esporte e
lazer levam a tipos distintos de formulação e implementação de políticas para este tema. Esse conflito
de interesses, crenças e concepções é explicado pelo modelo de coalizão de defesa ou advocacy coalition
framework (ACF) de Sabatier & Jerkins-Smith. O modelo de coalizão de defesa defende que crenças,
valores e ideias são importantes dimensões do processo de formulação de políticas públicas e implica
no processo de implementação das mesmas. A inclusão de valores societais é o fator distintivo deste
modelo para com outros que o antecederam, pois Sabatier disserta que, para entender o processo de
políticas públicas, é necessário analisar as divergências entre as abordagens de escolha racional e a ACF.
[…] a abordagem de escolha racional diz que o analista (1) focalize os líderes
institucionais com autoridade formal para tomada de decisão; (2) assumir que estes
atores estão buscando seu auto-interesse material ( por exemplo, renda, poder,
segurança) e (3) para grupos de atores inseridos em categorias institucionais, por
exemplo, legisladores, agências administrativas e grupos de interesse (Shepsle 1989;
Scharpf 1997). Em contraste, a coalizão de defesa diz que o analista presume (1) que o
sistema de crenças é mais importante que a afiliação institucional, (2) estes atores estão
buscando uma ampla variedade de objetivos, que devem ser medidos empiricamente,
e (3) deve-se adicionar pesquisadores, jornalistas como atores politicos potencialmente
importantes. (SABATIER, 2007 p. 04)

As arenas sociais atuam de forma a controlar o processo decisório de políticas públicas, seja a
inclusão de um tema ou problema, ou, ao contrário, para que o mesmo seja negligenciado. O modelo
de arena de ação deixa explicitado o “jogo” político entre os diversos atores e o processo de barganha e
cooperação entre os mesmos. No campo de esporte e lazer existem grupos ou arenas que divergem
quanto ao objetivo de determinadas políticas públicas. Há aqueles que defendem o caráter keneysiano –
o esporte e o lazer sob essa égide são tratados, exclusivamente, como bens de consumo, e
consequentemente, levam a implementação de políticas que objetivam o bem-estar econômico – e, há
aqueles que veem o esporte e o lazer como elementos que favorecem a cidadania e a inclusão societal..

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Novamente, tomando as ações governamentais como ações que influenciam no estilo de vida
ou no habitus da sociedade, pode-se inferir que a conformação dos programas de esporte e lazer,
também, deve ser tratada como signos distintivos (BOURDIEU,1996). Sobre o conceito habitus, Bourdieu
relata que
Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas – o que o operário
come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de
praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-la diferem
sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário
industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação,
princípios de visão e de divisão de gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças
entre o que é bom e o mau, entre o bem e o mal, entre o que é distinto e o que é
vulgar etc., mas elas não são as mesmas. (BOURDIEU, 1996 p. 22)

Similarmente, Elias trata da diferenciação e da estabilização das funções sociais ao desenvolver


a teoria do processo civilizador. O homem civilizado, onde quer que esteja ou qual seja a companhia,
deve moderar seus ardores, seus gestos e expressões (CORY, 2010).

Considerações finais

Conclui-se que a diferenciação e distinção da sociedade oferecem aos elaboradores de políticas


públicas sustentação para tomada de decisão quanto à “melhor” política a ser implementada.
Logo, sendo o esporte e o lazer um conjunto multifacetado que incorpora ações e organizações
que envolvem o Estado, o mercado e a esfera societal de forma mediada, reduzi-los à avaliação de tais
ações aos cálculos da relação custo-benefício limitaria a proposta da presente pesquisa, pois a
formulação e implementação de políticas públicas encontra-se relacionada a forma em que se
consolidou o esporte e lazer. Nesse movimento, a tentativa de resolução dos problemas existentes no
âmbito da gestão pública do esporte, e do lazer, acaba se confundindo com processos de
adequação/submissão do Estado à lógica do mercado (LINHALES, 2001).
Aos estudiosos deste campo cabe compreender a contextualização histórico-social que tratou de
construir conceitos e pressupostos que conformam o tipo de esporte e lazer e suas respectivas políticas
e não transformar a hegemonia de determinado grupo e seus interesses como algo naturalizado e
perpetuador de ideologias e valores de maneira ingênua e/ou negligente sob o aspecto científico-
acadêmico.

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Os parangolés de Hélio Oiticica e as relações entre
comunicação, arte e cultura

Judivan Alves Ferreira1

O parangolépamplona você mesmo faz


O parangolépamplona a gente mesmo faz
Com um retângulo de pano de uma cor só
E é só dançar
E é só deixar a cor tomar conta do ar
Parangolé Pamplona
Adriana Calcanhoto

O
conhecimento é contextual e é importante fazer uso da interdisciplinaridade na
construção cognitiva. Sabe-se que as relações entre comunicação, arte e cultura constituem
um importante espaço de investigação no âmbito acadêmico e latino-americano e que a
arte, tanto como manifestação estética quanto forma de comunicação de uma cultura, constitui um
modo de produção de significados.
Tendo a “comunicabilidade da arte” como escopo deste estudo,adotou-se este tema face à sua
importância para o campo cognitivo nas áreas das artes, humanas e sociais e devido a sua relevância
social, pois embora a arte, sobretudo a contemporânea brasileira, seja vista e pensada como algo muito
diferente da vida e, de certa forma, “incomunicável” para um público leigo acredita-se que ela, por ser
filha da cultura em que vivemos e ser dotada de uma dinâmica própria, criativa e transformadora
desempenha papel fundamental na sociedade transmitindo e comunicando, à sua maneira, emoção,
prazer, conhecimento entre uma infinidade de outras coisas.
A arte não se encontra apenas nos museus. Ela está nos objetos do dia-a-dia, nas ruas das
cidades, dentro de nós, que a vivenciamos ao criá-la, e também ao apreciá-la. Estamos cercados de uma
cultura visual e participamos, direta ou indiretamente, da construção social da arte, da imagem e das
experiências estéticas. Mas o que vem a ser arte?

(In)definições e Reflexos Sociais da Arte

Conforme Ferreira (2012) conceituar a arte não é uma tarefa fácil. Inúmeros artistas, filósofos e
estudiosos já tentaram defini-la, no entanto, ao longo de séculos a compreensão da arte sofreu e sofre
oscilações significativas a ponto de os estetas explorarem questões relativas ao valor da arte ao invés de
tentar chegar a uma definição dela.

1Graduando em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Tocantins – UFT. Este
estudo é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso e está em fase de finalização. E-mail: judi.ferreira@uft.edu.br
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Os seres humanos respondem a estímulos sensoriais, mas é correto dizer que existe uma
categoria de objetos essencialmente sensoriais que seja totalmente particular e que tenha peculiaridades
de várias ordens?
Para Rodrigo Duarte (2012, p. 11) “esse conjunto de objetos sensoriais absolutamente peculiar
quanto à sua origem, objetivos e conteúdo pode ser chamado simplesmente de ‘arte’”. Ele acomete que
da admiração pela natureza adveio a sensibilidade voltada para a harmonia de todos os estímulos
sensoriais como, por exemplo, cor, sons, formas e que a atividade artística se configura, desde a Pré-
História, como um dos principais indicadores da presença e comunicação humana no mundo.
Entretanto, a arte ainda hoje é considerada por muitos como algo supérfluo, sem necessidade,
uma distração ou um comércio de luxo, ou seja, reflexo de uma elite formada por uma minoria na qual
existe uma “cultura” de que a arte não sai dos limites apolíneos dos museus, logo, é “inacessível”,
“incomunicável”. Todavia, Collingwood (1938, p. 284) apregoa que “a arte não é um luxo” é pelo
contrário, como afirma Wilbois apud Huisman (1977, p. 80), “o passatempo que a nossa moral
desdenha”.
Numa perspectiva sociológica ou socializante,a arte pode ser um importante observatório de
tendências sociais ou um reflexo da trama social em que vivemos. O inconformismo social de um
artista produz em sua obra um inconformismo estético, um grito de alerta como, por exemplo, a
obraHomenagem a cara de cavalo que o artista Hélio Oiticica fez a Manoel Monteiro, o “Cara de Cavalo”,
bandido violentamente morto pela polícia do Rio de Janeiro.Trata-se de uma caixa envolta por telas,
cujas paredes internas foram cobertas por fotografias do criminoso assassinado. Oiticica confronta as
ideias convencionais de justo e errado, de exercício legítimo de poder e abuso autoritário, de marginal e
herói, na qual o conteúdo emocional que absorve o artista é explícito também em palavras visíveis no
poema-bandeira Seja Marginal, Seja Herói.

Figura 1. “Seja Marginal, Seja Herói”, 1968 de Hélio Oiticica

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Das inúmeras funções da arte, destaca-se na obra acima a reflexão e a leitura crítica da
sociedade. Nem sempre uma experiência estética está ligada unicamente ao prazer, pois a arte expressa
um pensamento, uma visão do mundo e provoca uma forma de inquietação no observador, uma
sensação ora triste ora alegre, especial, assustadora, uma vontade de contemplar, uma admiração
emocionada ou uma comunicação com a sensibilidade do artista.
Deste modo a arte além da função estética pode ser instrumento de crítica e mudança social.
Nota-se, portanto, que o gosto e a sensibilidade para apreciar a arte variam de pessoa para pessoa, de
sociedade para sociedade, de época pra época e assim, as manifestações artísticas trazem a marca do
tempo, do lugar e dos artistas que as criaram, pois elas atendem às diversas necessidades humanas e são
parte importante da vida e da cultura da humanidade.

Culturas?!

São muitas as visões e versões de cultura e da gama de possibilidades de significados que esta
possa instigar pode-se citar que a cultura é constituída por tudo aquilo que aprendemos. Raymond
Williams (1992) acomete que cultura pode ser
[...] desde (i) um estado mental desenvolvido – como uma “pessoa de cultura”,
“pessoa culta”, passando por (ii) os processos desse desenvolvimento – como
em “interesses culturais”, “atividades culturais”, até (iii) os meios desses
processos – como em cultura considerada como “as artes” e “o trabalho
intelectual do homem” (WILLIAMS, R. 1992, p. 11).

Arte é cultura e muitas vezes ambas são colocadas como sinônimas, embora cada uma tenha as
suas particularidades. A América Latina é muito rica em termosculturais e qualquer que seja a direção, a
arte está em toda parte e é um elemento definidor da identidade de um povo, de um grupo social e de
um indivíduo, pois as manifestações artísticas revelam características próprias de cada cultura e de cada
época.
Eduard Said apud Eagleton (2005, p. 28) aponta que “todas as culturas estão envolvidas umas
com as outras, nenhuma é isolada e pura, todas são híbridas, heterogêneas, extraordinariamente
diferenciadas e não monolíticas”.
A ideia de culturas continua suscitando uma crescente expansão de conceitos, teorias e debates.
O tempo, segundo Raimundo Martins (2007, p. 20), “influencia de maneira decisiva nossa visão e
entendimento do mundo, exigindo revisão, que transformou muitos aspectos do conhecimento
humano”. A cultura é um meio pelo qual o artista pode se articular e avançar, uma vez que é através da
dela que a arte existe e se faz entendível.
Com o advento das novas tecnologias, da sociedade informacional – que possibilitou ao campo
das comunicações um lugar cada vez mais dilatado nas culturas das sociedades industriais e pós-
industriais – e à medida que o século XXI avança a distinção entre “cultura superior / erudita” e
“cultura inferior / popular” vai se desfazendo. Martins (2007, p. 22) aponta que “a pluralização da
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palavra ‘cultura’ intensificou a dimensão social das transformações” e isso se deu devido à ascensão dos
estudos culturais que possibilitou o desenvolvimento de pesquisas sobre a cultura e o modo como ela é,
segundo Miller (2001, p. 1), “usada e transformada por grupos sociais ‘comuns’ e ‘marginais’ produtores
em potencial de novos valores sociais e linguagens culturais”
Esta leitura e expansão conceitual da cultura apontam, segundo Martins (2005, p. 135), “o fato
de que as ciências sociais e mais especificamente as ciências humanas estão vivendo um espaço
transdisciplinar, intertextual e multimidiático”

Comunicações, artes e culturas: convergências...

O enfraquecimento da distinção entre a “arte superior” e a “arte inferior” alterou


irremediavelmente o contexto social no qual as belas artes operavam. Desde então e cada vez mais,
“nossa cultura foi perdendo a proeminência das ‘belas letras’ e ‘belas artes’ para ser dominada pelos
meios de comunicação” (SANTAELLA, 2007, p. 06) que geram produtos simbólicos fortemente
dominados pela proliferação de imagens em escala massiva. Estes produtos culturais são, na sua
maioria, baratos, seriados, amplamente disponíveis e passíveis de uma distribuição rápida.
Para Araújo e Ferreira
[...] a comunicação de massa está diretamente ligada ao consumo e esse
estreitamento deu origem à cultura da mídia. Ela ganha contornos nítidos com
o advento da televisão, no pós-guerra, assim, se caracteriza como cultura
dominante e também o lugar nas sociedades contemporâneas onde se travam
batalhas pelo controle (ARAÚJO; FERREIRA, 2012, p. 11)

A cultura das mídias apresenta uma lógica distinta da comunicação de massas. Trata-se de
dispositivos tecnológicos que propiciam uma apropriação produtiva por parte do indivíduo.Santaella
aponta que
[...] para muitos, a comunicação identifica-se com comunicação de massas,
enquanto as artes se restringem ao universo das ‘belas artes’ [...] Alimentar o
separatismo conduz a severas perdas tanto para o lado da arte quanto para o da
comunicação (SANTAELLA, 2007,p. 07)

Este ponto de vista revela a impossibilidade de separação entre as comunicações, as artes e as


culturas, uma indissociação, que para Santaella, veio crescendo através dos últimos séculos para atingir
um ponto culminante na contemporaneidade. A cultura de massas provocou profundas mudanças nas
polaridades “superior” e “inferior”, produzindo novas apropriações.
Estas novas apropriações, resultado da mistura de meios e linguagens, resultam experiências
estéticas ricas para o apreciador de arte, pois a mistura de linguagens facilita, na maioria das vezes, a
comunicação.
Goodman (1968, p. 102) ressalta que as “artes devem ser vistas com a mesma seriedade que a
ciência como modos de descoberta, criação e alargamento do conhecimento no sentido amplo de

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avanço do entendimento”. A arte é também uma forma de comunicação, uma vez que parafraseando
Gullar (2003, p. 69) expor a arte como o meio menos apropriado para dizer alguma coisa significa dizer
que a arte não quer dizer nada e esta é uma tese inaceitável.
Afirmar-se que a arte é o meio menos indicado para dizer alguma coisa, implica
uma definição da linguagem artística, segundo a qual esta linguagem é um
universo fechado que se alimenta exclusivamente de si mesmo. Essa definição
aparece como verdadeira se se concebe a linguagem da arte (ou qualquer outra)
como um sistema desligado do processo global da história e do espaço social
[...] Mas, se se destrói o sistema de linguagem – que não foi criado por decisão
de nenhuma autoridademas por uma necessidade real de expressão e
comunicação – e se pretende substituí-lo pela valorização de meras atitudes e
especulações arbitrárias, não se ganha nada, não se cria nada, não se ajuda a
ninguém. Trata-se de uma posição ‘libertária’, de fundo niilista, que confunde
os valores e prejudica os verdadeiros artistas. (GULLAR, 2003, p. 70, grifo
nosso)

A arte, enquanto forma de comunicação, tem a função de exprimir uma ideia, um estado de
ânimo, um sentimento, uma identidade. Não é de hoje que os artistas discutem e manifestam estas
ideias e reflexões relevantes para a sociedade, quer seja no debate sobre arte, quer na produção de
artistas significativos.

A Arte Contemporânea: (Quase) ao Alcance de Todos.

A arte contemporânea ainda causa espanto. Não é muito difícil ouvir frases de estranhamento,
como o que é isso? Isto é arte? O público, de modo geral, tentando captar informações acerca do que é
exposto parece desnorteado diante desta arte. Para Veras
[...] a arte contemporânea mete medo porque, ao se deparar com algumas de
suas obras, o público vê suas convenções embaralhadas. A fruição desses
trabalhos pode ser frustrante porque o observador se põe em dúvida, ainda que
em breves segundos, sobre o que está à sua frente (VERAS, 2009, p. 07).

Esta pode ser uma das razões para que muitos deixem de frequentar exposições de arte
contemporânea. Para Chiarelli (2009, p. 12), essa situação “é lastimosa porque muito da produção
recente possui conexões com questões atuais que afligem a todos, de uma forma ou de outra”.
Cauquelin (2005, p. 17) aponta como obstáculo para o entendimento da arte contemporânea a ideia que
se tem de arte e a falta de reconhecimento, por parte do público, da arte que é produzida na atualidade,
isto é, “de que forma a arte do passado nos impede de captar a arte de nosso tempo”.
Chiarelli (2009, p. 12) pontua que “muito daquilo que se observa não possui conexão com o que
foi pensado como arte” e Cocchiarale apud Veras (2009, p. 7) aponta que “habituamo-nos a pensar que
a arte é uma coisa muito diferente da vida, dela separada pela moldura e pelo pedestal e, aliás, a arte foi
mesmo isso durante a maior parte de sua história”. Scott (2009, p. 43), por sua vez, pondera: a “arte
contemporânea é um ambiente não primordialmente destinado à excelência ou à genialidade, e sim ao
experimento, à criação de linguagens”.
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Moacir dos Anjos apud Veras acomete que


[...] a suposta ‘dificuldade’ em ‘entender’ a arte contemporânea está em querer
medi-la e julgá-la a partir de parâmetros que não reconhecem as suas
especificidades. Como qualquer outro qualquer outro campo de expressão e de
conhecimento humano, as artes visuais possuem uma história que
continuamente (re)constrói convenções sobre as quais operam (ANJOS apud
VERAS, 2009, p. 10).

Logo, a arte contemporânea não pode ser emoldurada em conceitos anacrônicos, pois como
apregoa Cauquelin (2005, p. 11), ela “não dispõe de constituição, de uma formulação estabilizada [...]
Sua simultaneidade – o que ocorre agora – exige uma junção, uma elaboração: o aqui-agora da certeza
sensível não pode ser captado diretamente”

Os Parangolés de Hélio Oiticica

A arte contemporânea vem ganhando espaço no cenário brasileiro. A partir do paulatino


desmembramento das estéticas tradicionais surgiram diversas possibilidades de propostas. Pensar em
arte contemporânea hoje significa pensar em algo rentável tanto do ponto de vista financeiro quanto do
ponto de vista do capital simbólico. No Brasil, embora seu crescimento seja notável a arte
contemporânea ainda é vista com reservas pelo público.
Farias (2002, p. 11) aponta que “ainda aparentemente fechadas e irredutíveis, as coisas podem
comunicar-se umas com as outras”. Adianta ainda (2002, p. 14) que “cada obra de arte é em sim mesma
um sinal de descontentamento. Todo artista, diversamente do comportamento-padrão, em vez de
simplesmente satisfazer-se com as obras já existentes [...] prefere ir além”
Logo, tratar de arte contemporânea no Brasil implica tratar de um universo amplo. No cenário
da arte contemporânea brasileira torna-se necessário fazer o estudo de Parangolés, obra de Hélio
Oiticica.
Figura 2: Parangolé Capa 05 – Mangueira, 1965, de Hélio Oiticica.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1075

Hélio Oiticica cravou uma fissura no entendimento tradicional que separava arte e vida. Através
de sua arte ele desenvolveu uma trajetória quese iniciou no âmbito da pintura e passou por
questionamentos que problematizavam a separação entre os territórios da arte e da vida.
Schenberg acomete que
Hélio Oiticica [...] compreendeu a riqueza de possibilidades artísticas da vida
dos morros e favelas, sabendo aproveitá-las com um talento excepcional. Foi
uma das figuras principais da nova objetividade e do movimento tropicalista
(SCHENBERG, 1973, p. 97)

Chiarelli (2009) aponta a obra Parangolés como um desenvolvimento da pesquisa realizada por
Oiticica no campo da cor no tempo e no espaço, numa questão pictórica na qual não foram concebidas
para serem admiradas a certa distância, mas para ser utilizados, para ser vestida, pois para Rush
[...] qualquer coisa que possa ser analisada como sujeito ou substantivo
foi provavelmente incluída em uma obra de arte por alguém, em algum
lugar. Esta inclusão denota uma preocupação central do artista
contemporâneo, que é encontrar o melhor meio possível de fazer uma
declaração pessoal da arte (RUSH, 2006, p. 1)

Nota-se, portanto que assim como apregoa Fischer (2007) existe uma necessidade da arte como
forma de colocar o homem em estado de equilíbrio com o meio circundante e que a mudança da arte,
conforme Archer (2001), tem a divergência do estilo como característica mais marcante, uma vez que
estas mudanças perpassam a vida cotidiana e contribuem para a comunicabilidade da arte.
Oiticicaé autor de uma concepção de obra de arte inaugural e para ele, segundo Paltronieri
(2006, p. 26), “a obra de arte só existia enquanto antiarte2 já que, classicamente, a arte operou em um
mundo descolado dos valores cotidianos, tidos como superficiais ou mundanos”. Oiticica era um
provocador que clamava por uma “transcendência social da arte, isto é, [...] uma arte interessada na
vida” (JUSTINO,1998, p. 21).
Parangolé é uma espécie de capa que se veste, mas também lembra bandeira, estandarte, tenda.
Quanto à posição ética Oiticica aponta, em Aspiro ao Grande Labirinto, que
O meu programa ambiental a que chamo de maneira geral Parangolé não
pretende estabelecer uma ‘nova moral’ ou coisa semelhante, mas
‘derrubar todas as morais’, pois que estas tendem a um conformismo
estagnizante, a estereotipar opiniões e criar conceitos não criativos[...] o
seu pricipalobjetivo é o de dar ao público a chance de deixar de ser
público espectador, de fora, para participante na atividade criadora.
(OITICICA, 1986, p. 81).

2Schenberg (1973, p. 89) aponta que “podemos considerar a antiarte como um alargamento do campo da arte no sentido
tradicional. Ela procura essencialmente eliminar o afastamento entre arte e as vivências tidas como não artísticas pela
estética do passado”. Para Oiticica Parangolé é uma antiarte por excelência.

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Oiticica põe os parangolés como programa ambiental na tentativa de estabelecer relações


perceptivo-estruturais com o público. Para ele

[...] a criação da ‘capa’ veio trazer não só a questão de considerar um ‘ciclo de


participação’ na obra, isto é, um ‘assistir’ e ‘vestir’ a obra para a sua completa
visão por parte do espectador, mas também a de abordar o problema da obra
no espaço e no tempo [...] Parangolé assume uma função importante: é ele o
abrigo do participador, convidando-o a também nele participar, acionando os
elementos nele contidos. (OITICICA, 1986, p. 70)

Os elementos que Oiticica aborda proporcionam ao participador uma sensação estética de


vivência com todo o corpo. Estes elementos são necessários para a leitura e apreciação da obra dando
aspectos e características de comunicabilidade.
Em princípio, todos são capazes de entender e de gostar de arte, mas isto depende de algumas
habilidades como, por exemplo, a observação que deve deixar de ser passiva e passar a ser voluntária e
ativa; a memorização, capacidade de registrar com certa precisão aquilo que foi observado; análise e
síntese, uma vez que analisar é desenvolver e aprofundar a observação utilizando os elementos como
argumentos para justificar as experiências estéticas e síntese no intuito de ser a essência da observação
do objeto. Além destas habilidades existem a orientação espacial, o sentido de dimensão e o
pensamento lógico e criativo.
Em Parangolés é perceptível, por meio da linguagem visual,elementos de comunicabilidade como
a superfície e textura, que provocam sensações ora de receptividade ora de repulsa e as cores, que
exercem determinados efeitos sobre as pessoas e que induzem os participantes à dança e ao
movimento, devido o colorido. Elas podem transmitir ideias e conceitos e possuem uma função
simbólica importante na obra de Oiticica.
Infere-se, portanto, que Parangolés – enquanto obra de arte ambiental - possui elementos que
visam comunicar e que possibilitam sua compreensão e integração entre comunicação, arte e cultura.
Nota-se que a linguagem é um elemento básico para a comunicação, mas por mais objetivo que seja o
seu emprego, ela sempre carrega em si alguma expressão que é percebida por cada um conforme seus
repertórios. Das experiências estéticas proporcionada pelos Parangolés nascem novas linguagens e
caminhos.

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Cultura e identidade cultural: um olhar
sobre o desenvolvimento

Juliana Rezende Soares1

1. Introdução

N
as últimas décadas o número de pesquisas e fóruns a respeito de qual seria a melhor
estratégia ou modelo de desenvolvimento para regiões periféricas do capitalismo mundial
cresceu muito. Na verdade o start dessas pesquisas se deu no inicio da segunda metade do
século passado através dos estudos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe –
CEPAL e pela chamada “Teoria da dependência” 2.
Ambas contribuíram imensamente para o debate da economia e da sociedade latino-americana,
identificando características estruturais específicas e apresentando propostas de políticas públicas
apontado para os desafios contra a desigualdade, a pobreza e a necessidade de fomentar a democracia e
a inserção na economia mundial.
O que se percebe nas pesquisas recentes é a ideia de evolução do desenvolvimento apontada por
Sachs (2008), entendendo a complexidade e a multidimensionalidade do desenvolvimento. O reflexo
dessa influencia aparece na adição de sucessivos adjetivos (econômico, social, político, cultural,
sustentável, etc.) ao conceito. Ainda assim, existe a dificuldade de um paradigma capaz de lidar com o
desemprego/subemprego e a desigualdade socioeconômica crescente dessas economias.
De certo, elaborar uma estratégia de desenvolvimento que contemple as demandas de um país
periférico e ao mesmo tempo não aprofunde ainda mais o quadro de pobreza e desigualdade social e de
renda, é bastante complicado, e por isso, as múltiplas políticas/estratégias podem ser úteis à medida que
sejam conduzidas por um objetivo comum.
Essa tarefa é desafiadora visto que não existe uma teoria de desenvolvimento “pronta” e muito
menos leis universais no que diz respeito a um processo multidimensional e de transformações
estruturais qualitativas que é o desenvolvimento (BRANDÃO, 2004). Pensar numa teoria “pronta”
pode ser uma armadilha, é preciso ter sensibilidade para determinar até onde o uso de algumas teorias é
útil.
O principal equívoco é não considerar a especificidade da formação social e histórica da
periferia, é assimilar sem criticar as doutrinas econômicas irradiadas das potencias hegemônicas,
formuladas em função de suas necessidades e seus interesses. Segundo Furtado (2013), o
desenvolvimento da América Latina encontra-se além do capital, o cerne da questão estaria na

* Mestranda do Programa de Desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro- UFRRJ e graduada em Licenciatura em Educação Artística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ.
2 Ver Cardoso, F. H.; Faletto, E.; Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.
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insistência dos governos latino-americanos em desconsiderarem a dimensão cultural do próprio


território isto é, a coleção de valores, aspirações e padrões de comportamento de sua sociedade. Afinal
o processo de desenvolvimento é social e cultural e só secundariamente econômico.
O objetivo deste trabalho é contribuir para o debate a cerca dos estudos sobre o processo de
desenvolvimento dos países latino-americanos como o Brasil, apresentando reflexões a partir do
pensamento de Celso Furtado, com ênfase na dimensão cultural, na identidade e na criatividade dos
territórios como forma de auxiliar no processo de elaboração de políticas públicas para o
desenvolvimento.
Além desta introdução, o artigo está estruturado em mais duas partes: na segunda parte é
apresentado um quadro geral que mostra a tendência mimetista dos países periféricos e a necessidade
de resgatar as especificidades sociais, culturais e históricas; na terceira parte é enfatizada a importância
da dimensão cultural, da criatividade e da integração entre as políticas de desenvolvimento macro e
micro. Por fim, na quarta parte, as considerações finais.

2. Mimetismo e desenvolvimento

A conformação do terreno é de grande importância nas batalhas. Assim sendo,


apreciar a situação do inimigo, calcular as distancias e o grau de dificuldades do
terreno, quanto à forma de se poder controlar a vitória, são virtudes do general de
categoria. Quem combate com inteiro conhecimento destes factores vence, de certeza;
quem o não o faz é, certamente, derrotado. (SUN TZU, 1913 apud SOUZA, 2000
p.77).

A passagem escrita por Sun Tzu é de grande valia para tentar compreender o processo de
desenvolvimento econômico que aconteceu na periferia do capitalismo mundial no século passado.
Entender o terreno, conhecer seus pontos fracos e potencialidades é fundamental para armar qualquer
estratégia de luta. Na tentativa de vencer a luta contra o subdesenvolvimento, a maioria desses países
percorreu uma trajetória marcante no que tange os aspectos histórico, econômico e social.
No caso brasileiro, embalado pelas políticas nacionais-desenvolvimentistas, o progresso
acontecia a pleno vapor. O crescimento era notável haja visto o “milagre econômico” da década de 70.
O problema era que esse “progresso” fosse diretamente relacionado à conjuntura geopolítica
internacional e, portanto depois da crise de Bretton Woods, do fim do padrão dólar-ouro e da crise do
petróleo em 1979, a economia nacional sofreu um grande choque.
Com o cenário internacional desfavorável economicamente, o Brasil, assim como grande parte
dos países periféricos, teve sua economia seriamente abalada3. O Estado nacional perdeu força e
afundou-se em crises financeiras, comprometendo seu orçamento e principalmente as políticas

3Queda dos investimentos, aumento da dívida interna e externa, superinflação, aumento das taxas de juros, aumento do
desemprego e consequentemente constrangimento do crescimento nacional e aumento da desigualdade e pobreza.

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macroeconômicas de desenvolvimento em prol do pagamento da dívida e controle da inflação.


(FILGUEIRAS, 2006)
A trajetória construída ao longo do século passado na tentativa de se “desenvolver”, ou melhor,
de se industrializar, marcou profundamente a história e sociedade brasileira. Segundo Furtado (2013)
essas marcas poderiam ser mais amenas se o Estado nacional não implementasse um modelo de
desenvolvimento mimético, desenraizado e culturalmente dependente, guiado pelo “mainstream”
econômico.
Furtado atribuiu ao mimetismo cultural a causa fundamental do bloqueio que impede que o
aumento da riqueza seja instrumento do bem-estar social da população e da autonomia da sociedade
nacional. Isso porque a irracionalidade que caracteriza a incorporação de progresso técnico nas
economias dirigidas por elites aculturadas, ignoram as limitações materiais de suas sociedades e
desprezam as necessidades do conjunto da população. Isso causa uma fratura social quase irreparável.
Ser periférico ou subdesenvolvido é um peso histórico de uma sociedade patrimonialista e
clientelista enraizada numa lógica colonial onde a ordem era primeiro servir e depois reproduzir a
metrópole. Portanto encarar o subdesenvolvimento como uma etapa ou um degrau para se alcançar o
desenvolvimento é um erro. (FURTADO, 2013).
Não existe uma teoria pronta de desenvolvimento e nem tampouco as teorias existentes, são
eficazes para cada realidade presente nos países periféricos. O sentido, o ritmo e a intensidade de
assimilação do progresso técnico dependem de decisões políticas internas. Daí a importância de
consolidar a identidade nacional ela é a amálgama fundamental e determinante da afirmação do Estado
nacional, pois é o elemento decisivo para a definição de uma estrutura de prioridade condizente com as
reais possibilidades e necessidades materiais do conjunto da população (FURTADO, 2013).
O processo de desenvolvimento não pode ser pensado de acordo com um modelo de cultura
incompatível ou importado de outro contexto. É preciso ter originalidade e pensar numa política
própria de desenvolvimento baseada nos fatores e atores internos. Segundo Ayres:
A proposta de se efetivar um desenvolvimento autêntico se esvai a medida que se abre
mão do potencial criativo local para favorecer a simples adaptação aos padrões
externamente determinados e realimentar o processo de acumulação desconectado
com o contexto local. Ele busca caminhar junto com os desafios da vida vivida. [...]
não a simples capacidade de resolver problemas que recebemos já estruturados e
formulados, e sim a capacidade de discernir, formular e resolver quais são nossos
problemas e prioridades (AYRES, 2013, p.4).

Os problemas internos que habitam em todo país subdesenvolvido estão na raiz da sociedade,
no processo de construção dos valores e na forma como ela está organizada. Por isso a importância de
resgatar a base cultural na hora de propor e aplicar um projeto de desenvolvimento econômico.
Novamente, desenvolvimento e não apenas crescimento econômico, é preciso ter consciência de que a
qualidade de vida nem sempre melhora com o avanço da riqueza material de um povo.

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Essa visão deturpada é em grande parte influenciada pelos modelos de desenvolvimento


tradicionais que preconizaram o eixo econômico. Esse raciocínio segundo Furtado (2012) é uma falsa
premissa da autonomia dos fins, ora se o objetivo fundamental da política de desenvolvimento é
melhorar a vida dos homens e mulheres, seu ponto de partida terá de ser a percepção dos fins, dos
objetivos que se propõem alcançar os indivíduos e as coletividades.
A intenção desse trabalho, no entanto, não é negar a importância do crescimento econômico,
mas ressaltar que embora seja necessário não é suficiente para responder aos conflitos sociais e
econômicos (MALUF, 2000) 4. Revisitar a dimensão cultural antes de montar um plano de
desenvolvimento, significa levar em consideração a cultura e identidade cultural de cada espaço ou
como define Magnaghi (2000 apud SAQUET, 2010) o “código genético local, material e cognitivo”
embutido nas crenças, língua, instituições e atos territorializantes sociais e históricos de cada espaço, ou
seja, é preciso conhecer o código genético do território em questão.

3. Dimensão cultural, criatividade e desenvolvimento

Para compreender melhor o significado desse código genético é interessante resgatar a análise feita
por Milton Santos em “A Natureza do Espaço”, sobre a conformação do espaço e influência dos atos
territorializantes imprimidos dentro de um espaço ou território. Para Santos (2006):
O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório,
de sistemas de objetos e sistemas de ações [...] De um lado, os sistemas de objetos
condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à
criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o
espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2006, p.39).

As ações as quais se refere, são resultado das necessidades naturais ou criadas tanto pelo
homem quanto pelo capital ou pelas instituições. Essas necessidades podem ser de ordem material,
econômica, social, cultural, moral ou afetiva. É o conjunto dessa inter-relação entre objeto e ações, que
ajuda o homem a construir e caracterizar cada espaço. Com o tempo esse conjunto se transforma em
um processo social marcado de heranças simbólicas e concretas as quais Santos (2006) denomina
rugosidades.
As rugosidades são a identidade, a memória, os acontecimentos, as mazelas e os triunfos que
constituem cada espaço. São elas que constroem o contexto de cada espaço e atribuem ao território um
caráter relacional (REIS, 2005), onde é ao mesmo tempo, determinado e determinante das relações
sociais, culturais, políticas e econômicas existentes em espaços delimitados de forma concreta ou
abstrata, onde se estabelecem formas específicas de representação, códigos e instituições,
caracterizando uma noção de territorialidade.
4 Segundo (SEN, 2000) o crescimento econômico é um meio de expandir as liberdades sociais, políticas e econômicas do
cidadão, ou seja, é através dele que a sociedade consegue um mínimo de dignidade, emprego, educação, saúde e alcança as
condições materiais de sobrevivência.

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Retomando a passagem do tratado militar escrito por Sun Tzu no século IV a. C. a


conformação do terreno, ou seja, o entendimento a respeito de quem são os indivíduos, quais são as
necessidades, os desafios e as potenciais qualidades que o constituem, são essenciais para vencer a
batalha e são exatamente esse conjunto de ações e as rugosidades de cada espaço que vão constituir um
quadro de referências necessário para pensar o desenvolvimento.
A melhor maneira de se tentar entender as rugosidades é revisitando a dimensão cultural do
território, isto é, estudar a cultura e a identidade cultural de cada território, assim como as instituições
sociopolíticas que atuam sobre eles. Mas então o que é cultura? Responder essa questão é um tanto
quanto complexo, visto que cultura pode ser interpretada de diferentes maneiras dependendo do ponto
de vista adotado por quem responde.
Nesse trabalho usaremos a visão de Furtado (2012) que define a cultura como a coerência do
sistema de valores e símbolos que asseguram sentido e direção ao esforço criativo de um povo, ou seja,
é um conjunto de ações que podem conduzir ao fortalecimento da autoestima da comunidade
emergindo como um potencial de sabedorias locais e diretrizes úteis para o desenvolvimento e
qualidade de vida (KASHIMOTO et.al, 2002).
Nesse contexto, a cultura é entendida como um conjunto de crenças, costumes, valores e
hábitos adotados por sociedades ou grupos de pessoas podendo funcionar como um insumo cultural
empregado como fator de diferenciação e mesmo de inovação, compondo o que Furtado (2012) chama
de identidade cultural, ou capacidade inventiva da sociedade em combinar e desenvolver, a partir de seu
contexto sócio-cultural, novas forças produtivas.
Entendendo a identidade cultural como insumo para novas forças produtivas, a sua relação com
o desenvolvimento é clara. Além dos serviços básicos e avançados5 é necessário traduzir as reações e
intervenções dos indivíduos e das comunidades atingidas por esses serviços. A economia passa a ser
instrumental, emprestando seus alicerces de planejamento, eficiência, estudo de comportamento
humano e dos agentes do mercado para reforçar a coerência e a consecução dos objetivos traçados pela
política pública.
As culturas locais devem ser consideradas não só pelas suas especificidades antropológicas, mas
também no sentido de valorizar sua participação na elaboração de políticas culturais que considerem as
características próprias de cada realidade. A qualidade do desenvolvimento local requer a imbricação
entre as políticas culturais e as demais políticas públicas sociais, econômicas, educativas, ambientais e
urbanísticas.
A criatividade surge como disposição de pensar, criar ou aperfeiçoar conexões na tentativa de
solucionar problemas, contribuindo para alimentar um processo dinâmico nos múltiplos setores que

5Ver COCCO, G. Mobilizar os territórios produtivos: para além do capital social, a constituição do comum. In: SILVA, G.;
COCCO, G.; Territórios produtivos: oportunidades e desafios para o desenvolvimento local. Ed DP&A, 2006

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sustentam a economia de um dado território. E reforçando seu papel de catalisador entre o social, o
político e o econômico, a criatividade é um combustível renovável e cujo estoque aumenta com o uso.
Além disso, a “concorrência” entre agentes criativos, em vez de saturar o mercado, atrai e estimula a
atuação de novos produtores. Essas e outras características fazem da economia criativa uma
oportunidade de resgatar o cidadão (inserindo-o socialmente) e o consumidor (incluindo-o
economicamente), através de um ativo que emana de sua própria formação, cultura e raízes.
Uma das características positivas da criatividade é que não está atrelada necessariamente a
quantidade de capital econômico ou cultural a qual um território está submetido, e sim aos estímulos e
necessidades que os indivíduos de determinados espaços sofrem ao longo de sua trajetória, ou seja, não
obedece nenhuma determinação natural para emergir, e nesse ponto é colocada como democrática.
O desenvolvimento, portanto precisa considerar a dimensão cultural e criativa dos territórios,
resgatando e estimulando as diversidades e potencialidades internas, quanto força estratégica. A base
para o desenvolvimento está na singularidade do território, nas dimensões culturais, criativas, vocações
econômicas, dinâmicas sociopolíticas que se estabelecem entre seus agentes e setores. Essa
singularidade deve ser o leme do desenvolvimento, entendido como um conjunto entrelaçado das
políticas culturais, sociais e econômicas. (REIS, 2008).
Complementando a ideia de Sun Tzu, a estratégia para vencer a batalha, portanto, deve
considerar, embora não como único, o entendimento sobre a cultura e a identidade cultural dos
territórios. Quaisquer que sejam as necessidades e potencialidades encontradas a partir desse estudo um
bom modelo de desenvolvimento é também criativo e articula as políticas de desenvolvimento nas
múltiplas escalas e dimensões.
Segundo Flores (2006) essa articulação pode representar o rompimento com as práticas
tradicionais de políticas clientelistas e domínio do poder por segmentos específicos, facilitando a
formação de novas iniciativas, reconstruindo as redes de poder local e permitindo a formação de novas
estratégias de cooperação através de novas tecnologias, novos setores, novos recursos e outros fatores
inovadores que dependem do que Florida (ano) chamou de éthos criativo6.
No entanto considerando todos os apontamentos feitos até aqui é natural se perguntar como
por em prática um modelo de desenvolvimento levando em consideração a coerência interna, os
limites, as diferenças, a criatividade, o processo histórico e as necessidades de cada microespaço que
compõe um território?
É dentro desse contexto que se fortalecem as políticas de desenvolvimento endógeno ou “de
baixo para cima”, por caracterizarem por uma dimensão mais micro, teoricamente estão mais próximas
da realidade e mais familiarizadas com a identidade e territorialidades que agem nas escalas sociais,

6 Espírito inovador ou natureza fundamental de uma cultura.

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culturais e econômicas de uma determinada comunidade e, portanto, mais eficazes na tentativa de


encontrar novos significados e novas estratégias de promoção de desenvolvimento e equidade social.
Evidente que para essas propostas lograrem êxito é preciso dispor de um mínimo de condições
favoráveis em termos de comunicação e serviços que estimulem o fortalecimento dessa identidade e o
empreendedorismo local. (VEIGA, 2002). Os agentes endógenos são em alguns casos os que mais
contribuem para a mudança econômica e inovações locais justamente por procurarem identificar as
necessidades e potenciais oportunidades de negócios de cada local.
Num país de dimensões continentais como o Brasil, por exemplo, existe uma dificuldade
crônica do Estado, sozinho, conseguir descer e atingir as dimensões meso e micro e nesse caso as
alternativas de desenvolvimento endógenos se tornam vias importantes para fomentar o
desenvolvimento dessas escalas. Porém essa dificuldade não justifica enxergar as escalas micro e meso
como uma visão reduzida dos problemas nacionais ou pensar que agrupar todas as comunidades pouco
desenvolvidas em pequenos arranjos produtivos seja a solução para fomentar o desenvolvimento
econômico e social daquele local. (BRANDÃO, 2004).
É decisiva a importância do acionamento das forças endógenas, mas sem deixar de
lado os macroprocessos e a hierarquia de poderes que tem sob sua decisão outras
escalas exógenas a localidade. Esse alerta é importante para não cairmos em análises
“uniescalares”, presas aos localismos e endogenismos exagerados. (BRANDÃO,
2004).

Mesmo numa era onde o Estado está cada vez mais coadjuvante do processo de
desenvolvimento, ainda é dele a função principal de articular as várias propostas de desenvolvimento e
fornecer as condições básicas para que possam de fato atuar com êxito na promoção de um
desenvolvimento mais homogêneo e equitativo.
Esse é um trabalho de longo prazo preocupado com uma política de desenvolvimento voltada
para as múltiplas escalas e setores de dentro do país e para isso é importante ter um Estado ativo capaz
de articular os espaços de desenvolvimento (desde o nível local até o transnacional), promover as
parcerias necessárias entre os agentes sociais e por último, capaz de realizar um planejamento
estratégico que harmonize as metas sociais, econômicas e culturais. (SACHS, 2008).

4. Considerações finais

Apesar de inserido na agenda contemporânea nacional brasileira, o binômio cultura-


desenvolvimento, ainda é um desafio. Existe um hiato histórico entre desenvolvimento e cultura
refletido, em geral, nos modelos de desenvolvimento tradicionais que priorizam o eixo “crescimento
econômico”, e secundarizam as questões culturais, sociais e ambientais.
O atraso no reconhecimento da cultura como vetor auxiliar de desenvolvimento é nítido, basta
observar que a mesma só passou a integrar as estratégias de desenvolvimento no Brasil, três décadas

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depois da criação do Ministério da Cultura (Minc) em 1986 e chegou ao ponto de exclui-lo em 1990. Os
gestores públicos tendem a olhar a cultura como atividade supra-econômica geradora de despesa
(manutenção e restauração de equipamentos culturais) enquanto as empresas privadas pela ótica do
mercado e dos interesses (PRESTES 2001). A busca de convergência entre cultura e desenvolvimento é
essencial.
O desenvolvimento endógeno criativo é uma expressão da capacidade de criar soluções
originais aos problemas específicos de uma sociedade. A preservação da cultura e a valorização da
mesma são um contraponto no combate de uma globalização que cada vez mais introduz vetores de
“desenvolvimento” que não fazem mais do que mutilar a identidade cultural e a liberdade criativa dos
territórios quando “sugerem” a reprodução de padrões de consumo, reformas políticas, sociais e
econômicas voltadas para um contexto cultural e histórico completamente diferente das necessidades
da massa subdesenvolvida ou em desenvolvimento.
O diferencial das políticas de desenvolvimento endógenas é oportunidade de dar visibilidade
aos agentes sociais diferentes daqueles historicamente privilegiados e caracterizados por posturas
patrimonialistas e conservadoras. São os “novos” agentes de dentro do território que vão analisar os
próprios contextos, identificar seus problemas e propor caminhos alternativos para ação. Funcionando
como uma lupa para identificar os conflitos e potenciais, a fim de auxiliar o desenho de políticas
públicas de forma articulada entre Estado e sociedade civil.
O esforço para o desenvolvimento deve ser em todos os níveis, do local ao nacional, e deve sem
dúvida explorar as oportunidades de desenvolvimento social e crescimento econômico que podem
surgir em determinados territórios. Tanto o mercado, o Estado e a sociedade têm suas falhas e
potencialidades por isso é fundamental a articulação das conexões necessárias e um planejamento
estratégico de modo que juntas essas iniciativas possam funcionar como ramificações alternativas de
desenvolvimento econômico e bem estar social.
Resgatando a inquietação de Sachs, o desafio é desenhar uma estratégia de desenvolvimento que
seja ambientalmente sustentável economicamente sustentada e socialmente includente. Para isso, deve
se abandonar a tradição do mimetismo e redirecionar o olhar para as especificidades da sociedade, da
história e do território.

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O artista plástico de rua: carreira artística e
constituição de identidades

Leila Maribondo Barboza1

1. Introdução

A
ssim como investigar as formas de sociabilidades na constituição de identidades dos artistas
plásticos, foi frutífero compreender suas carreiras artísticas para compreender o espaço
público vivido. Pierre Bourdieu (2007) contribui diretamente nessa perspectiva, com os
conceitos de campo artístico, acúmulo de capital (simbólico, cultural, econômico, etc.) e habitus.
Em O poder simbólico (2007), Bourdieu discute que as categorizações sócio-históricas podem ser
frutos da distribuição desigual de poder. Ao discutir a noção de campo artístico, o autor traduz para a
análise das relações sociais a luta de classes, em que os agentes, uma vez inseridos no jogo, disputam
poder, status e prestígio. Os diferentes graus de acúmulo de capital – como o cultural, o simbólico e o
econômico – posicionam os agentes na hierarquia do campo, o qual é dividido entre dominados e
dominantes. Dessa maneira, as forças que tensionam os agentes no campo tendencionam-os a
percorrerem uma determinada trajetória, um habitus. Nesse sentido, o campo mostrou ser fértil o
diálogo entre um habitus do campo artístico e a trajetória de vida dos artistas plásticos, especificamente os
chamados “de rua”2.
A presente reflexão resulta de uma parte da dissertação de mestrado, intitulada de “Os artistas
plásticos da Feira de Artesanatos do Campo de São Bento, Niterói RJ”, a qual pretendeu explorar as
formas de sociabilidade, constituição de identidades e carreiras dos artistas plásticos “de rua”. A fim de
perceber os elementos indicativos do habitus da carreira das artes plásticas, a pesquisa, que teve duração
de catorze meses, baseou-se na etnografia acompanhada da análise dos relatos orais e histórias de vida
das pessoas que compõem a feira em questão, sobretudo dos artistas plásticos.
Dessa maneira, o texto condensa a análise das carreiras dos artistas plásticos de rua realizada na
dissertação de mestrado, tendo como intenção sinalizar os principais elementos da constituição de
identidade dos produtores, assim como indicar como as práticas sociais podem estar presentes na
criação artística.

1 Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense (PPGS/ UFF).
Pesquisa financiada pela Coordenação de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).
2 Sinalizo, no decorrer do texto, alguns termos entre aspas para marcar que são categorias nativas, ou seja, apresentadas pelo

campo de pesquisa.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1088

Os artistas plásticos da feira: percurso e narrativas

O grupo de artistas plásticos da Feira de Artesanatos do Campo de São Bento (Niterói, RJ) é
composto por aproximadamente3 vinte pessoas. A maioria dessas é do sexo masculino, possuem
sessenta anos ou mais e residem na região norte.
Os dados da pesquisa indicaram que parte dos artistas plásticos aprendeu a técnica da pintura
sozinhos, parte com os chamados “mestres” em seus ateliês, parte em cursos livres e parte formado (ou
que cursaram algum período da faculdade) na área das artes.
O grupo de pessoas que aprenderam a técnica das artes plásticas sozinhas trabalhavam em
outro segmento com alguma afinidade com a pintura ou pintavam para o espaço privado. Grande parte
desses artistas plásticos transitou em outras formas artísticas (como o crochê, pintura em tecido, em
vidro) antes de migrar para a pintura em tela.
Gertrudes: Eu aprendi sozinha, desde menina que ficava desenhando e nunca mais
parei. Ninguém me ensinou nada não. Fucei, fucei e aprendi a pintar em tecido.
Pintava flores. Depois passei para a pintura em tela, e pintava flores também. E então
agora, bem depois, que estou pintando abstrato.
Pedro: Eu trabalhava como diretor de arte de uma copiadora, fazia desenhos também.
Me inscrevi aqui na feira como artista plástico para tirar um dinheiro a mais, comecei a
pintar para vender há pouco tempo. Mas me vejo mesmo como desenhista.
Ana: Eu sempre gostei de arte, pintava para mim, para enfeitar a casa, pintava pote de
vidro, tecido. Dava de presente para os parentes, as amigas. Mas depois eu comecei a
vender, recebi uma encomenda de uma amiga para dar de presente, depois outra... e aí
fui pintando e vendendo.

O grupo de artistas plásticos da feira que aprenderam em ateliê com seus mestres é, em sua
maioria, do sexo masculino. Os chamados “mestres” são artistas plásticos reconhecidos socialmente,
sobretudo no espaço da rua, e que possuem ateliês próprios. Nesses ateliês, “aprendizes” de artistas
plásticos não apenas aprendem a técnica da pintura, mas também os valores do trabalho. Os artistas
plásticos da feira ex-aprendizes de seus mestres relatam da experiência como a obtenção de uma
titulação. Ou seja, como uma constatação de seu prestígio, uma vez que aprendeu a pintar com
determinado artista plástico reconhecido.

Josival4: Eu tive meu mestre. Ele era um grande artista plástico!

José: Josival teve sorte! Estudou no ateliê de Homero!

Josival: Eu ia para o ateliê e ficava observando Homero produzir, seus traços,


pinceladas, e aos poucos você vai assimilando. Até que um dia eu fiz um quadro, e
Homero foi me dizendo onde eu errei, onde poderia melhorar. Aprendi muito!

Os artistas plásticos que aprenderam em cursos livres indicaram ter buscado a experiência em
busca de novas formas de sociabilidades. Como indica o exemplo de Flávia:
3 Digo o número aproximado pois os produtores entram e saem da feira com certa frequência, inclusive por ser composto,
majoritariamente, por idosos, o que influencia no afastamento devido a doenças, entre outros fatores.
4 Ressalto que esses são nomes fictícios, a fim de preservar as pessoas que compuseram a presente pesquisa.

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Flávia: Há um tempo atrás eu passei a pintar com um grupo de amigas, colegas, em


Icaraí. Ia mais para sair de casa, sair da rotina de cuidar de marido. A gente se juntava
em um apartamento e uma delas ensinava as outras, era a professora. Ela pintava
muito. Concertava a gente, ensinava os traços, falava para a gente ler. Eu gosto muito
de ler sobre história da arte, saber sobre os movimentos. A gente tem que estudar para
saber passar as coisas, saber o que está fazendo, o que o seu colega está fazendo. Eu
sei todos os movimentos artísticos, os artistas, Monet, Manet, Renoir.

As pessoas que possuem contato com a academia, especificamente na área das artes, relataram
estar na feira temporariamente, como um momento de suas carreiras, e não o espaço principal
ocupado. Relataram ocupar outros espaços, e esses sim “legítimos” (relatado pelos artistas plásticos),
como as galerias.
Eu estou no quarto período da faculdade, estou desenvolvendo meus traços... o
público daqui não é o público que aprecia arte, o pessoa quer uma coisa mais
decorativa, ainda estou me adaptando. [...] Agora... tem muita diferença o que eu faço
pra cá e o que eu faço para outros lugares... aqui eu deixo a parte teórica de lado, uso
só relações cromáticas. Enfim, pra não virar uma bagunça o quadro né... procuro o
lado mais estético da arte. Pra outros espaços, tipo em galeria ou os quadros que eu
faço na faculdade, eu tô pesquisando uma poética pessoal, tô pesquisando outros
pintores. (Téo)

Apesar de o grupo de artistas plásticos se ressaltarem como unidade no todo da feira, no


interior do mesmo, entre os artistas plásticos, há relevos e disputas de poder, e não são uma rede linear
e coesa.
Eles me consideram um artista diferente de todos eles. Eu vou falar a verdade... que
não tem do meu tipo... uma qualidade minha é bem superior, você tá sabendo né?
Quer dizer, todos eles aí olham assim ó torto... veja a pintura deles e veja a minha e
você vê a diferença. Cada um é diferente, um é mais, outro é menos... o lance é ganhar
dinheiro.(Ademar)
Tem gente aqui que eu sei que não gosta de mim... não fala, mas eu sei que tem. Eu
tento puxar assunto, mas a pessoa finge que nem ouve, responde qualquer coisa. Isso
porque eu vendi três quadros só na semana passada. Aqui é assim. Se você vende
mais, o colega fica zangado, fica todo sentido. Mas vou fazer o que? Que bom que
agradou o cliente né? Pelo menos eu vendi. (Cledir)

Para Ademar há uma ligação entre pintar abstratos e ter dinheiro. “Quem tem dinheiro, está mais no
topo, domina mais... pode pintar assim”, relata Ademar.
Foi frequente, durante a pesquisa, a referência em pintar abstratos e estar “no topo”, ou “estar
mais tempo pintando”, ou “pintar para galerias”, ou ser uma prática de quem “tem dinheiro”. Essa
frequência parece evidenciar a existência não apenas de uma forma dominante de fazer arte, mas
também a existência de um habitus5 do campo, materializado no objeto produzido. Os produtores de
artes plásticas da feira, denominados por eles mesmos como “artistas de rua”, evidenciam não possuir

5 Segundo Bourdieu (1989), o campo pode ser compreendido como um espaço social e simbólico, tensionado pelo habitus
do próprio campo, em que os agentes envolvidos assumem posições hierárquicas e dinamizadas. As regras do campo são
legítimas para os agentes, de modo que estes são ativos e receptivos. Há, portanto, uma dialética entre os agentes e o
campo. O habitus é um conjunto de tendências que podem direcionar a atuação dos agentes dentro do campo, de modo a
haver ajustamentos dos agentes nesse conjunto de tensões.

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determinado capital econômico e cultural acumulado para investir no jogo do campo e percorrer o
caminho – habitus – de modo a atingir o grupo de artistas que dominam e

[...] podem pintar abstrato. É assim, se você fica muito tempo investindo uma hora
consegue... mas quem tem dinheiro assim? Só rico mesmo... a gente aqui faz pra
vender rápido, status é legal, mas aqui a gente tem que fazer de tudo...(Cledir)

Comecei como desenhista... o artista começa como desenhista e aí vai aprimorando.


Aqui todo mundo estuda alguma coisa da pintura acadêmica, no final você chega na
arte abstrata. (Hugo)

A temática do abstrato foi relatada como tradução da maturação do trabalho do artista plástico.
Ou seja, o artista plástico com determinado tempo de carreira começa a pintar abstrato.
A pesquisa mostrou que a maioria dos produtores necessita do dinheiro da feira para seu
sustento. Ademar apresenta sua atividade como uma forma de complementar a sua renda de aposentado
que é pouca. A baixa renda do produtor, sua posição na ordem social e econômica, também constitui
sua identidade. A identidade de Ademar encontra-se marcada nos seus quadros e materializa o contexto
que localiza sua produção, que localiza, logo, ele próprio. Ou seja, se torna evidente a relação da
identidade de Ademar com a diferença do mercado da feira e outros tipos de mercados, os quais
estariam destinados à “pessoas que tem dinheiro para investir um bom tempo sem retorno imediato”.
Eu vendo uma tela assim parecida com essa... aí essa daqui eu reproduzi, mas
tomando o cuidado de não repetir as mesmas coisas e tal.. eu coloco um cara ali, até
esqueci de colocar no barco alguma pessoa... coloquei mais um barco aqui, dei mais
movimento no mar. O negócio é vender, o objetivo aqui é vender para ganhar
dinheiro. Não tem nada, nada a não ser isso. Por exemplo, se eu tivesse dinheiro, eu
faria obras que iriam para o exterior, umas coisas da minha cabeça, faria umas coisas
diferente, entendeu? De alto nível, para ser espalhada por aí. Mas eu sou obrigado a
vender para poder sobreviver. Entendeu? O problema é esse! (Ademar)

3. A velhice e as artes

Foi frequente entre os artistas plásticos, a ocupação do trabalho manual em boa parte de suas
vidas. Bosi (1994, p.471), em Memória da arte, memória do ofício, revela questões interessantes sobre o
trabalho manual, o qual possui dupla significação. A primeira seria a de que o trabalho manual
“envolveria uma série de movimentos do corpo penetrando fundamente na vida psicológica. Há o
período de adestramento, cheio de exigências e receios; depois, uma longa fase de práticas”. E a
segunda seria, “simultaneamente com seu caráter corpóreo, subjetivo, o trabalho significa a inserção
obrigatória do sujeito no sistema de relações econômicas e sociais”. Ou seja, o trabalho é uma atividade
que resulta em renda e está posicionado na hierarquia de uma sociedade composta “por classes e
grupos de status”.
As duas dimensões do trabalho abarcam nos sistemas subjetivo e objetivo do indivíduo. Na
primeira dimensão, houve uma frequência de relatos com tons prazerosos sobre o fazer.

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Telma: Quando eu pinto eu esqueço de tudo. Minha alma flui! Meu corpo flui! É uma
terapia para mim as minhas telas, meus pincéis! Não tem pra ninguém. Meu marido
fica olhando, olhando.

Porém, no aspecto objetivo, no qual a pessoa idosa está inserida na estrutura capitalista, houve
relatos condizentes às mazelas próprias enfrentadas na desigualdade social. A maioria das pessoas que
compõem a feira como um todo são idosas. Tereza, de setenta anos de idade, relata: “as tintas, a tela
significa tudo né, renda mensal pra mim, compro remédio, o que mais eu compro é remédio!”.
Sendo o corpo a possibilidade de materializar a ideia, a teleologia, de determinado objeto, a
saúde possui destaque no processo do fazer. O idoso, que está propício a ter sua saúde debilitada,
enfrenta uma particularidade com seu corpo, a qual pode fragilizá-lo na lógica do mercado. Como no
caso de Olga, que anda com muita dificuldade, e sua produção não é tão rápida como a de outros
produtores. Ou como Gilmar que sua visão também interfere no fazer e trai os seus traços. Ou como
relatou Ademar “artes plásticas é só um trabalho, o que o INSS dá é uma porcaria, (...) os meus quadros,
essa coisa toda significa dinheiro, eu quero é vender, porque eu preciso do dinheiro para comprar
remédio”.
A feira, que consiste em um espaço rico de possibilidades de sociabilidades, abriga pessoas que
buscam construir novos laços sociais. A venda dos seus quadros na feira ajuda a complementar a renda
de Silvia, que é pensionista e viúva.
Aqui na feira é muito bom, é bom para conhecer outras pessoas... o convívio não
deixa minha cabeça parar, dando mole para doença, trabalhando eu fico mais atenta...
mas tem dia que é difícil, a visão não é mais a mesma 6... (Silvia)

3.1. As questões de gênero


Nesse momento, o estudo buscou contemplar os dados que submergiram durante a pesquisa de
campo sobre a variável de gênero. A maioria dos vendedores da feira é composta por pessoas idosas, e
dessas a maioria são mulheres. As questões de gênero atravessam a velhice. A questão de gênero pode
se constituir como um dos elementos identitários das artistas plásticas.
A mulher idosa hoje pertence a uma geração em que o casamento possuía um valor para além
do laço afetivo. Destinadas à instituição do casamento, as mulheres eram prometidas a servir ao espaço
privado. O trabalho realizado na feira se traduz na ocupação do espaço público, como uma
possibilidade de construção de laços para além da família.
Além das mulheres idosas artistas plásticas casadas que trabalham na feira há também as que
não são. Como no caso de Vilma, que é artista plástica desde que seu marido faleceu, há vinte anos.
Meu marido faleceu faz um bom tempo, sabe... foi aí que eu comecei a pintar. Sempre
pintei, mas nunca tinha vendido até então. A renda vinha mesmo do meu marido, mas

6Durante as observações dos feirantes idosos, o assunto sobre superar alguma doença ao produzir se apresentou em todos
os casos. A maior queixa foi a da visão, e segunda maior com a locomoção, com problemas cardiorrespiratórios e
ortopedia.

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depois eu tive que arranjar alguma outra renda. Foi aí que eu resolvi pintar para vender
mesmo. Foi a necessidade...

Em vista de serem destinadas à instituição do casamento, as mulheres poderiam ser prometidas


a servir ao espaço privado. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a expectativa de vida é maior nas mulheres do que nos homens. Dessa maneira, o
rearranjo familiar – seja porque se tornaram viúvas ou não casaram – compõe como um indicador da
ocupação do espaço público para essas mulheres. Alguns elementos que submergiram nos relatos das
mulheres idosas artistas plásticas da feira podem justificar o fluxo do feminino. Muitas indicaram
trabalhar na feira por procurar novas formas de sociabilidade, em que foi possível destacar os seguintes
motivos: solidão e empobrecimento.
Segundo Salgado (2002), as mulheres idosas encontram-se mais expostas à solidão e à pobreza
do que os homens. Geralmente são menos qualificadas profissionalmente e depois de enviuvarem
dificilmente se casam novamente.
A busca por exercer uma atividade remunerada, como o trabalho na feira, atrai uma demanda
que necessita de proteção social específica. Entretanto, a mesma é desviada, ocorrendo a submissão do
idoso ao mercado de trabalho. Segundo Goldenberg (2002), a pessoa idosa é culpabilizada no momento
em que não executa mais as ações determinadas pela sociedade.
Cabe perceber aqui o feminino não como essência, mas o “feminino como experiência”
(OLIVEIRA, 1992, p.15). A cultura do feminino materializada no corpo vem sofrendo mutações,
ganhando assim novas formas. Giddens (1993, p.10) oferece uma importante contribuição para o
debate em A Transformação da Intimidade, se referindo ao “amor romântico” como um dos elementos que
compõem as posições sociais de gênero, ajudando “a colocar a mulher `em seu lugar` - o lar”. Ao
considerar a emancipação da mulher como também uma emancipação sexual, o autor caracteriza a
sexualidade moderna como uma sexualidade plástica, libertando a “sexualidade da regra do falo”. As
mulheres idosas viveram essa transformação social, carregando símbolos geracionais.
Geise, artista plástica há quinze anos, diz estar na feira “mais pra fazer amizades do que pra
vender”. Segundo Geise, “agora é bem melhor do que antes... antes tudo tinha que perguntar para o
marido se podia, às vezes nem perguntar podia”. Geise se divorciou há vinte anos e diz que pintar
“significa muito mais do que só pintar”: “pintar para mim é saber que eu posso fazer as coisas, decidir
coisas que eu não sabia que podia”.
Giddens (1993, p.11) relaciona a compatibilidade da mutação da intimidade com a
democratização no espaço público. Nessa perspectiva, é possível perceber que a mulher idosa vive sua
corporeidade e constitui sua identidade também na ocupação, por meio da carreira artística, do espaço
público. Nessa perspectiva, Saffioti (1994, p.271) contribui de maneira relevante, ao dizer que “todas as
atividades humanas são mediadas pela cultura, pois é graças a este verdadeiro arsenal de signos e

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símbolos que aquelas atividades adquirem sentidos e os seres humanos tornam capazes de se
comunicar”.
É válido destacar que o conceito de gênero carrega um conjunto de ideias historicamente
construídas (SCOTT, 1990, p.01). Scott (1990, p.14) define gênero a partir de duas proposições. “como
um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre os sexos” e como
“uma forma primeira de significar as relações de poder”.
Diferente de sexo – feminino ou masculino – o gênero é composto no vivido, na corporeidade
de sujeitos sociais para além do biológico, superando qualquer determinação categórica da “existência
de uma essência masculina e uma essência feminina” (SAFFIOTI, 1994, p.271). Resultado de
sociabilidades entre agentes historicamente situados, o gênero se constitui para além do discurso da
diferença. Ou seja, “ser mulher não é apenas diferente de ser homem” (SAFFIOTI, 1994, p.277). A autora
coloca a importância de admitir a pessoa como múltipla, a qual participa “das relações de gênero, de
raça/ etnia e de classe social em diferentes posições – de dominação e de sujeição” e “da convivência
competitiva de várias matrizes de inteligibilidade cultural de gênero” (SAFFIOTI, 1994, p.277). A
pessoa, logo, se traduz no múltiplo e no complexo, no geral e no particular. Assim, o campo mostrou as
questões relativas às relações de gênero como um dos elementos na constituição de identidades dos
artistas plásticos.
Na análise dos homens idosos, os quais compõem a maioria no grupo de artistas plásticos,
apresentaram outros indicadores que se diferem ao das mulheres idosas. A maioria são (ou foram)
chefes de família e pintam por precisarem complementar suas rendas. Apesar de grande parte serem
aposentados, continuam trabalhando durante a semana e nos finais de semana na feira. Geralmente,
trabalham como autônomo e a instabilidade marca suas atividades profissionais.
Fábio, além de vender seus quadros na feira nos finais de semana ainda procura emprego
durante a semana. “Não consegui arranjar nada... a situação está difícil, está muito difícil, me inscrevi
em um curso para idoso desses social, mas é muita gente, muito idoso precisando de emprego”. Certas
vezes, durante o período em que o acompanhei, Fábio relatava sua indignação: “depois de velho ainda
ter que passar por isso”.

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4. Considerações finais
O presente texto buscou submergir alguns elementos que pudessem indicar a constituição de
identidades dos artistas plásticos da Feira de Artesanatos do Campo de São Bento (Niterói RJ),
compreendendo suas formas de sociabilidade, as buscas e conformismos em suas carreiras artísticas.
A presente exploração pretendeu somar ao pensamento social na percepção do campo artístico
das artes plásticas, assim como apontar os modos de categorização das pessoas e dos objetos por elas
produzidos no mundo social. Ou seja, como muitas vezes o sujeito passa a ser objeto da lógica
mercantil e como o objeto pode assumir a forma de sujeito. Assim, havendo uma transmutação do
sentido humano das relações. Ou como diria Karl Marx (2002) em sua crítica sobre o fetichismo da
mercadoria: a relação entre pessoas assume a forma de relação entre coisas.

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Cultura popular no Tocantins e a valorização
das identidades regionais

Verônica Dantas Meneses1


Judivan Alves Ferreira2

Introdução

A
diversidade cultural presente no Brasil é notória. Cada viagem, cada encontro com
manifestações populares, religiosas e folclóricas, desde os grandes centros urbanos aos mais
desconhecidos povoados do interior, afloram a criatividade de um povo unindo suas
demandas vida, sua fé, valores e a necessidade de reforçar laços identitários. Ainda que com a mesma
origem e raízes, cada fato se torna único e representa cada lugar, revelando suas expectativas presentes
nas peculiaridades dos ritos compartilhados comunitariamente.
Retratar os festejos de São João do distrito de Príncipe, no Tocantins, constitui o objetivo
central deste trabalho, entendendo aspectos da diversidade cultural que orientam a reelaboração cultural
características dos fatos folclóricos. O povoado de Príncipe é um distrito do município de Natividade
que fica a 230 (duzentos e trinta) quilômetros da capital Palmas, formado principalmente por
agricultores e lavradores.
A festa é maneira de motivar a comunidade, reforçar sua autoestima, incentivar a afirmação de
sua cultura pela preservação da memória e dos costumes de seus antepassados, mas também pela
mobilização da economia local e ganho de visibilidade social, a partir da festa que atrai visitantes,
proporcionando assim uma nova realidade à comunidade, movimentando o turismo religioso aliado às
tradições.

Invenção e transformação nas manifestações culturais populares

Pensar a cultura é enveredar por contornos teóricos e empíricos diversos. A complexidade do


seu significado mapeia a própria mudança histórica da humanidade de sua existência rural para a
urbana, o que inclui, entre outros fatores, a presença efetiva e decisiva dos meios tecnológicos nas vidas
das pessoas, a compreensão dos processos culturais que emergem por meio do diálogo, da vida em
comum e cotidiana e as heterogeneidades dentro do espaço-nação.
Desde a perspectiva dos Estudos Culturais, balizada pela obra de Raymond Williams, pensar a
cultura popular e a folkcomunicação exige menos pensar no determinismo das relações de poder, e
mais nas ações efetivas, nos processos de produção e manutenção da vida de um determinado grupo. A

1 Universidade Federal do Tocantins. Doutora em Comunicação pela UnB.


2. Universidade Federal do Tocantins. Graduando em Comunicação Social pela UFT.
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cultura como prática possui mecanismos de mudança, aos quais Williams denomina tradição seletiva.
Consiste em Identificar os aspectos hegemônicos, e na sua oposição o contra-hegemônico, as forças
contra-hegemônicas que dão dinâmica à mudança. Ou seja, é preciso pensar a cultura como todo um
modo de vida, seguindo pela verificação da heterogeneidade das experiências dos indivíduos frente às
transformações sociais, em que as pessoas se reconhecem como parte de um grupo e constituem
mecanismos próprios de asseguramento de sua cultura.
A recuperação da tomada de consciência histórica do conceito para desenvolver uma análise
cultural séria originou o estudo das formas culturais por Raymond Williams (1980, p. 21). Para o autor,
a cultura é um processo que agrega as experiências vividas e cotidianas das pessoas mas também carrega
a marca do legado e da herança que conformam a história distinta de cada povo.
Williams designa três categorias de definição da cultura: a) definição ideal de cultura (expressão
de valores absolutos do homem); b) acervo documental (registro da experiência num tempo
determinado); c) definição social, descrição de um modo de vida particular. Esta última inclui a
definição ideal, o acervo documental, a análise das instituições políticas, econômicas e sociais e das
formas particulares de comunicação entre os integrantes da sociedade.
Outro aspecto é o momento em que a linguagem se corporifica, observando a forma cultural, os
elementos dominantes de um processo cultural, no que a etnometodologia vai se inserir contribuindo
com o conceito de lugar de fala.
Assim, pensar a folkcomunicação, as manifestações populares, o folclore e suas vertentes, é
entrar no mundo do “diverso”, em que cada realidade estudada carrega elementos diversos de
manutenção dos grupos sociais.
O diverso, espaço de identificação multipolarizada, abre as portas da percepção e festeja o
encontro com o outro, num fluxo e refluxo de criatividade e de espanto, em que aquele que
fala poderá se encontrar na resposta do outro. O outro do desejo, o outro como exclamação
ou campo poético (LINS, 1997, p. 93).

Nesse sentido, retomamos aqui a abordagem de Luiz Antônio Barreto (2005, p.85). Segundo o
autor, "sobrevivência e renovação são leis próprias das memórias, aplicadas aos fatos folclóricos que
englobam, em suas vigências, todo o fazer e todo o saber de um povo". Assim, faz parte da própria
manutenção do folclore e inerente à sua sobrevivência (Benjamim (2004) e Barreto (2005) já chamam a
atenção para repensar o próprio desgastado termo folclore, que deve ser revisitado, e a inserção
inerente da relação entre comunicação e folclore, a partir das ideias de Luiz Beltrão) a sua capacidade de
se recriar, de inovar, nesse sentido, é necessário buscar no âmago dos grupos algo novo, sua reinvenção
em que alguns valores e identidades permanecem como herança e outros novos se constroem.
No Brasil, este processo de recriação tem sido compreendido desde sua colonização.
O Folclore no Brasil, portanto, espelha a convivência do povo com matéria que cria e
recria, no cotidiano dos estímulos de vida e com os repertórios do projeto
Cristianizador Ibérico, formado principalmente por danças e folguedos, literatura, em

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poesia e prosa, predominantemente orais, que tratam de Cristãos e Mouros, homens


de Deus e Infiéis, na representação genesíaca do bem e do mal, sem falar, na
composição religiosa, a presença, fétida, enxofrada, do Diabo (BARRETO, 2005, p.8).

Por outro lado, o “diverso” de manifesta em diversos processos que seguem além das visões
romantizadas ou de relações de poder, é um imbricamento de motivos e motivações:
Mas é possível, também, recolher, nas ruas do Brasil, as pequenas estórias, contadas
por mulheres, velhos e crianças pedintes, ou as invenções brincantes ou as
improvisações dos corpos evoluindo aos sons e aos ritmos das sanfonas nordestinas,
acompanhadas pelo toque fino dos triângulos e pelo baque forte das zabumbas; muito
mais que uma estética dos desvalidos [...] Para restaurar o Folclore falta buscar, no
íntimo das pessoas e dos grupos, a matéria nova, que mostra a capacidade criadora da
gente brasileira, despojada da submissão redutora e que revele, in fieri, toda a amplitude
da alma nacional, nos recantos todos do Brasil (BARRETO, 2005, pp. 105-106).

Conforme encerra Schmidt (2008, pg.4), das atividades do dia-a-dia ao extraordinário das festas,
as manifestações folclóricas são registros criativos, influenciam e transmitem de uma geração à outra,
ou entre pares, o conhecimento comunitário e popular.

A Realeza Negra
A África nunca foi uma realidade homogênea em termos humanos e culturais e a cultura
brasileira está “impregnada” desta cultura africana. Antes mesmo do contato entre africanos e
europeus, ambos já sabiam o que era escravidão. No reino do Congo, por exemplo, existiam três
ordens sociais: a aristocracia, os livres e os escravos.
Na aristocracia a associação entre rei e a divindade, segundo Souza (2002), está presente na
grande maioria das culturas documentadas através dos tempos, pois a presença de um rei é, para Frazer
(1951), condição de desenvolvimento da humanidade, na qual o rei recebe a fidelidade de seus súditos
no duplo caráter de rei e deus.
De acordo com “O Povo Brasileiro”, de Darcy Ribeiro (2002), os primeiros povos negros que
vieram da África ao Brasil foram os da Costa Guiné. Em seguida, os “bantus” provenientes de Angola,
Congo e África Central Atlântica. Estes povos não vieram despidos de cultura e o “sagrado”, embora
cerceado pelos senhores de engenho, esteve e está presente em todos os instantes e em todas as
situações da vida bantu. Eles acreditam na existência de dois mundos, o visível e o invisível, na
interação destes dois mundos e num deus que é criador disto tudo.
Ainda no século XVIII o Brasil recebeu outro contingente de povos negros que foram trazidos
da Costa da Mina e do Golfo de Benin. Vieram pra cá os povos Gêges, grupos étnicos da antiga
Daomé; Nagôs, grupos étnicos de origem e língua iorubá – trazendo os orixás e orikis; e Alçás, vizinhos
dos iorubanos e com influência árabe. Para o povo iorubano, que contribuiu na fisionomia cultural de
Salvador, Recife e São Luís, os reinos variam de região para região. Tem-se o reino Oyó de Xangô, o
Keto de Oxossi e o Irê de Ogum.
Em Portugal, a herança africana também foi mantida, inclusive nas
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[...] festividades promovidas pela Coroa e pelas autoridades municipais, como entradas
reais, aclamações, casamentos e aniversários de membros da família real, eram
ocasiões em que se encontravam, sendo inclusive incorporados nos cortejos e
chamados, ao lado de outros grupos, a apresentarem suas músicas e danças exóticas
(SOUZA, 2002, p. 159).

Entretanto, a presença de africanos mostrando seus costumes tradicionais não era benquista
fora destes ambientes festivos. Além das festas reais, era permitida, segundo Souza (2002, p. 160), a
presença destes grupos nas instituições religiosas, “que aceitavam que celebrassem a Virgem Maria
vestidos à sua moda, com danças e ritmos africanos executados até dentro das igrejas”.
Nas Américas, sobretudo no Brasil, as comunidades de negros realizavam eleições de reis e
governadores e estas eram desempenhadas com festas e comemoradas com danças e ritmos africanos.
Além das festas eles cumpriam ações e funções de apoio à comunidade como, por exemplo, apoio aos
doentes, ajudando nos enterros etc. O rei, também chamado de capitão do mato ou capataz, desfrutava
de poder dentro daquele espaço e além do rei e da rainha havia outros cargos de caráter cerimonial,
entre os quais o do encarregado da bandeira, imperadores. As eleições duravam, normalmente, três dias
de cerimônias para os santos.
Segundo Marina Souza,
[...] os eleitos assumiam posição de controle sobre seus governados, decidindo
diretamente as questões internas ao grupo ou atuando à maneira de intermediários
entre este e a sociedade abrangente, como elementos de reforço da ordem (SOUZA,
2002, p. 177).

Além do poder político, os reis, devido à ligação com o divino, também exercia/exercem
importante papel na religiosidade do povo que durante muito tempo não foi bem visto pelos olhos da
Igreja por possuir festas carregadas de simbologia sincrética com caráter simbólico e lúdico, popular e
permeado de danças e cantos executados nas ruas e com ingestão de grande quantidade de bebida e
comida.
Na região central do Brasil, algumas manifestações populares mesclando a origem sagrada e as
festas profanas mantém o culto a esta realeza, destacando-se processos de reelaboração cultural que
identificam os locais dessas culturas, conforme as considerações de Bhabha, no sentido de que
instituem elementos formadores da vida cotidiana, lócus de realização e reprodução de sentidos no
tempo presente constituintes de um “entre-lugar” dentro de um tempo histórico que é ao mesmo
tempo “presença e substituição” (BHABHA, 1998, p. 221).
Esta influência pode ser percebida em manifestações diversas, como as festas juninas, cuja
maior força pode ser observada na região Nordeste do Brasil, e que ganha características peculiares no
distrito de Príncipe, em Natividade, Tocantins.

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Festas Juninas no centro do Brasil3

Capitão do Mato 4

Eu cheguei vestido de rei


Quem me chamou
Eu cheguei vestido de rei
Mutalambô
Eu vi que o vento zuniu
Eu vi que a folha caiu
Eu vi que relampeou
Eu vi que a mata rompeu
Eu vi que a flecha correu
Eu vi que a porta bateu
Chegou meu pai caçador
Eu cheguei vestido de rei…
É o dono do matagal
É guardião do embornal
É o chefe da guarnição
Ele é da casa real
Ele é quem briga com o mal
Ele é o meu capitão

Um príncipe de ouro é encontrado e desaparece da igreja do pequeno povoado em formação.


Esta é a história contada pelos mais velhos sobre a origem do distrito de Príncipe. Príncipe está
localizado a 230 km de Palmas e a 30 km da sede do município de Natividade, região Sul do estado do
Tocantins. Com população de menos de 500 habitantes, mantém uma vida pacata, ainda longe de
certos benefícios da vida moderna como sinal de telefonia celular, e com ausência de recursos sociais e
culturais essenciais como infraestrutura urbana, serviços de saúde com frequência, transporte, centros
de lazer e cultura.
Natividade é uma das cidades mais antigas do Tocantins, conhecida principalmente pelo
conjunto histórico de casarões e casas coloniais além das riquezas naturais, de onde se explorou por
décadas o ouro. E foi devido ao garimpo e pela aglomeração em torno da única escola existente no
povoado que o povoado se formou, segundo os moradores mais antigos. Em Príncipe, as mulheres se
ocupam basicamente dos afazeres domésticos, os homens trabalham na lavoura e faltam atividades para
preencher o tempo das crianças e adolescentes da região ou mesmo incentivos à qualificação
profissional desses jovens e adolescentes.

3 Colaboração neste tópico de pesquisa de campo realizada na disciplina Comunicação Comunitária, do curso de
Comunicação Social da UFT, no semestre 2011/1, pelos alunos Carla Schultes Ribeiro, Fábio Coêlho, Lara Fogaça, Samea
Letícia Aires e Wanderson Gonçalves, sob a orientação da professora Verônica Dantas Meneses.
4 PINHEIRO, Paulo César; BARRETO, Vicente. Capitão do mato. Intérprete: Maria Bethânia. In .: Brasileirinho ao vivo. Rio

de Janeiro: Quitanda, 2004. 1 CD.

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As duas principais manifestações culturais do distrito estão ligadas à igreja católica, embora
existam na comunidade duas pequenas igrejas evangélicas. O Festejo de São João e a recepção da Folia
do Divino Espírito Santo de Natividade atraem visitantes da região anualmente.
Durante a Folia do Espírito Santo, a chamada folia de baixo realiza um pouso no povoado, que
recebe com farta comida, orações e danças (catira) os foliões que compõem a comitiva que passará 40
dias em peregrinação até o encerramento da festa, no dia de Pentecostes. Já os Festejos de São João,
marca forte do povoado, se tornaram referência nas proximidades e envolve todo esforço comunitário
e planejado pela comunidade durante o ano.
A festa tem características particulares em Príncipe. O dia de São João é comemorado em 24 de
junho, mas seus preparativos se iniciam muito antes e na data da celebração já se têm escolhidos os
personagens principais da festa: capitão do mastro, rainha, imperador e imperatriz.
O primeiro dia da festa, 23 de junho, é chamado Dia do Capitão do Mastro e de sua
companheira rainha. O capitão do mastro é figura da festa do Divino Espírito Santo em várias cidades
do Brasil, especialmente na região Centro Oeste e vemos nos festejos juninos de Príncipe sua presença
marcante diferenciando das festas juninas tradicionais da região Nordeste do Brasil. Nas festas juninas,
o mastro é tradicionalmente erguido para simbolizar os três santos homenageados, Santo Antônio, São
João e São Pedro. Uma possível origem desta tradição, entretanto, costume pagão de levantar o mastro,
ou do mastro de maio, presente em vários países europeus e no Brasil, simbolizando a fertilidade.
No decorrer da manhã do dia 23, os preparativos começam com a decoração do salão e da
comida que será servida à noite aos participantes da festa, preparada em grandes panelas e fogões pelas
mulheres do povoado na casa do capitão, com mantimentos recolhidos com a ajuda de todos da
comunidade.
Nas ruas de Príncipe, a imagem de São João é levada em procissão, com rituais e manifestações
de fé e devoção. A marcha é conduzida por uma das duas folias do local. Depois da marcha, à tarde,
acontece um lanche na casa da rainha servido aos presentes.
Após, segue o encontro das folias, cada uma se apresenta com cânticos diferentes. Neste
momento se reúnem às folias, capitão do mastro, rainha, imperador, imperatriz e o padre em que
acontece mais um ritual de oração.
Já no período da noite, todos se encontram na casa do Capitão, entoam cânticos e em seguida
caminham para a igreja. Capitão do mastro e rainha são carregados pela comunidade em um andor ao
lado do mastro. Durante o percurso, um grupo de crianças segue dançando sussa, dança de origem
africana presente vários festejos religiosos de diversas cidades do Tocantins. Após a celebração da missa
acontece o jantar, farto, de responsabilidade do capitão, mas preparado pela comunidade e servido pela
rainha e outras mulheres. Após estas celebrações, muita música e bebidas seguem até tarde, nas barracas
montadas seguindo a rua principal lotada por visitantes.

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O dia seguinte é dedicado ao Imperador e Imperatriz. Um café da manhã é servido na casa do


imperador, enquanto outras pessoas preparam o salão para a chegada do casal. Em procissão, o casal de
imperador e imperatriz são conduzidos ao salão. Depois de muita comida, bebida, dança e
confraternização o casal se dirige à igreja, onde acontece a coroação, realizada pelo padre.
Após a coroação, no salão construído no povoado, acontece o almoço, de responsabilidade do
imperador, servido a todos pela imperatriz e ajudantes. Com isso se encerra o Festejo, no entanto a
festa no salão continua.
Destaca-se na festa a dedicação geral da comunidade com os preparativos e a valorização aos
membros da comunidade escolhidos naquele ano para ser uma das figuras da festa. A decoração dos
espaços, a abundância da comida a ser servida, o embelezamento das mulheres, em que a vaidade
traduz o sentimento de alegria, são registros também chamativos na festa.
Os ritos são traduzidos por registros da devoção demonstrada pelo povo, em atos de submissão
diante da crença na representação simbólica de toda a liturgia, em que o respeito aos ícones religiosos é
evidenciado, mas também a herança cultural de uma origem por eles desconhecida.
A cultura popular é exposta no decorrer da festa através da súcia, dança tradicional no Estado,
inserida no primeiro momento que evidencia os personagens protagonistas da festa naquele ano, ou
seja, o capitão do mastro e a rainha, e o imperador e a imperatriz.
A descrição da festa é marcada pela multiculturalidade. Além da devoção do principal santo dos
festejo, São João, e nesse sentido inserindo aspectos da origem do labor e da sobrevivência além da
religiosidade e das identidades reafirmadas em laços de pertencimento da comunidade, os elementos
das festas mais tradicionais e populares (também no sentido de prediletas) de várias localidades da
região central do Brasil, incluindo o Tocantins.
A principal destas festas é a do Divino Espírito Santo, a Folia do Divino, em que se destaca a do
município de Natividade, que roda o Estado inteiro com duas trupes de foliões por 40 dias. O
município de Monte do Carmo também realiza a festa, que se agregou a outras duas: a de Nossa
Senhora do Carmo (padroeira da localidade, mais religiosa) e a de Nossa Senhora do Rosário. Além do
espírito de agradecimento e fé, estas festas, excetuando-se a de Nossa Senhora do Carmo, agrega
elementos de tradição, folclórico e diversão.
São marcadamente referentes a traços de referências africanas e portuguesas em que o
hibridismo cultural e a diversidade são evidentes, principalmente da cultura africana com ritos e danças
como a catira, a súcia, a dança da Jiquitaia e as congadas (MESSIAS, 2010, p. 5).
Característica comum nestas festas é a coroação de reis e rainhas, ou imperador e imperatriz, no
caso da Folia do Divino, além da presença central do Capitão do Mastro, o Alferes da Bandeira,
responsável por conduzir a folia e carregar a bandeira, executando as reverências diante da comunidade.
As figuras do rei, rainha, imperador e imperatriz, em geral escolhidos a cada ano pela própria
comunidade entre seus integrantes. Além destes os próprios foliões são atores valorizados nos festejos,
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líderes folkcomunicacionais que transmitem o ideal de compromisso como portadores das graças
pedidas aos santos (MARÇAL et al, 2011).
Na festa junina de Príncipe, especialmente a figura do Capitão do Mastro é um elemento a mais
que demonstra a invenção particular destes festejos pela comunidade, criando laço identitários fortes e
regionalmente, tradicionalmente e cotidianamente marcados. Podemos dizer que este é mais um
elemento com diversas origens.
Assim, diversos elementos do fato folclórico se fundam como formas de comunicação e
cultura, conforme Benjamim (2004, pp. 21-28). Aspectos de antiguidade, aceitação coletiva e
tradicionalidade, e por consequência resistência cultural, são perpassados por processos de
refuncionalização baseados em condições próprias do local, mas constituindo um sistema cultural que
não está isolado e restrito àquele grupo.

Considerações finais
Nas sociedades contemporâneas em tempos de globalização, não é mais possível a manutenção
de definições determinadas e fechadas. A diversidade cultural que marca o Brasil tem características
muito particulares que manifestam modos de pensar e fazer de seus representantes, mas também
demarcam laços identitários, comunicam expressões, valores e demandas de grupos em geral
reprimidos e à margem da cultura hegemônica. A criatividade da apropriação cultural, reconstrução e
reinvenção são marcas das manifestações populares que também são regionalizadas.
As peculiaridades dos festejos juninos no povoado Príncipe, Tocantins, demonstram formas de
os grupos sociais localizados garantirem estratégias de visibilidade e sobrevivência coletiva e a
capacidade de reinventar as formas culturais com as quais estruturam essas condições.
Observar com desprendimento a realidade de um povoado que vive às margens da sociedade em
um momento em que a pacata comunidade mostra toda a sua força de vontade, devoção, tradição e
coletividade, quando se propõe à realização, produção e execução de uma festa que movimenta todo o
povoado e seus arredores, é essencial para garantir, por meio da pesquisa e divulgação científica,
panoramas mais dinâmicos e particulares da sociedade.
O Festejo de São João de Príncipe representa, de fato, a identidade cultural da sua população,
destacada pelo sincretismo, pelas especificidades do lugar, pela necessidade de visibilidade e pela
reinvenção e reelaboração das heranças passadas por gerações bem como da comunicação hegemônica,
em que a própria comunidade é protagonista e coadjuvante.

Referências
BARRETO, Luiz Antônio. Folclore: invenção e comunicação. Aracaju: Typografia Editorial/Scortecci Editora, 2005.
BENJAMIM, Roberto. Folkcomunicação na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Comissão Gaúcha de Folclore,
2004.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1105

BHABHA, H. O local da cultura. Trad. de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo
Horizonte, MG: Ed. UFMG, 1998.
FRAZER, James George. The golden bough. The magic art and the evolution of kings. New York: The MacMillan
Company, 1951.
LINS, Daniel. Como dizer o indizível. In: LINS, Daniel (Org.). Cultura e subjetividade: saberes nômades. 5. ed. São Paulo, SP:
Papirus, 1997.
MARÇAL, D.C. ; CARACRISTI, M. F. A. ; MENESES, V. D. . A Folkcomunicação nos festejos de Monte do
Carmo/TO. In: XIV Conferência Brasileira de Folkcomunicação, 2011, Juiz de Fora/MG. XIV Conferência
Brasileira de Folkcomunicação, 2011.
MESSIAS, N. C. Negros e Brancos em Monte do Carmo(TO): Manifestações culturais e Religiosidade. Disponível em:
<http://www.ufg.br/this2/uploads/files/112/36_NoeciMessias_NegrosEBrancosEmMonteDoCarmo.pdf.> .
Acesso em junho de 2010.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
SCHMIDT, Cristina. Folkcomunicação: estado do conhecimento sobre a disciplina. 2008. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/bibliocom/zero/pdf/schmidt.pdf. Acesso em: 14/01/2010.
SOUZA, Marina de Mello e. Reis negros no Brasil escravista: histórias da festa de coroação do rei congo. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2002.
WILLIAMS, Raymond. Marxismo y literatura. Barcelona, Espanha: Ediciones Península, 1980.

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RESUMO
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1107

Resumo

Por uma Rede Latino-americana de Cultura Viva Comunitária

Aline Andrade de Carvalho

D
esde 2009 vem sido construída na América Latina uma rede de coletivos, artistas, gestores,
pesquisadores, midialivristas, e agentes culturais em geral em torno da chamada "Cultura
Viva Comunitária". Esta articulação é fruto da apropriação latinoamericana do Programa
Cultura Viva, criado em 2004 pelo Ministério da Cultura brasileiro, ao passo que esta política pública se
enfraquecia no país. É interessante observar como o conceito foi apropriado pela sociedade civil
organizada, que o ressignificou em uma rede transversal de experiências ligadas ao território local, e ao
mesmo tempo orientadas à ação nacional e continental, reconhecendo que o primeiro território é seu
prório corpo. Este artigo visa assim explorar esta articulação em termos históricos, sociais e conceituais,
mais especificamente com a realização do 1° Congresso Latinoamericano Cultura Viva Comunitária, de
17 a 22 de maio de 2013 em La Paz, na Bolívia, do qual os autores participaram ativamente de sua
construção.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1108

O FoMerco

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O FoMerco
O Fórum Universitário Mercosul – FoMerco é uma rede de pesquisadores de distintas nacionalidades
que, há pouco mais de uma década, se reúnem anualmente com o propósito de discutir e analisar as
implicações, as trajetórias, os problemas e os avanços relativos ao processo de integração sul-americana.
Sublinha-se no âmbito da identidade do FoMerco o imperativo de uma reflexão que possa incidir sobre
a continuidade, a correção de rota e os ajustes das políticas públicas que promovam e consolidem a
agenda da integração como instrumento efetivo de autonomia e desenvolvimento da região, nestas
primeiras décadas do século XXI. Um desenvolvimento que não se mede só pela riqueza da economia
de um país ou de uma região, mas se avalia pela extensão e qualidade dos direitos que proporciona a
seus povos. Em suma, o FoMerco tem como missão produzir, articular e disseminar conhecimento
para aperfeiçoar a agenda das políticas públicas de integração no continente.

Objetivos

O objetivo geral do FoMerco é analisar, debater e divulgar as transformações profundas introduzidas


na agenda da integração promovida pelos governos eleitos neste século, no continente, mediante a
adoção de uma política externa autônoma combinada a um desenvolvimento econômico-social voltado
para a emancipação dos Estados e povos sul-americanos.

Para tanto, o FoMerco pretende promover e divulgar a pesquisa e o debate acerca da atuação conjunta
das nações sul-americanas —e do protagonismo do Brasil em particular—, não apenas em termos de
estratégia de inserção regional autônoma na nova ordem global, mas, sobretudo, como construção de
alternativa emancipatória de um processo contra-hegemônico.

Em suma, os pesquisadores no FoMerco perseguem o objetivo de entender o alcance de uma


integração ampliada, que associa os critérios diplomáticos e econômico-comerciais à uma pretensão
simultaneamente política, social e cultural, e que abrange múltiplos organismos regionais, dentre os
quais somam-se ao Mercosul a recém criada Comunidade de Estados Latino-americanos e
Caribenhos – Celac e a também jovem União Sul Americana das Nações – Unasul.
Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1110

A expectativa é de que a compreensão da integração em tela como objeto de pesquisa


multinacional e multidisciplinar permita também uma elaboração prospectiva de alternativas e
ajustes de políticas públicas nacionais e regionais.

Trajetória
Desde sua origem, em 2000, o FoMerco tem buscado promover o intercâmbio entre as instituições e
estudiosos através de atividades de cooperação que contribuam para o aperfeiçoamento do ensino e da
pesquisa em relação aos temas que formam a agenda do Mercosul. Para a difusão do Fórum e do ideal
da construção da integração, o FoMerco tem adotado a estratégia de realização de seus congressos nas
diversas capitais brasileiras e, em 2010, inaugurou suas atividades no exterior, na Universidade de
Buenos Aires. Desde sua inspiração nos seminários sobre “Universidades no Mercosul”, realizados na
PUC-MG, no final da década de 90, e a partir sua criação em 2000, foram realizados até agora quatorze
Congressos Internacionais.

XIV (2013) De sul a Norte. Por uma integração do continente sul-americano. Universidade
Federal do Tocantins (UFT) Palmas, Tocantins.
XIII (2012) Por uma integração ampliada da América do Sul no século XXI. Edifício‐sede do
Mercosul. Montevidéu, Uruguai.
XII. (2011) Os 20 anos do Mercosul. Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro.
XI (2010). Sulamérica: comunidade imaginada. Emancipação e integração. Universidad de
Buenos Aires (UBA). Buenos Aires, Argentina.
X (2009). Fronteira, Universidade e Crise Internacional. Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (Unila). Foz do Iguaçu, Paraná.
IX (2008). Desafios e oportunidades no norte da América do Sul. Universidade Federal de
Roraima (UFRR). Bela Vista, Roraima.
VIII (2007) Desafios e oportunidades da integração regional no norte da América do Sul.
Universidade Federal de Sergipe (UFS). Aracaju, Sergipe.
VII (2006) Uma nova configuração política para a América do Sul. Memorial da América
Latina, sede do Parlatino. São Paulo, São Paulo.
VI (2005) Mercosul e Comunidade Andina de Nações: os desafios da integração sul-americana.
Universidade Católica de Goiás (UCG). Goiânia, Goiás.
V (2004) A relação Estados Unidos - América Latina na ordem mundial hoje. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
IV (2003) América do Sul como prioridade do Brasil. Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Maringá, Paraná.
III (2002) A Universidade e a (des)integração da América Latina. Universidade de Brasília
(UnB). Brasília, DF.
II (2001) Desequilíbrios regionais na Integração. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Recife, Pernambuco.
I (2000) Mercosul em Debate. Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro.

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1111

Dentre as publicações dos Anais dos Congressos, além do livro eletrônico resultante do XIII
Congresso, que reuniu análises dos diferentes aspectos da agenda de desenvolvimento e políticas de
integração, destacam-se até o momento:
SARTI, I; LESSA, M. L.; PERROTTA, D., CARVALHO, G. C. (Orgs) Por uma integração
ampliada da América do Sul no século XXI. Ingrid Sarti, Daniela Perrotta, Mônica Leite Lessa,
Glauber Cardoso Carvalho. E-book. 2v. Rio de Janeiro: Perse, 2013.
Lessa, M. (org): Os 20 anos do Mercosul. Anais XII Congresso Internacional do FoMerco,
2011. cd;
Cerqueira Filho, G. (org). Sulamérica, comunidade imaginada: emancipação e integração. Niterói:
EdUFF, 2011;
Lima, M. C, Santos, R. R., Sarti, I. e Ghere, T (org.). Mercosul século 21: ampliação e aprofundamento.
2 vol. Boa Vista: EdUFRR, 2010;
Lima, M; C. e Sarti, I (org). Frontera, Universidad y Crisis Internacional. Fórum Universitário Mercosul
– FoMerco. Foz de Iguaçu, 2009 (cd)

As atividades setoriais dos Grupos de Trabalho também geraram várias publicações expressivas do
debate interno acumulado nos GTs, algumas vinculadas a outras associações (como Clacso e Flacso).

Integrantes de uma rede sem fins lucrativos, os congressistas do FoMerco têm contado com o apoio
das Universidades que acolhem a realização dos Congressos e o patrocínio de órgãos e instituições de
caráter público. A contribuição de órgãos públicos do tem sido fundamental para viabilizar a realização
dos Congressos.Destacam-se os seguintes apoios históricos:

CAF – Banco de Desenvolvimento da América Latina


Capes/MEC;
Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento - CICEF,
CNPq/Pro-Sul/MCT;
Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade Federal do Rio de Janeiro -
CBAE/UFRJ;
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais - CLACSO
Conselho Brasileiro do Mercosul Social e Participativo/ Secretaria Geral da Presidência
da República, Brasil;
FAPERJ
FAPESP
Fundação Alexandre de Gusmão – FUNAG;
Fundação Banco do Brasil – FBB;
Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da UFPE - FADE;
Fundação Friedrich Ebert
Fundação Universitária José Bonifácio da UFRJ– FUJB;
Instituto Cultural Brasil-Uruguai
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA;
Secretaria Geral do Mercosul
Ministério das Relações Exteriores – MRE, Brasil;
Ministerio de las Relaciones Exteriores – MRE, Argentina;
Ministerio de las Relaciones Exteriores – MRE, Uruguai.
Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura – UNESCO.

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1112

Estrutura e Funcionamento

O Fórum Universitário Mercosul estrutura-se em duas modalidades de Congresso Internacional, a


saber: nos anos pares o Congresso promove o debate com a presença de profissionais de notório saber
que venham a aprofundar as análises da integração regional. Nos anos ímpares, o Congresso é mais
amplo, com chamada aberta de artigos que buscam atender ao requisito da multidisciplinaridade com as
atividades organizadas em 14 Eixos e 27 Grupos Trabalho (GTs). Essa tradição ocorreu, por exemplo,
em 2009, em Foz do Iguaçu, ocasião em que foram selecionados 216 resumos a serem debatidos nos
GTs, 128 dos quais publicados na íntegra.

Neste momento, sob presidência eleita em Assembleia no XII Congresso para o exercício do período
2011-2013 e com o apoio do Conselho Consultivo eleito na mesma ocasião, foram assumidos os
seguintes compromissos de uma gestão descentralizada que pretende renovar a estrutura do FoMerco,
acentuando sua natureza democrática, integracionista e latino-americanista:

(a) expressiva representação plurinacional em todas as instâncias de gestão do FoMerco;


(b) estreitamento das relações entre o FoMerco e as instituições voltadas para o
desenvolvimento acadêmico latino-americano (Clacso, Flacso, Alas, SBPC, SBF, Cicef etc);
(c) promoção do debate das experiências de integração realizadas por pesquisadores,
organizações da sociedade civil e movimentos sociais;
(d) impulso à visiblidade do FoMerco mediante participação e divulgação no âmbito das muitas
associações profissionais que acolhem e desenvolvem temas da integração, em busca de todos
os olhares do conhecimento, em tentativa de aprofundamento da interdisciplinaridade no
contexto da integração – para além da abordagem das ciências sociais que tem predominado no
Forum.

Associados

De acordo com o estatuto vigente, a associação ao FoMerco é exclusivamente institucional.


Atualmente, 50 Instituições são associadas ao FoMerco:
1. Centro de Estudos de Cultura Contemporânea - Cedec - SP
2. Centro Universitário da Cidade - UniverCidade
3. Faculdades Integradas do Recife
4. Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais - Flacso
5. Facultad de Ciencias Economicas y Estadistica - Universidad Nacional de Rosario
6. Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB/SC
7. Pontifícia Universidade Católica de Brasília
8. Pontifícia Universidade Católica de Goiás - UCG
9. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas
10. Pontifícia Universidade Católica de Pelotas
11. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
12. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC/RJ
13. Pontifícia Unversidade Católica de Pernambuco - PUC
14. Programa de Pós-graduação em Integração da América Latina - Prolam/USP
15. Universidad de la República de Uruguay - Udelar
16. Universidad Nacional de Rosario - Argentina
17. Universidade Cândido Mendes - Ucam/RJ

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18. Universidade de Brasília - UnB


19. Universidade de Buenos Aires - UBA
20. Universidade de São Paulo - USP
21. Universidade de Sorocaba - SP
22. Universidade do Estado de Santa Catarina - Udesc
23. Universidade do Estado de São Paulo - Unesp
24. Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
25. Universidade do Vale do Itajaí - Univali/SC
26. Universidade Estadual de Campinas -Unicamp
27. Universidade Estadual de Maringá - UEM/PR
28. Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste
29. Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS
30. Universidade Federal da Integração Latino-Americana - Unila/PR
31. Universidade Federal da Paraíba - UFPB
32. Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF/MG
33. Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
34. Universidade Federal de Pelotas - RS
35. Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
36. Universidade Federal de Roraima - UFRR
37. Universidade Federal de Santa Maria - UFSM/RS
38. Universidade Federal de São Carlos - UFSCar/SP
39. Universidade Federal de Sergipe - UFS
40. Universidade Federal de Viçosa - UFVi/MG
41. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS
42. Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
43. Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
44. Universidade Federal Fluminense - UFF/RJ
45. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ
46. Universidade Los Andes, Mérida/Venezuela
47. Universidade Luterana do Brasil - Ulbra/RS
48. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - RS
49. Universidade São Francisco - SP
50. Universidade São Marcos - SP

Vale ressaltar que o cadastro de participantes inscritos nos Congressos do FoMerco nos últimos 5 anos
registra a presença de 600 membros. Em relação ao perfil dos participantes dos Congressos FoMerco,
observa-se um grau de constância na presença de pesquisadores/professores, principalmente entre
brasileiros e argentinos. Já o número de alunos de pós-graduação oscila e é sempre muito maior nos
Congressos de anos ímpares, quando ocorre a chamada aberta de artigos como atividade dos Eixos/
Grupos de Trabalho. Historicamente, os Congressos do FoMerco apresentam uma média de presença
de, pelo menos, 70% de pesquisadores/professores e 25% de pesquisadores/pós-graduação.

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XIV Congresso Internacional


De Sul a Norte. Por uma integração do continente sul-americano

Programação

dia 23 de outubro de 2013, quarta-feira

Simpósio de Abertura
Cultura Contemporânea na América Latina
Debate sobre pensamento latino-americano e as expressões culturais do continente,
desde as manifestações dos povos originários até a luta pela regulamentação do
poder midiático. Questionamento do papel da cultura como fator de integração
regional.
Horário: 16h às 18h

Expositores:
Albino Rubim
Ana Wortman
Beatriz Bissio
Maria Luiza Franco Busse
José Renato Vieira Martins
Susana Soares
Vera Cepêda
Relator: Leonardo Valente
Coordenação: Mônica Leite Lessa
Cerimônia de Abertura
Instalação do XIV Congresso
Horário: 18h20 às 19h

Painel de Abertura
Unasul e Mercosul, os desafios da Integração em tempo de crise global
Intervenções de convidados especialistas sobre as estratégias de articulação política
entre os Governos nos blocos Mercosul e Unasul, em relação aos temas prioritários

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da agenda da integração.
Horário: 19h às 21h
Expositores:
Jorge Lara Castro
Mariana Vázquez
Luiz Dulci
Reinaldo Salgado
Roberto Conde
Samuel Pinheiro Guimarães
Coordenação: Geronimo de Sierra

dia 24 de outubro de 2013, quinta-feira

Eixos/GTs
Reunião de Trabalho.1
Horário: 8h30 às 10h20

Painel. 2
Tecnologias sociais, cooperação internacional e produção do conhecimento
A importância da integração das ciências e das tecnologias na América do Sul e as
alternativas de produção e divulgação do conhecimento como fator de
desenvolvimento regional que redefinem as políticas públicas. Distintas visões acerca
da necessidade de institucionalização das redes e do aprofundamento de seu grau de
internacionalização. Contribuições analíticas de redes consolidadas, abrem o debate
sobre a internacionalização das universidades e do FoMerco, em particular.
Horário: 10h3o às 12h30

Expositores:
Anibal Orué Pozzo
Daniela Perrotta
Ennio Candotti
Geronimo de Sierra
Paula Rodriguez Patrinós
Relator: Glauber Cardoso Carvalho
Coordenação: Gonzalo Berrón

Painel.3
Os desafios da Amazônia. Desenvolvimento, defesa e políticas sociais
Os desafios da integração e as políticas de defesa e desenvolvimento científico que
nos remetem à Amazônia e a questões contidas na agenda do desenvolvimento
integrado.
Horário: 10h30 às 12h30

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013


Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1116

Expositores:
Alexandre Fuccille
Alexandre Uehara
Edna Castro
Marcelo Mariano
Emanuel Porcelli
Coordenação: Thomas Heye

Simpósio.2
Desenvolvimento, industrialização, recursos naturais e a nova arquitetura
financeira da integração no Século XXI
Debate sobre as questões que interrogam as escolhas dos modelos de
desenvolvimento no contexto de crise internacional e a busca de políticas alternativas
na região. Incluir a polêmica primarização vs industrialização, a noção de
desenvolvimentismo no mundo globalizado e as escolhas possíveis de utilização dos
recursos naturais para o desenvolvimento integral. Avaliação dos avanços e
obstáculos na tentativa de criação de um sistema de financiamento do
desenvolvimento integrado.
Horário: 14h30 às 16h30

Expositores
Alan Barbier0
André Calixtre
José Carlos de Assis
José Félix Rivas
Ricardo Canese
Relator: Raphael Padula
Coordenação: Frederico Katz

Simpósio.3
Desafios da Democracia: desigualdades, teoria e prática.
Abordagem da democracia e os conflitos sociais vigentes nos países-membro do
Mercosul e da Unasul, à luz dos persistentes indicadores de desigualdade social e do
desempenho das instituições voltadas para sua gestão. Apreciação da
institucionalidade do Mercosul com a entrada da Venezuela, o golpe do Paraguai e as
propostas de incorporação de Equador e Bolívia, Guiana e do Suriname. Novas
formas de diálogo com o movimento social urbano no contexto de descrédito da
política e, particularmente, dos partidos políticos. Avaliação da competência
legislativa e o desempenho do Parlamento da América do Sul – Parlasul.
Horário: 17h às 19h

Expositores
Aragon Érico Dasso Júnior
Gustavo Codas

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Anais do FoMerco - Fórum Universitário Mercosul | 1117

Karina Pasquariello Mariani


Susana Novick
Williams Gonçalves
Relatora: Flávia Guerra
Coordenação: Ingrid Sarti

dia 25 de outubro de 2013, sexta-feira

Eixos/GTs
Reunião de Trabalho.2
Horário: 8h30 às 10h20

Assembleia Geral
FoMerco

Horário: 10h30 às 12h30

XIV Congresso Internacional | Palmas-Tocantins-Brasil | 2013

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